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Emilio Gennari (Org.

Traduções dos comunicados do


Exército Zapatista de Libertação Nacional
Janeiro a Dezembro de 2002

Ao reproduzir... cite a fonte.


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(Obs: O silêncio do EZLN, iniciado em maio de 2001, continua. Enquanto isso, as denúncias dos
Municípios Autônomos Zapatistas e as demais reportagens publicadas na imprensa mexicanas
ajudam a reconstruir os acontecimentos que marcam esta época.)

As autoridades autônomas de Los Altos comemoram oito anos do levante indígena.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 02/01/2002.

Oventik, Chiapas, 1º de janeiro. “O governo não tem vontade de resolver a questão dos direitos dos povos
indígenas. Como exemplo, aí está o descumprimento dos Acordos de San Andrés”, disseram em sua mensagem as
autoridades autônomas zapatistas de Los Altos, ao celebrar mais um ano de luta e de resistência.
“Os deputados panistas e priistas não quiseram reconhecer os direitos indígenas na Constituição”,
sublinharam os zapatistas num ato presidido pelos conselhos autônomos de San Andrés Sakamchén de los Pobres,
San Pedro Polhó, San Juan de la Libertad e Santa Catarina Pantelhó (o puro heartland tzotzil). Às suas costas, no
palanque, há uma grande bandeira nacional.
“Mas demos um passo importante. Não é o momento de desanimar ou de ficarmos desesperados. Sabíamos
desde o começo que a nossa luta seria longa e difícil”, leram dois indígenas de rosto coberto em espanhol e,
sucessivamente, em tzotzil diante de cerca de dois mil indígenas da região, no Aguascalientes II desta comunidade
de San Andrés.
“Por isso, ao despedir-nos do ano de 2001 e ao recebermos 2002, afirmamos mais uma vez a nossa decisão
de continuar lutando pela democracia e pela justiça”. Num ato simples, pois o baile era a parte principal desta
celebração de gente modesta, pequena, pobre e ainda negada, as bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação
Nacional disseram a sua palavra (como eles dizem) através de “um breve discurso”.
Apesar da fama de estar sofrendo “uma dor silenciosa e estóica”, nesta região o povo é alegre por natureza.
Nesta noite, se notava isso neles. Tinham a disposição um conjunto de grupos musicais que dava pra tocar a noite
toda. Bandas de instrumentos de sopro, teclados para o baile folclórico, vários grupos de harpa e violão para as
músicas tradicionais, uma harmônica do norte. Vieram camponeses das comunidades dos quatro municípios
mencionados, mas chegaram também de Chamula, Zinacatán, Magdalenas. Acamparam nas encostas do
Aguascalientes colocando lonas e fogueiras, ou se instalaram no auditório que é um grande salão de madeira.

O único caminho para não sermos exterminados.

“Hoje estamos aqui reunidos para celebrarmos o oitavo aniversário do nosso levante contra o mau governo
e suas forças repressoras. Contra a humilhação e o desprezo. O levante armado foi o único caminho que nos
deixaram para não sermos exterminados”, disseram hoje estes indígenas rebeldes que no dia 1º de janeiro de 1994
enviaram seu exército, o EZLN, para fazer guerra ao governo e colocar assim suas reivindicações. Desde então,
estas comunidades têm sido justamente bases de apoio. E por isso mesmo, têm vivido em contínuo estado de
guerra.
Lembraram que “os caminhos legais e pacíficos não foram ouvidos pelo mau governo”, e recolocaram suas
famosas reivindicações: trabalho, terra, moradia digna, alimentação, saúde, educação, independência, igualdade de
direitos entre homens e mulheres, paz com justiça e dignidade.
“Foram oito anos de guerra, de militarização e paramilitarização, hostilidades e ameaças contra os povos
indígenas, divisão e expulsão”, expressaram os zapatistas em sua mensagem. “Enquanto não forem atendidas
nossas reivindicações, continuaremos resistindo até que se cumpram nossos direitos. Ainda que o mau governo
diga que já não há guerra, que já estamos vivendo na santa paz, não devemos deixar-nos enganar. Não devemos
ficar assustados diante das ameaças de seus militares e paramilitares”.
À solidariedade nacional e internacional, representada aqui pelas caravanas dos Pastores pela Paz, dos
estudantes e dos comitês civis de diálogo procedentes de várias partes da República, pediram: “que continuem se
organizando, que não se deixem enganar pela política dos governantes”.

Os primeiros oito anos.

Enquanto o discurso é lido em tzotzil, pausadamente, e é ouvido com atenção pelos indígenas, me vem a
idéia de que a luta zapatista se universalizou em espanhol, mas foi pensada nas línguas dos povos maias. Talvez, é
também por isso que continua sendo mal compreendida pela classe política. Uma das acusações contra estes
indígenas que mais foram repetidas nos primeiros anos do levante foi que estavam sendo manipulados. O que se
percebe aqui é que poucas vezes como agora, se houve algumas, eles têm sido donos do seu destino.
Tanto é assim que por aquilo que é o tempo indígena, que já produziu descalabros nos relógios do mundo
durante os diálogos de San Miguel e San Andrés, os zapatistas se adiantaram no tempo mais uma vez. Em Oventik,
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janeiro começa hoje uma hora antes da “nacional”, às 23.00 horas dos nossos relógios. Estes são autônomos até
em sua maneira de adotar um tipo de horário.
Ao longo da guerra mostraram, literalmente, o quanto se interessavam por eles. Submeteram-nos a um
permanente estado de sítio em suas comunidades, nos campos de refugiados, nos terrenos e nos caminhos. Aviões e
helicópteros quase roçando seus telhados, metralhadoras e tanques apontados contra eles durante anos. Sofreram
perseguição policial, falsas acusações, prisão, expulsões e massacres. O não atendimento de suas reivindicações.
Mas, nesta noite, cantam duas vezes com ânimo o seu hino “Já se vê o horizonte” e o hino nacional,
dançam até de madrugada na quadra de basquete, sob uma lua redonda que se desvia das nuvens e se esconde para
fazer repetidas e espetaculares aparições sobre o palanque, quando sobrepõe sua luz azul à névoa teimosa.
Os meninos correm desinibidos, e até as meninas. Que mudanças profundas representaram para estes povos
os anos passados desde o seu levante? Esta noite o seu discurso tem sido severo, de inconformidade, mas otimista.
E os vivas que acompanharam o anúncio do “agora, companheiros, umas palavras de ordem”, são para os povos
zapatistas (aplausos), para os combatentes insurgentes (aplausos), para os milicianos (aplausos), para os municípios
autônomos, para o Congresso Nacional Indígena (aplausos), para a sociedade civil nacional e internacional. Ou
seja, para os principais protagonistas destes primeiros oito anos.

Denunciam hostilidades militares contra os povos zapatistas.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 02/01/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 1º de janeiro. Poucas horas antes da celebração do oitavo aniversário
do levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional nos cinco Aguascalientes, nas cabeceiras municipais
autônomas e em muitas comunidades rebeldes foram denunciados patrulhamentos, sobrevôos rasantes e
hostilidades contra bases de apoio zapatistas por parte do Exército Mexicano na região dos Montes Azules e na
área Chancalá-Palenque, bem como agressões e ameaças de violência armada por parte de grupos priistas em San
Andrés Sakamch’en, Aldama, Roberto Barrios e Ejido Novo México, ao norte da Selva Lacandona.
É muito de tudo ao mesmo tempo, não é? Numa conjuntura na qual, ao renovar em Chiapas as
administrações locais, se manifestam descontentamentos pós-eleitorais, entre disfarces partidários e a defesa de
vários interesses dos caciques que pouco ou nada tem a ver com o conflito zapatista, parece descer uma cortina de
fumaça para aumentar as hostilidades contra as comunidades em resistência.
O conselho municipal autônomo de Ricardo Flores Magón comunicou hoje: “nos vemos na necessidade de
denunciar o que o mau governo mexicano, através das operações aéreas e das movimentações militares, vem
repetindo constantemente com seus soldados atos de violência, de hostilidade, nas comunidades indígenas que
vivem no triângulo da reserva dos Montes Azules”.
Denunciaram “o início de uma operação de controle militar em 27 de dezembro passado no ejido San
Caralampio, com sobrevôos rasantes, e que, sobretudo, no mesmo dia, pousou um helicóptero militar fortemente
armado no povoado Laguna Suspiro, ao lado de Laguna Yankis”.
As autoridades autônomas dizem que, no dia 27, “bem cedo, começou a operar o posto de controle militar
no ejido San Caralampio, com registros de violência e interrogatórios. Os soldados carregavam metralhadoras de
assalto. Com esta operação são violados os direitos de livre trânsito e se cria temor e medo nas nossas humildes
comunidades indígenas, de coração verdadeiro, que vivem no vale de Taniperla passando a revista em San
Caralampio até o ejido San José”.
No mesmo dia, iniciaram as operações do Exército federal por todo o vale: “Houve diferentes tipos de
patrulhamentos de avião e helicóptero, com vôos rasantes sobre a serra Cruz de Plata, sobrevoando as comunidades
de Taniperla, San Caralampio até ejido San José, e logo patrulhando parte da reserva dos Montes Azules, para sair
no ejido San Jeronimo Tulijá, patrulhando nosso território rebelde”.
Detalham que, às 13.30 hs., um helicóptero militar “deu pelo menos três voltas em sobrevôos rasantes (a
menos de 30 metros de altura) até pousar no povoado Laguna Suspiro, causando prejuízos a todo o povoado ao
estragar os telhados de folhas de palmeira e palha”.
“Esta foi uma forma de hostilizar e uma repressão militar, as pessoas ficaram assustadas e obrigadas a
fechar-se em suas casas e a não dizer nada, e, assim, os soldados fortemente armados começaram a filmar e a tirar
fotografias das montanhas e das plantações semeadas pelos moradores. Uma hora depois, o helicóptero fez um
novo sobrevôo, e assim os camponeses deste lugar não saíram durante dois dias temendo que os soldados tivessem
ficado para patrulhar a selva”.
As autoridades autônomas afirmam: “Com as operações dos meses anteriores, dia após dia, este tipo de
ações têm aumentado a presença do exército federal em nosso território, o início da perseguição e das hostilidades
contra os nossos povos indígenas, e é de se esperar o aumento da militarização e da intimidação para com as
comunidades”.
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Zapatistas defendem o município autônomo de San Andrés diante das ameaças
priistas. Hermann Bellinghausen, La Jornada, 03/01/2002.
San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 2 de janeiro. Ontem, as bases de apoio do EZLN realizaram um
protesto em massa na praça de San Andrés para defender o palácio municipal autônomo em função das ameaças e
dos rumores de que a prefeitura priista, minoritária, porém, “constitucional”, tentaria ocupá-lo à força. O conselho
municipal autônomo de San Andrés Sakamch’en de los Pobres veio denunciando estas ameaças desde o dia 29 de
dezembro quando o seu presidente, Lucas Hernández Ruiz, comunicou à população o informe anual dos trabalhos
do governo autônomo nesta região tzotzil.
Após pressões e atos de violência contra as autoridades autônomas nas semanas passadas, a concentração
zapatista impediu que se cumprissem as ameaças de despejo e significou uma reafirmação da autonomia. Milhares
de indígenas desceram de suas comunidades para reiterar a defesa do seu município, da mesma maneira que haviam
feito em 1999, quando o governo de Roberto Albores incitou a minoria priista a “recuperar” o palácio municipal.
Por outro lado, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos comunicou à opinião pública a
nova posse do exército mexicano no ejido Linda Vista, município e Palenque, Chiapas. No mês de novembro
passado, “os militares se instalaram nesta comunidade, numa fazenda de Pedro Veja. Desde então, a cada dois dias,
os soldados entram e saem, assim como instalam também um posto de controle na entrada dos ejidos Egipto e
Belém. As patrulhas militares entram por Reforma Agrária e passam pelos ejidos El Claro, Berea, Nuevo Yajalón,
Sinai, Lázaro Cárdenas, Vistahermosa e Victorio R. Grajales”.
A preocupação pela presença e a atuação do Exército se mantém latente, já que são comunidades de difícil
acesso. Os fatos foram apresentados em ocasiões diferentes, tanto à imprensa como ao coordenador da CNDH das
zonas Altos e Selva de Chiapas, “e até o momento a situação não foi resolvida”. Melhor, ao terminar 2001, os vôos
rasantes haviam aumentado, tanto nas comunidades mencionadas como em Francisco León (Ocosingo).

Problemas em San Andrés.

O conselho municipal autônomo de San Andrés informou que no dia 29 de dezembro, “por direito e
obrigação”, deu o primeiro informe de governo. Nesse texto comunicou que, no dia 11 de novembro de 2001, o
município autônomo recebeu um documento de inconformidade assinado por todos os funcionários municipais
priistas apoiados pela prefeitura do mesmo partido, “no qual manifestaram seu descontentamento pela cobrança do
imposto de mercado público, pois disseram que as autoridades municipais autônomas não tinham nenhum direito
de realizar esta cobrança porque não são reconhecidas como autoridades constitucionais”.
Na ocasião, “se levou ao conhecimento do povo que, no dia 29 de novembro, um colaborador do município
autônomo foi agredido por um grupo de pessoas conhecidas no município de Aldama como jagunços ou integrantes
de grupos paramilitares”.
Ao deter os agressores, estes foram protegidos pelo conselho priista do município vizinho. “O tesoureiro
municipal e um integrante da prefeitura de Aldama cobriram os gastos com os danos que provocaram no corpo da
pessoa atingida, bem como o prejuízo que deram à prisão municipal, pois houve outras pessoas que tentaram tirá-
los do presídio”.
Agora, os priistas tentam se vingar e pretendem que Lucas Hernández Ruiz, prefeito do município
autônomo, o comissário Diego Díaz Santiz, o primeiro regente Antonio Hernández, bem como o comissário
suplente e o tesoureiro municipal sejam presos pela Polícia Judiciária.
Em sua denúncia, as autoridades autônomas acrescentam que “caso este objetivo não seja alcançado, os
priistas ameaçam tomar outras medidas e a qualquer hora e lugar irão prender ou balear as autoridades autônomas”.
Além disso, o novo prefeito do tricolor insistiu que percorrerá o mesmo caminho do seu predecessor, Marcos Díaz
Núñez, que, no dia 7 de abril de 1999, “desmantelou” por algumas horas a prefeitura municipal autônoma.
Para responder a esta situação, as bases de apoio do EZLN e os perredistas, que também são parte do
governo autônomo de San Andrés Sakamch’en, iniciaram 2002 com uma marcha e o protesto de uma multidão em
defesa de sua prefeitura autônoma que há seis anos governa o município sem nenhum recurso do governo.

Camponeses zapatistas agredidos na selva norte.

A Rede de Defensores comunitário da zona Chancalá-Palenque denunciou as agressões de autoridades


priistas contra bases de apoio zapatistas no ejido Novo México, também em Ocosingo. “O senhor Lorenzo López
Vázquez, enviado e cacique do ejido, ameaçou as pessoas que são bases de apoio do EZLN. Inclusive, se
autodefine como agente municipal auxiliar, e ele só toma decisões na compra e venda de terrenos”.
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No dia 12 de dezembro, um camponês zapatista foi agredido e “apresenta graves lesões no corpo, e por
temor não revela o seu nome, mas está disposto a levar este caso perante o Ministério Público, caso as testemunhas
aceitem falar, já que foi agredido na igreja, quando a população dava as Mañanitas à Virgem de Guadalupe”.
Entre os agressores, a denúncia identifica Ricardo López Sánchez, José Angel López Jiménez e Andrés
Franco Arias, parentes do enviado ejidal. “Estas pessoas têm uma estreita relação com um funcionário público que
é encarregado de obras públicas em Ocosingo, e é conhecido como César, sendo que não se sabe o seu sobrenome”.
Esta pessoa tem três terrenos no ejido Novo México, um na colônia Ricardo Flores Magón, município de Palenque,
e outro em Novo Guerrero, município de Ocosingo. Este funcionário público municipal forneceu armas às pessoas
antes mencionadas e ao enviado ejidal, razão pela qual, se suspeita que tenha relação com os paramilitares, por
possuir armas e pela forma de agir”.

O passado
Luis Javier Garrido. La Jornada, 11/01/2002

O cada vez maior rechaço popular ao governo de Vicente Fox não tem sua origem numa questão de
“imagem”, como pretendem seus assessores, e sim em suas políticas antipopulares, e isso é algo que muito
dificilmente pode ser entendido em Los Pinos.
1. No país, 2002 inicia com um descontentamento generalizado que se reflete diante do pacote fiscal para este ano,
mas cujo pano de fundo é a decepção popular pela negativa do novo governo de impulsionar políticas diferentes
daquelas dos governos anteriores, o que questiona seriamente a natureza do novo regime e o seu futuro imediato.
2. O projeto de Fox sobre a questão tributária revelou o que já se sabia: que era vontade do Executivo fazer cair o
peso dos impostos sobre a maioria dos mexicanos protegendo os grandes empresários por mais um ano, o que está
em sintonia com sua decisão de proteger os defraudadores do Foboproa e de impedir qualquer investigação sobre a
corrupção nos meios financeiros.
3. A pergunta que muitos se fizeram depois do dia 2 de julho voltou a ser atual após o primeiro ano do governo
foxista e sua negativa quanto ao impulsionar as mudanças. Vicente Fox é um simples representante de Carlos
Salinas de Gortari, cuja função ao longo do mandato será a de salvaguardar os interesses financeiros, industriais e
comerciais do salinismo?
4. São muitas as evidências sobre a subordinação quase absoluta de Fox ao salinismo e as especulações não param
de crescer. Salinas impulsionou a reforma constitucional de 1992-94 ao artigo 82 que permitiu a Fox, filho de uma
estrangeira naturalizada, ser candidato e chegar à Presidência, e também foi Salinas quem, em 1994, protegeu a
iniciativa de Castañeda, Aguilar Zinser e Fox para fazer do Grupo San Angel um trampolim para o guanajuatense.
Dessa forma, não é de estranhar que Fox, já na Presidência, não só esteja governando com base nos programas do
salinismo, tenha incorporado ilustres salinistas ao seu gabinete, como Santiago Levy (IMSS) ou Francisco Gil
(Fazenda), e permita que Salinas se restabeleça no México para fazer política de forma aberta (Proceso 1313), e sim
que tenha procurado isentar de seus delitos os principais responsáveis: os juízes do foxismo estão libertando os
empresários salinistas indiciados, como Cabral Peniche, e que, ainda por cima, Fox tenha elevado a prioridade do
seu governo os interesses econômicos e financeiros de Salinas.
5. O anúncio feito em novembro de que o acerto de contas com o antigo regime se limitaria aos desaparecidos dos
anos setenta e que, de conseqüência, a aplicação da lei aos responsáveis pelos crimes ocorridos no passado seria
seletiva, mostrou que esta nova iniciativa nascia morta, pois só procurava jogar a responsabilidade nos regimes
priistas populistas isentando os tecnocráticos. A designação do advogado Ignacio Carillo Prieto, membro ilustre do
Grupo Carpizo – e do salinismo – como “encarregado especial” para o caso não faz outra coisa a não ser confirmar
a falsidade de Fox.
6. Para as forças democráticas do país, a mudança de regime representou a oportunidade única de impulsionar, a
partir da sociedade, mudanças profundas nas estruturas nacionais que não foi aproveitada, pois, nem os partidos
políticos, nem as demais forças políticas, quiseram enfrentar um regime do qual eram partes integrantes, nem,
muito menos, impulsionar mudanças nas reais estruturas de poder.
7. O problema mais crítico deste período de transição do regime priista ao foxista (2000-2001) não foi o fato de
Fox e sua equipe não terem um programa de transição democrática, pois, apesar do discurso pseudodemocrático
assumido pelo candidato do PAN ao longo da campanha, era evidente que não lhe interessava uma mudança real
das estruturas de poder, ou que os partidos políticos, vinculados como têm sido às estruturas econômicas
dominantes, tampouco tivessem assumido isso por conveniência própria, e sim que em todos estes meses não tenha
se produzido no México um debate intelectual e político sério sobre as estruturas do poder econômico e político
que o antigo regime entrega como herança ao novo.
8. Nestes meses, no México, o silêncio tem sido quase absoluto em relação aos jogos de interesses que prevalecem
no sistema financeiro, na indústria e no comércio, a influência do narcotráfico nas instâncias políticas, militares e
financeiras do estado foxista ou aos pactos inconfessáveis que, de acordo com rumores que surgem por toda parte,
6
Vicente Fox teria celebrado com Carlos Salinas e Ernesto Zedillo para garantir impunidade – e imunidade – aos
grupos de ambos em troca do seu respaldo.
9. Ao longo dos primeiros meses do governo foxista, o México vivenciou uma verdadeira mistificação do processo
de transição política. Enquanto isso, a Mesa para a Reforma do Estado, coordenada por Porfírio Muñoz Ledo
(2000-2001), antes, e a Consulta sobre a Reforma Constitucional, organizada pela Secretaria de Governo (2001-
2002) depois, propunham que se discutisse a portas fechadas sobre a sua agenda de “democratização”, que supunha
temas como a eleição presidencial em dois turnos ou a redução dos deputados plurinominais, tudo isso, além do
mais, como uma forma de disfarçar o projeto oficial para mudar o marco constitucional e restringir os direitos dos
trabalhadores (a “reforma trabalhista”) ou entregar o petróleo e a eletricidade ao capital estrangeiro (a “reforma
energética”), o autoritarismo mexicano encontrava dessa forma a sua reacomodação e o “sistema” não fazia outra
coisa a não ser “reorganizar-se”.
10. Na chegada do novo governo, o país não discutiu temas fundamentais relativos às estruturas do poder
econômico e político, e a partir do ano 2000 não só não foram desmanteladas as estruturas de corrupção que
haviam se desenvolvido nos anos da tecnocracia priista, como elas se consolidaram ainda mais, amparadas pelo
manto da legitimação pseudodemocrática do foxismo, e, de conseqüência, o desafio para os mexicanos é agora
muito maior.

Em Salto de Água denunciam as ameaças dos paramilitares.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 12/01/2002

As famílias de refugiados no povoado San José Bascán, município de Salto de Água, Chiapas, foram
agredidas e ameaçadas de morte por pessoas vinculadas à organização Paz e Justiça apontada como
paramilitar já faz sete anos.
A Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos da Zona Salto de Água-Palenque denunciou
hoje as ameaças vindas de Rogelio e Jerônimo Álvaro Arcos contra as bases de apoio do EZLN nesta comunidade.
Desde o dia 13 de dezembro passado, moradores de San José Bascán haviam denunciado perante a Rede de
Defensores Comunitários as ameaças proferidas por Rogelio Álvaro Arcos, “em estado de embriaguez”. E para o
primeiro dia deste ano, “por volta das duas da madrugada, Jerônimo Álvaro Arcos passou várias vezes pelas ruas
deste povoado, ameaçando de morte Sebastián Álvaro Velasco e César López Alvaro”.
Os defensores comunitários da zona norte de Chiapas mencionaram que estes dois indivíduos que fazem
ameaças são os mesmos que participaram dos fatos violentos de 1995 na zona norte, quando houve desalojados,
mortos e presos, todos eles bases de apoio zapatistas, por parte dos paramilitares de Paz e Justiça, e se teme que
agora queiram fazer o mesmo, “já que estes grupos armados continuaram atuando com a impunidade da qual têm
gozado até este momento em Chiapas”.
Estes mesmos caciques locais foram vinculados a agressões contra os zapatistas em agosto e setembro de
2001, como membros da organização perredista Kicheñob, que, em seguida, se distanciou deles. Apesar disso, em
outubro, os agressores foram atendidos pela secretaria adjunta do governo estadual, Orquídea Sosa, enquanto os
camponeses zapatistas não mereceram a atenção da funcionária.

Lei indígena, “obstáculo” para o diálogo de paz.


Claudia Herrera Beltran. La Jornada, 12/01/2002.

Ontem, a Comissão Internacional de Observação pelos Direitos Humanos disse que a aprovação da lei
indígena interrompeu o caminho rumo a uma solução pacífica do conflito em Chiapas, e anunciou que realizará
uma visita de observação a este estado de 16 de fevereiro a 2 de março próximos.
Num manifesto, assinado por mais de 500 pessoas e organizações civis de 11 países, sublinharam que irão
averiguar o que aconteceu com as recomendações que foram feitas sobre os refugiados, os indígenas presos e a
paramilitarização, bem como as novas situações que podem afetar uma solução do conflito, como é o caso do Plano
Puebla Panamá e da situação política do país.
Solicitaram à sociedade civil mexicana, bem como ao governo, às comunidades indígenas e ao EZLN que
lhes outorguem a confiança manifestada durante as outras visitas realizadas em 1998 e 1999.
Informaram que, em fevereiro, mais de 70 pessoas de 9 países irão ao México para se encontrar com os
atores do conflito e entregar um informe às instâncias, instituições e organizações, tal como ocorreu nas duas vezes
anteriores.
Disseram que o conflito está num impasse, razão pela qual consideram oportuna esta missão para conhecer
qual é a real situação atual no que diz respeito às considerações e recomendações que foram feitas nos informes
anteriores.
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Sublinharam que apesar da mobilização do EZLN e do Congresso Nacional Indígena, o governo aprovou
a publicação da lei sobre a questão indígena que “interrompe o caminho do diálogo para a solução pacífica do
conflito”.
Lembraram que, em fevereiro de 1998, por causa do massacre de Acteal – em dezembro de 1997 -, a
sociedade civil do mundo reagiu com diversas mobilizações para mostrar seu repúdio a este massacre. Foi assim
que mais de 500 pessoas e organizações dos cinco continentes apoiaram a criação desta comissão civil que foi à
Chiapas nestas datas.
Como resultado destas duas comissões, explicaram que foram elaborados informes entregues a todos os
interlocutores da comissão no México, a todas as organizações e pessoas que os apoiaram e ao Parlamento
Europeu, ao Parlamento da América Central e à Secretaria da Alta Comissão para a Defesa dos Direitos Humanos
da ONU.

Acirra-se o conflito entre a organização dos cafeicultores e os municípios autônomos


chiapanecos. Hermann Bellinghausen. La Jornada, 16/01/2002.
Município Autônomo Ernesto Che Guevara, 15 de janeiro. Um camponês zapatista está preso há duas
semanas no presídio de Cuxuljá: “fazem isso para obrigar-nos a negociar a sua liberdade e, assim, poder dizer ao
governo, os da ORCAO, que mantêm negociações com as bases de apoio (do EZLN)”, denunciou hoje o conselho
deste município autônomo.
Além disso, sublinharam, “a ORCAO manobra para criar mais problemas, no lugar de resolvê-los”.
Chamaram de “mentiras” as acusações divulgadas contra eles pela organização dos cafeicultores, de filiação
perredista. “Não é a primeira vez que nos acusam com falsidades”.
Por outro lado, informam da chegada de uma grande quantidade de gado, num caminhão, para os membros
da ORCAO em Jerusalén (município autônomo Primeiro de Janeiro), e também da ARIC Independente em San
Juanito (aqui, no Ernesto Che Guevara). “São os projetos produtivos que Pablo Salazar Mendiguchía prometeu
durante a sua campanha. Dizem que não lhes ofereceu os programas, mas isso não só não está correto, como já está
dando-os a eles”.
De acordo com os autônomos, o governador chiapaneco “está usando os irmãos da ORCAO como novos
pequenos fazendeiros. Querem pôr o gado nas terras “planas”, onde, antes de 1994, era colocado pelos criadores de
Ocosingo. Querem apropriar-se das terras recuperadas e fazer com que nós zapatistas vivamos outra vez nas
montanhas”.
Em Jerusalén, novo centro populacional próximo ao quartel militar de Ocosingo, no caminho de Toniná, a
chegada de mais de 100 cabeças de gado gerou hostilidades contra as bases de apoio zapatistas por parte dos novos
donos dos rebanhos. “Procuram formas de provocar-nos para avançar sobre as terras que temos em comum. É isso
que está por trás de seus planos, desde que nos desalojaram da nossa loja e destruíram o mural”.

O plantão zapatista completou sete semanas.

O plantão para defender a loja de sete municípios rebeldes, no cruzamento da estrada San Cristóbal-
Ocosingo, completou sete semanas.
Entre 100 e 200 homens e mulheres permanecem em volta da loja da qual haviam sido violentamente
expropriados pelos membros da ORCAO e pelos priistas do vizinho povoado de Cuxuljá, em outubro passado.
Em novembro, centenas de camponeses zapatistas recuperaram pacificamente a loja e deram início ao
plantão que continua. Este tem sido objeto de seguidas hostilidades por parte dos vizinhos.
Ele representa o que está em disputa nestes municípios autônomos, e é um novo símbolo de resistência. As
terras recuperadas são de propriedade coletiva ou podem ser alienadas por particulares? (Novos proprietários
individuais que, além do mais, poderiam vendê-las a terceiros, de acordo com as leis agrárias que nasceram no
salinismo).
José Pérez Gómez, dirigente da ORCAO, já acusou os zapatistas do plantão de roubo de madeiras e
agressões a pedradas na propriedade de Marcos López Gómez, membro da organização perredista.
De acordo com as declarações dos porta-vozes do conselho autônomo ao La Jornada, “foi exatamente o
contrário. Nós é que fomos agredidos”. Garantem que o senhor Martín López Muñoz, pai do suposto atingido,
“chegou a circular agressivamente pela propriedade do seu filho e atacou verbalmente os companheiros”.
Entre ocorrências, tensões e versões desencontradas, o conflito entre a ORCAO e os municípios autônomos
da região continuam sem tréguas. Aliás, parece se complicar.
“Os policiais rurais de Cuxuljá estão aí, na estrada, diante do plantão, das quatro da tarde até uma da
manhã. Procuram aproximar-se para vigiar e ver quem pegar. O pretexto dos policiais é de procurar os bêbados”,
disse um dos porta-vozes autônomos, para, em seguida, reconhecer: “O companheiro que eles mantém detido havia
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tomado um pouco em Año Nuevo, e os companheiros o mandaram de volta para a sua casa (em outra comunidade
distante). Os policiais de Cuxuljá o prenderam enquanto atravessava a estrada e já faz 15 dias que não o soltam”.
“Nós zapatistas somos contra a embriaguez. Castigamos quem toma um porre. Este companheiro seria
castigado na sua comunidade. Mas os policiais o prenderam com este pretexto. Estão cobrando dele uma multa
excessiva e querem nos obrigar a interceder por ele para que pareça que há um acerto entre nós, quando é o
contrário, eles querem que o problema continue”.
Enquanto isso, nos degraus da loja do cruzamento e nos arredores, onde há quase um ano atrás havia um
acampamento do Exército federal, indígenas procedentes dos municípios em rebeldia Primeiro de Janeiro, 17 de
novembro, Vicente Guerrero, Miguel Hidalgo, Lúcio Cabañas, Olga Isabel, Ernesto Che Guevara se mantêm de
prontidão e vêm de suas comunidades para garantir o rodízio dos plantões.
A loja Novo Amanhecer do Arco-Íris continua sendo ameaçada. Um fantoche de trapos e palha, com
chapéu de folhas e cabeça, feito com um saco plástico cheio de sementes, está pendurado perto da venda. É um
“enforcado” colocado pelos da ORCAO como mensagem intimidadora.

Símbolos encontrados.

Numa casa da comunidade Moisés Gandhi há uma quadra rudimentar de basquete, na esplanada onde se
seca o feijão. A tabela é tão rudimentar que não tem a cesta. Ou, melhor, um menino é erguido até em cima e faz o
papel de cesta. Duas equipes de crianças brincam com uma bola nada regulamentar e a jogam na tabela. Se o
menino-cesta pegar a bola, é ponto. Assim, simples.
O nome desta comunidade alimentou associações inesperadas entre as organizações da sociedade civil,
tanto nacionais como internacionais, que têm participado do acampamento civil pela paz nos anos passados. A
combinação de Moisés e de Gandhi se materializa no mural pintado na fachada da igreja católica, de madeira, na
entrada da comunidade.
As duas personagens levantam seus respectivos cajados, dando as costas a um agitado Mar Vermelho, e
abrem as águas para que o povo passe. No mural, suas sombras se projetam em direções opostas, pois são
iluminados por uma estrela vermelha que brilha entre eles. Lá em cima há um sino de bronze. É tudo.
As associações entre estes dois nomes têm impregnado os visitantes solidários e os integrantes do
acampamento que chegam a esta comunidade zapatista de um espírito pacifista “gandhiano”. Este não é um mural
pintado pelos indígenas da comunidade. Tampouco o é aquele que aparece nos fundos da mesma igreja, onde as
figuras de Zapata e do Che são acompanhadas por uma mulher com o rosto coberto por um lenço e por um arco-
íris.
Em outros lugares da comunidade, os próprios murais que estão na escola, no auditório e na pousada
ilustram a luta destes povos de forma mais direta e colorida. Cenas de guerra de Año Nuevo, da militarização, da
vida quotidiana, do cultivo do milho e dos esforços dos autônomos no campo da saúde e da educação. Do mesmo
modo que no amplo mural destruído da loja de Cuxuljá, a um quilômetro daqui, os murais feitos pelos indígenas
são um auto-retrato coletivo em versão naif, permeados de palavras e citações do discurso zapatista.

Persistem as ameaças contra ativistas: ONG


Alonso Urrutia. La Jornada, 16/01/2002.

Ao retomar os encontros entre funcionários da Secretaria de Governo e organizações de defesa dos direitos
humanos, estas acusaram o governo federal de manter um duplo discurso sobre esta questão: de um lado, no
Governo, se desafoga uma agenda de prioridades em relação aos direitos humanos e, de outro, da Procuradoria
Geral da República (PGR), se acusam estas organizações de estarem interessadas apenas na obtenção do
financiamento internacional enquanto perduram as ameaças contra os membros das mesmas.
Por sua vez, o diretor da Unidade de Estudos Legislativos do Governo e responsável pelos encontros,
Ricardo Sepúlveda, anunciou que nas dependências desta unidade será criada uma seção para coordenar todas as
ações do governo federal em matéria de direitos humanos. Precisou que sua criação seria formalizada uma vez que
fosse aprovado o novo regulamento da secretaria.
Durante quase duas horas, as organizações não governamentais (ONGs) avaliaram os avanços obtidos
desde que foram iniciadas as reuniões para discutir a situação dos direitos humanos no México. Os representantes
das ONGs expressaram suas preocupações pelos poucos progressos alcançados nas investigações do assassinato de
Digna Ochoa.
Apesar das ONGs terem apontado que foram conseguidos avanços nas negociações com o governo para
reivindicar o papel dos defensores dos direitos humanos, acusaram a PGR e, sobretudo, a procuradora adjunta
Maria de la Luz Lima Malvido de desqualificá-las e acusá-las sem fundamento de serem organizações que lucram
com as doações.
9
Eréndira Cruz, do Centro Nacional de Comunicação Social, e Mercedes Murillo, da Frente Cívica
Sinaloense, lamentaram a concepção que se tem na PGR. Não se dão conta, disse Murillo, de que ao defender os
direitos humanos estamos defendendo a preservação da legalidade no país.
Diante das evidentes contradições entre as posturas do Governo e da PGR, faz-se necessário que o
Executivo defina uma política de Estado em matéria de direitos humanos, afirmou Rodrigo Olvera, do Centro de
Reflexão e Ação Trabalhista. Não precisamos só desta política, como também que existam os mecanismos
institucionais que permitem dar respostas à problemática dos direitos humanos em geral para que não se responda
só em casos concretos.

Propõe institucionalizar o trabalho.

A resposta às contradições denunciadas pelas ONGs foi o anúncio feito por Sepúlveda no sentido de criar
uma área específica que coordene os esforços e a política de direitos humanos do governo federal.
“Temos o firme propósito de institucionalizar o trabalho de direitos humanos e criar uma dependência na
secretaria que coordene os esforços da administração pública, da Segurança Pública, da Procuradoria Geral da
República, da Secretaria de Defesa Nacional, entre outras, porque o trabalho de direitos humanos compete a todo o
governo”.
Dita unidade coordenadora entraria em contato também com a Comissão Nacional dos Direitos Humanos
porque esta também organiza o trabalho por mandato constitucional de defesa destes direitos.
Sepúlveda disse que o governo está interessado em ampliar a agenda a ser discutida com as ONGs, e, para
isso, irá promover um fórum de direitos humanos onde se discutam outras questões, como os direitos dos migrantes
e dos presos entre outros.
Os representantes das ONGs denunciaram que, apesar de terem sido levantadas ações para reivindicar a
defesa dos direitos humanos e prevenir que se repitam casos como o de Digna Ochoa, as ameaças têm continuado.
Olvera comentou que chegaram à sua organização (CEREAL) mensagens intimidadoras semelhantes às
que foram enviadas a cinco defensores dos direitos humanos dias após a execução de Ochoa. “Chegaram até nós
extratos daquelas mensagens, no sentido de que teríamos que dar uma quantidade de dinheiro para preservar a
vida”. Da mesma forma, uma organização recém-criada em Tabasco recebeu chamadas intimidadoras e ameaças de
pessoas que afirmam ser da PGR.
Por estas razões, as ONGs reivindicaram que as ações que o governo desenvolve envolvam outras
dependências federais, estaduais e municipais, já que se requer um programa de sensibilização de todas estas
autoridades para reduzir a perseguição.

Moradores de um Município Autônomo Zapatista denunciam a constante


perseguição por parte das forças do Exército. Hermann Bellinghausen. La Jornada, 18/01/2002.
Município Autônomo Ricardo Flores Magón, Chiapas, 17 de janeiro. “O que o Governo está introduzindo é
mais militarização. Desta forma, trata de acabar com as bases de apoio zapatistas e não zapatistas que sustentam o
município autônomo, porque todos nós continuamos resistindo”, garantem as autoridades autônomas.
“O próprio governo Fox nos deu um bom motivo para continuarmos a nossa luta. Nossas reivindicações
não são atendidas e vai aumentando a força militar e policial em nossas terras”, declaram ao La Jornada, agora sim,
de algum lugar da selva Lacandona, os membros do conselho autônomo, proscrito desde que o governo de Albores
“desmantelou” a cabeceira municipal de Taniperla, em 1998.
Desde então, sob seguidas ameaças por parte dos paramilitares, o conselho funciona sem uma sede fixa,
mas de forma muito ativa. Além do mais, este município autônomo continua sob constante pressão militar, com
patrulhamentos aéreos e terrestres, que já foram denunciados, e incursões militares em comunidades afastadas
como Laguna Suspiro, Santa Rita e Culebra.
“As coisas ficaram piores já no começo de 2002. As comunidades não têm sossego”, acrescenta um
membro do conselho que fala em nome das autoridades autônomas.
Vai listando: “Estamos vendo vôos rasantes de aviões e helicópteros militares por todo o vale de Taniperla
e o vale de Arroio Granizo, e percorrem trajetos de El Tumbo a San Jerônimo Tulijá, onde fazem exercícios e
desfiles até o cruzamento de Paraíso. Agora, próximo de Taniperla e Cintalapa há muitas movimentações do
Exército federal”.
Só neste 14 de janeiro, um destacamento militar saiu da base de operações mistas de Cintalapa, próxima da
rodovia internacional e de fronteira, ao norte da selva, e fez uma incursão até Culebra e Santa Rita. “Já faz dois
anos que os nossos companheiros não viam os soldados atravessarem suas comunidades”.
10
Em duas ocasiões, em Laguna Suspiro, comunidade localizada nas margens da lagoa Yanki, ou
Semental, no interior da Reserva dos Montes Azules, uma centena de soldados fez uma incursão (no dia 27 de
dezembro passado e no dia 9 de janeiro). É um lugar afastado: “Vieram a pé e permaneceram aí durante muitas
horas”.
No que diz respeito aos fatos violentos ocorridos em Taniperla neste final de semana, onde houve um
morto e vários feridos, o representante disse: “isso foi por um problema de propriedade entre dois irmãos, Nicolas e
Cristóbal, que são priistas”.
Nestes acontecimentos, o segundo foi assassinado pelo primeiro, que tinha vindo acompanhado de vários
homens que, com paus e facões, avançaram contra os companheiros que trabalhavam nas terras em disputa. Depois
do ataque, Nicolas fugiu para Ocosingo e procurou a proteção do deputado local Pedro Chulín.
Ao que parece, os feridos são bases de apoio zapatistas. De acordo com o representante autônomo, “Não
tinham nada a ver com o problema, trabalhavam para o falecido, nada mais”. Um deles foi levado a um hospital de
Tuxtla Gutiérrez, pois se encontrava em estado grave. Os demais foram hospitalizados em Ocosingo. “Todo caso,
estamos investigando para saber com precisão quem são os feridos e o que realmente aconteceu”.

Incursão militar e ameaças em Laguna Suspiro.

Num comunicado, o Conselho autônomo em rebeldia Ricardo Flores Magón denuncia a intensificação dos
sobrevôos nos vales a partir de 8 de janeiro e a operação do exército federal no dia 9, quando “mais de 100
soldados cercaram o povoado de Laguna Suspiro e não só marcaram presença mostrando a violência de suas
armas” como “hostilizaram as pessoas para que estas recebessem dinheiro do governo e deixassem suas terras”. O
documento descreve os acontecimentos: “no dia 9 de janeiro, várias patrulhas do Exército federal saíram do seu
acampamento (que mantém próximo das lagoas, contrariando o que diz a Constituição) rumo à comunidade Laguna
Suspiro. Às cinco da tarde, realizaram uma operação de segurança em volta da lagoa e começaram a atravessá-la
em patrulhas. Às 5 e meia da tarde cercaram a comunidade.
Um grupo de soldados entrou até o centro do povoado escoltando duas pessoas em trajes civis que se
identificaram como sendo do Ministério Público de Ocosingo. Os soldados e os agentes foram recebidos por um
grupo de mulheres da comunidade que começaram logo a interrogar perguntando a elas onde estavam os homens.
As mulheres, que com muito custo podem falar e entender o espanhol, perguntavam o que é que estavam
procurando, diziam que os homens estavam pra voltar do trabalho nos milharais, que eles fossem embora, pois
tinham medo de tantos soldados e de tantas armas.
Um dos agentes começou a se queixar e a dizer a elas que vinham investigar porque tinham tantas queixas
contra os soldados. Depois disse que vinham pagar o milho, o plátano e as laranjas que os soldados haviam roubado
nas roças, mas também que vinham
pagar pelos pomares e as terras uma vez
por todas, para que a comunidade saísse
de suas terras. Em tzeltal, as mulheres
responderam que fossem embora, não
queremos o seu dinheiro, não queremos
deixar a nossa terra, não queremos que
nos paguem o que os soldados têm nos
roubado, queremos que nos deixem
trabalhar sossegadas, queremos que os
soldados saiam de nossas terras para
sempre.
Ao não entender nada, os
soldados e os agentes avisaram que
iriam voltar em breve, mas que viriam
de helicóptero porque era muito difícil
atravessar a lagoa e que queriam que
quando viessem estivessem todos os
homens da comunidade. As mulheres responderam que não queriam ver seus helicópteros e suas armas outra vez,
porque depois as crianças não conseguem mais dormir tranqüilas, e o povo está muito assustado e cansado de ver
que a cada instante os soldados estão entrando” para roubar e importunar. Cerca de 40 minutos depois, os soldados
e os agentes se retiraram utilizando o mesmo aparato de segurança”, conclui a breve relação do conselho autônomo.
A impunidade.
Luis Javier Garrido. La Jornada, 18/01/2002.
11
Até agora, a impunidade dos grandes empresários e da classe política têm sido uma característica do
regime foxista que bem poucos têm entendido, e que é também uma marca dos regimes neoliberais.
1. No início deste século XXI, os países da América Latina correm o risco de que se imponha a todos eles um único
modelo de regime político, determinado nas instâncias financeiras internacionais, no qual “a democracia” se limita
à participação eleitoral dos cidadãos para escolher entre candidatos com plataformas neoliberais muito parecidas,
nas quais as decisões políticas fundamentais são negociadas entre as cúpulas empresariais e partidárias às custas da
sociedade, e na qual existem claramente dois tipos de justiça: uma para os membros dos grupos dominantes e outra
para o resto dos cidadãos, e este é o caso do México.
2. A experiência de Vicente Fox em Los Pinos acabou sendo uma decepção para amplas parcelas dos mexicanos
não só porque manteve as mesmas políticas econômicas e sociais do salinismo, e sim porque manteve com afã
pragmático boa parte das estruturas e das práticas políticas do antigo regime, fundamentalmente o sistema
institucionalizado de corrupção a serviço das classes e dos grupos dominantes, que continuam sendo os mesmos.
3. No regime foxista, não se esconde a ninguém que o Poder Judiciário não adquiriu o status de poder autônomo e a
Suprema Corte de Justiça da Nação, além de não exercer o controle da constitucionalidade das leis e dos atos da
administração, continua defendendo a existência de um quadro de impunidade como tem sido constatado em vários
erros pelos quais foram isentados, do mesmo modo, tanto ilustres empresários como políticos priistas do antigo
regime, todos eles acusados de gravíssimos delitos contra o patrimônio nacional.
4. Será que o governo Fox não vai entender que a exoneração de El Divino, de De Prevoisin, dos empresários de
Monterrey, de Cabal Peniche, dos funcionários do IPAB, e a que se vê como a iminente colocação em liberdade de
Mario Villanueva e de Raul Salinas, quase com o clássico “você nos perdoe”, são decisões que constituem uma
incitação ao crime?
5. Fox não pode ignorar que ele, muito mais que seus predecessores priistas, está fazendo a apologia do crime ao
despojar as expectativas despertadas pela mudança do regime e ao proteger os banqueiros e empresários
responsabilizados pela depredação na nação e cobiçados pelo FOBOPROA, ao acobertar os crimes dos
responsáveis dos dois mandatos anteriores e ao fortalecer o marco de impunidade para os empresários. É que ele,
quando fala em acabar com a impunidade, ou que não vai admitir atos de corrupção no seu governo, como fez
ontem (17 de janeiro), só confirma o seu elevado grau de cinismo e o de seus colaboradores.
6. O novo regime conserva as mesmas estruturas de corrupção do antigo, e em alguns aspectos em níveis muito
mais graves, e não se fez nada para desmantelá-las, pois: a) o narcopoder continua institucionalmente entrelaçado
nas instituições financeiras, burocráticas e de segurança do Estado, b) o patrimonialismo foi levado ao extremo pela
presença de empresários e de funcionários de grandes empresas transnacionais no gabinete, que em todo tipo de
negócio estão favorecendo impunemente as companhias para as quais trabalharam numa confusão gravíssima entre
o público e o privado, tanto que c) o governo se atribuiu o direito de decidir a quem se aplica a lei ao colocar em
liberdade empresários e políticos que cometeram graves crimes, e em todo este cenário d) o Poder Judiciário de
corte conservador que se estruturou desde o mandato passado está cada vez mais submisso ao “novo” regime.
7. A avaliação dos problemas de corrupção e de impunidade, feita pela SSP num documento publicado pelo La
Jornada (11 de janeiro), no qual se afirma que o sistema judiciário e de segurança estão “a serviço do crime”, é
doloso, pois não se pode preconizar que haja uma pretensão de honestidade no governo quando se procura jogar a
culpa da corrupção que impera nos empregados dos níveis inferiores da administração pública, mas protegendo ao
mesmo tempo os níveis de corrupção sem precedentes e a impunidade absoluta que subsistem nos altos escalões da
burocracia do Estado.
8. O documento da SSP coloca algo muito mais preocupante do que o seu diagnóstico equivocado, é que para lutar
contra a corrupção (dos de baixo), o governo Fox, seguindo o conselho de seus assessores estadunidenses,
pretende, de forma caprichosa e copiando as instituições dos Estados Unidos, uma série de mudanças em nosso
marco legal que acabariam sendo funestas, pois levariam a uma maior subordinação da justiça ao poder central,
apesar do México ter um regime federal; a promulgação de uma única legislação penal, a criação de outra “polícia
nacional” (além da inconstitucionalidade da PFP), dar às polícias preventivas funções de PFP e outras barbaridades.
9. No marco neoliberal, o problema da impunidade do poder não é exclusividade do México e é partilhado por
vários países. Na França, o juiz Heric Halphen, que investigou acusações de corrupção contra o presidente Chirac
por atos cometidos quando era prefeito de Paris, foi obrigado a deixar o cargo (El Pais, 15 de janeiro), e, até agora,
o presidente Bush não foi processado por sua participação na bancarrota fraudulenta da Enron.
10. No México, é urgente estabelecer um verdadeiro estado de direito, mas isso, como em outros países, é um
problema que depende cada vez mais do modelo de regime político que se tem, e mudá-lo completamente não será
uma decisão da classe política, e sim da sociedade.

As transnacionais estão por trás da guerra em Chiapas: DESMI.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 21/01/2002.
12
San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 20 de janeiro. “É evidente que a guerra que se vive em Chiapas está
alicerçada nos interesses econômicos das transnacionais. Desde o Tratado de Livre Comércio com os Estados
Unidos e o Canadá, foram previstos os mecanismos para a apropriação das fontes de energia, fundamentados no
processo de privatização e nas condicionantes da política agrária”, afirma a organização civil Desenvolvimento
Econômico e Social dos Mexicanos Indígenas (DESMI), que há mais de 30 anos trabalha nas regiões indígenas do
Estado.
Entre outros documentos e informes da instituição que aparecem no livro Se um come que todos comam,
lançado aqui esta semana, DESMI apresenta um diagnóstico da situação de guerra que é vivida nas comunidades:
“desde 1992, a alteração do artigo 27 da Constituição lançou as bases para a privatização das terras ejidais e
comunais... como parte da política privatizante do Estado em prol do modelo econômico neoliberal”.
A Declaração da Selva Lacandona do EZLN (1994) “se refere a esta situação de morte porque neste
modelo não existem possibilidades de vida digna para os camponeses e os indígenas de todo o país”, acrescenta a
análise.
“A destruição da estrutura produtiva das comunidades é parte desta guerra com o objetivo de tirar-lhes
força e capacidade de resistência. Os recursos que deveriam ser destinados ao desenvolvimento do campo e a
investimentos na infra-estrutura produtiva são destinados primordialmente a sustentar as forças armadas e os
grupos paramilitares”, acrescenta.
DESMI, vinculada desde suas origens à orientação inovadora da diocese católica de San Cristóbal (à
“opção preferencial pelos pobres”, impulsionada pelo bispo Samuel Ruiz Garcia), trabalha desde 1969 em Los
Altos, norte e sul do Estado – Ocosingo, Altamirano, Chilón, Sabanilla, Tila, San Andrés, Chenalhó, El Bosque e
outros municípios.
Sob o conceito de economia solidária, que propõe a construção de alternativas próprias dos povos e das
comunidades diante da imposição do modelo capitalista neoliberal, ao longo de três décadas esta organização
independente participou de projetos educativos, de saúde, água potável, organização de mulheres, produção
agrícola, comercialização de produtos e artesanato, bem como de uma permanente reflexão coletiva em 240 cidades
chiapanecas.
O capítulo “A guerra e a paz” (de Se um come, que todos comam. Economia Solidária, Alma Cecília
Omaña Reyes e Jorge Santiago Santiago, DESMI AC, Agosto de 2001, pg. 215) sublinha: “uma vez que se
estabeleceu uma situação de instabilidade, de perseguição e de medo (sobretudo depois dos desmantelamentos dos
municípios autônomos e do massacre de Acteal), se propõem os programas de investimento social que se tornam
mais um elemento da mesma guerra porque agem para desmantelar a vontade política das comunidades e sua
capacidade organizativa. São as forças armadas que tomam as iniciativas sociais suplantando as instituições civis e,
sobretudo, as comunidades que, por outro lado, estavam dispostas a trabalhar de forma organizada num processo de
autodeterminação e autonomia”.

As reservas do caso.

Ainda que DESMI expresse otimismo diante da mudança do governo de Chiapas, não omite suas reservas
depois de sete anos de ampla militarização. “Neste contexto de guerra é difícil interpretar as ações do Estado: os
projetos de investimentos em certas áreas, a abertura de estradas e aeroportos. Os interesses estratégicos do Estado
são fundamentais para interpretar os planos de desenvolvimento e a entrega de recursos às comunidades”.
Acrescenta: “existe uma utilização de recursos econômicos como contra-insurreição. Premia-se a deserção
e se insiste mais no abandono da organização do que na ação de desenvolvimento. Durante os últimos anos, a
situação piorou; a pobreza se multiplicou; a guerra instaurou um processo de empobrecimento”.
Além da situação estrutural, deve-se acrescentar o medo. “O cerco militar criou condições de deterioração
da vida das comunidades, tem aumentado os vícios, a prostituição e as doenças. É preocupante a contaminação de
algumas áreas pelo uso que se faz dos rios para os dejetos dos acampamentos militares, nas regiões onde a
população civil tinha uma ordem e um regulamento para seu uso, como lavar roupa e tomar banho. Os
acampamentos se apropriam dos recursos estratégicos para a sobrevivência: nascentes de água, bosques,
mananciais, caminhos e outras vias de comunicação”, indica.
No que diz respeito ao truncado processo de paz, DESMI considera chave o princípio de justiça, que com
os Acordos de San Andrés (1996) reconhece a necessidade de “reconhecer o valor da palavra dada”. Apelando às
obrigações do Estado mexicano em função da Convenção 169 da OIT sobre direitos indígenas, e outros
compromissos internacionais que são “lei suprema da União, em termos constitucionais”, a entidade civil avalia
que a paz requer a participação da sociedade como sujeito do seu próprio desenvolvimento.
“Como parte da luta pela justiça se chegou à concepção da autodeterminação e do direito à autonomia. Um
exercício de resistência cultural, mas também uma apropriação do direito a existirem como povos, participando da
construção da sociedade. Um grito contra a negação e contra o esquecimento, e uma exigência de criar uma
proposta no interior de uma nação multiétnica e multicultural, assumindo a situação de marginalização e
13
dependência como caminho a ser vencido, construindo alternativas próprias; não no sentido de uma
continuidade com o modelo de sociedade imposto e colonial, mas sim no que assume elementos da identidade
nacional e da participação de todos”.
Conforme a análise de DESMI, o que a guerra nega é o reconhecimento do direito de lutar, de exercer a
autodeterminação e estabelecer relações justas; que seja, enfim, reconhecido o “direito a existir” destes povos.

Priistas espancam e prendem outros cinco zapatistas.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 22/01/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 21 de janeiro. Cinco zapatistas do município autônomo Ricardo Flores
Magón foram violentamente “detidos” por priistas das comunidades de San Juan, Paraíso Tulijá (Chilón)
Cuahutémoc e San Jerônimo Tulijá (alguns deles apontados como paramilitares). Agora, os detidos estão prestes a
entrar, se é que já não entraram, no presídio de Cerro Hueco, em Tuxtla Gutiérrez.
Um deles, Miguel Angel Gómez, está gravemente ferido, pois foi espancado e torturado pelos que o
capturaram no último dia 16, antes de ser entregue à Segurança Pública na cidade de Palenque. Em seguida, o
Ministério Público deste lugar impediu que falasse com um defensor indígena da Rede de Defensores Comunitários
pelos Direitos Humanos, que, apesar disso, pôde comprovar que o detido estava muito ferido.
Enquanto a polícia transferia os zapatistas presos às celas da Procuradoria Geral de Justiça, na capital
chiapaneca, o defensor comunitário Francisco Cruz Pérez foi ameaçado por um grupo de priistas de San Jerônimo
Tulijá, nas proximidades do presídio de Palenque, “por defender os zapatistas”. Estes priistas, que têm sido
reconhecidos como paramilitares no norte da Selva Lacandona, haviam ido a Palenque para depor contra ao
detidos.
Com estes, são 10 os indígenas, bases de apoio do EZLN, detidos e espancados em pouco mais de uma
semana. Quatro o foram em Taniperla, no último dia 12, e também um deles estava gravemente ferido. O mesmo
ocorreu com outro em Nuevo Poblado Javier López, município autônomo Francisco Gómez, no dia 17 de janeiro.
Este último foi solto horas depois em Ocosingo.
Em todos os casos, foram “detidos” por membros de organizações oficiais, acusados de supostos crimes, e
com a intenção explícita de “enviá-los a Cerro Hueco”. Estamos diante dos primeiros presos políticos zapatistas do
governo de Pablo Salazar Mendiguchía?
“A história começou no dia 15 de janeiro”, diz ao La Jornada a Rede de Defensores Comunitários. Nesse
dia, nas imediações de Egipto (município de Salto de Água), foi assaltado um pequeno caminhão do governo que
transportava o dinheiro do Progresa. “Os priistas de diferentes comunidades que não receberam os recursos ficaram
bastante zangados e começaram a culpar quem lhes convinha. Isto é, as bases de apoio zapatistas, com a intenção
de fazer com que paguem pelo que roubaram deles”.
Segundo a Rede, os detidos são inocentes do assalto que é atribuído a eles. “Mas os priistas já tinham
planos para perseguí-los. No dia 16, os habitantes priistas de San Juan detiveram um e o entregaram à Segurança
Pública. Pouco depois detiveram Miguel Angel Gómez num sítio “recuperado” perto de San Juan”.
De acordo com os testemunhos recolhidos pela Rede, “Miguel Angel foi espancado e torturado pelos
habitantes. Foram pra cima dele, amarraram pedras na cintura e lhe deram pontapés. Está gravemente ferido pelos
golpes”. No momento, os defensores comunitários ignoram a situação dos detidos, mas já sabem que se encontram
em Tuxtla Gutiérrez.
O primeiro dos “acusados” foi detido em Paraíso Tulijá no mesmo dia 16. Dia 17, dois irmãos de Miguel
Angel Gómez foram denunciar os fatos diante das autoridades do município autônomo Ricardo Flores Magón, mas
foram interceptados pelos priistas de Cuahutémoc, perto de Piña Limonar. Com eles, foi detido Manuel Cuz,
motorista do veículo Nissan no qual viajavam os irmãos Gómez.
“Haviam contratado Manuel Cruz em San Jerônimo Tulijá para fazer a viagem. Ele não sabia que estavam
sendo perseguidos”. Tampouco seus passageiros, que foram interceptados justamente para que não levassem a
denúncia.

A atitude do MP.

No dia 18 de janeiro, os indígenas foram apresentados perante o Ministério Público, e, na manhã de 19, a
Rede foi a Palenque para conhecer a sua situação. “Os agentes do Ministério Público demoraram para atender o
defensor comunitário. Disseram que devia esperar uma hora, que se fariam diligências”.
Cinco horas depois, às duas da tarde, depois de falar longamente com “um grupo de paramilitares priistas”,
os agentes do Ministério Público deixaram passar o defensor da Rede.
“Você tem dois minutos”, lhe disseram. Conseguiu ouvir apenas uma rápida narração feita pelos detidos;
quando Miguel Angel Gómez, gravemente ferido, começava a contar sua versão, um policial obrigou o defensor
14
comunitário a sair daí, credenciado como tal perante o MP. Não lhe permitiram ficar nem os “dois minutos”
prometidos.
O defensor Francisco Cruz Pérez esperou até que os cinco detidos fossem levados ao camburão que os
conduziria à PGJE. Então, ao abandonar o tribunal, foi cercado por vários priistas de San Jerônimo que tinham
vindo aí para “identificar” os acusados, e o ameaçaram “por estar defendendo os zapatistas”.
Por sua vez, o conselho autônomo do município Ricardo Flores Magón, onde ocorreram todas as
detenções, ainda não emitiu nenhum comunicado a este respeito. De acordo com a Rede, “o conselho autônomo
está fazendo suas próprias investigações dos fatos”.

Autoridades autônomas protestam pela entrada de um helicóptero da Telmex em San


Manuel. Hermann Bellinghausen. La Jornada, 23/01/2002.
San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 22 de janeiro. Hoje, o município autônomo San Manuel, localizado
nos vales de Ocosingo, tornou público o seu protesto pela irrupção de um helicóptero da companhia Telefones do
México (Telmex) na comunidade Las Tazas, em duas ocasiões, para “instalar” uma linha telefônica que ninguém
pediu.
Do mesmo modo, as autoridades autônomas denunciaram a intensificação dos patrulhamentos militares em
seu território e as divisões provocadas nas comunidades pelos recursos do Progresa e dos projetos de moradia e
criação de gado do governo estadual, repartidos entre os membros de diversas organizações. Além disso, como foi
dito pelos representantes do conselho autônomo de San Manuel ao La Jornada, estas distribuições têm servido de
pretexto para a introdução da Segurança Pública nas comunidades.
Num documento de denúncia, as autoridades de San Manuel referem: “Às 13.30 horas do dia 17 de janeiro,
um helicóptero da Telmex pousou na comunidade Las Tazas, provocando a violação dos Acordos de San Andrés.
Nesta comunidade e região zapatista não se permitem trabalhos privados de empresários”, acrescentam.
“No dia 18 de janeiro, (Telmex) continuou mandando material e pousando de novo o helicóptero na
comunidade. Queremos que a empresa retire estas linhas porque nós temos nossa forma de comunicação. Pedimos
a intervenção do governo do Estado, já que, em seu discurso nesta comunidade, Pablo Salazar Mendiguchía disse
que não queria mais a guerra de baixa intensidade”.
Apesar disso, o documento sublinha que “o município autônomo de San Manuel não manteve e não
manterá contato com a Telmex e nem com o governo do Estado até que se cumpram os acordos de San Andrés”.
Em declarações a este enviado, membros do conselho municipal rebelde dizem que o assunto tem criado
divisões entre os membros da ARIC Independente, pois sobre o particular que a equipe de telefones recebeu da
Telmex, ela que integra esta organização, “não foi avisado nem o seu povo e nem o município autônomo”. Em La
Tazas, já existe o serviço de telefonia rural, mas “a idéia é de instalar linhas muito baratas para vendê-las a gente de
fora logo em seguida”.

Onde o Progresa é chamado de Pro-boteco.

A este tipo de “avanços” do Plano Puebla-Panamá, que prevê a ampla privatização dos territórios e dos
serviços na selva Lacandona, se soma o efeito explosivo que o investimento governamental está tendo entre as
diferentes organizações oficiais e, inclusive, no interior das mesmas.
Na região que inclui as 38 comunidades do município de San Manuel existem indígenas de quatro
organizações. Além das bases de apoio do EZLN, há membros da ARIC Independente (perredista), Oficial e União
das Uniões (racha da oficial e, como esta, de filiação priista).
“O próprio governo está trabalhando para que as próprias pessoas comecem a se enfrentar”, garantem as
autoridades autônomas. “O dinheiro do Progresa que os priistas recebem o usam para comprar bebidas alcoólicas
que são vendidas nas comunidades, ou o gastam em Ocosingo. E quando ficam meio altos, brigam. Por isso, nós o
chamamos de Pro-boteco. Esta esmola não é nem para beneficiar as famílias”.
Do mesmo modo, os dois grupos priistas têm brigas internas em Santo Tomás e La Unión. Nesta segunda
comunidade, a União das Uniões “tem muitos problemas com esta esmola do Progresa. Volta e meia estão levando
dinheiro para eles e as mulheres se juntam para recebê-lo, mas não são elas que vão gastá-lo”.
Os priistas têm problemas também na questão da educação. A União das Uniões quer os professores do
CONAFE e a ARIC Oficial os da Secretaria de Educação do Estado. Pouco tempo atrás, chegaram às vias de fato, e
o conselho de San Manuel teve que intervir. “Pediram ajuda ao município autônomo, que acalmou a situação”.
No dia 17 de janeiro, começaram a chegar a Las Tazas também os caminhões de 10 toneladas com material
de construção, destinado às famílias da ARIC Independente. No dia 18 chegaram mais quatro caminhões. E os
beneficiários têm tido diferenças entre si. “Para nós o problema é que dizem que o município San Manuel está de
acordo que cheguem estes materiais. É pura mentira. O governo de Chiapas divide as organizações como a ARIC
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Independente, entregando material de construção para as casas a um custo de 1000 Pesos. As pessoas que não
têm dinheiro ficam sem nada, provocando divisões e marginalização. Nos damos conta de que estes fatos são para
acabar com a nossa resistência, e não permitiremos a passagem de outros caminhões com o material ainda que
venham com a Segurança Pública”, declaram as autoridades autônomas.
Enquanto isso, em San Francisco, La Trinidad, Delicia Casco e Santo Tomás os camponeses “receberam
cabeças de gado, e esperam outras provas de que o governo cumpre o que promete, dizem eles”.
Os autônomos garantem que agora eles têm com as demais organizações uma relação menos conflituosa do
que antes. Contudo, afirmam que a ARIC Oficial pretende expulsar os zapatistas de Nuevo Poblado Zapata, e os de
La Unión ameaçam invadir as terras de Francisco Villa.

O PPP irá gerar a “decomposição do tecido social”. Entrevista com Andrés Barreda.
Martín Hernández Alcântara. La Jornada de Oriente, 27/06/2001.

O pesquisador Andrés Barreda garante que o Plano Puebla Panamá (PPP) é a continuação do Plano
Nacional de Desenvolvimento Urbano desenvolvido pelo ex-presidente do México Ernesto Zedillo Ponce de León
para o período 1995-2000. Este programa planejava impulsionar o desenvolvimento das 100 principais cidades
intermediárias da nação através de sete corredores de integração urbano-regional. Tudo com o objetivo de satisfazer
as necessidades comerciais, industriais e de infra-estrutura que o processo de globalização da União Americana
impõe à região.
Numa entrevista a este jornal, o acadêmico explicou que o Plano Puebla Panamá está alicerçado, sobretudo,
na criação de vias de comunicação que atravessem o país e, com elas, no desenvolvimento de corredores de
maquiladoras com o propósito de montar produtos, o que irá garantir uma enorme economia de recursos às grandes
empresas transnacionais. Contudo, Barreda alerta sobre alguns dos riscos que poderiam ser provocados por estes
corredores: baixos salários, exploração de trabalhadores, aplicação de castigos físicos e psicológicos aos
funcionários, emprego de mulheres grávidas e de crianças, proliferação da prostituição e do consumo de drogas,
contaminação do meio ambiente.
Trata-se do que ele chama de “destruição do tecido social”. Além disso, aponta que os corredores das
maquiladoras que se pretende instalar na região servirão como “barreira” de contenção para os migrantes
nacionais, da América Central e do Sul, e, inclusive, asiáticos que querem entrar nos Estados Unidos.
O acadêmico lembra que os corredores do plano de Zedillo, que, com certeza, continuará na administração
de Vicente Fox Quesada, são:
1. Em Sonora, a ligação entre as cidades de Nogales e Guaymas.
2. Outro que une Nuevo Laredo, Tamaulipas e Manzanillo, em Colima.
3. Outro que vai do porto de Veracruz ao de Acapulco, em Guerrero.
4. O corredor do istmo de Tehuantepec, que iria de Coatzacoalcos, Veracruz a Salina Cruz, Oaxaca.
Os três corredores restantes não atravessariam o território nacional, mas o costeariam. Dois abrangeriam
todo o Golfo do México: um iria de Matamoros, Tamaulipas, a Villahermosa, Tabasco, e outro de Villahermosa a
Cancun, em Quintana Roo. O último abrangeria a costa do Pacífico, de Tapachula, Chiapas, a Manzanillo e, no
trajeto, teria um entroncamento com o corredor Manzanillo-Nuevo Laredo. Na entrevista, o economista com
estudos em geopolítica explica: “Evidentemente, se trata de corredores de infra-estrutura de transporte; no caso dos
corredores de oceano a oceano, estes permitiriam o translado rápido e eficiente de mercadorias através de sistemas
de contêineres que possibilitam não perder tempo na transferência de um meio de transporte a outro, e também
poupam custos com o armazenamento das mercadorias; ou seja, o sistema intermodal permite uma enorme
mobilidade no fluxo gerado pelos processos de produção e por isso está na moda, ou, melhor, é a atual revolução
em matéria de meios de transporte.
Sendo assim, quando falamos de sistemas intermodais estamos falando da lógica que a globalização
imprimiu aos processos de trocas de mercadorias em todo o planeta; os sistemas intermodais são para os meios de
transporte o que a internet representa para os sistemas de comunicação, então, ao falarmos destes corredores, temos
que entender que não estamos falando só de corredores de fibras óticas, mas estamos falando sobretudo de pontes –
os norte-americanos as chamam de land bridge (pontes terrestres) – para o transporte muito rápido das mercadorias.
A primeira idéia é esta: as cidades são integradas através destes corredores terrestres. Por isso, o primeiro aspecto
que está associado a eles é o desenvolvimento de rodovias próprias para isso, ou, também, em algumas ocasiões, da
construção de ferrovias que possam transportar vagões dos dois contêineres, ou se fala também de vias duplas: uma
de ida e outra de volta para um transporte muito eficiente. Era este o caso do corredor Seco, cuja idéia era associada
ao mega projeto do istmo de Tehuantepec”.
Andrés Barreda diz que o fato dos corredores ficarem como linhas de fluxo de transporte faz com que as
cidades se tornem aptas a desenvolver a indústria de montagem. O transporte das mercadorias é mais barato quando
elas estão desmontadas, e quando no processo se encontra mão de obra muito barata, neste caso, a eficiência dos
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corredores é maior. “A mão de obra mexicana é uma das mais baratas do mundo – aponta o acadêmico – o que
faz dela uma candidata muito boa para o desenvolvimento desses corredores. Ao olhar no mapa onde são
localizados (os corredores) aparece muito claramente que eles não estão aonde, possivelmente, se poderiam ter os
atalhos mais curtos para atravessar o Leste dos estados Unidos rumo ao Pacífico; não necessariamente têm este
trajeto, mas, muitas vezes, são desviados ou procuram regiões que são mais povoadas.
O caso Veracruz-Acapulco é um exemplo típico desta natureza; está se procurando uma região com muita
população, com alta densidade, que já esteja bem adaptada ao trabalho industrial e que, além disso, vivencie uma
condição de muita marginalidade, o que permite que possa ser paga a um preço muito baixo”. O entrevistado
acrescenta que os corredores são desenhados para impulsionar a indústria maquiladora, com um acréscimo à sua
função produtiva: que sirvam como “barreiras” de contenção dos fluxos migratórios dos trabalhadores do sul para o
norte, mas não só a nível nacional, como também dos migrantes da América Central e do Sul e, inclusive, asiáticos,
que passam pelo território nacional em direção aos Estados Unidos. “Então, em função desse programa, devem se
esperar mudanças demográficas na dinâmica dos fluxos migratórios, dos assentamentos e da composição nacional
da mão de obra”, adverte.
Andrés Barreda sublinha também que os corredores do PPP “são pensados como linhas que permitem
explorar as matérias-primas da região”. Do mesmo modo, aponta que os corredores são pensados para a colocação
do lixo industrial, não só para o que se produz no México, como também na União Americana. “É desde 1990 que
se sabe que os grandes lixões industriais dos Estados Unidos estão saturados, que se dedicam a procurar um
mercado mundial de compradores de lixo, que a administração dos lixões industriais deste país é vinculado às
máfias japonesas que, ao que parece, pegam o lixo e o jogam em alto mar para manter a colocação dos dejetos num
nível intermediário. Nos Estados Unidos há uma crise do lixo, de tal forma que monitorar quantos lixões se querem
implantar nos corredores é de importância estratégica para o México. Esta é uma pesquisa que deveria ser feita,
bem como a das maquiladoras. São temas que ninguém está pesquisando porque, apesar do plano de Zedillo ter
sido publicado em 1996, ninguém levou a sério o acompanhamento das iniciativas governamentais, o que é
estranho, porque elas avançaram e deram sentido às grandes mudanças”.
De acordo com Andrés Barreda, é desde a publicação do Plano da administração passada quando, de forma
vertiginosa, o município de Teziutlán, em Puebla, “se transforma numa grande maquiladora, ou que Tehuacán dá
um salto, deixando de ser uma pequena maquiladora têxtil para ser uma grande maquiladora, com a entrada das
transnacionais”; o mesmo que em outras regiões como o istmo de Tehuantepec ou na região de Guadalajara,
Jalisco, com o estabelecer-se de grandes empresas de microeletrônica.

As mudanças para a região: o corredor Veracruz-Acapulco.

No dizer do economista, os estados de Puebla e Tlaxcala – que têm o quinto lugar em concentração
demográfica – estão imersos no PPP através do corredor Veracruz-Acapulco (CVA) e de seus
ramais. Ele lembra que o trecho rodoviário Veracruz-Puebla foi asfaltado durante a administração
estadual poblana de Manuel Bartlett Diaz, mas encontrou a reticência das comunidades agrícolas
de Atlixco, que foram rifadas pelas autoridades através da entrega de insumos e ferramentas para o
campo bem como pela compra e a prisão de seus líderes. Contudo, o governo ainda não conseguiu
rifar a oposição dos camponeses da região oriental de Morelos e na divisa de Puebla com Oaxaca,
onde os proprietários dos lotes disseram que só irão tirá-los daí depois do mortos.
Diz que, recentemente, uma agência de notícias nacional divulgou que o Banco Interamericano de
Desenvolvimento estava prestes a conceder um empréstimo para a conclusão da rodovia Veracruz-Acapulco. Em
Puebla, o projeto foi chamado de “rodovia interoceânica” e em Morelos foi denominada “rodovia século XXI”.
Atualmente, sublinha, o governo deste último estado insiste em desenvolver esta via de comunicação “e por isso
entende que aí está o empréstimo do banco Interamericano de Desenvolvimento e que, em função disso, procuram
ver onde comprar os líderes e onde dividir as comunidades para ver se acham um trajeto que possa levar à
conclusão da rodovia, mas, até o momento, parece não ser possível”.
As cidades mais importantes que serão ligadas pelo CVA, diz Andrés Barreda, são: Veracruz, Córdoba,
Orizaba, Puebla, Atlixco, Cuautla, Cuernavaca, Iguala, Chilpancingo e Acapulco. Mas, além disso, este eixo
principal terá seus ramais ou artérias: uma das mais importantes faria a ligação com o norte, com Teziutlán.
O entrevistado explica: “Por isso, atualmente, estão aperfeiçoando o primeiro ramal para Teziutlán. Ao sair
rumo a Teziutlán, em seguida, a rodovia poderia chegar a Tuxpan, passando Poza Rica, por Martínez de la Torre,
subir de vez e ter um acesso para o mar (na faixa costeira de Veracruz). Este ponto é muito importante porque estão
redescobrindo um projeto de infra-estrutura que, ao que parece, estava morto. Durante o período em que George
Bush foi governador do estado do Texas e o anterior de Tamaulipas (Tomás Yarrington), eles estiveram
impulsionando a criação de um canal de água entre as duas faixas costeiras que beirava todo o estado de
Tamaulipas e que, praticamente, chegava até Tuxpan, entrelaçando todas as lagoas costeiras do norte do país;
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chamam isso de estações, waterways ou canais intracosteiros, hidrovias, e os chamam assim também na
América do Sul, porque a maneira mais barata de realizar o transporte é sobre a água. Atualmente, voltaram a fazer
circular este plano. (A empresa) Tribasa, que era a construtora e a proprietária do projeto, vendeu recentemente
seus projetos; então, parece que voltam a entrar em ação e vão impulsioná-los. Com Bush como presidente dos
Estados Unidos, vão começar a impulsionar a construção desta hidrovia de Matamoros a Tuxpan, e isso daria uma
importância enorme à rodovia de Teziutlán a Tuxpan, pois este seria outro dos importantíssimos afluentes deste
corredor. É um ramal muito importante; não é um ramal secundário. A este ramal deveria se acrescentar outro que
seria o que vai de Perote a Jalapa, e, por este caminho, outra vez ao porto de Veracruz; vamos dizer que de
Veracruz se poderia entrar para Teziutlán por Xalapa ou para Puebla por Córdoba-Orizaba”.
Lembra que outros ramais importantes seriam os que ligariam o estado de Tlaxcala com o tronco principal
do CVA. Sublinha que o governo deste estado tem seu programa de “Grande Visão”, “que consistiria em atravessar
literalmente o estado de Tlaxcala, como quem desenha uma cruz com o eixo de norte a sul e de leste a oeste, uma
cruz quase perfeita que teria seu ponto de encontro na cidade de Apizaco; seria este o ponto onde os dois eixos se
cruzam, o eixo norte-sul chegaria à cidade de Puebla, o eixo leste-oeste levaria à rodovia de Teziutlán e, desta
forma, Tlaxcala ficaria bem integrada a estes dois eixos, que são a rodovia Veracruz-Acaulco e a rodovia Poza
Rica-Teziutlán-Puebla”. Acrescenta: “Deve-se considerar também o trecho da rodovia que se desvia do eixo
Veracruz-Puebla rumo a Oaxaca, porque, por aí, se vai a Tehuacán; dessa forma, Tehuacán fica ao alcance da mão,
completamente ao alcance, por isso é que está tão bem integrada à cidade, de fato, é a cidade melhor integrada a
este corredor, com a mais madura experiência de maquiladoras”. “Vamos dizer que este é o plano geral ao qual só
faltaria um atalho, um caminho que permitisse poupar a necessidade de entrar na cidade de Puebla para sair em
Atlixco; ou seja, não ter que entrar fisicamente na cidade de Puebla, e sim ter uma saída que se conecte com a novo
eixo periférico da cidade e que, através dele, permitisse beirá-la pelo lado sul para se conectar com Atlixco. Este é
o famoso Plano Milenium, que estaria desviando o eixo principal de Tecamachalco passando por Tepeaca, ligando-
se com o sul de Puebla, com o tronco principal e, logo em seguida, com Atlixco.
Evidentemente, se ganharia muito tempo; por isso, o povo de Tepeaca diz que estaria só a seis horas do
porto de Acapulco”, diz o entrevistado. Ele prevê que todas as vias de comunicação do CVA seriam de nível e
teriam preços altíssimos: “Estas rodovias não são para os mexicanos, são rodovias para que as mercadorias norte-
americanas, japonesas ou coreanas passem da bacia do Pacífico ao leste dos Estados Unidos. Não, não são para os
mexicanos, nem poderiam pagá-las, só o mercado internacional pode pagá-las”. Em seguida, lembra que outro eixo
importante do CVA é a rodovia do sol.
Sublinha que o traço de distinção deste corredor é que será quase 100 por cento integrado por
maquiladoras têxteis – a diferença das que estão no norte, onde está a indústria de montagem de microeletrônica ou
automotora – porque a região tem esta vocação desde a época de Porfírio. Acrescenta: “Eu acredito que vai ser o
principal corredor têxtil do México. É esta a interpretação que eu daria ao CVA”. Especifica que, em Puebla, as
áreas mais importantes seriam: a região norte, que teria seu centro em Teziutlán; outra seria a da Sierra Negra, com
seu ponto principal em Tehuacán, e a área Tecamachalco-Tepeaca-Puebla-Atlixco ligada ao corredor Angelópolis-
Distrito Federal.
Acrescenta que, na região de Puebla, “recentemente, se fala de dois projetos. Já falamos dos dois. O
primeiro é o programa do novo governador Melquíades Morales Flores, que é o Projeto Milenium; projeto que é
atribuído a Marco Antonio Rojas (Secretário das Comunicações e dos Transportes) que fala desta saída que
permitiria chegar em Acapulco em seis horas e que, se supõe, iria gerar 29 mil empregos na região, atingindo os
povoados de San Pablo Actipan, San Buenaventura, San Francisco Mixtla, San Simon Coatepec e Candelária
Purificación, onde há águas sulfurosas. Ainda que a imprensa só esteja falando de uma pequena rodovia de 57
quilômetros, que seria somente este trecho de saída, o verdadeiro Projeto Milenium está falando de um grande
corredor industrial que requer 800 hectares para a sua realização e de um segundo corredor que demanda cerca de
400 hectares na região de Tecamachalco. Ou seja, na realidade, estão falando de mil e 200 hectares que atingiriam
oito municípios com grande população: Puebla, Cuantinchan, Tecali, Tepeaca, Mixtla, Huixcolotla; estariam
também os municípios de Cuapiaxtla, Tochtepec e Tecamachalco, são todos os municípios que seriam atingidos
por estes mil e 200 hectares onde se desenvolveria um complexo industrial, maquilador, que correria paralelamente
ao sul da atual rodovia México-Veracruz desembocando no anel viário periférico ao sul da cidade de Puebla”.
Para complementar o projeto anterior, sublinha o pesquisador, “num determinado raio ao redor de
Tecamachalco e de Tepeaca já estariam sendo desenvolvidas as infra-estruturas urbanas de água potável e de
drenagem que permitem assentar a população trabalhadora e as instalações das maquiladoras da região, bem como
escolas profissionalizantes apropriadas ao tipo de mão de obra que se pensa empregar na região”. Acrescenta que,
vinculados aos projetos rodoviários e aos complexos das maquiladoras, se estabelecem clubes de golfe “que
funcionam como rodovias inteligentes, ou seja, neles há redes de fibra ótica com uma grande dotação de
computadores para que os empresários que administram a região possam estar administrando comodamente os
negócios. O clube de golfe de Teziutlán era parte deste corredor e como a construção deste clube de golfe foi
cancelada, fala-se agora de um clube de golfe no povoado onde nasceu Emiliano Zapata, em Anenecuilco; os
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priistas estão dispostos a instalar aí um clube de golfe; se si avança no projeto criando um clube de golfe em
Anenecuilco, haverá um problema terrível, porque os clubes de golfe demandam uma quantidade de água brutal, e
por isso os clubes de golfe têm um elevado impacto ecológico”.
Em seguida, menciona que o clube de golfe instalado na capital de Puebla, bem como o programa
Angelópolis, realizado por Manuel Bartlett Diaz, foram feitos de acordo com o projeto de Zedillo, hoje chamado de
PPP, que foi esboçado pelo Banco Mundial e pelo BID. “O que muda é como os grupos de poder ou os grupos
econômicos se inserem diante deste grande mega projeto”.
Em Tlaxcala, o governo de Afonso Sánchez Anaya solicitou ser incluído no PPP, garante Andrés Barreda,
mas o governo federal não o permitiu, de tal forma que aí as autoridades estão planejando construir sete eixos que
comporiam uma cruz norte-sul, leste-oeste, com centro em Apizaco, no estado, e que permitiria a este de estar
inserido no CVA. Os eixos seriam “uma rodovia de oeste a leste que parte de Amozoc e chega a El carmen
Tequexquitla no entroncamento de quatro estradas para ir daí a Teziutlán; outra rodovia que vem de Texcoco, passa
por Calpulalpan, atravessa a oriente de Tlaxcala, chega a Apizaco, vai a El Carmen Tequexquitla e daí a Perote. De
Xoxtla teria outra a Tlaxcala, de Apizaco a Huauchinago e daí a Huasteca; de Pachuca a Tulancingo, de
Calpulalpan para Pachuca e de San Martín, Tlaxcala a Apizaco. De tal forma que todo o território fique bem
integrado e, em consonância com este traço tão eficiente, pois o estado de Tlaxcala é como um pequeno losango
horizontal, todos os territórios podem ser muito facilmente transformados em maquiladores, de fato, em Tlaxcala o
que está sendo observado é que muitas construções das fazendas estão se transformando em instalações para
montar maquiladoras, ou seja, sequer tem que construí-las”.
Junto às instalações da maquiladora formal, ou seja, oficialmente reconhecida – aponta o entrevistado –
sobre todos os eixos rodoviários do estado cresce, paralelamente, uma maquiladora têxtil clandestina muito
dispersa. Há outro corredor em Panzacola, Papalotla, em Santo Toribio Xicohtzingo, San Cosme Mazatecoxco,
Zacatelco e Ayometla. Em outro corredor localizado em Huamantla, e na região de Terrenate há também oficinas
semidomésticas que seguem o modelo de trabalho que impera em San Martín Texmelucan, Puebla. “O interessante
é que aí as que contratam não são as velhas empresas de roupas que atuam em Texmelucan ou na rodovia para
México, mas, apesar de se tratar de oficinas domésticas, são as transnacionais que já estão contratando”.
Diante do argumento utilizado por muitos funcionários federais e estaduais, de que as pessoas pedem as
maquiladoras nas regiões agrícolas, Barreda responde que isso se justifica quando se leva em consideração a
situação de desamparo em que os governos têm deixado o campo mexicano, obrigando os camponeses a venderem
sua força de trabalho por salários muito baixos.

Reafirma que o desenvolvimento da indústria maquiladora não é prejudicial só pela exploração sofrida pelos
trabalhadores, através da violação sistemática dos direitos consagrados na Lei federal do Trabalho, e sim porque
contribui para a decomposição do tecido social, pois contrata mulheres grávidas e crianças, promove o consumo de
drogas entre os trabalhadores, gera prostituição e contamina o meio ambiente. Além disso, as maquiladoras
transnacionais contratam chefes que agem como “capatazes” e aplicam, castigos físicos e psicológicos aos
empregados. “Nem sempre a população é alertada de que é isso que vai acontecer e deveria sê-lo para que, no caso
de receber uma maquiladora, esteja preparada e organizada”, recomenda.
Andrés Barreda cita então os primeiros problemas que o PPP, iniciado desde a era de Zedillo Ponce de
Leon, gerou na região Puebla Tlaxcala: “Ocorreram muitos focos de conflito rural, em Atinco houve greves e
enfrentamentos, inclusive se sabe que pelas anomalias na empresa Kukdong – como as humilhações e os maus
tratos com as mulheres, que, inclusive, eram privadas de sua liberdade pelos empresários coreanos – já há uma
atenção muito maior por parte dos sindicatos e dos estudantes norte-americanos que zelam pelo respeito dos
direitos humanos e trabalhistas das trabalhadoras”.
Acrescenta que tem informações de que, em Teziutlán, uns 35 ou 40% da população é nova, acaba de
chegar para trabalhar na maquiladora. “Há organizações que garantem que os atingidos pelas chuvas de dois anos
atrás eram habitantes que haviam chegado para procurar
trabalho numa maquiladora e que, evidentemente, não
podem ficar em nenhum lugar seguro, então vivem em
lugares que não são apropriados para eles”. Acrescenta
que Tehuacán é, talvez, o “ponto mais maduro da
maquiladora, vamos dizer que está no topo do tempo, na
fase mais madura. Em Tehuacán se teria que ir ver o que
seria o futuro dos demais povoados, eles estão na
dianteira; ter-se-ia que ir aos prostíbulos, entrevistar as
prostitutas, ver como as trabalhadoras das maquiladoras
circulam das oficinas aos prostíbulos; ter-se-ia que ver o
problema das crianças de rua, falar com as comunidades
indígenas para ver como foram destruídas, como as
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maquiladoras usam as mulheres das comunidades. Dever-se-ia ir a Tehuacán para ver como estão pegando
todos”.
Andrés Barreda lembra que Martín Barrios, diretor de uma rede de defesa dos direitos humanos, lhe disse
que em Tehuacán há mais de mil e 500 centros maquiladores, a maioria dos quais viola os direitos humanos dos
empregados.

Entrega de ajudas oficiais numa reunião de Paz e Justiça.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 30/01/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 29 de janeiro. Membros da organização Paz e Justiça se deixam ver
tranqüilamente armados na comunidade Roberto Barrios, ao norte da Selva Lacandona. A sua presença tem criado
um ambiente de tensão e constante ameaça entre os moradores, bases de apoio do EZLN.
Em Roberto Barrios, onde se encontra o Aguascalientes V, os indígenas e os membros do acampamento
civil pela paz realizam, diariamente, vigias noturnas em grupos desde que a ameaça de Paz e Justiça se tornou mais
constante.
De acordo com o relato tanto dos indígenas que pertencem ao município autônomo El Trabajo, como dos
observadores que visitaram a região, neste sábado 26, na casa ejidal da comunidade, se realizou uma assembléia de
Paz e Justiça para a qual vieram uns 20 paramilitares, e pelo menos metade deles ostentava suas armas. Armas
longas e, ao que parece, novas. Não é a primeira vez que isso acontece.
Nesta reunião, da qual participaram funcionários do município de Palenque e várias dezenas de membros
de Paz e Justiça, houve a entrega de créditos e ajudas produtivas de cinco projetos: PROCEDE, PROGRESA,
PROCAMPO (programas oficiais que agora mudaram de nome), e ajudas produtivas para plantar seringueiras e
construir um moinho.
Ao mesmo tempo, tropas do Exército federal chegaram na comunidade El Naranjo, a uns cinco quilômetros
de Roberto Barrios, para realizar “trabalho social”: cortes de cabelo, oficina mecânica e outros serviços. A presença
militar na região havia cessado desde que o acampamento militar de Roberto Barrios havia sido retirado há um ano
atrás.
No entanto, as cobiçadas cachoeiras de Roberto Barrios, de cuja privatização, já em andamento, as
autoridades autônomas de El Trabajo têm sido alertadas em várias ocasiões, são freqüentemente sobrevoadas por
helicópteros civis que, aparentemente, realizam estudos topográficos para a implantação de um clube de golfe que,
obviamente, será particular e exclusivo. Onde é que já se viu um que não seja assim? Para ter acesso às terras
ejidais desta bela região, se pretende construir uma estrada (que, ao que parece, já foi iniciada em Puyipá, ao lado
da rodovia internacional que leva a Palenque). Em função disso, as comunidades em resistência da região são
particularmente sensíveis ao Plano Puebla Panamá (PPP), que prevê o “aproveitamento” dos recursos para fins
turísticos e de investimento estrangeiro.
Em Roberto Barrios, um catequista tem sido ameaçado de morte por denunciar o perigo que o PPP
representa para as comunidades. De fato, aqui este programa já é um instrumento de divisão entre os indígenas.
Até mesmo os programas oficiais do governo, que tanto atraem os camponeses pobres, podem perder o
rumo e acabar em privatização. Neste sentido, só pelo PROCEDE, foram entregues 35 mil Pesos a cada ejidatário.
Para os padrões financeiros destas comunidades isso é muito dinheiro, e não é necessária muita malícia para pensar
o quanto poderia ser atraente no futuro, para eventuais investidores, a carteira vazia destes ejidatários. O novo
artigo 27 da constituição iria permitir que os camponeses presos na armadilha dos empréstimos usassem suas terras
para saldar as dívidas.
Diante de sua atividade visível e de sua impunidade, Paz e Justiça – ou suas derivações sob outros nomes –
funciona como um bom elemento para acirrar as divisões e a perseguição dos indígenas em resistência.
Enquanto isso, neste domingo 27, em El Limar, município de Tila, foram assinados importantes acordos de
paz entre o governo estadual e umas vinte organizações sociais, tanto da área da diocese de san Cristóbal, como
priistas (ainda que sem a participação de Paz e Justiça, a organização mãe do paramilitarismo na zona norte); em
outras comunidades do mesmo município, as bases de apoio do EZLN continuam sitiadas ou refugiadas.
Em El Limar, cenário da violência paramilitar desde 1995, se acordou, entre outras coisas, proibir
estritamente a passagem ou a incursão de pessoas armadas bem como qualquer ato de tortura e a expulsão de
famílias por motivos políticos ou religiosos. Sem dúvida, isso permitirá a redução da tensão numa parte da região
norte, mas não é suficiente para afastar a ameaça paramilitar.
Paz e Justiça ainda impede, pela força, o retorno dos que foram expulsos de Masojá Grande, Miguel
Alemán, Água Fria, Susuklumil e outras comunidades de Tila; do mesmo modo, mantém refugiados pela força
centenas de camponeses choles e tzotziles no município de Sabanilla. Também se associa a antigos membros da
organização priista com os recentes fatos de violência contra bases de apoio zapatistas em San José Bascán,
município de Salto de Água.
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Denunciam incursão militar em comunidade chiapaneca.


Angeles Mariscal. La Jornada, 12/02/2002.

Tuxtla Gutierrez, Chiapas, 11 de fevereiro. De acordo com uma denúncia veiculada hoje na capital,
contingentes militares fizeram uma incursão na comunidade El Sabino, localizada na fronteira entre o México e a
Guatemala, em busca de armas. Os habitantes do lugar se disseram intimidados e agredidos diante das denúncias
relativas à presença de grupos guerrilheiros na região.
Sábado passado, integrantes do 15º Destacamento de Cavalaria Motorizada, com base no município de
Frontera Comalapa, entraram no acampamento que os camponeses mantêm na comunidade chamada El Sabino,
conforme assinalou Leonardo Morales Robledo, representante dos atingidos. De acordo com a sua queixa, os
militares chegaram apontando suas armas, ameaçaram quatro lavradores que estavam cultivando seus cafezais e
reuniram os demais camponeses no centro do povoado. “Como nos velhos tempos da guerrilha, os militares
chegaram apontando suas armas e ameaçando mulheres e crianças que foram arrastadas para fora de suas casas”,
garantiu Morales.

Possível ordem do Ministério Público Federal.

Em seguida, cortaram os sacos de sementes e de milho, despejaram seu conteúdo por toda parte, enquanto
jogavam no chão os poucos móveis e as caixas onde as vítimas guardavam seus pertences. De acordo com a
denúncia apresentada na prefeitura de Frontera Comalapa, o Exército “chegou de surpresa e espancou Jesús Pérez
Vázquez, Uriel Ventura Reyes, Ebidel Ventura Vázquez e Juan Ventura Ramírez; foram arrastados pelos cafezais
até o centro do povoado. Aí perguntaram a todos os homens, mulheres e crianças onde guardávamos as armas.
Tinham nos colocado de joelhos, não víamos mais como destruíam nossas casas, nossa colheita. Outros verdes
vasculhavam os arredores”, acrescentou Morales Robledo. Horas depois de mantê-los sob ameaças, os militares se
retiraram “sem dizer nada”.
Por sua vez, o prefeito do lugar, José Uber López, explicou que, possivelmente, a incursão à procura de
armas ocorreu por ordem do Ministério Público Federal, mas o município não foi notificado”. A autoridade referiu
que neste povoado dois grupos de camponeses disputam uns 400 hectares de terra, o que tenciona a situação que se
vive no lugar. Afirmou que recebeu denúncias sobre grupos guerrilheiros que moram na região “mas como a
fronteira com a Guatemala é muito extensa, não sabemos o que acontece por aí”. De imediato, enviou um ofício ao
governo estadual no qual pede a intervenção do governador Pablo Salazar para resolver o conflito agrário de El
Sabino e manter uma vigilância maior em toda a região.

Os povos indígenas diante da Corte.


Adelfo Regino Montes. La Jornada, 12/02/2002.

Pela primeira vez na história deste país, no segundo semestre do ano passado, os nossos povos indígenas,
através de suas organizações municipais, foram à Suprema Corte de Justiça da Nação para apresentar 330 pedidos
de inconstitucionalidade contra a reforma em matéria de direitos e cultura indígenas, emitida formalmente pela
constituinte permanente no dia 18 de julho de 2001 e publicada oficialmente pelo Executivo Federal no dia 14 de
agosto desse mesmo ano.
São muitas as razões que animaram as autoridades municipais dos nossos povos a se colocarem contra a
reforma indígena promulgada pela constituinte permanente. Para exemplificar, bastaria quanto segue:
a) Foram omitidos os direitos e as reivindicações fundamentais dos nossos povos. Neste sentido, os legisladores
apagaram de forma dolosa todos os mecanismos e os procedimentos para exercer de fato o direito à livre
determinação e à autonomia, para impossibilitar a livre associação das comunidades e dos municípios que
pertencem a um mesmo povo a fim de procurar sua reconstituição étnica. Do mesmo modo, se exclui taxativamente
toda referência aos direitos territoriais que nossas comunidades e povos têm tido desde tempos ancestrais. Dessa
forma, ao negar aos povos o direito à autonomia e sua base territorial, foram radicalmente desconhecidos os
Acordos de San Andrés e a proposta de reformas constitucionais da COCOPA.
b) No processo de elaboração da reforma constitucional ao qual nos referimos, foi abertamente desrespeitada a
legislação existente. Em primeiro lugar, foi violado o artigo 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, que estabelece: “... os governos deverão... consultar os povos interessados, através de procedimentos
apropriados e, sobretudo, através de suas instâncias representativas, toda vez que sejam previstas medidas
legislativas ou administrativas que os afetem diretamente”. Neste contexto, ao elaborar a reforma, a constituinte
permanente devia ter consultado as comunidades, os municípios e os povos indígenas através de suas assembléias
comunitárias, municipais e regionais que hoje constituem o procedimento idôneo e a instância representativa que,
21
desde os tempos ancestrais, é usada para a consulta e o processo decisório nos diferentes âmbitos da vida
quotidiana dos povos. Do mesmo modo, nas instâncias jurídicas locais não se respeitou o procedimento
estabelecido para a aprovação de uma reforma constitucional, já que, em diversos estados da federação, para
aprovar uma reforma constitucional não se requeria só a maioria simples, como era necessária a maioria
qualificada. Por não ter sido feita uma revisão exaustiva do processo de aprovação da referida reforma nas
assembléias Legislativas, a Comissão Permanente violou de forma indigna o estado de direito, incorrendo com isso
numa grande irresponsabilidade.
Com estas razões, os povos indígenas apelaram à Corte para pedir justiça, para pedir que dita reforma
constitucional fosse declarada inválida e que o procedimento fosse restabelecido, respeitando plenamente os
acordos de San Andrés e a proposta de reforma constitucional da COCOPA, porque este é o mandato da grande
maioria das comunidades e dos municípios indígenas do país, tal como consta de suas respectivas atas de
assembléias e como ficou suficientemente explícito ao promover uma grande quantidade de pedidos de
inconstitucionalidade.
Diante deste fato inédito, a Corte deverá se pronunciar apesar das numerosas reclamações recebidas por
parte das autoridades questionadas. Este único fato tem uma enorme importância, já que até agora a SCJN
permaneceu calada diante do grande debate que se desenvolveu sobre os direitos indígenas.
Nós, povos indígenas, estaremos atentos para ouvir a palavra da Corte, já que através dela iremos ver se se
persiste na discriminação em relação aos povos, que no âmbito jurídico têm sua expressão mais clara no
ordenamento jurídico único, ou se, ao contrário, há uma atitude de compreensão e solidariedade para com as
reivindicações indígenas, encaminhando-nos desta maneira para um verdadeiro pluralismo jurídico. Enquanto isso,
as autoridades comunais e municipais do país estarão refletindo sobre as implicações destes pedidos de
inconstitucionalidade no Encontro Nacional das Autoridades Indígenas, que tem sido convocado por diversas
organizações sociais e civis do país, e que se realizará nos dias 23 e 24 de fevereiro deste ano na cidade de Oaxaca.
Aí, as autoridades indígenas de cerca de 12 estados do país terão de chegar a acordos que garantam o sucesso dos
pedidos de inconstitucionalidade e reafirmem seu claro compromisso de concretizar, no terreno dos fatos, os
Acordos de San Andrés e a proposta da COCOPA, no marco da reconstituição indígena.

Após anos de abandono, a vida volta a Guadalupe Tepeyac.


Elio Henríquez. La Jornada 13/02/2002.

Guadalupe Tepeyac, Chiapas, 12 de fevereiro. Após seis anos e meio de abandono, a comunidade zapatista
de Guadalupe Tepeyac foi completamente reconstruída e pra ela voltaram todos os moradores que no dia 09 de
fevereiro de 1995 tiveram que deixar suas casas e refugiar-se nas montanhas em função da ofensiva do Exército
Mexicano.
Desde o 7 de agosto passado, quando quase 100 famílias voltaram pacificamente de um exílio de seis anos
e meio, Guadalupe Tepeyac deixou de ser o povoado fantasma que havia se tornado em fevereiro de 1995, data em
que a administração do então presidente Ernesto Zedillo “traiu o povo do México ao romper o diálogo com o
EZLN, com o Exército (Mexicano) invadindo nossa comunidade à procura do comando” do grupo armado,
disseram os que voltaram.
Os indígenas garantiram que o seu retorno “com dignidade e alegria” foi possível “graças à Marcha da cor
da terra (que começou no dia 24 de fevereiro do ano passado e chegou ao Distrito Federal, após percorrer diversos
estados), e à nossa heróica resistência para continuar a luta com nossos irmãos zapatistas”.
Sublinharam que com a sua volta demonstraram “que a solução pacífica (do conflito) é possível, mas isso
depende muito do mau governo, porque até o momento não há nenhuma resposta” às reivindicações de que se
cumpram os Acordos de San Andrés, assinados no dia 16 de fevereiro de 1996, e que se reconheçam os direitos
indígenas.
Os simpatizantes zapatistas de Guadalupe Tepeyac, comunidades situada no município de Las Margaritas,
têm feito do dia 9 de fevereiro uma data simbólica. “Muitos dizem que hoje celebramos a traição do mau governo,
mas não é isso que celebramos, e sim a resistência que opusemos ao mau governo”, esclareceram.
Em função do sétimo aniversário da “traição do mau governo”, os habitantes de Guadalupe Tepeyac, sede
da Convenção Nacional Democrática de agosto de 1994 e primeiro Aguascalientes, realizaram sábado passado um
ato político-cultural no qual manifestaram: “Muitos pensaram que nunca iríamos voltar a este povoado após ter
resistido no exílio durante seis anos e meio. Esperamos uma solução pacífica, mas, até o momento, não houve
nenhum acordo, por isso continuamos na luta”.
Com a bandeira mexicana e diante do estandarte da Virgem de Guadalupe, os indígenas sublinharam: “o
mau governo fez de tudo para acabar conosco e destruir-nos; invadiu o nosso povoado, destruiu nossas casas,
acabou com os nossos pertences, mas graças ao movimento da sociedade civil nacional e internacional pudemos
recuperar pacificamente o nosso povoado e, novamente, temos demonstrado que não deixamos de ser zapatistas”.
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Em sete anos, esta foi a primeira vez que estas famílias tojolabales, fiéis ao EZLN, passaram o dia 9 de
fevereiro na comunidade que as viu nascer. “Como povo, nunca perdemos as esperanças de que num determinado
momento iríamos voltar”, disseram.
Alguns destes indígenas lembraram que no dia 9 de fevereiro de 1995, por volta das oito da manhã,
centenas de soldados desceram de pára-queda, “como aves de rapina”, de helicópteros militares. “Em seguida,
circundaram a comunidade achando que iam deter os dirigentes (até então, o Subcomandante Marcos morava neste
lugar), mas não conseguiram”.
O dia todo, acrescentaram, chegaram reforços militares por via terrestre. Ninguém lembra que tenha tido
disparos de armas de fogo, mas os soldados “vinham muito mal-encarados”. Lembraram que os indígenas foram
detidos e interrogados de forma “muito agressiva”, razão pela qual pouco antes do anoitecer as mais de 80 famílias
pro zapatistas que viviam aí – ou seja, todo o povoado – pegaram suas crianças, alguns pertences e fugiram para a
montanha temendo de virem a ser agredidas.
Assim, passaram três meses fugindo, escondidas nas montanhas, com muito pouca comida – “tínhamos só
pozol”, comentaram – até que fundaram o Nuevo Guadalupe no exílio. Por seis anos e meio arrendaram terras para
semear. No dia 9 de fevereiro de 1996 e 1997 realizaram marchas em Guadalupe Tepeyac para exigir a retirada do
Exército Mexicano. Finalmente, as tropas abandonaram a comunidade no dia 20 de abril do ano passado e os
indígenas voltaram em 7 de agosto, o mesmo não aconteceu com o comando zapatista que, desde 9 de fevereiro se
embrenhou mais na selva.
A partir de abril os indígenas começaram a carpir o mato que praticamente invadiu suas casas, destruídas
pelo abandono. A reconstrução levou vários meses, pois muitas casas estavam em mau estado. Hoje, Guadalupe
Tepeyac é novamente um povoado com vida, as vendas comunitárias foram reinstaladas, há refeitórios – um deles
se chama Sete de Agosto, em memória da data do retorno -, se ouvem os rádios ligados nas casas, os animais
domésticos vão e vêm pela comunidade. Nota-se muito movimento.
Com o grupo que voltou não vieram seis adultos, que faleceram no exílio, mas se juntaram muitas crianças
que nasceram em Nuevo Guadalupe. “É como uma vitória o fato de ter voltado com dignidade às nossas casas”,
comentaram alguns homens orgulhosos.
No ato de sábado passado, que foi encerrado com um baile popular, os moradores – sobretudo, as crianças
– encenaram peças de teatro, participaram das danças regionais, cantaram músicas que fazem referência à sua luta,
uma dedicada a Marcos e outra ao presidente Vicente Fox, ambas de recente criação.
Insistiram no fato de que voltaram às suas terras “alegres para reconstruir o nosso povoado sem precisar do
governo; estamos fazendo isso com muito esforço. Por isso nos sentimos contentes de sermos um povo que está
lutando por liberdade, justiça e democracia para todos, por um México novo com paz, justiça e dignidade”.

Começa a campanha nacional a favor dos povos indígenas.


Enrique Mendez. La Jornada, 16/02/2002.

Passados seis anos do momento em que o Exército Zapatista de Libertação Nacional e o governo federal
assinaram em San Andrés Larráinzar os primeiros acordos para o processo de pacificação, 25 organizações
indígenas e simpatizantes do movimento armado começarão hoje, no Zócalo da capital, a Campanha Nacional de
Luta e Resistência pela Justiça e a Paz para os Povos Indígenas do México.
A campanha dá a sua arrancada enquanto na Suprema Corte de Justiça da Nação continuam analisando os
329 pedidos de inconstitucionalidade que foram apresentados contra a reforma da Constituição aprovada pelo
Congresso, que os povos indígenas se negam a assumir, e enquanto continua a tensão nas comunidades de Chiapas,
bem como a guerra de baixa intensidade.
O conteúdo da campanha foi apresentado ontem numa coletiva com a imprensa, na qual se especificou que
serão 15 jornadas para exigir o cumprimento dos Acordos de San Andrés e comemorar o primeiro aniversário da
participação da delegação do EZLN no Congresso Nacional Indígena de Nurio, Michoacán. Incluem-se dois dias de
resistência civil diante da Cúpula Mundial para o Financiamento do Desenvolvimento, em Monterrey, Nuevo Leon,
no final de março, quando chefes de estado do mundo inteiro se dirigirão à esta cidade.
José Luis Castro, da organização Artesãos Indígenas do Distrito Federal, e Damián Camacho Guzmán, da
Associação Nacional dos Advogados Democráticos, informaram que, além dos pedidos de inconstitucionalidade,
foram apresentadas diante da Corte 62 mil assinaturas contra a reforma aprovada pelo Congresso em matéria de
direitos e cultura indígenas.
Do mesmo modo, se informou que o CNI concordou em fortalecer seu trabalho de organização para que,
quando a Corte emitir seu veredicto sobre os pedidos, possa definir sua estratégia jurídica, caso esta venha
referendar a constitucionalidade das mudanças da lei.
De imediato, durante a conferência se pediu à Corte para que “aja com congruência” e determine que a
reforma é inconstitucional, porque foram violadas etapas do processo legislativo.
23
Castro e Camacho Guzmán afirmaram que passados dez meses da votação do projeto, que não
incorporou o espírito dos Acordos de San Andrés, a tensão ainda não diminuiu em Chiapas, Oaxaca e Guerrero,
diante de uma crescente militarização e de uma sistemática agressão às comunidades indígenas.
Afirmaram que a aprovação da reforma não abriu a possibilidade para a retomada do diálogo e muito
menos propiciou uma melhora nas condições de vida dos indígenas, que todos os dias sofrem a ameaça da presença
dos militares em suas comunidades.

Observadores internacionais em Chiapas.

Também se deu o informe da visita dos 100 integrantes da Comissão Civil de Observação Internacional e
de Direitos Civis que irão à Chiapas na próxima terça-feira onde permanecerão até o começo de março para
contatar as comunidades. Ao seu retorno, irão redigir um informe a partir de uma radiografia da situação no Estado,
e apresentarão um relatório à ONU e ao Parlamento Europeu.
O início da Campanha Nacional de Luta e Resistência pela Justiça e a Paz coincide com o dia no qual, seis
anos atrás, foram assinados os primeiros acordos do processo de pacificação, relativos aos direitos e à cultura
indígena, que integraram o Acordo de Concórdia e Pacificação com Justiça e Dignidade.
Naquela ocasião, o Comandante David comentou: “Este é um pequeno acordo, mas não nos deixemos
enganar de que o que foi assinado é um acordo de paz”.

Paz e Justiça seqüestra líderes comunitários.


Oscar Gutiérrez. El Universal, 18/02/2002.

Tuxtla Gutiérrez, Chiapas. Passadas 48 horas da detenção do estrategista e líder máximo do grupo
paramilitar Paz e Justiça, Diego Vázquez López, integrantes desta organização seqüestraram três representantes
comunitários do ejido El Limar, no município de Tila.
Fontes da procuradoria Geral de Justiça do Estado (PGJE) disseram que um grupo de choles originários da
colônia Miguel Alemán, encabeçados por Cristóbal Gómez Martínez, seqüestraram Jiménez López, representante
ejidal de El Limar.
A mesma sorte coube ao delegado da organização indígena Kichaañoq Ricardo Martínez Martínez e à
representante dos catequistas Margarita Álvarez Martínez.
De acordo com as versões, Paz e Justiça estaria procurando negociar sob pressão a soltura de Vázquez
López, processado por seqüestro, lesões corporais e prejuízos à propriedade alheia.

Deputados de propõem a reparar o erro de ter aprovado a reforma indígena.


Ciro Perez Silva. La Jornada 19/02/2002.

Seis anos e dois dias após a assinatura dos Acordos de San Andrés, 168 deputados de todos os partidos,
com exceção do PAN, apresentaram novamente em San Lázaro o projeto conhecido como Lei COCOPA sobre
direitos e cultura indígenas, “para reparar o erro de ter aprovado no ano passado uma reforma que não atendeu às
reivindicações dos povos indígenas”.
No Salão Verde da Câmara dos Deputados, que se revelou insuficiente para abrigar as dezenas de
organizações sociais, grupos indígenas, intelectuais e legisladores – convocados ou que se fizeram presentes -, o
priista Jaime Martínez Veloz lembrou que o projeto é o mesmo que foi formulado pela Comissão de Concórdia e
Pacificação a partir do acordo assinado entre o EZLN e o governo federal que, disse, “é a expressão de uma
negociação bem-sucedida no México”.
Ponderou que a reforma aprovada na Câmara dos Deputados e dos Senadores, a partir da iniciativa
aprovada pela COCOPA e apresentada pelo presidente Vicente Fox, “longe de alcançar os objetivos que lhe deram
sustentação, provocou a suspensão imediata do diálogo e da negociação com o Exército Zapatista, além de que a
publicação do decreto, mais que significar um avanço na redução da tensão a nível nacional, causou o mal-estar das
comunidades indígenas”.
Também a prêmio Nobel Rigoberta Menchú enfatizou que se trata de uma lei “nefasta” que não resolve os
problemas indígenas, razão pela qual instou os legisladores a rediscuti-la.
Entre os primeiros oradores, Pablo González Casanova afirmou que a credibilidade do Congresso foi
prejudicada quando a marcha indígena não conseguiu despertar sua vontade política a favor do projeto da
COCOPA. “De conseqüência, e devido à recente experiência que teve como resultado a contra-reforma indígena
nos pronunciamos por um apoio crítico a esta nova gestão; não esquecemos que a composição do Congresso é
parecida a que traiu a esperança de que a paz estava próxima”. Leu um documento assinado por várias
personalidades que estiveram próximas ao conflito e à negociação de paz, e em nome deste coletivo admitiu que os
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legisladores têm ao seu alcance a possibilidade de reparar os erros, mesmo não subestimando o risco de que o
evento de ontem, no qual foi protocolada a entrega do projeto da COCOPA na Câmara, possa ser apenas um gesto
de boa vontade.
“Neste momento, estamos com uma falta de credibilidade muito grande no Executivo, no Congresso, e se o
Poder Judiciário chegar a emitir uma sentença contra os direitos indígenas, vamos ficar sem os três poderes; isso
ameaçará a estabilidade e a paz da República. Não é exagero, é uma questão de lógica elementar que se o Poder
Judiciário perder sua credibilidade, a situação deste país, junto à crise econômica e à crise mundial, será
extremamente grave”, advertiu.
González Casanova pediu ao Congresso que corrija uma lei que “tirou todos os direitos” dos povos
indígenas. “Não será possível para o Congresso recuperar qualquer credibilidade se não forem capazes de aprovar o
direito dos povos indígenas”.
Por sua vez, José Manuel Del Rio Virgem, da Convergência pela Democracia, solicitou que seja justamente
o Poder Judiciário a resolver “um assunto que nem as leis e nem a política souberam resolver”.
Outro coletivo, que reúne personalidades como o próprio González Casanova, Elena Poniatowska, Luis
Villoro e Carlos Monsiváis, entre muitos outros intelectuais, escritores, músicos, pesquisadores, caricaturistas,
atores, fotógrafos, acadêmicos e grupos sindicais, de direitos humanos e associações, disse que passado um ano de
quando a voz indígena foi ouvida no Congresso, mais da metade dos municípios majoritariamente indígenas
apresentou pedidos de inconstitucionalidade.
“Dentro de mais alguns dias, o Poder Judiciário terá a palavra sobre o tema. Hoje, com a apresentação da
Lei COCOPA, o Poder Legislativo tem a chance de reparar o seu erro. Saudamos a iniciativa do grupo
suprapartidário de deputados e chamamos o Congresso da União à sua aprovação, como o melhor caminho para
construir e reconhecer um México mais justo, diferente, pluricultural e multiétnico. Como o melhor caminho para
reconstruir o diálogo e a paz. Como o melhor caminho para reconhecer verdadeiramente os direitos dos povos
indígenas”, sublinha o documento.
Em seguida, foram apresentadas as posições dos grupos indígenas de Guerrero, Guanajuato, estado do
México, Tabasco e Oaxaca, além das comunidades da região de La Huasteca, que rechaçaram a lei aprovada no ano
passado, e pediram uma nova reforma constitucional.
“Viemos dizer que exigimos o cumprimento dos Acordos de San Andrés. Viemos agradecer pelo esforço
dos deputados e viemos rechaçar estes legisladores que traíram a Lei COCOPA e criaram a Lei Bartlett, a lei
Fernández de Cevallos e a lei Jesus Ortega; os indígenas os rechaçam a nível nacional. Já passaram mais de 15
minutos, já foram quase 15 meses. Quanto devemos esperar?”, insistiram.
As comunidades indígenas explicaram que a reforma aprovada no ano passado não atende suas
reivindicações, e pediram ao Poder Judiciário que responda favoravelmente aos pedidos de inconstitucionalidade
apresentados pelos grupos indígenas de acordo com as reivindicações de reconhecimento. “Não queremos uma lei
especial, e sim princípios de equidade jurídica de acordo com nossa identidade indígena”, enfatizaram.
Por sua vez, Rigoberta Menchú disse que voltar a apresentar o projeto de lei da COCOPA é uma
oportunidade, não só para os povos indígenas como para todos os mexicanos, de encontrar uma solução para “um
vazio” gerado pela lei que foi aprovada e que, disse, em muitos lugares do México é inconstitucional e inviável,
além de sua aplicação ser “impossível” em muitos estados.
“A luta dos indígenas é heróica, mas é também histórica; há milhares de anos nossos povos vêm lutando
por sua sociedade, por sua cultura. Que não parem a luta por sua dignidade, que defendam seus territórios, que
resgatem seus valores culturais, sua fé na vida, na natureza, no planeta. Que defendam suas terras e que mantenham
a unidade entre seus dirigentes”, exortou.
A prêmio Nobel pediu que as leis não sejam “colonialistas” nem “racistas”, mas que permitam uma nova
relação entre os povos indígenas. Pediu a elaboração de uma agenda comum na qual os indígenas participem
diretamente na definição do seu futuro. “Se houver uma lei nefasta, deve ser reformulada, este é um passo
importante. Defendemos uma nova esperança”, disse.
Bernardo de la Garza, coordenador do Partido Verde, disse que se hoje não há paz no México, é porque não
se encontrou uma forma de gerar justiça. Reconheceu que foi um erro festejar a chegada dos indígenas à tribuna da
Câmara dos Deputados, “como se este fosse um passo definitivo”.
Marti Batres, coordenador do PRD, afirmou que para revitalizar as instituições se deve corrigir, porque se
há um erro que o Congresso deve corrigir é a lei indígena. Declarou que mesmo se tratando de uma empresa difícil,
porque se faz necessário construir uma correlação no interior do Congresso e com a sociedade, “a nossa obrigação
é de não rendermos, de mantermos a iniciativa política e social. Temos que convencer uma grande quantidade de
legisladores. Mais de 50 deputados votaram contra a lei; hoje são 160 que assinam este projeto. No próximo
período de sessões o tema central é a reforma do estado, mas não a entendemos sem a transformação do mesmo
num estado multiétnico. Não entenderíamos uma reforma que não tivesse entre seus elementos centrais o tema da
lei indígena”, advertiu.
25
Município Autônomo em Rebeldia Ricardo Flores Magón

Chiapas, México, 23 de fevereiro de 2002.

À Comissão Civil de Observação pelos Direitos Humanos.


Ao Povo do México
Aos Povos do Mundo
À Imprensa Nacional e Internacional
À Sociedade Civil Nacional e Internacional
Aos Governos Federal e Estadual.

Irmãos e irmãs:

Queremos informar e denunciar a nova tentativa do mau governo mexicano de desalojar nossas
comunidades indígenas da Reserva Integral da Biosfera dos Montes Azuis (REBIMA) e da chamada Zona
Lacandona; queremos denunciar as artimanhas que o governo está tramando para continuar a sua guerra contra as
comunidades em resistência, agora com o pretexto das áreas de preservação, e queremos repetir aos maus governos
federal e estadual que as comunidades indígenas de Ricardo Flores Magón não irão permitir nem o desalojamento
nem o reassentamento das nossas comunidades; vamos defendê-las como territórios do nosso povo indígena.

A negação e o esquecimento

Novamente dizemos “Basta!” diante do mau governo que está planejando e armando planos de
reassentamento e desalojamento das comunidades indígenas rebeldes. Basta!, porque ninguém nos levou em
consideração e nem nos foi perguntado nada quando, em 1972, ocorreu ao Presidente da República de entregar
nossas terras a um punhado de famílias Caribes criando um latifúndio de 614.321 hectares chamado Zona ou
Comunidade Lacandona; ninguém nos perguntou nada quando, mais uma vez, em 1978, destinaram 331.200
hectares à REBIMA em função da vontade presidencial que não levou em consideração nós que aí vivíamos, que
há anos havíamos solicitado o nosso direito agrário herdado por Zapata e nem se levou em consideração o direito
coletivo dos povos indígenas sobre seus territórios. O governo vem saqueando estas terras há muitos anos, vem
permitindo a entrada de madeireiras, da PEMEX e hoje diz estar preocupado com a ecologia.
Eles, os maus governos, nunca olharam para aqueles aos quais estas terras pertenciam por direitos
históricos, por direito coletivo, ou seja, para nós indígenas tzeltales, choles, tojolabales e tzotziles do Estado de
Chiapas, para nós, os primeiros. Tampouco os maus governos levaram em consideração quantos esforços, recursos,
esperanças e sonhos das comunidades indígenas solicitantes foram jogados no esquecimento ao decretar a Zona
Lacandona e a Reserva dos Montes Azuis, porque foram anos inteiros trabalhando e pedindo estas terras e eles não
ligaram pelo fato dos nossos povos tê-las ocupado no passado e de nós precisarmos da terra para alimentar nossas
famílias, para vivermos como somos, como indígenas e camponeses; o mau governo não se importou com nada
disso.
O governo nunca olhou para nós; hoje já olham, mas nos vêem como ilegais, como invasores de terras,
como estorvos a serem desalojados, como devastadores dos bosques. O governo nunca olhou para nós quando
tínhamos o direito em nossas mãos, quando, legalmente, lhe solicitávamos a terra; passamos mandatos inteiros
solicitando estas terras e ninguém nos viu, ninguém assinou nossas petições, não lembraram do direito camponês à
terra, nem do direito dos povos indígenas ao território. Mas um presidente, num par de dias, assina uma resolução
de preservação que inventaram do nada; após a assinatura, nos anos 80, olharam para nós, desalojaram dezenas de
comunidades e ameaçaram centenas de comunidades indígenas que povoavam estas terras desde os anos 50 e 60.
Mais uma vez, ninguém nos consultou, nem nos levaram em consideração para trair a Revolução de 1910
ao reformular o Artigo 27 da Constituição, traindo com ele a luta zapatista dos primeiros; de novo, nos esqueceram
e nos excluíram, ninguém nos perguntou se queríamos esta reforma com a qual nunca concordamos. Com esta
traição veio novamente o cancelamento e a negação legal do nosso direito camponês às terras, de nossos sonhos e
esperanças agrárias. Por isso, hoje, não reconhecemos nenhum desses decretos e reformas.
Nós continuamos aqui graças à organização das comunidades contra os decretos, à sua organização para
dar vida ao Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), ao seu valor de levantar-se em armas em 1994; é
graças à sua resistência e luta justa que hoje continuamos aqui, resistimos e por isso, porque é nosso direito
constitucional (Antigo Artigo 27) histórico e coletivo, não vamos negociar nossos territórios nem permitiremos
sermos desalojados de nossas terras e territórios nos quais hoje trabalhamos e vivemos, dos quais fazemos nascer a
nossa cultura.
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Hoje, o mau governo repete a história de negações e esquecimentos num quadro de guerra silenciosa e
de extermínio contra os indígenas destas terras, de todas as terras. Novamente, no ano de 2001, fazem reformas
constitucionais traindo os acordos internacionais sobre os direitos dos povos tribais e indígenas como a Convenção
169 da OIT, traindo os Acordos de San Andrés pactuados em 1996 com o EZLN e apoiados por todos os povos
indígenas do país e por amplos setores da sociedade mexicana como ficou evidente nos encontros do Congresso
Nacional Indígena (CNI), na Consulta Nacional de 1999 e na Marcha da Cor da Terra em 2001. Hoje, novamente,
nos vêem como ilegais, como invasores, como delinqüentes e, de novo, nos ameaçam com a violência, a
perseguição, o desalojamento, a prisão e a morte; hoje, só vêem em suas leis o que serve para estes fins, mas nunca
hão de olhar para o nosso direito.
Hoje, dizemos claramente que as comunidades que estão na chamada Zona Lacandona e na REBIMA já se
encontravam em suas terras ou haviam solicitado os seus direitos agrários antes destes decretos e reformas. As
comunidades que nos últimos anos tomaram posse de suas legítimas terras e territórios e que construíram seus
centros populacionais têm sido forçadas a fazê-lo devido à crescente militarização de suas comunidades de origem,
devido à perseguição militar, paramilitar, judicial e às próprias ameaças de tirar-lhes suas terras. Em outras
palavras, são refugiadas de guerra. E é o próprio governo que fez com que, a cada dia, mais gente entrasse na Zona
Lacandona e na Reserva para agarrar seu direito a terra.

Uma história de violência e mentiras

1) Desde os tempos antigos, as terras da Selva Lacandona foram povoadas por diferentes povos indígenas,
como é demonstrado pelas ruínas deixadas por nossos antepassados. Em 1524, no momento da conquista e da
colonização espanhola, morava nestas terras um povo chamado Lacandón. Os verdadeiros Lacandones.
2) O verdadeiro povo Lacandón, um povo digno, rebelde e guerreiro, resiste e combate contra os
conquistadores por mais de 150 anos até que o último verdadeiro Lacandón morre em 1695.
3) Após a morte dos verdadeiros Lacandones, os governos locais e, em seguida, os nacionais permitem a
exploração da selva entregando-a nas mãos de fazendeiros e latifundiários privados que retiram a madeira nas
montarias explorando os indígenas tzotziles e choles que trazem para trabalhar em condições de semi-escravidão;
milhares deles morrem na selva divido às condições de vida miseráveis, ao excesso de trabalho e aos maus tratos.
4) Em 1700, um grupo de indígenas Caribes vindo de Campeche e Mérida chega à Selva Lacandona. Estes
indígenas não têm problemas com os conquistadores por serem considerados pessoas amáveis e pacíficas que
obedecem às regras do conquistador.
5) Depois da Revolução Mexicana entrega-se aos camponeses o direito constitucional de participar da
partilha das terras. Nos anos 50, devido à pressão dos camponeses que exigem seus direitos agrários sobre as
propriedades dos fazendeiros e latifundiários na região de Los Altos, norte e centro do estado, o governo abre os
terrenos da selva à repartição agrária para impedir que os proprietários sejam prejudicados pela distribuição.
6) A partir desses anos até o final da década de 70 ocorre um processo de colonização indígena da Selva. O
povoamento se dá sem nenhum planejamento ou apoio por parte dos governos; os indígenas são enviados para lá
sem nada, entregues à sua própria sorte para enfrentar uma selva que parece devorá-los. Os indígenas vêm das
regiões norte, altos e centro onde foram trabalhadores assalariados nas fazendas de café e de gado por causa da
miséria econômica, da falta de terras produtivas e da violência dos fazendeiros e dos jagunços.
7) Desde a sua chegada na selva, centenas de comunidades indígenas que vão se formando na Selva
Lacandona apresentam suas reivindicações agrárias. As comunidades esperam e trabalham durante anos para
administrar suas terras sem receber resposta do governo.
8) Em 1963, o governo outorga novas concessões para a retirada de madeiras, sobretudo a Aserraderos
Bonampak, Madeireira Maya e COFOLSA. Iniciam também as escavações e as prospecções da Pemex em toda a
região da selva e são abertos os primeiros poços de petróleo em Ocotal, Villa La Rosa e Nazareth.
9) As 66 famílias caribes se agrupam em três povoados (Metzabok, Nahá e Lacanjá Chansayab) e no dia 3
de abril de 1971 apresentam seus pedidos agrários para receberem 10 mil hectares para os três.
10) Tão somente oito meses depois dos caribes terem apresentado sua solicitação ao governo de Luis
Echeberría, este os dota de 614.321 hectares de terra que chama Comunidade Lacandona. O processo para decretar
a Comunidade Lacandona está cheio de irregularidades.
a. O governo troca o nome dos caribes para lacandones e tenta apresentá-los como descendentes diretos dos
verdadeiros lacandones que morrem em 1695 e que defenderam com dignidade o seu território e a sua
cultura.
b. Dos três povoados, Nahá e Metzabok estão fora do polígono dos terrenos comunais dos quais foram
dotados.
c. A tramitação completa dura somente oito meses, enquanto são ignoradas as comunidades que levavam
mais de 15 anos solicitando as terras.
d. Os caribes recebem 604 mil hectares além do que haviam pedido.
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e. O decreto não leva em consideração que, por volta de 1972, já existiam 17 comunidades com direitos
ejidais, que mais de 30 comunidades já haviam apresentado pedidos de dotação e que mais de 20
comunidades tinham solicitações de ampliação sobre os terrenos da Zona Lacandona. Ou seja, não se levou
em consideração que nestas terras havia mais de 60 comunidades com direitos e com solicitações agrárias
anteriores ao decreto e ao pedido dos caribes.
f. O decreto dota somente 66 famílias caribes e ignora a presença de mais de 1500 famílias tzeltales, choles,
tzotziles e tojolabales. Contudo, o decreta respeita dois latifúndios privados.
11) As comunidades indígenas prejudicadas pelo decreto começam a organizar-se para a defesa de seus
territórios. Formam-se várias organizações indígenas independentes como a Quiptic Ta Lecubetesel.
12) Em 1975, começa a repressão dos governos federal e estadual para desalojar as comunidades indígenas
e golpear as organizações independentes que estão defendendo suas terras no interior da Zona Lacandona. Milhares
de famílias e pelo menos 21 comunidades são perseguidas, suas casas são queimadas e elas são forçadas a
assentarem-se nos povoados de Nueva Palestina e Frontera Corozal. As comunidades da Quiptic resistem ao
desalojamento.
13) Em 1977, centenas de famílias decidem voltar às suas antigas terras. Aumenta a repressão dos governos
contra as comunidades indígenas que resistem, são formados grupos de jagunços e o exército mexicano intervém
em várias ocasiões.
14) No lugar de resolver o problema e dar uma resposta justa às comunidades, o governo continua
atingindo-as agora com o decreto da REBIMA com uma extensão de 331.200 hectares. Uns 30% dos hectares da
REBIMA se encontram fora da Zona Lacandona e atingem mais comunidades indígenas com direitos ejidais e
solicitações agrárias que antes não eram atingidas e, além do mais, se estabelece uma área de amortecimento que
supera os 900.000 hectares e que atinge centenas de comunidades indígenas da região restringindo seus direitos
agrários e cancelando as solicitações pendentes. A resistência das comunidades cresce, aparecem mais
organizações independentes, Se forma a União das Uniões e a repressão vinda dos maus governos também se torna
maior. No mesmo ano, é emitido o decreto presidencial que considera o Rio Tulijá como área de proteção florestal
atingindo sobretudo o Ejido San Jerônimo Tulijá.
15) Diante do esquecimento, da repressão, da violência e da pobreza extrema o Exército Zapatista de
Libertação Nacional nasce no coração da Selva Lacandona.
16) Em 1985, o governo percebe que as comunidades caribes de Metzabok e Nahá ficam fora da Zona
Lacandona e acrescenta 7.627 hectares ao decreto de 1972. Várias comunidades são violentamente desalojadas da
Zona Lacandona.
17) Entre 1986 e 1989, graças à sua luta e resistência, mais de 26 comunidades recebem a regularização
dos seus terrenos dentro da Zona Lacandona e da REBIMA; contudo, seus direitos agrários são limitados pelas leis
de proteção ambiental que atuam nas áreas de amortecimento e nas zonas reservadas. O governo cede também para
encobrir o aumento do conflito na região e minimizar os desalojamentos na Zona Lacandona mais próxima ao Rio
Usumacinta. Além do mais, a nível nacional, se prepara o terreno para modificar o artigo 27 da Constituição. O
governo assina a Convenção 169 da OIT sobre os direitos coletivos dos povos indígenas e tribais.
18) Em 1991, o governo decreta a preservação de mais terras na zona. Agora a Reserva Integral da Biosfera
de Lacan’tún, o Refúgio da Flora e da Fauna de Chan’kin e os parques naturais de Yaxchilán e Bonampak que são
entregues aos cuidados dos indígenas caribes.
19) Em 1992, diante do descontentamento e da negativa de centenas de organizações camponesas no país
inteiro, o governo federal realiza as reformas constitucionais que apagam a partilha das terras e permitem a
privatização, o embargo e os limites de utilização das terras ejidais. As comunidades que até aquele momento não
haviam obtido resposta às suas solicitações agrárias são atingidas; são centenas no estado de Chiapas e milhares em
todo o país.
20) Em 1994, as comunidades indígenas bases de apoio zapatista e o Exército Zapatista de Libertação
Nacional se levantam em armas contra o mau governo; entre suas principais reivindicações se encontram os
direitos políticos, econômicos, sociais, territoriais e culturais dos povos indígenas. O EZLN assume o controle total
do território zapatista da selva ao longo de mais de um ano recuperando as terras das mãos dos latifundiários e dos
fazendeiros e reconhecendo o direito das comunidades às terras que lhes foram negadas pelos decretos da Zona
Lacandona e da REBIMA. No interior destes territórios se estabelece a Lei Agrária Revolucionária que entrega as
terras à posse coletiva e não permite o corte irracional dos bosques da Selva Alta e a venda das riquezas naturais do
povo indígena. Sobre estas terras devem vigorar também os acordos das comunidades indígenas e as leis
autônomas dos governos indígenas.
21) Em fevereiro de 1995, o governo federal trai o EZLN e ataca as comunidades indígenas em rebeldia
com toda a força do exército federal. O exército federal militariza a região e coloca mais de 200 quartéis militares
nas comunidades para iniciar a guerra de contra-insurreição, de baixa intensidade, e começa a formar os grupos
paramilitares. No interior da Zona Lacandona e da REBIMA encontram-se atualmente mais de 50 posições do
exército federal e aproximadamente 30 mil efetivos do exército.
28
22) Com a entrada do exército federal, milhares de famílias das comunidades indígenas se vêem
obrigadas a refugiar-se nas montanhas e em áreas desabitadas. Quando voltam às suas comunidades se deparam
com a destruição de suas casas, dos bens materiais, das ferramentas de trabalho, com o roubo de suas colheitas,
animais e comida. Os refugiados que retornam são perseguidos pelo exército e pelos grupos paramilitares. Devido a
esta situação, muitas famílias voltam aos lugares onde se refugiaram e, pouco a pouco, se formam novos núcleos
populacionais nas terras que lhes foram negadas.
23) Em 1996, o governo federal assina com o EZLN os Acordos de San Andrés referentes aos Direitos e à
Cultura Indígenas, nos quais se reconhece o direito à autonomia regional dos povos indígenas e ao uso e
aproveitamento dos territórios que ocupam. Meses mais tarde, os governos federal e estadual se negam a cumprir
os acordos e intensificam a militarização, a paramilitarização e a perseguição contra as comunidades indígenas. As
comunidades resistem.
24) Entre 1997 e 1998, começam a funcionar os Municípios Autônomos em Rebeldia e reconhecem
novamente o direito das comunidades às terras que lhes foram negadas, criam-se acordos para proteger os recursos
naturais e explorar coletivamente de forma racional os recursos naturais.
25) Em meados de 1998, o governo federal e estadual desatam uma intensa repressão militar, policial,
judicial e paramilitar contra os Municípios Autônomos e as comunidades em resistência. Novos grupos
populacionais em resistência se vêem forçados a viver nas comunidades indígenas selva adentro devido à
perseguição militar. O governo e o exército federal aumentam o apoio aos grupos paramilitares para hostilizar os
refugiados e provocam incêndios em toda a região para culpar as bases de apoio e fabricar um novo pretexto que
justifique o desalojamento das comunidades atingidas pela REBIMA e a Zona Lacandona, agora também com um
claro objetivo contra-insurrecional.
26) Neste mesmo ano, com a permissão dos caribes, o governo decreta como área de preservação da Flora
e da Fauna os territórios de Nahá e Metzabok e começam os pedidos formais dos caribes e da SEMARNAT para
desalojar as comunidades indígenas. Ao mesmo tempo, se autoriza a entrada do grupo empresarial Pulsar nas áreas
de preservação para realizar projetos de bioprospecção, entrega-se o cuidado e o planejamento das Reservas a
Fundações Internacionais, como Conservação Internacional, claramente vinculadas aos interesses das grandes
empresas multinacionais relacionadas com o negócio dos recursos biológicos e genéticos.
27) No ano 2000, com o pretexto dos incêndios provocados por paramilitares e soldados em 1998, o
governo aumenta a pressão para desalojar 32 comunidades que chama de “ilegais e invasoras”. O governo reforça o
cerco militar na região, nas comunidades ameaçadas aumentam os sobrevôos rasantes e os grupos operacionais
mistos se intensificam em qualidade, qualidade e armamento. As comunidades resistem e através dos Municípios
Autônomos denunciam a situação a nível nacional e internacional.
28) No final do ano 2000, com os processos eleitorais e a troca dos governos federal e estadual diminui a
pressão sobre as comunidades ameaçadas. O novo governo aprova o Plano Puebla Panamá (PPP) para levar às
comunidades e às regiões do sul e sudeste mexicano e à América Central as políticas e os planos para o
desenvolvimento neoliberal. No interior do PPP, as áreas preservadas, os projetos de bioprospecção e o
reassentamento das comunidades indígenas são pontos básicos. As comunidades indígenas e camponesas mostram
seu desacordo com o PPP. As comunidades rebeldes e em resistência o rechaçam totalmente.
29) Hoje, as novas artimanhas do governo para desalojar a região, para continuar a guerra de contra-
insurreição e pôr em prática as políticas neoliberais do Plano Puebla Panamá estão prontas e se aumentam outra vez
as perseguições e as ameaças de desalojar as comunidades da Reserva e da Zona Lacandona, bem como de limitar
os direitos agrários das comunidades que estão no interior das áreas de amortecimento.

Comunidades indígenas e ameaçadas no Território Autônomo de Ricardo Flores Magos.

Desalojamento total dentro da REBIMA:

1) Laguna el Paraíso (Ocotal)


2) Laguna Suspiro (Semental o Yanki)
3) Nuevo San Pedro (Innominado o Suspiro)
4) 6 de Octubre (Ojos Azules)
5) Nuevo guadalupe Tepeyac
6) Nueva Cintalapa.

Direitos Ejidais diretamente atingidos (dotações ou ampliações) pela REBIMA:

1) San Antonio Escobar


2) Plan de Ayutla
3) Chamizal
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4) La Culebra
5) Cintalapa
6) Limonar
7) Santa Rita
8) Taniperla
9) El jardín
10) Villa las RosasZapotal.

Direitos Ejidais atingidos pela Zona Lacandona:

1) Lacanjá Tseltal.
2) Santo Domingo
3) Arroyo Granizo
4) Plan de Guadalupe.
5) Niños Héroes.

Comunidades diretamente atingidas pela Zona de Amortecimento da REBIMA:

1) Monte Líbano
2) Santa elena
3) Censo
4) Taniperla
5) Manuel Velasco Suarez
6) San Jerónimo
7) Agua Azul
8) Emiliano Zapata
9) Perla de Acapulco
10) El Zapotal
11) San Caralampio
12) San José
13) Calvario
14) Nuevo Monte Libano
15) Guadalupe San Luis
16) Sibal
17) San Francisco
18) Infiernillo
19) Zaragoza
20) Lacandón

Comunidades atingidas pela área de proteção florestal do Rio Tulijá:

1) San Jerônimo Tulijá


2) Racho Paraíso Tulijá
3) Rancho San Isidro
4) Rancho San Felipe
5) Rancho San Pedro
6) Rancho San Marcos
7) Rio Jordan
8) San Juan
9) Jol Tulijá.

Total das comunidades atingida: 49.

A nova sombra do desalojamento e da guerra.

Hoje, os interesses das empresas multinacionais se tornam mais obstinados e pressionam o governo a
iniciar o desalojamento das nossas comunidades.
O governo federal, através do titular da Procuradoria Federal de Proteção ao Ambiente (PROFEPA) diz
que “se estas áreas de ampla riqueza natural não forem colocadas em ordem, a iniciativa privada não entrará para
30
investir nelas” e que “se abrirão (as zonas preservadas) ao exército mexicano para eliminar delas o crime
organizado aí oculto e com isso garantir também a segurança à iniciativa privada”. A SEMARNAT, a Procuradoria
Agrária e o SEDESOL vêm logo em seguida.
Enquanto isso, os caribes com a assessoria dos empresários e das secretarias do Estado dizem que se o
governo não fizer o desalojamento eles vão fazê-lo por conta própria. A SEMARNAT fala do perigo ecológico
representado pelos indígenas no interior da reserva. Os diretores da REBIMA falam das violações que os indígenas
cometem contra as leis das reservas e, com a PGR, os caribes e outros estão levantando mandatos por graves delitos
contra os indígenas que moram na reserva. Pedro Chulín, deputado federal do PRI por Ocosingo e dirigente
paramilitar do MIRA, exige do governo do Estado que defina claramente sua posição sobre as comunidades
atingidas e exige que sejam imediatamente desalojadas.
Os empresários e o governo norte-americano falam da importância de investir na reserva devido à sua
grande riqueza biológica e genética, que estaria sendo colocada em risco pelos indígenas do lugar e, de
conseqüência, falam dos benefícios que seriam trazidos pelo desalojamento. Embaixadores e representantes norte-
americanos dizem que se alguém se opuser a seus planos para a reserva não vão titubear em eliminá-lo.
O governo estadual diz que está negociando pacificamente com as comunidades para reassentá-las e, por
outro lado, através de seu secretário para os Povos Indígenas, Porfírio Encino fala em formar “Guardiões da
Reserva”, ou seja, grupos paramilitares legalizados para efetuar o desalojamento. Por sua vez, o governo do Estado
instalou um “Fórum sobre o Ambiente” supostamente para procurar a negociação com as comunidades atingidas,
contudo, o Fórum é integrado pelos mesmos que clamam pelo desalojamento, ou seja, por representantes da
SEMARNAT, da REBIMA, do SEDESOL federal e estadual, da Procuradoria Agrária, por dirigentes caribes e,
inclusive, pela PGR. Em suas reuniões recomendam que, caso os moradores demonstrem “condutas não
amigáveis”, se levantem as respectivas denúncias e se coloquem em andamento os processos legais sobre crimes,
prejuízos ecológicos e despojo, ou seja, hostilizar a população e preparar legalmente o desalojamento. Entre outras
coisas, o Fórum planeja fazer o levantamento dos prejuízos ocasionados, conseguir o máximo de informação
através de infiltrações, incursões terrestres e sobrevôos. Além disso, funcionários do governo estão hostilizando e
visitando diversas comunidades para ameaçá-las com os desalojamentos ou para limitar seus direitos agrários às
áreas de amortecimento.
Os governos federal e estadual, as empresas multinacionais e as secretarias de estado já elaboraram um
plano que recomenda o reassentamento das comunidades indígenas no interior destas áreas e recomenda também o
desalojamento através da força militar daquelas comunidades que se neguem a negociar e a abandonar as terras, e
para isso propõem utilizar os recursos legais previstos pelas leis sobre as áreas de prevenção que, contudo, violam a
Convenção 169 da OIT e os Acordos de San Andrés. Este projeto propõe excluir de toda ajuda governamental às
comunidades que se encontram no interior da Reserva e da Zona Lacandona e as verbas serão vinculadas a medidas
ambientais para aquelas que estiverem nas áreas de amortecimento (entre elas estão os recursos para a educação e a
saúde), isso com o objetivo de não permitir o desenvolvimento das comunidades e forçar a saída dos moradores
para outras regiões com maiores possibilidades de desenvolvimento. Neste projeto, primeiro se planeja o
desalojamento das comunidades dentro da Reserva, depois da Zona Lacandona e, finalmente, a nova
regulamentação das comunidades das áreas de amortecimento e proteção florestal.
Enquanto todos eles falam e ocultam suas intenções com máscaras legais, o exército federal e os grupos
paramilitares agem e preparam o desalojamento pelo uso da força. O exército federal retomou as operações no
interior da REBIMA e da Zona Lacandona circundando e entrando nas comunidades atingidas pela Reserva e os
soldados federais agem com os agentes da PGR e com os funcionários do governo como temos denunciado
anteriormente. Os grupos paramilitares ganharam nova força para perseguir as comunidades. Os sobrevôos rasantes
dos helicópteros são constantes, sobretudo nas áreas de preservação onde fazem fotografias e vídeos aéreos das
comunidades, pegam informações que repassam às secretarias de governo que planejam o desalojamento.
Dizemos claramente que em meio a isso tudo estão os interesses econômicos das grandes empresas
multinacionais que, escondidas atrás das máscaras das fundações ecologistas, se dedicam à exploração dos recursos
biogenéticos. Do mesmo modo, há o interesse do governo mexicano e de vários governos pelos recursos naturais
como a água doce, o petróleo, o urânio e outros tirados do solo e do subsolo. Há também o interesse de muitos
empresários dispostos a explorar e utilizar as populações indígenas refugiadas como mão de obra barata para as
empresas maquiladoras (as novas fazendas industriais). Do mesmo modo, há o interesse dos insensatos que tentam
mudar a vida dos indígenas para que deixemos de ser o que somos: indígenas e camponeses com idéias e cultura
própria que têm valor e têm o mesmo direito de existir de qualquer outra. De maneira especial, há o interesse do
governo mexicano em ampliar a guerra de baixa intensidade através de diversos meios para acabar de vez com as
comunidades zapatistas em resistência e em rebeldia.
Em outras palavras, este é Plano Puebla Panamá e seus interesses para os quais as comunidades indígenas
são um estorvo porque nós temos dignidade, porque temos outra forma de entender a vida, a terra, o trabalho, as
diferenças... Temos uma forma e uma cultura que não combinam com os interesses do mundo do dinheiro, do
mundo dos poderosos e, neste sentido, são muito diferentes, que têm uma história, organização, cultura, dignidade
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e resistência na qual muitos outros irmãos e irmãs do mundo encontram um espelho, uma saída, uma esperança,
uma alternativa de mundo diferente da que os poderosos, os maus governos e o mundo do dinheiro querem impor.
Por isso dizemos:
1) Aos maus governos:
Lembramos a eles que este Município Autônomo nasceu sob a repressão militar dos governos anteriores de
Albores e Zedillo e, todavia, temos resistido a toda a sua mentira e violência. As comunidades indígenas deste
Município Autônomo nasceram no abandono, na negação e no esquecimento e mesmo assim estamos aqui e
resistimos. As comunidades zapatistas destes territórios suportaram todo o peso militar do exército federal, a guerra
de baixa intensidade e continuam em digna resistência. Hoje vamos continuar resistindo, vamos continuar lutando
por todos os nossos direitos e vamos continuar denunciando a injustiça diante do mundo inteiro, nunca mais vamos
nos calar, não vamos nos vender e nem vamos nos render.
Exigimos do governo federal e estadual que parem de uma vez por todas com suas mentiras, com seus
projetos e planos para o desalojamento e o reassentamento de nossas comunidades, que se acabe com a guerra de
extermínio contra as nossas comunidades indígenas e se conforme com a idéia de que nestas terras e territórios não
haverá Plano Puebla Panamá, nem projetos de bioprospecção, nem projetos de ecoturismo, nem exploração de
fontes de água doce, petróleo, urânio, madeiras, animais, recursos genéticos, nem nada daquilo com o qual já se
comprometeram com os empresários e as fundações nacionais e internacionais. Estas terras e territórios serão
cuidados e aproveitados por nossos povos indígenas com inteligência e respeito à natureza e toda riqueza cultural e
natural que neles existe será em benefício coletivo de nossos povos indígenas, do povo do México e da
humanidade, não para o benefício de uns poucos que oprimem o mundo, não para que suas riquezas sejam
privatizadas.
2) À sociedade Civil Nacional e Internacional:
Pedimos a toda a sociedade e a todos os povos que denunciem esta injustiça, que denunciem esta guerra de
extermínio contra as nossas comunidades indígenas, que realizem as ações necessárias para exigir do governo
mexicano que detenha sua guerra e as ameaças contra as nossas comunidades indígenas, que respeite e reconheça
nossos direitos coletivos, entre eles os direitos ao território.

Liberdade, Justiça e Democracia.


CONSELHO AUTÔNOMO. Comunidades em Resistência.

O desmatamento golpeia o México.


Nick Miles. Site da BBC 06/03/2002.

O tema do desmatamento, considerado pelos ecologistas como um dos principais problemas que
atingem o planeta, tem sido um dos pontos mais importantes da reunião dos ministros do Meio-
Ambiente do mundo inteiro que começou esta semana em Nova Iorque.
Há uma ênfase especial em relação ao México, um dos países mais atingidos, pois está perdendo suas áreas
de floresta a um ritmo duas vezes maior do que havia sido pensado: mais de um milhão de hectares estão sendo
sacrificados a cada ano. O presidente Vicente Fox anunciou novas iniciativas para resolver o problema, como a
expulsão dos colonos ilegais das áreas protegidas.
Contudo, os ecologistas sublinham que os colonos são apenas um bode expiatório e que o governo está
ignorando o verdadeiro problema: o corte ilegal. De acordo com os informes recentemente divulgados pelo
governo mexicano, o ritmo de desmatamento do México é o mais rápido do mundo, e vem só depois do Brasil.
E não há desmatamento pior que o do estado de Chiapas. Na região sudeste de Chiapas está a Selva
Lacandona, um milhão de hectares que até pouco tempo atrás constituíam uma floresta tropical intocada. Trata-se
de um dos lugares de maior diversidade biológica do mundo, com uma grande quantidade de aves raras, mamíferos
e centenas de espécies de árvores. Do alto, é fácil ver o prejuízo causado pelo desmatamento e pela ocupação dos
agricultores, os milharais formam manchas em meio ao imenso bosque tropical. “Os colonos não têm direito a
terra. Esta é uma reserva”, diz Hermán Alonzo, chefe da agência florestal do governo de Chiapas.

Suspeita.

Ao chegar no povoado San Gregório, seus moradores nos recebem com receio. Em San Gregório
vivem 50 famílias. Até 20 anos atrás, se tratava de agricultores que trabalhavam no norte do
estado, mas perderam seus empregos quando a criação de gado passou a ser a principal atividade
da região. “Aqui o povo sofre o tempo todo ameaças de desalojamento por parte do governo”,
apontou Antonio Jiménez, que dirige uma organização que representa os agricultores. “Eles não
32
têm literalmente para onde ir e não são eles que provocam a destruição ambiental apontada pelo
governo. Eles protegem o meio-ambiente. É seu interesse fazer isso”.
E as palavras de Jiménez são respaldadas pelos ecologistas que trabalham na região. “Os agricultores
cultivam a terra de forma sustentável”, sublinha o botânico Miguel Angel Garcia. “Não precisam mais derrubar os
bosques porque seus campos se mantêm produtivos”.

Cortina de fumaça.

É cada vez mais forte a corrente de opinião que defende que o principal interesse do governo em
desalojar os colonos é o de criar simplesmente uma cortina de fumaça para desviar a atenção do
crescente problema que a exploração florestal ilegal representa para o país. Ryan Zinn, membro de
uma organização de desenvolvimento que se encontra na cidade de San Cristóbal, é um dos que
estudou o problema. “Os bosques ao redor dos povoados têm sido devastados por empresas de
exploração florestal de pequeno porte”, apontou. “Os governos municipais outorgam licenças
ilegais às empresas locais. Em muitos casos, vemos que não são as grandes empresas madeireiras, e
sim os intermediários, que provocam o maior desmatamento”, acrescentou Zinn.

Tarefa gigantesca.

É um problema que o governo federal reconhece. “Estamos trabalhando para acabar com a
corrupção”, disse Hermán Alonzo. “A corrupção tem sido um dos problemas endêmicos entre os
funcionários, em função dos baixos salários dos fiscais e dos grandes lucros. Estamos nomeando
novas equipes de fiscais para controlar a madeira que sai do estado”, acrescentou. Contudo, esta é
uma tarefa gigantesca. O órgão tem apenas cem fiscais que devem cobrir uma área de cerca de 150
mil quilômetros quadrados. Inclusive, se existe a vontade de proteger o meio-ambiente nesta região
do México, se faz necessário um maior financiamento para chegar a uma verdadeira mudança.

Forças de segurança se preparam para desalojar 35 comunidades da reserva dos


Montes Azuis. Hermann Bellinghausen. La Jornada 16/03/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 15 de março. A operação desalojamento-


reassentamento das comunidades situadas nos cobiçados limites da reserva da biosfera dos Montes
Azuis está praticamente em andamento. Aproveitando o período das secas, a força pública federal
e, inclusive, o Exército estariam se preparando para entrar na selva e tirar os moradores de, pelo
menos, 35 comunidades indígenas aí localizadas. Esta velha obsessão do zedillismo torna-se uma
questão de segurança, não mais nacional, e sim internacional. Para o governo federal, trata-se de
um sério problema de “ingovernabilidade”.
Nas esferas de decisão federal e estadual já se admitem os passos a serem seguidos para esta
manobra. O fio da meada está no conjunto de denúncias, apresentadas em 12 de setembro passado,
por Margarito Chanka Yun Yuc, Pablo López Rodas e Fidencio Martínez, representantes de três
comunidades lacandonas (são seis ao todo), contra os moradores de 16 comunidades. A acusação,
que até hoje segue o seu curso legal, é de “invasão, danos à ecologia e suas conseqüências”. Em
Chiapas, são delitos graves, de alçada federal, inafiançáveis, e a pena pode ser de até oito anos de
prisão.
Um dia depois, em 13 de setembro, foi instalada em Tuxtla Gutiérrez a Mesa sobre Meio-
Ambiente, presidida pelo governador Pablo Salazar Mendiguchía com a participação das instâncias
estaduais e federais. Enquanto se iniciavam as averiguações prévias contra os 16 povoados, dita
Mesa acordou começar a agir em algumas comunidades dos Montes Azuis. (Há uma semana, no dia
7 de março, o delegado da Procuradoria Federal de Proteção ao Meio-Ambiente – PROFEPA –
membro da Mesa declarou que esta já havia adiantado em “90 por cento” os seus trabalhos que
envolvem o “reassentamento” das comunidades).
Desde então, ocorreram reuniões de vários fóruns de decisão nacional e internacional. As
comunidades zapatistas e da ARIC Independente, que desde setembro passado são ameaçadas pelo
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desalojamento, vêm denunciando incursões do Exército, sobrevôos em baixa altitude e sinais de
desalojamento iminente.
Conforme declarou quatro meses atrás o titular da PROFEPA, Ignácio Campillo Garcia, o
governo federal “mapeou nove pontos de alta ingovernabilidade”. Destes, dois são prioritários:
Montes Azuis e El Vizcaíno (reserva das baleias no mar da Califórnia). Estes pontos foram
escolhidos “como as regiões de maior prioridade para instaurar a ordem e o estado de direito”,
especificou o funcionário (El Universal, 25 de dezembro de 2001) que, por sua vez, aceitava a
provável participação do Exército Federal “na medida em que fosse necessária. Vamos pedir que
nos apóiem nas operações e, em seguida, nos trabalhos de operacionalização e vigilância”.
A “alta ingovernabilidade” destas regiões já havia sido apontada em novembro pelo então
conselheiro nacional de Segurança e hoje representante do México no Conselho de Segurança da
ONU, Adolfo Aguilar Zinser.
No caso de Chiapas, a Mesa sobre Meio-Ambiente, encarregada de “azeitar” a
governabilidade, é integrada pela SEMARNAT, PROFEPA e CONAFOR, como instâncias
federais; e, por parte do governo chiapaneco, pelos secretários de Governo, de Desenvolvimento
Agrário e Povos Indígenas, bem como pelo Instituto de História Natural e Ecologia, pela SEDESO
estadual e pela Procuradoria de Justiça.

O Plano Puebla-Panamá.

Nos círculos governamentais, muitas coisas se dão por certas na medida em que existe a
determinação de que o Plano Puebla-Panamá venha a ser implementado, aconteça o que acontecer.
De imediato, já está traçado aquele que será o caminho das maquiladoras entre Benemérito de las
Américas e Palenque, ao longo de todo o perímetro norte da selva Lacandona. Nos próximos meses
colocarão pra funcionar diversas indústrias e está tudo pronto para transformar em rodovia de
quatro pistas a nova estrada de fronteira que passa a poucos quilômetros dos Montes Azuis.
Avançam também os projetos de uma represa monumental na depressão da Boca Del Cerro, que
dependerá das águas do rio Usumacinta e das terras das florestas, inclusive dos povoados,
propriedade de milhares de indígenas. Um ambicioso projeto hidroelétrico transnacional, em
território mexicano e guatemalteco, carregado de promessas de investimento.
É exatamente aos investidores que, no Natal passado, se referia o titular da PROFEPA, ao dizer
que o governo federal deve oferecer-lhes “uma infra-estrutura forte e bem azeitada”. Campillo
Garcia declarava tranqüilamente que isso acontecerá “na medida em que possamos oferecer um
marco jurídico adequado de inspeção e vigilância”, para que os investidores nacionais e
estrangeiros estejam “dispostos a colocar mais recursos”, e mencionava como primeiro exemplo os
Montes Azuis. De acordo com observadores independentes, as autoridades “querem tirar os povos
da selva”.
De acordo com várias denúncias, há 49 comunidades em perigo. De imediato, para 16 delas já está
em curso a contagem regressiva das averiguações prévias: Primero de Enero, Nuevo Caracol,
Nuevo Chamizal, San Antonio Miramar, Nuevo Aguadulce, Rancheria Corozal, San Francisco, San
Gregório, Nuevo Guadalupe Tepeyac, Nuevo Israel, El Semental, Salvador Allende, Santa Cruz,
Primera e Segunda Ampliación San Antonio Miramar, Sol Paraíso e Arroyo Crsitalina.

Zapatistas sofrem pela escalada de violência dos paramilitares.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 21/03/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 20 de março. Bases de apoio zapatistas da zona norte
denunciaram hoje uma nova escalada de violência paramilitar dos membros de Paz e Justiça. Em
varias comunidades do município de Tila, civis armados têm sido vistos realizando treinamentos de
combate. Por sua vez, o povoado Nueva Revolución denuncia a perseguição policial, autorizada
pelo juiz municipal, que acaba de expedir ordens de prisão contra sete simpatizantes do EZLN de
várias comunidades, sob a falsa acusação de serem paramilitares. Ao mesmo tempo, os
paramilitares de Cruzero ameaçam atacar Nueva Revolución a qualquer momento.
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Estas denúncias batem com as de novos patrulhamentos do Exército Federal e da polícia
judiciária nas regiões altas e baixas de Tila e Sabanilla, especialmente em Jolnixtié.
Civis armados, às vezes encapuzados, atuam em várias comunidades de Tila e Sabanilla:
Monterrey Segunda Sección, Willis Segunda Sección, Anexo Pasijá de Morelos, Colônia Ocotal e
Nueva Esperanza. As bases de apoio do EZLN acusam o governo municipal de Tila de dar respaldo
a estes grupos.
Os moradores de Nueva Revolución, do mesmo modo que, dias atrás, os de Nuevo Limar
(também em Tila), atribuem esta nova beligerância paramilitar às represálias da organização Paz e
Justiça pela prisão de seu dirigente Diego Vázquez Pérez, um mês atrás. O assassinato realizado
pelos paramilitares do jovem de 17 anos Raúl Hernández López, entre Joleko e Miguel Alemán, em
22 de fevereiro, é parte desta onda de vingança e intimidação. Em janeiro, como se lembrará, o
governo estadual conseguiu a assinatura de um acordo de reconciliação entre várias organizações
antagônicas da zona norte. Apesar disso, Paz e Justiça não participou das negociações e nem
assinou o acordo.

Indígenas temem o desalojamento nos Montes Azuis.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 27/03/2002.

Município Autônomo Ricardo Flores Magón, Chiapas, 26 de março. “Não é hora de perder
o nosso caminho. Continuaremos aqui, fortes e sem ajoelharmos”, diz, numa entrevista, o membro
do conselho municipal designado para falar em nome das autoridades autônomas. É um jovem.
Três homens mais velhos o acompanham. Todos usam passamontanhas. Relata os temores de
desalojamento das comunidades no interior dos Montes Azuis ao longo dos próximos dias. “As
comunidades estão inteiradas e à espera do que o governo tente fazer – acrescenta. Não há mais
para onde ir e vamos ficar aqui pelo que der e vier”.
Nas imediações de um povoado tzeltal nas montanhas, sentados sobre um tronco, os
membros do conselho autônomo garantem que os paramilitares de Palestina “estão prontos para
ajudar os soldados no desalojamento de nossas comunidades. Disseram que não vão mais esperar
pelas ordens; se lhes disserem vamos, eles vão”. (Cabe lembrar que a comunidade de Palestina, na
selva, foi uma das preferidas do ex-governador Albores; faltou pouco para que fizesse dela mais um
de seus “municípios” contra-insurgentes).
“A principal pressão que sofremos é a de toda a contra-insurreição contra as bases de apoio
zapatistas”, garante o porta-voz da autoridade autônoma. “O ambiente está muito mudado. Ainda
que ocultem isso ou o desmintam, os rumores continuam. As ameaças estão alinhadas com o
problema dos Montes Azuis, da Selva Lacandona e das áreas de amortecimento. O governo diz à
opinião pública que está melhorando nossas condições. Que há um acordo com as comunidades e as
organizações. O que dizem é falso”.

“Camponeses de San Antonio Escobar estiveram cortando cedro e caoba”.

Parece que podem se aproveitar deste momento de seca, quando se prepara a semeadura,
avisam as autoridades em rebeldia. “Já instruímos nossos povos, para que previnam os incêndios,
como sempre fazem, para que não deixem escapar as chamas de seus trabalhos”. Em seguida, diz
que camponeses priistas de San Antonio Escobar estiveram cortando cedro e caoba na reserva. As
autoridades desta comunidade e as de Santa Rita, que não são zapatistas, reconheceram que estes
camponeses agem contra a lei e contra os acordos comunitários.
“Mas estes infratores têm uma serraria, e dizem que é com a permissão do governo. A cada
semana tiram da reserva caminhões de três toneladas carregados de móveis. Imaginem quanta
madeira gastam – aponta o conselheiro autônomo. O ruim é que querem usar estes crimes dos
outros contra nós”.
“Como os Acordos de San Andrés não são reconhecidos, o governo considera ilegais as
nossas estruturas e soluções. É assim que planejam suas artimanhas para pressionar os indígenas.
Mas temos nossas próprias decisões e acordos. Para as crianças e os adultos é muito importante ter
esta terra. Isso nos motiva a criar nossa rede de resistência e esperança de solução”.
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Reitera denúncias anteriores de sobrevôos de aviões e helicópteros sobre a área norte do
município autônomo, em Arroyo Granizo e outras comunidades do vale de Santo Domingo, bem
como os patrulhamentos, enquanto continuam se intensificando as manobras dos militares no vale
de Taniperla, ao sul de Flores Magón. Dessa forma a região fica presa numa “pinça”. “E agora há o
pretexto de que os lacandones, para defender recursos naturais que eles sequer conhecem,
denunciam que os estamos destruindo”.
De acordo com suas autoridades, o município rebelde reúne 110 comunidades em
resistência. Vão desde o interior da reserva da biosfera, incluídas as lagoas e a chamada “Zona
Lacandona” (propriedade virtual das famílias lacandonas de Metzabok, assentadas a 100
quilômetros do latifúndio dado como presente do governo federal nos Montes Azuis), alcançam
toda a área de amortecimento até San Jerônimo Tulijá, e pelo sul as duas margens do rio Perla, até
as faldas da serra Cruz de Plata. “Estamos circundados por posições militares bem estratégicas.
Com base nisso, fizemos este documento que vamos entregar aos meios de comunicação” conclui o
porta-voz. Sela duas cópias do documento mencionado que, em seguida, é assinado pelo conselho
autônomo: “A situação é grave. Queremos que esta informação saia da melhor forma possível”.

“Vamos defender nossas comunidades”.

“Uma sombra de morte se levanta no coração de nossa terra, de nossa mãe, de nossa selva.
Uma névoa de soldados, paramilitares, planos e projetos chega de novo para ameaçar-nos, para
roubar-nos o sonho e desalojar nossas comunidades indígenas. Mas há também a dignidade de um
povo que caminha apesar das tormentas, fala com verdade e com força, que nunca mais irá calar, e
denuncia as artimanhas do governo para fazer a sua guerra de extermínio contra as comunidades
em resistência, agora com o pretexto das áreas de preservação. Hoje, a voz deste povo repete que
nós, comunidades indígenas de Ricardo Flores Magón não vamos permitir nem o desalojamento e
nem o reassentamento de nossas comunidades. Vamos defender nossas terras e nossas comunidades
com tudo o que estiver em nossas mãos, em nossa verdade, direitos e razões”.

Em seu novo documento, as autoridades autônomas consideram que “o projeto para


exterminar da selva as nossas comunidades é parte estratégica do
Plano Puebla-Panamá”. De conseqüência, apontam que o PPP “é,
por sua vez, um plano de contra-insurreição, porque os interesses
neoliberais são atravancados por nossas diferentes culturas que
entendem a terra como mãe, como bem comum que não pode ser
usado em benefício de alguns. Devido às grandes, únicas e especiais
riquezas naturais que aqui se reúnem, mas também devido à luta,
dignidade e resistência das comunidades indígenas e do EZLN
contra o neoliberalismo e a injustiça, a selva Lacandona torna-se
um território estratégico para os interesses das empresas
multinacionais, dos governos, do Exército federal e da guerra de
contra-insurreição que garante a tranqüilidade dos interesses
políticos e econômicos”.
Por isso, já foram elaborados vários programas “que eles
tentam impor aos povos e apresentam como elaborados por eles”:
Programa Nacional de Atendimento a 250 Micro-Regiões,
Programa para o Desenvolvimento Sustentado da Selva e Programa Integral para o
Desenvolvimento Sustentado da Selva. Outro programa, que não divulgam, elaborado com as
empresas interessadas, coloca o desalojamento através da força militar daquelas comunidades que
se negam a negociar e a abandonar as terras. Para isso, vão utilizar os recursos legais que são
oferecidos pelas leis das áreas de preservação que, contudo, violam a Convenção 169 da OIT e os
Acordos de San Andrés.

“Estão preparando a guerra”.


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De acordo com o conselho autônomo, com o propósito de “não permitir o
desenvolvimento das comunidades, se planejam os chamados Centros Estratégicos de
Desenvolvimento (CED) para concentrar as ajudas e obrigar os camponeses a sair de suas
comunidades por falta de oportunidades”. Nestes centros, terão que procurar trabalho nas
maquiladoras e no turismo. A idéia é a de que deixem de ser camponeses e indígenas “e que parem
de ensinar estas coisas a seus filhos. Assim, pouco a pouco, o amor pela terra irá sendo esquecido, e
se esquecerão da resistência e da luta. Contudo, para conseguir isso, precisam dividir e para dividir
há a contra-insurreição, as artimanhas de sempre, as ameaças, a pressão política, econômica e, a
pior de todas, a pobreza extrema”.
Dizem que na região selva foram criadas 34 micro-regiões, com um CED em cada uma.
Tentaram dividir o território de Ricardo Flores Magón em oito micro-regiões e, sem o verdadeiro
apoio das assembléias e das comunidades, criaram os chamados conselhos micro-regionais que
serão a mentira com a qual o governo diz que consulta e recebe propostas das comunidades, e, com
isso, justifica a entrada do PPP e as medidas de contra-insurreição.
“As mais de 110 comunidades, povoados e sítios deste município autônomo correm o risco de
serem desalojados e reassentados por vários meios, já que em sua totalidade se encontram dentro
da área de amortecimento, outras no interior da reserva, outras na zona Lacandona. O perigo, que
hoje pesa sobre algumas comunidades, é um aviso para todas”.
O documento das autoridades de Ricardo Flores Magón conclui que “ainda que o governo
diga que não faz nada, na realidade, está fabricando a mentira legal do desalojamento e a guerra
contra nós, e, enquanto oculta suas intenções com máscaras legais, o Exército federal tem retomado
as operações, circundando ou internando-se nas comunidades atingidas pela reserva”. Os grupos
paramilitares, acrescenta, “têm ganhado novas forças, os sobrevôos rasantes dos helicópteros são
constantes e os comandos da PFP em Chiapas se preparam para atacar junto ao Exército federal
para tomar o controle militar de toda a reserva da biosfera”.
O ejido Morelia cercado por um bando de paramilitares.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 29/03/2002.

Município Autônomo 17 de novembro, Chiapas, 28 de março. “O plano de contra-


insurreição e a política dos governos destruíram nossa comunidade; a divisão e os prejuízos já estão
feitos”, declaram, num tom inusitado, as autoridades autônomas. O ejido Morelia, sede do
Aguascalientes IV, está prestes a ficar sob o controle de um bando paramilitar que no último dia 16
iniciou uma ofensiva dentro da comunidade com ostentação de armas e equipamentos de
comunicação de rádio, que deixou vários feridos entre as bases de apoio zapatistas.
“Chegaram roubando e agredindo com pedras no interior de algumas casas dos nossos
companheiros. O mais grave é a dedicação que colocavam à semeadura e ao consumo da maconha”,
acrescentam as autoridades zapatistas. “O bando é armado e equipado pela base militar e de
Segurança Pública de Altamirano”.
De fato, o ejido Morelia não é mais o mesmo. A convivência, como denunciaram dias atrás
as bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), deixou de ser pacífica
depois de oito anos. A ameaça de destruir o Aguascalientes aumentou. Os paramilitares priistas
alardearam que fariam isso com o apoio do Exército mexicano.
“Usam o sino da igreja para se reunir e planejar seus atos paramilitares, violando assim o
acordo da comunidade e demonstrando a falta de respeito aos pactos e ao valor que o sino tem para
nós. Temos visto eles armados, com câmaras e rádio de comunicação. Gravam tudo, tiram fotos e
nos mantêm sob vigilância, comunicando-se com seus instrutores”, dizem.
Diante da decisão dos autônomos de defenderem suas terras e seus direitos, a resposta tem vindo
com novas agressões. “Nos ofereceram o enfrentamento e até de fazer aqui um grande Acteal. Nos
fizeram chegar estes oferecimentos (ameaças) dos paramilitares depois que falaram com seus chefes
militares e com os funcionários da prefeitura de Altamirano”, relatam.
Os autônomos lamentam: “os priistas nunca respeitaram nosso plano para a reserva ecológica.
Apropriaram-se das terras recuperadas a seu bel prazer, sem a permissão do município autônomo,
da nossa comissão da terra e território, sem dar valor e nem respeitar a nossa resistência, o sangue
e as vidas que nos custaram o que temos conseguido”.
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O conselho autônomo de 17 de novembro anuncia que tomou a decisão de proteger a terra
contra o corte das madeiras, o cultivo da maconha e as pessoas que se deixam converter em
paramilitares, “caminho que nos leva à prostituição, ao alcoolismo, ao consumo da maconha, à
violência, à perda do respeito e à perdição”. E denuncia: “Por trás de tudo isso está a política dos
governos”.
Em relação aos atritos a partir de 16 de março entre as bases de apoio do EZLN e os priistas, que
chegaram à violência, o conselho em rebeldia refere: “o sal para as nossas vacas foi misturado com
areia, arrebentaram as canoas (lugar onde se coloca o sal dos animais), destruíram as cercas,
fizeram fugir nossos animais e uma vaca teve uma perna quebrada. A idéia de jogar pedras foi
deles, e como não tomaram cuidado e nem tiveram boa pontaria, eles mesmos se feriram; por falta
de coragem, agiram enquanto estavam bêbados e drogados”.
Depois de sair da cabeceira municipal de Altamirano, no dia 17, os priistas voltaram à Morelia com
a Segurança Pública, “mas sua marcha foi parada pelas mulheres do município autônomo; os
paramilitares, que voltaram a responder com pedras, feriram uma das companheiras”. As ameaças
continuam. Bases de apoio zapatistas têm sido agredidas e ameaçadas com armas de fogo.
Diante desta situação, as autoridades autônomas declaram: “queremos que o sino volte a tocar
somente para chamar o povo para as questões religiosas, não o queremos para o uso dos
paramilitares. Responderemos com inteligência às ameaças de um Acteal que os paramilitares nos
fazem. Defenderemos nossa terra da devastação do corte das árvores, do cultivo da maconha. Que
os paramilitares se mandem para viver de vez no quartel militar. Responsabilizamos a política
econômica aplicada pelo governo e o plano de contra-insurreição dos militares e da Segurança
Pública por tudo o que pode acontecer”.

A ofensiva do grupo armado.

Por sua vez, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos divulgou que, de acordo
com a população em resistência do ejido Morelia, há tempo “o grupo que milita no PRI começou a
explorar as terras recuperadas, tirando as árvores e aproveitando o terreno de forma abusiva. Os
priistas usam os projetos produtivos do governo federal e estadual sem consultar o resto da
comunidade, que é contrária a estes projetos por eles causarem o endividamento e a conseqüente
perda, através da privatização, das terras que foram recuperadas para serem trabalhadas
coletivamente em benefício de toda a comunidade e não de um único grupo”.
Como em outros municípios autônomos da região de Ocosingo-Altamirano, no ano passado, aqui
também surgiram conflitos pelo uso das terras recuperadas. Uma autêntica ofensiva. A situação
assumiu tons violentos a partir do sábado 16, quando os camponeses zapatistas tentaram levar o
seu gado ao potreiro e foram bloqueados por um grupo de 50 pessoas.
Diante das seguidas provocações dos priistas, no dia 19 de março, os zapatistas decidiram
mobilizar-se rumo às terras recuperadas para tirar o seu gado, e partiram de madrugada rumo ao
sitio Buenavista. Encontraram aí uns 15 priistas, alguns deles reconhecidos como paramilitares,
que impediram sua passagem. (Na verdade, em Buenavista está planejada a construção de uma
usina hidroelétrica cujo lago destruirá as comunidades e as terras da região expulsando seus
habitantes). O gado foi resgatado pelos zapatistas num clima de tensão. “Dois observadores
internacionais pelos Direitos Humanos foram insultados e ameaçados de morte”, acrescenta a Rede.
Enquanto isso, a situação no centro da comunidade também ficava tensa, pois Estanislao Luna
Sántiz, identificado como paramilitar, começou a tirar fotos e a ameaçar todas as mulheres
zapatistas.
Mais tarde, “esta pessoa, com Felipe Luna Sántiz, Agustín Santíz Luna, Augusto Santíz Méndez,
Antonio López Pérez e Mariano Sántiz Vázquez, vestidos com um uniforme azul, se dirigiram ao
cemitério da comunidade onde realizaram exercícios e treinamentos militares ao mesmo tempo em
que as mulheres priistas ameaçavam com a chegada do Exército”.
No dia 20, bem cedo, umas 300 pessoas, bases de apoio zapatistas, marcharam até o centro da
comunidade denunciando a presença dos paramilitares e revelando seus nomes, O grupo priista
respondeu com a violência. “A luta foi crescendo e, apesar das tentativas de alguns zapatistas de
apaziguar os ânimos, esta continuou por quase uma hora”, documenta a Rede. Uma mulher adulta
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foi atingida no rosto por uma pedra. Houve vários feridos. Às nove da manhã um veículo da
Segurança Pública chegou até a entrada da comunidade em apoio aos priistas, mas as mulheres
exigiram que a polícia se retirasse.
Na tarde da quinta-feira 21, Lorenzo López Luna, reconhecido como paramilitar, em estado de
embriaguez, perseguiu e tentou fotografar uma mulher nas imediações do Aguascalientes. Mais
tarde, o mesmo sujeito entrou na horta de uma família zapatista, insultando-a. As crianças
correram para pedir ajuda, pois a mãe estava cuidando de um bebê e o pai não estava.
O testemunho da comunidade de Morelia inclui uma relação dos paramilitares: Felipe Luna Sántiz,
Sebastián Sántiz Garcia, Jesus Sántiz Vázquez (funcionário público de Altamirano), Manuel Pérez
López, Humberto Sántiz Luna (militar), Rafael López Luna (militar), Lorenzo López Luna,
Mariano Sántiz Vázquez, Abelardo Garcia López, Armando Méndez Sántiz, Guadalupe Garcia
López e Estanislao Luna Sántiz.
Enquanto isso, as agressões contra as mulheres zapatistas, suas crianças e suas casas, continuam; os
trabalhos agrícolas têm sido dificultados e o risco de violência permanece latente.

Perseguidas pela ORCAO, bases de apoio do EZLN instalam um plantão em Pátria


Nova. Hermann Bellinghausen. La Jornada, 09/04/2002.
Trezentos Indígenas, bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), instalaram um
plantão “por tempo indeterminado” na comunidade Pátria Nova para defender o município autônomo Primeiro de
Janeiro. O conflito pela cerca das vacas da Organização Regional dos Cafeicultores de Ocosingo (ORCAO) e pelos
potreiros já produziu 14 feridos e uma situação de tensão.
Uma seqüência de focos vermelhos se acende em cadeia nas terras indígenas que vão de Ocosingo a
Comitán, passando por Altamirano e Chanal. Paramilitarização, disputas agrárias que superaquecem de repente,
hostilidades constantes contra os municípios autônomos, assassinatos entre priistas (desta vez no ejido Morelia; há
duas semanas houve outro em Roberto Barrios), negócios aparentemente ilegais que envolvem os prefeitos oficiais
e os funcionários públicos.
Tudo isso, numa região onde a instalação do Exército federal já tem sete anos ininterruptos que está
atravessada nas gargantas das comunidades em resistência, que não têm tido um único dia de trégua na guerra de
baixa intensidade.
Apesar das recentíssimas declarações do secretário de governo e do bispo de San Cristóbal de las Casas em
sentido contrário, em Pátria Nova não houve um único dia em que as coisas deixassem de ficar tensas. Desde sexta-
feira, há um plantão das bases de apoio do EZLN, que permanecerá aí por tempo indeterminado. A Segurança
Pública e os corpos de segurança vigiam permanentemente o plantão.
O conselho do município autônomo Primeiro de Janeiro garante que, apesar de ter sido realizada uma troca
pacífica dos detidos entre a ORCAO e os autônomos, os primeiros têm insistido em suas ameaças e ações hostis.
“Na sexta-feira, dia 6, ao meio-dia, foi entregue, por uma comissão do nosso município, aos membros da ORCAO
e diante de representantes de quatro municípios autônomos, Marcos Méndez Sánchez, conselheiro do Fundo
Regional do INI e morador da comunidade Sibacá”. Do mesmo modo, acrescentam, “nossos companheiros detidos
arbitrariamente pela ORCAO desde o domingo 2 de abril nos foram entregues nas instalações dos municípios
autônomos”.
Diz o conselho: “Os membros da ORCAO nos ameaçam e dizem que nos dão menos de seis dias para
resolver os outros pontos, dizem eles que é para evitar mais confrontos: negociar a questão agrária, resolver o corte
da cerca e aceitar a conciliação comunitária, palavra inventada pelo governo quando, de fato, não faz outra coisa a
não ser respaldar provocações e divisões”.
As autoridades autônomas negam que a ORCAO e o governo estejam dispostos a negociar: “só procuram
que negociemos a terra, isso interessa a eles para enchê-la de vacas e construir estradas; por isso, procuram e
inventam problemas e delitos, para obrigar-nos a negociar as terras, porque o que eles querem é voltar à
propriedade privada e não à comunal, muito menos à propriedade coletiva”.
Uma vez entregues os reféns e libertado o funcionário do Fundo Regional, “José Pérez, dirigente da
ORCAO, foi visto atendendo a Segurança Pública. Desde então, em Graças a Deus, comunidade vizinha, a
Segurança Pública vigia a sede do nosso município. E também a partir deste lugar e de outros dois pontos, na noite
do dia 6, os da ORCAO estiveram vigiando a nossa sede”, acrescentam.
“Temos recebido ameaças de que irão queimar duas casas; também, de que voltarão com armas de fogo à
sede do nosso município; outra ameaça é a de que os que participaram dos trabalhos do nosso município autônomo
serão perseguidos quando voltarem às suas casas. Falam em reconciliação, mas dá pra ver que têm outras
intenções”.
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O conselho em rebeldia de Primeiro de Janeiro responsabiliza a ORCAO e os governos estadual e
federal “por todas estas injustiças que nos fazem só porque somos um município autônomo. Também quanto à
saúde de uma das companheiras que foram feridas, já que ainda não está descartado que venha a ter um derrame
cerebral devido aos golpes recebidos”.

Narcotráfico dos priistas.

Por sua vez, o município autônomo 17 de novembro denunciou os fatos ocorridos entre os priistas no dia 6.
“A polícia entrou na comunidade de Morelia para recolher um ferido grave a golpe de facão que logo faleceu.
Levaram o assassino a Ocosingo e aí ele declarou que são 41 priistas a semearem maconha. Ele tinha maconha na
sua bolsa e isso confirma as nossas denúncias, e que são o Exército e a Segurança Pública que ensinaram a eles a
fazer esse trabalho. O nosso município se preocupa com esta situação, porque se são capazes de se pegarem a
facadas entre eles, sabemos que isso é o que podem fazer a outros devido ao fato de que usam maconha. O nosso
município autônomo sempre denunciou isso, e somos contrários ao consumo, à venda e ao plantio da maconha e de
qualquer coisa que seja contrária à saúde e à vida”.
Hoje, o município autônomo Miguel Hidalgo denunciou que no dia 05 de abril o prefeito de Chanal chegou
com mais de 80 perredistas e priistas para tentar fazer passar uma ampliação, pavimentação e abertura de uma
estrada. Já existe uma que na maioria das vezes serviu para retirar ilegalmente a madeira das comunidades
indígenas, e não como diz o prefeito de Chanal que é para ajudar o próximo”.
De acordo com as autoridades de Miguel Hidalgo, “também se sabe que muito indígenas das redondezas
plantam maconha e que o prefeito de Chanal os acoberta e apóia. Uns dias antes desta ação, um helicóptero
sobrevoou freqüentemente o nosso município autônomo assustando os habitantes, principalmente as nossas
crianças”. Garantem que o prefeito de Chanal e “os grupos que ele usa” proferem constantes ameaças. Entre eles
atua o grupo paramilitar Os Punhais, e têm ameaçado os indígenas que participam do município autônomo.
Entretanto, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos denuncia a perseguição dos
paramilitares no rancho Nantze (Altamirano), bem como as incursões da Segurança Pública na comunidade Nova
Esperança, município autônomo de Vicente Guerrero. “No dia 23 de março deste ano, uns 19 priistas, a mando de
Carmelino Aguiar Abarca, de Nantze, realizaram movimentações para concentrar-se na que eles chamam de Casa
da Unidade, onde repartiram as armas para ficar de prontidão neste rancho durante a noite. Estas ações provocam o
medo na população, pois estes grupos armados proliferam na região sem que nenhuma autoridade tome medidas
para detê-los”.
No dia 30 de março, por volta das 11.30 horas, na comunidade Nova Esperança, município autônomo de
Vicente Guerrero, entrou um furgão RAM, com uns 10 elementos da polícia de Ocosingo, em direção a San Miguel
Chiptic, amedrontando mulheres e crianças, relata a rede. “O pessoal da Segurança Pública não chegou até San
Miguel, mas ameaçaram voltar com mais elementos. Cabe sublinhar que esta polícia não tem jurisdição para atuar
na região, razão pela qual os habitantes temem qualquer ação que possa vir a ser realizada contra eles”.

Evitar o desalojamento nos Montes Azuis, pede a ANAD.


Elizabeth Velasco C. La Jornada 10/04/2002.

A Associação Nacional dos Advogados Democráticos (ANAD) pediu ao governo de Vicente Fox que
detenha a ameaça de desalojamento de mais de 50 comunidades que estão na reserva da biosfera dos Montes Azuis
e na selva Lacandona; ao não fazer isso, diz, estariam sendo dados sinais para uma saída conflituosa ao impasse
que se mantém entre o EZLN e o governo federal.
Oscar Alzaga, Damián Camacho e Enrique León, membros da ANAD, afirmaram que a solução dos
problemas indígenas e camponeses não está na intransigência e na violência oficial, e sim no diálogo e no acordo,
como se faz com a lei para o diálogo e a paz digna em Chiapas.
Lamentaram que a chegada de Fox Quesada à Presidência da República esteja sendo “uma ofensiva
neoliberal ainda mais dura (que a dos governos anteriores) contra os camponeses”. Também desaprovaram o fato
que esteja havendo “maior dependência e subordinação em relação aos Estados Unidos e aos organismos
internacionais, que só privilegia o vizinho país do norte com projetos que têm graves conseqüências para os
camponeses e os indígenas do país, como o Plano Puebla-Panamá e a Área de Livre Comércio das Américas”.
O governo federal aplica o PROCEDE, “programa que desenvolve em todo o país com a finalidade, de
acordo com as autoridades, de convencer os ejidatários da importância de assegurar juridicamente suas terras”,
obrigando-os a alterar o regime de propriedade, da social à privada, para abrir o passo às transnacionais que
desejam explorar os recursos naturais e o território mexicano”.
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Os juristas disseram que esta “ofensiva neoliberal” aprofunda o propósito mostrado pelo salinismo com
a reforma do artigo 27 da constituição. “Não há dúvidas quanto ao seu sentido: destruir o tecido social dos núcleos
agrários e abrir as terras ejidais à especulação comercial”.

Ressurge a paramilitarização indígena no município autônomo 17 de novembro.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 12/04/2002.

Ejido Morelia, Chiapas, 11 de abril. Na fachada de uma casa de madeira perto da quadra de futebol, que
revela ser a loja das mulheres, está escrito “sts’ikel”, palavra tzeltal que significa “resistir”. Por aqui, é assim que
chamam a resistência que, dura como ela é, recentemente, se tornou um pouco mais difícil. Sobretudo aqui, na
cabeceira do município autônomo 17 de novembro, uma comunidade dolorosamente dividida em zapatistas e
priistas, na qual tem brotado novamente o germe da paramilitarização indígena, o pior e extremo recurso da guerra
de baixa intensidade.
Mas, no meio de seus sofrimentos, no ejido Morelia, as bases de apoio do EZLN se ajeitaram para
comemorar o aniversário da morte de Emiliano Zapata dançando dia e noite e realizando disputados torneios de
futebol e basquete entre times de homens e mulheres vindos de sete municípios autônomos. Durante três dias, o
Aguascalientes IV, ficou em festa. Vieram centenas de camponeses tzeltales e tojolabales, e um significativo
número de observadores internacionais e de membros dos acampamentos (suficientes para juntar onze jogadores e
participar, triunfalmente, do torneio de futebol, com uma torcida que se destaca por falar diversos idiomas, mas não
o tzeltal, muito menos o tojolabal).
Mais uma vez, as agressões multiplicam os indígenas em resistência. Como em Primeiro de Janeiro,
Ernesto Che Guevara e Francisco Gómez, no município rebelde 17 de novembro as bases de apoio zapatistas
voltaram a mobilizar-se pacifica, mas eloqüentemente diante da violência, das ameaças e da repressão. E
mostraram que são muitas, que estão por toda parte, que continuam aí.

Decomposição social entre simpatizantes priistas.

Enquanto isso, é evidente a decomposição social que se apoderou do setor “priista” do ejido Morelia,
permitido e financiado durante anos por projetos governamentais e pelo investimento em contra-insurreição, numa
proximidade muito “confortável” com a cidade de Altamirano e os quartéis do Exército federal e da Segurança
Pública. Começaram reformando suas casas e já estão se pegando a facadas por violência sexual e drogas. Agridem
e ameaçam os zapatistas toda vez que se apresenta a oportunidade. Estão armados e fazem treinamentos de combate
nos cemitérios e coisas desse tipo.
Há muita ironia da história no fato de que a maçã da discórdia (se é que esta expressão serve para este
caso) entre os indígenas sejam “as vacas” como os zapatistas insistem em chamar as cabeças de gado que os
camponeses de diversas organizações políticas da região recebem do governo. “As vacas” são a ponta de lança da
disputa pelas terras recuperadas porque são vorazes, extensivas, valem muito (e por isso o camponês pobre as
aceita), mas custam mais.
Além disso, certos projetos governamentais (como o PROCEDE) abrem a espiral do clientelismo político,
do endividamento “brando”, da mudança do regime de propriedade das terras, da venda dos terrenos para pagar as
dívidas e sua eventual privatização. Enquanto isso, a aplicação dos recursos faz com que as comunidades se
enfrentem em conflitos alimentados artificialmente. No lugar de resolver as demandas de fundo, se fazem as
gambiarras de um retumbante combate à pobreza que acaba sempre se parecendo com uma guerra aos pobres.
Momentaneamente no banco de reserva, enquanto sua equipe tenta recuperar a desvantagem, Felipe conta o
que parece que todo mundo já sabe: que a morte de alguns dias atrás na comunidade ocorreu porque o cara
pretendia violentar a irmã daquele que hoje é seu assassino e que antes era seu amigo. É o tipo de histórias entre
priistas que antes não aconteciam por aqui. É esta a “modernidade”? Por parte de quem? As autoridades de
Altamirano quiseram “virar” a história para que parecesse que o crime tinha sua origem numa “disputa de terras”,
mas a imediata denúncia do município autônomo frustrou a manobra.
Algo parecido esteve preste a ocorrer com o assassinato em Roberto Barrios (onde está o Aguascalientes V)
por um criminosos ajuste de contas entre priistas que quiseram culpar os zapatistas através da técnica de matar dois
pássaros com um tiro. Também naquela ocasião, a rápida denúncia do município autônomo O Trabalho frustrou a
tentativa, nesse caso, do município priista de Palenque.

A vaca e o que se prende na sua pata.

No ejido Morelia, como em Pátria Nova e em outras comunidades dos municípios autônomos da região de
Altamirano-Ocosingo, os atritos pelas terras começam com o trotar das novas “vacas” sobre as terras recuperadas.
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Em alguns casos, como Morelia, a confrontação é com os priistas associados aos jagunços dos antigos
proprietários e às estruturas de contra-insurreição das forças armadas.
Em outros casos, a pedrada cai mais perto, quando o conflito surge entre os municípios autônomos e os
membros de organizações perredistas, como a ORCAO, respaldados pela atual direção desta entidade (e pela
direção anterior, hoje encravada no governo, em postos vinculados com a problemática agrária e os investimentos).
Nestes casos, mais “entre irmãos”, aparece como variante a diocese de San Cristóbal de las Casas que se oferece
como negociadora e mediadora (situação impensável no caso dos paramilitares priistas), sem chance alguma de que
esta possibilidade venha a concretizar-se.
Como diz Regelio, falando do seu município, Primeiro de Janeiro, “querem instalar mesas de negociação
como se desse para negociar as terras coletivas”, algo parecido diziam dois dias atrás ao La Jornada as autoridades
de Primeiro de janeiro: “os da ORCAO não entenderam que as terras recuperadas por todos nós não podem ser
compradas e nem apropriadas a nível “individual” porque não são deles e nada mais”. O mesmo foi dito pelo
conselho autônomo de Ernesto Che Guevara a respeito do conflito em Cuxuljá.
Quanto ao problema de Pátria Nova, iniciado há uma semana, um número significativo de membros da
ORCAO, tanto de Sibacá como de Pátria Nova, não se conformaram com sua própria direção pela detenção das
autoridades e das bases do município autônomo, e pela sua transferência a Sibacá, comunidade que não tinha nada
a ver com o conflito “das vacas” de Ucumiljá, supostamente feitas sair do curral pelos zapatistas de Pátria Nova,
versão que, desde o início, tem sido rechaçada pelos autônomos.
“Os catequistas de Sibacá insistiram em manter aí os presos, não as pessoas desta comunidade”, prossegue
Rogelio. Como se sabe, a ORCAO segurou e prendeu em Sibacá uma autoridade autônoma e um membro do
município. Por sua vez, os zapatistas detiveram o membro da ORCAO e conselheiro do Fundo Regional do INI
(órgão que fornece as vacas”, Marcos Méndez Sánchez. Em seguida, os autônomos e a ORCAO concordaram em
fazer com que houvesse uma troca de presos o que foi divulgado como uma negociação entre as partes que, a rigor,
não ocorreu. Ou seja, o “problema” de fundo, a reclamação dos direitos de propriedade individual dos membros da
ORCAO, sequer foi tocada.

A negativa.
Luis Javier Garrido. La Jornada, 14/04/2002
No decorrer deste mandato, o México está vivendo meses decisivos para o futuro de várias gerações, de
fato, por trás do discurso aparentemente adocicado de Vicente Foz sobre “a mudança” o seu governo está
comprometendo seriamente o destino da nação através de uma série de acordos e transações feitas às costas e
contra os mexicanos.
1. O vergonhoso espetáculo oferecido por Fox e pelo seu chanceler Castañeda em Monterrey começa a abrir o
debate sobre as gravíssimas conseqüências que o entreguismo do governo atual terá para a nação.
2. São muitos os fatos que têm motivado a indignação de amplos setores do país, mas só alguns começam a se
destacar: a) o pacto subscrito com o presidente Bush às escondidas do senado para entregar a Washington o
controle da fronteira norte; b) a decisão de autorizar a subordinação das forças armadas mexicanas a um comando
dirigido por Washington com uma série de manobras que prefiguram a que seria a plena integração futura; c) a
autorização à DEA para agir impunemente em território mexicano, subordinando o Exército do México às suas
tarefas, como se fez saber em Washington depois da prisão de Benjamin Arellano Félix; d) a profunda reviravolta
em matéria de diplomacia desacatando o mandato do artigo 89 da constituição, que obriga o executivo a conduzir a
política externa respeitando os princípios históricos; e) a oferta dos recursos básicos do país a todo tipo de
consórcio, contrariando, novamente, dois princípios legais do México, como está acontecendo com o Plano Puebla-
Panamá, seguindo as ordens de Bush.
3. A decisão histórica do Senado de negar a autorização ao presidente Fox para que possa visitar o Canadá e os
Estados Unidos do dia 15 ao 18 deste mês, numa viagem cuja importância jamais foi justificada pela chancelaria,
abriu neste contexto uma nova fase de enfrentamento de Fox com os partidos, de maneira especial em vista de
2003, mas, sobretudo, aumenta o descrédito do governo e é isso que mais preocupa em Los Pinos.
4. A negativa dos senadores em aprovar a viagem presidencial suscitou uma resposta imediata do próprio Fox, que
ordenou a todos os canais de televisão que na mesma noite do dia 10 entrassem em rede nacional para transmitir ao
país uma mensagem irritada que, por um lado, a) não só revelou sua raiva pela contrariedade, mas que constitui
uma decisão despropositada e um abuso do poder presidencial, no mais puro estilo priista, ao utilizar a mídia para
veicular suas queixas diante da que seria uma situação normal para qualquer regime, o que mostrou a evidente falta
de seriedade e de compostura por parte de quem ostenta o título de primeiro cidadão do México, e, por outro, b)
mais um gesto de propaganda partidária como tantos outros que marcaram o mandato.
5. O balanço da política internacional de Fox durante o primeiro ano do seu governo é muito claro: não lhe serviu
para defender os interesses do México, mas essencialmente para solicitar sem pudor ajuda financeira e política ao
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governo Bush para manter-se em Los Pinos em troca de entregar a ele um maior controle estratégico sobre o
México, oferecendo-lhe os recursos naturais e estratégicos da nação numa bandeja de prata, e aceitar que as
decisões fundamentais do governo sejam tomadas em Washington e não na Cidade do México. Suas viagens aos
Estados Unidos não tiveram como objetivo, como se pretendeu de forma mentirosa, defender os direitos dos
trabalhadores mexicanos que migraram para aquele país, porque um governo servil como o dele não tem
possibilidade de negociar nada com a sua contraparte.
6. As viagens de Fox permitiram mostrá-lo como é, e por trás de sua pretensão de estar trazendo capitais para o
México, o que fica é o papel ridículo que ele e sua comitiva estão fazendo no mundo inteiro, de Pequim a Madri,
onde o vêem como ele é: um homem safado que envergonha o México.
7. A acusação que os legisladores dos vários partidos fizeram a Fox dias atrás de não defender os direitos dos
trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos e de só procurar utilizar-se deles para fins eleitorais, está correta.
Diante da postura da Suprema Corte dos Estados Unidos que nega todo direito trabalhista aos trabalhadores
mexicanos, Fox manteve um silêncio que na perspectiva do povo mexicano não só mostra o seu caráter pusilânime
na hora de defender os interesses do nosso país, como evidencia o que ele realmente representa: o capital
multinacional ao qual só pode pedir ajuda em casos como este.
8. O protesto raivoso de Fox pela decisão do Senado, aparecendo nas telas da televisão com o rosto alterado para
lançar um discurso propagandístico, não se justifica numa perspectiva democrática. Nos Estados Unidos, cujo
regime representa o ideal dos foxistas, o Congresso emite resoluções contrárias ao executivo com extraordinária
freqüência, como conseqüência de um sistema de “freios e contrapesos” no qual as políticas são desenhadas de
comum acordo entre os dois poderes, e quando isso acontece o presidente não recorre histérico à mídia para
denunciar que os legisladores agem por razões partidárias e para fazê-lo fracassar. Durante o século XX, o México
teve um nefasto regime presidencialista e por muito tempo se defendeu que era necessário desmantelá-lo e instalar
um legislativo que lhe fizesse frente, e a esta tese os panistas e o próprio Fox se uniram de forma oportunista, eles
que agora usam o autoritarismo como escudo e procuram fortalecer o presidencialismo.
9. A resposta do governo foxista de mandar os meios de comunicação de massa tergiversar os fatos e apresentá-los
como uma vingança dos partidos ou uma conspiração de elementos a favor de Cuba, e sabe-se lá quantas outras
barbaridades, não pode deformar os acontecimentos: Fox e seus colaboradores estão agindo abertamente contra os
interesses do país, tanto ou mais do que seus predecessores, os tecnocratas priistas.
10. E diante da atitude de “oposição” no Congresso, disposto a negociá-la por inteiro, é o povo que deve mobilizar-
se mais para defender seu próprio destino histórico.

Uma comédia, o conflito numa comunidade chiapaneca.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 13/04/2002.

Município Autônomo Ernesto Che Guevara, 12 de abril. Uma montagem é o que acabou sendo o “conflito”
em Novo São Martim, que, “com umas madeiras podres” (de acordo com a expressão de um adulto, membro do
conselho autônomo), dias atrás, atiçou versões sobre “casas queimadas” e “novos refugiados” neste município.
Entrevistados em Moisés Gandhi, os porta-vozes do conselho manifestaram sua estranheza diante da
história que os zapatistas estariam expulsando famílias de “dissidentes” num sítio de terras recuperadas, a uns 10
quilômetros daqui, em direção a Altamirano.
“O que está acontecendo na comunidade Novo São Martim, desde o sábado 6 de abril, é um problema entre
os próprios membros do PRD que integram esta comunidade”, diz um comunicado que as autoridades autônomas
entregaram a este enviado.
Outro porta-voz do conselho lamentou que “o povo daí continue acreditando que vamos expulsá-los. Estão
sendo enganados por seu líder, Martín Díaz López, que está usando isso como pretexto para não pagar a madeira
que foi tirada de forma ilegal, sendo que ele é quem ficou com o dinheiro”.
Ao insistir que os zapatistas não têm nada a ver com esta história “pré-fabricada”, segundo sua própria
expressão, acrescentou: “fizeram isso com muito cuidado. Achamos que veio gente do governo para organizá-los.
Então, fizeram com que o próprio povo tirasse suas casas e fosse embora, com a história de que os zapatistas
vinham expulsá-los”.
Na noite do dia 10 de abril, o la Jornada esteve em Novo São Martim e pôde ver várias famílias
desmontando suas precárias acomodações, carregando seus pertences em caminhões de três toneladas colocados à
sua disposição e queimando algumas vigas. Segundo contam hoje as autoridades autônomas, estas famílias
perredistas (que em nenhum momento chamam de “desertoras”) foram vítimas de uma enganação.

A denúncia.
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“Vemos que este problema está sendo usado pelo governo contra nós para que não apareça que os
problemas ocorrem entre os próprios moradores de São Martim, e sim entre eles e nós, dizendo que expulsamos 25
famílias”, apontam em sua denúncia as autoridades de Moisés Gandhi.
“Vamos contar a história desta comunidade: no dia 3 de janeiro de 2001, cinco famílias de Nova Esperança
chegaram aos sítios de Santa Cruz e José Buenrostro, terras recuperadas do município autônomo Che Guevara. Em
seguida, procuraram umas 20 famílias de Abasolo para que fossem viver aí”. Só cinco de Abasolo responderam ao
convite e outras cinco vieram de Tenejapa.
“Nenhuma destas famílias integrava as bases zapatistas; foram Martín Díaz López, dirigente do PRD deste
povoado, Carlos Díaz López e seu pai, Virgílio Díaz, que as convidaram a morar aí. Também, são eles a manterem
a relação com o antigo dono dessas terras, que os autorizou a entrar nelas em troca dele poder se beneficiar com a
venda da madeira. É assim que se formou a comunidade de São Martim”.
Os moradores de São Martim, prossegue o relato dos autônomos, “estão aí há um ano e quatro meses, mas
não procuraram o consentimento do município autônomo para ocupar as terras. Mesmo que não tenham nos
respeitado quando se apropriaram destas terras e ocuparam os sítios de Santa Cruz e José Buenrostro, como
autoridades lhes mostramos que não podiam ocupar os dois sítios e que deixassem ambos para os de Galileia.
Dissemos isso sete meses atrás e ficaram de nos dar uma resposta em três dias, o que não aconteceu até agora. Não
voltamos a falar com eles porque são gente sem respeito que manipulam e enganam as pessoas.
Como município autônomo escrevemos para suas autoridades para falar com elas, porque não gostamos
que se venda a madeira. Já venderam mil e 300 árvores, e o nosso município autônomo não permite o corte, não
permite sacrificar a natureza porque é parte da nossa vida que será utilizada por nossos filhos e pelos filhos deles.
Quando soubemos da venda da madeira fomos ao local dos acontecimentos e se mostrou a eles que isso não estava
certo e que não voltassem a fazê-lo”.
O problema, acrescenta o conselho rebelde, é que os perredistas quiseram negociar o terreno com o
governo. “Achamos que eles tinham esta idéia desde o começo e também a de tirar a madeira; começaram a ter
problemas porque o governo pediu-lhes que juntassem 40 famílias para poder negociar e tirar a planta e as
escrituras. Os de São Martim foram pedir apoio ao dirigente do PRD de Altamirano, Gabriel Montoya, para que
mandasse mais gente e completasse a quantidade necessária. Os de São Martim não puderam conseguir as 40
famílias, então decidiram de só medir os sítios e reparti-los”.
De acordo com os zapatistas, “foi aí que começaram a ter o problema maior. Ficaram discutindo porque
Martín Díaz López começou a mentir e a pôr medo nas pessoas para que abandonassem suas casas e as
destruíssem. Na segunda-feira, dia 10, voltaram a destruir suas casas. Os de São Martim que ainda estão aí
disseram que as casas não foram queimadas, só alguns restos de madeira que sobraram da destruição que os
próprios donos fizeram”.
“Como sempre, fizeram isso sem o nosso consentimento, sem respeitar. São os mesmos que agora nos
fazem acusações falsas, já que o próprio Martin Díaz administrou o dinheiro da venda da madeira e cobrava as
pessoas que vinham morar na comunidade”, diz a denúncia, na qual o conselho rebelde considera que para Díaz
López “foi fácil pôr medo nas pessoas usando nós”.
As autoridades autônomas declaram: “nos culpam para ocultar sua situação real, o porquê sua comunidade
está se desintegrando. Como autoridades sabemos como está o problema e o estamos acompanhando. Não é
verdade que foram expulsos e que suas casas foram queimadas e ninguém está obrigando eles a fazer parte do
município autônomo”.
Concluem: “Nós fizemos a denúncia com a verdade, porque sabemos dos problemas e conhecemos a
história de cada um dos povoados que estão dentro do nosso município”.
A família Díaz López, originária de Nova Esperança, Altamirano, “formou o povoado de Novo São Martim
e o tirou como lhe convinha”, comentou o mais jovem dos três representantes do conselho ao encerrar a conversa.
“Nos fazem até rir com as histórias que inventaram”, acrescentou referindo-se à versão de que, inclusive, “alguns
milicianos” teriam vindo queimar as casas dos “refugiados”, expulsos, na realidade, por seus próprios caciques.
Isso sim, a agência de notícias governamental divulgou com requintes de detalhes a história inventada por
Martín Díaz López, e funcionários governamentais não identificados chegaram logo ao lugar dos acontecimentos
para dar respaldo aos expulsos. Apesar disso, em São Martim não houve nenhuma casa queimada. A encenação dos
refugiados acabou sendo uma comédia ruim.

A CNPI agride comunidade de município autônomo.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 20/04/2002.

Três dias atrás, o ejido Peña Limonar, no município autônomo chiapaneco Francisco Villa, foi atacado por
uns 70 integrantes da Coordenação Nacional dos Povos Indígenas (CNPI) que, com facões e pedaços de madeira,
queimaram 11 casas, destruíram, roubaram, sacrificaram animais e feriram duas mulheres com arma branca.
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Os fatos ocorreram no último dia 17, às 12.00 horas. Num documento público, os integrantes do
conselho autônomo Francisco Villa acusaram a CNPI, liderada por “Felipe” (sic), coordenador estadual desta
organização, e Genaro Dominguez “de fazer as provocações”.
Os representantes autônomos declaram: “Nós, como o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN),
temos mantido a calma por muitos anos, ao longo dos quais eles sempre têm nos provocado pelo fato de termos
tomado posse em 1983. Agora, o ejido Cuauhtémoc (filiado à CNPI) quer nos tirar os sítios Santa Cecília e
Tesouro, que o proprietário entregou aos camponeses que solicitavam a segunda ampliação do ejido Peña
Limonar”.
A este respeito foram instaladas mesas de trabalho, “mas nunca se chegou a um acordo”. Apesar disso, em
1990, foi assinado um convênio entre as duas partes. Os de Cuauhtémoc violaram seguidamente o convênio, pois,
de acordo com os autônomos, a CNPI não respeita a divisa entre os dois ejidos marcada pelo rio Diamante.
A denúncia do conselho Francisco Villa coloca que, no dia 17 de abril, um grupo da CNPI, “homens e
mulheres, ao redor de 70 pessoas, vieram causar estragos, prejuízos e roubos, queimaram 11 casas, 15 pacotes de
folhas de papelão, roupas de homens, mulheres e crianças, um moedor de milho, pratos, vasos, uma bicicleta de
montanha aro 26, mochilas, facões, cobertores, armadilhas, milho e mesas. Foram queimadas estas coisas dos
companheiros da segunda ampliação de Peña Limonar do município autônomo”.
Do mesmo modo, os agressores “levaram uma motosserra, marca Muzvarna, cavadeiras, martelos e barras
de ferro. Durante a agressão feriram uma mulher de 35 anos que lutava para salvar a motosserra; ela foi cortada
com uma corrente que trazia. Outra senhora, Juana Vázquez, foi atingida por não querer sair de sua casa; um dos de
Cuauhtémoc se lançou contra ela a facadas”. Ela é parente de Emilia Vázquez que também foi ferida.
“Já mataram um cachorro. Também vários companheiros, homens e mulheres, foram feridos com armas
brancas, pedaços de madeira, pedras e facões”. As bases de apoio do EZLN acrescentam que seus agressores
cortaram aproximadamente 100 metros de arame farpado de três fios, enquanto perseguiam sem razão os animais
no potreiro.
Por último, dizem que Samuel García Estrada “ameaçou um companheiro do ejido Peña Limonar e
advertiu (que existem) ordens de prisão contra as bases de apoio zapatistas”. O município autônomo Francisco
Villa fica entre os de Francisco Gómez e Ricardo Flores Magón, a nordeste da cidade de Ocosingo.
Cabe sublinhar que, em outras regiões, como no vale do rio Perla, no município autônomo Ricardo Flores
Magón, a CNPI tinha sido acusada de participar da contra-insurreição do governo, com vínculos, desde 1998, com
o grupo paramilitar MIRA, sem que a direção nacional da CNPI, membro do Congresso Nacional Indígena, tenha
se separado dele.

Resistência às cobranças da CFE.

A comunidade San Jerônimo Tulijá, no município autônomo Ricardo Flores Magón, denunciou que os
empregados da Comissão Federal de Eletricidade (CFE) deixaram sem luz 20 famílias, bases de apoio zapatistas,
desde dezembro de 2001. Num comunicado da Rede de Defensores Comunitários dos Direitos Humanos, as
famílias atingidas afirmam integrar “um grupo maior, em resistência desde 1994 contra o pagamento da luz, devido
às elevadas tarifas e às taxas de manutenção”.
De acordo com a ata do dia 22 de setembro de 1994, assinada por várias organizações indígenas, “se
respeitaria o fornecimento de energia até que a CFE fizesse uma revisão do caso”. Naquele documento, as
organizações da zona norte de Chiapas reconheciam que havia um acordo para pagar “mas de forma justa”. Ainda
que os indígenas continuem esperando respostas aos seus pedidos, desde então, esta é a primeira vez que a CFE
corta a luz. Após afirmar que a CFE “não respeita o acordo com as comunidades indígenas”, os moradores em
resistência de San Jerônimo Tulijá anunciaram que não pagarão até que se negocie “uma tarifa justa”. Concluem:
“tampouco vamos ficar calados diante das injustiças que nos atingem”.

Pró-zapatistas denunciam nova escalada da militarização na zona norte de Chiapas.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 26/04/2002.

As autoridades autônomas do município O Trabalho denunciaram uma nova escalada da militarização na


zona norte de Chiapas, tanto em seu território autônomo, como no município de Salto de Água. Ao longo do mês
de abril, comboios do exército federal fizeram incursões em várias comunidades, com o pretexto de realizar ações
de “trabalho social” que teriam sido solicitadas por ejidatários priistas, para, na realidade, pressionar e amedrontar
as bases de apoio do EZLN na região, incluída a comunidade de Roberto Barrios.
Contra as declarações oficiais que continuam negando ou minimizando isso, os municípios autônomos da
região do conflito são vítimas de uma intensa perseguição, que se expressa nas ações de delinqüência e de
corrupção dos grupos oficiais, nas agressões dos paramilitares, ou, melhor, nos enfrentamentos com outras
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organizações na suposta seqüência de “fatos isolados” animados por uma coincidência programática digna das
melhores causas. E tudo acompanhado de um lento, progressivo e incessante avanço das posições do Exército
federal.
No último dia 13, seis veículos militares chegaram no ejido Luis Echeverria, supostamente a pedido das
autoridades oficiais do lugar, e permaneceram no povoado contra a vontade dos indígenas. Uma semana antes, na
noite do dia 8, o Exército federal havia entrado no ejido Francisco Villa; naquela ocasião, o comboio militar
chegou acompanhado por dois carros da segurança pública do estado e por um destacamento da polícia federal
preventiva. “Pararam diante da escola autônoma, e depois de duas horas se retiraram rumo a Palenque”, referem os
zapatistas em sua denúncia. Desde então, as movimentações militares têm aumentado.
O conselho de O Trabalho acrescenta que no ejido São Miguel, município de Salto de Água, “as
autoridades oficiais enviaram por escrito uma solicitação à Secretaria de Defesa Nacional (SEDENA) e ao
governador do Estado, pedindo um nivelamento do terreno com o maquinário do Exército federal, para a
construção de uma escola secundária naquele ejido”.
Os autônomos manifestaram sua
inconformidade pelas ações militares do suposto
benefício social que “vê-se claramente – afirmam –
são uma contra-insurreição”.

A versão da SEDENA.

Enquanto isso, a sétima região militar


informou que implementa um programa para ajudar os
camponeses cafeicultores a transportar suas colheitas
para as regiões de comercialização.
Através do comando da sétima Região Militar,
a SEDENA informa num boletim que ajuda a
população pobre “que mora nas comunidades rurais
com problemas de vias de comunicação e falta de
transporte adequado” para a safra do café.
De acordo com o documento, desde quarta-feira e até esta sexta, iria transportar 30 toneladas de café da
comunidade Rio Corozal, em Ocosingo, - próximo à fronteira com a Guatemala -, ao bairro Yalcok, município de
Las Margaritas. Apontou que enviaria por via aérea de Yalcok e rio Corozal seis toneladas “de artigos de primeira
necessidade, destinados a satisfazer as necessidades vitais dos moradores”.
Sublinha-se que, “com ações como a descrita, o Exército federal e a Força Aérea Mexicanos contribuem
para a realização dos programas (federais) para ajudar os compatriotas mais necessitados”.

Sem acordo e sem solução.

Por sua vez, o conselho autônomo de Francisco Gómez denunciou as provocações e a invasão de terras por
parte dos camponeses da priista Confederação Nacional Camponesa (CNC) no povoado El Salvador. Num
comunicado divulgado hoje, o conselho municipal em rebeldia aponta que “um grupo de pessoas da CNC de
Ocosingo provocou muitos problemas às nossas bases de apoio do EZLN”.
Diz o conselho que, no dia 28 de fevereiro, o delegado do governo do estado, Germán de la Rosa
Hernández, e o prefeito de Ocosingo, Baltasar López Hernández, estiveram no povoado El Salvador “para resolver
este problema, mas os grupos da CNC não assinaram a ata escrita por Germán de la Rosa Hernández e, no dia 22 de
abril, voltaram a semear milho no milharal das bases de apoio zapatistas”. Não houve acordo e nem solução.
Denunciando “estas provocações dos grupos da CNC”, as autoridades de Francisco Gómez declaram: “Não
vamos mais permitir estas provocações”. Ao anunciar que as bases se defenderão destas pessoas, responsabilizam
os senhores Juan Francisco Sánchez Morales, Alberto e Juan Ramón “por qualquer problema lamentável que venha
a acontecer neste povoado de El Salvador”.

Chiapas, a paz distante.


Luiz Hernández Navarro. La Jornada, 30/04/2002.

Já faz um ano que o EZLN se mantém em silêncio. Desde então, no lugar dos comunicados se ouve a voz
dos municípios autônomos e o som dos conflitos locais. Vive-se uma situação que se parece a de um caldeirão
cheio d’água no qual centenas de bolhas estouram anunciando que o líquido está prestes a ferver. As dezenas de
enfrentamentos que brotaram em Chiapas nas últimas semanas advertem que a tempestade se aproxima.
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Nos Montes Azuis, o governo pretende expulsar 35 comunidades entre os povoados que aí se
encontram. No ejido Morelia os paramilitares priistas ameaçam destruir o Aguascalientes IV. O exército federal
reforça as posições e intensifica os patrulhamentos ao redor de Jolnixtié. Em Roberto Barrios, o prefeito de
Palenque, seguidor de Roberto Madrazo, apóia com afinco a perseguição do grupo Paz e Justiça contra as
comunidades em resistência. Em Taniperla e Palestina, os paramilitares continuam com as provocações contra as
bases de apoio zapatistas. Enquanto isso, em Javier López, Pátria Nova e Sibacá têm se intensificado os
enfrentamentos entre as comunidades em rebeldia e os integrantes da Organização Regional dos Cafeicultores de
Ocosingo (ORCAO), de filiação perredista.
Aparentemente, a natureza destes conflitos varia de caso a caso, mas os fatos partilham da mesma matriz:
de um lado, ainda que em Chiapas o governo tenha mudado, o poder continua nas mãos daqueles que sempre o
detiveram; do outro, este mesmo poder não pôde derrotar a rebelião que, ao contrário, continua se ampliando e
consolidando. Os enfrentamentos vêm da disputa dentro de um mesmo território entre as forças da rebelião e os
agentes da contra-insurreição.
Apesar das novas administrações a nível federal e estadual, da distribuição agrária colocada em andamento
desde 1994 e do apoio governamental aos atores sociais emergentes, hoje, a rede de relações de poder existente em
várias regiões de Chiapas é muito parecida a que existia antes do levante armado.
Os homens fortes das regiões da área de influência zapatista (como os Orantes em Jaltenango, ou Germán
Jeménez, em Frailesca) preservam quase intocada a sua influência. O exército mantém o controle territorial de
vastas regiões, só formalmente governadas por autoridades civis. Os paramilitares mantêm sua impunidade e
continuam agindo, os programas de desenvolvimento social continuam respondendo a uma lógica de contra-
insurreição enquanto procuram romper a resistência civil das comunidades sob o argumento de que o governo não
pode renunciar à sua responsabilidade de levar o progresso a todas as regiões do país.
Mesmo que o PRI não tenha o controle do governo do estado, as velhas agremiações que se escondiam sob
o manto de suas siglas mantêm posições de poder muito importantes e são um fator recorrente de violência. A
equipe de Patrocínio González Garrido tem uma presença relevante na nova administração estadual, enquanto a
influência do madracismo cresceu para além de seus tradicionais redutos na região norte do estado.
No lugar de tornarem-se promotores de relações sociais menos bárbaras, os novos agentes econômicos,
ligados à biotecnologia, à exploração florestal e à preservação “ambiental”, que vieram para o estado com o
propósito de modernizá-lo, empreenderam uma ofensiva para despojar as comunidades de seu território e de seus
conhecimentos.
Algumas forças camponesas inseridas na órbita do perredismo (especialmente a ORCAO), favorecidas pelo
triunfo eleitoral de Pablo Salazar, abandonaram seus antigos compromissos de resistência e procuram apropriar-se
e dividir as terras subtraídas aos fazendeiros pelos zapatistas depois de 1994. Utilizam recursos públicos – um de
seus dirigentes é o responsável pelo INI na região – para tratar de ganhar novas clientelas nas comunidades de
influência rebelde oferecendo-se para gerenciar programas assistenciais, bem como a entrega de recursos
econômicos.
Parece que uma das variantes desde que o poder em Chiapas se alterou no último ano é que o governador
de plantão não lidera a ofensiva contra o EZLN, como fizeram seus predecessores, mas mantém uma atitude de
prudente respeito. Isso não significa que este comportamento seja partilhado por seus aliados (que se lançaram em
cheio à aventura de disputar o controle territorial) e nem que, apesar de suas declarações, seus projetos de
desenvolvimento na região do conflito ou seu apoio ao Plano Puebla-Panamá deixem de ser vistos como uma
tentativa de quebrar a resistência civil das comunidades em rebeldia.
É por isso que os anúncios de reconciliação pela boca do bispo Felipe Arizmendi e de Pablo Salazar têm
muito poucas possibilidades de progredir. Enquanto não se resolvem as causas que deram origem ao levante
armado, os conflitos comunitários que vão aparecendo não terão uma solução definitiva. Ao contrário, a partir de
agora, vem a sua proliferação.

Pelos direitos humanos e sociais de todos os mexicanos.


Manifesto da FZLN para o 1º de Maio.

O governo Fox, apoiado pela maioria dos integrantes do Congresso, leva adiante suas ações contra os mais
elementares direitos de todos os mexicanos. Seja na prática, seja através de suas emendas constitucionais,
alterações de leis e propostas de reformas, aqueles que governam este país e dizem representar-nos, na realidade,
agem para favorecer alguns no México e no exterior. Vejamos somente alguns exemplos:
 O Congresso, com o apoio do governo, aprovou uma lei em matéria de direitos e cultura indígenas que
viola a luta e as aspirações de milhões de indígenas e não indígenas deste país, ao ignorar as mudanças
propostas pelo movimento indígena nacional sobre este tema, deixando desta forma que o racismo, a
exclusão e a exploração em relação aos povos indígenas continuam como há 500 anos.
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 O governo e o Congresso continuam protegendo os banqueiros, aos quais entregam bilhões de Pesos
todos os dias, bilhões que são o produto do trabalho dos mexicanos. Não importa que todos os dias saiam
notícias sobre a lavagem de dinheiro nos bancos, sobre a fuga de divisas, sobre as irregularidades na
privatização dos bancos, os banqueiros continuam cobrando do FOBOPROA e das demais instituições o
que roubam a nós mexicanos.
 Apesar dos bilhões de Pesos que entregam aos banqueiros, dos salários milionários que os grandes
funcionários e legisladores estipulam para si e dos milhões de dólares que pagam todos os meses pela
dívida externa, continuam encolhendo o gasto público, condenando-nos, com os nossos filhos, à pior das
misérias. Nos hospitais públicos falta até aspirina, cada vez menos jovens podem se matricular nas escolas,
onde sequer há os materiais necessários para a educação, os aposentados mal conseguem sobreviver com
uma aposentadoria de fome, é cada vez mais difícil encontrar trabalho e quando conseguimos um, com o
que nos pagam, não dá para comprarmos sequer a cesta básica completa, os camponeses continuam lutando
para defender a terra, os bosques e os rios, como há 200 anos atrás.
 Não contentes com isso, preparam agora uma reforma da Lei Federal do Trabalho que ponha no papel o
que há anos vêm fazendo na prática: destruir os sindicatos independentes, acabar com os contratos
coletivos, reduzir os salários enquanto aumentam as jornadas, acabar com direitos tais como o décimo
terceiro, aposentadoria, férias, seguro social etc.
 Mantêm nos cárceres e desaparecidos centenas de presos políticos, o Exército e as polícias nas ruas e nos
campos do nosso país, infringindo as garantias mínimas aos direitos humanos que todos deveríamos ter,
tudo com o pretexto do combate à criminalidade e ao narcotráfico quando eles é que são os verdadeiros
criminosos associados aos narcotraficantes. Dizem fazer leis que protegem os direitos humanos, mas
escrevem-nas com letras bem pequenas que quando os culpados das violações são os militares, ou quando
estas violações foram cometidas antes de novembro de 2001, então a lei não pode fazer nada para castigá-
los, dando assim um cheque em branco à impunidade e aos repressores. Estes são alguns exemplos que nos
demonstram porque nós trabalhadores não podemos mais confiar nos que se dizem nossos representantes.
Deles não sai nada de bom para o povo trabalhador. Só mentiras, promessas nunca cumpridas, mais
impostos, mais miséria e maior entrega do nosso país ao estrangeiro. Falemos com nossos vizinhos,
familiares, companheiros do local de trabalho, de escola e vamos vendo como organizar-nos para ir
impondo nossa vontade coletiva, a partir do lugar em que vivemos e trabalhamos, sem pedir nada a
nenhum funcionário ou legislador.
Chega de agredir o povo!
Nunca mais uma lei sem o consenso da maioria!
Liberdade para os presos políticos, devolvam com vida os desaparecidos!
Frente Zapatista de Libertação Nacional – DF.

Sob novos disfarces, grupos paramilitares se reinstalam nas regiões indígenas de


Chiapas. Hermann Billinghausen. La Jornada 02/05/2002.
San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 1º de maio. A seqüência de conflitos “particulares” entre comunidades
e organizações na região do conflito, oficialmente reduzida à categoria de disputas agrárias isoladas, exibe a trama
de uma persistente guerra de baixa intensidade contra as comunidades indígenas em resistência. Sob disfarces mais
ou menos diferentes, o saldo líquido destes seguidos acontecimentos é a crescente instalação ou reinstalação dos
grupos paramilitares na área chol, tzotzil e tzeltal da selva, norte e Altos.
Ao mesmo tempo, as movimentações do Exército federal e das forças de segurança aumentam e se
diversificam, apesar do que foi ordenado pelo presidente Fox no início do seu mandato. Em Chiapas não há paz, e
sim uma relativa e instável pacificação. Dias atrás, ocorreram graves enfrentamentos na periferia do conflito em
municípios como Huitiupán e Chalchihuitán, ou em comunidades fora da zona de resistência, como El Triunfo, em
Altamirano.
São os municípios autônomos e as comunidades em resistência a contarem o que acontece, inclusive fora
deles, como os conflitos limítrofes entre San Pablo Chalchihuitán e Chenalhó, ou a violência subterrânea em
Huitiupán, conhecido como o município desconhecido da região norte de Chiapas. Durante anos, Huitiupán tem
sido o cenário oculto da violência e dos assassinatos que costumam ser atribuídos ao cultivo da droga, à
ilegalidade, às diferenças religiosas. Parcelas importantes deste território são controladas pelo Exército federal.
Hoje, num gesto inusitado, as autoridades do ejido Lázaro Cárdenas, deste município, denunciaram as
incursões do Exército federal e da polícia: “no último dia 10 de abril chegaram dois caminhões com,
aproximadamente, 20 soldados cada um, um caminhão das forças da Segurança Pública e membros de grupos
paramilitares”. De acordo com os ejidatários, entraram no ejido “perguntando onde estavam as autoridades e
marcando as casas dos nossos companheiros”.
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Acrescentam que um dia antes “vieram uns vendedores de remédios e pregadores da religião do sétimo
dia (adventista), que são os que participam da organização Desenvolvimento, Paz e Justiça”. Os ejidatários acusam
o governo de usá-los “como seus agentes secretos” para se infiltrar nas comunidades.
Em seguida, um comboio parecido voltou a Lázaro Cárdenas, “marcando as casas dos companheiros desta
comunidade”. Os representantes ejidais perguntam ao governo federal e estadual: “será que é esta a mudança que
estão nos proporcionando, com seus soldados ameaçando a população? Será que esta é a resolução dos acordos de
San Andrés assinados há muitos anos, e que o governo Fox prometeu resolver em 15 minutos? No lugar de resolver
os problemas sociais, as autoridades buscam a guerra, vê-se claramente que não buscam a paz com dignidade e
justiça”.
A comunidade, garantem, tem seus próprios regulamentos internos para resolver problemas e conflitos, “e
sabemos que nossa Constituição, no artigo 16, nos dá o direito de fazer com que ninguém seja atingido em sua
pessoa ou no seu domicílio sem que haja uma causa”.
Existe um acordo assinado por todas as comunidades de Huitiupán que rechaça a presença da Segurança
Pública e dos soldados federais nas comunidades. O prefeito constitucional entregou a cada comunidade uma ata do
acordo assinada também por ele mesmo. “Mas vemos que as autoridades competentes não validam nossos acordos
e se fazem de surdas”, conclui o ejido Lázaro Cárdenas.
Quanto ao recente conflito em El Triunfo, município de Altamirano, quem disse o que realmente aconteceu
são os autônomos de outras comunidades, ainda que o problema se dê num povoado onde só há a ARIC oficial
(PRI) e os perredistas.
De acordo com camponeses da região e bases de apoio do EZLN, os fatos violentos são provocados pelas
autoridades de Altamirano, com respaldo policial e militar. Soube-se que no ataque do último dia 22 em El Triunfo
os priistas não só prenderam e feriram várias pessoas, como, inclusive, violentaram três mulheres, tudo isso com
um requinte de violência antes desconhecido nestas comunidades. Como seqüela, houve novos sobrevôos de
helicópteros, bem como movimentações da Segurança Pública e dos paramilitares, que já foram fotografados e
identificados com uniformes azuis. Foram vistos com armas de grosso calibre num atalho que liga a comunidade de
Belisário Dominguez e o acesso a El Triunfo.
Por outro lado, em várias regiões de Altamirano, pertencentes ao município autônomo Dezessete de
Novembro, por estes dias se espalharam incêndios nos bosques distantes das áreas de cultivo; os camponeses
suspeitam que tenham sido provocados.

Moradores das comunidades zapatistas denunciam que têm proliferado os “incêndios


provocados”. Hermann Bellinghausen. La Jornada 03/05/2002.
Moisés Gandhi, Chiapas, 2 de maio. Este ano, o período das secas trouxe mais incêndios do que o costume,
o que faz as comunidades da região suspeitarem que se trata de desastres provocados. Para chegar até aqui, este
enviado atravessou um lugarejo, perto da ponte La Florida, arrasado pelo fogo. “Levamos dois dias para apagá-lo”,
comenta um homem na entrada desta comunidade.
Por outro lado, as movimentações militares têm se intensificado desde o final de abril, em direção às
cidades de Ocosingo e Altamirano, ambas a uns 20 quilômetros de Moisés Gandhi e do cruzamento de Cuxuljá.
Os representantes do município autônomo Ernesto Che Guevara, que têm sua sede aqui, falam a este
respeito ao La Jornada: “Não sabemos quem espalha os incêndios e nem qual é a sua intenção. Será que vão nos
fazer ir aqui e acolá apagando fogos? Porque é o que este município tem feito agora”.
O porta-voz do conselho autônomo diz: “Temos visto incendiar as montanhas onde não há milharais. Dias
atrás eu mesmo vi como passou um avião pra lá na montanha, e menos de 15 minutos depois começou a sair a
fumaça do incêndio que se criou”. O indígena não acredita que seja casualidade: “O fogo parece de propósito”.
O incêndio em La Florida, e outro na divisa com a comunidade de Abasolo, também foram provocados
para atingir as terras do município em rebeldia. “Por toda parte vemos incêndios que não são queimadas. Está
acontecendo o mesmo que em 1998”, sublinha o porta-voz zapatista, ao se referir à grande campanha de contra-
insurreição daquele ano, que incluiu os maiores incêndios dos bosques e da selva que há muito tempo não se viam
em Chiapas, sobretudo na região do conflito.

O ar está nublado...

“Veja a fumaça”, indica ao repórter. O ar está “nublado” de fumaça, coisa habitual nesta época do ano. Na
avaliação dos camponeses, este ano a camada de fumaça é mais espessa. O sol é filtrado por ela e aparece um disco
cor de laranja, como se fosse visto através de lentes escuras (que, pela precisão, se chamam fumê).
Quanto às movimentações militares, o porta-voz autônomo diz: “Dias atrás passaram 17 caminhões do
Exército federal de San Cristóbal a Ocosingo. E 25 blindados”. Os civis zapatistas não acreditam se trate de uma
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substituição de tropas. Referem que algo parecido foi registrado pelo município autônomo Miguel Hidalgo: 80
caminhões de soldados vieram de San Cristóbal a Comitán.
“Em nenhum dos casos vimos voltar a mesma quantidade. Mais do que uma substituição de tropas parece
que estão aumentando o número de soldados nestes territórios”, acrescenta.
As autoridades dos municípios autônomos 17 de Novembro e Primeiro de Janeiro, desta mesma região,
também relatam intensos patrulhamentos de veículos militares e da Segurança Pública que, diariamente, cobrem os
trajetos Altamirano-San Cristóbal e Altamirano-Ocosingo; falam também de outro comboio que faz o trajeto
Ocosingo-zona norte, atravessando algumas das comunidades de Primeiro de Janeiro próximas à rodovia federal.
Os camponeses do município zapatista 17 de Novembro, do mesmo modo que o povo de Moisés Gandhi,
insistem que podem identificar muito bem que incêndios se devem à descuido ou negligência nas proximidades das
terras queimadas para a semeadura e quais só podem ser provocados intencional e criminosamente. E estes últimos
estão proliferando pela primeira vez em quatro anos.

Comunidade em resistência de Chiapas sofre perseguição policial.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 10/05/2002.

Município autônomo San Manuel, Chiapas, 9 de maio. Cinco membros do conselho autônomo estão sendo
ameaçados de morte pelo grupo paramilitar Movimento Indígena Revolucionário Antizapatista (MIRA). E agora se
acusa San Manuel de “manter seqüestradas” três pessoas, para justificar operações policiais ou militares contra as
comunidades em resistência. Nesta semana, as autoridades autônomas têm reiteradamente negado o tal “seqüestro”.
No coração dos vales de Ocosingo, é possível encontrar o resultado de tanto “programa dos vales”, de tanta
declaração desenvolvimentista e de tanta contra-insurreição profissional que têm saído das malhas do sistema. Isso
se expressa na divisão, aparentemente irremediável, entre as comunidades de diferentes organizações e, sobretudo,
na militarização, permanente e abundante há mais de sete anos.
O município autônomo San Manuel é formado por 38 comunidades ao longo do vale de Avellanal (ou Las
Tazas). O percorre o grande rio Jataté entre as terras Livingstone e Cruz de Prata. Os indígenas em resistência,
tzeltales em sua maioria, fundaram várias novas comunidades nas terras recuperadas depois do levante zapatista de
1994: Francisco Villa, Emiliano Zapata, Miguel Hidalgo, San Marcos e outras. Desde a última semana de abril,
uma patrulha de soldados percorre o vale anunciando às bases zapatistas que vão “varrer” estes povoados.
O pretexto para a retomada da guerra de baixa intensidade é o mais fraco, mas já existe uma ação entregue
no Ministério Público de Ocosingo, e os policiais judiciais federais dão suas voltas. Quatro homens do rancho
Tzajalá teriam sido “seqüestrados” pelo município autônomo, e as patrulhas do Exército federal e da Procuradoria
Geral da República (PGR) estariam “procurando” por eles.
“Muito fácil. Estão em suas casas. É lá que têm que procurá-los”, diz ao La Jornada um membro do
conselho autônomo. “Nunca houve seqüestro, mas eles fizeram isso como uma provocação”. Segundo o porta-voz
de San Manuel, Domingo Domingo Cruz Rodas, Manuel Cruz Jiménez, Domingo Cruz Jiménez e Julio (sem
sobrenomes), os supostos seqüestrados, “não pertencem à nenhuma organização”, coisa rara numa região tão
politizada.

Os grupos.

Nas comunidades deste vale, quem não é zapatista é de uma das três Associações Rurais de Interesse
Coletivo (ARIC) que existem. Ou seja, há priistas da oficial, alguns dos quais participam do grupo paramilitar
MIRA, filho legítimo dos programas especiais de desenvolvimento, mas que oficialmente não existe.
Também há comunidades da ARIC Independente, perredista e salazarista, próxima à diocese de San
Cristóbal de las Casas, e que antes do novo governo chiapaneco apoiavam o município autônomo. Por último, vêm
os membros da ARIC União das Uniões, que na longa viagem das ARICs de uma para três, passando de
independentes a clientes do Pronasol de Salinas, agora voltam para a órbita perredista do salazarismo.
No meio destes vaivens, determinados, sobretudo, pelo investimento governamental (e, também, privado,
como afirma o porta-voz autônomo), as comunidades encontram-se muito divididas.
Além disso, a ARIC oficial recebe “projetos privados, que não são controlados pelo governo de Pablo
Salazar. São de sementes melhoradas, criação de abelhas e de outras coisas”. Segundo o porta-voz autônomo, “isso
vem de Carlos Salinas”.
O Exército tem bases operacionais em Rio Jordán e Santo Tomás, os dois extremos do vale diariamente
patrulhados pelos militares. No fundo do vale estão as populações mais antigas, em sua maioria ejidos: Las Tazas,
La Trindad, Tácitas, Avellanal, Santo Tomás.
Até 1994, as terras baixas do Jataté, mais próximas a Ocosingo, foram fazendas de gado. Passado o
desmatamento das madeireiras na primeira metade do século XX, veio a política de terras arrasadas da criação
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extensiva de gado que alienava as terras dos indígenas e os transformava em peões despossuídos. Os lugares
onde estavam os ranchos, hoje pertencem aos “novos povoados”, e as casas das fazendas estão em ruínas. À
diferença de outras regiões do vale, pelo menos no momento, os principais problemas entre os indígenas daqui não
são pelas terras. Por isso, para desalojar os zapatistas, as forças da ordem teriam que “varrê-los” daqui, mas
precisam de algum pretexto.
O MIRA atua na comunidade La Trindad. Seu dirigente, Vicente Pérez, passou de ladrão de carros
procurado pela polícia a colaborador e amigo das forças da ordem. Seu grupo ameaçou de morte cinco membros do
conselho autônomo zapatista.
Em San Manuel, acontece algo bastante curioso. Quando surgem disputas (por gado, por projetos de
moradia) entre as organizações rivais do zapatismo, “vêm procurar o conselho autônomo para que ajude a
solucionar seu problema”. Ouvindo isso, e apesar de haverem outras dificuldades entre as organizações, como o
transporte público e o comércio de bebidas alcoólicas, pode-se pensar, na melhor das hipóteses, que as divisões
entre os indígenas não são tão irremediáveis como parecem.

Zapatistas suspendem os trabalhos agrícolas para defenderem o povoado El


Salvador. Hermann Bellinghausen. La Jornada 15/05/2002.
Povoado El Salvador, Chiapas, 14 de maio. Os homens andam em grupo, preocupados, atentos. Todos os
meninos empunham seu estilingue. As mulheres e as meninas permanecem em suas casas. A comunidade está em
alerta desde ontem, olhando para o promontório de onde espreitam, armados, uns 90 camponeses priistas que se
dizem dispostos a desalojar El Salvador.
“Corremos perigo. Estes são paramilitares”, diz um indígena do grupo de moradores que dá o seu
depoimento. E acrescenta: “são os mesmos que mataram a pauladas o nosso companheiro Pedro na comunidade
Santa Martha. Já faz uns meses e sequer começaram as investigações. Ele morreu num colchão de água, no hospital
de Ocosingo”, intervém, inesperadamente, um ancião. (Cabe lembrar que Pedro sobreviveu várias semanas ao
espancamento que sofreu durante um ato contra o desalojamento e que lhe arrebentou a coluna vertebral).
“E, agora, estamos desse jeito. Esperando apenas que nos ataquem. Não podemos sair para as roças, é
época de semear. Temos que ficar para defender este lugar”, acrescenta o primeiro indígena. “Nos disseram que se
vamos a Ocosingo vão nos colocar na cadeia”.
Como parte do depoimento coletivo, outros dois homens, ambos gravemente feridos, contam como foram
capturados, surrados e torturados pelos priistas na semana passada. Um deles, o mais velho, precisa urgentemente
de um exame neurológico, pois foi atingido de forma selvagem na cabeça e agora tem problemas de equilíbrio. O
outro foi levado ao cruzamento da estrada para Ocosingo, onde está Santa Martha, por Baltazar, Domingo e Roque
Caballero, da Confederação Nacional Camponesa (CNC).
“O amarraram todo, como um animal, o deixaram pendurado de cabeça o dia inteiro, e assim continuaram
batendo nele”, diz outro indígena, apontando para o homem que apanhou e que, praticamente, não fala. Tem
metade do rosto inchado, com crostas grandes, os braços e as costas cheios de feridas de facão e de garrote. “Por
termos que garantir a segurança, não podemos levá-los a Ocosingo”, acrescenta o da voz.

A desordem está sendo armada com “casos isolados”.

O povoado El Salvador, no município autônomo Francisco Gómez, foi fundado em 1998 nas terras
recuperadas da que foi a fazenda de gado Chamumún, até 1994, propriedade de Tito Albores, e hoje repartida por
indígenas bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e por membros da CNC priista.
Bom, isso de “repartida” é um modo de dizer. Sobretudo agora.
As 27 famílias zapatistas de El Salvador vêm de San Juan, mais no interior do vale. Ao mesmo tempo, se
instalaram aqui 11 famílias priistas da vizinha fazenda San Luis. Em quatro anos, os dois grupos não chegaram a
nenhum acordo, nem sequer com a participação do governo.
Em 28 de fevereiro passado, o engenheiro Germán de la Rosa, delegado do governo na região de Ocosingo,
tentou um acordo, que foi finalmente assinado pelos autônomos, mas não pelos priistas. Na ata se estabelecem três
pontos: “preservar a vegetação existente, evitando desmatamentos para fins agrícolas; que ambos os lados
respeitem seus trabalhos, e que cada grupo realizará suas atividades agrícolas na área destinada ao cultivo”. Não há
acordo porque os priistas querem tudo, e desafiam o governo salazarista. “Em abril, foi época de roçar, e os
priistas, para nos provocar, semearam nas terras que nós roçamos”, relatam os indígenas autônomos.
No dia 6 de maio, conta outra voz do grupo, “estamos abrindo um sulco no mato, o irmão priista vem
reclamar, diz que não é nosso, e então seus colegas voltam a cobrir com folhas e ramos para que o nosso fogo
ultrapasse a barreira de contenção. Naquele momento, quando voltamos às nossas casas, os irmãos priistas se
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armam de garrotes e facões e nos ameaçam. Deles, três nos atacaram, agarramos um e o colocamos na prisão por
24 horas. Neste período não batemos nele e lhe demos de comer bem”.
No dia 8 de maio, o grupo da CNC ameaçou atacar El Salvador. Atiraram para o alto e se colocaram em
posição apontando para a comunidade. “Aí, agarraram nossos dois companheiros e os garrotearam”. Torturaram
um deles por 24 horas. (Isso é como os paramilitares jogam ao “olho por olho” nas investidas da contra-
insurreição).
Ontem os da CNC voltaram a circundar El Salvador. E aí estão. “Fazem patrulhamentos e muitas
movimentações com suas armas ao redor da comunidade” (que é um conjunto de modestas casas de madeiras e
terrenos precários, à beira da estrada Ocosingo-San Quintin, que aqui já está asfaltada). Aos pés de uma ceiba
gigantesca, frondosa e muito antiga, com raízes enormes, as bases de apoio zapatistas estão de prontidão, dia e
noite, de olho na elevação, a uns 200 metros de distância, de onde os priistas os espreitam, fazem pontaria contra
eles, os vigiam.
Em outra ordem, que na realidade é a mesma, as bases de apoio zapatistas do povoado Nova Revolução,
município de Tila, na zona norte, denunciaram hoje que “o governo federal autorizou o Exército federal, a polícia
do judiciário e a Segurança Pública a desalojar bases zapatistas com o pretexto de capturar quatro deles, acusados
de impedir a instalação de seções de votação nas eleições de 4 outubro de 2001.
“Nós, como bases zapatistas, não votamos em nenhum partido político”, argumentam os indígenas que
compõem a totalidade de Nova Revolução. “Nos perseguem também pela denúncia que fizemos no dia 22 de
março, onde mencionamos os lugares nos quais os paramilitares de Paz e Justiça mantêm seus campos de
treinamento. Por esta razão, pedimos ao governo federal que evite a presença das forças policiais e do Exército
federal. Como todos sabem, os militares vão entrar de dia ou de noite”, concluem.

PRD pede solução negociada nos Montes Azuis.


Roberto Garduño e Andréa Becerril. La Jornada 17/05/2002.

Da tribuna da 5ª Comissão Permanente do Congresso da União, o PRD pediu para procurar uma solução
negociada ao problema nos Montes Azuis, pois o desalojamento violento transgredirá a lei, significará “romper o
tênue fio do qual pende o conflito armado” em Chiapas e permitirá a entrada das transnacionais estadunidenses na
selva Lacandona.
As frações legislativas do PRD, na voz do deputado Miguel Bortolini, disseram que há movimentações da
Polícia Federal Preventiva e do Exército mexicano que fazem prever uma imediata ação de desalojamento, além de
que já começaram a chegaram na região grupos de “piratas ecológicos” disfarçados de Organizações Não
Governamentais (ONG) e promovidos pelos Estados Unidos, que “vêem na presença indígena um obstáculo para
seus projetos de controle”.
Diante da plenária da CP, Bortolini disse que “no mundo ao avesso no qual vive Vicente Fox”, ele tem
formulado declarações de que está tudo bem em Chiapas. No último dia 14 declarou ao jornal Le Soir, da França,
que no estado “há uma situação que permite trabalhar no desenvolvimento dos povos indígenas, de mãos dadas
com o governo democrático”.
Infelizmente, acrescentou, a situação é completamente diferente, já que há várias semanas têm sido
realizadas ações e declarações que colocam na ordem do dia a ameaça de desalojamento contra 35 povoados
encravados nos Montes Azuis”. Entre outras coisas, mencionou que desde o dia 9 de março chegaram no quartel de
Rancho Nuevo centenas de efetivos da PFP e “ocorreu uma série de movimentações do Exército federal que, de
forma ameaçadora, tem chegado nas comunidades que moram nos Montes Azuis anunciando-lhes que serão
desalojadas dentro de alguns dias.
Por trás destas ações, disse, está “o desejo não realizado de varrer os indígenas desta região”, com o
pretexto de preservar o ecossistema dos Montes Azuis.
Contudo, acrescentou, a situação de devastação ecológica não está relacionada à existência de comunidades
indígenas na região, e sim com outros fatos, com o aumento do desmatamento despropositado da selva pelas
grandes empresas madeireiras do país e dos Estados Unidos e a chegada de “piratas ecológicos” disfarçados de
Organizações Não Governamentais que vêem na presença indígena um obstáculo para seus projetos de controle da
região”.
Para os Estados Unidos, insistiu, Montes Azuis tem sido definida como “reserva estratégica” e não se deve
esquecer que nos novos mapas do conflito elaborados pela inteligência estadunidense “Chiapas é tido como um
centro de reserva madeireira e de recursos biológicos chave para este país. O desmatamento é parte de um grande
negócio do qual participam empresas transnacionais, por isso, não é de graça que o governo estadunidense tenha se
recusado a assinar o Protocolo de Kyoto”.
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Sublinhou que enquanto o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) manteve o controle de
setores fundamentais da selva Lacandona, “não se via este terrível espetáculo que se viveu antes e depois; a saída
de centenas de caminhões carregados de madeira fruto do desmatamento clandestino”.
A tudo isso, insistiu, deve-se acrescentar que dos Estados Unidos se promove a chegada de ONGs que
procuram aplicar o modelo estadunidense de privatização dos parques de preservação ambiental. Um exemplo
disso é a Conservation Internacional, empresa que joga um papel muito ativo no esforço de expulsar as
comunidades indígenas dos Montes Azuis.
Quem está por trás de Conservation Internacional?, se perguntou. Trata-se, explicou, de uma suposta ONG
estadunidense que age na selva Lacandona através de vários projetos: controle demográfico, fazendo experimentos
com vários anticoncepcionais para ver qual deles funciona melhor para frear a superpopulação; ecoturismo, no qual
de oferecem às comunidades treinamentos educativos empresariais.
Atualmente, Conservation Internacional mantém uma Estação Modelo de Ecoturismo, patrocinada pelo
grupo Pulsar, de Afonso Romo, que “através de Sobia, se torna o grande elemento que decide a política ecológica
do México, com o propósito de deixar aos grandes empresários mãos livres para devastar o meio ambiente e
promover a biopirataria”.
O perredista insistiu na gravidade de levar adiante o desalojamento nos Montes Azuis, onde metade das
comunidades que aí residem são bases de apoio do EZLN e outras são da ARIC Independente e Democrática.
“Realizar o desalojamento violento destes povos seria a gota que faria derramar o vaso da paciência destas
comunidades. Seria a pior das mensagens que poderíamos enviar a elas. Se este Congresso já faltou com elas uma
vez ao aprovar uma lei que foi totalmente rechaçada pelos sujeitos aos quais, supostamente, se buscava reconhecer
benefícios, agora não podemos ficar impávidos diante desta nova injustiça”.
Bortolini propôs um ponto comum, que volte às comissões, para citar o Ministro do Meio-Ambiente e
Recursos Naturais, Victor Lichtinger, “para que explique a política a ser seguida com o objetivo de procurar uma
solução negociada para o conflito nos Montes Azuis”, que não implique num desalojamento.

Mais de 12 mil chiapanecos refugiados esperam por justiça, diz o Centro Frei
Bartolomeu. Juan Balboa. La Jornada 17/05/2002.
Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, 17 de maio. Mais de 12 mil indígenas chiapanecos continuam como refugiados
fora de suas terras, e a violência incorporou, aproximadamente, outros mil que têm sido expulsos de seus lugares de
origem ao longo de um ano, sublinhou um trabalho de pesquisa realizado durante dois anos pelo Centro de Direitos
Humanos Frei Bartolomeu de las Casas (CDHFBC).
A entidade, presidida pelo bispo emérito de San Cristóbal de las Casas, Samuel Ruiz Garcia, apontou que
os governos federal e estadual têm parte da responsabilidade pelas precárias condições que persistem entre os
grupos de refugiados, originários das comunidades onde, entre 1995 e 2001, foram assassinadas mais de 150
pessoas e expulsos cerca de 12 mil indígenas na condição de refugiados.
O informe Caminhando para o amanhecer do Centro Frei Bartolomeu de las Casas aponta que, apesar da
troca dos titulares do Poder Executivo federal e estadual e da renovação do Congresso da União, os familiares das
vítimas e dos refugiados do Norte, Selva e Altos de Chiapas continuam esperando que se faça justiça e que se
combata a impunidade.
“A inércia da guerra e a força dos interesses que se beneficiam com a permanente marginalização dos
povos indígenas continuam tornando impossível a superação das causas do conflito e o estabelecer-se da justiça
para a reconciliação”, indica o documento. Pontua que o deslocamento forçado continua sendo uma violação
sistemática dos direitos humanos que tem o propósito de imobilizar a oposição, debilitar as bases sociais do
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), desarticular socialmente as comunidades e enfraquecê-las
economicamente.
Precisa que, apesar da substituição nos governos federal e estadual, em Chiapas existem mais de 12 mil
refugiados no Norte, na Selva, na região de fronteira, em Los Altos e no centro. Aponta que desde 1995 esta
população vem sendo atendida, mas só a partir de janeiro de 2001 começou a se oferecer uma atenção e um
“acompanhamento” mais próximo e pontual. Além disso, questiona que pelas ações do governo, dá a impressão de
que além de desconhecer o pano de fundo e a dinâmica do deslocamento forçado, ele se nega a reconhecer a
condição de “refugiados de guerra”.

Paramilitarização: instrumento para enfrentar os indígenas: ONG.


Juan Balboa. La Jornada 18/05/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 17 de maio. A paramilitarização das regiões habitadas em sua maioria
por simpatizantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) continua e se mantém como “instrumento
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chave para enfrentar os povos indígenas”, diz o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las
Casas.
No informe com o título Rumo ao amanhecer a entidade presidida pelo bispo emérito de San Cristóbal de
las Casas, Samuel Ruiz Garcia, aponta que a paramilitarização iniciada em 1995 já deixou 122 pessoas
assassinadas e 28 desaparecidas, além de casas queimadas, colheitas roubadas e milhares de refugiados em todo o
estado.
“As ações destes grupos têm por objetivo o controle de um determinado território, agem ocupando os
caminhos, destroem e queimam casas e lavouras, amedrontam a população com ameaças de morte, realizam
emboscadas, cobram quantias em dinheiro para permanecer no interior da comunidade, manter os presos ou por
andar por certas estradas”, aponta o informe apresentado por Ruiz Garcia e pelo general Francisco Gallardo.
O estudo precisa que entre 1995 e 2000, os paramilitares, “em ação conjunta com os corpos policiais e
castrenses”, entraram, sobretudo, nas terras das regiões Selva Norte, Selva, região de fronteira e Altos, assumindo o
controle do território e se posicionando nas entradas e saídas.
Lembra que o governo de Pablo Salazar não aceita sua responsabilidade no caso dos paramilitares, diz que
não está no âmbito estadual, que há um departamento específico para os grupos armados e que irá ver como as
coisas andam.
O informe sublinha que com o deslocamento forçado vivido por estas comunidades “se criou um trauma na
população, alterando suas estruturas sociais, culturais, até os sistemas de ajuda coletiva, provocando rupturas a
nível individual, familiar e comunitário”, pontua.
Em suas conclusões, o Centro Frei Bartolomeu aponta o Estado mexicano como responsável pelo
deslocamento forçado, “porque até agora não cumpriu com seus compromissos constitucionais”, além das
obrigações impostas pelo direito internacional, incluídas as garantias individuais e o direito humanitário.
“Enquanto existir população refugiada e os governos federal e estadual não solucionarem as causas e as
conseqüências do deslocamento forçado, estão demonstrando que sua paz e reconciliação são só um discurso que
fomenta a impunidade e, portanto, possibilita o persistir da guerra”, conclui.

Denúncia do Município Autônomo Primeiro de Janeiro

26 de maio de 2002.
À Imprensa Nacional
À Imprensa Internacional
À Opinião Pública.

Irmãos e irmãs:
Denunciamos os últimos acontecimentos da sede do nosso Município Autônomo em Rebeldia Primeiro de
Janeiro.
Estamos preocupados com a situação que começamos a viver há mais de dois meses. O Exército federal
aumentou seus patrulhamentos e estão chegando muitos soldados que passam em grandes carros que se parecem
com ônibus, acompanhados por tanques. Os soldados chegam às centenas aos quartéis de Ocosingo e Tonina. O
que mais preocupa é que neste quartel, que está perto do novo povoado de Jerusalém, por estes dias, passaram
todos os dias atirando. Entraram e saíram soldados e membros da segurança pública em grandes quantidades. A
comunidade de Jerusalém está com medo por tanto barulho de tiro.
Nossos povos nos pediram que denunciássemos os fatos que deixam todos nós preocupados por tamanhas
movimentações militares que passam ameaçadoramente pela estrada. Durante todos estes dias vimos chegar mais
militares, mais tanques e mais soldados mimetizados e equipados com mochilas. O que é que estão fazendo? Qual é
o seu objetivo? Quem manda neles? São estas as perguntas que o nosso povo se faz. Lançamos um apelo ao público
em geral para que sejam testemunhas dos acontecimentos.
Nesta mesma denúncia queremos incluir a violenta perseguição dos militantes da ORCAO que moram na
comunidade de Sibaca. No dia 20 de maio, 40 orcaistas chegaram a agredir violentamente um grupo de 8
companheiros nossos que há anos estão trabalhando coletivamente um pedaço de terra. Os senhores Marcos
Sánchez Sánchez, Marcos Méndez Aguilar, Nicolas Méndez Aguilar, Marcos Alvarez Méndez, Marcos Sánchez
Méndez, Jacinto Méndez Maldonado, Juan Méndez Sánchez, Manuel González Dominguez, Marcos Sánchez
Sánchez, Jacinto Dominguez, Enrique Méndez Maldonado, Enrique Méndez de Aguilar são, entre outros, os que
usaram de violência e com facões chegaram a deter o trabalho de nossos companheiros. Tentaram queimar o trator
coletivo, esfaquearam e deixaram ferido um companheiro nosso que foi atingido por facadas no seu pé pelas
pessoas mencionadas.
Os que estão organizando e provocando os problemas são os mesmos que deram início à confusão do dia 4
de abril deste ano. Entre eles: Marcos Méndez Sánchez, os catequistas Antonio Juarez Rodríguez e Tiburcio López
54
Álvarez, o pré-diácono Juan Méndez Méndez, o principal dos catequistas Manuel Rodríguez Juarez, e o ex-
representante da paróquia Juan Álvaro González. Durante a noite, foi visto também várias vezes o dirigente da
ORCAO José Pérez Gómez, que se reuniu na noite de ontem com os militantes da ORCAO de Sibaca. São eles que
estão organizando as pessoas para que provoquem atos violentos contra nós e, portanto, são responsáveis também
pelos fatos ocorridos.
Nossos companheiros não responderam à violência física e verbal dos orcaistas e declaram que continuarão
trabalhando e defendendo a terra. Na medida do possível, os agressores deverão pagar pelos prejuízos causados,
com a mediação das autoridades autônomas, já que depois de suas agressões se afastaram rapidamente do local dos
acontecimentos. O que os orcaistas estão aprendendo é a tirar-nos a terra que já é trabalhada e isso não é justo.
Perderam o respeito, roubam e destroem nossas colheitas e agora estão se tornando violentos com a cumplicidade
de seus dirigentes e a destes com o governo. São eles os responsáveis por estes ensinamentos.
Declaramos que iremos resistir a toda onda de perseguição governamental como Município Autônomo e
continuaremos lutando com dignidade por nosso lugar digno.
Fraternalmente.

Município Autônomo em Rebeldia Primeiro de Janeiro.

Indígenas pedem apoio para evitar seu desalojamento dos Montes Azuis.
Fredy Martin Pérez. El Universal, 27/05/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas. Mais uma vez, o Município Autônomo Ricardo Flores Magón
denunciou os planos do governo para desalojar a Reserva Integral da Biosfera dos Montes Azuis e pede à sociedade
civil para deter a investida iminente.
Num comunicado denuncia: “Uma nuvem de soldados, paramilitares, planos e projetos chega de novo para
ameaçar-nos, para roubar-nos o sonho e desalojar nossas comunidades indígenas da Reserva Integral da Biosfera
dos Montes Azuis (RIBMA) e da chamada zona lacandona”. Ao denunciar as artimanhas do governo para fazer “a
sua guerra de extermínio contra as comunidades em resistência, agora com o pretextos das áreas de preservação”,
a comunidade zapatista adverte que “não vamos permitir nem o desalojamento, nem o reassentamento de nossas
comunidades, vamos defendê-las com tudo o que estiver em nossas mãos, em nossa verdade, direitos e razões”.
Garante que “o desalojamento e o reassentamento é parte estratégica do Plano Puebla-Panamá (PPP) e de
seus interesses econômicos, que tentam estender as políticas e os projetos neoliberais ao sul e sudeste do México e
a toda a América Central”. Além disso, o comunicado divulgado pelo braço político social do EZLN, Enlace Civil,
garante que o governo promove também a contra-insurreição, “porque temos dignidade, luta e resistência, porque
temos nossa própria história e organização, que vive e se defende, que não se rende, não se vende e não se
humilha”.
O escrito precisa que os governos federal e estadual, bem como as empresas multinacionais e as secretarias
de estado já elaboraram diversos programas que tentam impor aos povos e apresentá-los à sociedade como projetos
elaborados junto aos povos. Estes programas são principalmente o Nacional de Atendimento a 250 microrregiões e
o de Desenvolvimento Sustentável da Selva.
“Nós denunciamos que estes programas nada mais são a não ser o projeto federal e estadual para
impulsionar o PPP a nível local”. Também, revela que existe um programa que não divulgam e que foi elaborado
junto às empresas interessadas nos recursos naturais da Selva, e no qual prevêem o reassentamento das
comunidades indígenas que estão no interior destas regiões, bem como o desalojamento pela força militar daquelas
comunidades que se negam a negociar e a abandonar as terras, para isso vão utilizar os recursos legais oferecidos
pelas leis das áreas de preservação que, contudo, violam a Convenção 169 da OIT e os acordos de San Andrés
Larráinzar.
Sublinha que se planeja excluir de toda ajuda governamental as comunidades que se encontram no interior
da reserva e da zona Lacandona, e se condicionarão as verbas (como as para a educação e a saúde) a medidas
ambientais, para aqueles que estiverem no interior das áreas de amortecimento, com o objetivo de não permitir o
desenvolvimento das comunidades e forçar a saída dos moradores para outras regiões com maiores possibilidades
de desenvolvimento. As comunidades que correm maiores riscos de serem desalojadas são: Laguna El Paraíso,
Laguna Suspiro, Nuevo San Pedro, 6 de Outubro, Nuevo Guadalupe Tepeyac e Nueva Cintalapa.
Além disso, o documento de Enlace Civil precisa que os direitos ejidais atingidos (dotações ou ampliações)
diretamente pela RIBMA se referem aos povoados de San Antonio Escobar, Plan de Ayutla, Chamizal, La Culebra,
Cintalapa, Limonar, Santa Rita, Taniperla, El Jardin, Villa Las Rosas e Zapotal.
Por tudo o que foi dito, o Conselho Autônomo de Ricardo Flores Magón pede “a toda a sociedade, a todos
os povos que denunciem esta injustiça, que denunciem esta guerra de extermínio contra nossas comunidades
indígenas, que realizem as ações necessárias para exigir do governo mexicano que detenha sua guerra e suas
55
ameaças contra as nossas comunidades indígenas, que respeite e reconheça os nossos direitos coletivos como
povos indígenas, entre eles os direitos ao território”.

Direitos indígenas: linhas paralelas.


Francisco López Bárcenas. La Jornada 27/05/2002.

O curso seguido pelos pedidos de inconstitucionalidade apresentados pelos municípios indígenas perante a
Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) demonstra que, quanto ao reconhecimento dos direitos coletivos dos
povos indígenas, continuam existindo duas linhas paralelas: uma dos próprios povos indígenas, outra do governo;
de um lado, a daqueles que propõem o diálogo e recorrem à ordem jurídica para reclamar seus direitos; do outro,
aqueles que não ouvem e, ao negá-los, se colocam na ilegalidade.
Os fatos o demonstram. Apesar das críticas recebidas, o Senado da República continua teimando em levar
adiante sua “consulta” para saber se os povos indígenas querem ou não que seus direitos elementares sejam
reconhecidos. Uma atitude bastante inútil, porque se perguntam se desejam que seus direitos sejam reconhecidos e
não explicam a eles o que querem dizer com isso, ou se querem programas assistenciais, mas não esclarecem que
isso é em troca de direitos, com certeza a maioria responderá positivamente.
Uma atitude semelhante foi assumida pelo Poder Executivo federal, de onde anunciaram, através do titular
da Secretaria de Representação para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas e no mesmo dia em que começaram
as audiências para a apresentação das provas e alegações aos pedidos de inconstitucionalidade, que estavam prestes
a iniciar uma consulta para determinar se o Instituto Nacional Indigenista (INI) deveria passar por uma reforma e
em que sentido.
O contexto e a maneira pela qual se dão estas atividades convidam a pensar que estão procurando mais uma
forma de distrair a opinião pública do que de coletar
o verdadeiro sentimento que dizem procurar.
Mesmo assim, não podemos repreendê-los por
fazerem isso, pois nada os proíbe de fazê-lo. O que é
grave, criticável, é que falam dos direitos indígenas
como se fossem parte daqueles que os reivindicam e
não os responsáveis dos órgãos estaduais
encarregados de respeitá-los e, mais ainda, que tenha
sido violentado o direito de consulta que foi
internacionalmente reconhecido aos povos indígenas.
Nesta mesma linha se colocam os governadores
de Oaxaca e de Chiapas (respectivamente, José
Murat
Casab e Pablo Salazar Mendiguchía) que
promoveram a apresentação de pedidos de
inconstitucionalidade contra a reforma em matéria indígena, mas os abandonaram no meio do caminho.
Esta atitude deixa claro que sua intenção de defender os direitos indígenas nunca foi verdadeira e que se
utilizaram desta questão só para pressionar seus adversários políticos e, uma vez conseguidos seus objetivos, já não
se importavam mais com os direitos indígenas. Atitude que serve também para mostrar a “apatia dos demandantes
nos pedidos de inconstitucionalidade em relação à lei indígena”.
Na linha de frente, se encontram os povos indígenas, suas autoridades comunitárias e suas organizações.
Eles sabem que os pedidos de inconstitucionalidade são só uma parte de suas estratégias de luta nesta longa
resistência que já dura há séculos.
Discutem seu presente e seu futuro nos pequenos e grandes fóruns que se multiplicam por toda a
República. De imediato, estão preocupados, sobretudo, com o fato de que a Suprema Corte de Justiça da Nação
esteja rechaçando suas provas sob o argumento de que primeiro discutirá se tem ou não a faculdade de resolver
pedidos de inconstitucionalidade sobre o processo de reforma constitucional, porque era um tema superado, já que
os mesmos ministros do máximo tribunal que agora abrem o debate reconheceram para si esta faculdade ao
resolver um pedido sobre o mesmo tema.
Só esperam que não se fixe um critério discriminatório por se tratar de direitos indígenas. Que não se
coloquem do lado dos governantes, que decidiram caminhar em linha paralela a dos povos indígenas. Porque aí os
caminhos legais ficariam todos fechados e o problema poderia explodir como um vulcão.

O apito inicial
Luis Javier Garrido. La Jornada, 31/05/2002.
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O rotundo fracasso de Vicente Fox na Presidência do México não está lhe deixando outra alternativa a
não ser a de recorrer de forma desbocada aos meios de comunicação de massa, acreditando que se possa governar
através da propaganda e alentando as forças mais obscuras do país, e isso abre um novo cenário ao segundo ano do
seu governo.
1. Há um bom tempo, o país entendeu que Fox não é um homem de Estado, que carece de aptidões para
desempenhar o mandato presidencial e que não trabalha nos assuntos de sua responsabilidade, mas é extremamente
grave o fato de que diante das repreensões que está recebendo de Washington ele não tenha outra resposta a não ser
culpar os partidos e o “antigo regime” por sua própria incapacidade, e que agora, com mais de um ano de
antecedência, esteja dando o apito inicial da campanha eleitoral de 2003 – e, talvez, de 2006 que já está sendo
discutida diante da decepção generalizada em função dos acontecimentos.
2. O governo Fox falhou de forma lamentável com os Mexicanos ao descumprir suas promessas de aceitar a
democratização da vida pública e melhorar o nível de vida das maiorias, mas também não cumpriu suas promessas
junto aos organismos financeiros internacionais de acelerar a imposição ordenada de seus programas, daí a
acusação que lhe fez um grupo de empresários mexicanos de ter dilapidado o seu capital político ( Milênio Diário,
30/05). E ainda que as políticas neoliberais se imponham indiscriminadamente pelas dependências oficiais, sem o
menor consentimento da população, a irritação popular contra as autoridades é agora ainda maior do que nos anos
do priismo.
3. A obsessão doentia de Fox de destruir as possibilidades eleitorais do PRI em 2003, e agora também as do PRD,
leva-o a todos os excessos e a uma degradação da figura presidencial que não se conhecia, apesar do que aconteceu
com os governantes priistas, mas também a alentar as piores forças retrógradas que existem no país, e é este o papel
preocupante que a mídia aceitou desempenhar. Enquanto Fox tem um discurso de elogio permanente à sua pessoa e
ao seu governo, e de desqualificação das forças políticas que a ele se opõem, o rádio e a televisão completam o seu
projeto amedrontando os mexicanos com a insegurança que, como se reitera dia após dia, se alastra não só no
México como no mundo inteiro, e isso acontece na maior impunidade. Ninguém se pergunta, por exemplo, por que,
hoje, as notas vermelhas enchem boa parte dos noticiários?
4. A democratização da vida pública não chegou no dia 02 de julho de 2000, como insiste Fox, nem, muito menos,
os meios de comunicação se “democratizaram” com o novo regime, como dizem os locutores que não param de
falar da “mudança” e que, como Fox, viram no fim do Estado priista a oportunidade única de fazer avançar seus
interesses. O grande capital entendeu a tempo que precisava urgentemente de uma mudança de regime para que os
políticos neoliberais pudessem legitimar-se, e os donos dos principais grupos da comunicação também encontraram
na alternância a possibilidade de limpar sua imagem das acusações por seu apoio irrestrito ao priismo durante
décadas, por isso se pretendem diferentes.
5. Nos últimos anos, a mídia mudou de forma substancial, mas o processo não começou no ano 2000 e sim muito
antes quando os últimos governos tecnocratas compreenderam que o fechamento por tempo indeterminado, longe
de beneficiá-los, prejudicava-os, e não foi e nem está sendo uma mudança “democrática” e sim uma mudança para
torná-los mais “atraentes” e um meio mais eficiente de controle social para a imposição do projeto neoliberal. Não
é de estranhar que enquanto aparentam terem ficado abertos a uma certa discussão dos assuntos políticos,
continuam sendo, com a mesma programação de sempre, um fator de degradação da sociedade.
6. A mídia não rompeu com a subordinação ao governo, mas reformulou as regras de sua relação. O fato de que as
duas principais redes de televisão e várias emissoras de rádio sejam co-propriedade de Carlos Salinas de Gortari ou
que outros meios de comunicação se encontrem sob o controle de empresários só reflete as divergências na cúpula
do poder político, o que, no fim das contas, fortalece a aparência de pluralidade, mas continuam firmes ao redor do
projeto transnacional.
7. O fato de Vicente Fox ter transformado a insegurança no tema central dos seus discursos, procurando
desacreditar a gestão perredista na capital, e insista todos os dias no fato de que o priismo é a corrupção e a
violência e que ele representa a mudança, evidencia que, diante da crise econômica à qual está levando o país com
uma estratégia muito grosseira, procura impor-se em 2003 atemorizando os eleitores. De acordo com um estudo do
jornal Le Monde (27/05/02) a televisão francesa favoreceu o auge da ultradireita nas eleições presidenciais de 2002
ao privilegiar a nota vermelha em seus programas e ao apresentar durante vários meses o cenário de uma França na
insegurança e na impunidade pela gestão do Partido Socialista Francês, e este é o cenário que se procura impor aqui
há mais de um ano das eleições.
8. As eleições legislativas de 2003 para renovar a totalidade da Câmara dos Deputados não representam uma
alternativa para o país, já que nenhum dos partidos com registro legal, e nem os que pretendem se registrar, tem
uma opção de fundo diferenciada, mas para Fox são vitais, pois diante de sua incapacidade de chegar a algum
acordo com a oposição pretende ter a qualquer custo uma maioria mecânica para a votação do orçamento e da lei de
receitas, daí sua obsessão patológica em pensar que o Executivo deve estar em permanente campanha partidária.
9. Entretanto, a deterioração da vida institucional não evitou que os programas neoliberais continuassem tendo um
efeito depredador sobre a vida dos mexicanos, que as tensões sociais se acirram e que o desespero aumenta em
amplos setores da sociedade. Mas isso é algo que o foxismo está longe de compreender.
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10. O novo governo, longe de enfrentar os problemas de fundo, mantém as estruturas predominantes e ao
levantar-se só com sua própria propaganda está levando o México a uma crise de dimensões imprevisíveis.

O avanço da revolução conservadora.


Luís Hernández Navarro. La Jornada, 05/06/2002.

Mais do que como capitão de uma equipe de futebol americano, Vicente Fox se comporta como um
atacante. Não dirige o partido, mas se choca com a equipe adversária.
Enquanto o chefe do Executivo enfrenta o Congresso e os meios de comunicação, a ultradireita, recém-
saída do closet, avança. Coloca seus quadros em pontos chave da administração pública, fixa a agenda nacional,
estabelece políticas públicas e desenvolve poder de veto, ao mesmo tempo em que se lança de cabeça na
empreitada de criar uma nova cultura política baseada em valores “familiares” e cristãos. Ocupa posições no setor
de saúde, educação, trabalho, agricultura, na área de desenvolvimento social, na reforma agrária, nos aparatos de
segurança nacional e da procuradoria de justiça. Do mesmo modo, transformou a insegurança pública e a
procuradoria de justiça em instrumentos para gerar o senso comum de que se faz necessária uma política de mão de
ferro que coloque as coisas em “ordem”.
Com o PAN esgarçado por uma grave crise de identidade, a nova coalizão das forças governamentais
habilitou as associações empresariais e o mundo da filantropia, articulado ao redor da organização Vamos México,
como organismos ideológicos dirigentes. Mais do que vir das fileiras do partido branco-azul (PAN), muitas das
grandes definições ideológicas e das batalhas políticas mais importantes do mandato junto à opinião pública estão
sendo travadas pela Coparmex, pelo Conselho Coordenador Empresarial e pelo Conselho Mexicano dos Homens
de Negócios.
O trabalho de Marta Sahagún à frente de Vamos México supera suas atividades assistenciais e suas
atribuições como primeira dama. Seu ativismo aponta para a centralização e a subordinação de um amplo setor de
ONGs de inspiração empresarial e cristã, prepara a fundação de um novo corporativismo, ao mesmo tempo em que
promove um ideário próximo à filosofia de grupos religiosos como os Legionários de Cristo e a Opus Dei. Num
dia, Sahagún fala como esposa do Presidente, e no dia seguinte toma a palavra em nome da sociedade civil.
Substitui o discurso dos direitos pela filantropia, o cumprimento das obrigações sociais do Estado pela caridade.
Na atual administração, o reconhecimento dos direitos econômicos e sociais está em retirada. Quando o
Presidente da República diz que se faz necessária uma nova Constituição, ou quando o seu Ministro do Trabalho,
Carlos Abascal, afirma que, em muitas empresas, a lei trabalhista não há como ser cumprida, porque a legislação
vigente foi pensada para as médias e grandes empresas que não representam mais do que 2% da planta produtiva
nacional, reivindicam a necessidade de apagar conquistas sociais que limitam a voracidade do capital.
O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 4º da Constituição, foi violentado com o Seguro
Popular que obriga os cidadãos a pagarem por um serviço que deveria ser proporcionado gratuitamente pelo
Estado.
O novo governo pretende transformar-nos em cidadãos de pacotes básicos e continuar com a privatização
das aposentadorias; quer fazer desse país território livre para as seguradoras estadunidenses, no que professa como
respeito irrestrito às patentes na área da saúde.
A partir da lógica da nova administração, a AIDS é uma epidemia controlada – ignorando seu crescimento
na sociedade rural – e o que se deve fazer é despolitizar as ONGs que lidam com este problema. Como em outras
esferas públicas, se privilegiou o cuidado humanitário acima da discussão quanto à responsabilidade do Estado.
A pressão da direita fez com que fossem abandonadas as campanhas a favor da camisinha. Conseguiu, tal
como foi pedido pela conservadora União Nacional dos Pais de Família, que se ensine nos livros didáticos de
quinta e sexta série que há formas de prevenção da doença como a fidelidade e a abstinência.
No discurso da nova direita, a luta de classes foi abolida por decreto. A política para o campo está presa nas
mãos da aliança dos grandes agricultores e de uma fundação privada (a FMDR) e os camponeses foram
substituídos pelos produtores rurais. De acordo com o ministro Abascal, os empresários são só uma variante dos
trabalhadores.
A direita pressiona com sucesso para fixar o conteúdo dos meios de comunicação. Não pôde impedir a
transmissão do Big Brother, mas conseguiu sua autocensura em temas como o sexo e os palavrões. Faz sentir sua
presença no novo regulamento do cinema, no qual se regulamenta o acesso do público aos filmes.
A hierarquia da igreja católica opina cada vez mais, e energicamente, sobre temas da vida política nacional.
A secularização recua. Dias atrás o bispo de Durango avisou que os Dez Mandamentos deveriam prevalecer sobre a
Constituição.
No México, a revolução conservadora avança. Melhor que nos pegue confessados.

Expulsão violenta de bases de apoio zapatistas em Boa Vista.


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Hermann Bellinghausen. La Jornada, 05/06/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 4 de junho. Na ponta dos facões e ameaçados por armas de fogo, 28
indígenas bases de apoio do EZLN foram expulsos há uma semana da comunidade São Pedro Boa Vista (município
de Sitalá). Os agressores, uns 60 militantes do PRI e alguns do PRD, vêm de Sitim, Mojón Tsui, Guadalupe Xanail
e do rancho Batsibiltic (do vizinho município de Chilón, onde atua o grupo paramilitar conhecido como Los
Chinchulines).
Dias antes, o grupo de priistas entrou em São Pedro Boa Vista batendo nas mulheres que estavam nas casas
para, em seguida, roubar 20 quintais de café e ameaçar o desalojamento. Finalmente, de acordo com a denúncia das
bases de apoio zapatistas, “no sábado 25 de maio, por volta das 8.00 horas, os mesmos agressores vieram com
armas de fogo, facões e pedaços de pau, desalojaram as mulheres de nossas casas e roubaram todos os utensílios de
cozinha, gravadores, facões, enxadões, máquina despolpadora, milho, feijão, café, frangos, perus, redes e dinheiro”.
Os expulsos se apresentam nos termos que seguem: “Somos todos camponeses tzeltales, bases de apoio
zapatista; devido à marginalização e à extrema pobreza em que vivemos, desde 1994, estamos de posse de um
terreno de 30 hectares, resultado do movimento dos companheiro que derramaram seu sangue para que nós
pudéssemos contar com uma melhor maneira de viver e com mais oportunidades”.
E acrescentam: “Viemos trabalhando estas terras junto aos nossos familiares, mas dias atrás, e atualmente,
nossas casas foram saqueadas, por cerca de 60 pessoas, que bateram em nossas esposas”. Identificando seus
agressores como “membros do governo”, os expulsos de São Pedro Boa Vista, na zona norte de Chiapas,
expressam: “Estas pessoas do PRI e do PRD são camponeses como nós”.
Coincidentemente, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos denuncia as ameaça de
seqüestro contra o senhor Jerônimo Dameza Deara, do rancho Oaxila Jaw (também em Chilón), por um grupo de
camponeses armados dos ranchos Bispuljá e Alan Sacún, entre os quais estão 39 pessoas com ordens de prisão por
diversos crimes.
De acordo com a Rede, estes fatos têm obrigado Jerônimo Dameza Deara, Manuel Jiménez Álvaro e
Tomás Deara Dameza, bem como suas famílias, a procurar refúgio fora de suas comunidades. As ameaças
procuram pressionar pela libertação de Marcos López Gutiérrez, detidos por vários delitos, entre eles o
desalojamento de Jerônimo Dameza, em 9 de maio de 2000.
A outra exigência do pessoal de Bispuljá e Alan Sacún, associado aos paramilitares da região, é a
suspensão de 39 ordens de prisão contra pessoas acusadas, com o detido López Gutiérrez, pelas mesmas ações. As
ordens, expedidas no dia 4 de janeiro pelo juiz de primeira instância de Ocosingo (ata Nº. 248/2001), até hoje não
foram executadas.
Jerônimo Gómez Gusmão, José Gómez Vásquez, Sebastião Ruiz López e outros, incluídos na lista dos
acusados, fizeram esta ameaça na presença dos moradores da comunidade Bamuk’witz. “Estas ações contam com o
apoio do prefeito de Chilón, Andrés Hernández Méndez”, acrescentam os defensores comunitários.
Dito “apoio” foi solicitado por Santiago Álvaro Jiménez, membro da organização Yamblej, que também
tem ordens de prisão. O prefeito de Chilón deu-lhe a assessoria de Jaime Ramirez Maya, subsecretário de governo,
e de Lino Armenta, assessor jurídico do município, e, além do mais, exigiu uma contribuição financeira de todos os
empregados da administração municipal com o propósito de criar um fundo para promover medidas judiciais,
proteger os 39 delinqüentes e soltar o detido”. De acordo com a rede, o dinheiro dado sob pressão pelos
funcionários municipais foi descontado de seus ordenados.
Antes disso, no dia 28 de abril, o diácono de Alan Sacún, Manuel Gómez Perez, e o dirigente regional da
organização pró-governamental Yamblej, Carlos Hernández Vilchis, Haviam convocado a população católica de 15
comunidades de Chilón para uma reunião na qual os fiéis foram pressionados a assinar em favor dos acusados. Das
335 assinaturas recolhidas, 180 foram obtidas por medo de represálias, conforme denunciam os camponeses de
Pamlej Axupjá e Saquil Ulub.
“A pedido dos que foram prejudicados”, a Rede exige das autoridades que continuem as investigações e
que sejam executadas as ordens de prisão para “acabar com a impunidade da qual gozam os grupos civis armados
que continuam cometendo delitos”. Se persistir esta situação que “viola a lei”, poderiam surgir atos de violência
ainda maiores. Os que foram prejudicados pedem a reparação dos danos e as medidas necessárias para poder voltar
à sua comunidade.

O ejido Lázaro Cárdenas sofre perseguição militar e policial.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 11/06/2002.

Ejido Lázaro Cárdenas, Chiapas, 10 de junho. Nesta recôndita comunidade tzotzil e chol, literalmente
pendurada no alto do monte Saybal, no município de Huitiupán, a guerra de baixa intensidade é hoje mais intensa
do que nunca. Desde o dia 10 de abril, o Exército federal já fez sete incursões até o centro do sinuoso povoado. São
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exatos dois meses de hostilidades. Além disso, a cada duas ou três noites, se aproximam de Lázaro Cárdenas em
comboios mistos de tropas, policiais do judiciário e da Segurança Pública do Estado, que ficam por um bom tempo
a curta distância do ejido. Costumam acompanhá-los pessoas à paisana.
A incursão mais recente foi no dia 6 de junho, às 4.00 da tarde, sob uma chuva intensa. A mais duradoura,
no dia 10 de maio, quando 40 soldados ficaram duas horas diante da loja comunitária, no coração do vilarejo. Nesta
e em outras ocasiões, “têm dito que têm ordens federais, mas não as mostraram”. Oferecem doces e dinheiro às
crianças em troca de informações sobre os “chefes dos zapatistas” e procuram determinadas pessoas pelo nome.
Fundado há mais de 70 anos, o ejido Lázaro Cárdenas não tem luz elétrica e o atalho para subir aqui em
cima é muito novo. “Esta comunidade tem sido sempre muito marginalizada, nunca nos deram recursos”, diz um
homem que fala em nome da comunidade, na presença das autoridades ejidais e de uns vinte pais de família, quase
às escuras no posto de saúde do povoado.
“A presença do Exército federal é para estimular a guerra entre o povo e eles lavarem-se as mãos, passando
por bonzinhos”, diz. Meia hora antes da chegada deste enviado ao povoado, um ancião havia dito: “Vemos que o
governo não respeita a trégua que ele mesmo fez”. Talvez seja por isso que a presença de qualquer estranho cria
agitação nas crianças e nas mulheres.
“Há rumores de que querem tomar a comunidade porque dizem que há guerrilheiros. Aqui não há ninguém
armado. É um povo em paz, com seus regulamentos internos. Nós apoiamos as reivindicações do EZLN”.
Encravado na montanhosa zona norte de Chiapas, todas as noites, deste ejido se vêem as luzes das
comunidades menos marginalizadas de Sabanilla e Tila; deste ejido é mais fácil ir à cabeceira municipal de
Sabanilla do que àquela à qual pertence, em Huitiupán. Por esta razão, o comboio militar que agora os visita com a
intenção de prender determinadas pessoas da comunidade (de acordo com aquilo que, às vezes, dizem os soldados)
vem do quartel de Sabanilla.
Além do mais, Lázaro Cárdenas é a única comunidade do município de Huitiupán na qual o Exército entra.
De acordo com as mais de 60 comunidades de Huitiupán, o prefeito Alberto Gómez Pérez, desde que assumiu o
cargo há poucos meses, conseguiu a retirada dos soldados e a suspensão dos patrulhamentos que saíam da base de
Simojovel. Em Huitiupán não há quartel da Segurança Pública, só funciona a polícia municipal dos próprios
indígenas.
Isso torna mais digna de nota a hostilidade em relação aos ejidatários (que se definem como simpatizantes
zapatistas). “A comunidade trabalha em cooperativa, e isso incomoda o governo. Nós não somos contra a lei. Por
isso perguntamos porque eles vêm aqui, o que procuram aqui”, acrescenta o porta-voz.
A zona norte tem um histórico recente de violência paramilitar e de formas de contra-insurreição
disfarçadas de conflitos religiosos. Apesar disso, em Lázaro Cárdenas “a vida humana tem sido respeitada. Nunca
houve assassinatos e nem violência. São os soldados e o pessoal deles a trazerem a violência. Vê-se que são
agressivos”.
Com 499 habitantes, 68 famílias de ejidatários e 108 camponeses, a grande maioria se identifica como
sendo do PRD, “mas apoiamos todas as reivindicações do EZLN”. Só cinco famílias seguem o PRI. Eram 10, “mas
se perderam, pois tiveram um caso de corrupção com um projeto de gado e foram embora”, diz o declarante. “Aqui
não tem havido violência e nem mortos. Os priistas quiseram lutar, mas nós os controlamos. Vimos aparecer entre
eles problemas de uso de drogas e de bebidas alcoólicas. Isso foi começado pelos policiais e pelos militares, mas já
foram envolvendo os priistas”.
Com suas incursões de surpresa “os militares fazem com que as pessoas se assustem”. O declarante, um
homem adulto, não pode esconder a preocupação em seu rosto. Outro homem, sentado num banco nos fundos do
paupérrimo posto de saúde da comunidade, levanta a mão, se põe de pé e diz: “Pedimos que suspendam os
patrulhamentos dos Federais. Não precisamos deles”. E senta novamente.
O homem que conduz a conversa prossegue: “Acreditamos que os próprios priistas andaram inventando
coisas para que lhes dêem seus presentinhos”. Relata que no domingo dia 2 de junho aconteceu uma assembléia do
ejido. “Discutimos a questão do Exército. Os priistas não querem que se saiba. Começaram a espalhar o medo.
Comunicaram-se através dos rádios dados pelo governo e nos disseram que falaram com o Exército. Que 5 mil
soldados vão ocupar a comunidade. Dizem isso para espalhar o medo, para que as pessoas os apóiem, mas ninguém
dá atenção a eles”.
Explica: “A comunidade nomeia suas autoridades para que obedeçam ao povo, e por isso nunca se
nomeiam os priistas. Agora os do PRI têm sua própria autoridade para ferrar a verdadeira autoridade do ejido”.
O comissário ejidal intervém: “Procuram destruir os simpatizantes e bases de apoio do EZLN. Querem
acusar de algum delito os que são inocentes. Existem muitos rumores, que são outra forma de nos atacar”. Os
indígenas acham que a contra-insurreição “tem o plano de semear drogas em nossas terras e logo vir nos perseguir
com este pretexto, mas não temos deixado eles passarem”, retoma a palavra o porta-voz.
“Agora já dá pra sentir que os priistas da comunidade são paramilitares. Sempre mantiveram laços de
amizade com paz e justiça em Sabanilla e Tila. E vemos que se entendem com os soldados quando eles vêm”.
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Através de revelações feitas nas comunidades vizinhas, todas de Sabanilla, os ejidatários de Lázaro
Cárdenas, no limite extremo de Huitiupán, souberam de diversas operações militares de cerco realizadas de noite,
que não chegaram até à comunidade, e que só ensaiaram a ação de sitiá-la. “Quando interrogam as crianças, os
soldados perguntam porque a comunidade é tão pobre. Dizem que eles querem fazer gestões junto ao governo para
que nos mandem alguma ajuda. Como é que vamos acreditar neles. Eles querem outra coisa”.
Tensa, nervosa, estrelada e escura é a noite sem lua e sem luz em Lázaro Cárdenas, comunidade
literalmente colocada contra a parede das montanhas íngremes e inclementes, que coloca em dúvida as versões
oficiais sobre o que supostamente ocorre na região do conflito.

Novos sobrevôos militares em La Realidad.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 15/06/2002.

Município Autônomo São Pedro de Michoacán, Chiapas, 14 de junho. Os aviões militares voltaram a
sobrevoar diariamente La Realidad “como nos tempos de Zedillo”, diz um porta-voz do conselho autônomo. Ao
cair do dia. A meia altitude. Sempre. Sábados, domingos e feriados.
Os moradores de Amparo Aguatinta, município autônomo Terra e Liberdade, na fronteira com a
Guatemala, contam algo parecido: “quando menos se espera,
o avião aparece pra lá da montanha e passa por cima de toda
a comunidade”.
Além disso, a poucos quilômetros do povoado, continua
funcionando uma barreira do exército mexicano que não
deixou de operar nem mesmo quando o presidente Vicente
Fox, ao tomar posse, anunciou a suspensão dos
patrulhamentos e dos postos de controle na região do
conflito.
Em várias comunidades de Terra e Liberdade, os
patrulhamentos terrestres dos militares são permanentes,
tanto na rodovia, como nas estradas vicinais que levam às
posições castrenses longe da linha de fronteira.
Como se lembrará, este município autônomo é um dos
que o governo “desmantelou” nos tempos de Ernesto Zedillo
e Roberto Albores (em primeiro de maio de 1998: não resta dúvida que quem decidiu as datas do ataque aos
municípios autônomos pratica um desconstrutivismo histórico digno das melhores causas).
Hoje, o jornal Expreso Chiapas informou que camponeses das comunidades Chajul e Pico de Ouro, na
mesma região, denunciaram que “dias atrás o número de efetivos do Exército federal aumentou, criando um clima
de temor e de insegurança entre os indígenas, cujos pertences são revistados quando andam pelos caminhos da
selva”.
Estas denúncias de patrulhamentos aéreos se somam às do município autônomo Ricardo Flores Magón, no
extremo norte da Selva Lacandona, semanas atrás. E também às do ejido Lázaro Cárdenas (Huitiupán) e Francisco
Villa (Palenque) na zona norte; os dois últimos casos são verdadeiras tentativas de ocupação militar das
comunidades indígenas.

Outras ações de intimidação.

Esta semana, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos da região Salto de Água-
Palenque denunciou uma forte perseguição militar contra o ejido Francisco Villa. No final de Maio,
em duas ocasiões, o Exército, literalmente, invadiu o povoado.
No dia 20 de maio, um comboio integrado por 50 soldados, um veículo da Segurança Pública e outro da
Polícia do Judiciário, procedente de Antioquia, se deteve diante da casa do senhor Miguel Gutiérrez Guzmán. “Os
militares desceram pedindo tortilhas, azeite e sal, bem como a casa para preparar a comida. Ocuparam a casa
durante cinco horas”, informou a Rede.
No dia 25, a operação foi repetida. Às 7.30 horas da manhã, os soldados “passaram por toda a comunidade
pedindo à população água, tortilhas, galinhas, louros e uma casa para preparar os alimentos. As pessoas, temerosas,
se negaram a dar-lhes o que pediam”, relata a Rede. Então, a patrulha se internou nos milharais. “Atravessaram o
riacho onde o pessoal toma banho e saíram rumo ao rancho de propriedade de don Lalo, e aí permaneceram até às
13.00 horas”.
Os veículos da Segurança Pública e da Polícia Judicial voltaram a atravessar Francisco Villa por volta das
11 horas da noite, em direção à comunidade de Antioquia, de onde voltaram à uma hora da manhã do dia seguinte.
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“Diante da inconformidade e do temor dos habitantes do ejido Francisco Villa”, a Rede declara que “a
presença militar e policial quebra a vida quotidiana da comunidade quando, sob o pretexto de pedir comida, entram
nas casas dos camponeses. “Estas ações realizadas pelo Exército federal e pelos corpos policiais contrariam o
estado de direito que se supõe devem proteger, e servem só para hostilizar esta população indígena”.

Ameaça de desalojamento em comunidade tojolabal.

As autoridades autônomas de São Pedro de Michoacán deram eco ao que foi denunciado pelo novo
povoado Emiliano Zapata, sobre o desalojamento que as bases de apoio zapatista poderiam sofrer.
Entrevistado no caminho que leva ao ejido Tabasco, um porta-voz do município rebelde diz que o pedido
de desalojamento foi apresentado na capital chiapaneca pela viúva do antigo proprietário das fazendas, recuperadas
agora por zapatistas e integrantes da Central Independente de Operários Agrícolas e Camponeses (CIOAC). O
dono, de origem estadunidense, morreu há dois anos, mas deixou as terras em 1994, e foi indenizado pelo governo.
Como acontece em outras regiões onde “brotam” conflitos de terra com outras organizações
“independentes”, este caso parece ter sido forjado. “À senhora já não interessam estas terras, mas, de repente, se
lembrou delas”, diz o porta-voz dos autônomos. “É estranho que os da CIOAC não tenham dito nada, como se não
se sentissem ameaçados”.
O município autônomo autorizou tanto os zapatistas como os integrantes da central a ocupar as terras.
“Mas agora eles querem tudo”, acrescenta o porta-voz. “Parece que são apoiados por El Camarón” (apelido pelo
qual é conhecido o dirigente perredista Antonio Hernández Cruz, irmão do atual deputado Luis Hernández Cruz. El
Camarón tem uma longa história de atritos com os zapatistas da região, devido ao seu papel de “administrador” dos
créditos governamentais e aos conflitos que fizeram definhar a aceitável e harmoniosa convivência entre os povos
da região tojolabal).
O porta-voz zapatista expressa a suspeita de que a “reclamação” da senhora Reyna obedece a um acordo
com a central (outrora chamada “zapatista” ou independente, para diferenciá-la da “oficial”, mas que se tornou
governamental e renegou seus acordos com o município autônomo após a troca de governo do Estado). “Os da
CIOAC se comportam como aqueles que dizem não, mas sim. Querem tirar os companheiros para que fiquem só
eles”.
Só Emiliano Zapata é ocupado por zapatistas; os demais terrenos estão nas mãos da central camponesa. Os
indígenas do novo povoado, nascidos aí, são filhos e netos dos peões semi-escravos das antigas fazendas. Neste
solo estão enterrados seus ancestrais e seus próprios cordões umbilicais.
No comunicado, o conselho autônomo expressa textualmente: “Denunciamos Pablo Salazar Mendiguchía
por pretender realizar o desalojamento dos terrenos Medellín Del Carmen, La Colmena, La Floresta e La Florecita,
com base na denúncia apresentada pela senhora Maria do Socorro Reyna Camacho junto à Coordenação de
Atendimento Cidadão em Tuxtla Gutiérrez com data de 30 de março. Declaramos que os camponeses que ocupam
os terrenos são ocupados e trabalhados por bases de apoio do EZLN, e que este território pertence a este município
em rebeldia São Pedro de Michoacán. Portanto, a senhora Maria do Socorro Reyna Camacho não tem nenhum
direito de recorrer a vocês (o governo) para provocar o desalojamento ou a indenização destes terrenos. Os
companheiros camponeses que atualmente trabalham estas terras têm todos os direitos, porque seus avós e pais
trabalharam e seus ossos estão ainda enterrados nestas terras. Por isso, estão e serão reconhecidos pelo município
autônomo, para o uso e o aproveitamento destas terras”.

Em Chiapas há uma guerra total ou de desgaste, dizem Ação Comunitária e o Centro


Pro. Victor Ballinas. La Jornada, 18/06/2002.
Com a nova compilação, análise e reflexão dos testemunhos da população indígena cujos direitos humanos
são constantemente violados, o Grupo de Ação Comunitária e o Centro de Direitos Humanos Agustín Pro Juarez
editaram o livro Agora apostam no cansaço, no qual ambas as organizações não governamentais defendem que em
Chiapas há uma “guerra total” ou “de desgaste”.
Os autores Paul Pérez Sales, Cecília Santiago Vera e Rafael Alvarez Diaz, explicam que em Chiapas não é
possível aplicar o termo de guerra de baixa intensidade ou psicológica, o correto é chamá-la “de desgaste ou total”,
porque não procura uma confrontação direta para resolver o problema, com o conseqüente risco de um alto número
de baixas nas próprias fileiras.
A “guerra de desgaste”, acrescentam, é concebida como a seqüência de pequenas operações que vão
asfixiando o inimigo em termos políticos, econômicos e militares, evitando, na medida do possível, ações
espetaculares que chamem a atenção da mídia. “Em meio a dezenas de conflitos em andamento pelo mundo, passa
relativamente desapercebido”.
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Numa coletiva de imprensa, os autores do livro explicam que, a partir dos testemunhos e da
documentação recolhida, na primeira parte do texto se configura o esquema da “guerra de desgaste”, composta de
cinco partes: ações militares e paramilitares, ações econômicas, controle da informação, atividades de inteligência e
iniciativas a nível legislativo, político e do Poder Judiciário”.
Apresentam o organograma da “guerra de desgaste” em Chiapas e sublinham que a origem desta tática é a
Escola das Américas. Dessa forma, detalham que, apesar da ação do Pentágono em relação aos informes, no dia 20
de setembro de 1996, graças à pressão dos grupos de direitos humanos e sob a Freedom of Information Act, foram
divulgados sete manuais de treinamento militar que foram usados entre 1987 e 1991 para cursos de inteligência
militar na América Latina e na Escola das Américas.
Transcrevem alguns parágrafos da informação desmentida:
“O agente de contra-inteligência deve saber aproveitar os programas de ajuda governamental através dos
quais se distribui à população comida, roupa, cuidados médicos ou moradia. Como estes programas fazem com que
o governo tenha uma avaliação positiva, é possível convencer os indivíduos por eles beneficiados a procurarem
outras pessoas que estejam dispostas a colaborar com o governo” (Handling of Sources, pg. 34).
“Os professores, médicos, trabalhadores sociais e sacerdotes da região também podem fornecer muita
informação ao agente da contra-inteligência. Estes indivíduos costumam ter uma relação próxima à população e a
confiança desta. Costumam ter diferentes registros ou arquivos que também podem ser fonte útil de informação”
(ibid, pg. 35).
“Idade: as crianças são muito observadoras e podem fornecer informação precisa a respeito de coisas que
tenham visto ou ouvido quando são interrogadas de forma adequada” (ibid, pg. 26).
“Tratamento do detido: o sujeito deverá ser levado ao lugar algemado e com os olhos vendados, e deverá
ficar assim durante todo o processo. Em caso de movimentação ou translado, será feito sempre da mesma forma.
Deve-se manter um isolamento total até a primeira sessão do interrogatório. Após esta, se ajustarão as condições
conforme o caso. Deve-se convencer o sujeito de que ele foi traído pelos camaradas. Durante toda a detenção a
pessoa deve estar convencida de que o seu interrogador controla o seu destino final, e que é necessária a sua
colaboração para preservar a sua vida” (Human Exploration Training Manual, pg F1-F3).
Paul Pérez Sales disse que o livro com os testemunhos dos indígenas cujos direitos foram violados,
começou quatro anos atrás, quando surgiu a idéia de criar um tribunal internacional. O projeto, disse, foi idealizado
por José Saramago, mas, quando já estávamos na metade do livro, se acabou com a idéia do tribunal, e apesar disso
se deu continuidade ao livro. Este livro, que ontem foi divulgado no Centro Pro, será apresentado também na
Cidade Universitária e se negocia uma publicação na Espanha para que, a partir daí, seja distribuído a outros países.

Em Chiapas, autoridades autônomas denunciam a perseguição de paramilitares


armados pelo Exército. Hermann Bellinghausen. La Jornada 06/07/2002.
San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 5 de julho. Através do Centro de Análise Política e Investigações
Sociais e Econômicas (CAPISE), as autoridades do município autônomo Ricardo Flores Magón denunciaram que,
com a violência dos grupos paramilitares treinados e armados pelo Exército federal, se pretende “acusar os
indígenas de estarem se matando entre si”, bem como desestabilizar as comunidades sem que estas possam acusar o
Exército federal ou o governo.
No dia em que o CAPISE visitou uma comunidade, um paramilitar foi visto com uma arma de grosso
calibre. “Nos informaram que a arma vinha do Exército federal”, dizem os observadores civis.
As autoridades e as bases autônomas sublinham que os paramilitares pertencem à Organização para a
Defesa Indígena e Camponesa (OPDIC), fundada na comunidade El Censo por Pedro Chulín, Pedro Girón e José
Cruz Diaz, durante o governo de Roberto Albores Guillén.
A OPDIC abrange seis regiões (Taniperla, San Jerônimo Tulijá, Ocosingo, Tila, Yajalón e Chilón) e
poderia ter vínculos com Paz e Justiça bem como com os Chinchulines. O presidente da organização é o deputado
local Pedro Chulín, freqüentemente apontado como instigador e ocultador de ações violentas. “Seus membros se
vangloriam continuamente de ter armas escondidas e relatam suas atividades e investigações diretamente ao
Exército federal”, sublinha o informe.

O mal é para todos.

Em Nuevo Dolores, os paramilitares avisaram os moradores “que virão para massacrá-los”. O documento
relata a atuação de outras organizações paramilitares da região, como os Chinchulines e o MIRA.
No dia 15 de outubro de 1999, se constituiu mais um grupo que, ao que parece, “não tem estado muito
ativo”, ainda que já tenha se envolvido num tiroteio pelo qual foi preso Antonio Jiménez Encina, um de seus
membros. “Uma das estratégias do governo é de introduzir civis priistas nas comunidades em resistência com o
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objetivo de fazer piorar a situação”. As bases de apoio zapatistas têm tentado dialogar com os militantes priistas,
mas estes se negam.
Apesar disso, “devido aos boatos de desalojamento nos Montes Azuis, até os priistas começam a ter medo;
isso demonstra que o mal não é só para uma organização, e sim para todos”.
Paramilitares e priistas ameaçam queimar a casa comunitária e destruir os projetos de café, de criação de
gado, marcenarias, criação de frangos e lojas coletivas. Por sua vez, as autoridades de Flores Magón avaliam que os
lacandones (ou caribes) são “manipulados pelo governo contra seus irmãos indígenas” e responsabilizam membros
do PRD de San Jerônimo Tulijá de golpear as bases zapatistas e tentar impor novas autoridades ejidais e penais, o
que também tem um efeito contra-insurrecional. “Se nos remetemos à mera existência de grupos paramilitares,
parapoliciais ou de grupos armados, veremos que sua presença é, em termos concretos, uma realidade”, considera o
CAPISE.
Com base nas vivências quotidianas das comunidades, este não é um ponto em discussão. O que é motivo
de “fortes discussões” é a incapacidade (ou cumplicidade?) das autoridades.
Durante o mandato de Vicente Fox e Pablo Salazar, “só foi detido um líder paramilitar e 11 foram soltos”.
O centro de análise aponta: “Se monitoramos a localização do Exército federal e a dos grupos armados e/ou
paramilitares, vemos que atuam nas mesmas regiões, sem nenhum tipo de enfrentamento ou perseguição”. Do
contrário, de acordo com os moradores das comunidades, os paramilitares entram nos acampamentos militares para
entregarem seus relatos”.
O instituto aponta a “ineficácia” do Exército federal nas regiões indígenas de Chiapas desde 1995. O
CAPISE argumenta a sua utilização de conceitos como eficácia e ineficácia: as evidências revelam a
“intencionalidade do Exército pelo fato de não prender nenhum paramilitar” enquanto se registra o aparecimento de
novos grupos armados “diante da aparente impassibilidade das forças castrenses” que, não obstante sua assustadora
presença, “não têm sido capazes de deter nenhum integrante ou líder de grupo paramilitar”.
O CAPISE aponta possíveis “cumplicidades”, devido aos numerosos testemunhos sobre “a estreita relação
entre os paramilitares da região e os acampamentos militares”. A atividade de inteligência militar aumentou
consideravelmente na região dos Montes Azuis com dois “objetivos prioritários”: o primeiro, “a identificação,
localização e atividade de integrantes do EZLN, autoridades autônomas ou bases de apoio”; e o segundo, “que,
apesar das autoridades poderem argumentar que isso não existe, a presença de militares à paisana representa a
aplicação de uma guerra psicológica de contra-insurreição”.
Os indígenas da selva dizem que os soldados trazem prostitutas e doenças. Inclusive, “moças do lugar vão
até aos acampamentos para prostituir-se”. Com a desculpa do narcotráfico, há seguidos patrulhamentos. Os
soldados “mostram sua força” e assediam sexualmente (“conquistam”) moças solteiras e mulheres casadas, o que
ocasiona sérios conflitos.
O centro de análise fez uma sistematização das operações militares das regiões Altos, norte e selva, com
base nas denúncias de perseguição divulgadas pelos municípios autônomos nos últimos meses. De 288 operações
contabilizadas, 33% ocorreram no município Ricardo Flores Magón, “sem que o governador Pablo Salazar
Mendiguchía tenha manifestado publicamente algum tipo de inconformidade; de fato, há várias denúncias sobre a
cumplicidade dos corpos de segurança pública”.
Quanto às responsabilidades internacionais do Estado diante da ocupação militar dos territórios indígenas,
o CAPISE apresenta um panorama geral a respeito das violações dos direitos dos povos indígenas pelo fato de
terem sido privados de territórios para fins militares, e com base na Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e na própria constituição demonstra juridicamente “a inconstitucionalidade do projeto de
desalojamento forçado” para os Montes Azuis.
Os povos indígenas têm o território reconhecido como direito fundamental de acordo com a Convenção
169 da OIT, a qual, pelo artigo 133 da constituição, é parte do corpo jurídico, hierarquicamente abaixo da
Constituição, mas superior às demais leis federais. Diante disso, “a remoção forçada da população não só é
improcedente e viola os direitos fundamentais”, como, além disso, justifica “a retirada da ocupação militar dos
territórios indígenas”.

Zapatistas instalam uma barreira no acesso a Nichteel.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 09/07/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 8 de julho. Bases de apoio do EZLN pertencentes ao município
autônomo Olga Isabel instalaram uma barreira no acesso à comunidade Nichteel. No lugar, próximo ao povoado de
Bachajón (município oficial de Chilón), uns 200 homens, mulheres e crianças realizam um plantão que, anunciam,
durará até que seja retirado o maquinário com o qual o governo pretende construir uma estrada sem a autorização
dos moradores.
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“Fox e Salazar, exigimos que cumpram seus compromissos com os povos indígenas”, reza uma das
muitas faixas estendidas pelos zapatistas no acesso à Nichteel. Em outra, os municípios autônomos rechaçam
“totalmente o plano econômico do governo”.
Indígenas de sete municípios rebeldes da região organizaram esta mobilização de protesto. São eles: 17 de
Novembro, Ernesto Che Guevara, Lucio Cabañas, Miguel Hidalgo, Vicente Guerrero, Primeiro de Janeiro e o
próprio Olga Isabel, um dos menores municípios zapatistas.
Os camponeses de plantão, tzeltales em sua maioria, manifestam em cartazes (essas “faixas” de
emergência) sua oposição “ao Plano Puebla-Panamá, à privatização da nossa riqueza natural, à venda e à compra de
terra e à apropriação individual da terra”.
As autoridades do município autônomo Olga Isabel denunciam que no dia 2 de julho “chegou o maquinário
para a construção de uma estrada que vá à comunidade Nichteel e que passa pelo território do nosso município,
sem o consentimento das autoridades autônomas”. De conseqüência, a partir de sábado dia 6, as bases de apoio
zapatistas instalaram um plantão-barreira na estrada que leva à dita comunidade “para exigir a completa retirada do
maquinário”.
Acrescentam: “Rechaçamos totalmente este projeto de estrada, já que nós, como indígenas, exigimos
primeiro do governo federal e estadual o cumprimento dos acordos de San Andrés, e exigimos o reconhecimento
constitucional de nossos direitos e cultura indígena”.
De acordo com os autônomos, “as construções de estradas beneficiam mais os ricos, o governo e seus
soldados para a guerra. Todos estes planos e projetos econômicos do governo tratam só de destruir nossos
municípios”.
Denunciaram também os patrulhamentos de militares, de integrantes da Segurança Pública e dos policiais
municipais de Chilón “que só andam assustando a população civil”. Por último, apontam que “em caso de agressão
ou provocação contra este bloqueio, responsabilizamos o governo federal”.
As bases de apoio zapatista que instalaram seu protesto no município rebelde Olga Isabel declaram: “Esta
barreira é pela dignidade indígena”, e lançam um apelo aos “irmãos indígenas”: “não vendam sua dignidade em
troca de projetos que servem só para fazer piorar a pobreza”. A estrada é mais uma enganação, declaram os
autônomos.
Aeronaves jogam caixas com moscas em Chiapas.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 20/07/2002.

Ocosingo, Chiapas, 19 de julho. Os municípios autônomos da região que está ao redor das cidades de
Ocosingo e Altamirano vivem um reaquecimento da guerra de baixa intensidade. Isso se expressa, sobretudo,
através da paramilitarização, induzida por grupos e líderes do PRI, e freqüentemente paga pelos novos governos
federal e estadual.
Na zona norte de Chiapas, e ao norte da selva Lacandona, a paramilitarização encontra novamente um
nicho entre o magistério oficial (que, na oposição, não desperdiça uma única oportunidade para provocar o governo
de Pablo Salazar Mendiguchía). A linha de continuidade entre setores do SNTE e os grupos paramilitares (tão bem
documentada no caso de Paz e Justiça e de sua ligação com o agrupamento SOCAMA, do SNTE) se repete no
município autônomo Ricardo Flores Magón, onde professores de enclave priista de Santo Domingo, no vale que
tem o mesmo nome, “organizam” abertamente a “contra-insurreição”. Por isso, vários observadores da região
consideram significativa a proximidade do norte chiapaneco com o estado de Tabasco, forte reduto do tricolor
(Tabasco, magistério, “novo” PRI...).
Paralelamente a isso, aumenta todo tipo de pressão militar e, por assim dizer, civil. O conselho autônomo
de Miguel Hidalgo denuncia que, nas últimas semanas, começaram as hostilidades contra os camponeses bases de
apoio do EZLN que levam seus produtos para serem vendidos nos mercados de Amantenango Del Valle, Teopisca
e Comitán. Os “fiscais” priistas destes mercados têm aumentado os impostos. “São altos demais”, diz a autoridade
autônoma. Desta maneira, abre-se agora uma possibilidade de entregá-los à polícia.
No município autônomo Olga Isabel, as autoridades denunciaram a perseguição e as ameaças logo após a
implantação do plantão no Cruzamento Santo Antonio, com o qual os zapatistas detiveram a construção de uma
estrada. Os priistas da área (município oficial de Chilón) e os policiais andam procurando “aqueles que
encabeçaram este movimento”.
Ainda assim, hoje, no trecho Chilón-Bachajón, os patrulhamentos da Polícia do Judiciário nas
comunidades autônomas são constantes. O conselho de Olga Isabel pede “que parem com esta perseguição”.
Quanto ao resto, a militarização segue o seu curso, e tudo indica que vai aumentar. Nas duas semanas
anteriores os movimentos de grandes contingentes militares entre Ocosingo e Rancho Nuevo, e os patrulhamentos
entre Bachajón e Chilón se tornaram algo normal.
Pouco tempo atrás, uma patrulha do exército se deteve no cruzamento Cuxuljá, a mil metros da
comunidade Moisés Gandhi, “atravessou” o plantão das bases de apoio do EZLN (instalado há vários meses para
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proteger o imóvel) e entrou na loja comunitária dos municípios autônomos. Os soldados, fingindo comprar,
ameaçaram “tirar os zapatistas daí”. Há seu tempo, o conselho autônomo de Ernesto Che Guevara denunciou o fato
como “uma provocação do Exército”.
Numa reunião dos sete conselhos municipais desta região autônoma, realizada esta semana, quatro deles
apresentaram a mesma denúncia, que sugere a possibilidade de que esteja sendo utilizado também “armamento”
bacteriológico contra as comunidades em resistência. Por incrível que pareça, a mesma questão é relatada pelas
autoridades autônomas de Vicente Guerrero, 17 de Novembro, Primeiro de Janeiro e Ernesto Che Guevara.
Semanas atrás, aviões e helicópteros, ao que parece não militares, estiveram jogando “caixas com moscas”
que infestam imediatamente os campos e os povoados. Em função disso, famílias inteiras tiveram vômito e diarréia
e algumas crianças ficaram em estado grave, sobretudo em Pátria Nueva e Jerusalén, povoados, respectivamente,
próximos a Ocosingo e ao complexo militar de Toniná.
As autoridades de Che Guevara lembram que uns anos atrás, por ocasião de outra investida contra os
municípios autônomos, as aeronaves jogavam caixas “com ratos e ratazanas que comiam o milho”. Este
“bombardeio” parou logo.
Se a “chuva de moscas” é de alguma “campanha de saúde”, ninguém pediu permissão às comunidades
(nem sequer as notificou) para jogar em suas terras estas caixas que pareceram de Pandora; ao mesmo tempo em
que os “efeitos colaterais” experimentados pelos indígenas colocam suas vidas em perigo.

O CNI rechaça o plebiscito indígena do governo.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 24/07/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 23 de julho. Enquanto avança o aparato um tanto apressado do
plebiscito indígena anunciado pelo governo federal, o Congresso Nacional Indígena (CNI) rechaçou
“categoricamente” dito plebiscito, denominado Povos Indígenas, Políticas Públicas e Reforma Institucional, “já que
se trata de uma nova trapaça diante das reivindicações históricas dos nossos povos”. Do mesmo modo, o CNI
denunciou “que este plebiscito está sendo realizado em vários estados do país de forma enganosa e desinformada”.
Na Declaração de Waut’a, assinada domingo passado e divulgada hoje pela Internet, os representantes da
região Pacífico-centro do CNI declaram: “Não aceitaremos uma única reforma legal e institucional, seja no âmbito
federal ou estadual, enquanto não sejam cumpridos os três sinais para o diálogo “reivindicados pelo EZLN desde
dezembro de 2000”.
Enquanto isso, aqui em Chiapas, centenas de comunidades começaram a receber a documentação e a
propaganda para o plebiscito governamental. Já estão acontecendo “oficinas” de proselitismo (algo parecido ocorre
em Durango, de acordo com o CNI). Em Los Altos, zona norte, selva e faixa de fronteira o governo chega como
quem não quer nada para perguntar aos indígenas o que querem.
Estranheza semelhante à que se sente nas comunidades da região do conflito (às quais, depois de oito anos
de resistência, é nada menos que o Instituto Indigenista Nacional a trazer-lhes um “plebiscito”) devem ter sentido
em suas próprias terras os representantes do CNI antes de reunir-se, neste final de semana, na comunidade
Wixárica de San Sebastián Tepanahuaxtlán (município de Mezquitic, na serra huichola de Jalisco) para analisar “os
plebiscitos a serem realizados por diversas instituições do governo, com base nas reformas constitucionais em
matéria de direitos indígenas”.
O fato é que subscreveram a Declaração de Waut’a (pelo nome wixárica de San Sebastián) com o seguinte
teor: “Como povos, comunidades e organizações indígenas da região Pacífico-centro do nosso país, continuamos
respeitando e respaldando o silêncio digno do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e convocamos o
Congresso Nacional Indígena a continuar acompanhando dito silêncio, sem deixar de caminhar e de construir a
partir de cada uma das regiões que o integram”.
Os representantes indígenas referendaram “a exigência de que se cumpram os três sinais reivindicados pelo
EZLN para retomar o diálogo com o governo federal: cumprimento dos Acordos de San Andrés e reconhecimento
dos direitos e da cultura indígena de acordo com a Lei COCOPA; libertação de todos os zapatistas presos, e a
retirada do Exército Mexicano de todas as posições exigidas”.
Enviados dos povos wixaritari (ou huichol, de Jalisco, Nayarit e Durango), nahua (de Jalisco, Guerrero,
Distrito Federal, Morelos e Colima), purépecha, tlapaneco, amuzgo, mixteco, ñahñu e matlatzinca proclamaram
que, “como povos e comunidades indígenas que somos, continuamos no exercício e no fortalecimento de nossa
autonomia, porque nós somos a autonomia e ela vive na memória histórica de nossos povos”.
Garantiram que “com ou sem o reconhecimento constitucional continuaremos existindo, fortalecendo nossa
autonomia e tudo aquilo que nos faz povos”.
A declaração indígena pediu à Suprema Corte de Justiça da Nação “um veredicto que se apegue ao direito e
não aos interesses dos poderosos no caso dos 336 pedidos de inconstitucionalidade entregues pelos municípios de
todo o país contra a lei aprovada em 28 de abril do ano passado”. Ou seja, exigiu que se declare “a
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inconstitucionalidade de dita reforma e que se ratifique a vigência dos tratados e das convenções internacionais
que reúnem os direitos de nossos povos”.
O CNI acrescentou a desmilitarização da serra veracruzana de Mongólica como condição para qualquer
diálogo ou consulta junto ao governo”. De maneira especial, os que assinam a Declaração de Waut’a manifestaram
sua solidariedade com a luta “justa e digna de nossos irmãos nahuas de Texcoco contra a desapropriação de suas
terras para a construção de um aeroporto”.
A assembléia Pacífico-centro do CNI denunciou “a política lançada pelo governo federal contra nossos
territórios e lugares sagrados”, e se uniu “às justas lutas pela terra e pelo território indígenas” das comunidades do
planalto purépecha (Michoacán), da região wixaritari de Bancos de San Hipólito (Durango), San Sebastián
Teponahuaxtlán, Santa Catarina Cuexcomatitlán e San Andrés Cohamiata (Jalisco); da matlatzinca de San Pedro;
ñahñu de San Pedro Atlapulco (Estado do México), e nahua de Ayotitlán (Jalisco), Suchitlán e La Yerbabuena
(Colima), Milpa Alta (Distrito Federal) e Tepoztlán, Cuentepec, Tlayacapan e Xoxocotla (Morelos).

Programas de combate à pobreza em Chiapas, estratégia de contra-insurreição:


observadores internacionais. Victor Ballinas. La Jornada 30/07/2002.
A Comissão Civil Internacional de Observação pelos Direitos Humanos (CCIODH), que esteve em visita
ao nosso país de 16 de fevereiro a 3 de março deste ano, afirma que a persistente negativa do governo do presidente
Vicente Fox em cumprir “os três sinais” reivindicados pelo EZLN para retomar o diálogo “está mostrando a
verdadeira política que emana do poder no que diz respeito a buscar uma solução negociada para o conflito”.
Ontem, ao tornar público o seu informe da sua terceira visita a Chiapas, a CCIODH sublinha que as
reformas constitucionais em matéria indígena, aprovadas o ano passado pelo Congresso da União, não atendem às
reivindicações dos povos indígenas, pois, ao não reconhecer as comunidades como entidades de direito público,
não se vê refletida a essência dos acordos de San Andrés. Tampouco, aceita os direitos dos povos de serem sujeitos
da lei, nem como depositários políticos dos direitos à livre determinação e autonomia.
Em seu Terceiro informe sobre a situação dos direitos humanos, os observadores internacionais destacam
que “um dos temas mais importantes que o México mantém pendentes quanto ao seu atendimento e solução é o da
justiça, pois há elevada impunidade e pouca credibilidade”. Fazem notar que, em muitas ocasiões, os programas de
desenvolvimento centrados no combate à pobreza são considerados discriminatórios, já que não consideram o
crescimento integral da comunidade, além de que os critérios de seleção dos beneficiados não estão claramente
definidos e, por isso, são percebidos como uma forma de proselitismo eleitoral.
A aplicação dos planos de desenvolvimento numa situação de suspensão do diálogo e de descumprimento
dos acordos de San Andrés, sublinham os observadores, fazem com que estes se transformem numa nova forma de
contra-insurreição menos chamativa e violenta do que em etapas anteriores, mas de grande eficácia quanto a
provocar divisões nas comunidades.
Acrescentam que o fato do governo pretender ignorar que as comunidades estão em resistência pelo
descumprimento das três condições para a retomada do diálogo, e age como se o problema fosse só econômico e
não sócio-político, está piorando as condições das comunidades e facilita a destruição do já frágil tecido social.

Outros motivos que geram divisão.

Em entrevistas com os camponeses, os integrantes da CCIODH conheceram que o atraso histórico na


concessão de títulos agrários, em comparação com o resto do país, tem sido fator de enfrentamento e, inclusive, de
expulsão dos indígenas, e que estes processos individuais promovidos pelo Programa de Certificação de Direitos
(PROCEDE), “não contribuem para a segurança da posse da terra, e sim geram mais divisões”.
Além disso, no marco do Plano Puebla Panamá (PPP), as terras dos indígenas se tornam alvo de grandes
interesses econômicos, por sua riquezas naturais e sua biodiversidade, bem como pela disponibilidade de mão-de-
obra barata. Neste contexto, acrescenta o informe, as comunidades se sentem desprotegidas diante do PPP, o que
gera inquietação e inconformidade, toda vez que os indígenas não contam com o controle dos recursos, dos
territórios e das formas jurídicas de exercício da autonomia.
Os observadores internacionais insistem em dizer que o governo não conteve os grupos paramilitares como
Paz e Justiça – cujos dirigentes, que estavam presos, foram inexplicavelmente colocados em liberdade – e que
“estes continuam gerando vários conflitos, fechando caminhos, aplicando uma política de terror, assassinatos e
agressões constantes contra as comunidades zapatistas, apoiados, como sempre, pelas velhas estruturas municipal e
comunal priistas, e gozando da cumplicidade, por omissão e comissão, do Exército Mexicano e dos corpos de
segurança das várias dependências governamentais”.
No seu informe, a CCIODH faz 11 recomendações ao governo do presidente Fox: “cumprimento pleno e
integral dos sinais pedidos pelo EZLN para retomar o diálogo; pôr fim à militarização em Chiapas; desarme de
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todos os grupos paramilitares e apresentação dos responsáveis pelos crimes cometidos, tanto materiais como
intelectuais, perante a justiça; garantir o livre acesso à justiça e promover a luta contra a impunidade; garantir o
retorno dos refugiados às suas comunidades de origem, com a devolução integral de seus pertences e a
correspondente indenização pelos danos e prejuízos sofridos”.
Outras recomendações são: que a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) atue com responsabilidade
para dar marcha ré na reforma constitucional em matéria indígena e que a COCOPA defenda o seu projeto perante
este poder; que os programas e incentivos à produção não sejam utilizados para criar divisões entre organizações
sociais ou como medida de contra-insurreição.

Tzotziles e choles denunciam assédio militar


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 31/07/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 30 de julho. O acampamento dos refugiados de San Marcos denunciou
hoje a inusitada hostilidade militar contra a comunidade, localizada nas proximidades do rio Sabanilla do
município com o mesmo nome. Ao mesmo tempo, o conselho autônomo de San Juan de la Libertad protestou pela
incursão militar de 29 de julho em San Antonio El Brillante.
As bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), expulsas de Jesus Carranza
(refugiadas em San Marcos, município de Sabanilla), informam que neste domingo 28 de julho “se apresentaram
50 elementos do Exército mexicano, guiados por sete da Segurança Pública do estado, que se encontram no
destacamento de Los Moyos. Estes últimos vêm chegando pela segunda vez para intimidar os habitantes de dito
povoado (fundado em 1996, durante a ofensiva paramilitar na zona norte de Chiapas)”. Haviam se apresentado pela
primeira vez em 22 de abril. Os efetivos do Exército e da segurança pública se apostaram a uma distância de 50
metros das casas, “demorando 30 minutos para observar nossa população. Nós, como habitantes, sentimos que este
é um momento de forte ameaça por parte do governo de Vicente Fox Quesada em coordenação com o governo do
estado”.
Os refugiados, tzotziles e choles, referem: “Neste domingo doloroso e ameaçador estávamos reunidos na
capela celebrando nossa oração, mas por medo de sermos agredidos voltamos correndo para as casas”. Temem
“que ocorra o mesmo que em Acteal”. Assinam os representantes Gregório Pérez López, Alfonso Pérez Gutiérrez,
Emiliano Alvarez Martínez e Aído López Pérez.
Hoje também, a presidência municipal autônoma de San Juan de la Libertad afirmou ter recebido vários
relatos das comunidades de todo o município contra o Exército, a Segurança Pública e a Polícia do Judiciário, “já
que estão penetrando nos povoados indígenas sem a autorização de ninguém, ameaçando crianças e anciãos com
suas ações”.
O caso mais recente aconteceu no dia 28, quando um veículo blindado com cinco soldados armados entrou
na comunidade San Antonio El Brillante por volta das 6.10 hs. da manhã, “eles ameaçadores, com os rostos tensos,
com o pretexto de fazer compras e outras coisas”. As autoridades autônomas protestam “energicamente contra as
más ações do governo federal e das forças armadas do México, já que, a poucos metros das comunidades, tentam
provocar sem motivo”. Acrescentam: “Tornamos pública esta denúncia das comunidades de San Andrés la Laguna,
San Antonio El Brillante e El Palmar; a damos a conhecer para que não voltem a provocar as mesmas situações já
que não temos dívidas pendentes com eles e nem com ninguém”. Assinam os representantes municipais destas
comunidades e o conselho de San Juan de la Libertad, na região de Los Altos.

Exército retoma treinamentos de combate em Las Tácitas


Hermann Bellinghausen. La Jornada 01/08/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 31 de julho. O município autônomo San Manuel, nos vales de
Ocosingo, denunciou que o Exército federal retomou os treinamentos de combate em Las Tácitas, ao mesmo tempo
em que têm aumentado os patrulhamentos aéreos e terrestres. “Este aumento de atividade militar é parte da própria
estratégia que o governo federal está aplicando em todas as regiões com presença zapatista. Os mesmos
patrulhamentos são observados na região de Ocosingo, nas comunidades do município autônomo Ricardo Flores
Magón e nas de Los Altos”, declararam ontem as autoridades autônomas.
Por sua vez, denunciaram a perseguição policial contra bases de apoio zapatistas por parte dos poderes
judiciários de Ocosingo. “As ordens de prisão expedidas contra nossos companheiros Manuel Pérez Hernández,
Fernando Jiménez Pérez e Antonio Lorenzo Cruz, com base na denúncia apresentada por Manuel Hernández
Morales no dia 26 de junho deste ano perante a Procuradoria Geral de Justiça do Estado, continuam de pé e agora
os indivíduos Manuel Hernández Morales e Manuel Hernández Jiménez ficam de plantão com um carro dos
policiais do judiciário, nos escritórios da garagem de veículos de carga que cobrem o trajeto Ocosingo-Tacitas, para
apontar os nossos companheiros e prendê-los”. Esta caçada “constitui mais uma ação de perseguição contra o
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município autônomo” e significa a “utilização por um particular, para seu benefício pessoal, da Segurança
Pública”. O plantão dos policiais do judiciário, diz o conselho em rebeldia de San Manuel, “cumpre também a
função de intimidar as pessoas solidárias que visitam ou trabalham nas comunidades deste vale em vários projetos
de educação e saúde”.
O município autônomo torna público que, desde a semana passada, os militares destacados em Las Tácitas
têm retomado seus treinamentos militares com camuflagem (cobertos de folhas e com o rosto pintado); além do
mais, realizam patrulhamentos terrestres e sobrevôos de helicópteros por toda a região, povoados e montanha.
“Este aumento da atividade militar é parte integrante da própria estratégia que o governo federal está
aplicando em todas as áreas com presença zapatista”, pondera o conselho autônomo. “Denunciamos esta estratégia
de intimidação e os planos de guerra do governo para não cumprir os compromissos que assinaram em San Andrés
Sakamchén. Denunciamos a política militarista que o governo de Vicente Fox está aplicando contra os municípios
autônomos”.
Por último, os zapatistas do vale de Las Tazas fizeram um apelo “às pessoas e aos grupos sociais solidários
para que estejam em alerta e façam presença de observação, para que sejam testemunhas da violência direta e
disfarçada que as comunidades sofrem a cada dia”.

Paramilitares atacam comunidade zapatista dos Montes Azuis: há sete feridos.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 03/08/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 02 de agosto. No último dia 31 de julho, um grupo de 40 paramilitares
armados, procedentes da comunidade priista de San Antonio Escobar, atacaram as bases de apoio do EZLN no
ejido La Culebra, município Ricardo Flores Magón. Os paramilitares, que viajavam em veículos roubados, feriram
sete pessoas. Horas antes, haviam tentado seqüestrar um membro das autoridades autônomas.
É o primeiro ataque desta natureza contra as comunidades dos Montes Azuis e dos arredores. Os mesmos
civis, com facões e armas curtas, ameaçaram e amedrontaram os moradores de Santa Rita e de Seis de Outubro. O
conselho autônomo de Ricardo Flores Magón garante que esta agressão tem o significado de uma tentativa de
expulsar violentamente os moradores desta região da selva Lacandona.
As mesmas autoridades autônomas sublinham que o grupo armado conta com o respaldo dos militares
destacados no ejido Cintalapa, onde o Exército tem uma base de operações e há meses controla fortemente o acesso
à região, ao norte dos Montes Azuis.
Cabe assinalar que os moradores de Seis de Outubro são bases de apoio do EZLN expulsos de San Antonio
Escobar pelos mesmos priistas que agora resultam ser paramilitares. (Qualquer semelhança com Chenalhó em
1996-97, é mera coincidência?).
O município em rebeldia tem reiteradamente denunciado a presença de civis armados nas comunidades
priistas ao redor de Flores Magón, tanto dentro como fora dos Montes Azuis. De forma especial Nueva Palestina,
Busiljá, San Jerónimo Tulijá, Taniperla, Monte Libano, Arroyo Granizo e Santo Domingo. Fora isso, há um bando
de assaltantes no ejido Lacandón que, segundo os autônomos, conta com a proteção da força pública.
Tudo isso ocorre na região mais cobiçada da região da biosfera: em seu coração se encontram as lagoas
Suspiro, Olhos Azuis e Paraíso. Os povoados San Antonio Escobar, Seis de Outubro e Santa Rita (respectivamente,
priista, zapatista e da ARIC Independente) estão localizados no interior dos limites oficiais da Reserva.
No “trajeto, ao som do tambor para fora dos Montes Azuis, os paramilitares, procedente de San Antonio, se
dirigiram a Sival para “solicitar” o respaldo da Segurança Pública para desalojar os zapatistas. Sival é uma das
maiores e mais ricas comunidades da região; sempre de cunho oficial, a preferida do ex-governador Albores, é
habitualmente pacífica. Quanto às demais, os ejidos Cintalapa, La Culebra e Sival estão localizados na margem
noroeste, fora da reserva da biosfera.
Num comunicados “aos povos do mundo, divulgado ontem, o município zapatista Ricardo Flores Magón
expressa: “Com nossa palavra verdadeira de homens, mulheres e crianças deste município autônomo danos a
conhecer os fatos violentos que o nosso povo sofreu pela agressão dos paramilitares, e agora somos vítimas de
ameaças e feridas por parte dos que sempre buscam destruir a razão, a verdade, a esperança, a dignidade.
Falamos com vocês para denunciar as movimentações dos paramilitares do povoado San Antonio Escobar
com ações de provocação e tentativas de homicídio. Hoje, 31 de julho, desde muito cedo, 40 paramilitares, com
armas brancas e curtas, iniciaram uma movimentação a partir de seu povoado, percorrendo outras quatro
comunidades: Seis de Outubro, Santa Rita, La Culebra, até chegar em Sival. Viajavam em duas caminhonetes
roubadas da marca Nissan”.
Antes de chegar a Sival, às nove da manhã, “os paramilitares tentaram capturar um companheiro membro
das autoridades deste município autônomo, mas ele conseguiu fugir. Assim, os paramilitares seguiram até Sival
para solicitar a ajuda da Segurança Pública e do Exército”.
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Ao retornar a seu ponto de partida, os paramilitares por fim decidiram atacar. Em La Culebra
(comunidade zapatista e da ARIC) detiveram as caminhonetes Nissan que os transportavam, entraram no povoado
e atacaram o grupo de camponeses tzeltales que, atualmente, está construindo uma casa comunitária. Sete pessoas,
bases de apoio do EZLN, resultaram feridas.
De acordo com o comunicado, os priistas “passaram a agredir com facões os companheiros do ejido La
Culebra que estavam trabalhando numa casa do povoado”.
O bando armado de San Antonio Escobar “é organizado com paramilitares de Nueva Palestina, Busiljá,
Cintalapa e Santo Domingo, todos sob a coordenação e o apoio do quartel militar de Cintalapa, com a proteção do
mau governo”, assinala o conselho de Ricardo Flores Magón.
São eles que estão organizando o desalojamento dos Montes Azuis, esta é a nossa palavra para que sejam
conhecidos estes acontecimentos que nos trazem dor. Mas vamos continuar construindo a vida digna e verdadeira
do nosso povo”, concluem os autônomos.

Os autores da matança de Acteal estão se rearmando, como se fossem para a guerra:


As Abelhas. Angeles Mariscal. La Jornada, 06/08/2002.
Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, 5 de agosto. Passados quase cinco anos do massacre de 45 indígenas
pertencentes à organização As Abelhas, o líder dos sobreviventes, José Vázquez Gutiérrez, denunciou a
permanência nas comunidades vizinhas de membros do grupo armado que assassinou seus companheiros.
Numa entrevista, Vázquez Gutiérrez, presidente de As Abelhas, cuja sede é nos arredores de Acteal,
município de Chenalhó, mencionou que o governo federal desistiu de executar as 27 ordens de prisão pendentes
contra os membros do grupo paramilitar que, no dia 22 de dezembro de 1997, assassinou 45 pessoas entre
mulheres, crianças e anciãos.
Os mentores intelectuais e muitos dos autores materiais do homicídio continuam em liberdade, nas
comunidades próximas a Acteal, “todos eles compraram mais armas como se estivessem indo para a guerra”,
afirmou Vázquez Gutiérrez. O presidente de As Abelhas referiu que há ainda 21 pessoas que sobreviveram ao
massacre com lesões e seqüelas produzidas pelas feridas por arma branca ou de fogo, que foram utilizadas pelo
grupo agressor naquela manhã de 22 de dezembro.
Advertiu que se as autoridades estaduais ou federais não agirem, “a qualquer momento pode haver um
novo ataque contra as organizações independentes como As Abelhas”.
Por outro lado, familiares dos 11 camponeses originários de Marquês de Comillas presos no cárcere de
Cerro Hueco solicitaram o cumprimento da recomendação da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) na
qual se pede, entre outras coisas, a revisão da pena.
Um dos detidos, Noé Jiménez Pablo, explicou que quatro de seus seis irmãos estão foragidos da justiça
porque pesam sobre eles várias ordens de prisão pelos mesmos fatos em relação aos quais, de acordo com a
recomendação 26/2002 da CNDH, as autoridades estaduais cometeram várias violações aos direitos humanos.
Através de seus familiares, os detidos divulgaram um comunicado no qual pedem ao governo de Pablo
Salazar a reconciliação com suas comunidades, que, desde a operação policial de julho de 2001 – quando foram
resgatados seis funcionários públicos que permaneciam presos pelos camponeses – têm realizado várias
mobilizações para pedir a libertação dos 11 companheiros.

Zapatista assassinado havia sido ameaçado de morte.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 11/08/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 10 de agosto. A morte de José López Gutiérrez Santiz, que integrava a
autoridade autônoma do município 17 de Novembro, se soma aos recentes atos de violência dirigida contra as bases
de apoio zapatistas das regiões de Altamirano e Ocosingo, nos vales ao norte da Selva Lacandona e dos Montes
Azuis. Há dez dias, um ataque paramilitar na comunidade La Culebra deixou sete feridos.
O representante zapatista assassinado havia recebido ameaças de morte por parte dos priistas de
Altamirano, revelaram hoje os moradores de sua comunidade, Seis de Agosto.
O clima de incerteza se estende à zona norte do estado, onde foram registradas incursões militares
extraordinárias no interior de comunidades em resistência. São os casos, no mesmo período, do acampamento de
refugiados San Marcos (Sabanilla) e das comunidades San Antonio El Brillante (município autônomo de San Juan
de la Libertad) e Lázaro Cárdenas (Huitiupán).
O município autônomo San Manuel registrou novos treinamentos de guerra por parte do Exército federal
no vale de Las Tazas, e, semanas atrás, Ricardo Flores Magón não deixou de denunciar tanto as movimentações e
os sobrevôos militares como a crescente atividade de grupos que os autônomos identificam como paramilitares
priistas.
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Cabe assinalar que o comandante da Sétima Região Militar, Mario Pedro Juarez Navarrete, negou ontem
em Tuxtla Gutiérrez que o Exército federal esteja participando “de atividades de combate à guerrilha para atacar o
Exército Zapatista de Libertação Nacional, já que realiza somente os treinamentos adequados para combater os
crimes que lhe competem como o narcotráfico”.
O comandante Juarez Navarrete diz que “não há nada fora do normal” na preparação das tropas que
ocupam posições na selva Lacandona. Além disso, negou “a versão” de que esteja aumentando a presença de tropas
“na chamada região zapatista. Simplesmente foram feitas algumas mudanças”, disse sem dar outros detalhes.
Entretanto, o advogado Miguel Angel de los Santos deu como fato consumado o aumento da militarização
da região e afirmou que esta militarização “inibe a vida cultural, cerimonial e social das comunidades indígenas”, o
que “é uma expressão nem sempre visível da violação dos direitos humanos coletivos”.
Durante a apresentação do terceiro informe da Comissão Civil Internacional de Observação pelos Direitos
Humanos em Chiapas (CCIODH), realizada ontem à noite em San Cristóbal de las Casas, o advogado De los
Santos acrescentou que o atual aumento da paramilitarização “mostra que o governo não está disposto a romper o
círculo de impunidade”. Apesar dos crimes cometidos anteriormente “documentados com precisão, e
comprovados”, os criminosos não são detidos, “ e isso viola os direitos humanos”, disse, para logo em seguida
alertar que a situação atual dos milhares de refugiados em Los Altos e na zona norte de Chiapas “é grave”.
Durante o ato (do qual também participaram o jornalista Amado Avendaño Fugueroa e o historiador
Andrés Aubry), a pesquisadora Gabriela Soriano, do CIEPAC, sublinhou a importância que, desde 1995, têm tido
as comissões internacionais de observação “para diminuir as agressões e a repressão contra os indígenas”, apesar da
perseguição dos estrangeiros em Chiapas, desatada pelos governos anteriores.

Decomposição e recomposição políticas.

Elena Roux, membro da CCIODH, que veio nas missões internacionais anteriores, declarou que agora os
observadores encontraram “uma decomposição política e uma recomposição política” na região, ao apresentar o
tão severo quanto volumoso informe do percurso desta comissão em fevereiro e março deste ano.
Durante a semana que se conclui, a CCIODH percorreu muitas das dezenas de comunidades indígenas de
todo o estado que havia visitado em fevereiro. Fiéis ao seu propósito, os observadores traziam denúncias frescas.
“O número de efetivos do Exército federal não diminuiu em absoluto”, assinalou a observadora canadense
Genoveva Saumier. Inclusive, mencionou, os lugares anteriormente ocupados pelo Exército federal “não foram
devolvidos a seus proprietários”.
Em seguida, transmitiu a denúncia da comunidade tzotzil de San Antonio El Brillante, na qual, e pela
primeira vez desde que existe este povoado, entrou um blindado militar de combate. Tripulado por cinco soldados,
se deteve no centro da comunidade. “As mulheres tocaram os sinos do povoado e as pessoas se juntaram para pedir
aos soldados que se retirassem”, referiu a observadora.
Soube-se que, a partir de então, aumentaram os traslados militares entre os quartéis de San Cayetano e
Puerto Cate (no município autônomo de San Juan de la Libertad), exatamente pelo caminho onde se encontra San
Antonio El Brillante.
Tudo isso ocorre num ambiente de nervosismo governamental, infestado por versões falsas, rumores
fantásticos ou ameaçadores, e visitas, pelo visto, exaustivas do encarregado presidencial pela paz, Luiz H. Alvarez
(ou, melhor, de seus enviados), para encontrar-se com autoridades tradicionais e municipais (oficiais), mas sem ter
estabelecido nenhum contacto com os municípios autônomos ou com o grupo dirigente zapatista em sua passagem
por Oventik, La Realidad, Polhó e outros povoados rebeldes.
Numa manifestação de massa da qual participaram centenas de camponeses tzeltales e tojolabales do
município 17 de novembro, José López Santiz foi enterrado ontem, em Altamirano. Há uma situação de expectativa
na região. Um grande aparato policial está vasculhando a região (onde, com certeza, não se encontram os
assassinos, ainda que, segundo os indígenas, parece não tenham ido além da capital do estado).
Apesar do clima de temor de uma possível “vingança” pela “turba” zapatista, induzido por diversos meios
de comunicação locais, o secretário de governo, Emilio Zebádua, anunciou ontem à noite que haviam sido
libertadas as pessoas “que momentaneamente foram retidas” (pelo município autônomo 17 de Novembro) e as
coisas aparentavam “uma relativa tranqüilidade”.
Concordando com o procurador chiapaneco, Mariano Hernán Salvatti, Zebádua anunciou que os autores do
homicídio estavam sendo procurados e garantiu “pleno respeito às diferentes posturas políticas, e a suas
manifestações de autonomia no caso dos zapatistas. Temos procurado que seja nos permitido fazer valer o estado
de direito para garantir a tranqüilidade do município”.
O informe forense (averiguação prévia AL 89/AJI/42/2002) da Procuradoria do Estado diz que o cadáver
apresentava somente “11 perfurações de um tiro de cartucho de escopeta”, enquanto a Rede de Defensores
Comunitários pelos Direitos Humanos garantiu ontem, depois de visitar a comunidade Seis de Agosto, que José
López Santiz recebeu 8 tiros. Mesmo assim, todas as versões coincidem quanto à identidade dos responsáveis.
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O processo de paz nas mãos da Corte: ONG de Chiapas.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 15/08/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 14 de agosto. Organizações civis e de direitos humanos desta cidade
pediram à Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) “que assuma sua responsabilidade histórica de agir e tomar
decisões que respeitem os direitos dos povos indígenas do México”.
Num comunicado conjunto, “advertem e responsabilizam” o Poder Judiciário “pelas graves conseqüências
que podem se gerar diante das decisões a serem tomadas” em relação à reforma constitucional em matéria de
direitos e cultura indígenas, já que poderia legitimar violações ao processo de legislação e gerar assim “uma perda
maior de credibilidade nos poderes da União”.
Isso favoreceria “uma acirramento do conflito armado no México, sobretudo em Chiapas”, ponderam as
organizações Desenvolvimento Econômico e Social dos Mexicanos, Comissão de Apoio à Unidade e à
Reconciliação Comunitária, Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas, Centro Indígena de
Capacitação Integral e Coordenação da Sociedade Civil em Resistência.
Ao convalidar a chamada reforma Bartlett-Cevallos-Ortega, a Corte “daria passagem ao fracasso e ao
esgotamento das vias legais e pacíficas e continuaria dando marcha ré à Convenção 169 da OIT”. Sobretudo, “se
evidenciaria que a estratégia do governo é a dispersão e a ruptura do movimento indígena do país, favorecendo os
interesses do capital estrangeiro”.
O documento não poupa advertências. “Deixar-se-ia manifesta a impunidade do Poder Legislativo para
emitir normas ou leis que faltem aos processos legais e, finalmente, evidenciaria a falta de vontade em relação à
retomada do processo de paz e à ausência de interesse (do Estado) quanto ao respeito dos direitos humanos e dos
povos indígenas”.
Afirmam que, desde 1996, com a suspensão do diálogo entre os zapatistas e o governo federal, “têm
aumentado as condições de deterioração nas comunidades indígenas de Chiapas”.
“A crescente militarização, a impunidade propiciada pelos governos federal e estadual ao não agir diante
dos grupos paramilitares, a situação de deterioração das comunidades refugiadas, bem como as graves violações
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, são transgressões que atentam contra a dignidade dos
povos indígenas”. Acrescentam: “Os povos indígenas do México e de Chiapas têm procurado fazer com que os
vários governos respeitassem seus direitos; contudo, a resposta tem sido um agir contra estes”.
Em 2001, relatam “o EZLN apresentou à nação mexicana (...) as reivindicações dos povos indígenas para
intimar os legisladores a aprovarem o projeto de lei elaborado pela COCOPA”. Contudo, foi aprovada uma reforma
“contrária a esta reivindicação social”. Como resultado, os povos indígenas “impugnaram dita reforma,
apresentando pedidos de inconstitucionalidade”.
Sublinham que as Câmaras dos Deputados e dos Senadores desrespeitaram o processo de votação
estabelecido no artigo 135 da constituição. O Executivo federal também “deixou de cumprir o seu dever de fazer
respeitar a constituição, sobretudo, o artigo 133”, acrescentam. Com a reforma aprovada, dizem, o Estado
mexicano “não aplicou a Convenção 169 da OIT e não respeitou o direito à consulta de acordo com as formas
próprias dos povos indígenas, estabelecido no artigo 6 da mesma Convenção” (a cujo cumprimento é obrigado por
lei).
Com base nestas considerações declaram: “a SCJN deve cumprir (seu dever), dando um veredicto
favorável aos pedidos de inconstitucionalidade apresentados como legítimas reivindicações dos povos indígenas do
México e de Chiapas; deve cumprir a Convenção 169 da OIT e proceder conforme manda seu artigo 6”.
A Corte tem em suas mãos, concluem, “a oportunidade de fazer respeitar os acordos de San Andrés e desta
maneira contribuir para o processo de paz no México e, sobretudo, em Chiapas”.

Denunciam assédio aos zapatistas que exigem esclarecer assassinato.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 17/08/2002.

Município Autônomo 17 de novembro, Chiapas, 16 de agosto. Há uma semana do assassinato de José


Santíz López na comunidade 6 de Agosto – ocorrido no último dia 7 – as bases de apoio do Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN) iniciaram nesta quarta-feira um plantão por tempo indeterminado nesta comunidade
para reivindicar o esclarecimento do crime e a punição dos culpados. Centenas de camponeses, em sua maioria
tzeltales e tojolabales, participam da mobilização “pela justiça”.
Hoje, o Conselho Autônomo do Município 17 de Novembro denunciou que o plantão é hostilizado pela
Segurança Pública do estado e pela polícia municipal de Altamirano. Ontem pela manhã, pouco depois do
patrulhamento dos agentes, foram ouvidos tiros perto de 6 de Agosto.
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Logo após os disparos, passou diante do plantão um veículo, guiado por um dos empregados da
administração municipal de Altamirano que tentaram confundir os zapatistas, no último dia 8, após o assassinato de
López Santíz. Este “servidor público” encontra-se, novamente, detido pela Comissão de Honra e Justiça do
município em rebeldia.
“Se não for encontrada nenhuma responsabilidade (no tiroteio de ontem) será posto em liberdade”,
declaram as autoridades autônomas. Na cabeceira municipal de Altamirano e nos seus arredores perdura um clima
de tensão.
Num comunicado, o município autônomo sublinha que, há uma semana do homicídio, “os governos
municipal, estadual e federal nada fizeram contra os assassinos que, ao contrário, têm recebido a proteção do
Ministério Público e dos governos”.
“A mentira continua em seu coração, com ela se
defendem e nos atacam, permitindo assim que a
injustiça continue sobre o nosso povo. Mais uma
vez, denunciamos que os assassinos são: Baltazar
Alfonso Utrilla, Benjamin Montoya Oceguera e
Humberto Castellanos Gómez. São cúmplices:
Constantino Kanter, a prefeitura de Altamirano, o
Ministério Público, a Segurança Pública e os
policiais. A justiça nunca vai vir deles”.
Informam que na quarta-feira 14 de agosto
iniciaram “um plantão pela justiça no novo centro
populacional 6 de Agosto”, e lançam um apelo às
organizações de direitos humanos e à sociedade
civil para que acompanhem esta mobilização”.
Denunciam também “o patrulhamento e a
zombaria que a Segurança Pública está fazendo nas proximidades do nosso plantão. Às 11.00 hs. da manhã do dia
15, foram ouvidos vários tiros quando os policiais se aproximaram de onde estávamos. Naquele mesmo instante
passou um veículo que agora, junto com o motorista, é objeto de investigação de nossa Comissão de Honra e
Justiça”.
As autoridades autônomas dizem ter retido tanto o veículo como o motorista; se nele “não for encontrada
nenhum envolvimento nos fatos, será posto em liberdade”.
Anunciam que permanecerão de plantão, “exigindo a entrega dos assassinos”. Assim como foi informado
pela imprensa estadual, os zapatistas sublinham que tanto os acusados, como seus familiares, se esconderam fora
do município de Altamirano.
“Como município autônomo, não vamos permitir faltas de respeito à nossa dignidade, nem que os
assassinatos fiquem impunes. Vamos lutar e vamos fazer justiça”, conclui o conselho autônomo.

Sobrevôos na selva.

Informes provenientes dos municípios autônomos San Pedro de Michoacán e Tierra y Libertad, ao sul da
selva Lacandona, confirmaram os sobrevôos de aviões militares de grande porte, todos os dias das últimas semanas,
sempre entre as 19.00 e as 20.00 hs, com o mesmo trajeto. Ocasionalmente, os vôos se repetem pela manhã, por
volta das 7.00 hs., sobre La Realidad, San José Del Rio, Guadalupe Tepeyac, San José Buena Esperanza e outras
comunidades.
Testemunhos de indígenas vindos da região sublinham que, inclusive, moradores detectaram o “cruzar-se”
no ar de duas aeronaves, ao que parece “numa rota” ao longo do vale e das montanhas próximas à Guatemala, sobre
os municípios oficiais de Las Margaritas e Trinitária, entre Marquês de Comillas e Comitán.
Sobrevôos semelhantes têm sido registrados pelos municípios Emiliano Zapata e Libertad de los Pueblos
Mayas, nos vales de Ocosingo e na parte central dos Montes Azuis. Tudo isso, coincide com as recentes denúncias
de patrulhamento e movimentação terrestre das tropas do exército das cidades de Palenque e Ocosingo para o
interior da selva Lacandona.

Denúncia do Município Autônomo San Manuel.

À imprensa nacional e internacional


À opinião pública nacional e internacional
Às organizações de direitos humanos.
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Hoje, 19 de agosto de 2002, às 6.30 hs. da manhã, 22 carros (pick-up, micro ônibus e pequenos
caminhões Nissan) que chegaram de Taniperla, Monte Líbano, Perla Acapulco e Peña Limonar, pararam no
povoado Nuevo Guadalupe, cruzamento Quexil, onde há um bloqueio das bases zapatistas para o controle do
tráfico de madeiras, bebidas alcoólicas e carros roubados.
Dias antes, os companheiros deste bloqueio zapatista haviam detido um caminhão carregado de madeiras
nobres que se dirigia a Ocosingo.
As pessoas que chegaram nos 22 veículos começaram a atirar pedras contra o letreiro que está no
cruzamento Quexil, onde há um desenho de Zapata e do Sub Marcos e indica que se trata de um Município
Autônomo Rebelde. Há também um letreiro no qual se anuncia que se proíbe o tráfico de bebidas alcoólicas,
madeiras nobres e carros roubados. Uma das pessoas que liderava o grupo de paramilitares desceu de um dos
veículos e se dirigiu à casa do companheiro autoridade zapatista Marcos Méndez Sánchez, onde, apoiado por vários
paramilitares, deteve Marcos Méndez. Outros dois companheiros bases de apoio, Felipe Gómez Sánchez e
Rigoberto Sánchez, também foram detidos pelos paramilitares. Outros dois companheiros bases de apoio
conseguiram fugir e foram pedir ajuda a outros companheiros. Em seguida, voltaram e tentaram conversar com os
paramilitares para ver se era possível resolver o problema pelo qual haviam vindo. A resposta foi que começaram a
atirar as pedras que carregavam nos caminhões que chegaram ao cruzamento pela manhã e começaram a carregar a
madeira retida pelo bloqueio zapatista alguns dias antes. Além de atacar com pedras, os paramilitares começaram a
agredir com facões e a atirar com revólveres e armas longas.
Já haviam feito subir num caminhão os três companheiros detidos para levá-los embora. Dois deles
conseguiram se jogar e fugir, mas Rigoberto Sánchez Gómez não conseguiu se jogar e o levaram embora para um
lugar desconhecido.
Marcos Méndez Sánchez que conseguiu se jogar do caminhão, recebeu um tiro no estômago de uma arma
calibre 22, razão pela qual se encontra em estado grave. O companheiro Felipe Gómez Sánchez recebeu dois tiros,
um nas costas e outro no ombro e está em estado grave. No momento em que tratava de ajudar seus companheiros,
atiraram no braço de Juan Méndez Sánchez. Francisco Méndez Vázquez recebeu um tiro no pé e várias pedradas na
cabeça.
Dois companheiros bases de apoio conseguiram pegar um facão de um dirigente paramilitar que recebeu
vários golpes na cabeça e na perna. Este dirigente conseguiu fugir quando outro paramilitar veio em sua ajuda com
um revolver na mão.
Os paramilitares entraram na casa do companheiro Marcos Méndez Sánchez e lhe roubaram vários
pertences, pegaram um companheiro zapatista de idade e também deram pontapés na filha de Marcos Méndez, Irma
Méndez Gómez, de 11 anos. Vários caminhões tentaram atropelar as mulheres bases de apoio zapatistas que
defendiam seus companheiros que estavam sendo agredidos. Momentos depois, todos os agressores paramilitares
fugiram em seus carros e caminhões rumo a Ocosingo onde atualmente encontram-se posicionado no parque
central.
Horas depois, este município autônomo pôde averiguar que o companheiro Rigoberto Sánchez Gómez
havia sido levado à cidade de Ocosingo. Durante o trajeto pararam no rancho San Miguel. O companheiro tinha os
olhos vendados, bateram nele em várias ocasiões e ameaçaram queimá-lo vivo com gasolina. Tiraram os sapatos
dele. Depois levaram-no para a Procuradoria do Estado, em Ocosingo, onde foi interrogado. Em seguida, foi
transferido ao presídio público e aí lhe tiraram o cinto e os 20 Pesos que tinha na sua bolsa. Depois o transferiram
novamente para a Procuradoria de Justiça onde lhe tiraram uma fotografia.
Sabemos, através de companheiros que estavam na Procuradoria de Justiça no momento em que
interrogavam o nosso companheiro Rigoberto Sánchez Gómez, que lá na Procuradoria estavam também Juan José
Gómez, Isidro Gómez Encino, Luis Correa Guajardo, Pedro Chulín (OPDIC) e Omar Burguete, prefeito de
Ocosingo; em seguida, os últimos dois foram para San Cristóbal de las Casas, supostamente para encontrar-se com
o governador do estado Pablo Salazar Mendiguchía.
Este município autônomo denuncia que as mais de 200 pessoas que chegaram ao cruzamento Quexil
pertencem à organização OPDIC, que está realizando ataques em vários municípios autônomos, e
responsabilizamos o governo estadual porque os dirigentes deste grupo paramilitar são bem conhecidos, alguns
deles, como Pedro Chulín, têm cargos públicos.
Os governos federal e estadual querem continuar provocando enfrentamentos e debilitar a resistência dos
Municípios Autônomos em Resistência. Apresentam estes ataques como disputas de terras ou conflitos entre
indígenas, mas são as autoridades federais e estaduais que apóiam diretamente estes paramilitares.
Declaramos que continuaremos em rebeldia contra o mau governo e chamamos a sociedade nacional e
internacional a ficar atenta a outros possíveis ataques contra os Municípios Autônomos para que se mobilize em
apoio à nossa justa luta.
Democracia, Liberdade e Justiça com Dignidade.
74
Relatam tentativa de linchamento de zapatista em Polhó.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 23/08/2002.

Município Autônomo 17 de Novembro, Chiapas, 22 de agosto. Nestes dias, vive-se em Chiapas o pleno
ressurgimento dos grupos paramilitares, mesmo que oficialmente “nunca tenham existido”. Em poucos dias,
tornaram evidente sua presença em Ocosingo, Altamirano e Chenalhó. O súbito agravamento das hostilidades
contra as comunidades zapatistas, através de ações mal-disfarçadas de “conflitos comunitários”, parecem marcar
uma nova escalada da guerra de baixa intensidade que pesa sem cessar sobre os povos indígenas de Chiapas.
San Manuel, Ricardo Flores Magón, San Pedro Polhó, 17 de Novembro e Francisco Gómez são, até agora,
os municípios autônomos contra os quais foi diretamente “lançada” a ofensiva.
Enquanto o município 17 de Novembro denunciou o aparecimento de um novo grupo paramilitar na região
de Altamirano (onde no último dia 7 foi assassinado o representante zapatista José López Santiz), nas proximidades
de Polhó, 30 pessoas, conhecidas como próximas aos paramilitares, tentaram assassinar um membro do município
autônomo que se salvou atirando-se num barranco e rolando por cerca de 200 metros.
Enquanto isso, o município Francisco Gómez denunciou a ameaça de um ataque paramilitar contra o posto
de controle instalado pelos zapatistas em El Salvador, assunto que agora ganha espaço na mídia eletrônica, que não
se comove pelos zapatistas mortos e feridos, mas que treme de raiva por uma taxa de 10 Pesos cobrada em um
único povoado do vale Patihuitz.
Esta novidade se somou aos bem-organizados ataques dos membros da priista Organização para a Defesa
dos Direitos Indígenas e Camponeses, OPDIC, contra as comunidades La Culebra e Nuevo Guadalupe, deixando
cerca de 15 zapatistas feridos (dois deles em estado grave). Em Nuevo Guadalupe (cruzamento Quexil) foram
registrados também cinco feridos priistas.

Foi identificado um novo grupo paramilitar.

As autoridades autônomas de 17 de Novembro denunciaram que na região de Altamirano, onde “a


impunidade continua”, está se desenvolvendo um bando de paramilitares, que se denomina SISEN”. Esta
organização, acrescentam, “é do conhecimento do prefeito, da Segurança Pública e da base militar.
Na comunidade Galilea, “um grupo de pessoas do PRI e do PT tem um campo de treinamento” (e não
propriamente esportivo). O governo, “até agora, continua sem fazer nada contra este campo. Os líderes José Lino
Gómez Hernández, Gerardo Aguilar Gómez e Floriberto Morales continuam gozando a liberdade”. Entram e saem
de Altamirano, segundo a denúncia zapatista. “Usam uniforme azul marinho, tanto a camisa, como o gorro e a
calça, idêntico ao que é usado pela Segurança Pública. Temos uma fotografia do senhor Floriberto Morales
Vázquez quando estava uniformizado”.
“Um segundo capitão, de nome Alfredo Alvarado R. (destinado à base do Exército federal da cidade de
Altamirano), é a pessoa que tem contato direto com os paramilitares; é ele que entrega as máquinas fotográficas, as
filmadoras e os rádios de comunicação para que nos rastreiem, nos vigiem e tenham em suas mãos tudo o que
fazemos e como somos. Seu contato obriga-os também a pegarem informes por escrito sobre o que acontece na
região e são pagos de acordo com a importância do informe. Eles entram mais nas comunidades divididas e
oferecem dinheiro e telhas para que os moradores abandonem sua resistência. Preferem dar mais dinheiro do que
telhas, porque é menos visível”.
A autoridade zapatista indica que “no interior da região, foram vistas pessoas estranhas uniformizadas com
camisa gorro e calça pretas, carregando armas de alto calibre”. Esta “estrutura do Exército federal com os
paramilitares, dizem, “nos preocupa porque é uma prova de que querem nos provocar com a intenção de semear o
terror no interior do nosso município. Nós não queremos ver mais sangue ou morte de indígenas em nossos
povoados. Nós estamos trabalhando em paz, semeando nossa terra”, declaram. Todavia, “os governos federal
estadual e municipal estão dispostos a romper nossa unidade e a gerar violência e guerra entre os indígenas”.

Acusaram-no de roubar umas cordas.

O conselho municipal autônomo de San Pedro Polhó, através de seus representantes Agustín Pérez Parcero
e Agustín Pérez Santiz, condenou e rechaçou “energicamente” os acontecimentos de domingo 18 de agosto quando,
às 12.00 hs., “num terreno onde há um areal de areia grossa” Mariano Pérez Gómez “foi agredido e acusado
injustamente do roubo de cordas para medir terrenos”.
Pérez Gómez “voltava do trabalho na colheita quando um grupo de pessoas, a cerca de 5 metros dele, lhe
ordenou de parar. O companheiro atendeu sem medo e, logo em seguida, foi acusado de ter roubado umas cordas.
O companheiro negou sua culpabilidade várias vezes e quando se ordenou a ele que dissesse a verdade por bem ou
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por mal, e ele garantiu não saber de nada, foi apedrejado. Em seguida, mais de 30 pessoas se lançaram contra
ele com agressões e ameaças de morte, mas, por sorte, ele pôde escapar ao que lhe parecia ser um massacre”.
“Ao não vê-lo – prosseguem as autoridades de Polhó -, os agressores circundaram a área, mas não
conseguiram pegá-lo, pois o companheiro se jogou num barranco para se esconder, caindo aproximadamente 200
metros para salvar sua vida. Por sorte, as lesões não foram graves, e viu como os agressores jogavam pedras
grandes que podiam cair só a cerca de 150 metros, razão pela qual não o atingiram”.
O conselho autônomo garante que os agressores “atentaram contra a vida do jovem companheiro, que, já
fora de perigo, dirigiu-se à sua casa para dar a notícias e investigar se alguém saiu morto. No lugar dos
acontecimentos foram encontradas muitas pedras e um chapéu-de-palha branco propriedade dos paramilitares”.
Nos fatos ocorridos “está envolvido um grupo priista e cardenista (vinculado ao que foi o Partido da Frente
Cardenista), encabeçado pelo representante de bens comunais do município de Chenalhó, Pedro Mariano Arias
Pérez, como presidente, Antonio Pérez Santiz, Mariano Hernández Pérez, Gilberto Gómez Pérez e outros”. Estes
são identificados como “os encarregados de organizar grupos paramilitares, com a aprovação do prefeito
constitucional Armando Vázquez Pérez.
“Pedimos que este problema seja levado em consideração, relacionado com o terreno onde se encontra o
areal de Majomut que, desde 21 de novembro de 1996, ficou sob a administração da câmara municipal autônoma
de Polhó, tal como é estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”. Aí, argumenta o
conselho de Polhó, se estabeleceu que fica estritamente proibido explorar, por parte de grupos particulares ou
coletivos, “neste caso cardenista”, terrenos que sejam propriedade de comunidades indígenas.
As autoridades municipais consideram “uma provocação” o ataque (ocorrido a uns dois quilômetros de
Acteal, que continua sendo, como o próprio Polhó, um acampamento de refugiados). Nestes momentos,
denunciam, “algumas comunidades priistas estão se organizando para atacar novamente os companheiros
refugiados”.

Município Autônomo em Rebeldia Ricardo Flores Magón

Chiapas, México, 26 de agosto de 2002.

Ao povo do México.
Aos povos do mundo.
Aos centros de direitos humanos.
À imprensa nacional e internacional.

Irmãos e irmãs.
Mais uma vez, levantamos nossa voz para informá-los a respeito dos fatos ocorridos no dia 25 de agosto de
2002 no rancho Amaytik deste Município Autônomo Ricardo Flores Magón.
1. Às 10.00 hs. da manhã de 25 de agosto, priistas e paramilitares do rancho Amaytik mataram dois companheiros
que são nossas autoridades: 1. Lorenzo Martínez Espinosa, do Ejido Nueva Esperancia, membro do Conselho
Autônomo de Ricardo Flores Magón; 2. Jacinto Hernández Gutiérrez do rancho Amaytik, representante autônomo
deste rancho. O fato ocorreu na escola autônoma onde as autoridades autônomas estavam reunidas.
2. O corpo do companheiro Lorenzo Martínez Espinosa desapareceu ontem à noite sem que se saiba quem o pegou
e para onde foi levado para ocultar o crime organizado por paramilitares e priistas da região Peña Limonar que
atuam neste vale conforme temos denunciado anteriormente; e, portanto, exigimos que o corpo do nosso
companheiro nos seja entregue imediatamente.
3. Responsabilizamos diretamente o mau governo federal e estadual pelos fatos ocorridos. E, por tudo isso,
lançamos um apelo à sociedade civil nacional e internacional para que se mobilize e exija do mau governo que pare
com as matanças, que se investigue e se faça justiça em relação aos verdadeiros culpados do assassinato de nossos
companheiros autoridades; hoje o mau governo e seus paramilitares cumprem suas ameaças de morte contra os
povos que estão em digna resistência.
Apesar de todas as ameaças e do assassinato por parte do mau governo, nossos povos continuarão
resistindo e lutando por democracia, liberdade e justiça.
Conselho Autônomo.

Centenas de efetivos do exército se embrenham nos vales de Ocosingo.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 27/08/2002.

San Cristóbal de las Casa, Chiapas, 26 de agosto. Centenas de efetivos do Exército se embrenharam hoje
nos vales da selva Lacandona e em direção a Palenque, no extremo norte da própria selva. Dezenas de caminhões
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transportaram contingentes de soldados armados e equipados e foram mobilizados veículos blindados e de
combate que se dispersaram em várias direções no interior dos vales de Ocosingo, nos municípios autônomos
Ricardo Flores Magón, San Manuel e Francisco Gómez.
Criando uma súbita situação de tensão e medo, que foi preparada ao longo de toda a semana anterior, o
Exército entrou nos vales atrás de boatos. Até o momento se desconhecem as razões deste grande desdobramento
de tropas. Enquanto isso, as autoridades judiciárias do estado deixam desaparecer um morto e obtêm resultados
decepcionantes em suas investigações.
O comitê pelos Direitos Humanos Frei Pedro Lorenzo de la Nada declarou hoje à noite ao La Jornada que
“esta é a primeira mobilização de grande envergadura do Exército nos vales desde que o presidente Vicente Fox
anunciou a retirada dos militares dos acampamentos de Amador Hernández, Las Garrucha, Guadalupe Tepeyac,
Cuxuljá, Roberto Barrios, Oventik e La Realidad, em dezembro do ano 2000, quando tomou posse do seu cargo”.
Contudo, desde 1995 não tem havido nenhuma retirada de tropas da região do conflito.
Informes dos municípios autônomos que rodeiam a cidade de Ocosingo, bem como vários relatórios de
organizações civis de observação, permitem afirmar que a operação do
exército começou ontem às 17.00 hs., quando chegaram os primeiros dez
caminhões com os soldados ao quartel geral da 39ª Região Militar. Às
18.00 hs., mais 20 veículos. Uma hora depois, 30. Às 20.00 hs. chegaram
40, e às 21.00 hs. mais 15.
A isso devem ser acrescentadas as tropas que já se encontravam
no quartel militar do acampamento militar de Toniná, um dos maiores de
Chiapas e quartel da 39ª Região Militar do Exército. Dias atrás, a
atividade das tropas no quartel havia aumentado visivelmente.
Este Exército reunido em Toniná realizou treinamentos de
combate entre as 20.00 e as 22.00 hs. Os soldados não dormiram durante
toda a noite, pois gritavam continuamente palavras de ordem, e de tanto
em tanto ligavam os motores de seus veículos.
Às 5.00 hs. de hoje, os primeiros 10 veículos saíram de Toniná
rumo à cidade de Ocosingo. Às 7.00 hs., outros 20, e 42, armados e
precedidos de blindados, em direção a Monte Líbano e Taniperla.
De acordo com o município autônomo San Manuel, nestes
caminhões viajavam também civis; acha que se tratava dos paramilitares
da OPDIC que estavam em Ocosingo desde o dia 19, quando foram
convocados pelo dirigente e deputado priista Pedro Chulín Jiménez.
O Município San Manuel denunciou hoje o deputado Chulín
Jiménez como uma das pessoas que abriram fogo contra as bases de apoio
do EZLN segunda-feira passada, durante o ataque paramilitar no cruzamento Quexil. Segundo as autoridades
autônomas, ontem à noite, se reuniram em Toniná cerca de 300 caminhões, blindados e veículos de assalto do
Exército federal. Às 17.00 hs. de hoje saíram ainda mais caminhões com tropas em direção a Monte Líbano.
Além disso, hoje, o município autônomo Primeiro de Janeiro comunicou a movimentação de um longo e
intermitente comboio de 2000 soldados em direção a Palenque pela rodovia internacional. Foram registradas
também importantes movimentações castrenses, não quantificadas, ao longo da rodovia de fronteira que percorre o
norte dos Montes Azuis, na divisa com Tabasco e a fronteira internacional da Guatemala.
Da cidade de Ocosingo, o CDHFPLN confirmou que centenas de efetivos do Exército foram vistos chegar
na região militar de Ocosingo durante a noite de domingo. “Foram vistos sair do quartel desde a manhã desta
segunda-feira e, em seguida, foram vistos dispersar-se em vários pontos dos vales: 4 caminhões cheios de efetivos
armados perto do ejido Nuevo Morelia (na entrada do vale Patihuitz, onde está o município autônomo Francisco
Gómez), cerca de 10 veículos, alguns deles de combate e tendo um blindado à frente, no rancho Agua Dulce (entre
os municípios rebeldes San Manuel e Ricardo Flores Magón); aproximadamente 10 veículos patrulhando o trecho
entre o cruzamento Monte Liban e o destacamento militar El Ocotalito, também com blindados e veículos de
combate. Também se observou uma movimentação do Exército rumo à comunidade de Taniperla e rumo a Peña
Limonar”.

Executam um zapatista; agora foi no município Olga Isabel.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 28/08/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 27 de agosto. Outro indígena zapatista, desta vez pertencente ao
município autônomo Olga Isabel, foi assassinado por um conhecido grupo paramilitar. A vítima já havia recebido
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ameaças de morte por parte de priistas armados do bando Los Aguilares, comandado pelo ex-militar Sebastián
Aguilar.
As autoridades autônomas de Olga Isabel denunciam hoje a morte de Antonio Mejia nas proximidades da
comunidade K’an Akil, pelas mãos de Los Aguilares, que agem impunemente na região (no interior do município
constitucional de Chilón) desde 1994.
Ainda que os fatos tenham ocorrido no domingo, dia 25, só hoje os indígenas puderam tornar pública a
denúncia. “Não pudemos recolher o corpo do companheiro, porque os paramilitares disseram que se fossemos aí
voltariam a atirar em nós. Procuram fazer com que lhes respondamos, porque disseram que é isso que querem que
façamos”.
Este é a quarta morte de um membro das bases de apoio do EZLN nestes últimos dias, na que, a cada dia,
se revela mais como uma ação coordenada de vários agrupamentos paramilitares que atuam na selva e na zona
norte para hostilizar e provocar as comunidades em resistência.
Longe de deter a violência paramilitar, as recentes movimentações do Exército rumo ao interior dos vales e
ao norte parecem tê-la estimulado. O acirrar-se da violência neste final de semana, ao norte de Ocosingo e de
Chilón, coincide com o extraordinário desdobramento de tropas realizado nesta região entre domingo e segunda-
feira.
Com grande ênfase do Diário de Chiapas, o ex-prefeito panista de Tuxtla Gutiérrez, Francisco Rojas,
clamava hoje pela intervenção do Exército contra os zapatistas. Sob a manchete “Parem a desordem do EZLN”, o
delegado estadual do PAN, Francisco Rojas Toledo, instou o governo federal “a pôr fim às ações que o EZLN vem
realizando na zona de sua influência”, e se manifestou pela “volta do Exército a alguns lugares estratégicos desta
região, a fim de pôr ordem”. (Vale a pena lembrar que Francisco Rojas é filho do deputado panista Valdemar Rojas
que no último dia 13 fez uma gozação, em inglês, de um deputado indígena que falou em tzotzil da tribuna da
Assembléia Legislativa chiapaneca).
Assim, enquanto a direita racista prepara a escalada da repressão, as autoridades de Olga Isabel descrevem
os autores da nova provocação: “Los Aguilares são temidos por muita gente. No seu comando está o senhor
Sebastián Aguilar, que foi membro do Exército e tem parentes que são soldados. È deles que os paramilitares
recebem as armas”.
E relatam que dias antes do assassinato de Antonio Mejía, os priistas seqüestraram um membro do
município autônomo, “que foi interrogado e obrigado a pagar uma quantia em dinheiro. Soltaram-no com o
compromisso de que ele deixaria de integrar o nosso município autônomo. Perguntaram-lhe por Antonio Mejía, e
disseram que este o fariam desaparecer”.
“Quando Antonio foi baleado estava com a sua esposa que o viu cair. Ele fugiu em meio ao tiroteio. O
companheiro ficou estendido a 300 metros do seu povoado K’an Akil, perto do lugar chamado Reforma K’an Akil,
onde vivem os paramilitares”.
O conselho autônomo acrescenta que na noite do dia 26 voltaram a ouvir tiros de armas de alto poder de
fogo nas proximidades das comunidades em resistência. “Dizem que vão acabar nos matando um por um”. Mais
uma vez, parece evidente a intenção premeditada de criar medo, desestabilização e incerteza por parte dos
paramilitares. Para isso, contam com um bom caldo de cultura a base de boatos ameaçadores e mobilizações
castrenses de considerável envergadura.
“Nossa preocupação é grande, porque os paramilitares não nos permitem entrar para recolher o corpo do
companheiro”, expressam os representantes autônomos. “Além disso, disseram que se não abandonamos o
município autônomo vão nos seqüestrar e obrigar a entregar-lhes uma grande quantidade de dinheiro. Sabemos que
essa gente é paga para fazer isso tudo e começar com os assassinatos. Já estivemos denunciando este grupo
paramilitar porque tem nos perseguido e ameaçado, e agora chegaram a dar tiros e, dessa forma, procuram fazer
com que lhes respondamos, porque disseram que é isso que eles querem que façamos”.
As autoridades de Olga Isabel declaram: “Responsabilizamos esse grupo paramilitar pelo assassinato do
nosso companheiro Antonio Mejía, mas também os governos federal e estadual. Já em outras ocasiões estivemos
denunciando a perseguição dos paramilitares, e eles sabem da existência deste grupo e de suas ações”.

Personalidades de 18 países convocam a manter o apoio às causas zapatistas.


Jesus Ramirez Cuevas. La Jornada, 29/08/2002.

As conclusões e recomendações da Comissão Civil Internacional pelos Direitos Humanos (CCIODH) em


Chiapas recebem o respaldo de centenas de personalidades, parlamentares, dirigentes políticos, acadêmicos,
sindicatos, organizações sociais e cidadãs de 18 países da Europa, América Latina e África.
Entre os que assinam, destacam-se escritores como José Saramago e Manuel Vázquez Montalbán, o cantor
Manú Chão, o teólogo italiano Giulio Girardi e Jean Ziegler, relator especial da ONU sobre o direito à alimentação,
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bem como 14 deputados do Parlamento Europeu, entre eles Alain Krivine e Lucio Manisco. Na longa lista,
destacam-se deputados e prefeitos suíços, italianos e brasileiros.
Os observadores internacionais afirmam que em sua última visita a Chiapas, “os sobrevôos de aeronaves
militares federais continuam semeando inquietação nas comunidades, os patrulhamentos e os postos de fiscalização
do Exército mexicano foram aumentando paulatinamente e já se tornou um hábito que os soldados improvisem
seus postos de controle nos arredores dos povoados para perseguir e intimidar os indígenas”.
A CCIODH dedica boa parte do informe “aos grupos paramilitares que integram um esquema de contra-
insurreição mascarado de agressões por problemas de terras, confrontações partidárias, conflitos religiosos,
inimizades pessoais, vinganças familiares ou, simplesmente, acidentais, ocultando desta maneira a estratégia
paramilitar de controle, desestabilização e repressão seletiva como parte de uma guerra suja, projetada e dirigida a
partir dos mais altos escalões do poder”.
“Longe de conter os grupos paramilitares – diz a CCIODH -, estes continuam dando origem a muitos
conflitos, fechando caminhos, aplicando uma política de terror, assassinatos e agressões constantes contra as
comunidades zapatistas, apoiados, como sempre, pelas velhas estruturas municipal e comunal priistas, e gozando
da cumplicidade, por omissão e comissão, do Exército e dos corpos de segurança das várias esferas
governamentais”.
A CCIODH menciona também a situação dos milhares de indígenas “expulsos de suas terras pela guerra e
a contra-insurreição que continua sem solução”. E questiona o uso dos programas de desenvolvimento para quebrar
a resistência e dividir as comunidades indígenas.
Quanto às reformas constitucionais em matéria indígena, a comissão afirma que ela “não satisfez os povos
indígenas que não vêem refletidos nelas a essência dos acordos de San Andrés”. E defende que o projeto de
reforma da COCOPA é o único que pode restabelecer as condições mínimas do diálogo de paz”.
Os observadores internacionais lançaram “um apelo à sociedade civil para que mantenha sua atenção sobre
Chiapas diante da diminuição do clima social e político ao redor das comunidades indígenas que simpatizam com o
EZLN”.

Assédio ao zapatismo.
Magdalena Gómez. La Jornada, 01/09/2002.

As notícias que chegam de Chiapas anunciam uma colheita de tempestades da qual não parecem se dar
conta nossos governantes, empenhados que estão em aplicar o ditado de Salinas “não os vejo, nem os ouço” e, ao
mesmo tempo, em propiciar a polarização com o velho duplo discurso. Parece clara a preparação do cenário do
“conflito intracomunitário” para justificar explosões violentas, como aconteceu em Acteal; apesar disso, os
governos federal e local não assumem uma política convincente. Negam-se a vincular o impacto de suas políticas
institucionais com o clima de confrontação que se vivencia na região, empenhados que estão em responsabilizar o
EZLN pelo fato de que o seu silêncio seria a causa de todos os males; para perceber isso, basta ler a declaração do
comissário para a paz, don Luis H. Alvarez.
Parece claro que as tensões e as agressões são dirigidas contra o espaço dos municípios autônomos como
projetos onde as comunidades e as bases de apoio do EZLN têm construído um espaço real de existência e de
autonomia. Se o projeto de Albores foi o de “desmantelá-los”, o que é aplicado hoje busca “decapitá-los”. Mais um
vez, se identifica a participação de grupos civis armados com ajudas externas, que deveria ser investigada, e dos
que se conhecem como paramilitares. Em sua recente visita, o próprio Francis M. Deng, representante do secretário
da ONU para a questão dos refugiados, reconheceu a ação destes grupos e o clima que prevalece em Chiapas. De
tal forma que, antes de divulgar histórias de conflitos comunitários atribuídos aos “usos e costumes”, a
procuradoria deste estado deveria investigar a fundo; por sua vez, cabe ao Exército transcender as explicações,
também recorrentes, de que suas intensas mobilizações destes dias obedecem a uma simples troca de solados.
Oito anos depois, se ressuscita a ótica de chiapanizar o conflito para minimizar o impacto nacional e
internacional que o movimento do EZLN deu aos povos indígenas e à luta contra o neoliberalismo. Ainda que as
tensões e as agressões sejam localizadas nesta região, e é aí que o zapatismo tem sua morada fundamental,
inclusive o seu compromisso com as bases de apoio comunitárias, não podemos descartar que esta dinâmica local é
alimentada pelo que se gerou a nível federal com o fracasso da tentativa de retomar o diálogo logo após a caravana
zapatista para convalidar e fortalecer o chamado projeto de lei da COCOPA.
Ao longo de dois anos, temos observado a expressão de vontades políticas que ficam na metade do
caminho no afã de banalizar o sentido deste importante movimento que, antes de tudo, é social e político.
Apresentou-se o projeto de lei da COCOPA e, em seguida, não se quis pagar o custo político de defendê-lo diante
do Congresso, o mesmo que virou as costas aos compromissos assinados em San Andrés numa lógica alheia à
obrigação que penetra seu pertencer ao Estado mexicano. Também a Suprema Corte de Justiça está muito perto de
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resolver os pedidos de inconstitucionalidade apresentados pelos indígenas e já se insinua um desfecho contrário
à reivindicação indígena.
A classe política hegemônica parece negar-se a considerar seriamente o impacto que terá nos povos
indígenas a evidência de que o Estado, com seus três poderes, insiste em prolongar sua exclusão e negar
definitivamente seu reconhecimento como sujeitos políticos. São várias as evidências neste sentido: este ano, vimos
o Congresso e o Poder Executivo, bem como a maioria das Assembléias Legislativas locais citadas pelos povos
indígenas perante a Corte, argumentando contra eles e sem um esforço de vontade para reconhecer que a razão
jurídica e histórica lhes assiste. Aí estão as sessões da Corte para evidenciar que, enquanto alguns representantes
governamentais assumem nos espaços internacionais sua adesão à livre determinação e à autonomia, a Conselheira
Jurídica da Presidência se une aos argumentos do Congresso e da Procuradoria Geral da República que, em sua
argumentação, limitam o alcance da Convenção 169 da OIT para minimizar o seu conteúdo.
O governo federal também se empenhou a sair pela falsa porta do continuísmo da política indigenista e se
prepara para realizar uma reforma institucional que só deseja mais do mesmo; inclusive, a recém-criada
Coordenação de Conflitos Intracomunitários revela uma visão errônea, pois desconhece que é o estado que falhou
em sua função de fiador do estado de direito e pretende dar ênfase aos conflitos que são o efeito e não a causa dos
problemas. Ambas as visões reafirmam a postura de colocar os povos indígenas como objeto de assistência e não
como sujeitos de direito.
Estes fatores estão na base da polarização em Chiapas e são elementos que devemos pôr na mesa para
delimitar as responsabilidades e reverter a crise do processo de diálogo. Sem uma retificação do Congresso da
União e do Presidente da República não se restabelecerá a confiança necessária para que o EZLN assuma que faz
sentido chegar a acordos.
A situação em Chiapas se agrava no momento em que as forças democráticas têm aberto várias frentes: a
defesa do setor elétrico, bem como dos defensores do patrimônio cultural agredidos em Morelos, o rechaço à
ALCA e ao Plano Puebla Panamá, entre outros. Esta situação obriga a criar uma frente comum, pois na raiz de
todos os conflitos está a disputa pela nação que queremos e a evidência esmagadora de que o 2 de julho de 2000
não gerou a mudança democrática que o país pede.

Comunicado de imprensa
Sasamtic, município de Chilón, Chiapas, 04 de setembro de 2002. A Rede de Defensores Comunitários
pelos Direitos Humanos da região norte de Chilón denuncia a recente instalação de um novo acampamento militar
que hostiliza os povoados Xanil, Xanil 2ª Seção, San Juan Chichnitic e Chaban do município de Chilón, Chiapas.
A partir do dia 03 de agosto de 2002, se instalou no entroncamento Sasamtic um comboio do exército
mexicano, integrado por 40 efetivos do Exército, e chefiado pelo comandante engenheiro NICOLAS RODRIGUEZ
VEDALLOS das Bases de Operações Mistas (BOM), que saíram do terreno Toniná e vieram para este lugar.
Sem a autorização dos ejidatários e contando somente com a permissão do dono do lote, o senhor JUAN
LOPEZ MORALES, os militares se instalaram, assinando, se supõe, um convênio com o proprietário. Por esta
razão, as autoridades ejidais já chamaram a atenção do dono, mas este não lhe faz caso porque os soldados lhe
disseram pra não ter medo já que têm respaldo e têm boas armas, que ninguém pode fazer nada aos militares, já que
têm ordem do Presidente da República e que vão chegar mais de 7 mil soldados que se instalarão em vários lugares
como nas cachoeiras de Água Azul, El Mango e Sacum Cubwits.
No dia 6 do mesmo mês, uma senhora desceu do ônibus neste desvio para esperar o caminhão que a levaria
à sua comunidade. Os militares obrigaram a mulher a entrar no acampamento e a ficar com eles por 3 dias.
Por outro lado, em Sasamtic há um espelho d’água que é utilizado para o consumo humano, já que não
contam com um sistema de água encanada, mas agora é impossível tirar água daí, porque o Exército a suja jogando
dejetos e o utilizam como banheiro ou lavanderia.
Estão também derrubando árvores para construírem suas casas, e para retirar as árvores não pediram a
autorização das autoridades ejidais, nem do titular dos lotes. Além disso, nas comunidades próximas ao
acampamento, os militares vão de casa em casa oferecendo às mulheres trabalho de serventes, mas as mulheres das
comunidades indígenas não estão acostumadas a estar com os militares e nem a trabalharem de serventes porque a
maior parte das mulheres é indígena; nas comunidades, homens, mulheres, crianças e anciãos se intimidam com a
chegada dos militares e sentem que já não têm livre trânsito para realizar seus trabalhos quotidianos e, mais tarde,
vai acontecer o que acontece em outros acampamentos militares: a prostituição, as divisões, o fortalecimento dos
grupos paramilitares que vêm agindo na região, o patrulhamento militar, a perseguição e os vôos rasantes de
helicópteros e aviões militares.
No dia 16 de agosto de 2002, um destacamento do Exército mexicano de patrulha no desvio de Alan
Sacjun e El Mango, ao encontrar-se neste último povoado com um jovem de 14 anos, os militares estiveram
interrogando este jovem perguntando se tem luz elétrica, escola, água encanada, ajudas. Depois lhe perguntaram
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quantos habitantes tem o povoado e quantas religiões; e, por último, foi perguntado se há a religião católica e
que organização pertence à igreja.
É por isso que os moradores das comunidades já mencionadas têm denunciado estes fatos junto aos
defensores comunitários e exigem a saída imediata do Exército mexicano desta região já que não os deixam
trabalhar em paz e nem livremente porque se teme pelas mulheres que ficam sozinhas quando vão trabalhar na
roça; e as crianças não podem freqüentar a escola porque não estão acostumadas a viver com pessoas estranhas
como as do Exército que não têm nada pra fazer nesta região já que as próprias comunidades sabem cuidar de si e
proteger-se.
As comunidades também têm denunciado que o governo federal, longe de reduzir o número de militares e
acampamentos nas comunidades, está aumentando-os e com isso fica demonstrado que o seu discurso é mentiroso.
Atenciosamente.
A Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos da Zona Norte de Chilón.

Anulam os pedidos de inconstitucionalidade contra a lei indígena.


Carlos Avilés. El Universal, 06/09/2002.

Hoje, a Suprema Corte de Justiça da Nação declarou improcedentes os pedidos de inconstitucionalidade


promovidos por cerca de 321 municípios contra as reformas da Constituição sobre Direitos e Cultura Indígena.
Pela maioria de oito votos a três, a Corte determinou que não tem o poder de examinar uma reforma à
Constituição, portanto, não procede que ela estude os argumentos dos municípios inconformes.
Três ministros consideraram que a Corte devia examinar sim os argumentos colocados nos pedidos de
inconstitucionalidade, mas concluíram que a reforma de agosto do ano passado era válida em todos os seus
aspectos e devia permanecer tal como foi aprovada.
Em função desta medida, as reformas da Constituição que foram feitas no ano passado em matéria indígena
continuam vigentes.
O principal argumento para definir que a Suprema Corte não tem estas faculdades é que o artigo 105 da
Constituição não prevê que se possam impugnar as ações do poder reformador, que é aquele integrado pelo
Congresso da União e por todas as Assembléias Legislativas do país, quando se realiza uma reforma da
Constituição.
Do total de pedidos de inconstitucionalidade apresentados, 302 o foram através de municípios de Oaxaca;
os demais foram promovidos por grupos de Puebla, Veracruz, Tabasco, Michoacán, Jalisco, Chiapas, Guerrero,
Hidalgo e Morelos.

O veredicto da SCJN é um convite à violência generalizada, ponderam os indígenas.


Rosa Rojas e Alma Muñoz. La Jornada, 07/09/2002.

Declarar improcedentes os pedidos de inconstitucionalidade apresentados pelos 322 municípios


contra a reforma sobre direitos e cultura indígenas “fecha aos povos indígenas do país os caminhos
políticos e legais” para conseguir o reconhecimento mínimo de seus direitos, ponderam várias
organizações ao conhecer a resolução da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN).
Por sua vez, o Conselho Indígena Popular de Oaxaca Ricardo Flores Magón (CIPORFM) manifestou que
os ministros da SCJN cometeram “outro erro histórico” contra os povos indígenas do México e “optaram pela
guerra” ao rechaçar o recurso legal dos pedidos de inconstitucionalidade mostrando “seu verdadeiro rosto:
excludente, racista e de subordinação aos interesses do grande capital. Em breves palavras, sua decisão é um
convite à violência generalizada e a passar para uma explosão social de grande envergadura”, pois “fecha a
possibilidade de alcançar a paz e pagar a dívida histórica com os povos indígenas”.
Num comunicado assinado por Reyna Pérez, Gonzalo Santiago, Célia Martínez, César Chavez e Raul
Gatica o CIPORFM acrescenta: “Não nos resta outra coisa a fazer a não ser expressar na prática quotidiana nossos
direitos como povos, como a livre associação, autonomia, autogestão, defesa de nossas raízes e de nossos recursos
naturais pelas vias pacíficas, ainda que estas sejam enquadradas nas leis como ilegais”.
Alguns grupos como o Serviço do Povo Mixe (SER), de Oaxaca, e o Conselho Guerrerense 500 anos de
Resistência Indígena (CG-500), expressaram que tinham “certa esperança” de que o veredicto da SCJN fosse
favorável aos indígenas.
Outras, como a União das Comunidades Indígenas da Zona Norte do Istmo (UCIZONI), de Oaxaca,
ponderaram que “era previsível que a SCJN fosse responder desta forma”, dado que se negou a levar em
consideração uma série de provas que quiseram apresentar-lhe. “A Corte agiu numa perspectiva branca e racista”,
apontou Carlos Beas, coordenador das comissões desta organização social.
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As contradições da SCJN.

Carlos Chavez, da Associação Jalisciense de Apoio a Grupos Indígenas (AJAGI), considerou que,
para os povos indígenas, se fecham definitivamente os caminhos políticos e legais e se colocam as
coisas num patamar muito difícil. Imagino que as liminares vão ter o mesmo destino; e é um pouco
absurdo o que a SCJN está dizendo porque numa instância inferior, diante de um tribunal
colegiado, você pode se amparar contra uma linha constitucional que atinge suas garantias, é o caso
de Manuel Camacho; como é possível que agora neste caso se declare incompetente?”
Acrescentou: “é imprevisível o que vai acontecer, mas tenho certeza de que não vai fortalecer a
governabilidade deste país e sim o contrário; há sérios enfrentamentos entre a realidade e a defasagem da realidade
que, com isso, fica assentada na Constituição”.
O priista Enrique Ku Herrera, dirigente da organização Movimento Indígena Popular, considerou que a
SCJN “radicalizou a demanda dos povos porque estão expulsando-os do desenvolvimento. A Corte os marginalizou
e os excluiu de seus direitos como mexicanos. Mais uma vez, evidenciamos que somos uma sociedade excludente e
racista”. Em síntese, arrematou, “matou a esperança de garantir a igualdade entre os desiguais”.
Marcos Matias, ex-diretor do Instituto Nacional Indigenista e atual membro do Foro Permanente dos Povos
Indígenas da ONU, vislumbrou uma volta ao que se viveu em janeiro de 1994”. Sublinhou sua preocupação diante
da possibilidade de que outros movimentos procurem caminhos beligerantes, “sobretudo, em estados como Oaxaca,
Guerrero e Chiapas, onde a situação, por si só, é de conflito”.
Oscar Banda, da organização Yax’kin, manifestou que a decisão da Corte é um “golpe político” para os
indígenas, além disso, “criará tensões entre organizações não governamentais e o governo federal”. Sublinhou que
sua organização irá propor a outros grupos semelhantes de apresentar uma queixa contra o governo federal pelo
descumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para fazer constar que a luta
pelos direitos indígenas não terminou.

Procurarão as instâncias internacionais.

Outras organizações consultadas também concordaram de que agora restam só as instâncias


internacionais, como a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos da OIT.
Amador Cortés, do CG-500, manifestou que esta decisão da SCJN “é grave, pois nos joga um balde de
água fria, porque as leis deveriam avançar para velar por um desenvolvimento pacífico entre os povos do México.
Ao que parece, era uma linha política dos magistrados”.
“Além disso – acrescentou -, é aberrante porque o veredicto é vinculado à decisão política do Estado
mexicano; para onde iremos se no México não existem leis para apelar por nossos direitos? É uma posição da
ultradireita que nos fecha a porta, nos ignora, sentimos que (a SCJN) era uma pequena janela pela qual poderia
avançar o reconhecimento mínimo da existência da pluralidade de culturas do povo, mas com esta decisão se
apagou o anseio de viver em paz com dignidade; continuaremos construindo a multiplicidade de culturas a partir da
perspectiva dos povos indígenas, já que as leis não servem”.

As esperanças viraram fumaça.

No CG-500 “esperávamos uma resposta favorável da SCJN. Me surpreende muitíssimo que não
tenham um mínimo de sensibilidade para reconhecer nossa existência enquanto povos indígenas.
No Encontro Nacional dos Povos Indígenas, a ser realizado em 12 e 13 de setembro em
Chipancingo, nós, as organizações e os povos indígenas vamos tomar decisões sobre este fato, já que
se trata de um tema de interesse nacional”, acrescentou Cortés.
Sofía Robles, do SER, comentou: “havia uma certa esperança de que iria se conseguir alguma coisa, de que
a Corte iria assumir o seu papel, mas realmente esta que estamos recebendo é uma decepção muito grande e, como
foi dito, outras medidas terão que ser tomadas e, sobretudo, acredito que os povos têm que permanecer firmes na
forma que têm mantido desde sempre”.
Agora, sublinham, as instâncias internacionais são o caminho para tornar explícito o que está acontecendo
aqui. Será necessário procurar a Corte Internacional de Direitos Humanos, “insistir perante a OIT de que está sendo
violado um direito e não estamos sendo atendidos como deveria ser; isso da SCJN não poder rever o que é feito
pelo Congresso e pelos poderes legislativos dos Estados, significa, então que eles podem continuar fazendo o que
for e ninguém pode lhe dizer nada. È grave que no interior de uma instância nacional não tenhamos com quem nos
queixar e nem quem nos faça justiça”.
Beas, por sua vez, apontou que continua sendo uma questão pendente o fato de reconhecer os direitos e a
cultura indígenas nos termos dos Acordos de San Andrés: “vão ter que impulsionar e realizar novas ondas de
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mobilização das organizações indígenas, porque esta é uma reivindicação que tem raízes profundas.
Continuaremos impulsionando ações para que os acordos sejam cumpridos”.
Por um lado, “era previsível a aposta na legislatura que aprovou a lei indígena, e, por outro, a própria
sentença que a SCJN emitiu, porque, no fundo, o que está em jogo é o controle dos recursos estratégicos que estão
nos territórios indígenas. De fato, foi denunciada de muitas formas a disputa pela água, por petróleo, recursos
naturais e biodiversidade, na base disso há a disposição do Estado de entregá-los nas mãos de particulares”.

Desde abril de 2001, o EZLN espera em silêncio as respostas.


La Jornada 07/09/2002.

As últimas vozes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) sobre a controvertida reforma
indígena foram ouvidas naquele primeiro de maio, quando o comando rechaçou a aprovação de uma emenda
constitucional que o Subcomandante Marcos batizou como originária do maldito quarteto: “Diego (Fernández de
Cevallos), Jackson (Enrique), Bartlett (Manuel) e Chucho Ortega”.
O comunicado de 29 de abril foi conhecido no Dia do Trabalho do ano passado, mais de um mês depois –
22 de março – que os zapatistas haviam deixado a capital após realizar sua caravana.
“A reforma não atende absolutamente as reivindicações dos povos indígenas, do Congresso Nacional
Indígena, do EZLN e nem da sociedade civil nacional e internacional. O EZLN desconhece esta reforma porque
não retoma o espírito dos Acordos de San Andrés e solapa a reivindicação de reconhecimento dos direitos e cultura
indígenas, sobretudo, o incipiente processo de aproximação entre o governo e o EZLN”.
“Revela um total distanciamento da classe política em relação às demandas populares. O EZLN continuará
em resistência e em rebeldia”.
A mesma reforma que ignorou os indígenas como sujeitos e donos do seu futuro foi respaldada ontem pela
Corte.
Foram os 16 dias que comoveram o país numa caravana daqueles da “cor da terra”. As praças repletas, as
recordações dos dzules, dos poderosos, dos povos de milho e aquela história que envolveu a Comandante Esther na
mais alta tribuna do país, apesar dos panistas.
Naquele 28 de março em San Lázaro, a voz gutural ressoou entre as paredes do legislativo: “... é a primeira
vez que conseguimos entrar para expressar o que sentimos, mas não creiam que, com isso, já conseguimos a paz...
gritemos para conseguir nossos direitos”.
“Falta-nos bastante para conseguir o que merecemos. Como mulheres temos que exigir nossos direitos”. À
sociedade civil, disse: “Não adormeçam, temos que continuar lutando, não se calem...”.
No dia 24 de fevereiro, vinte e quatro comandantes começaram uma marcha grávida dos símbolos e das
incertezas que os acompanharam pelas pressões desta ou daquela voz do governo ou do legislativo branco-azul e
que, finalmente, culminou numa tarde de domingo com um Zócalo repleto de pessoas, reflexões e gritos.
“Não somos a paz de faz-de-conta que anseia a guerra eterna”, disse então Marcos.
Saímos apesar do senhor que fala muito e ouve pouco, sublinhou então o EZLN ao referir-se diretamente
ao presidente Vicente Fox, que durante sua campanha repetiu mais de uma vez que resolveria o conflito de Chiapas
em 15 minutos.
Mas, também, as pombas publicitárias da paz, como Marcos definiu as intenções do presidente Fox. No
último dia de fevereiro, no vale de Mezquital, um vale de pobrezas que se prolongam no tempo.
Seguiram as festas em Nurio sob o amparo do Terceiro Congresso Nacional Indígena, os clamores pela
autonomia, a Praça dos Mártires em Toluca com a denúncia de Marcos e os temores do governo em relação à
marcha.
A omissão dos legisladores branco-azuis até que, por fim, no dia 8 de março se aceitou o diálogo com os
delegados do EZLN, apesar da relutância de Diego Fernández de Cevallos e Ricardo García Fernández.
Em seguida, a recordação zapatista de Milpa Alta e o primeiro encontro entre a COCOPA e o EZLN no dia
12 de março na Escola Nacional de Antropologia e História – onde ficaram sete dias -, quatro anos depois e até
onde foram dois mensageiros inimagináveis: Rodolfo Elizondo e Luis H. Alvarez. Levaram ao EZLN uma
mensagem de Fox. Não foram recebidos e tiveram que entregá-la na porta da escola.
A máxima tribuna não se negocia, garantia um García Cervantes longe dos limites da tolerância quando se
discutia se o comando podia ficar no plenário de San Lázaro.
Uma longa semana de espera. O aviso do EZLN para a volta a Chiapas. A ratificação do Congresso numa
votação na qual foram determinantes as posturas de Marti Batres e Beatriz Paredes, votação que, no fim, teve 220
votos a favor e 210 contra – panistas e uma dezena de priistas -; Felipe Calderón sofria um sério revés.
Hoje, a decisão da Corte mantém os Acordos de San Andrés só como promessa.

O levante já é o único caminho: simpatizantes zapatistas.


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Elio Henríquez e Angeles Mariscal. La Jornada, 08/09/02.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 7 de setembro. O julgamento da Suprema Corte de Justiça da Nação
(SCJN) em relação aos pedidos de inconstitucionalidade contra a reforma indígena “fechou a porta para a paz com
justiça e dignidade”, e “nos deixa só o caminho do levante”, afirmam a Coalizão das Organizações Autônomas do
Estado de Chiapas. Enquanto isso, o Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas, presidido pelo
bispo emérito Samuel Ruiz Garcia, garantiu que o veredicto “favorece a saída violenta para o conflito armado” e
permite fazer com que “a estratégia da guerra avance contra os povos indígenas” de Chiapas e de outros estados.
Num comunicado, a Coalizão – composta por mais de 15 grupos que simpatizam com as causas do EZLN
– expressou: “ficamos ofendidos com este resultado, porque significa que nunca haverá respeito para os nossos
direitos coletivos e voltamos a ser excluídos e negados”. O Estado mexicano “só se ocupa dos interesses
transnacionais, tratando da reforma do setor elétrico e do Plano Puebla-Panamá, mas não respeita os povos
indígenas”, acrescentou.
Enquanto isso, o Centro Frei Bartolomeu asseverou que o veredicto “fecha os espaços jurídicos e
institucionais para o reconhecimento do direito à livre determinação e autonomia dos povos indígenas e revela falta
de sensibilidade política das instâncias do Estado
mexicano para construir uma nova relação entre este e
os povos originários, tal como se estabeleceu nos
Acordos de San Andrés”.
Em separado, o secretário dos Povos Indígenas do
governo estadual, Porfírio Encino, defendeu que, com
a “lamentável” resolução do Poder Judiciário “perdeu-
se a expectativa dos povos indígenas de avançar no
processo de paz, que agora vemos se afastar”.
Por sua vez, representantes de organizações que
trabalham na região de Tuxtla Gutiérrez disseram que
centenas de comunidades indígenas exercem de fato
sua autonomia através dos conselhos zapatistas; a
notícia da determinação da SCJN levará vários dias
para ser analisada pelos atingidos.
Em março de 1998, o Subcomandante Marcos revelou que a criação dos municípios autônomos é a forma
pela qual as comunidades indígenas cumprem e aplicam os Acordos de San Andrés. Acrescentou que ditos acordos
reconhecem a capacidade dos povos indígenas para governar-se de acordo com seus usos e costumes. “É isso que
acontece agora; ainda que o governo não cumpra os acordos, eles (os indígenas dos municípios autônomos) os
tomam por acordados e estão aplicando-os”, afirmava o líder rebelde.
Hoje, quatro anos e meio depois, que as comunidades indígenas de Chiapas iniciaram o processo de
construção dos municípios autônomos, existem cerca de 40 deles que estão em constante reacomodação e
crescimento, explica Miguel Angel de los Santos, que trabalha com as comunidades da região desde antes de 1994.

Em breve, o PRD apresentará um novo projeto de lei em matéria indígena.


Renato Davalos. La Jornada 11/09/2002.

Na próxima semana, o Partido da Revolução Democrática (PRD) apresentará um novo projeto de lei em
matéria indígena que reunirá alguns elementos da proposta que um grupo de quase 200 deputados de várias forças
políticas prepararam no ano passado em resposta à lei Bartlett-Diego, e que irá incorporar os pontos primordiais da
chamada lei COCOPA para que as comunidades indígenas sejam sujeito de direito público.
O líder da bancada perredista no legislativo, José Luis Jaime, informou também que o pedido apresentado
por Marti Batres, coordenador legislativo em San Lázaro, para que o Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN) venha à Cidade do México, obedece à necessidade de abrir a porta ao diálogo que, neste âmbito, foi
fechado pela decisão da Suprema Corte de Justiça.
Em entrevista coletiva, Jaime comentou que a decisão do Poder Judiciário pode resultar em explosões
sociais. Por isso, convoca-se o EZLN a incorporar-se ao diálogo como a um mecanismo pelo qual possa vir
participar do debate nacional sobre este tema.
O líder da bancada perredista no legislativo informou também que no final deste mês estarão prontos os
informes que cada secretaria do comitê executivo apresentará sobre o desenrolar de suas tarefas no último
trimestre, seguindo o que foi acordado no Congresso Nacional. Inclusive, exemplificou, poderia haver reprovações
ou observações. Trata-se de avaliações que o próximo conselho nacional, previsto para o mês de outubro, terá que
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aprovar ou rechaçar. Os informes serão agrupados de acordo com as cinco áreas do gabinete alternativo nas
quais o Partido da Revolução Democrática dividiu o seu trabalho interno.

Que caminho nos deixam?


Adelfo Regino Montes. La Jornada, 11/09/2002.

Através de nossos agrupamentos, com vários povos indígenas do México, procuramos a Suprema Corte de
Justiça da Nação (SCJN) para pedir justiça. Fizemos isso conscientes de que havia ocorrido um processo de
reforma constitucional em matéria indígena que não só havia desconhecido a essência dos Acordos de San Andrés
e o projeto de lei da COCOPA, como haviam sido cometidas várias irregularidades ao ignorar o direito à consulta
que os povos indígenas têm, estabelecido pela Convenção 169 da OIT, e ao violar os procedimentos formalmente
estabelecidos para aprovar uma norma constitucional, de acordo com os termos do artigo 135 da Carta Magna.
Longe de ouvir nossas justas reivindicações, o Congresso da União nos deu as costas, posição que foi avalizada
pelo Executivo federal encabeçado por Vicente Fox, ao publicar oficialmente dita reforma constitucional.
Indignados, decidimos bater na última porta que nos restava na procura pelo reconhecimento constitucional
de nossos direitos: o Poder Judiciário representado pela Suprema Corte. Apesar de nossa tênue esperança, na
tramitação de cada uma das ações seríamos logo testemunhas dos numerosos obstáculos próprios de um regime
legal baseado na tradição escrita e reducionista do direito. Nós nos mantivemos fortes, e por isso, com o afã de
entregar à SCJN todos os elementos para uma análise jurídica séria e integral, decidimos oferecer, entre outras,
nossas provas testemunhais e periciais em antropologia e direito indígena. Diante deste esforço, recebemos o
primeiro sinal negativo: a SCJN rejeitou estas provas alegando que não havia fatos e provas, mas tão somente uma
questão formal relacionada ao procedimento seguido para reformar a Constituição.
Então, entendemos que, diante do máximo tribunal do país, estávamos realmente indefesos assim como
historicamente o temos sido diante do conjunto das instituições de procuradoria e administração da justiça. E hoje,
com a declaração de improcedência de nossos pedidos de inconstitucionalidade, tal como foi julgado pela SCJN,
podemos dizer com toda clareza que só admitiram sua tramitação não para fazer uma análise e um estudo dos
mesmos, e sim para calar nossas reivindicações perante os demais poderes do Estado. Por esta simples razão, os
diferentes ministros da SCJN nunca quiseram nos ouvir nas audiências formais, limitando-se somente a receber por
escrito as alegações que apresentamos.
Mas, como julgar se não se ouvem as pessoas que estão pedindo justiça? Como ter um julgamento correto e
completo, se não se tem em mãos todas as provas e tudo se limita à leitura dos documentos? Enfim, como emitir
um julgamento se não se leva em consideração a realidade concreta e quotidiana? Com isso, queremos dizer que a
declaração de improcedência dos pedidos de inconstitucionalidade feita pela SCJN não está baseada só na falta de
conhecimento da realidade dos nossos povos, como no fato dos ministros terem feito uma interpretação limitada
das normas constitucionais, concretamente do artigo 105 da Constituição.
A SCJN determinou que: “(...) o procedimento de reformas e acréscimos à Constituição Federal não é
suscetível de controle jurisdicional (...)” e que “é improcedente o pedido de inconstitucionalidade para impugnar o
procedimento de reformas e acréscimos à Constituição Federal”. O anterior, disseram eles, em conformidade com
os artigos 105 e 135 da Constituição mexicana. Como podemos apreciar, a SCJN está reconhecendo com muita
gravidade que o Congresso da União e as Assembléias Legislativas dos Estados podem ainda reformar a
Constituição cometendo vícios e irregularidades, sem que ninguém possa intervir para submetê-los ao controle
jurisdicional. Esta afirmação da SCJN constitui a negação dos princípios democráticos, nos quais supostamente há
uma divisão de poderes e um sistema de contrapesos para o equilíbrio dos mesmos, e é o reconhecimento explícito
de um sistema autoritário e excludente.
Assim, com o argumento legalista da SCJN, ficou demonstrada a estrutura excludente das estruturas
jurídicas deste país em relação aos nossos povos e se confirmou que o estado de direito, tão apregoado por eles
mesmos, não existe. E se a estrutura legal e política deste país exclui os povos indígenas, que caminho nos deixam?
Continuar suportando todo o colonialismo interno ao qual fomos submetidos desde a primeira constituição do
Estado mexicano? Continuar aceitando a dor e a morte como destino e futuro?
Diante dos olhos de todos deve ficar claro que nós, povos indígenas, desejamos uma existência individual e
coletiva com autonomia, dignidade e justiça, que este propósito não termina, mas permanece firme em nossos
pensamentos e corações. Deve ficar o testemunho sobre a nossa insistência em fazer com que a autonomia, o
desenvolvimento e a reconstrução de nossos povos fossem processos acordados no marco da ordem jurídica
mexicana. Contudo, com o fechamento dos três poderes do Estado mexicano isso não será possível. Então, a
autonomia de nossos povos indígenas terá que ser um processo impulsionado pelos fatos com base no sistema
normativo próprio. Então, pela exclusão sofrida, apelaremos à própria institucionalidade comunitária, com todas as
várias conseqüências que isso representa para nós mesmos e para toda a nação. Assim como tem sido, nós, povos,
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teremos que apelar à própria força, e o Estado, com todas suas instituições, continuará com seu papel de
exterminador. O veredicto da SCJN confirmou isso.

Zapatistas denunciam tentativa de desalojamento.


Juan Balboa. La Jornada 11/09/2002.

Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, 10 de setembro. Membros do grupo paramilitar Paz e Justiça, com o apoio de
elementos da Polícia de Segurança Pública e do Exército Mexicano, pretendem desalojar pela força os habitantes
do novo povoado Progresso Água Azul, garantiram autoridades do município autônomo La Paz, as quais alertaram
que isso poderia provocar enfrentamentos.
Num comunicado dirigido ao Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas, nove famílias
simpatizantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) que moram em Progresso Água Azul,
afirmaram que membros de Paz e Justiça têm se organizado com policiais e soldados para desalojar o povoado, na
que seria uma clara “provocação” dos governos federal e estadual. Acrescentaram que estes fatos violam os
Acordos de San Andrés Larráinzar, por isso, os denunciamos imediatamente diante de vocês para que se interem e
intervenham o mais rapidamente possível em função do que pode acontecer em nossa comunidade”.
Os zapatistas de Progresso Água Azul sublinharam a necessidade de evitar fatos sangrentos, como os
ocorridos em outras comunidades dos municípios autônomos do EZLN, entre eles Ricardo Flores Magón.
“Queremos viver em paz e não com violência”, disseram.
O município autônomo La Paz é uma das cerca de 40 demarcações autônomas do Exército Zapatista de
Libertação Nacional. Está situado entre os municípios oficiais de Tumbalá e Chilón, ao norte de Chiapas.

Exigirão que se cumpram os três sinais reivindicados pelo EZLN


Rosa Rojas e Jesus Saavedra. La Jornada 14/09/2002.

Chilpancingo, Guerreiro, 13 de setembro. O Encontro Nacional dos Povos Indígenas, que reuniu cerca de
200 delegados de organizações de 13 estados do país, decidiu empreender uma jornada de mobilizações no dia 12
de outubro com marchas no Distrito Federal, Guerrero, Oaxaca, Morelos e Michoacán, e bloqueios de rodovias em
Veracruz, Yucatán e Campeche, para lutar pelo cumprimento dos três sinais exigidos pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN) para retomar o diálogo e pelo reconhecimento constitucional dos acordos de San
Andrés, bem como em repúdio ao Plano Puebla-Panamá, ao Acordo de Livre Comércio das Américas e à
privatização do setor elétrico.
Para lançar a rearticulação do movimento indígena nacional, se acordou enviar uma comissão, neste
sábado, a San Pedro Atlapulco, estado do México, para entregar as resoluções deste encontro à comissão de
acompanhamento do Congresso Nacional Indígena (CNI), com um convite a caminhar juntos pelo reconhecimento
dos direitos indígenas. Outras comissões se encarregarão de contatar organizações e povos indígenas, incluído o
EZLN.
Na Declaração de Chilpancingo, assinada pelas 36 organizações representadas no ato, sublinha-se que é
inadequado centrar a crítica na Suprema Corte de Justiça da Nação por ela ter rejeitado os pedidos de
inconstitucionalidade contra a reforma indígena. Dita decisão, diz, é só mais uma expressão da vontade do Estado
de sujeitar e excluir os indígenas. Acrescenta: “A responsabilidade pela grave situação de falta de reconhecimento
dos direitos de nossos povos é do Estado e de todos os seus poderes”.
O documento enfatiza que os povos indígenas se reservam o direito de instaurar autonomias “e exercer
nossos direitos pela via da ação direta”. “A luta dispersa - prossegue – deve ser superada. Convocamos todos os
povos a enfrentar a ofensiva discriminatória e excludente do Estado mexicano. Para isso, faz-se necessário que
construamos um movimento indígena nacional que impulsione as formas de coordenação desta luta”.
Insta a construir uma grande força dos setores democráticos e pluralistas “para enfrentar o projeto da
direita, que entrega nossa soberania ao grande capital local e transnacional, dá as costas aos interesses das maiorias
e deseja manter a homogeneização da nação”.
Chama as organizações civis a somar forças para construir uma nova nação pluralista e democrática,
proteger o patrimônio nacional, promover o desenvolvimento social do campo e da cidade, a educação para todos,
os direitos humanos e fundamentais de todos os cidadãos, o combate à pobreza e, sobretudo, a participação cidadã
nas grandes questões nacionais, sob um princípio de democracia cidadã direta.
A coordenação foi integrada por dois representantes de cada organização presente no encontro. Pretende-se
que o mesmo lance as pontes para o entendimento e a organização de um congresso nacional, do qual participe o
maior número de organizações, povos e comunidades indígenas, para discutir o rumo do movimento indígena.
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Sublinhou-se que a luta deste movimento nacional não tem uma única frente. As organizações que
puderem devem apresentar suas inconformidades pela violação dos direitos dos povos indígenas diante da
Organização Internacional do Trabalho e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Médicos tradicionalistas adotam os acordos de San Andrés como Constituição


indígena. Rosa Rojas. La Jornada, 15/09/2002.
San Pedro Atlapulco, Ocoyoacac, México, 14 de setembro. Na abertura do Terceiro Foro Nacional em
Defesa da Medicina Tradicional, cerca de 500 participantes de 29 povos indígenas de 20 estados do país
desconheceram a reforma constitucional “indigenista” de 28 de abril de 2001 e declararam que, “diante da quebra
do estado de direito”, reconhecem como “única constituição em matéria indígena a que é contida nos Acordos de
San Andrés”.
Na chamada Primeira Declaração de M’enhuani (nome de Atlapulco em ñahñu), reiteraram a sua
exigência de que se cumpram os três sinais colocados pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) ao
governo federal para restabelecer o diálogo de paz, bem como sua determinação em defender com a vida seus
territórios, recursos naturais, autonomia e organização própria.
Na que alguns participantes consideraram uma resposta indireta à colocação vinda do Encontro Nacional
Indígena – realizado por 36 organizações em Chilpancingo, nos dias 12 e 13 de setembro-, de procurar rearticular o
movimento indígena nacional, na declaração, com cuja aprovação se deu início ao Foro, se afirma: “Convocamos
todos os povos, comunidades e organizações indígenas deste país para que continuemos consolidando o Congresso
Nacional Indígena (CNI) como o espaço de confluência de nossos povos em toda a nação”.
Na cerimônia inaugural, Pedro de Haro, marakame wirrárica, referiu-se à urgência que todos os grupos
indígenas do país têm de unificar-se para defender seus direitos e a terra – “já que despedaçaram a reforma agrária”
– e apagar a discriminação “diante do nosso governo, no qual não vejo diretriz para levar-nos ao futuro”.
Teresa Zurian, indígena zoque, e Francisco Pérez, Tzotzil, ambos médicos tradicionais de Chiapas, bem
como Antonio Hernández, sublinharam que se deve evitar que as empresas transnacionais, aproveitando-se da
miséria das pessoas, continuem roubando a sabedoria dos povos indígenas no uso curativo das plantas em troca de
mixarias. Dona Teresa, que estava presente durante a assinatura dos Acordos de San Andrés, afirmou que o
governo “quer apagá-los com um dedo e não consultou os indígenas para impor-lhes o Plano Puebla-Panamá”.
Hernández López sublinhou que os povos indígenas se opõem a que as companhias transnacionais
patenteiem os conhecimentos indígenas para beneficiar-se, pois esta sabedoria, que inclui a “cura das doenças da
alma”, deve ser patrimônio da humanidade.

Em defesa da terra.

Mario Flores, presidente do comissariado de bens comunais de Atlapulco, destacou que o propósito do
Foro é acordar a defesa da terra e dos recursos naturais dos povos indígenas, e discutir estratégias que permitam a
proteção do conhecimento tradicional construído por gerações inteiras de comunidades.
Na primeira palestra do Foro, Andrés Barreda, catedrático da Faculdade de Economia da UNAM, ao falar
sobre a globalização neoliberal e o PPP, afirmou que este mega projeto - “que agora está sob a responsabilidade do
Ministério das Relações Exteriores” – já fracassou, em parte devido à crise econômica, financeira e comercial dos
donos do dinheiro, principalmente dos Estados Unidos, mas também pelas grandes mobilizações contrárias
organizadas pela sociedade.
“Houve muitos Atencos, ainda que não fossem visíveis, de pessoas que botaram pra correr os que
pretendiam expropriar suas terras, sua água e seus recursos”. Agora se prevê que vão tirá-lo da discussão pública,
mas os mega projetos que o integravam e outros que já estão em andamento só “vão continuar onde o povo deixar”,
ainda que com outros nomes, afirmou.
Explicou que vários projetos do PPP já constavam do Banco Mundial desde 1992, como o corredor
interoceânico, que previa a construção de rodovias de Veracruz até Lázaro Cárdenas, Michoacán, e o Canal de
Panamá, e o corredor biológico da América Central - “que é a proposta que mais investe contra os povos
indígenas” -, que, antes, era um corredor só da América Central e se ampliou com a entrada do México”.
Acrescentou que agora, nos últimos mapas do Banco Mundial, este projeto chega até a reserva da biosfera
de Manantlán, em Jalisco, passando por Milpa Alta, a serra das Cruzes, do estado do México, e Michoacán.
Barreda enfatizou que se deve deixar de falar em PPP e começar a analisar muitos desses projetos e, com
eles, tratar de montar o quebra-cabeças. Mencionou que a Comissão Federal de Eletricidade tem planos para a
construção de represas em Tabasco e Chiapas, como o da Boca do Cerro, que estava pronto para começar em 1994
e foi frustrado pela rebelião zapatista; o de Simojovel e outros 72 em Chiapas, e “não se sabe o que vão fazer com
os povos indígenas que moram nestas terras”.
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Manifestou que existem também grandes projetos de mineração - dos quais o PPP não falava -, como o
do Grupo Aço do Norte em Textitlán, e a exploração de titânio que a empresa Kennecott realiza na região de
Loxicha. Apontou que as mineradoras são expertas em provocar conflitos entre as comunidades para avançar na
exploração de suas jazidas.
Advertiu que, diante deste mega projetos que continuam de pé, a defesa dos povos indígena deve ser o
manter a propriedade coletiva da água, dos bosques, das riquezas biológicas e dos saberes da medicina tradicional.

Inauguram feira da planta medicinal.

Antes do início do Foro, foi inaugurada a 18ª Feira Nacional da Planta Medicinal, da qual participam cerca
de 500 pessoas que durante três dias partilharão, em oficinas, palestras e demonstrações, seus conhecimentos sobre
as plantas e as práticas médicas alternativas: para consertar os ossos, parteiras, curandeiras, sanadores, etc. Só das
organizações dos médicos tradicionais de Chiapas chegaram mais de cem participantes. Outros tantos, homens e
mulheres, integram a delegação de huicholes e nahuas de Jalisco, Michoacán e Colima.
Tanto da feira, como do Foro, participam indígenas de Oaxaca, Veracruz, Puebla, San Luis Potosí,
Morelos, Distrito Federal, estado do México, Yucatán, Chiapas, Sonora, Chihuahua, Durango, Nayarit, Jalisco,
Colima, Michoacán, Guerrero, Querétaro, Guanajuato e Hidalgo.

O bando de Los Aguilares age livremente em Chilón.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 22/09/2002.

Município Autônomo Olga Isabel, Chiapas, 21 de setembro. Los Aguilares, o tristemente famoso bando de
delinqüentes que semeou o terror na região norte de Chilón há quase uma década, encontra-se agora tranqüilo em
sua casa, Kan’akil. Diariamente, referem os camponeses tzeltales da região, seus integrantes sobem na montanha
para realizar treinamento de tiro.
São acompanhados por “pessoas que não conhecemos”, sublinham os indígenas. Tanto Los Aguilares como
seus “visitantes” ostentam continuamente suas armas. “Por isso, achamos que já são paramilitares”, diz um homem
da comunidade. “Já faz muito tempo que o governo sabe deste bando e não mexe com ele”, acrescenta.
Em kan’akil prossegue o plantão, instalado em 26 de agosto pelas bases de apoio do EZLN de sete
municípios autônomos, para exigir que sejam castigados Los Aguilares que no dia 25 assassinaram o indígena
Antonio Mejía, sem que, até o momento, a polícia tenha se atrevido a detê-los.
Sua longa história de impunidade já perfaz uma conta de 10 pessoas assassinadas na região, das quais
alguns corpos jamais apareceram. Em contrapartida, o chefe do bando familiar, Sebastián Aguilar, ficou detido oito
meses entre 1997 e 1998, uma simples passagem para continuar delinqüindo e instaurar, inclusive, um “toque de
recolher” a partir das 17.00 horas nos arredores de Kan’akil.
Sabe-se que são também seqüestradores e narcotraficantes e que alguns membros do bando são viciados
em cocaína (“usos e costumes” completamente alheios às pessoas destas redondezas). Outro de seus delitos tem
sido o da expropriação violenta de terras que são propriedade de comunidades e ejidos. Os moradores supõem que
as terras invadidas e apropriadas pelos irmãos Aguilar poderiam ter servido para o cultivo da droga.
Como o assassinato do zapatista ficou mais conhecido que o de suas vítimas anteriores, e até um
acampamento civil pela paz veio se estabelecer na comunidade, Los Aguilares têm se reunidos só numa de suas
casas. Os irmãos de Sebastián deixaram momentaneamente suas casas, distantes não mais de 200 metros do seu
“refúgio” atual.
No dia 28 de agosto, um contingente da polícia “tentou” detê-los, mas os agentes sequer se atreveram a
aproximar-se da casa. Desde então, apesar de rechaçados e denunciados por todas as comunidades, a força pública
não voltou a incomodá-los.

Impunidade constante.

Sebastián, Oscar, Efraín e Nicolas Aguilar têm sido o que se chama de insiders; o primeiro integrou o
Exército federal e os demais irmãos a segurança pública. Há muitos anos possuem armas de alto poder. Antes de
ser mutilado, Antonio Mejia, personagem principal de Kan’akil, recebeu tiros de AR-15. Ainda que o La Jornada
não tenha conseguido falar com nenhum representante do conselho autônomo, os indígenas conhecem bem os
delinqüentes e falam deles com um novo desabafo.
Um homem de uma comunidade vizinha do mesmo município Olga Isabel que participa do plantão, diz:
“Desde que nossas autoridades denunciaram os fatos, vemos que o governo não está fazendo nada e os
paramilitares continuam aí”.
- E por que os chama paramilitares? O governo e o PRI dizem que se trata de um simples bando de delinqüentes –
lhe faz notar este enviado.
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- Pela manhã, vão para as montanhas, voltam à tarde e à noite sobem outra vez. Sempre dando tiros. Com armas
de alto poder – descreve impassível o homem acompanhado por duas mulheres com suas blusas de flores
vermelhas bordadas segundo o costume tzeltal, que cuidam do fogo a poucos metros do plantão das bases de apoio
zapatistas. “Durante a noite, se aproximam com suas tochas até 500 metros do nosso plantão. Com eles vem gente
de fora que não conhecemos. Também estão armados. Por isso, acreditamos que se tornaram paramilitares”,
acrescenta o camponês.
Chama a atenção que, enquanto Los Aguilares estão tão tranqüilos em seus “territórios”, os patrulhamentos
policiais e militares têm aumentado em várias comunidades de Olga Isabel. É o caso do Novo Centro de População
Muculum, onde em julho passado o governo do estado suspendeu a construção de uma estrada, depois de um
protesto dos autônomos. Desde então, os zapatistas mantêm outro plantão nesta comunidade em volta do qual
rondam diariamente soldados e policiais no trecho Bachajón-Chilón.
Em Kan’akil, os vizinhos acham que Los Aguilares são priistas, mas, na realidade, falta-lhes base social.
Ninguém lhes dá respaldo em nenhuma comunidade. Tudo indica que se identificaram com o PRI por atender a
seus interesses.
Mais tarde, outro homem, de maior, expressa: “não eram paramilitares e nem são mais ladrões, mas é o que
estão se tornando”.
O ataque a Antonio Mejía, que haviam ameaçado meses antes, e a nova hostilidade de Los Aguilares contra
o município autônomo, poderiam não obedecer a algum propósito de contra-insurreição e sim, mais uma vez, ao
atendimento de seus interesses. Apesar disso, o temor dos indígenas é que Los Aguilares estejam sendo
“aproveitados” para a contra-insurreição.

Visão oficial.

Os paramilitares não existem, reiterou ontem o governador Pablo Salazar Mendiguchía. Em outro
momento, o mesmo foi dito pelo procurador do estado Mariano Herrán Salvatti.
Entretanto, a maioria dos moradores do norte da selva Lacandona e da zona norte do estado estão
convencidos do contrário. Tanto bases de apoio do EZLN como membros de organizações independentes, como as
coligadas com a ORCAO e os grupos perredistas e da sociedade civil nas regiões chol e tzeltal (que agora
respaldam o governo salazarista em Ocosingo, Tila, Sabanilla, Tumbalá, Chilón e Palenque), recentemente,
voltaram a denunciar a existência e as ações de grupos paramilitares.
O caso de Los Aguilares, com certeza, não bate com a definição convencional de “paramilitar”. De acordo
com o governador, o termo se refere a grupos civis armados que precisam da cobertura do Estado, como
“financiamento, proteção e impunidade”. Bom, pelo menos, até agora eles contam com o último ingrediente, o que
não é nada banal.
Será que os assassino de Antonio Mejía acrescentam uma variante “mafiosa” à guerra de baixa
intensidade? Ou seu novo crime foi mera casualidade? O mesmo papel foi desempenhado pelos civis armados de
Los Plátanos – município oficial de El Bosque -, outro grupo sem base social que assalta, cultiva drogas, deve vidas
e representa uma ameaça constante para as comunidades autônomas (neste caso, do município em rebeldia San
Juan de la Libertad).

Chega de acordos de paz.

Desenvolvimento Paz e Justiça “não dialogará com ninguém até que se comprove que o governo quer
cumprir seus compromissos”, disseram ontem em Sabanilla os representantes desta organização. Simultaneamente,
o governador Pablo Salazar Mendiguchía declarou em Tapachula que começou o “desmantelamento” deste grupo,
de filiação priista, acusado de vários delitos (menos o de ser paramilitar).
A prisão de Sabelino Torres e de outros 26 membros de Desenvolvimento, Paz e Justiça, há uma semana
nas comunidades Miguel Alemán e Tzaquil, leva agora a dizer a seus correligionários: “Sim, tinha pensado em
assinar um acordo com os irmãos do PRD e da União das Comunidades Indígenas, Agrícolas e Florestais (UCIAF,
racha do grupo priista), mas, agora, ao governo, falta firmeza para dialogar”.
Como o governo estadual “não cumpre a sua palavra”, Desenvolvimento Paz e Justiça anunciou que não irá
assinar nenhum acordo de paz e reconciliação.

Comunicado de Imprensa da baixa zona norte de Tila, Chiapas.


25 de setembro de 2002.
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As comunidades indígenas choles, bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)
da Zona Norte de Tila, denunciaram, perante a Rede de Defensores Comunitários, os constantes patrulhamentos do
Exército federal, bem como das várias corporações policiais, que hostilizam esta população.
As comunidades indígenas denunciam que, após a prisão de 25 paramilitares da organização
Desenvolvimento “Paz e Justiça”, no último dia 13 de setembro deste ano, os patrulhamentos militares e policiais
na região têm se intensificado, ao mesmo tempo em que, aproveitando da confusão gerada por este fato, estão
sendo ameaçadas por possíveis detenções.
A violência com a qual foram realizadas ditas prisões trouxe como conseqüência o fato das comunidades
indígenas encontrar-se numa situação de tensão permanente, pois estão se aproveitando da ocasião para ameaçar
com a detenção as bases de apoio zapatistas, pois as comunidades indígenas na zona norte denunciam que “agora o
governo de Fox e Salazar querem confundir a detenção de Paz e Justiça com a dos que são bases de apoio
zapatistas que têm sido acusados injustamente pelo violento grupo paramilitar. Nos ameaçam com acusações falsas
só porque exigimos nossos direitos como povo indígena, direitos contidos nos Acordos de San Andrés Larráinzar.
Além do mais, o EZLN propus ao governo federal três sinais para retomar o Diálogo: retirada das sete posições do
Exército, Aprovação da Lei de Direitos e Cultura Indígenas elaborada pela COCOPA e a libertação dos presos
zapatistas em Tabasco, e Querétaro”. Condições que não foram cumpridas.
Neste contexto, o não cumprimento das condições zapatistas, a sentença da Suprema Corte de Justiça
contra os mais de 300 pedidos de inconstitucionalidade, a constante presença policial e militar e a reativação dos
grupos paramilitares, que, como denunciam as comunidades indígenas agem em cumplicidade com o Exército
federal e os corpos policiais, mantêm a população aterrorizada pela possibilidade de desatar mais fatos de violência
e detenções injustas, razão pela qual as comunidades indígenas da zona norte se encontram num estado de tensão
permanente.

Atenciosamente.
Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos.

Estratégia oficial, deserções de Paz e Justiça.


Angeles Mariscal. La Jornada 29/09/2002.

Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, 28 de setembro. A deserção de quase mil integrantes do grupo paramilitar Paz e
Justiça pode ser parte de uma estratégia para evadir a ação da justiça e sua responsabilidade histórica pela morte e a
luta empreendida contra as bases de apoio do EZLN, afirmaram indígenas da região norte do Estado e organizações
não governamentais.
Ao tornar pública a segunda importante saída de integrantes do principal grupo paramilitar que atua no
estado, Miguel Angel de los Santos Cruz, advogado da Rede de Defensores Comunitários dos Direitos Humanos, e
pelo menos uma dezena que trabalham como procuradores de direitos humanos, advertiram: “É uma jogada
promovida, inclusive, a partir do próprio governo do Estado, onde não há interesse real de prender os verdadeiros
líderes de Paz e Justiça”, e um exemplo disso é o caso dos máximos dirigentes dos paramilitares, Samuel Sánchez e
Marcos Albino Torres López, que ao renunciar ao agrupamento formaram a União das Comunidades Agrícolas e
Florestais (UCAF), já foram presos e soltos poucos meses depois; hoje se desconhece o seu paradeiro.
Agora, afirmou De los Santos, “corre-se novamente o risco de que os crimes cometidos contra as bases de
apoio do EZLN fiquem impunes, pois o memorando do grupo paramilitar pode desaparecer no momento em que
sua própria estrutura mudar de nome”.
Inclusive, informaram que a recente deserção e formação da União Regional das Comunidades Indígenas
(URCI) “respondem a interesses políticos; o governo quer fazer desaparecer Paz e Justiça, seus líderes já
entenderam o recado e, por isso, agora, o que estão fazendo é mudar de nome”.
Anunciou que a análise entre as organizações defensoras dos direitos humanos é que se corre o risco de que
os delitos cometidos pelo grupo paramilitar fiquem impunes, já que a PGR está investigando Paz e Justiça e no
momento em que esta deixar de existir, as coisas terminam aí.
“Estão mudando de nome em função de como estão negociando com o governo do estado, que, de cara,
não quer acordo com Paz e Justiça”, concluíram os indígenas originários dos municípios de Tila, Sabanilla,
Tumbalá e Salto de Água.
À Paz e Justiça se atribuem, pelo menos 46 mortes de membros das bases de apoio do EZLN, do PRD e da
organização pró-zapatista Abuxu, bem como de paroquianos da diocese que foi presidida pelo bispo Samuel Ruiz.

Escondidas em Chenalhó, as armas com as quais paramilitares assassinaram


indígenas de Acteal. Elio Henríquez. La Jornada 02/10/2002.
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San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 1º de outubro. As armas que os paramilitares utilizaram na matança
de Acteal “estão escondidas nas comunidades de Chenalhó”, afirmou a organização civil As Abelhas, à qual
pertenciam 45 indígenas assassinados em 22 de dezembro de 1997.
“As armas, que nos causaram muita dor, estão com eles e estão escondidas nas comunidades, e (os
paramilitares) só esperam o tempo passar, hora após hora, dia após dia, ano após ano, para que o povo se canse de
denunciar esta situação”, acrescentou o grupo.
Num comunicado de imprensa divulgado durante a cerimônia na qual se lembrou o primeiro aniversário do
retorno de 47 famílias a comunidades de Chenalhó, que durante quase quatro anos permaneceram na condição de
refugiados por medo de ser agredidas pelos paramilitares, o grupo defendeu que “ainda não houve avanços na
procuração da justiça e, pelo contrário, os verdadeiros responsáveis pela violência estão sendo libertados”.
As autoridades municipais, estaduais e federais “têm a lei na mão, mas vimos que só procuram pretextos
para bloquear o caminho à justiça, porque querem que a impunidade continue reinando”, asseverou o grupo.
“Parecem temer os atores e os que violam os direitos humanos”.
O comunicado afirma que, desde 22 de dezembro de 1997 “ficamos pedindo justiça plena contra os
verdadeiros responsáveis pelos ataques que temos sofrido, e temos denunciado o medo das armas que causaram
morte, expulsão de milhares de irmãos e sofrimento, mas não temos encontrado a resposta esperada”.
Por outro lado, a Coalizão das Organizações Autônomas do Estado de Chiapas (COAECH) anunciou
mobilizações, entre as quais manifestações, bloqueios de rodovias, fechamento da fronteira México-Guatemala e
atos de protesto para o próximo dia 12 e outubro, com o propósito de exigir o reconhecimento dos direitos dos
povos indígenas.
As mobilizações, que se realizarão nas principais cidades de Chiapas, como Tuxtla Gutiérrez, San Cristóbal
de las Casas, Tapachula, Comitán, Ocosingo e Palenque, serão realizadas no âmbito do 510º aniversário da chegada
dos espanhóis a estas terras.

A submissão
Luis Javier Garrido. La Jornada 04/10/2002.

O problema principal que o povo mexicano deverá enfrentar no futuro imediato é a submissão do governo
Fox aos interesses estrangeiros, que é o fator fundamental da desastrosa situação que prevalece no país.
1. O aspecto mais preocupante do que acontece no México é que diante da gravidade da conjuntura internacional,
marcada pela guerra contra o Iraque anunciada pelo presidente estadunidense George W. Bush, cujo objetivo é o
petróleo e que representa só mais uma fase da guerra econômica que as multinacionais estão travando contra os
povos nas duas últimas décadas para controlar os recursos estratégicos do planeta, os interesses do México estão à
deriva, pois não existe um governo nacional que defenda o povo mexicano.
2. O caso Fox é patético, pois apesar de ter conseguido ser o primeiro presidente eleito do México depois de 14
presidentes vindos do partido de Estado, para conseguir isso teve que recorrer ao apoio logístico e financeiro do
exterior, como agora se começa a conhecer com o aparecer da informação que o evidencia, e se articulou com um
setor do Partido Republicano dos Estados Unidos, com várias empresas multinacionais que têm interesses no
México e com obscuros grupos da ultradireita européia e latino-americana, aos quais agora tem que retribuir os
recursos e favores recebidos entregando-lhes as riquezas do país e cedendo a soberania nacional.
3. Por isso mesmo, a quem pode surpreender que se fale dos investimentos que os Amigos de Fox planejam fazer
no setor de energia ou do dinheiro recebido por Fox em sua campanha e que supostamente veio de um grupo que
vai da Enron ao cartel anticastrista de Miami?
4. As políticas entreguistas de Fox não são só conseqüência das idéias primitivas e ultradireitistas dele e de seus
principais colaboradores, que escondeu durante o processo eleitoral de 2000 e pelas quais os mexicanos não
votaram, e sim, sobretudo, a) desses arranjos para financiar sua campanha, que fez em aberta violação ao marco
legal e constitucional do país com o desprezo para as nossas leis que lhe é característico, e b) da avidez para fazer
negócios tanto dele como dos Amigos de Fox, que querem entrar com força na petroquímica, no setor elétrico e em
toda obra pública do Plano Puebla Panamá, tudo o que torna urgente que no México se acabe com a impunidade
presidencial.
5. Pela mesma razão, uma questão central para a defesa do México é poder aplicar a lei àqueles que agora detêm o
poder, e esta é uma tarefa para a sociedade e não para o governo foxista que não vai encará-la em função de seus
compromissos. Os responsáveis pelos crimes de 68, de 71 e da guerra suja contra os movimentos populares devem
enfrentar sua responsabilidade, mas teriam que fazer isso também, por ter o México um regime de direito, tanto o
próprio Carlos Salinas como Ernesto Zedillo, que Fox está protegendo, acreditando que seus crimes políticos e
econômicos já foram esquecidos. O atual desastre nacional é também conseqüência do saque desenfreado que o
salinismo fez no país em nome do Tratado de Livre Comércio e do neoliberalismo para apoderar-se de boa parte da
riqueza nacional, e, longe de ter uma reparação, Fox está protegendo estes interesses.
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6. Aqueles que, diante do conflito da Pemex, por motivos políticos ou descuido, afirmaram algo tão tosco como
o fato de que o governo atual lutava contra a corrupção, mentiram ao país. A imposição das políticas neoliberais
para dispor dos recursos estratégicos de um país se sustenta exatamente nas práticas institucionais de corrupção às
quais está se outorgando, de fato, um estatuto internacional de impunidade. De conseqüência, a mudança política
no México terá que passar pela possibilidade de poder aplicar a lei também ao Executivo, que, historicamente, tem
se situado acima da legalidade, num patamar de impunidade e, como se vê agora, Fox não quer ser a exceção.
7. O interesse popular reivindica que a lei possa ser aplicada também àqueles que agora estão governando o
México, a Fox e a seus amigos, o que constituiria o melhor sinal de que o país entrou na modernidade. Há menos
de dois anos em Los Pinos, Fox cometeu várias violações à Constituição e graves danos aos mexicanos.
8. “A transição”, da qual Fox tanto gosta de falar sem entender o que diz em sua cultura limitada, supunha
essencialmente uma mudança de regime político, mas para que se modificassem as formas de tomar as decisões e,
sobretudo, as políticas de governo, e o governo foxista, herdeiro direto do salinismo, não mudou a política de seus
predecessores nem nas formas nem na essência e continua dando aos mexicanos mais do mesmo, com várias
agravantes, como acontece na política externa.
9. O governo foxista não parece ter cuidado algum em evidenciar que a política mexicana trabalha não para
defender os interesses do México, e sim do grande capital transnacional e que se dobrou por completo de forma
submissa a favor do projeto imperial estadunidense e da tentativa de George W. Bush de controlar a produção
mundial de energia. Abandonado o mandato constitucional de buscar a solução pacífica dos conflitos, o governo já
não se importa de comprometer de antemão o seu voto nas Nações Unidas a favor da guerra contra o Iraque.
10. O destino do México como país com cultura e projetos próprios não está nas mãos do governo e sim dos
mexicanos que, paradoxalmente, têm que lutar, mais do que nunca, contra quem pretende representá-los, mas já
não pode ocultar que está servindo aos interesses estrangeiros.

COCOPA propõe nova reforma indígena com observações do EZLN


Roberto Garduño. La Jornada 07/10/2002.

A Comissão de Concórdia e Pacificação (COCOPA) elaborou uma iniciativa para a paz e a justiça em
Chiapas na qual propõe “integrar e subscrever” uma nova proposta de reforma constitucional que incorporará as
observações do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), de organizações indígenas e de integrantes da
comissão legislativa. O documento faz uma advertência quanto ao aumento da tensão social com “um alto potencial
de violência”.
Do mesmo modo, sublinha que o estancamento do diálogo por um tempo tão prolongado multiplica os
conflitos nas comunidades indígenas. A COCOPA começou a elaborar e a chegar a um consenso quanto ao
conteúdo de uma iniciativa para a reconciliação. Nele se estabelece a necessária intervenção do governo federal e o
apoio a programas especiais de desenvolvimento para resolver os problemas imediatos dos habitantes do sudeste.
Outro ponto da iniciativa considera a reinstalação da Comissão de Acompanhamento e Verificação, criada com
base nos Acordos de San Andrés.
As ações incluídas no projeto receberiam o aval de igrejas, intelectuais e acadêmicos simpatizantes do
zapatismo. A iniciativa sublinha que “seria possível, num dado momento, que todos subscrevam um pacto que
descreva com toda precisão os programas e compromissos que todos assumiríamos”.
Entre os promotores do documento encontra-se o senador priista Carlos Rojas e os deputados Emilio Ulloa,
do PRD, e Feliz Castellanos, do PT. Há dois meses vem acontecendo uma série de encontros entre os integrantes da
COCOPA e os atores que têm relação com o conflito.
A iniciativa considera insuficiente a resposta institucional ao conflito em Chiapas porque não criou
condições adequadas para recuperar o diálogo e nem o estabelecimento de uma nova ordem pública baseada na
tolerância, no respeito e na justiça.
Desde a suspensão do diálogo e diante do silêncio do EZLN, “as autoridades têm deixado de lado o
conflito e percebe-se pouco interesse tanto a nível nacional como internacional para retomar a iniciativa política e
tratar de avançar na solução pacífica do conflito”. A isso se soma o transbordamento do conflito nas várias regiões
indígenas e Chiapas e de outros Estados.
Diante deste cenário, a COCOPA manifesta que o silêncio e o afastamento são condições predominantes,
quem sabe agora “seja este um bom marco para tratar de construir, sem protagonismos, com modéstia e discrição,
novos caminhos que permitam retomar o diálogo e avançar nas reivindicações indígenas que ajudem a transformar
efetivamente a realidade econômica, social e política das comunidades, e ajude a recuperar a convivência social e
pacífica. O pior que pode acontecer é não fazer nada e esperar”. A nova estratégia prevê a participação do Poder
Legislativo, de organizações sociais e do Executivo federal.
“A COCOPA – coloca-se em primeiro lugar – integraria e subscreveria uma nova proposta de reforma
constitucional que reconheceria os avanços alcançados na reforma aprovada e avançaria naqueles temas que
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ficaram pendentes. Em especial se incorporariam as observações feitas pelo EZLN e seus grupos afins, pelos
integrantes da COCOPA e de outras organizações indígenas ou da sociedade civil”.
A comissão legislativa se compromete a oferecer apoio à Assembléia Legislativa do estado de Chiapas e ao
governo do estado para montar um grupo especial encarregado de formular projetos de lei em torno dos seguintes
temas:
Lei de anistia. Permitiria a libertação de indígenas chiapanecos que tenham cometido crimes menores ou
que tenham sido vítimas de processos viciados ou de uma defesa inadequada, bem como aqueles que foram
privados de sua liberdade por motivos políticos ou por reivindicações sociais.
Lei para o desenvolvimento social. Garantiria a continuidade constitucional dos programas e um orçamento
crescente, em relação ao qual se garante transparência para acabar com suspeitas políticas ou partidárias na
aplicação de programas sociais.
Lei para a proteção e desenvolvimento das culturas indígenas. Seriam promovidas ações concretas para
impulsionar o desempenho das culturas indígenas com o propósito de conseguir maior compreensão por parte da
população mestiça, bem como para coadjuvar na transmissão dos conhecimentos, usos e costumes indígenas que
são as características de sua identidade.
Lei para proteger o meio-ambiente e a biodiversidade. Seria reconhecido e se regulamentaria o direito das
comunidades de cuidar do seu entorno ecológico e se garantiria sua primícia no uso e aproveitamento dos recursos
naturais disponíveis.
Lei orgânica municipal. Seria revista a integração atual da autoridade dos municípios para garantir o
exercício da autonomia por parte das comunidades indígenas.
Por outro lado, caberia ao governo federal desenvolver quatro ações básicas para incidir favoravelmente
numa provável retomada do diálogo suspenso. O governo federal, em coordenação com o estadual, estabeleceria
um programa especial para o desenvolvimento produtivo e comercial da cafeicultura chiapaneca, particularmente
nas regiões indígenas.
Do mesmo modo, se atenderia o problema das tarifas de energia elétrica no estado; outorgar-se-iam
recursos e apoios que permitam uma resolução negociada e de consenso quanto ao problema da posse da terra nos
Montes Azuis; se estabeleceriam novos programas de desenvolvimento social e produtivo para reativar a economia
local.
Uma vez conquistado o apoio e o consenso dos atores envolvidos nas negociações interrompidas, a
COCOPA sugere que se deve avaliar o melhor momento, no âmbito desta iniciativa, para convocar novamente as
partes a retomar o diálogo”.

Para gozações, a COCOPA.


Ricardo Robles. La Jornada, 08/10/2002.

Se aceitássemos a realidade teríamos memória e lembraríamos que a única observação do EZLN à reforma
constitucional, aprovada e promulgada no ano passado, foi que era uma traição. Múltiplas vozes do movimento
indígena e da sociedade civil a qualificaram de gozação. A reação vinda do mundo indígena foi de rechaço total e
de exigir o cumprimento do que foi assinado em San Andrés. Ninguém fez “observações” à traição ou à gozação, e
nem poderiam ser feitas, pois suporiam que, no geral, se aceita a proposta ainda que com certas modificações. E
isso nunca aconteceu.
Como é que a COCOPA atual diz que leva em consideração as “observações” de todos estes cidadãos?
Está fingindo não saber ou não lembrar ou está fazendo uma nova gozação, supõe ela, dos mexicanos. Anuncia
mais do mesmo, uma postura inflexível em apoio total à aprovação do Executivo e a suas supostas saídas para uma
solução. Diz de novo, em outros termos: ou se reconhecem menores de idade ou se integram às políticas
econômicas já decididas ou são irracionais. A prova seria clara: não pensam como o Poder Executivo, não
assumem sua mercadoria em liquidação.
Ao que parece, o recente anúncio de uma “nova proposta de reforma constitucional” se reduz a cinco leis
secundárias para aplicar a reforma de 2001. E cada uma delas nega o que foi assinado em San Andrés, ofende os
povos indígenas, faz gozação deles, minimiza-os, segrega-os.
A lei de anistia, primeira a ser anunciada, merece lembrar daquela resposta magistral do EZLN à primeira
oferta de anistia: De que temos que pedir perdão? De que vão nos perdoar? Podemos nos perguntar a que vem tal
proposta quando bastaria cumprir as leis vigentes. O rumo que tomam as propostas de lei que seguem fazem temer
de que se tratará de limitar a atual Lei para o Diálogo e a Paz Justa em Chiapas.
A lei para o desenvolvimento social não seria outra coisa a não ser o reforço legal ao plano que o
Executivo impõe e com o qual pretende resolver os problemas que deram origem ao conflito, escolhendo a seu
gosto as carências como motivo único e vendo-as a partir de sua ótica bem peculiar, a conveniência. Deve-se temer
93
que a nova iniciativa de programas venha a fortalecer a linha seletiva de benefícios que tanto tem desmembrado
as comunidades com um maldoso desejo de vingança.
A lei para a proteção e o desenvolvimento das culturas indígenas já causa indignação pelo seu título. Não
se deve prever que será recebida pelos povos indígenas e, muito menos, com entusiasmo. Talvez, poderia, segundo
se anuncia, propiciar uma campanha contra o racismo entre a sociedade mestiça. Não vejo a partir de onde o
Congresso possa se atribuir capacidade e legitimidade para regular ou impulsionar a transmissão da identidade dos
povos. Será que quer protegê-los do Poder Executivos, ou só anuncia o desenvolvimento já proposto pelos
economistas e rechaçado pelos povos?
A lei para proteger o meio-ambiente e a biodiversidade regulando o direito das comunidades, parece
querer simplesmente fortalecer a expulsão das comunidades que habitam regiões da mais rica biodiversidade e
limpar o terreno para o investimento sem o estorvo do povo. Promete, ao que parece, as primícias dos recursos
naturais. O que será que é isso? Talvez tolerar que se apresentem para concorrer com as transnacionais e façam
melhores propostas e maiores investimentos do que elas.
A lei orgânica municipal parece ser saudade daquele projeto colonial e etnocêntrico das assim chamadas
“cartas municipais”. Reduzir a autonomia das comunidades à dos municípios é negar completamente as assinaturas
de San Andrés, assim como negar que o pensamento cresceu e avançou nestes diálogos; é retomar a traição e
esfregá-la no rosto do vencido. Obviamente, os povos indígenas não estão vencidos. Contra o que pode ser opinado
e ainda opinam em público os tecnocratas, o movimento indígena nacional cresce, não se amedronta, não se freia,
não se resigna diante da traição.
Mas a COCOPA atual será capaz de lembrar? É muito difícil pensar sequer que ignore tanto como quer
deixar aparecer a respeito de culturas ou diferenças, mas do que falar? O benefício da dúvida já é difícil, quem são
os que ainda ousariam concedê-lo a si mesmos? Fico pasmo diante de tanta ignorância ou diante de tanto
fingimento. Nunca saberei – porque é consciência alheia e não minha – que bom ou mau leite alimenta este tipo de
desprezos, racismos, cinismos, infâmias, gozações, traições.

Pronunciamento político.

Chiapas, México, 12 de outubro de 2002.

AO POVO DE CHIAPAS E DE TODO O MÉXICO.


AOS POVOS IRMÃOS DA AMÉRICA LATINA.
A TODOS OS MOVIMENTOS QUE LUTAM CONTRA A OPRESSÃO.
À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL.

Passados 510 anos do início de uma das espoliações mais atrozes da história da humanidade, nós,
Coordenações da Sociedade Civil em Resistência de Chiapas, estamos em luta para impedir outra pilhagem destas
dimensões:

RECHAÇAMOS CATEGORICAMENTE O PLANO PUEBLA-PANAMÁ E A ÁREA DE LIVRE


COMÉRCIO DAS AMÉRICAS !!!

Não aceitaremos a nova traição neoliberal que os governos federal e estadual pensam nos fazer, ao impor-
nos estes mega-projetos em conluio com poderosas empresas multinacionais, com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento, o Fundo Monetário
Internacional, O Banco Mundial e o sempre
presente governo dos Estados Unidos da
América do Norte.
Temos memória histórica, amor por
nossas terras e tradição de luta. Não nos
farão voltar a trocar ouro por espelhinhos.
Por isso, hoje, participamos desta grande
jornada de combate contra a globalização
neoliberal, junto a milhões de irmãs e irmãos
da América Central e do resto da América
Latina, que também estão se mobilizando
neste dia por todo o continente, em legítima
defesa de seus territórios.
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Para simbolizar o fechamento dos caminhos ao Plano Puebla-Panamá e à ALCA, neste dia a Sociedade
Civil em Resistência de Chiapas estará bloqueando rodovias durante 24 horas, a partir das 8.00 hs. da manhã
(horário rebelde), em sete pontos estratégicos do nosso estado:

1. Cruzamento Pulpitillo: na região Norte Selva.


2. Rodovia da Fronteira Sul: na região de Marquês de Comillas.
3. Cruzamento Trinitaria: na região da divisa de Comitán.
4. Cruzamento Arriaga: na região norte da Costa.
5. Rodovia San Cristóbal de las Casas-Tuxtla Gutierrez: na região de Los Altos.
6. Cruzamento Mazatán: na região Costa-Soconusco.
7. Cruzamento El Framboyan: na região de fronteira da Cidade Cuauhtémoc- La Mesilla.

Hoje, empreendemos estas ações porque conhecemos muito bem qual é a estratégia que está por trás do
PPP e da ALCA:

 Primeiro, aniquilar a nossa soberania alimentar através da introdução de monoculturas prejudiciais, entre as
quais se destacam os transgênicos.
 Depois, sufocar nossa economia camponesa, transformando nossos territórios em enclaves de monocultura
para satisfazer os caprichos do instável mercado mundial.
 Para, então, obrigar-nos a abandonar nossas terras.
 E fazer-nos acabar assim como mão-de-obra barata nas maquiladoras transnacionais e nas grandes
plantações agro-exportadoras.
 Para que, finalmente, nossas terras sejam privatizadas em benefício das poderosas empresas multinacionais
que irão saquear nossos amplos recursos estratégicos: petróleo, gás, minérios, potencial hidroelétrico dos
rios, alta fertilidade das terras e uma enorme biodiversidade.

Sabem também que, caso falhem suas táticas para desalojar-nos de nossas terras, já estão formando grupos
paramilitares que procurarão expulsar-nos através da violência; assim como, lamentavelmente, ocorre com o povo
irmão da Colômbia.
No mesmo sentido, aponta a ocupação militar que sofremos no sul-sudeste do México, como forma de
sufocar nossa previsível luta de Resistência.
Saibam os governos traidores e os empresários vorazes que estas terras são de nossos Povos, que não as
abandonaremos e que todas suas riquezas são daqueles que vivem aqui há séculos. E que resistiremos à sua
globalização do mesmo modo que os Povos Indígenas resistiram à sua conquista e o nosso milho resistirá aos seus
transgênicos.
Por isso, rechaçamos qualquer programa ou projeto paralelo ao PPP: Programa de Certificação de Direito
Agrários e Terrenos Urbanos (PROCEDE), Plano Energético das Américas, Sistema de Integração Elétrica com os
Países da América Central, Plano Sul, Corredor Biológico da América Central e Marcha para o Sul.

Em contrapartida EXIGIMOS:

 Pleno cumprimento dos Acordos de San Andrés como requisito imprescindível para a concretização do
processo de Paz em Chiapas e como instrumento para desenvolver a Autonomia Indígena em Nossos
Territórios.
 Respeito e aplicação dos preceitos legais da Convenção 169 da OIT, como ferramenta jurídica que nos
permite exercer o legítimo direito que temos à Livre Autodeterminação.
 Anulação dos vários Tratados de Livre Comércio e das imposições da Organização Mundial do Comércio
para que possamos obter preços justos para os nossos produtos.
 Finalizamos dizendo ao mundo inteiro que irmanamos combativamente nossas ações deste dia com as
mobilizações que ocorrerão no final deste mês na República do Equador, onde com milhares de irmãs e
irmãos da América Latina e do resto do mundo rechaçaremos a investida neoliberal da ALCA.

LIBERDADE PARA @S PRES@S POLÍTIC@S !!!


FIM DO TERRORISMO DE ESTADO ENCABEÇADO POR BUSH !!!
JUSTIÇA PARA O POVO COLOMBIANO !!!
QUE CESSE O MASSACRE DO POVO PALESTINO !!!
FIM DO FASCISMO DO ESTADO ESPANHOL !!!
LIBERDADE PARA TODOS OS POVOS OPRIMIDOS DO MUNDO !!!
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ATÉ A VITÓRIA SEMPRE !!!

Coordenações Regionais de Chiapas da Sociedade Civil em Resistência de: Los Altos, Marquês de
Comillas, Norte-Selva, Região de Fronteira, Costa, Centro e Fronteira Tacaná; Coalizão de Resistência Civil da
Selva Norte de Chiapas, Parejo S'cotol, CNPI-Coordenação Nacional dos Povos Indígenas de San Felipe Ecatepec,
Organização Che Guevara de Chiapa de Corzo, Povoado de Oxchuc, Comunicação Campera, OCEZ Refugiados da
Casa do Povo de Venustiano Carranza, Jolom Mayaetik, Frente Cívica Tonalteca, FRECA - Frente de Resistência
Civil da Costa de Arriaga, Povoado de Nicolás Ruiz, CIOAC Independente região de fronteira, K'inal Antzetik,
Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais da Unach, Povoadoo de Mazatán, OCIPA - Organização Camponesa
Independente para os Povos Autônomos, Frente de Luta 24 de Novembro de Porto Madero, Irmão Sol da Sierra
Madre, Cocidep - Comitê Cidadão de Defesa Popular, Povoado de Huehuetán, Colônias 5 de Março, Pátria Nova,
Santa Cruz e Moinho los Arcos, de SCLC; Colônias Felipe Carrillo Porto, Três Cruzes, 11 de Setembro y Álvaro
Obregón, de Tapachula; CIOAC Soconusco, União de Recicladores, Catadores de Lixo y Pequenos Comerciantes,
Vashakmen de los Altos Mercados e Transporte..

Cumprimento dos Acordos de San Andrés, principal reivindicação das mobilizações


em Chiapas. Elio Henríquez e Angeles Mariscal. La Jornada 13/10/2002.
Tuxtla Gutierrez, Chiapas, 12 de outubro. Com a reivindicação de que se cumpram os acordos de San
Andrés e para manifestar sua oposição ao Plano Puebla-Panamá e à Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), milhares de indígenas, camponeses e mestiços se mobilizaram hoje neste estado ao completarem-se 510
anos de resistência indígena e popular.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) não participou oficialmente das mobilizações
realizadas em vários pontos do Estado, mas suas reivindicações, como o reconhecimento constitucional dos direitos
indígenas, estiveram presentes.
Na região de San Cristóbal de las Casas, centenas de integrantes da Coordenação das Organizações
Autônomas do Estado de Chiapas tomaram simbolicamente as instalações da 31ª Zona Militar, situada em Rancho
Nuevo, a dez quilômetros desta cidade.
Com uma faixa vermelha e preta com a sigla EZLN, os indígenas e camponeses – que gritavam em coro
palavras de ordem contra os militares – fizeram um minuto de silêncio pelos caídos da luta zapatista, para depois
fechar simbolicamente, e por várias horas, as instalações, colocando nas entradas amarras feitas com a própria
roupa.
Em seguida, colocaram troncos e pedras na rodovia Pan-americana, impedindo a passagem de veículos
para as cidades de Comitán, Ocosingo e Altamirano, em protesto contra o veredicto da Suprema Corte de Justiça da
Nação a favor da lei indígena aprovada pelo Congresso.
Em San Cristóbal de las Casas, cerca de 500 manifestantes de dezenas de organizações civis, não
governamentais, e algumas comunidades, marcharam pelas ruas da cidade, enquanto em San Felipe Ecatepec – a
cinco quilômetros daqui – dezenas de tzotziles bloquearam a rodovia Pan-americana, impedindo o trânsito para
Tuxtla Gutierrez. Antes disso, outros manifestantes haviam fechado esta entrada na altura de Nachik, município de
Zinacatán.
No município de Chenalhó, centenas de integrantes da organização As Abelhas – à qual pertenciam os 45
indígenas massacrados em Acteal no dia 22 de dezembro de 1997 – realizaram uma marcha até à cabeceira
municipal.
De acordo com a informação das Coordenações Regionais da Sociedade Civil em Resistência de Chiapas,
seus membros fecharam 7 pontos nas rodovias de todo o estado.
A Coordenação de Segurança Regional da Polícia Federal Preventiva
(PFP) informou que nas estradas federais foram instalados 12 bloqueios,
localizados em pontos estratégicos.
No trecho que liga a capital do Estado com a região de Los Altos, grupos
de indígenas se instalaram em lugares conhecidos como El Escopetazo – San
Cristóbal, na altura da comunidade Nachik, outro na saída de San Cristóbal e
outro ainda diante do quartel militar de Rancho Nuevo. Ficou paralisada também
a região de fronteira que faz ligação com a Guatemala e com a Zona Norte,
através das artérias Teopisca-Comitán, Comitán-La Trinitaria e Jacote-Cidade
Cuauhtémoc.
Na região da Costa, nos pontos que vão de Tapilula a Bochil, diante do
quartel militar de Porto Caté, na Ponte Talismán-Tapachula e em Cidade Hidalgo.
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Com os bloqueios nas rodovias federais foram realizados plantões, marchas e manifestações em pelo
menos 30 municípios, localizados em sua maioria nas regiões indígenas, mas também nas principais cidades do
estado do sul do país.
As ações fizeram com que mais de 20 linhas de ônibus de passageiros, e outras de transporte coletivo,
deixassem de prestar seus serviços.
Contudo, de acordo com o relato da PFP, as manifestações e os bloqueios foram levados adiante de forma
pacífica, sem registro de incidentes.

Indígenas: a Semarnat facilita a pilhagem de recursos das comunidades.


Rosa Rojas. La Jornada 14/10/2002.

A Secretaria de Meio-Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat), com recursos do Banco Mundial,


“disfarça de apoio ás comunidades indígenas” projetos que “propiciam a entrada de empresas transnacionais que
buscam apoderar-se de sua biodiversidade e recursos naturais”. Isso foi denunciado durante o sexto encontro de
reflexão e planejamento estratégico realizado pelo Congresso Nacional Indígena (CNI).
Na reunião, da qual participaram cerca de 50 representantes de organizações e comunidades indígenas de
Oaxaca, Puebla, Veracruz, Michoacán, Yucatán, Chiapas, Chihuahua, estado do México, Jalisco e Distrito Federal,
foram analisadas as fragilidades do CNI e se colocou a necessidade de fortalecê-lo e consolidá-lo; em função disso,
foi deliberado que sejam realizadas discussões nas bases das organizações, nos povos e nas comunidades indígenas,
pois, a partir deste encontro, seria realizada “uma assembléia ou congresso”.
Sublinhou-se que o CNI é “um espaço de encontro, discussão e reflexão coletiva, sem a estrutura das
organizações tradicionais, com a finalidade de chegar a consensos que não obrigam, mas sim inspiram e orientam o
movimento nacional indígena”. Tem uma estrutura mínima que vem lhe permitindo um trabalho permanente que se
reflete na realização de três congressos, oito assembléias e seis encontros “que têm orientado e lançado pontes
comuns para articular a luta do movimento nacional indígena”. Colocou-se a necessidade de uma equipe técnica
mínima, em sistema de rodízio, não administrativa, a serviço da assembléia.
Entre os pontos fortes do CNI, identificou-se a “independência em relação aos diferentes níveis de governo
e a autogestão das próprias organizações para dar continuidade aos trabalhos”; que “não se procura interlocução
com o governo e os partidos políticos, mas sim se pretende o acompanhamento do EZLN e do movimento nacional
indígena”.

Autocrítica insuficiente.

Entre as debilidades, mencionou-se que no CNI “não tem havido suficiente autocrítica”; não tem sido dada
resposta a “setores específicos” – como é o caso das mulheres – e falta uma estratégia de autogestão.
No que diz respeito às mulheres, colocou-se a necessidade de que tenham um espaço próprio no CNI.
Questionou-se a representatividade e o manejo da liderança no interior da Coordenação Nacional das Mulheres
Indígenas (CNMI), onde, se disse, “as decisões são tomadas por maioria e não por consenso”.
Nas discussões se analisou que na nova etapa que o movimento indígena está vivendo deve-se repensar o
que o CNI quer, e que é necessário unificar critérios e estratégias de luta, bem como a explicação de fato da
autonomia em todos os âmbitos e níveis”.
Enfatizou-se que é necessário consolidar e articular o trabalho nas regiões e a aproximação às
comunidades, tomando acordos “a partir de baixo, nas comunidades”. Reconheceu-se que não há uma posição
política do CNI que responda rapidamente às diferentes conjunturas, mas se ponderou que nelas o CNI “não deve
responder, e sim propor”.
No encontro, foi analisada a problemática que os povos indígenas vivem nos estados; houve coincidências
em sublinhar que, nos últimos anos, a queda dos preços dos produtos agrícolas, sobretudo do café, incidiu num
aumento muito grande da migração para os Estados Unidos e para as cidades, que está deixando vazias as
comunidades.
Por outro lado, têm aumentado a repressão e a militarização contra as comunidades indígenas nos vários
estados do país, sobretudo em Oaxaca e Veracruz. Do mesmo modo, a biopirataria acontece em Oaxaca e Puebla,
se precisou. Por exemplo, as serras Zapoteca e Mazateca são objeto de rigorosos estudos por parte de supostas
organizações ambientalistas que chegam nas comunidades propondo projetos para convencer as pessoas a dar-lhes
informações sobre o uso das plantas. “Esta é uma pilhagem disfarçada de estudos etnobotânicos”, se disse.
Acrescentou-se que o Fundo de Desenvolvimento Indígena está introduzindo projetos para plantar cedro,
seringueiras e palmeira africana, “as pessoas sofrem porque dizem que elas e suas famílias não consomem isso, e
pensam em começar a resistência, mas temem ser reprimidas”.
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Também em Puebla, como em Oaxaca, sobretudo na região do istmo, há forte resistência em relação aos
programas do Plano Puebla-Panamá (PPP). Além disso, mencionou-se que em Juchitán procura-se chegar a um
acordo com a comunidade para superar um conflito agrário ocasionado pelas autoridades da região, devido à
superposição de resoluções presidenciais. Além disso, procura-se frear a compra ilegal das terras que tem sido feita
por uma empresa que pretende instalar uma criação de camarões na região.

Fracassam as reformas ao artigo 27 da Constituição; há 22 mil 295 conflitos pela


terra: ANIPA. Matilde Perez U. La Jornada, 15/10/2002.
Já passou uma década e as reformas ao artigo 27 da Constituição não trouxeram consigo o esperado
“mercado de terras” e nem conseguiram neutralizar a luta pela terra nas comunidades indígenas e camponesas.
Ambas, com seus respectivos matizes, continuam seu movimento de resistência. Enquanto para as autoridades
federais existem somente 22 conflitos agrários de “alto risco”, a maioria em regiões indígenas que abrangem 610
mil 437 hectares, e há 695 situações prioritárias, para a Assembléia Nacional Indígena Pluralista pela Autonomia
(ANIPA) se sobrepõem 22 mil 295 conflitos que envolvem 51 povos indígenas.
Os povos indígenas tratam de enfrentar de várias maneiras as complexas estratégias do Estado para frear os
desalojamentos e as expropriações, evitar a entrega de suas terras e recursos naturais a empresas farmacêuticas
transnacionais, que se confundem com grupos ecologistas, e têm recorrido a recursos legais invocando acordos,
como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para isso, têm utilizado a resistência
passiva e chegaram até ao levante armado.
O assunto – que não é privativo do México – já preocupa também o Banco Mundial, que este ano tem
realizado vários encontros sobre políticas de terra em todos os continentes.
No encontro sobre políticas de terra da América Latina e Caribe, Roque Roldán Ortega, do Centro de
Cooperação Indígena (CECOIN) da Colômbia, asseverou: “A defesa e o apego à posse e às propriedades coletivas
da terra, manifestados pelos indígenas, se apóia nas vantagens que o modelo de território coletivo representa diante
do individual”.

Respostas limitadas a velhos conflitos.

O México, do mesmo modo que outros 13 países, acolheu regimes de alta hierarquia jurídica sobre direitos
especiais dos povos indígenas, mas não produziu um desenvolvimento legal das normas constitucionais nem das
disposições da Convenção 169 da OIT para definir em leis ordinárias as opções concretas das quais as comunidades
irão dispor para ter acesso ao domínio da terra. “Em México, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Argentina não há
uma clara vontade governamental de pôr em prática as normas adotadas”.
Roque Roldán advertiu que, ao aplicar os procedimentos legais utilizados pelos camponeses, se responde
de forma limitada à demanda de terra dos povos indígenas. “Na prática, as concessões de títulos não contribuem
nem para a segurança no domínio do território, nem para a melhora da qualidade de vida das comunidades
indígenas. Faz-se necessária uma mudança das normas legais para oferecer aos povos indígenas os espaços de terra
apropriados, para reconstruir sua vida comunitária tradicional e apoiá-los com programas especiais”.
Contudo, para as autoridades agrárias do país, a prioridade é acelerar o processo de averiguação e
concessão de títulos dos 29 mil 942 núcleos agrários, dos quais 7 mil 652 têm população indígena e, destes, 5 mil
248 - 68,5% - já concluíram sua regulamentação.

Autoridades descumprem sua obrigação de punir os crimes cometidos em Chiapas.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 16/10/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 15 de outubro. Durante o governo atual, a lista dos crimes impunes
não parou de crescer. Entre ambigüidades e contradições a respeito da existência de grupos paramilitares em
Chiapas, as recentes mortes de bases de apoio zapatistas e as ocorridas às centenas durante o período de Zedillo,
têm pelo menos uma coisa em comum: estas e aquelas permanecem impunes. Aos velhos crimes somam-se os
novos.
“E todos são de responsabilidade do atual governo federal. Também do estadual”, garante ao La Jornada o
advogado Miguel Angel de los Santos. “O governo não está cumprindo com sua responsabilidade de castigar os
crimes e as graves violações aos direitos humanos ocorridas nas administrações anteriores”.
As instâncias oficiais “estão evitando a investigação de todos os crimes políticos dos governos
precedentes”, acrescenta De los Santos. Ou seja, não têm feito justiça, nem reparado os danos de milhares de
indígenas refugiados. Ironiza: “os grupos paramilitares já passaram à história”. Pausa. “Da impunidade”.
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Esperava-se, diz, “que com a mudança de governos por uma via democrática se fizesse justiça e se
revelasse a verdade dos assassinatos do passado. Aí estaria a diferença entre um governo novo e um velho. Se o
atual não investiga, ele torna-se cúmplice”.
Um princípio básico dos direitos humanos é que o governo que acaba é tão responsável quanto o que
chega, acrescenta o advogado chiapaneco, membro da Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos.
“Ninguém pode dizer «isso não ocorreu durante o meu mandato», ou eu não respondo por ele”, acrescentou.
O governo de Vicente Fox, e, de conseqüência, o de Pablo Salazar Mendiguchía, tem a obrigação de
investigar e castigar também os membros do regime anterior. Por exemplo, no caso de Acteal, “está mais que
documentada a participação de funcionários no planejamento do que ocorreu; não faltam elementos para proceder,
mas, ao que parece, há uma decisão política de não perseguir ninguém dos governos anteriores pela criação de
grupos paramilitares, cuja existência está comprovada, bem como os delitos que cometeram”, expressa. Algo
semelhante ocorre com Paz e Justiça na região norte: “Aí, inclusive, se conhece a responsabilidade de comandos do
Exército federal”.
Menciona o que no direito internacional é conhecido como princípio de identidade, ou continuidade do
Estado, segundo o qual “a responsabilidade criminal persiste ao longo de governos sucessivos”.
Sobre os assassinatos de bases de apoio zapatistas ocorridos entre agosto e setembro deste ano, o
entrevistado vai ao que é fundamental: “Para além de saber se os assassinos pertencem ou não a um bando armado,
se são paramilitares ou particulares, a responsabilidade do governo é a de fazer justiça”.
Como é notório, nos casos do dia 6 de agosto, Amaytik e Kana’kil, os autores materiais de quatro
assassinatos foram plenamente identificados por testemunhas presenciais. Só no primeiro existem ordens de prisão
e algo assim como um compromisso pessoal do governador no sentido de castigar os culpados. Apesar disso,
ninguém tem sido detido.
Desconfiado por ofício, De los Santos encontra pouca clareza jurídica na muito alardeada prisão de
Sabelino Torres e de outros membros de Desenvolvimento, Paz e Justiça, no município de Tila. “Agora ele são
mantidos em prisão domiciliar em Tuxtla Gutierrez porque a Procuradoria do Estado não mostrou ter provas
suficientes para levá-los perante um juiz”.
A Procuradoria Geral de Justiça do estado tem 30 dias úteis (que já estão se esgotando) para reunir provas.
Caso não consiga fazer isso, alerta o defensor, “vão ter que libertá-los”. A debilidade do procedimento salazarista
(via Herrán Salvatti) consiste no fato de que os de Paz e Justiça não são perseguidos pelos assassinatos, seqüestros
e expulsões ocorridas na zona norte entre 1995 e 1998, e que são documentadas.
A Sabelino Torres e aos seus se atribuem delitos “recentes”, pelo visto, sem provas suficientes. “Sua
detenção obedeceu a uma oportunidade política. Não se aplicaram ordens de prisão e estão somente em prisão
domiciliar”. No caso deles não se aplica um procedimento jurídico claramente estabelecido: o Estado tem a
obrigação de investigar as violações dos direitos humanos ocorridas no passado, não só as que foram cometidas por
agentes do Estado, como também por “particulares” (que, supostamente, seria o caso de Acteal).
No que diz respeito à região norte, onde Paz e Justiça já fez história (nos anais da infâmia), Miguel Angel
de los Santos reitera sua crítica aos chamados “acordos de reconciliação” que o governo salazarista tem promovido
na região chol. “Não procuram fazer justiça. Andam por outro caminho e promovem que vítimas e algozes se dêem
as mãos, se reconciliem, sem fazer justiça em nenhum sentido”.
Lembra que durante os diálogos de San Andrés o tema da reconciliação era um dos últimos. “Assumia-se
que se poderia falar disso depois de chegar a acordos com o governo em relação aos direitos indígenas, das
mulheres, do acesso à autodeterminação. Só então se poderia falar de reconciliação”. Contudo, a política oficial
pretende chegar a reconciliações pelo caminho do esquecimento; apaga-se tudo para começar do zero, abdicando
do seu dever de fazer justiça. Não se resolvem os problemas principais, só se põe o carro na frente dos bois. Assim,
os refugiados que voltam devido a atos governamentais, fazem isso perdendo.
De los Santos relata: “levam eles para suas comunidades de origem, onde perderam suas terras. Já estão
‘reconciliados’. Mas já não têm onde trabalhar. Continuam ameaçados pelos mesmos de antes. O governo só lhe
deu garantias para a volta”.
Hoje, ninguém está aí para “acompanhá-los”, como foi feito com grande estardalhaço pelos funcionários do
governo alguns meses atrás. Vivem em perigo, espoliados. Quanto aos demais, milhares de indígenas vivem como
refugiados em Sabanilla e Tila. Sem justiça. Sem indenização. Sem resposta.

Grupos armados de Chiapas ainda atuam com o aval do governo estadual.


Hermann Bellinghausen. La Jornada, 25/10/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 24 de outubro. No final do último mandato, as organizações civis
tinham identificado em Chiapas 17 grupos civis armados, 10 dos quais eram paramilitares; os demais eram
considerados bandos de delinqüentes que efetuavam ações de contra-insurreição. De acordo com os estudos de
99
Global Exchange, CENCOS, CIEPAC, a militarização em Chiapas tem sido o produto “de uma estratégia
elaborada a partir das estruturas militares e avalizada pelo governo”.
O governo priista nunca aceitou o fato que existissem paramilitares, nem sequer após o massacre de Acteal.
Em função disso, ninguém se preocupou em desmantelar estes grupos e nem em fazer justiça contra seus crimes. À
exceção de Los Chinchulines (de Chilón) e de uma parte de Paz e Justiça, todos os grupos detectados até o ano
2000 continuam existindo; alguns do mesmo modo, outros sob siglas diferentes e com estratégias diferentes (seria o
caso do Movimento Indígena Revolucionário Antizapatista, MIRA, que hoje está diluído na OPDIC e em outras
organizações priistas de Ocosingo e Altamirano).
Os bandos mais propriamente criminosos não foram detidos; nem sequer os que continuam agindo como
Los Aguilares de Chilón, que antes estavam vinculados a Paz e Justiça e a Los Chinchulines, recentemente estão
com a OPDIC, mas sempre com a polícia estadual e as tropas federais.
Ao não estar bem caracterizado o caráter “paramilitar” e de “contra-insurreição” de certos grupos priistas
que agem em Chiapas desde 1995, os sucessivos governos puderam negar sua existência, e, portanto, nunca agiram
contra eles (pelo menos, não em seu caráter de paramilitares).
Assim, ainda que neguem a existência destes grupos em Chiapas, as autoridades estaduais acabam de
anunciar a prisão formal de 27 membros de Paz e Justiça. Os boletins da PGJE e da imprensa situacionista
chamam-nos paramilitares, mas não é por esta razão que são processados penalmente e presos em Cerro Hueco.
Do mesmo modo, o juiz da terceira vara penal de Tuxtla Gutierrez expediu ontem um segundo ato de
prisão formal contra Carlos Torres López, ex-prefeito de Tila, “pelo suposto desvio de recursos públicos para
financiar atividades da organização Desenvolvimento, Paz e Justiça”.
A PGJE assinala que durante a gestão de Torres López, o senhor Sabelino Torres Martínez, responsável
pelos programas sociais de Tila, destinou “parte dos recursos públicos a outros fins que não diziam respeito
exatamente a projetos produtivos ou sociais”. Contudo, não se especifica de que “outros fins” se trata. A
averiguação prévia ficou por conta da Unidade Especializada em Crimes Cometidos per Servidores Públicos, e a
denúncia contra Carlos Torres foi apresentada pelo Tribunal de Contas do estado. Ou seja, trata-se somente de um
procedimento administrativo contra um suposto prejuízo patrimonial ao município de Tila no valor de 3 milhões
155 mil 991 Pesos.
Sabelino Torres é um dos 27 presos, logo após ser detido em 13 de setembro. Todos eles são acusados de
associação criminosa, seqüestro, roubo seguido de violência, porte ilegal de arma de uso exclusivo do Exército e
prejuízo ao cofre público do governo estadual. Todos eles são considerados crimes comuns sem relação com a
“guerra chol” entre 1995 e 1998, quando Paz e Justiça assassinou, saqueou e expulsou comunidades inteiras.
Sequer se atribui a eles a “formação de quadrilha”, através da qual o grupo poderia ser caracterizado como
paramilitar.
Todo este panorama explica que observadores do conflito vejam com suspeita a prisão destes priistas. “Não
se pode tomar isso como um verdadeiro ataque ou desmantelamento dos paramilitares”, pondera o advogado
Miguel Angel de los Santos.
Para exorcizar a confusão dos termos, precisa ater-se à descrição oferecida pelo estudo Sempre perto,
sempre longe. As Forças Armadas no México (CENCOS, CIEPAC e Global Exchange, 2000).
“O paramilitarismo acoberta os mentores intelectuais da guerra, para que se dê constante impunidade aos
bandos. Pretende-se fazê-la aparecer perante a opinião pública como uma guerra entre indígenas. Sua origem está
no interior de um esquema de contra-insurreição que se mascara de agressões por problemas de terra, confrontações
partidárias, conflitos religiosos, inimizades pessoais, bruxarias, vinganças familiares ou simples acidentes”.
Deste modo, se oculta “a estratégia paramilitar de controle, desestabilização, criação de facções e repressão
seletiva como parte de uma guerra suja traçada e dirigida a partir das mais altas estruturas do governo e do
Exército”. As atuais autoridades federais e estaduais sustentam que esta situação simplesmente não existe. Aquilo
que “não foi no meu mandato não foi em meu prejuízo”, e sem deixar isso bem claro, chegam a conceder que
talvez ditas estratégias existiram no passado.
Entre agosto e setembro do ano em curso, uma série de “incidentes” supostamente isolados provocaram a
morte de quatro bases de apoio zapatistas, vários feridos e, inclusive, famílias refugiadas de Amaytik, que até hoje
não puderam voltar às suas casas.
Aqueles ataques foram tão “casualmente” simultâneos como o são agora a imobilidade e o apaziguamento
dos grupos agressores. Tão impunes como os crimes de contra-insurreição do passado, “ninguém sabe, ninguém
soube” dos “incidentes” e “acidentes” ocorridos em 6 de agosto, Kana’kil, Amaytik, Quexil, La Culebra e Polhó.
Na avaliação de vários analistas consultados pelo La Jornada, as agressões simultâneas foram tão suspeitas
como o é agora a unânime imobilidade dos grupos responsáveis. A Rede de Defensores Comunitários, por
exemplo, expressa que dessa forma “se revela uma estrutura de transmissão, uma ligação entre os grupos, sejam
paramilitares ou particulares armados. Parece que agora receberam a ordem de parar”.
100
Unânimes ao mover-se, unânimes ao ficarem quietos. Além disso, perdura a tolerância oficial em
relação a eles. As autoridades não agem. Deixa-se o tempo passar, os casos envelhecem, são amontoados com
outros “fatos ocorridos no passado”. E persiste a mesma mensagem tácita: novos ou velhos, estes crimes são
impunes.

Governo foxista fracassa na luta para desarticular grupos paramilitares.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 27/10/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 26 de outubro. Após mais de dois anos de governo foxista, nada
essencial ocorreu em relação aos grupos de contra-insurreição que agem em Chiapas. Projetados para serem
dispersos e executarem ações com uma estrutura própria de grupos organizados, têm sido e são oficialmente
inexistentes.
O problema dos paramilitares em Chiapas é de responsabilidade do governo federal. É isso mesmo, ainda
que sua origem tenha ocorrido no início do mandato de Ernesto Zedillo, quando na região foi viabilizada uma
estratégia de contra-insurreição nunca antes vista em nosso país. Os programas sociais administrados pelos
governadores interinos Julio César Ruiz Ferro e Roberto Albores Guillén, combinaram o tradicional clientelismo
priista e pró-governamental com uma deliberada divisão das comunidades que gerasse violência “entre os
indígenas” e “tirasse a água aos peixes” dos rebeldes zapatistas.
Os resultados foram massacres planejados e mais de 100 assassinatos na região chol do norte e nos
municípios tzotziles de Chenalhó e San Juan Del Bosque. Milhares de indígenas foram expulsos e espoliados. Até
agora, a maioria está fora de suas comunidades; dos que voltaram em Tila e Chenalhó, muitos não recuperaram
suas terras e nem a tranqüilidade. Aqueles que os expulsaram continuam aí e ameaçam-nos novamente.
“Se não mencionamos os paramilitares, é como se fosse uma história morta, sem vida”, disse um indígena
aos visitantes de um Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas (CDHFBC), que ainda agora, “por
segurança”, omitem os nomes dos refugiados que entrevistaram para elaborar seu informe mais recente.
De acordo com o CDHFBC, “na guerra de baixa intensidade de Chiapas, o paramilitar é um instrumento
chave para enfrentar os povos indígenas que simpatizam com as reivindicações do EZLN e gerar um clima de
violência”. Os paramilitares, personagens que se repetem nos testemunhos das vítimas “perpetrando crimes,
desaparecimentos, intimidações e estupros”, não desapareceram; salvo exceções, não têm sido punidos e nada
indica que o serão.
Após o ataque paramilitar em Acteal, nasceu uma instância federal voltada à investigação das ações destes
grupos: a Unidade Especializada em Prováveis Grupos Armados, da Procuradoria Geral da República (PGR).
Passados cinco anos de sua criação, seus resultados são praticamente nulos. Pra começar, não tem “demonstrado”
que exista um único grupo. Bom, e nem sequer encontrou as armas que foram usadas em Acteal.
Agora existe formalmente a figura da “delinqüência organizada”. Com ela ao alcance da mão, no início
deste mandato, a unidade especializada prendeu Samuel Sánchez Sánchez e Marcos Albino Torres, conhecidos
membros de Paz e Justiça. Mesmo assim, as organizações civis ainda não tinham acabado de aplaudir a medida,
quando aquela detenção virou fumaça e as autoridades estaduais tiveram que soltar os detidos, pois a PGR não
reuniu provas suficientes.
A Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos tem lembrado que a unidade especializada
iniciou as investigações de cada um dos 17 supostos grupos de civis armados, cuja existência foi denunciada pelas
comunidades e pelas organizações civis, mas há tempo esta instância da PGR não vem prestando contas.
Agora, em que sentido é possível dizer que Los Aguilares ou a OPDIC são paramilitares? “Não temos
provas do seu vínculo com as forças armadas, mas sim de que estes grupos produzem um efeito contra-
insurrecional que beneficia o Estado”, reconhece o advogado Miguel Angel de los Santos.
“Los Aguilares seriam um caso extremo. Um bando de delinqüentes comuns, mas numa situação de guerra
como a atual, a política de contra-insurreição se beneficia com suas ações. De conseqüência, o Estado não os pega,
se faz de bobo, ou, de imediato, protege-os”, diz.
No que diz respeito ao agrupamento camponês conhecido como OPDIC, sua sombra se projetou sobre
todos os acontecimentos, supostamente isolados, que ocorreram há pouco mais de um mês nos municípios
autônomos Ricardo Flores Magón, San Manuel, Olga Isabel e 17 de novembro. Contudo, não se pode
responsabilizar a organização do deputado priista Pedro Chulín de nenhuma das mortes ocorridas entre agosto e
setembro.

Outros casos de grupos armados.

Sobram casos parecidos que não se encaixam nas definições, como os jagunços: organizam-se em função
de algum privado ou de um grupo deles. Surgem para defender a propriedade dos criadores de gado. Seu objetivo
101
não é contra-insurrecional. Mas no contexto de Chiapas, não combatem delinqüentes e sim organizações
sociais. Quando agem em regiões como La Fraylesca, Venustiano Carranza ou Chicomuselo, não podem ser
considerados paramilitares”. Não é a mesma coisa quando são usados contra os rebeldes em Ocosingo, Sabanilla ou
Altamirano, sublinha De los Santos. “Ao coincidir com a contra-insurreição, os jagunços podem agir de forma
coordenada com grupos indígenas, e, inclusive, integrar-se numa única estrutura”.
Diante das tentativas do atual governo chiapaneco de aplicar a justiça no caso da região norte, pondera que
“falta uma política mais clara e definida para o desmantelamento dos paramilitares”. Para ser eficaz, a aplicação da
lei “deve passar pela prisão dos funcionários envolvidos”. No caso da região norte e de Acteal, foi bem
documentada a participação de funcionários e chefes policiais. “Os paramilitares têm agido sempre em lugares
onde o Exército tem uma presença de destaque”, acrescenta.
Na opinião do defensor De los Santos, o governo faz propaganda de ações “que não são eficazes”, mas usa-
as “para criar a imagem de que estamos numa outra fase do conflito”. Na realidade, “procura acalmar o clamor
público sem ir a fundo”.
Os anos passam. Agora mesmo, os refugiados se contam aos milhares só nos abrigos de Polhó, Nueva
Revolución, San Marcos e San Rafael. Enquanto isso, o braço da justiça continua sem alcançar a teia de relações
governamentais e partidárias que deu origem e proteção a grupos de contra-insurreição.

O EZLN (?) enviou um poema à Casa Museu Zapatista


La Jornada, 30/10/2002.

Julho de 2002.

Para: Arquiteto Fernando Yáñez Muñoz


De: Subcomandante Insurgente Marcos.

Don Fernando:
Receba a saudação do todos os companheiros e companheiras zapatistas e das comunidades indígenas em
resistência. Esperamos que você e todos os que trabalham com você estejam bem de saúde e de ânimo firme.
Como sabemos, você trabalha, com outros homens e mulheres honestos, na preservação da memória de luta
do nosso povo. Parte importante desta memória está guardada na Casa Museu do Doutor Margil, na cidade de
Monterrey, Nuevo León, México. Nesta casa-museu encontram-se testemunhos de uma parte fundamental da nossa
história como zapatistas, história da qual estamos orgulhosos e tratamos de honrar na medida de nossas
possibilidades.
Você, e aqueles que trabalham com você, são zapatistas. E esta Casa Museu é zapatista. Por isso, quisemos
enviar-lhe um pequeno presente com terra zapatista. É uma homenagem discreta a todos estes homens e mulheres
que morreram pela liberdade depois de viverem pela Pátria. Oxalá haja um espaço na Casa Museu para esta
homenagem discreta do EZLN aos mexicanos e mexicanas que fizeram nascer a esperança que no próximo dia 06
de agosto de 2002 completa 33 anos.
Seria uma grande honra para nós que neste 6 de agosto de 2002, esta terra zapatista brilhasse no norte
mexicano e que, tímidas, se ouvissem as letras desta tentativa rudimentar de poema chamado “Narração dos Fatos”,
que escrevi 18 anos atrás, nos albores do EZLN, e que, como é sabido, já tem um lugar na Casa Museu do Doutor
Margil.
Na esperança de vê-lo em breve e repetir a honra de saudá-lo pessoalmente, me despeço a nome de todos
os companheiros e companheiras.
Valeu. Saúde e que a esperança ganhe novos brios quando o 3 se depare com o espelho e presenteie à
memória um dos momentos mais dignos da história do México.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, julho de 2002.

POEMA (?)

NARRAÇÃO DOS FATOS.

“Hoje, sexto dia do mês


de agosto do ano de
mil novecentos e sessenta e nove,
102
a tarde por findar
e tudo pronto para conspirar
contra as sombras e as trevas
que escurecem o mundo e seu sol,
os abaixo-assinantes compareceram
diante de mim, a pátria,
para declarar quanto segue:

Primeiro. Que os abaixo-assinantes


renunciam a seu lar, trabalho,
família, estudos e a todas as
comodidades que, sobre a miséria
das maiorias, tês se acumulado
nas mãos da minoria.

Segundo. Que os abaixo-assinantes


renunciam a um futuro,
vendido a prestações para
o aproveitamento individual.

Terceiro. Que os abaixo-assinantes


renunciam também à couraça
de indiferença diante do sofrer
alheio e à presunção de um
lugar entre os poderosos.

Quarto. Que os abaixo-assinantes


estão dispostos a todos os sacrifícios
necessários para lutarem calados
e sem descanso para fazer com que eu,
a pátria, seja livre e verdadeira.

Quinto. Que os abaixo-assinantes


estão dispostos a sofrer perseguição,
calúnias e torturas e, inclusive,
a morrer se for preciso para conseguir
o que foi assinalado no ponto quarto.

Sexto. Que eu, a pátria, saberei


guardar o seu lugar na história
e velarei por sua memória
como eles velaram pela minha vida.
Sétimo. Que os abaixo-assinantes
deixam bastante espaço debaixo de seus
nomes para que todo homem e
mulher honestos assinem este
documento e, chegado o momento,
o povo inteiro o rubrique.

Não tendo mais nada a dizer,


mas sim muito a fazer, os
abaixo-assinantes deixam seu sangue
como exemplo e
seus passos como guia.

Estando a história preparada,


o café amargo,
o tabaco preste a acabar
103
VIVER PELA PÁTRIA OU
MORRER PELA LIBERDADE

Manuel, Salvador, Alfredo, Manolo,


Maria Luisa, Soledad, Murcia, Aurora,
Gabriel, Ruth, Mario, Ismael,
Héctor, Tomás Alfonso, Ricardo...

E seguem as assinaturas dos


que terão de morrer e
dos que terão de viver
lutando neste
país de dolorosa história
chamado México, abraçado
pelo mar e, logo,
com o vento a seu favor”.

O CAPITÃO.

Calculam que há entre 60 e 80 mil soldados espalhados por todo o estado de Chiapas.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 31/10/2002.

Ocosingo, Chiapas, 30 de outubro. Como passam os dias na reduzida tensão de uma guerra, na qual
algumas coisas determinantes estão estabelecidas? Dezenas de milhares de soldados, um autêntico exército dentro
das forças totais da Secretaria de Defesa Nacional, mantêm uma ocupação ampla, intensiva e extensiva, nas
montanhas de Chiapas. Nem durante o mandato e Ernesto Zedillo, nem, muito menos, no de Vicente Fox, tivemos
indicações oficiais definitivas sobre o número de elementos castrenses destacados nas comunidades, caminhos e
terras de cultivo onde mora mais de um milhão de tzeltales, tzotziles, tojolabales, choles, zoque e, em menor
número, caribes, mames, karchiqueles e quichés.
De uma forma ou de outra, todos estes povos sofrem os efeitos da militarização. Inclusive os que são
considerados “leais”, priistas em sua grande maioria, têm visto seus dias virarem de cabeça pra baixo. A vida é
diferente com os soldados por aí.
Estudiosos, observadores civis e deputados de oposição têm calculado que em Chiapas encontram-se entre
60 e 70 mil soldados ativos do exército federal. Um deputado perredista chegou a falar em 80 mil no final do
último mandato presidencial. Por sua vez, em momentos diferentes, as forças armadas têm reconhecido entre 17 e
24 mil o total de tropas destacadas em Chiapas.
Desde o início do governo foxista não foi revelado nenhum número oficial. Nem sequer aproximado.
Contudo, tanto as comunidades indígenas, como os observadores independentes, concordam quanto ao fato de que,
entre 2000 e 2002, a concentração militar na região do conflito não foi reduzida. E, pelo menos em algumas
regiões, tem aumentado, sobretudo ao longo deste ano.
Com a retirada de sete posições no início de 2001, em cumprimento a uma reivindicação específica do
EZLN, e com o fim da maioria dos postos de controle nos caminhos da região, o governo de Fox suscitou a versão
de que estas tropas haviam abandonado a região. Fontes jornalísticas oficiosas, mais ousadas, têm defendido desde
então que o Exército federal se “retirou”; versão que cai por terra após uma primeira olhada em loco.
O Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas de Ação Comunitárias é a organização que tem estudado
constantemente o fenômeno da militarização das comunidades indígenas na região do conflito. Em 2000, o
CIEPAC registrou 175 posições fixas e acampamentos do Exército federal (mais alguns da polícia federal e
estadual). Só em Ocosingo eram 81 e 40 em Chenalhó. (31 em Las Margaritas, 24 em Tila, 14 em San Cristóbal de
las Casas e Palenque).
À exceção dos sete pontos mencionados (Cuxuljá, Jolnachoj, Guadalupe Tepeyac, Amador Hernández, La
Garrucha, Rio Euseba e Roberto Barrios) o Exército federal não desmantelou nenhum assentamento, enquanto as
tropas “retiradas” engrossaram os acampamentos e os quartéis mais próximos. Por exemplo, as tropas que estavam
em La Garrucha passaram ao vizinho acampamento de Patihuitz, ou se instalaram nas bases militares de San
Quintín e Toniná; isso a alguns quilômetros de sua localização inicial. O grande quartel de Guadalupe Tepeyac se
acomodou nas bases de San Quintín e Comitán, ou nos acampamentos de Vicente Guerrero e Rancho El Momón.
Algo parecido ocorreu nos outros cinco casos de “retirada”.
Municípios autônomos, organizações indígenas e camponesas, observadores internacionais e órgãos de
direitos humanos têm reiteradamente denunciado a entrada de novas tropas nas posições da selva Lacandona, da
104
zona norte e Los Altos. Ainda que o comando militar da região tenha informado que se trata de uma “troca” de
soldados, os indígenas afirmam que estes saíram em número menor em relação ao que entrou. (Uma coisa que as
comunidades em resistência aprenderam a fazer desde 1995 é a contar soldados e policiais).
Em setembro, foi documentada a entrada de 4 mil e 500 soldados só para o município autônomo Ricardo
Flores Magón, ao norte de Ocosingo; segundo os indígenas, não saíram mais de 500.
Pouco depois foi instalado um novo acampamento em Xanil, no acesso à Tumbalá e ao município
autônomo La Paz. Semana passada, a CIOAC denunciou de Comitán a criação de um novo acampamento do
Exército federal na comunidade Justo Sierra, no caminho para Altamirano. (Versões não confirmadas dizem que
poderia ser mais de um).
Após o início do governo de Vicente Fox, os patrulhamentos aéreos e terrestres foram reduzidos, mas não
desapareceram. Pelo menos ao redor do município autônomo de Polhó, a passagem de comboios militares e
policiais se mantém constante, várias vezes ao dia.
O povo de Polhó, onde vivem milhares de refugiados pela violência paramilitar, encontra-se sitiado pelo
exército, que ocupa o bairro Majomut com uma base e tem uma outra bem equipada de “trabalho social”
literalmente em cima da comunidade; ou seja, a uma pedrada, num “balcão” à beira da estrada que domina a
comunidade e os seis acampamentos de refugiados.
Os sobrevôos de patrulhamento, de rastreamento ou rasantes, foram consideravelmente reduzidos, ainda
que comunidades como Amador Hernández, La Realidad e Guadalupe Tepeyac sejam patrulhadas pelo ar todas as
noites. Também voam sobre Polhó aviões e helicópteros militares.
As comunidades em volta da região indígena também têm se transformado. Militarizado. Por exemplo,
Ocosingo, cabeceira municipal novamente governada pelo PRI, representa o protótipo da base militar integrada. A
39ª Zona Militar, com seu conjunto de prédios e instalações de guerra no terreno Toniná, introduziu milhares de
novos “habitantes” nesta cidade costumeiramente considerada como centro do comércio, da cúpula dos criadores
de gado e das burocracias dos caciques. Hoje representa o principal motor econômico da população, voltada a
prestar serviços para a tropa.
Somam-se aos moradores de Toniná os milhares de soldados nos quartéis de Ocotalito, Monte Líbano, San
Quintín e dezenas de acampamentos das proximidades. Com seus restaurantes, lojas, postos de gasolina, centros
noturnos, bordéis e serrarias, uma polícia militarizada até no uniforme e um ambiente propício para a conspiração
paramilitar, Ocosingo é a cidade modelo da contra-insurreição “à mexicana”.

Em Chiapas, apesar da calma aparente, o vaivém de veículos militares não pára.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 02/11/2002.

Cruzamento Chancalá, Chiapas, 1º de novembro. Ainda que numa situação de “calma”(seria muito falar em
“paz foxista”) é impossível ocultar tantos soldados. Nos cerca de 500 quilômetros da rodovia Palenque-Lagos de
Montebello, como nas demais estradas da região, o vaivém de veículos militares não pára. Carregam tanto
suprimentos como soldados, combustível, maquinário, brigadas de trabalho; ora realizam patrulhamentos
disfarçados. Às vezes se trata de troca de pessoal.
Nas comunidades da selva Lacandona vivem, literalmente, milhares de soldados federais. Em alguns
lugares dispõem de grandes centros habitacionais ou acampamentos estáveis e bem instalados; parecem até
colônias dos povoados que ocupam com a força das armas. De um AR-15 cada um para cima.
Estão assentados em terras de lavoura ou na beira dos rios e das lagoas, com ou sem a autorização das
comunidades. Sempre que possível, o Exército federal compra o terreno ocupado diretamente do dono. Ocorreram
também expropriações. Quando o partido, o governo e o Exército eram a mesma coisa, houve casos de
comunidades priistas que “doaram” a terra para as bases militares.
Hoje o PRI não está no governo federal e nem no estadual, mas continua proporcionando respaldo civil ao
Exército federal. A população “aliada” tem melhorado visivelmente seu nível de vida material; adapta-se aos novos
“vizinhos”, tirando algumas vantagens (pelo menos em comparação aos povoados que não têm eles por perto).
Em algumas comunidades que têm soldados nas redondezas se formam grupos de civis armados.
Exemplos: Taniperla, Monte Líbano, Nueva Palestina, povoados de Chenalhó, Sabanilla e Tila.
Nunca se aceita que sejam paramilitares. Em geral, as comunidades ou organizações acostumadas a
pertencerem à oficialidade obtêm benefícios, pelo menos indiretos, e ao cair numa “economia” paralela se tornam
dependentes da presença castrense.
Em San Quintín, Santo Domingo e Nueva Palestina, comunidades importantes do interior da selva, há
hotéis, restaurantes e outros serviços urbanos, inimagináveis nas comunidades em resistência onde o dinheiro,
quando tem, circula muito menos. Inclusive, centros urbanizados como Chancalá e seu cruzamento, e as cidades de
Palenque, Ocosingo e Comitán, se beneficiam desta economia de guerra.
105
Tamanha é a penetração das forças armadas nas montanhas indígenas de Chiapas que é para se
perguntar como é que funcionam por aqui as instituições civis do governo. Na selva, em Los Altos e na região
norte, a despeito de uma “normalidade” aparente, existe um “governo” de exceção (e de caráter federal).
Sempre se disse que querem governar Chiapas a partir do centro. Por isso, houve tanto governador
designado, interino ou substituto. Desde 1994, o Exército federal adquiriu em Chiapas um poder considerável, que
o regime de Zedillo não fez outra coisa a não ser aumentar. Mesmo agora, que tem um governo não priista, eleito e
legítimo, a terceira parte de Chiapas (o território indígena) vive em condições de exceção. De guerra.
Quanto ao resto, o PRI controla a assembléia legislativa do Estado e os municípios constitucionais chave
(ou seja, onde funcionam os municípios autônomos). Apesar da grave crise de correntes internas e golpes dos
caciques que atravessa a nível estadual, alguns observadores ponderam que o PRI poderia “levar” as eleições
estaduais de 2003.

Centenas de detenções arbitrárias em Chiapas e Oaxaca.


Angeles Mariscal, Victor Ruiz e Alma Muñoz. La Jornada 06/11/2002.

Em seu primeiro dia de visita ao México, o grupo de trabalho sobre detenções arbitrárias da Organização
das Nações Unidas recebeu informes sobre quase 300 casos em Chiapas e Oaxaca. Neste último estado visitou os
detentos do presídio de Tlaxiaco, para investigar as condições em que vivem. Aí conheceram os irmãos Sansón e
Armando Aguilar, presos há mais de dez anos. Dirigiam um dos primeiros movimentos ecologistas do país em
Santa Cruz Itundujia, explicou Maurílio Santiago Reyes, do Centro de Direitos Humanos e Cultura Indígena.
Lembrou que os irmãos Aguilar, acusados de homicídio, na realidade estão presos por pretender deter o
corte indiscriminado dos bosques de Itundujia. De fato, têm sido considerados como os primeiros ecologistas
presos do país. Até hoje, disse, não se fez justiça. Ao contrário, foram sentenciados a 30 anos de prisão em segunda
instância e só poderiam ser soltos através de indulto ou do perdão do Presidente da República, sublinhou Santiago
Reyes durante a reunião que teve com o grupo da ONU liderado por Louis Jouniet.
Em Oaxaca, a Liga Mexicana pela Defesa dos Direitos Humanos, enviou aos membros do organismo
internacional um informe sobre, pelo menos 65 casos de detenções arbitrárias realizadas por corporações policiais
nos últimos 5 anos. O dossiê sublinha que nas ações de perseguição dos grupos armados, como o Exército Popular
Revolucionário (EPR), as corporações policiais estaduais e federais incorreram em graves violações dos direitos
humanos.
Em Chiapas, o Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de las Casas apresentou ao comitê das Nações
Unidas um informe com 60 denúncias de detenções arbitrárias, para um total de 229 casos ocorridos entre janeiro
de 2001 e este ano.
Por outro lado, o Parlamento dos Direitos Humanos, integrado por indígenas e familiares de desaparecidos,
entregou ao responsável pela Secretaria da Alta Comissão das Nações Unidas, Anders Kompass, um pacote sobre
prisões arbitrárias entre as quais estão incluídas as que ocorreram nos últimos dois anos em Guerrero e Oaxaca.
Julio Mata, da Associação dos Familiares de Desaparecidos e Detidos (AFADEM), explicou que o grupo liderado
por Louis Jouniet também será informado destas prisões.

Sentenciados 19 envolvidos na matança de Acteal.


Angeles Mariscal. La Jornada, 13/11/2002.

Tuxtla Gutierrez, Chiapas, 12 de novembro. Após um julgamento que demorou quase cinco anos, o
segundo juiz do distrito, Gabriel Feliz Fuentes, expediu sentenças de até 36 anos de prisão para 19 indígenas
tzotziles acusados de participar do massacre de Acteal, ocorrido em 22 de dezembro de 1997 e no qual morreram
45 pessoas.
O processo foi retomado duas vezes pelas inconsistências detectadas pelo Tribunal da Alçada, perante o
qual os hoje sentenciados apelaram das acusações contra eles, pois naquela altura não se descartou que alguns dos
89 detidos fossem declarados inocentes.
Apesar disso, o veredicto divulgado hoje condena a um período de 32 a 36 anos de prisão pelos delitos de
homicídio, lesões qualificadas e porte ilegal de armas de fogo de uso exclusivo do Exército Mexicano. Só falta
emitir as sentenças contra os outros 12 detidos.
Além disso, continua pendente o processo contra o ex-general Julio César Santiago Dias, que, em
dezembro de 1997, era assessor do Conselho de Segurança de Chiapas, preso em janeiro de 1998 sob a acusação de
homicídio por omissão, por ter supostamente presenciado o massacre sem tentar impedi-lo.

Exigem mais detenções pelo massacre de Acteal.


Oscar Gutiérrez. El Universal, 14/11/2002.
106

Tuxtla Gutiérrez, Chiapas. A organização civil zapatista Las Abejas exigiu da Procuradoria Geral da
República (PGR) que execute 25 novas ordens de prisão contra indígenas de Chenalhó, apontados pelas
comunidades como envolvidos no massacre de Acteal.
Disse que as informações sobre os últimos integrantes do grupo armado que exterminou os camponeses
bases de apoio do EZLN, quem são e onde se refugiam, estão nas mãos da PGR, mas que o órgão se nega a detê-
los.
Passadas 24 horas da última sentença de 18 tzotziles e tzeltales pelo assassinato de 45 simpatizantes do
EZLN, o coordenador de Las Abejas, Porfírio Arias Hernández, garantiu que o caso Acteal continua de pé, pelo
fato de ainda não terem sido presos outros 20 envolvidos no crime.
O dirigente comunitário veio a esta cidade para denunciar que, desde o dia do massacre em 1997, o grupo
de supostos assassinos esconde-se nas comunidades Los Chorros, Questic, povoado de Questic, Candal, Pechinil e
Tzajalucum.
“Desses ejidos e comunidades saíram os paramilitares na madrugada de 22 de dezembro, há cinco anos
atrás, para massacrar os companheiros enquanto rezavam pela paz na capela de Acteal”, acrescentou o líder de Las
Abejas.
Arias disse que as autoridades do judiciário “sabem dos demais culpados”, mas se negam a executar os
mandatos de prisão apesar dos familiares das vítimas do massacre terem denunciado e prestado os depoimentos
necessários para os procedimentos legais.
“As autoridades, incluída a PGR, conhecem os demais culpados”, garantiu o líder de Las Abejas, que após
a última sentença do processo federal expressou sua discordância pela ratificação da liberdade de seis dos
envolvidos no caso Acteal emitida no ano passado.
A este respeito, a presidenta da organização do Coletivo de Mulheres de San Cristóbal de las Casas, Martha
Figueroa Mier, disse que os 36 anos e três meses de prisão, determinados pelo juiz, não “contribuem para a paz” na
região do conflito de Chiapas.
Qualificou como suspeita a sentença, emitida três dias depois que se avisou que o assunto seria levado à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), após ter ficado congelado por mais de um ano.

Fome aumenta pelo cerco militar em Chenalhó.


Hermann Bellinghausen. La Jornada 18/11/2002.

Majomut, Chiapas, 17 de novembro. Neste bairro, ou distrito de Polhó, está o quartel geral da ocupação
militar do município de Chenalhó, talvez a mais desproporcional de todas as ocupações da região do conflito (no
caso destas coisas guardarem alguma proporção). A rodovia que une Chenalhó a Pantelhó, e as estradas vicinais
que saem de Yabteclum, Polhó e das proximidades de Acteal, fervem de veículos militares transportando tropas e
de veículos policiais, que fazem os trajetos de Los Chorros, Puebla e outras sedes dos paramilitares até a rodovia.
Dessa forma patrulham os acampamentos de refugiados e as comunidades autônomas.
Foi nesta base militar de Majomut que uma manhã irrompeu José Saramago. A surpresa dos soldados e a
irritação de seus comandantes não bastaram para dominar a indignação (também surpreendida) do escritor
português em sua primeira visita a Los Altos de Chiapas. Não puderam impedir ao (futuro) prêmio Nobel de
caminhar diante do campo de treinamento da tropa, na frente de tanques e blindados, e das casas indígenas quase
invadidas pela vizinhança do quartel.
Hoje como naquela época, diante das circunstâncias da comunidade de Polhó, sitiada pelo Exército federal
a partir das bases de operações mistas de Majomut, não resta outra coisa a não ser concluir que as tropas não
cuidam dos refugiados; os vigiam. Rondando por Yibeljoj e Acteal, a mobilização militar não significa uma
resposta aos refugiados, às emboscadas e ao massacre de 22 de dezembro de 1997; é uma reação armada aos
milhares de refugiados e ao município autônomo de San Pedro Polhó.
Na medida em que mais de 30 posições militares e policiais não têm sido capazes de restabelecer a
convivência, a ordem e a justiça em Chenalhó, elas têm se transformado num cerco de fome, pois os milhares de
camponeses tzotziles que vivem em acampamentos e refúgios desde 1997, sem terra para trabalhar, sem milho, sem
dinheiro e nem casa, passam fome. E frio. Aqui em Los Altos, a desnutrição infantil e materna está bem acima da
média, o que já diz tudo, e não deteve a paulatina e dissimulada retirada da Cruz Vermelha.
Na parte baixa de Majomut estão o Sexto Regimento de Cavalaria Motorizada e, na Base de Operações
Mistas (BOM), o Segundo Batalhão; ambos sobre terras que pertencem ao bairro indígena onde se encontra a
beneficiadora de café da Cooperativa Majomut, uma das mais importantes organizações de cafeicultores da região.
No início da ocupação militar, a beneficiadora permaneceu fechada, mas os cafeicultores recuperaram suas
instalações e ritmo de trabalho, só que agora inchados por militares.
107
Uns metros mais acima, ao pé da rodovia, em cima da ladeira que separa Majomut de Polhó, está um
quartel que serve de vitrine do “trabalho social” castrense. Porque, isso sim, o município autônomo é patrulhado
por soldados de braçadeira amarela, que indica o lado “social” do seu trabalho de guerra.
Com tudo isso e as braçadeiras, e da inocência de um refeitório, um consultório dentário e um salão de
cabeleireiro a serviço dos indígenas, além dos postos de vigilância e dos escritórios do quartel, os soldados
dominam a vista dos acampamentos que fazem de Polhó, além de cabeceira autônoma, o maior refúgio em Chiapas
dos indígenas vítimas dos paramilitares.
O mesmo ocorre em Acteal-Abejas e Acteal-zapatista, sitiados por outro acampamento militar de “trabalho
social” a menos de cinco quilômetros de Majomut. Em Las Limas, o acampamento militar ocupa o pátio dos
fundos da escola primária. Em Yabteclum anunciam seu “trabalho social” com um letreiro da Coca-cola.
A situação que hoje reina em Chenalhó foi imposta pelo presidente Ernesto Zedillo em dezembro de 1997.
Sobrepondo a “ordem” à justiça, a resposta do governo ao massacre perpetrado por um grupo de paramilitares foi a
ocupação militar. Com seu comando instalado na cabeceira de Chenalhó, também em Los Chorros, Takiukum,
Bajoveltik, Tzajalucum, Tzanembolom, Poconichim, Aurora Chica, Canolal, Puebla, Yaxjemel, Quextic, Chimix,
Pechequil, X’oyep, e quase sempre em terras comunais, o Exército mexicano faz sentir o seu peso. Onde não é ele,
é a Polícia Setorial a fazer isso. Com a chegada do governo de Pablo Salazar foram retirados alguns quartéis
policiais. Ao que parece, estão de volta, começando por Cha’cojton, onde acaba de se instalar um acampamento
policial. Se em San Andrés os militares estão a 500 metros do palácio municipal em rebeldia, em Polhó se
encontram a menos de 400 metros das instalações autônomas.
O amplo aparato policial militar (que inclui policiais do judiciário federal e estadual) não tem sido capaz de
localizar uma única arma das que foram usadas em Acteal. Bom, há várias semanas, as autoridades pegaram uma
arma de alto poder. Apareceu jogada na beira de uma estrada e alguém “avisou” por telefone que passassem para
recolhê-la, pois poderia ser das de Acteal. O cerco tampouco tem servido para garantir a segurança e a
tranqüilidade das famílias que voltaram a seus povoados, encorajadas pelo governo estadual; muito menos para
permitir a volta dos ainda milhares de refugiados zapatistas (e centenas de membros de Las Abejas). À luz dos
resultados da militarização, pode se pensar que as tropas federais estão aí para impedir que isso ocorra.

No 19º aniversário do EZLN foi apresentada a revista zapatista Rebeldia.


La Jornada, 18/11/2002.

Ontem, por ocasião do 19º aniversário do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) foi
apresentada no Centro Cultural Casa Lamm a revista Rebeldia, “uma publicação de esquerda que não procura se
parecer com outras” e que tampouco esconde sua posição zapatista.
Sérgio Rodríguez Lazcano, diretor da nova revista mensal, destacou na apresentação do primeiro número
de Rebeldia que esta é a ferramenta de uma esquerda que não está disposta a continuar perder tempo na disputa
pelo poder nacional, que não existe mais. “Que se declara pronta a desafiar as regras da política historicamente
estabelecidas pela direita”.
Acrescentou: “Ser de esquerda é algo mais do que uma declaração de princípios, um programa e alguns
estatutos. Tem a ver com três elementos básicos de definição: a disposição de estabelecer uma dialética negativa
diante do que existe. O Basta!, de 1º de janeiro de 1994. A vontade de alterar o ritmo e os espaços do poder do
dinheiro sobre a sociedade e a necessária construção de um novo tempo e espaço que permitam a alteração
duradoura dos germes de passividade que sempre se expressam na sociedade, diante da necessidade de procurar o
sustento”. Rodríguez Lazcano disse que em Rebeldia “estamos comprometidos até o fim, não apontamos uma falsa
neutralidade cheia de hipocrisias”.
Por sua vez, Javier Elorriaga, integrante do comitê de redação da nova publicação, leu o editorial assinado
pelo Subcomandante Marcos. “Diz Durito que a vida é como uma maçã. E diz também que há aqueles que a
comem verde, os que a comem podre e aqueles que a comem madura”.
Por sua vez, a pesquisadora paulina Fernández disse que Rebeldia nasce num momento em que o EZLN
completa 19 anos. “A revista nasce quando os partidos de esquerda abandonaram suas origens”. A nova publicação
bem que poderia ser uma ferramenta de esquerda. Por definição, Rebeldia é rebelde, que opõe resistência, e esta é a
natureza mais habitual da revista, sublinhou.
Também o cientista político Luis Javier Garrido esteve presente e ponderou que Rebeldia pode ser
significativa se conseguir ficar no público, “se conseguir passar dos primeiros números”.
Fernando Yáñez leu uma carta enviada pelo Subcomandante Marcos, na qual destaca que o PRD não é uma
alternativa de esquerda, que isto é um mito, como outro mito é que o PRI é um partido político e Ação Nacional
não é de centro e nem de direita.
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No escrito, o Sup lembra que “o EZLN está em silêncio, este não se rompe, quando tivermos o que
dizer, o diremos”. Lembra a Yáñez que se conhecem há 22 anos, que o EZLN já tem 19, ao longo dos quais ele
militou por 18. A política, diz o Subcomandante, é feita de mitos, “mas há mitos e mitos”.

A prática política e cultural está infestada de mitos, afirma Marcos.


La Jornada 18/11/2002.

Exército Zapatista de Libertação Nacional. México.

Setembro de 2002.

Para o Arquiteto Fernando Yáñez Muñoz, de Subcomandante Marcos.

Grande irmão:
Receba as costumeiras saudações, quase tão rigorosas como o frio que logo começará a vestir as montanhas
do sudeste mexicano.
Como lembrarás, completo agora 18 anos de quando cheguei nas montanhas do sudeste mexicano, ou seja,
completo a maioridade. Este é um excelente pretexto para te escrever, saudar e, de passagem, felicitar, pois fiquei
sabendo que te graduastes com louvor, que é como se graduam os zapatistas.
Recebi a carta onde me contas do projeto do professor Sérgio Rodríguez Lazcano, da professora Adriana
López Monjardin e Javier Elorriaga, de fazer uma revista cujo nome, pelo que entendo, será Rebeldia.
Quanto a isso te digo que o mínimo que podemos fazer é saudar este esforço intelectual e que bom que os
que empreenderam esta tarefa são zapatistas.
Se a mencionada revista Rebeldia não seguir o caminho das publicações de esquerda, é provável que até
imprimam mais de um exemplar e, em belo dia, a apresentem publicamente para que todo mundo (ou seja, os que a
fazem, seus amigos e familiares) fique sabendo.
Nunca presenciei a apresentação de uma revista, mas imagino que há uma mesa à qual se sentam os que
apresentam a revista e se olham uns aos outros, perguntando-se, não sem rubor, porque há mais gente na mesa do
que no público.
Mas, bom, é isso, supondo que o projeto não fique arquivado.
E falando de supositórios, me vem a peregrina idéia de que tu deves estar presente na improvável
apresentação de Rebeldia e, na tua voz, esteja assim representada a nossa voz. Afinal será uma revista feita por
zapatistas e, de alguma forma, devemos estar presentes.
Como estamos em silêncio e o silêncio não se quebra, mas se cuida dele, nós não poderemos estar
presentes (obviamente, aqui estou dando por certo que os que fazem a revista terão a delicadeza de convidar-nos,
ainda que duvide que o façam, não por falta de educação e sim por pavor de que falemos de sua publicação).
Se não nos convidarem, tu deves fazer de conta que não é contigo e, cantando aquela canção de Aute que
diz “passava por aqui”, ponhas o pé na porta e, quando estiverem bocejando, peças a palavra e soltes um desses
discursos chatos e pesados que deixam feridas. É claro que vão dormir, mas, pelo menos, no lugar de sonhos terão
pesadelos.
Como já sei que tu estas perguntando de que podes falar se estamos em silêncio, te mando aqui algumas
reflexões que podem servir para a tua intervenção.
O problema é que são escritas com este estilo vivaz e fragmentado que é a alegria de grandes e pequenos, e
não no estilo solene e sério dos antropólogos, mas aí tu vais compô-las para que seja algo muuuuuuito formal.
Vão aqui as reflexões (leve em consideração que fui muito cuidadoso em não me referir a nada conjuntural
ou à lei indígena, sobre estes tópicos já vai vir a palavra que virá, tu também cuidas para que o que digas não rompa
o silêncio).

UM. O agir intelectual da esquerda deve ser, antes de mais nada, um exercício crítico e autocrítico.
Como o autocrítico é sempre adiado para o número seguinte, então a crítica se transforma no único motor
do pensamento.
No caso da esquerda mexicana, este agir intelectual tem agora, entre outras coisas, um objetivo central, a
crítica da política e da cultura, e da história.

DOIS. No México da atualidade, a prática política e cultural está cheia de mitos. Logo, a crítica da
esquerda deve combater estes mitos. E não são poucos os mitos que povoam a cultura. Mas há mitos e mitos.
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Há, por exemplo, o mito cultural que reza: “Enrique Krauze é um intelectual”, quando todos sabemos
que não passa de um empresário medíocre. Ou este outro que diz: “Maria Felix foi uma diva”, quando o certo é que
era só uma profissional de si mesma.
Há o mito “Viana vende mais barato”, quando em qualquer banca de camelô se consegue preço melhor e
qualidade.
Também há mitos na política.
Há o mito de que “o Partido da Ação Nacional é um partido de direita”. Bom, tampouco é um partido de
centro e nem de esquerda. Na realidade, o PAN não passa de uma agência de empregos para cargos gerenciais.
Há também este outro mito de que “O Partido da Revolução Democrática é uma alternativa de esquerda”.
E, no lugar disso, não é que seja uma alternativa de centro ou de direita, simplesmente o PRD não é uma alternativa
a nada.
Ou aí está o mito: “O Partido Revolucionário Institucional é um partido político”. Na realidade, o PRI é
uma cova com 40 ladrões que esperam, inutilmente, o seu Ali Babá.
Ou este outro partido tão querido pela esquerda estagnada que reza: “Ir contra a globalização é como ir
contra a lei da gravidade”.
Contra isso, no mundo inteiro, os marginalizados de todas as cores desafiam uma e outra, e nem a física e
nem o Fundo Monetário Internacional podem evitá-lo.
E há o mito pelo qual pagam, e caro, o governo federal e o do estado de Chiapas, que diz: “Os zapatistas
estão acabados”, quando a única coisa que está acabando aos zapatistas é a paciência.
Com certeza há outros mitos, mas só estou lembrando de alguns.
E tenho certeza de que a revista Rebeldia irá desnudá-los de forma mais radical.
E eu não faço isso, porque já é sabido que nós zapatistas temos fama de “moderados” e “reformistas”.
Assim nos chamam os supostos “ultras” do CGH que, com certeza, estão fazendo fila nas portas do PRD
mais próximo do seu coração, e do seu bolso, esperando uma candidatura no próximo processo eleitoral.

TRÊS. O rebelde é, se me permites a imagem, um ser humano que bate repetidamente contra as paredes do
labirinto da história. E, não me interpretes mal, não é que ele age assim procurando o caminho que levará à saída.
Não, o rebelde golpeia as paredes porque sabe que o labirinto é uma arapuca, porque sabe que não há outra
saída a não ser quebrando as paredes.
Se o rebelde usa a cabeça como marreta, não é por ele ser um cabeça dura (que o é, ninguém duvide), e sim
porque quebrar as arapucas da história, seus mitos, é um trabalho que se faz com a cabeça, ou seja, é um trabalho
intelectual.
Assim, de conseqüência, o rebelde sofre uma dor de cabeça tão forte e contínua que não se compara à
enxaqueca mais severa.

QUATRO. Entre as arapucas da história está esta que diz que “todo o passado foi melhor”.
Quando é a direita a dizer isso, está confessando sua vocação reacionária.
Quando é a esquerda parlamentar a pedi-lo, está exibindo as mancadas que formam seu presente.
Quando a falar é o centro, é que alguém está delirando porque o centro não existe.
Quando a esquerda institucional se vê no espelho do Poder e diz a si mesma: “sou uma esquerda
responsável e madura”, na realidade está dizendo “sou uma esquerda agradável à direita”.
Quando a direita se olha no espelho do Poder e diz “Que belo vestido estou usando!”, se esquece de que
está nua.
Quando o centro procura a si mesmo no espelho do Poder, não acha nada.

CINCO. Nem as formas de luta e nem seus tempos são de uso exclusivo
de um setor social. Nem a autonomia e nem a resistência são formas de luta que
pertencem só aos povos indígenas.
E aqui deixes que te conte uma coisa: diz-se que o EZLN é um exemplo
de construção da autonomia e da resistência.
E sim. Por exemplo, cada insurgente zapatista é uma espécie de
município autônomo, ou seja, faz o que lhe dá na telha. E que melhor resistência
do que a que opõem a cumprir as ordens. E tudo isso é um defeito, mas também
uma virtude.

Acontece que o inimigo intercepta nossas comunicações e fica sabendo


que o comando está convocando para uma reunião no ponto G (note que meus
brios já estão no sublime).
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O inimigo faz seu trabalho e monta uma emboscada..., mas ninguém chega.
O que aconteceu? Trata-se de incompetência sexual? Os serviços de contra-inteligência zapatistas
funcionaram à perfeição?
Não, se investigar a fundo se verá que Pánfilo não chegou porque pensou que era melhor se reunir em
outro lugar, Clotilde achou que sim, mas num outro dia e Eufrosino não pensou, porque estava estudando um
manual de educação sexual para ver se achava onde raio se encontrava o tal ponto G (by the way, a companheira
dele ainda espera que o encontre).
Estes não são exemplos magníficos da autonomia e da resistência zapatistas usadas como arma contra o
inimigo?
E falando do ponto G, me permita outra digressão, afinal esta carta não se tornará pública.
O novo disco de Joaquín Sabina trará, além da canção que não é uma canção que o Sup escreveu, uma
música que se chama 69 ponto G.
Pelo que me contam o disco venderá como pão quente (o quente deve ser pelo 69 e pelo ponto G), e não é
pela canção do Sup e sim, cá entre nós, será apesar dela.
Agora estou me lembrando de outro mito, o que diz que “Sabina e o Sup se querem”, quando o que ambos
querem é Panchito Varona.
Mas, bom, o que eu queria te contar, a propósito de Sabina, é que outro dia eu estava num povoado,
cortando um cravo azul para a princesa, e chega uma companheira base de apoio para apresentar-me seu filho.
“Chama-se Sabino”, me diz.
Eu faço cara de “Sabino?”, mas não digo nada.
A companheira entende o meu gesto e esclarece: “Sim, Sabino, como a Sabina, esta para a qual você faz as
canções. E assim, como este é um varão, pois então saiu Sabino e não Sabina”.
Que tal?
Com o que eu faço as canções a Sabina.
Deixe-o ficar sabendo e não vai dar nem um por cento das vendas.
Do que é que eu estava falando?
Ah, sim! Dos mitos, da política e da cultura, da contínua dor de cabeça dos rebeldes em seu afã de quebrar
as armadilhas da história.

SEIS. O mito fundamental pelo qual o Poder é o que é, está na história. Não na história como ela é, e sim
na que inventa de acordo com sua conveniência. Nesta história, na história do Poder, por exemplo, a luta dos
debaixo é feita só de derrotas, traições e mancadas.
Tu bem sabes que estamos cheios de cicatrizes que não se fecham. Algumas, as menores, são dessas que o
desamor presenteia. As demais são as de nossa história, a de baixo, e no nosso caso, a de mais embaixo, a
subterrânea, a clandestina. Não é que nela não tenha havido derrotas e traições, mas não só.
O rio que a percorre tem mais de heroísmo e generosidade do que de mesquinharia e egoísmo.
E falando da história, me lembro agora de quando te conheci, há 22 anos, a tu e a Lucha, na casa que
chamávamos La Mina.
E era La Mina não porque escondesse um tesouro, e sim porque era obscura e úmida como um buraco.
Naquela época, Lucha se empenhava em fazer-me comer e tu em ensinar-me tantas coisas que algum dia,
dizias, seriam úteis.
Creio que não fui bom comensal e nem bom aluno, mas lembro bem da pequena imagem do Che que me
regalastes num dos meus aniversários e na qual, de teu punho e com tua letra, escrevestes estas palavras de José
Martí que dizem, mais ou menos: “O homem verdadeiro não olha pra que lado se vive melhor, e sim de que lado
está o dever”.
O dever, irmão, este amável tirano que nos dirige.
Em nossa história tive a sorte de conhecer homens e mulheres para os quais o dever é a vida toda e, não em
poucos casos, a morte toda. E isso me leva à reflexão número...

SETE. Chamado a escolher entre qualquer coisa e o dever, o rebelde sempre escolhe o dever, e assim faz.
Acredito, irmão maior, que deverias presentear também aqueles que te ouvirem no dia da apresentação da
revista com esta mesma frase, mas atualizada. E diria algo assim como...
“O homem, a mulher, o homossexual, a lésbica, a criança, o jovem, o ancião, ou seja, o ser humano
verdadeiro não olha pra que lado se vive melhor, e sim de que lado está o dever”.
Estas palavras sintetizam melhor o que é a vocação do rebelde e superam qualquer coisa que eu possa dizer
a você ou a qualquer um sobre o assunto.
Bom, irmão, vou me despedindo. Mandam-te saudações todos os companheiros e companheiras. Esperam,
como eu, que tu estejas bem fisicamente, porque moralmente já sabemos que estas, como sempre, firme e forte.
111
Valeu. Saúde e, se te apressarem, diga a eles somente que a rebeldia é uma dor da qual não vale a pena
se curar... nunca.

Das montanhas do sudeste mexicano. Subcomandante Insurgente Marcos


México. È setembro de 2002 e a chuva não chega a ferir a pele do sol.

P.S. É de se esperar que entre o público haja um ou outro militante da Frente Zapatista de Libertação Nacional.
Saúde-os de nossa parte.
Sabemos que estão trabalhando duro para dar-se um novo rosto, um novo perfil. E que bom que o perfil da Frente
já não seja o das meninas, e sim que lhe dar rosto e rumo sejam pessoas como Don Manuel, um curtido ex-
trabalhador ferroviário; como a Mirios, de discreto heroísmo; como o Coronel-Gisella, que é um e uma e não é o
mesmo, mas é igual; como os jovens estudantes que estiveram no CGH; como os da UAM; como os do POLI;
como os da UPN, como os da ENAH; como os de outros centros de estudos superiores; como os veracruzanos que
conseguiram a maravilha que foi Orizaba na marcha do ano passado; como os de Oaxaca; como os de Tlaxcala;
como os de Nuevo Leon; como os de Morelos; como os do estado do México; como os de Jalisco; como os de
Querétaro; como os de Michoacán; como os de Yucatán; como os de Quintana Rôo; como os de Guanajuato; como
os de Zacatecas; como os de Durango, como os de Chihuahua; como os de Coahuila, como os das duas Baixas
Califórnias; como os de Colima; como os de Sonora; como os de Sinaloa; como os de Tamaulipas, como os de
Guerrero; como os de San Luiz Potosí e como os do DF.
E como todos os membros de base da Frente que, se nos atemos a seu número e a seu trabalho, resultam ser uma
espécie de polvo, e, além disso, todos eles e elas ignoram o que é render-se.
Outro P.S. E agora estou me lembrando de outro mito eu diz que “o EZLN não quer os da Frente”, quando está
claro que são as da Frente que não queremos.
Não, não está certo.
Sim, queremos a todos e a todas, o que ocorre é que, à sua maneira, também praticam a autonomia e a resistência
diante de nós.
Porque há rebeldias organizadas, como a que se supõe deve crescer na FZLN, e rebeldias desorganizadas como a
que padecemos no EZLN, e assim vai.
P.S O último e fechamos. Um favor: quando estiveres lendo algo meu na apresentação da revista, deves tossir de
vez em quando. É para fomentar outro mito, o de que estou muuuuuuito doente. Oxalá que me mandem nozes...
P.S. Agora sim o último. (Nota: este título de pós-escrito anula o título do pós-escrito anterior). Já dá pra ver que,
para estar em silêncio, falamos bastante.
Provavelmente se deve ao fato de que somos zapatistas. Porque no México, “REBELDIA” se escreve com “Z” de
“noz” e de “zapatista”.

Valeu de noz da Índia.


O Sup muuuuuito doente (Ah! Ah!) sonhando que Sombra-Luz finalmente caminha e que já se vê o horizonte.
Marcos vaticina um crescimento geométrico dos globalifóbicos.
La Jornada 25/11/2002

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

12 de outubro de 2002.

Para: Angel Luis Lara, vulgo o Russo


De: Sup Marcos

Russo, irmão:
Em primeiro lugar, um abraço. Em segundo um conselho: acho que farias bem a mudar de pseudônimo, vai
que os chechenos te confundem e aí sim, adeus Aguascalientes e adeus a um dos melhores roqueiros da atualidade.
A data (12 de outubro) na qual começo a escrever-te estas linhas não é mera casualidade (nada é casual
entre os zapatistas), nem tampouco o é a absurda ponte que, neste dia, trato de tender até onde vocês trabalham para
preparar a inauguração do Aguascalientes em Madri.
Tenho certeza de que tudo vai correr muito bem e que a ausência do imbecil de Aznar (assim como seu
nome indica, só lhe falta zurrar) e do acovardado do reizito Juan Carlos passará desapercebida até pela revista
Hola!
112
Mas digas a todos e a todas as que estiverem contigo neste heróico projeto que não se aflijam. Está pra
sair (deportada, é claro) uma revista que se chama Rebeldia que, não duvides, terá uma seção de “sociais” onde
poderás inserir uma resenha que deixe as do casamento da infanta na categoria de “festas infantis”.
Quanto ao resto, a mencionada revista Rebeldia com certeza será coerente e a primeira coisa que fará será
rebelar-se contra a ortografia, assim que não invistam muito na inserção paga. Com certeza, será mais cara se tiver
fotos (a não ser que sejam pornôs) e o preço, lamento te informar, não é em euros, e sim em marcos, pelo fato de
que se prefere uma moeda forte.
Por isso, nada de choramingar se a realeza não participar. No lugar dela, acredito, sobrarão homens,
mulheres, crianças e anciãos não só da península ibérica, mas, sobretudo dela. Se eles e elas participarem, tudo será
um sucesso. Mas devo te avisar que, por trás do sucesso de baixo, sempre aparece a polícia. Porque os de baixo só
devem chorar e resignar-se, é o que diz o proclama não sei que número que a coroa expediu não sei quando, mas ao
ritmo dos garrotes da Guarda Civil, com seu Aguascalientes, vão todos pra cadeia, ou para o cemitério, que é o
lugar que a “democracia” espanhola guarda para os rebeldes ibéricos.
Se bem que não serão só do Estado espanhol aqueles que participam desta festa da rebeldia que significa
um Aguascalientes, mas serão a maioria.

Cayucos transatlânticos

Nós não podemos participar porque, em breve, planejamos invadir a Europa e, como imaginarás, todo
mundo aqui já está com os equipamentos prontos (claro, se é que podem se chamar de equipamentos dois pacotes
de torradas, um pratinho de feijões azedos, duas garrafas de pozól não transgênico e pimenta a gosto) e, contudo,
ninguém tem um salva-vida ao alcance da mão.
Os mais precavidos carregam alguns comprimidos contra o enjôo e, ingenuamente, perguntam se vamos ter
“paradas sanitárias”.
Mas o pior não é isso, acontece que não consigo convencê-los de que não vamos muito longe usando
cayucos (canoas feitas cavando o tronco de uma árvore).
Claro que não podemos esquecer do detalhe de que Chiapas não tem saída para o oceano Atlântico e que,
como não temos dinheiro para pagar o pedágio do canal de Panamá, teremos que dar a volta pelo Pacífico,
contornar as Filipinas, a Índia, a África e subir até às Ilhas Canárias.
Porque seria de mau gosto chegar por terra. Teríamos que atravessar a Mongólia, os escombros da URSS –
onde teríamos o cuidado de dizer que vamos ver o “russo”, e eles que se virem -, Europa Oriental, passar pela
França para abastecer-nos de “Chateau Neuf Du Pape, colheita de 69”, (já mexo até com os vinhos), dar a volta
pela Itália e encher-nos de macarrão e depois atravessar os Pireneus. Não é que queremos fugir da caminhada, mas
tanta agitação maltrata o uniforme.
Enquanto isso, o entusiasmo percorre a tripulação tanto quanto o vômito (na verdade, vejo um
companheiro “gomitando” e lhe pergunto porque vomita se ainda não embarcamos. “É que estou treinando”, me
diz com esta lógica inapelável que impera entre as montanhas do sudeste mexicano).
O que estava te dizendo? Ah, sim! Que não vamos poder ir à inauguração do Aguascalientes porque
estamos “nos treinando”, como diz o companheiro, para a expedição.
É claro que tu não deves dizer a ninguém que vamos invadir a península ibérica (passando por Lanzarote,
onde tomaremos um cafezinho com Saramago e Pilar) porque já sabes como é a monarquia, logo, logo, começa a
ficar nervosa e quer sair de férias com as infantas e os bobos-da-corte (ou seja, estou me referindo a Felipinho
Gonzáles e a Pepillo Aznar que, repito, leva o castigo no nome).
Além disso, falar mal da monarquia pode te custar, no mínimo, que te desalojem do local, porque como
teimaram de fazer um Aguascalientes em lugar de okupas, porque a sede deve ser de gente digna, e, ninguém
duvide, há mais nobreza em qualquer casa de okupas do que em El Escorial.
Xii! Meti-me outra vez com a realeza e não devo fazê-lo, porque quando alguém se mete nas latas do lixo
acaba cheirando a merda, e este cheiro não sai nem com estes vidros de perfume fajuto que vendem em A Corte
Inglesa.
Bom, diga sim à pirataria, mas não à dispersão, assim retomo o fio deste monólogo que tem a grande
vantagem de que tu não podes dar nem um pio, como quando estas diante da benemérita Guarda Civil que, se me
permites, não é guarda e nem é civil, mas já se sabe que o mundo do poder está cheio de incoerências.
O que? Já sai pela tangente? Tens razão, de se aborrecer, é que só a perspectiva de me perder no caldo
galego requentado que estarão repartindo porque não lhes sobrou nem um tostão para algo mais, me deixa,
digamos, inquieto.

Conquistadores e neoliberais.
113
Dizia-te que a data desta carta não é casual, que o fato deste escrito ter sido iniciado no dia 12 de
outubro para saudar o projeto do Aguascalientes tem sua razão de ser.
Em alguns setores se tem a idéia errônea de que a situação do México se deve à conquista espanhola. E não
é que Hernán Cortés e demais rufiões de armadura e de batina que o acompanharam tenham sido benévolos, mas é
que, comparados com os atuais governantes neoliberais, são como irmãs de caridade.
Dos homens e mulheres da Espanha digna só temos recebido a palavra irmã, a solidariedade sem
condições, o ouvido atento, a mão que ajuda, que saúda, que abraça.
Assim, que o padre Hidalgo me perdoe, mas nós zapatistas gritamos: “Abaixo os neoliberais! Viva os
espanhóis!”.
Imagino que deverá estar por aí o bando da Catalunha que toca mal as músicas sertanejas, mas no trabalho
não há quem acompanhe o ritmo. E também devem chegar os da Galícia, de Astúrias, da Cantábria, da Andaluzia,
de Múrcia, de Estremadura, de Valência, de Aragon, de La Rioja, de Castilla e Leon, de Castilha-La Mancha, de
Navarra, das Ilhas Baleares, das Ilhas Canárias e de Madri. A todos eles e elas dê um grande abraço de nossa parte,
que temos disso para todos e todas. Porque com tantos irmãos e irmãs, e todos eles tão grandes, nossos braços têm
crescido em virtude do carinho que temos para com eles.
O que? Que deixei de fora o País Basco? Não, quero te pedir que me permitas fazer uma menção especial
destes irmãos e irmãs.
Já sei que esse palhaço grotesco que é o autodenominado juiz Garzón, de mãos dadas com a classe política
espanhola (que é tão ridícula quanto a Corte, mas sem este encanto discreto que dá o “Como passou duquesa? –
Bem, barão, não estranho em nada o bobo-da-corte do Felipinho porque Pepillo é tão engraçado como ele. Com
certeza, faria bem a fechar o zíper, barão, para que não pegue um resfriado, que é a única coisa que se pode pegar
na Corte” – etc.), está levando adiante um verdadeiro terrorismo de Estado que nenhum homem e mulher honestos
pode ver sem indignar-se.
Sim, o palhaço Garzón declarou ilegal a luta do País Basco. Depois de fazer um papel ridículo com este
conto do vigário de pegar o Pinochet (que a única coisa que fez foi lhe dar férias com as despesas pagas),
demonstra sua verdadeira vocação fascista ao negar ao povo Basco o direito de lutar politicamente por uma causa
que é legítima.
E não digo isso por dizer. E sim porque por aqui temos visto muitas irmãs e irmãos bascos. Estiveram nos
acampamentos pela paz. Não vieram para nos dizer o que fazer, nem para nos ensinar a fazer bombas ou a planejar
atentados. Por aqui as únicas bombas são as chiapanecas que, à diferença das yucatecas, nunca rimam. (1)
Porque o Olívio chega e me pede se lhe dou uns chocolates com nozes, que me deram porque há boatos de
que estou muito doentinho, e então me recita uma bomba.
“Vai sair caro” digo ao ver que os chocolates já estão estragados. E o Olívio levanta a voz quando recita:
“Bomba, bomba, no quintal da minha casa há um laranjal, que boa que é tua irmã”.
Eu não me ofendo tanto em relação à minha irmã, mas sim pela falta de rima e, contudo, dou os chocolates
ao Olívio... só que na cabeça, porque vou jogando-os nele enquanto o persigo até o cansaço, ou seja, até os
primeiros passos.
Além disso, os únicos atentados por aqui são contra o bom gosto musical quando pego o violão e entôo,
com minha inigualável voz de barítono, aquela canção que diz “toda vez que me embriago, palavra que me
acontece algo, vou certinho para te ver e erro de rede”.
Com certeza, se o Manu Chão me ouvir me contrata. Claro, se não tiver que pagar as duas cordas do violão
que quebrou quando, num mano a mano com os insurgentes, cantava aquela da Vaca Esquizofrênica. Ou era vaca
louca? Bom, se ele andar por aí, aperte a mão do Manu e diga-lhe somente que lhe perdoaremos a das cordas
quando formos nos encontrar na próxima estação que, já se sabe, se chama “Esperança”.
E se o Manu não me contrata, então vou para o grupo da Amparo. Ainda que, talvez, tenha que mudar de
nome, no lugar de “Amparonoia”, irá lhe pôr “Amparofobia”, pelo fato de que os meus críticos também se
globalizam.
Enfim, para sermos terroristas o que mais nos falta é a vocação e não os meios. Mas, bom, acontece que os
irmãos do País Basco têm passado por aqui e têm se comportado com dignidade, que é como habitualmente se
comportam os bascos.
E não sei se Fermín Muguruza anda por aí, mas lembro que da vez que esteve por aqui lhe perguntaram de
onde era e ele disse “Basco”, e voltaram a perguntar: “Basco da Espanha ou Basco da França?” E Fermín não se
alterou quando respondeu “Basco do País Basco”.
E eu estava procurando algo em basco para mandar como saudação aos irmãos e irmãs deste país, mas não
encontrei muita coisa e não sei se o meu dicionário é bom porque procurei como se diz “dignidade” em Basco, e o
dicionário zapatista diz “Euskal Herria”. Aí tu perguntas a ele se é isso ou se é melhor eu voltar atrás.
Enfim, o que nem Garzón e nem seus patinhos sabem é que há momentos em que a dignidade se
transforma em ouriço e coitado de quem pretende esmagá-lo.
114
Festa da rebeldia

Bom, antes eu disse que o Aguascalientes deve ser uma festa da rebeldia, coisa da qual os partidos políticos
não gostam muito...
- São uma fraude! – me interrompe Durito.
- Mas... espera Durito, ainda não estou falando dos partidos políticos mexicanos.
- Não é dessa fraude que estou falando, e sim das páginas pornô da internet.
- Mas Durito na selva não temos internet.
- Não temos? Me soa a União Européia. Eu tenho sim. Com um pouco de engenho e outra coisinha transformei
uma de minhas antenas num poderoso modem via satélite.
- E pode se saber, cavaleiro andante pós-moderno, porque as páginas pornôs da internet são uma fraude?
- Pois, porque não há uma única delas com fêmeas de escaravelhos, já não digo peladas, vamos, mas nem sequer
com uma dessas calcinhas de “fio dental”, como as chamam.
- Calcinhas?
- Claro. Que foda! Você não está escrevendo às meninas da Espanha?, diz e pergunta Durito enquanto coloca uma
boina.
- Calcinha? – repito tratando de evitar o inevitável, ou seja, que Durito coloque a mão no que escrevo, já que para
isso lhe sobram mãos e impertinência.
- Vejamos, mmmh, mmmh – murmura Durito já montado no meu ombro.
- Russo? Estas escrevendo a Putin? Eu não te recomendaria isso, vai que te joga um desses gases que nem os que tu
soltas quando comes feijão demais.
Eu protesto:
- Olha, Durito, não comecemos a revelar intimidades, porque tenho aí a carta que o Pentágono te enviou pedindo a
fórmula para a produção de gases ultratóxicos.
- Ah! Mas eu me neguei. Porque meus gases, como o meu amor, não se compram e nem se vendem, e sim os
presenteio, porque tenho desprendimento e dôo as coisas sem ver se as têm merecido – diz Durito com um acento
andaluz que é de foder.
Depois de uma pausa acrescenta:
- E qual é o tema do teu escrito, garoto?
- Nada, tio, é sobre o que vai acontecer, sobre a rebeldia e um Aguascalientes que vão abrir pelas bandas de Madri
– respondo eu contagiado pelo flamenco que se propaga pela choça.
- Madri? Que Madri? A de Aznar e da Benemérita. Ou a Madri irreverente?
- A irreverente, claro, ainda que não seria de estranhar que Aznar quisesse colocar as unhas.
- Magnífico! Aplaude e dança Durito de forma tal que, já, já, Federico Garcia Lorca ressuscita e lhe compõe a
desconhecida e inédita Soleá do Escaravelho Epilético.
Quando termina a dança, Durito ordena:
- Escreva! Vou te ditar a minha intervenção.
- Mas, Durito, tu não estas no programa. Vamos, sequer te convidaram.
- Claro, os russos não me querem. Mas, não seja por isso. Anda, escreva. O título é “A Rebeldia e as Cadeiras”.
- “As Cadeiras?” Durito, não me venhas com outra de tuas...
- Cala-te! A idéia vem de um texto que Saramago e eu escrevemos no final do século passado e se chama
“Cadeira”.
- Saramago? Queres dizer José Saramago, o escritor? – pergunto perplexo.
- Claro! Por que, tem outro? Bom, acontece que neste dia tomamos até cair da reiterada cadeira e, já no chão, com
aquele perspectiva e lucidez dos de baixo, lhe digo: Pepe, este vinhozinho sobe mais do que a mula de Aznar – e
ele não disse nada porque estava procurando seus óculos. E, então, eu lhe digo: - Está me ocorrendo algo, rápido
José, que as idéias são como feijão com chouriço, se te descuidas, chega outro e faz deles o seu almoço.
O Saramago encontrou finalmente os óculos dele e, juntos, demos forma a este relato, se não estiver errado,
no começo dos oitenta. Claro que no crédito aparece só o nome dele, porque nós escaravelhos batalhamos muito
com os direitos autorais.
Eu quero encurtar a anedota de Durito e o pressiono: - O título já está aí, que mais.
- Bom, o fato é que a atitude que um ser humano assume diante das cadeiras é a que o define politicamente. O
Revolucionário (assim, com letra maiúscula) olha com desprezo para as cadeiras comuns e diz aos outros e a si
mesmo: “Não tenho tempo para sentar-me, a pesada missão que a História (assim, com letra maiúscula) me
encomendou me impede de distrair-me com coisas fúteis”. Dessa forma, ele passa a vida até que chega diante da
cadeira do Poder, mata com um tiro o que está sentado nela, senta-se com o rosto enrugado e ameaçador, como se
estivesse com prisão de ventre, e diz a si mesmo e aos outros: a História (assim, com letra maiúscula), se cumpriu.
Tudo, absolutamente tudo, adquire sentido. Eu estou Na Cadeira (assim, com letras maiúsculas) e sou a plenitude
115
dos tempos”. Permanece aí até que outro Revolucionário (assim, com letra maiúscula) chega, o derruba e a
história (assim, com letra minúscula) se repete.
- O rebelde (assim, com letras minúsculas), por outro lado, quando vê uma cadeira qualquer, a analisa detidamente,
depois vá e aproxima outra cadeira, e outra e outra, e, em pouco tempo, isso já parece uma assembléia porque
chegaram mais rebeldes (assim, com letras minúsculas) e começam a circular o café, o tabaco e a palavra, e então,
exatamente quando todos começam a se sentir bem acomodados, ficam inquietos, como se tivessem vermes na
couve-flor, e já não se sabe se foi pelo efeito do café, do tabaco ou da palavra, mas todos se levantam e continuam
o seu caminho. É assim, até que encontram outra cadeira qualquer e a história se repete.
- Só há uma variação, quando o rebelde se depara com a Cadeira do Poder (assim, com letras maiúsculas), a olha
detidamente, a analisa, mas no lugar de sentar-se vá atrás de uma dessas lixas de unhas e, com heróica paciência,
vai lixando as pernas até que, no seu entender, ficam tão frágeis que se quebram quando alguém se senta, coisa que
acontece quase imediatamente. Tan, tan.
- Tan, tan? Mas Durito...
- Nada, nada. Já sei que é árido demais e que a teoria deve ser aveludada, mas a minha é uma metateoria. Pode ser
que me acusem de anarquista, mas que a minha exposição sirva como humilde homenagem aos velhos anarquistas
espanhóis, já que há os que calam seu heroísmo e nem por isso brilham menos.
Durito vá embora, ainda que tenho certeza de que ele preferiria estar chegando.
Bom, deixemos de lado os pratos de feijão. Onde é que eu estava quando esta impertinência encouraçada
me interrompeu?
Ah! No fato de que o Aguascalientes é uma festa da rebeldia.
E, então, meu querido checheno, faltaria definir o que é rebeldia.
Poderia ser suficiente fazer com que tu lances um olhar a todos os homens e mulheres que se empenharam
em levantar este Aguascalientes, e aos que participarão de sua inauguração (não do fechamento, porque tenho
certeza de que será a polícia a fazer isso) para tu extraíres uma definição, mas como esta é uma carta, devo tentar
fazer isso com palavras que, por eloqüentes que sejam, nunca serão tão contundentes quanto os olhares.
É assim que, procurando um texto que servisse para isso, encontrei um livro que Javier Elorriaga me
emprestou.
O livrinho se chama Nova Etiópia e é de um poeta Basco que se chama Bernardo Atxaga. Nele há um
poema que se chama “Reggae das Mariposas”, que fala das mariposas que voam mar adentro e que não terão um
lugar onde pousar porque o mar não tem ilhas e nem rochedos.
Bom, que don Bernardo me perdoe se a síntese não é tão bem-sucedida como seu reggae, mas me serve
para o que eu quero te dizer:
A Rebeldia é como aquela mariposa que dirige seu vôo para este mar sem ilhas e sem rochedos.
Sabe que não terá onde pousar e, contudo, seu vôo não titubeia.
Não, nem a mariposa e nem a rebeldia são bobas e suicidas, acontece que sabem que terão onde pousar,
que por aí há uma ilhota que nenhum satélite detectou.
E esta ilhota é uma rebeldia irmã que, com certeza, sairá flutuando justo quando a mariposa, ou seja, a
rebeldia voadora, começar a desfalecer.
Então a rebeldia voadora, a mariposa marinha, passará a ser parte desta ilhota emergente, e será assim o
ponto de apoio para outra mariposa que já empreendeu seu vôo decidido rumo ao mar.
Nos livros de biologia, isso tudo não irá além de uma curiosidade, mas, como disse não sei quem, o bater
das asas de uma mariposa costuma ser a origem dos grandes furacões.
Com seu vôo, a rebeldia voadora, ou seja, a mariposa, está dizendo NÃO!
Não à lógica.
Não à prudência.
Não à imobilidade.
Não ao conformismo.
E nada, absolutamente nada, será tão maravilhoso como ver a ousadia desse vôo, apreciar o desafio que
representa, sentir como o vento começa a agitar-se e ver como, com estes ares, não são as folhas das árvores a
tremerem, e sim as pernas dos poderosos que até aquele momento pensavam, ingênuos, que as mariposas morriam
mar adentro.
Sim, meu prezado moscovita, é sabido que as mariposas, como a rebeldia, são contagiosas.
E como as rebeldias, há mariposas de todas as cores.
Há aquelas azuis, que se pintam assim para que os céus e o mar as disputem.
Há aquelas vermelhas, pintadas pelo sangue rebelde.
Há aquelas marrons, que levam nas ondas a cor da terra.
Há aquelas verdes, que é como costuma se pintar a esperança.
E todas são pele, pele que brilha sem que para isso importe a cor que as pinta.
E há vôos de todas as cores.
116
E há momentos em que se juntam mariposas de toda parte e então há um arco-íris.
E a tarefa das mariposas, qualquer enciclopédia que se respeite diz isso, é trazer o arco-íris mais embaixo
de tal forma que as crianças possam aprender a voar.
E, falando de mariposas e rebeldias, me vem que, quando vocês todos estiverem no circo, diante do
palhaço Garzón, e perguntarem a você o que é que faziam no Aguascalientes, vocês respondam: voando.
Ainda que te mandem voando deportando para a Chechenia, a risada vai ser ouvida nas montanhas do
Sudeste Mexicano.
E uma risada, irmão, se agradece tanto quanto a música.
E por falar de música, pelo que sei a dança do caranguejo entro na moda dos governos de México,
Espanha, Itália e França, e consiste grosso modo, em mover os quadris e os braços em sentido inverso ao dos
ponteiros do relógio.
E já que estamos nos ponteiros, se veres Manuel Vázquez Montalbán dá-lhe um apertão de mão de nossa
parte.
Diga a ele que já fiquei sabendo
que Fox lhe perguntou se não sabia
porque Marcos e os zapatistas estavam em
silêncio, e que ele lhe respondeu: “não
estão em silêncio. O que acontece é que
você não ouve”.
De quebra, diga-lhe que as
lingüiças não são como os diamantes, ou
seja, que não são eternas, e que aquelas
que mandou acabaram faz tempo, e que se
ele não ficar esperto, digamos com uns 5
quilos, então vamos pegar ele e Pepe
Carvalho como reféns.
Não, melhor não. Para que não
nos peguem por terroristas e o Bush, de
mãos dadas com a ONU, lance contra nós
outra guerra “humanitária”. Melhor que
mande as lingüiças, eu, em troca, lhe
mando a receita do Marco’s Special que, não é por nada, o cozinheiro de sua majestade (Ah! Ah!) já me pediu com
inútil insistência.
Bom, vou me despedindo. Não deixes de dizer-me em que presídio vão colocá-los. Digo isso para quando
estivermos passando por aí.
Não, não creias que será para libertá-los, e sim para garantir-nos que estejam bem trancados, porque todos
vocês são muito loucos. Olha que inaugurar um Aguascalientes em Madri... só falta que tenham a idéia de criar um
município autônomo no presídio.
Com certeza, não vamos mandar cigarros. E sim torradas e pozól, isso sim, tão dignos como vocês.
Valeu. Saúde, e quando se trata de reinar, que reine a rebeldia.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos
México, outubro de 2002.

P.S. Dizia Eva que se no Estado Espanhol (assim disse, acho) tiver videocassete ela quer levar sua coleção de
filmes de Pedro Infante. Disse a ela que lá há outro sistema. Ela me perguntou: “Até pouco tempo atrás eles não
tinham um governo neoliberal?” Eu não lhe respondi, mas já vou lhe dizer “Comandanta Eva: que mais poderia
fazer?”
Outro P.S. Não creias que não sei que ao Aguascalientes irão também rebeldes da Itália, Grécia, Suíça, Alemanha,
Dinamarca, Suécia, Inglaterra, Irlanda, Portugal, Bélgica, Holanda e etcétera. Saúde todos e diga a eles que, caso se
comportem mal, também... vamos invadi-los. Vamos globalizar a torrada estragada e o pozól azedo. Vamos ver
como cresce geometricamente o número de globalifóbicos.
Valeu de novo.
O Sup treinando para a travessia, ou seja “gomitando” os chocolates com nozes que o Olívio deixou jogados.
________________________________
(1) Ao que tudo indica, o Subcomandante Marcos está se referindo aos versos improvisados que em vários estados
do México são recitados interrompendo a música que está sendo tocada com o grito de “Bomba!”.
117
A palavra e os fatos.
Magdalena Gómez. La Jornada, 26/11/2002.

Já é parte do senso comum constatar que o processo de paz atolou, bem como o discurso desgastado da
COCOPA e as justificativas do encarregado para a paz, que sublinha que em Chiapas as comunidades se dividem
entre as que aceitam a ajuda do governo, e, de conseqüência, estão bem, e as que são bases zapatistas, que vivem
sua autonomia e rechaçam a ajuda, logo, estão mal. Neste contexto, há pessoas de boa fé que colocam a resignação
como caminho, enquanto outras tentam abrigar-se no novo texto do segundo artigo da Constituição. É o caso do
Instituto Nacional Indigenista (INI), que navega com uma proposta de reforma institucional, mas obteve como
resposta do Poder Executivo a redução do orçamento para o seu projeto de 2003. Ninguém diz que a situação seja
fácil, mas é evidente que o EZLN e o movimento indígena têm claro que a saída não pode ser o conformismo, já
que estão trabalhando e fortalecendo sua autonomia a partir de baixo.
Com um panorama assim, chama a atenção a reacomodação que está ocorrendo no Congresso da União. Os
160 deputados que apresentaram novamente o projeto de lei da COCOPA incorreram num gesto de incoerência que
se soma aos demais que têm afetado o processo de paz.
No último dia 12 de novembro foram aprovados, inclusive com o voto do PRD, as resoluções que o Senado
encaminhou para reformar os códigos federais de Procedimentos Civis e Penais, bem como o Código Penal Federal
no sentido de retomar direitos em sua essência já registrados há mais de uma década quanto ao tradutor para
indígenas processados.
O Senado tem deixado clara a sua postura de não rever a chamada reforma indígena de 2001 e avançar pelo
caminho da legislação secundária, desqualificando seu impacto no processo de paz em Chiapas e em todo o
México.
Até agora, um setor dos deputados havia se desvinculado desta postura ao rechaçar o veredicto da chamada
reforma e apresentar meses depois, novamente, o projeto de lei da COCOPA que em 2001foi completamente
distorcido pelo Senado. Contudo, desta vez se uniram à decisão hegemônica de aplicar ao processo a política de
“matéria julgada”. É muito lamentável que contribuam com seu voto para fortalecer esta tendência.
De pouco valem os argumentos esgrimidos na hora de fixar posições. O PRD, através do seu deputado
Héctor Sánchez, apoiou os veredictos “porque, de alguma maneira, irão favorecer os indígenas que estão sendo
processados, mas manteve a necessidade de ir ao fundo do problema com uma reforma constitucional que
reivindique os direitos dos indígenas. Acrescentou que será novamente analisado o projeto de lei da COCOPA que
foi apresentado por mais de 160 deputados” (boletim de imprensa Nº 1425, Câmara dos Deputados).
Em fevereiro deste ano nos parecia pouco realista que este grupo de deputados gerasse a expectativa de
reformar a reforma quando a correlação de forças lhe era abertamente adversa; contudo, acreditamos na boa fé de
tão alardeada decisão. Agora, nove meses depois, não se pode pedir que consigam o impossível. O projeto de lei da
COCOPA não voltou a ser discutido.
O que se esperava deles era coerência, atitude difícil quando, para sustentar uma postura, se devem pagar
os custos políticos, que estão sendo pagos pelo EZLN, pelo movimento indígena e pela sociedade civil que
acompanha este processo. Acusam-se todos eles de intransigência e, de várias maneiras, se faz com que sintam que
devem aceitar o que a classe política oferece.
E nem é para voltar os olhos para o Presidente da República, cuja transformação ao sair do país lhe faz
distorcer a realidade a ponto de afirmar que está em paz com Marcos e com o EZLN. A surpresa não é com o PAN,
o PRI ou o Executivo, e sim com o PRD: fizeram uma conta errada unindo-se à corrente hegemônica no Congresso.
E aí vêm as demais resoluções do Senado; com que argumento dirão que apóiam a regulamentação da reforma de
2001 e ao mesmo tempo pedem que seja revista?
Passada a Consulta sobre Prioridades Nacionais, fortemente impulsionada pelo PRD e na qual cerca de 3
milhões de pessoas colocaram, mais uma vez, a reivindicação de que se cumpram os Acordos de San Andrés para
que haja paz, é óbvio que a prioridade não é a de regulamentar a contra-reforma de 2001.

Crise e incerteza, o panorama no campo.


Matilde Perez U. La Jornada 02/12/2002.

Foram dez as promessas de Vicente Fox para o campo durante a sua campanha, e que ele avalizou ao
assumir a Presidência, entre elas, derrubar a pobreza nas áreas rurais e incluir no progresso seus 25 milhões de
habitantes, dos quais cerca da metade – de acordo com o Banco Mundial – vivem na pobreza quase extrema.
As demais ofertas foram: fazer do campo um negócio rentável – um dos primeiros degraus seria a criação
de um novo banco de desenvolvimento focado nas necessidades da sociedade rural -, derrubar a pobreza e incluir
no progresso os membros da sociedade rural; abrir oportunidades de emprego e auto-emprego através do
investimento; impulsionar o “desenvolvimento de bolha” nas comunidades rurais; garantir o acesso à infra-
118
estrutura social básica: educação, saúde, moradia, serviços públicos básicos; garantir os direitos de pleno
domínio da terra; reverter o desperdício de água e resgatar o valor das áreas florestais; estabelecer um novo marco
jurídico institucional para atender às necessidades da sociedade rural; apoiar as organizações da sociedade civil, e
uma revolução educativa.
Mas, passados dois anos de governo, os camponeses continuam lavrando incertezas e uma catástrofe
silenciosa. Neste período, os camponeses não têm deixado de ocupar as entradas das cidades, bloquear rodovias,
realizar manifestações na cidade do México diante dos escritórios dos Ministérios da Agricultura, da Economia e
da Fazenda, expressões que - como têm avisado os dirigentes camponeses – são o último dobrar de sinos antes da
possível “explosão social”.
Enquanto isso, dos empresários do Conselho Nacional Agropecuário (CNA) até à Frente Nacional para a
Defesa dos Produtores do Campo se perguntam: onde está a tal política para reativar a agricultura? A blindagem
agro-alimentar que prometeu no início do segundo semestre deste ano, redundou no que? Tudo isso diante de
alguns dos resultados: diminuição do consumo de feijão, milho, ovos e leite; aumento das importações de grãos
básicos; aumento da rentabilidade através da Aliança para o Campo, Procampo e apoio à comercialização, mas aos
produtores comerciais; continuidade na perda de empregos, aumento da migração, reduções e cortes do orçamento
federal para o setor, que no período 1994-2002 diminuiu 52,8% em termos reais, de acordo com os dados do CNA.
No início da década de 30, com um salário mínimo se podiam comprar 15,9 quilos de tortilhas; em 2001,
apenas 8,3 e este ano só 7,6 quilos; quando ao leite, o número era de quase 9 litros, depois 5,3 e atualmente 5,2
litros; no caso do feijão a equivalência passou de 3,8 quilos a 2,4 este ano. E sob a alegação de que a produção
interna é insuficiente para satisfazer a demanda nacional, se afasta do mercado e alimenta a queda dos preços dos
grãos mexicanos. “As mudanças têm prejudicado a agricultura comercial tradicional e a de subsistência, tem se
favorecido a agricultura de exportação, concentrada em poucas mãos”, apontam as análises realizadas pela Central
Independente de Operários Agrícolas e Camponeses (CIOAC) e a Confederação Nacional Camponesa (CNC).
“A estratégia de substituir importações de grãos básicos fracassou. A deterioração no campo tem que ser
imediatamente detida, como uma medida patriótica e de exercício real de soberania; há que se fazer do campo e de
sua gente, realmente, uma prioridade nacional”, pregam as organizações de produtores.
Contudo, a resposta de Fox não muda: “A globalização exige que nos modernizemos para sermos
competitivos; o governo deixará de outorgar ao campo dádivas com propósitos clientelistas e eleitorais, mudará os
programas que não fomentem o desenvolvimento das capacidades produtivas individuais”.
Mas, de acordo com as organizações, um enfoque produtivista não resolve o problema dos altos preços dos
insumos, 30 vezes mais caros do que nos Estados Unidos, preços baixos, subsídios desiguais em relação aos
parceiros comerciais – os agricultores dos Estados Unidos recebem 20 mil 800 dólares e os mexicanos 720 dólares
– falta de financiamento e de tecnologia de ponta. O financiamento será transformado, argumenta o governo,
porque o Banrural deixou de conceder créditos para mais de 6 milhões de hectares; por estar vencida, já não é
funcional mais da metade de sua carteira total. Este ano, a SAGARPA e a SHCP realizaram uma junção entre
legisladores e algumas organizações do modelo proposto: caixas de poupança. Enquanto isso, os rumos do crédito
agrícola mantiveram a tendência de queda.
E, enquanto o governo promete direcionar a política agropecuária, a deterioração da produção agrícola e
pecuária avança. Em 1994, ambas contribuíram com 77 % do consumo, no ano 2000 foi de 68,5% e em 2001 de
68%. Mas a mais prejudicada é a pecuária, já que o índice de auto-suficiência é de 77% diante dos 95% que se
tinha antes da assinatura do NAFTA. Assim, enquanto no início da década de 90 o consumo interno era coberto em
80% com os produtos do país, atualmente o nível é de dois terços.
O investimento no setor caiu brutalmente. A agropecuária recebeu só 0,6% dos 14 bilhões e 706 milhões de
dólares que chegaram no país há dois anos. Entre 2001 e 2002, se perderam mais de 14 mil vagas, de acordo com
os dados do Ministério do Trabalho e da Fazenda.
Este patamar, têm advertido os agro-empresários, poderia crescer e chegar aos 700 mil empregos cortados
em muito pouco tempo, e estariam em situação de alto risco 7 milhões de empregos diretos pelos efeitos da
eliminação total das barreiras alfandegárias, como consta do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, a
quebra das agroindústrias pela competição desleal e a baixa dos preços, entre outros fatores.
O que têm aumentado – expõe Armando Batra, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Rural Maya – são as remessas que os migrantes enviam às suas famílias e que no ano passado chegaram a 10
bilhões de dólares, quatro vezes o valor das exportações agrícolas (2 bilhões e 722 milhões de dólares) e bem acima
do que se gasta em programas sociais como Aliança para o Campo (6,5 bilhões de Pesos) e para o Procampo (12,4
bilhões de Pesos) e não porque a renda deles seja elevada, e sim pelo aumento da migração. O México “se tornou o
campeão mundial do êxodo (já que) nos Estados Unidos vivem cerca de 22 milhões de mexicanos (...) A
mercadoria humana é o resultado da liberalização do comércio que está arrasando a agricultura camponesa,
sustento de um quarto da população”.
Está em jogo a segurança da propriedade da terra. Os camponeses têm certeza de que se não se defenderem
poderão perder seus lotes com “modelos de desenvolvimento” como o Plano Puebla Panamá (PPP), “considerado
119
uma estratégia dos grandes investidores para tirar as comunidades de suas terras e apropriar-se dos recursos
naturais”.
Tampouco, esquecem as mobilizações – de facão na mão – e a defesa que mantiveram durante quase um
ano os ejidatários de San Salvador Atenco, aos quais se pretendia expropriar 5 mil 384 hectares para a construção
do novo aeroporto. Mas o México – como tem dito o presidente Fox – “já está nas grandes ligas” (mundiais do
comércio).

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


07 de dezembro de 2002.

Para: Carmen Lira. Diretora do jornal mexicano La Jornada.

De: Subcomandante Insurgente Marcos.

Chiapas, México.

Escrevo-lhe em nome do EZLN para fazer-lhe uma súplica. Como você deve saber, dias atrás, por causa de
uma carta que enviamos à inauguração do Aguascalientes de Madri, o juiz Fernando Baltasar Garzón Real me
desafiou a um debate.
Anexas à presente, vão algumas cartas com diversos destinatários, que lhe peço e recomendo que publique
em algum lugar do seu jornal, coisa que tenho certeza que fará, pois o La Jornada sempre manteve suas portas
abertas à palavra zapatista, mesmo quando não concorda com o que ele fala.
Abusando da sua bondade, suplico-lhe que também, se lhe for possível, faça chegar cópia das cartas à
imprensa do Estado espanhol e à do País Basco, na forma e no prazo que lhe for possível.
Aproveito para saudá-la junto a todos os que trabalham em seu jornal.

Valeu. Saúde e, reitero, não se tratou mais do que de dar uma chance à palavra.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2002.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


07 de dezembro de 2002.

Ao Sr. Fernando Baltasar Garzón Real, juiz-magistrado do Tribunal Central de Instrução Nº 5, Audiência
Nacional, Rua Garcia Gutiérrez, 1, 28004 Madri. Espanha.

Senhor Baltasar Garzón:

Li a carta que me dirige, com a data do dia 3 de dezembro deste ano e publicada no dia 6 corrente pelo
jornal mexicano El Universal. Nela, além de permitir-se me insultar com todo tipo de atributos, você me desafia a
um debate num lugar e data de minha escolha.
Comunico-lhe que aceito o desafio (como mandam as leis da cavalaria andante), e, já que o cavaleiro
desafiado sou eu, me cabe fixar as condições do encontro.
As condições são estas:
PRIMEIRO. O debate será realizado nas Ilhas Canárias, mais precisamente na chamada Ilha de Lanzarote,
do dia 3 ao 12 de abril de 2003.
SEGUNDO. O senhor Fernando Baltasar Garzón Real deverá conseguir as garantias e os salva-condutos
necessários e suficientes, tanto do governo espanhol como do mexicano, para que o cavaleiro desafiado e seis de
seus escudeiros possam participar do desafio e voltar inteiros a seus lares. Os gastos com o transporte e a
hospedagem do Subcomandante Insurgente Marcos e sua comitiva serão cobertos pelo EZLN, que é para isso que
servem as canoas, as torradas, os feijões e o pozól; além disso, para pernoitar, o andante (o cavaleiro navegante)
não precisará de outro teto que não seja o digno céu das Canárias.
120
TERCEIRO. No mesmo lugar do debate, de forma paralela, mas não simultânea, se realizará um
encontro entre todos os atores políticos, sociais e culturais da problemática basca que assim o desejarem. O tema do
encontro será “O País Basco: Caminhos”.
QUARTO. O senhor Fernando Baltasar Garzón Real deverá participar, falando e ouvindo, de dito encontro.
Além disso, deverá esforçar-se para convencer o governo espanhol a contribuir, com medidas que reduzam a
tensão, para a criação de um ambiente propício para o ato, e exortá-lo a enviar uma delegação de nível ao encontro,
sem que para isso importe que não tenha poder de decisão, pois só se pede a eles que ouçam e falem.
QUINTO. O cavaleiro Subcomandante Insurgente Marcos deverá participar de dito encontro, mas só para
ouvir, porque o tema é algo que diz respeito somente à soberania do povo basco.
Além disso, o Subcomandante Insurgente Marcos deverá dirigir-se à organização basca Euskadi Ta
Askatasuna (mais conhecida por suas iniciais de ETA) pedindo-lhe uma trégua unilateral de 177 dias, período no
qual a ETA não deverá realizar nenhuma ação militar ofensiva. A trégua da ETA deverá iniciar na madrugada do
dia 24 de dezembro de 2002.
Do mesmo modo, o Subcomandante Insurgente Marcos deverá se dirigir às organizações políticas e sociais
bascas, e ao povo basco em geral, convidando-os a realizar e organizar o encontro antes mencionado.
O Subcomandante Insurgente Marcos irá se dirigir também à sociedade civil espanhola e basca pedindo-lhes que se
mobilizem na campanha “Uma chance à palavra”, cujo objetivo é pressionar o governo espanhol e a ETA para que
criem, em toda a península ibérica, as condições adequadas para a realização do encontro.
SEXTO. O ganhador do debate será escolhido por um júri integrado por sete pessoas, todas elas do Estado
espanhol. O Subcomandante Insurgente Marcos cede ao senhor Fernando Baltasar Garzón Real o privilégio de
nomear 4 membros do júri e de designar quem terá de presidi-lo e, na eventualidade de um empate por abstenção,
decidir com voto de Minerva quem é o vencedor de fato. Os outros três membros do júri serão convidados pelo
EZLN.
SÉTIMO. Se o senhor Fernando Baltasar Garzón Real derrotar por meios lícitos o Subcomandante
Insurgente Marcos, tem o direito de tirar-lhe o capuz uma vez diante de quem lhe der vontade. Além disso, o
Subcomandante Insurgente Marcos lhe pedirá publicamente desculpas e se submeterá à ação da justiça espanhola
para que o torturem (do mesmo modo em que torturam os bascos quando são detidos) e, na data de 3 de abril de
2003, responda às acusações em relação às quais abunda a carta do senhor Garzón Real.
Se, ao contrário, o senhor Fernando Baltasar Garzón Real for derrotado por meios lícitos, se compromete a
assessorar juridicamente o EZLN nas reivindicações que, talvez como último recurso pacífico zapatista e perante as
instâncias jurídicas internacionais, serão apresentadas para exigir o reconhecimento dos direitos e da cultura
indígenas, que, violando as leis internacionais e de sentido comum, foram desconsiderados pelos três poderes do
governo mexicano.
Além disso, se for possível e tiver vontade, representará legalmente o EZLN perante ditas instâncias
internacionais SOMENTE no que se refere à reivindicação de reconhecimento jurídico de nossos direitos e cultura.
Isso se dará desta forma, pois também serão apresentadas petições por crimes de lesa humanidade contra o
senhor Ernesto Zedillo Ponce de Leon, responsável pela matança de Acteal (perpetrada nas montanhas do sudeste
mexicano em dezembro de 1997) na qual foram executadas 45 pessoas entre crianças, mulheres, homens e anciãos
indígenas. Como deve lembrar, o senhor Zedillo foi premiado recentemente pelo senhor José Maria Aznar, chefe
do governo espanhol, por sua participação na matança.
Do mesmo modo, serão apresentadas petições contra os chefes do governo espanhol que, durante o
mandato do senhor Zedillo no México, foram cúmplices dele nesta e em outras agressões aos povos indígenas
mexicanos.
Estas condições não são negociáveis, o senhor Fernando Baltasar Garzón Real deverá responder, num
prazo razoável, se as aceita ou não. Em troca, os detalhes do debate poderão ser acordados pelas equipes de
padrinhos do desafiante e do desafiado.
Senhor Fernando Baltasar Garzón Real: como poderá ver nas cópias das cartas que anexo, já comecei a
tarefa de cumprir com a parte que me cabe.
De espanhol a espanhol, pois nas minhas veias corre um quarto de sangue espanhol, espero que agora
entenda e se mantenha na disposição de levar adiante o debate ao qual me desafia.
Você tem a chance de escolher: ou põe seus conhecimentos e habilidades a serviço de uma causa justa e
nobre (e de passagem demonstra que a justiça internacional não serve só para avalizar a guerra e proteger os
criminosos), ou continua onde está, recebendo as carícias daqueles que são de cima porque estão sobre o sangue e a
dor dos de baixo.

Valeu. Saúde e que tudo isso sirva para dar uma chance à palavra.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
121
México, dezembro de 2002.

P. S.: Saiba vossa senhoria que todos os insultos que me oferece com abundância em sua carta me deixam
praticamente i-r-r-e-m-o-v-í-v-e-l. O que me doeu, e bastante, é o do “ridículo cachimbo”. Por isso, já estou
trabalhando num novo que, já se verá, causará furor quando for estreá-lo na Gran Via e em Las Ramblas. Mas, é
possível fumar diante da Cibeles?

Outro P.S.: O do “barco à deriva”, sim, tem me preocupado. Quer dizer que o litoral que estou avistando agora não
é o da Ilha de Ferro (considerada o fim do mundo até o descobrimento da América), e sim o da ilha de Java? Bem
que eu dizia, quando passamos ao lado do Krakatoa, que, para variar e fazer honra ao de “zapatistas”, havíamos
escolhido o caminho mais longo. Suspiro.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.

07 de dezembro de 2002.

À organização político-militar basca Euskadi Ta Askatasuna (ETA). País Basco.


De: Subcomandante Insurgente Marcos.

Senhoras e senhores:

Escrevo-lhes em nome das crianças, anciãos, mulheres e homens do Exército Zapatista de Libertação
Nacional do México.
Como talvez vocês saibam, dias atrás e numa carta lida em território espanhol nos referimos à luta do povo
basco por sua soberania. Apesar de que, claramente, o texto fazia referência à luta política basca e não à militar, as
palavras foram propositadamente ambíguas no que se refere à ação de sua organização ETA.
O objetivo da ambigüidade foi o de provocar o que provocamos. Não ignoramos que pusemos em risco o
capital moral que nós zapatistas temos conquistado no mundo todo, e sobretudo na península ibérica, mas foi
necessário... então.
Vocês e nós sabemos bem que o EZLN não só não tem realizado como não realizará ação militar alguma
contra civis. Sabem também que condenamos este tipo de ataques, que costumam cobrar o maior número de
vítimas entre pessoas que sequer sabem de que se trata.
Não são poucas as vítimas civis que suas ações têm provocado. Entre elas encontram-se pessoas que
simpatizavam com nossa causa e que, como as demais vítimas civis, morreram na angústia de não saber porque.
Consideramos justa e legítima a luta do povo basco por sua soberania, mas esta causa nobre, assim como
nenhuma outra, justifica que a vida de civis seja sacrificada. Não só não produz ganho político algum, e, ainda que
o produzisse, o custo humano é impagável. Condenamos ações militares que causem danos aos civis. E as
condenamos do mesmo modo, venham do ETA ou do Estado Espanhol, da Al Qaeda ou de George W. Bush, de
israelenses ou palestinos, ou de quem quer que seja que, sob nomes ou siglas diferentes, apelando a não razões de
estado, ideológicas ou religiosas, cobra suas vítimas entre crianças, mulheres, anciãos e homens que não estão
envolvidos com o assunto.
Sei também que na conta dos mortos e feridos feita pelo governo espanhol não estão incluídos os milhares
de bascos que têm sido executados, torturados e feitos desaparecer pelas forças do estado. Contudo, não escrevo a
vocês para comparar as contas dos mortos. Nisso, nós superamos uns e outros, pois são milhões os indígenas
mexicanos que têm caído desde a conquista espanhola. E não colocamos nossos mortos para competir com
ninguém.
Não, não é para falar sobre o que aconteceu antes que me dirijo a vocês.
Dias atrás, o juiz espanhol Fernando Baltasar Garzón Real me desafiou a um debate. Eu lhe respondi
afirmativamente e, entre outras coisas, coloquei como condição que se realize um encontro entre todas as forças
políticas, sociais e culturais envolvidas ou interessadas na problemática do País Basco, para que falem e ouçam
sobre os caminhos bascos.
Pela mesma razão, em nome de todos os meus companheiros e companheiras, peço-lhes que decretem uma
trégua unilateral por um período de 177 dias, iniciando na madrugada de 24 de dezembro de 2002. Peço-lhes
também que se comprometam publicamente a não realizar nenhuma operação militar ofensiva durante este período
e contribuam assim para criar um ambiente propício para dito encontro, ou seja, para dar uma chance à palavra.
Seria bom que Euskadi Ta Askatasuna enviasse um ou vários delegados para falar e ouvir, não para
negociar ou pactuar nada, ao encontro O País Basco: Caminhos. Sei que correriam riscos, mas se estão dispostos a
122
morrer ou a serem presos nas ações militares que realizam, não vejo porque não estariam dispostos a sofrer o
mesmo numa ação política.
É isso que peço a vocês, não que se rendam, não que abandonem as armas ou suas convicções. Só peço a
vocês que dêem uma chance à palavra e honrem assim o grande risco que nós zapatistas tivemos e teremos que
correr. Caso não aceitem, me ofereço pessoalmente como vítima propícia em seu próximo ataque.
Vocês poderão acusar-me de “colaboracionista” com o Estado espanhol (o que não deixará de ser
paradoxal, pois as autoridades espanholas me acusam de ser “apologista do terrorismo”). O argumento será o de
menos. Não haverá reprovações e nem represálias de nossa parte porque pelo menos eu saberei porque morro.
Espero sua resposta.

Valeu. Saúde e uma chance à palavra.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos
México, dezembro de 2002.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


07 de dezembro de 2002.

Às organizações políticas, sociais e culturais de esquerda (abertzales). País Basco.


De: Subcomandante Insurgente Marcos. México.

Irmãos e irmãs:

Escrevo-lhes em nome das crianças, anciãos, mulheres e homens do Exército Zapatista de Libertação
Nacional do México e saúdo todos vocês com respeito e admiração.
Acredito não estar equivocado ao supor que conhecem bem a polêmica desatada por causa da carta
zapatista lida no Aguascalientes de Madri no final do mês de novembro deste ano.
Como verão na carta que anexo, aceitei o desafio ao debate que o juiz Baltasar Garzón me lançou. Como o
desafiado sou eu e me cabe fixar as condições, respondi que uma delas é que, paralelamente ao debate, se realize
um encontro entre todas as forças políticas e culturais envolvidas na problemática do País Basco e que se
disponham a isso. Escrevi também à ETA pedindo-lhe que declare uma trégua unilateral de 177 dias a partir de 24
de dezembro deste ano, com a finalidade de criar as condições adequadas para a realização deste encontro.
Bom, esta é a síntese apressada. Vocês poderão ver mais detalhes nas cartas mencionadas. Mas eu escrevo
especialmente a vocês por várias razões.
Além de convidá-los a participarem deste encontro, escrevo-lhes para pedir que se unam ao pedido que
faço à ETA, pois vocês têm a autoridade moral e o prestígio que me faltam.
Também lhes peço que, com inclusão e tolerância, unam as maiores forças possíveis para organizar e
realizar o ato. Peço isso a vocês porque, historicamente, a esquerda tem sempre demonstrado ser uma organizadora
melhor do que a direita. Os temas, ritmos e demais aspectos do encontro devem ser decisão de todas as forças que
queiram dar uma chance à palavra.
Bem sei que, à diferença da esquerda parlamentar mexicana, vocês sim têm um projeto político alternativo
não só para a luta pela soberania basca, mas também para a construção de um sistema mais justo, mais democrático
e mais livre, ou seja, mais humano. Por isso procuro vocês, sua experiência, sua decisão de luta, seu heroísmo e
autoridade moral que, sem sombra de dúvida, têm construído para si no interior do nobre povo basco. Não me cabe
duvidar de que há caminhos ainda inéditos para conquistar a soberania basca. E tampouco me cabe duvidar de que
estes caminhos agora estão fechados pelo temor que ganha força de um e de outro lado.
Por isso, eu peço a vocês que falem e ouçam, que se falem e se ouçam. Não que renunciem a suas
convicções e projetos, e sim que os dêem a conhecer num espaço pelo qual devem lutar, isso sim, junto a todos os
homens e mulheres honestos.
Peço a vocês que lutem para tornar realidade este espaço. Ninguém tem nada a perder (à exceção de nós
zapatistas, mas esta é nossa especialidade) e sim muito a ganhar.
Peço a vocês que dediquem seu melhor esforço para dar uma chance à palavra.
Outra coisa (sim, já sei que estou passando por pedinte, mas vocês são nobres), peço a vocês que, ainda que
tudo proceda em sentido contrário a não saia nada conforme teríamos querido, vocês,de qualquer maneira, abram
este espaço e convoquem todos e todas os que queiram a falarem e ouvirem o que todos e todas têm a dizer e a
ouvir.
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Valeu. Saúde e já sei que parece palavra de ordem de mobilização de rua, mas temos que dar uma chance à
palavra.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2002.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


07 de dezembro de 2002.

À Sociedade Civil Espanhola e Basca. Península Ibérica, Planeta Terra.


De: Subcomandante Insurgente Marcos. México.

Damas, cavalheiros e crianças:

Escrevo-lhes em nome dos anciãos, mulheres, crianças e homens do Exército Zapatista de Libertação
Nacional do México para saudá-los.
Dias atrás, uma nossa carta, lida no Aguascalientes de Madri, desatou uma polêmica e uma condenação
contra nós, porque a carta era ambígua no que se refere às ações da organização basca ETA. Apesar de que no
inicio da carta se advertia que “nada é casual entre os zapatistas” e que nos referíamos claramente à luta política do
povo basco, e não àquela armada, se quis interpretar a ausência de uma condenação explícita ao terrorismo como
um apoio do EZLN à ETA e às suas ações.
Devo dizer-lhes que a ambigüidade foi proposital, assim como o inteiro tom da carta. Procuramos provocar
o temperamento hispânico de um homem e assim pôr em marcha uma iniciativa nobre e honesta que, na parte que
nos diz respeito, representa talvez a última oportunidade de conseguir uma solução pacífica digna para as nossas
reivindicações que são, como todos sabem, o reconhecimento dos direitos e da cultura indígena.
Vocês bem sabem que nós não praticamos o terrorismo e que, em reiteradas ocasiões, através de
declarações escritas e faladas, temos condenado o terror, venha de onde vier. E se desta vez não fizemos isso
explicitamente foi por razões que já podem ser vistas com clareza.
Para os familiares das vítimas da ETA e do Estado Espanhol, entre as quais se encontram não poucos
simpatizantes de nossa causa, nossas sinceras desculpas se com esta ambigüidade não respeitamos a sua dor.
Desejamos de todo coração que nos entendam e que algum dia nos perdoem a parte que nos cabe.
Lamentamos também que seu sofrimento tenha sido manipulado pelo governo espanhol para distrair e
assim ocultar sua criminosa ineficácia na catástrofe ecológica que se abate sobre o nobre povo galego, ele que tem
demonstrado que pode se organizar e resolver o seu problema enquanto os governantes passeiam pelas páginas
sociais de Madri.
Como vocês sabem, o juiz Fernando Baltasar Garzón Real me desafiou a um debate público sobre diversos
temas. Temos decidido aceitar o debate e colocar, como uma das condições, que se realize um encontro entre os
interessados e os atingidos pela problemática basca, para que se falem e se ouçam, sem bombas, tiros e mandatos
de prisão. O tema do encontro é O País Basco: Caminhos.
Para a realização do encontro, já tenho me dirigido, através de uma carta, à organização basca ETA para
pedir-lhe que declare uma trégua unilateral de 177 dias (iniciando no dia 24 de dezembro deste ano) e se propicie
assim um ambiente adequado para a realização do encontro.
Nós acreditamos que deve se fazer algo para mudar a lógica criminosa que atualmente se impõe a todo o
planeta. Que se pode combater o terror com o terror, mas não se pode vencê-lo. Que os argumentos legais servem
para justificar torturas, desaparecimentos, assassinatos, mas não acabam com aqueles que, com argumentos
ideológicos ou religiosos, justificam a morte de outros.
No mundo de hoje se apresenta a nós uma opção final que, como todas as opções finais, é uma arapuca.
Quando nos obriga a escolher entre um terror e outro, e criticar um supõe apoiar outro. Neste caso, quando nos
obriga a escolher entre o terrorismo da ETA ou o terrorismo do Estado espanhol, e quando marcamos posição em
relação a um e que somos cúmplices do outro. Vocês e nós sabemos que a alternativa não é entre uma coisa ou
outra, e sim a que se constrói como caminho novo, como novo mundo,
Seria muito justo e educativo que, no meio de um mundo polarizado onde a morte e a destruição só mudam
de argumentos e de injustiças (onde condenar as ações punitivas de Bush equivale a apoiar a loucura
fundamentalista de Bin Laden), seja a península ibérica o lugar onde se abre um espaço para dar uma chance à
palavra.
124
Seria maravilhoso que fosse a dignidade ibérica a dizer ao mundo inteiro que é possível, e necessário,
dar uma chance à palavra.
Para tudo isso, estamos convidando vocês a mobilizarem-se em todo o território hispânico para reivindicar,
do governo espanhol e da ETA, isso: uma chance à palavra.

Valeu. Saúde e, se não for agora, então, quando?Há que se dar uma chance à palavra.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2002.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


07 de dezembro de 2002.

A todas as forças políticas, sociais, culturais e religiosas do País Basco, sem que para isso importe sua
ideologia.

De: Subcomandante Insurgente Marcos.

Damas, cavalheiros e crianças:

Escrevo-lhes em nome do Exército Zapatista de Libertação Nacional para convidá-los a se unirem e a


fazerem sua a mobilização “UMA CHANCE À PALAVRA” que pretende conseguir da ETA e do governo
espanhol um ambiente propício para a realização do encontro “O País Basco: Caminhos”.
Pretende-se realizar este encontro na Ilha de Lanzarote, Ilhas Canárias, de 3 a 7 de abril de 2003 e não tem
outro objetivo a não ser o de tratar de mudar a lógica de guerra que impera no mundo.
Também convidamos vocês a fazerem seu este encontro, que o organizem e participem dele, no tempo e
forma que vocês considerem mais adequados.
Supõe-se que o encontro é uma das condições que nós fixamos para a realização do debate ao qual nos
desafiou o juiz Baltasar Garzón, mas, se ele não se realizar ou alguma desgraça ou contratempo impedir sua
celebração, pedimos respeitosamente que vocês, seja como for, realizem este encontro no lugar e na data que lhe
for mais conveniente.
Não acrescento mais nada para não repetir o que vai nas cartas que estou anexando.
Temos certeza de que esta iniciativa, se tiver êxito, se transformará num raio de esperança para todos os
povos da terra.
Reitero a vocês nossa saudação, nosso respeito e nossa admiração.

Valeu. Saúde e, será que não vale a pena dar uma chance à palavra?

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2002.

Revista Rebeldia, Nº 1, Novembro de 2002.


Editorial do Subcomandante Insurgente Marcos.

Diz Durito que a vida é como uma maçã.


E diz também que há aqueles que a comem verde, os que a comem podre e os que a comem madura.
Diz Durito que há alguns, bem poucos, que podem escolher como comer a maça: se num formoso arranjo
de frutas, num purê, num destes odiosos (para Durito) refrescos de maça, num suco, num pastel, nas bolachas, ou
no que manda a gastronomia.
Diz Durito que os povos indígenas se vêem obrigados a comer a maçã podre, que impõem aos jovens a
digestão da maçã verde, que prometem às crianças uma linda maçã, enquanto as envenenam com os vermes da
mentira, e dizem às mulheres que dão a elas uma maçã e só lhes dão meia laranja.
Diz Durito que a vida é como uma maçã.
E diz também que um zapatista, quando está diante de uma maçã, prepara-se cuidadosamente ao longo da
madrugada e reparte a maçã pela metade com um golpe certeiro.
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Diz Durito que o zapatista não tenta comer a maçã, que sequer repara se a maçã está madura, podre ou
verde.
Diz Durito que, aberto o coração da maçã, o zapatista retira as sementes com muito cuidado, vá, lavra um
pedaço de terra e as semeia.
Depois, diz Durito, o zapatista rega o pequeno broto com suas lágrimas e sangue e vela o crescimento.
Diz Durito que o zapatista sequer verá a macieira florescer, e muito menos os frutos que dará.
Diz Durito que o zapatista semeou a macieira para que um dia, quando ele não estiver, qualquer um possa
cortar uma maçã madura e ser livre para decidir se a come num arranjo de frutas, num purê, num suco, num pastel
ou num desses odiosos (para Durito) refrescos de maça.
Diz Durito que o problema dos zapatistas é este, semear as sementes e velar o seu crescimento. Diz Durito
que o problema dos demais seres humanos é lutar para serem livres de escolher como comer a maçã que virá.
Diz Durito que aí está a diferença entre os zapatistas e os demais seres humanos: onde todos vêem uma
maçã, o zapatista vê uma semente, vá e prepara a terra, planta a semente, cuida dela.
Quanto ao resto, diz Durito, nós zapatistas somos como qualquer outra pessoa. Talvez mais feios, diz
Durito enquanto observa de rabo de olho como tiro o passamontanhas.

Subcomandante Insurgente Marcos


De alguma madrugada do Século XXI.

Denúncia do Município Autônomo Miguel Hidalgo.

05 de dezembro de 2002.

À imprensa nacional e internacional.


Aos Direitos Humanos.

Irmãos e irmãs:

De San Caralampio El Éden, sede do nosso Município Autônomo em Rebeldia Miguel Hidalgo, fazemos a
denúncia que segue.
Os prefeitos de Chanal e Comitán estão declarando ao nosso município autônomo uma descarada
perseguição que procura destruir-nos. Foi emitido um mandato de prisão contra três de nossas autoridades por
crimes que não cometeram.
Psicologicamente, os companheiros, suas famílias e o povo já foram atingidos, porque têm sofrido todo
tipo de ameaça, perseguição e trapaça por parte do governo, bem como a perseguição da segurança pública, dos
soldados e dos irmãos indígenas que venderam sua dignidade aos governos.
Nossos companheiros são testemunhas de que estes companheiros têm sido honestos e dedicados em suas
obrigações enquanto autoridades de nosso município autônomo, e são falsas as acusações que agora há contra eles.
A segurança pública chegou a procurar os nossos companheiros nas comunidades a que pertencem para levá-los
embora. Os governos são responsáveis pelos mandatos de prisão e eles sabem quem forneceu as acusações falsas.
Uma das autoridades sofreu pela ausência de um familiar que foi capturado, torturado e que em seguida
apareceu morto na montanha, em 16 de fevereiro de 1998, após 8 dias de desaparecimento. As autoridades
governamentais nunca fizeram nada contra os assassinos e agora fazem planos com os assassinos para levantar
crimes contra as pessoas que têm sofrido e lutado com dignidade.
Os senhores que praticaram este assassinato são da comunidade Santa Rosalía, continuam vivendo aí e são
os que têm ameaçado e prejudicado nossa gente e o Município Autônomo. Os prefeitos junto aos irmãos que
venderam sua dignidade em troca de projetos com a segurança pública e os soldados estão tornando impossível
nossa vida como município autônomo, porque nossa resistência digna os molesta.
A divisão e a violência que se aninha no coração de nossos irmãos que estão com o governo estão
fortemente apoiadas pelos governos municipais. Tem gente trabalhando uma abertura para uma estrada que, com a
força do dinheiro e do seu interesse, está contra nós; disseram que as máquinas vão passar com os soldados, para
reprimir a resistência digna de nossos povos que quiserem impedir sua passagem.
No dia 28 de novembro, no lugar onde estão abrindo a mata para a estrada, os soldados estavam
acompanhando os irmãos indígenas que solicitaram aquele caminho, eles garantem que Pablo Salazar disse-lhes em
Tuxtla Gutiérrez que se os zapatistas impedirem a passagem das máquinas para a construção, os soldados se
encarregarão de reprimir os zapatistas.
É importante que os prefeitos de Chanal e Comitán resolvam com cuidado esta situação das comunidades e
o que está acontecendo no interior do território do Município Autônomo em Rebeldia Miguel Hidalgo.
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Esta é a nossa palavra enquanto Município Autônomo.
Nosso Município Autônomo tem dito nas redondezas e a todos os prefeitos que encham os buracos, que
não são muitos, da estrada de terra que já existe sem esta necessidade de colocar máquinas para abrir outra e que
dêem trabalho ao povo com um pagamento justo aos trabalhadores. Os prefeitos de Chanal e Comitán e Pablo
Salazar, como não reconhecem os Municípios Autônomos e nem levam em consideração a palavra dos povos
indígenas organizados em nosso Município Autônomo, apóiam a violência e apelam aos indígenas que controlam e
enganam com seus projetos.
Se como prefeitos e como indígenas governistas vão agir contra o nosso Município Autônomo, vocês serão
os responsáveis por todo o mal que possa vir a acontecer por causa deste problema.
Os prefeitos são os responsáveis imediatos pela violência entre irmãos indígenas e pelas divisões que
atualmente são causadas por projetos miseráveis.
MORRAM OS PROJETOS QUE CAUSAM VIOLÊNCIA E DIVISÃO ESTRE IRMÃOS INDÍGENAS.
MORRAM OS GOVERNOS QUE PROCURAM E APOIAM A VIOLÊNCIA CONTRA OS
MUNICÍPIOS AUTÔNOMOS EM REBELDIA.
CHEGA DE FABRICAR CRIMES E PETIÇÕES CONTRA TODOS OS NOSSOS COMPANHEIROS.
MORRA A CONTRUÇÃO DE ESTRADAS QUE SERVEM PARA ACABAR COM A RIQUEZA
NATURAL E CULTURAL DE NOSSOS POVOS E PARA A GUERRA.

Fraternalmente.
Município Autônomo em Rebeldia Miguel Hidalgo.

Alerta silencioso dos corpos de segurança pelo eventual desalojamento nos Montes
Azuis. Hermann Bellinghausen. La Jornada, 16/12/2002.
Ixcán, Chiapas, 15 de dezembro. Hoje foram registradas importantes movimentações de tropas na faixa de
fronteira. Houve também deslocamentos castrenses de Rancho Nuevo (San Cristóbal de las Casas) para Comitán. O
La Jornada registrou a passagem de 18 caminhões e veículos transportando uns 300 soldados. De Comitán foram
mobilizados também comboios para a fronteira com a Guatemala. Desde muito cedo, foi instalado junto às lagoas
de Montebello um posto de controle do Exército, apoiado por duas metralhadoras colocadas no alto dos dois lados
da estrada.
Nem este lugar (onde estão as instalações da SEMARNAT), nem na Base de Operações Mistas perto de
Amparo Aguatinta (onde o costumeiro posto de controle reforçou hoje suas revistas) se invocou a Lei Federal de
Armas de Fogo e Explosivos para justificar os bloqueios. Tampouco, os soldados deram outra explicação.
Perguntados sobre os anunciados desalojamentos na região de Ixcán e rio Lacantún, disseram não saber nada.
Nesta manhã, foram registrados vôos a grande altitude de aviões rastreadores sobre os vales de Las
Margaritas até a fronteira, nas imediações de Ixcán.
Nas bases de operações do Exército em Maravilha Tenejapa, Ixcán, rio Santo Domingo (Las Palmas) e
Amatitlán, este enviado pôde observar tropa reunida em formação, o que não é habitual num domingo.
Hoje, também saiu do quartel de Toniná, em Ocosingo, um comboio de oito veículos com soldados e
embarcações em direção à base militar de San Quintín. Daí, pelo rio Jataté (que nesta região é navegável), as
embarcações ficaram posicionadas para dirigir-se ao rio Lacantún, nas imediações dos assentamentos que poderiam
ser desalojados.
Na quarta-feira dia 11, um comboio com tropas do Exército realizou uma movimentação fora do comum de
Vicente Guerrero até às imediações do ejido Veracruz, no município autônomo San Pedro de Michoacán. Catorze
veículos “depositaram” tropas num ponto do caminho e retornaram vazios a suas bases. O governo federal, que
espera desalojar uns 250 indígenas que se refugiaram nos Montes Azuis devido ao conflito neste estado, aponta
seus primeiros desalojamentos nos assentamentos autônomos das bases zapatistas e nos das margens do rio
Lacantún, próximos do Quiché guatemalteco.
Os camponeses do vale de Las Margaritas manifestaram suas preocupações por esta manobra castrense. É a
primeira vez em quase dois anos que vêem soldados passarem por estas comunidades e a incursão de um batalhão
na montanha lhes resulta ainda mais preocupante.
Apesar de todas estas movimentações e dos planos governamentais de “agir” contra as “ocupações” ao sul
dos Montes Azuis, hoje não se pode confirmar que tenha sido registrado algum desalojamento.
Um grupo de observadores civis e de organismos de direitos humanos viaja esta tarde para Amatitlán, de
onde partiriam as lanchas do Ministério da Marinha no caso dos desalojamentos virem a ser realizados. Todavia, a
operação principal seria através de aeronaves, já que os povoados a serem desalojados são inacessíveis por via
terrestre. Só um deles, o que é conhecido como Oito de Fevereiro, está localizado nas margens do rio Lacantún e é
acessível de lancha.
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Com tantas coincidências ocorridas recentemente, aqui há mais uma. Na última quinta-feira 12 chegou
em visita à capital Chiapaneca o secretário da Embaixada dos Estados Unidos, Rakesh Surampudi, que é também
diretor de Intercâmbio e Programas Econômicos de dita missão diplomática.
Mesmo que a imprensa local tenha dado pouca importância à visita, o diplomata se reuniu na sexta-feira
com funcionários da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, da Subsecretaria de Desenvolvimento Florestal,
do Instituto de História Natural e Ecologia, e visitou instituições acadêmicas em Tuxtla Gutiérrez e San Cristóbal
de las Casas.
“Venho oferecer nossos serviços”, disse o enviado da embaixada estadunidense citado ontem pelo jornal de
San Cristóbal Sin Línea. Surampudi ofereceu ao governo chiapaneco assessorias “nas áreas econômica, de justiça e
democracia”, bem como na florestal, “já que a missão diplomática conta com uma seção de meio-ambiente, ciência
e tecnologia”.
Enquanto acontece esta visita, a subprocuradora do PROFEPA, Diana Ponce Nava, anunciou em Tuxtla
Gutiérrez que se procederá judicialmente contra vários assentamentos nos Montes Azuis. Em seguida, o próprio
governador, Pablo Salazar Mendiguchía, declarou que seu governo dará respaldo aos desalojamentos quando estes
forem efetuados, pois, desta vez, se trata de “ocupações” recentes com as quais, disse, não se negocia nenhum
reassentamento.
Os “sinais” de que PROFEPA e SEMARNAT já faz um ano que estão procurando enviar os investidores
estrangeiros interessados nos Montes Azuis e na selva Lacandona parecem estar em andamento. As duas
dependências governamentais, com a PGR, iniciaram o processo judicial definitivo para empreender os
desalojamentos.
Nestes dias, temos visto desfilar por aqui o turismo High Class (de aventura ou de “risco”), enquanto
aumentam as pressões sobre as terras comunais por parte dos donos de hotéis e imobiliárias que causam divisão nas
comunidades (como ocorre em Lacanjá Chansayab e Nueva Palestina). Como arremate, a “oportuna” visita do
funcionário ad hoc da embaixada estadunidense.
De forma menos pública, o Exército, a Marinha, a PGR e a polícia setorial do Estado se mantêm em alerta
para a operação que devia ser iniciada neste domingo na faixa sul dos Montes Azuis.

________________________________
PROFEPA: Procuradoria Federal de Proteção ao Ambiente.
SEMARNAT: Secretaria de Meio-Ambiente e Recursos Naturais.
PGR: Procuradoria Geral da República.

Especulação turística nos Montes Azuis.


José Antônio Roman. La Jornada, 17/12/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 16 de dezembro. O governo pretende desalojar os Montes Azuis ao
mesmo tempo em que permite e estimula projetos turísticos de luxo que nem sequer são promovidos no México. É
como vão aparecendo os planos que seus “salvadores” oficiais e oficiosos têm para a região. Um fantasma percorre
seus projetos: a lembrança de Acteal e o deslocamento forçado de milhares de indígenas em Los Altos de Chiapas.
Apesar do silêncio da mídia local em relação aos desalojamentos anunciados, o deputado local e dirigente
do Partido Verde Ecologista do México, Manuel Velasco Coello, tornou pública sua discordância com Lichtinger e
Ignácio Campillo, responsáveis, respectivamente, pela SEMARNAT e PROFEPA, de quem disse que “querem
desestabilizar o Estado em momentos de calma”.
Entre os primeiros desalojamentos do governo federal estarão os que centrarão sua ação contra os
assentamentos das bases zapatistas situadas nos Montes Azuis, aonde chegaram os refugiados devido ao cerco do
exército e à violência dos grupos paramilitares que atuavam nas imediações da reserva da biosfera. Do mesmo
modo, se agiria contra as comunidades localizadas nas margens do rio Lacantún.
Velasco Coello se manifestou a favor do diálogo e da negociação para “reassentar as comunidades
localizadas nos Montes Azuis”, mas rechaçou a utilização da força pública. O jovem legislador é neto do ex-
governador Manuel Velasco Suárez, que impulsionou o decreto presidencial que criou a comunidade lacandona,
documento que está na origem de todos os problemas de propriedade da região. Além disso, o governador Velasco
Suárez foi o “criador” dos grandes assentamentos de Fronteira Corozal e Nueva Palestina (que em sua origem foi
chamada, precisamente, Manuel Velasco Suárez); aquela foi a primeira experiência de redução das comunidades
que colonizaram o fundo da selva Lacandona há três décadas.
Requentado pelo Plano Puebla-Panamá, o projeto para construir três usinas hidroelétricas ao sul da reserva
da biosfera já projeta sua sombra sobre as comunidades e a selva. Camponeses da região têm denunciado isso
várias vezes ao longo deste ano. Estas represas, que a nova linguagem neoliberal chama de “plantas geradoras”,
seriam: Huixtán 1 (nas rápidas do rio Santo Domingo), Huixtán 2 (Santa Elena) e Quetalli (Chajul).
128
As cobiçadas águas do rio Lacantún e seus afluentes renovam na imaginação governamental velhos
projetos hidroelétricos dos quais a selva Lacandona foi milagrosamente salva desde os anos setenta. Ao serem
concretizadas as obras planejadas, milhares de hectares de natureza exuberante e dezenas de comunidades
indígenas seriam apagadas para sempre.
Por sua vez, os “amigos” da reserva da biosfera têm sido empreendedores. Em Chajul, atuou até um par de
anos atrás uma estação de observação biológica da UNAM. Agora tem sido transformada num hotel de turismo
ecológico de nível e preços muito elevados. O projeto, que vários observadores na região atribuem à ex-secretária
de Meio-Ambiente Julia Carabias, é administrado por Espaços Naturais, uma associação civil presidida pelo físico
José Warman. Participaram de sua criação Javier de la Maza (ex-diretor das Áreas Naturais Protegidas, instância
governamental) e outros ex-funcionários zedillistas.
Sabe-se que Espaços Naturais espera concretizar “desenvolvimentos” semelhantes na lagoa Jalisco e no rio
Santo Domingo.

Há risco de que se reative o conflito armado.


Elio Henríquez. La Jornada, 18/12/2002.

San Cristóbal de las Casas, Chiapas, 17 de dezembro. Doze Organizações Não Governamentais (ONGs)
exigiram do governo federal que detenha o desalojamento violento de vários povoados localizados na reserva da
biosfera dos Montes Azuis, porque “corre-se o risco de reativar o conflito armado” em Chiapas.
“A realização desta ação policial-militar, mais uma vez, colocaria, em risco a paz na região e no país, com
resultados que ninguém pode prever”, acrescentam num documento divulgado esta noite. “Com sua postura de
apressar o desalojamento das comunidades indígenas assentadas nos Montes Azuis” para aplicar apolíticas
ecológicas, “os governos federal e estadual desconhecem as razões estruturais que têm levado centenas de famílias
a encontrar uma alternativa de vida na reserva”, acrescentam.
Afirmam que as autoridades “menosprezam a inter-relação entre a população indígena e o seu entorno
ecológico, bem como seu direito de decidir sobre seu território e tomar a problemática em suas mãos, como
estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”.
As ONGs afirmam que não estão alheias “à necessidade de preservar os recursos naturais”, mas tampouco
desconhecem “a existência de poderosos interesses econômicos nacionais e internacionais que simulam
preocupações científicas para explorar os recursos naturais” da selva.
Entre os grupos signatários estão os Centros de Direitos Humanos Frei Bartolomé de las Casas, Frei
Lorenzo de la Nada e Miguel Agustín Pro Juarez, bem como CORECO, CAPISE, SERAPAZ, Enlace Civil e
CIEPAC.

Um desalojamento provocará mais fome e pobreza, afirma a COAECH.

A Coalizão de Organizações Autônomas do Estado de Chiapas (COAECH) assegurou que um eventual


desalojamento violento dos moradores situados nos Montes Azuis não resolverá o problema, mas sim irá agravá-lo,
pois causará “mais fome e pobreza” entre os habitantes da região. Em coletiva de imprensa, a COAECH afirmou
que a decisão do governo de expulsar pela força os indígenas assentados em vários povoados da reserva e de
militarizar a região, “responde a exigências internacionais para apoderar-se dos recursos naturais da região, tais
como a água, o petróleo, as terras e a biodiversidade em geral, para, logo em seguida, utilizar-nos como força de
trabalho barata”.

Impedem a entrada de ajuda humanitária para Chiapas.


Claudia Herrera Beltran. La Jornada 20/12/2002.

A caravana da organização estadunidense Pastores pela Paz denunciou que, há nove dias, ela
encontra-se parada na alfândega de Reynosa, Tamaulipas, com um carregamento de 10 toneladas
de remédios, suprimentos médicos e material escolar de ajuda para Chiapas, porque as autoridades
migratórias mexicanas não permitem sua entrada.
Numa reunião de última hora, autoridades da Secretaria de Governo expressaram sua disposição em buscar
uma solução. Contudo, até o fechamento desta edição, o problema ainda não havia sido resolvido.
O reverendo Lucius Walker, diretor executivo de Pastores pela Paz, manifestou o temor de que se negue a
entrega da ajuda por “razões políticas” relacionadas com o desalojamento das comunidades indígenas da região dos
Montes Azuis.
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Numa entrevista, assinalou que as autoridades do governo mexicano exigem de Pastores pela Paz a
entrega de uma lista muito detalhada dos materiais que pretendem levar à Chiapas, cuja elaboração demoraria
várias semanas.
Walker expressou sua estranheza diante da atitude do governo mexicano, porque esta é a caravana de
número 14 que estão realizando rumo à entidade chiapaneca, e é a primeira vez que se deparam com este
empecilho.
“Esta ação do governo nos preocupa, porque poderia significar uma mudança na política de ajuda
humanitária”, indicou o representante da organização ecumênica estadunidense.
Relatou que a visita não tem nenhum propósito oculto, prova disso é que recebeu o apoio do bispo da
diocese de San Cristóbal de las Casas, Felipe Arizmendi, para realizar esta missão. Disse que, de início, os 22
membros da caravana pensaram que a origem do problema fossem os “entraves burocráticos”, mas, com o passar
dos dias, perceberam que pode haver uma motivação política por trás desta decisão.
Relatou que na alfândega explicaram que pedem a eles uma autorização especial da Secretaria da Fazenda
e do Crédito Público, mas não sabem como obtê-la. Esclareceu que seu trabalho no México não tem nada a ver com
evangelização e nem com proselitismo, mas sim com o interesse das igrejas de ajudar os mais necessitados.
Sabemos, disse, que os mais pobres vivem nos campos de refugiados, e por esta razão organizamos esta
missão para levar esta ajuda como presente de Natal. Explicou que, até agora, deram vários telefonemas e enviaram
documentos por intermédio do escritório da Cáritas em Chiapas, mas não têm recebido resposta favorável.
Mostrou cópias de um ofício que a Cáritas enviou a Luis Javier Hernández López, da administração
jurídica local de Chiapas, no qual solicitam que se autorize a entrada da doação no país. Em outro ofício, detalha
que das 10 toneladas, uma parte será distribuída através de várias organizações civis e religiosas, e outra será
entregue diretamente às comunidades indígenas que visitarão ao longo de uma semana.
A lista dos donativos que já havia sido levada às autoridades migratórias mexicanas inclui, entre outras
coisas, remédios, cadeiras de rodas, bandagens, seringas, material de escritório, computadores e bicicletas.

A Ocupação.
Luis Javier Garrido. La Jornada, 20/12/2002.

O desalojamento dos Montes Azuis que Vicente Fox pretende fazer para entregá-los aos interesses
transnacionais não só é um erro político dele e do reduzido grupo de colaboradores que o ajuda a tomar decisões,
como uma decisão que viola gravemente a ordem jurídica mexicana.
1. A decisão do governo Fox de lançar operações para desalojar as comunidades indígenas assentadas no Montes
Azuis e seus arredores mostra que o grupo de empresários que governa o México não tem outros programas a não
ser aqueles que lhe permitem servir a interesses externos, e que de forma mais clara que seus predecessores do PRI
vêem as comunidades indígenas como um obstáculo para que seu governo entregue a Washington o controle desta
área estratégica da reserva da biosfera, e que incorpora toda a fronteira sul, onde as transnacionais sentem chegar a
possibilidade de saciar sua ambição ao dispor de recursos naturais únicos para muitas indústrias e ao criar hotéis,
campos de golfe e cassinos.
2. Historicamente, o marco jurídico mexicano tem privilegiado os interesses da nação e os direitos dos mexicanos
no lugar das prerrogativas das empresas estrangeiras, mas Fox pensa de forma oposta e está decidido a fazer com
que estes recursos excepcionais fiquem nas mãos de transnacionais, como já demonstrou com sua oposição a que se
cumpram os acordos de San Andrés.
3. A decisão do governo de usar a força para desalojar muitas comunidades obedece a um projeto econômico, mas
tem, de imediato, um objetivo político: assentar um golpe definitivo no EZLN; isso ele não vai conseguir fazer,
mas pode acelerar o despencar da falta de prestígio na qual se encontra o foxismo, que, assim, evidenciaria ter
fechado a via do diálogo para os anos futuros.
4. A ocupação pela força nos Montes Azuis é um ato ilegal de quem o ordena, o Presidente da República, porque
carece de sustentação jurídica em qualquer contexto e porque esta região é regida por uma legislação especial: a Lei
para o Diálogo, a Conciliação e a Paz Digna em Chiapas, de 11 de março de 1995, a mesma que, ainda que Fox o
ignore, continua vigente e ordena propiciar as condições para o diálogo e a conciliação com os zapatistas e
suspender este tipo de iniciativas, proibindo-lhe expressamente de agir desta maneira.
5. Mais da metade dos povoados desta região são integrados por bases de apoio do EZLN, conforme detalham os
observadores, e esta lei determina que com o objetivo de propiciar as condições para o diálogo e a conciliação, e até
que não se assine a paz, o governo federal tem a obrigação de garantir o livre trânsito dos zapatistas e assegurar que
não sejam molestados em suas pessoas e posses por autoridade alguma (artigo 6), além de que deverá outorgar
“garantias e facilidades aos indígenas e camponeses da região do conflito” para seu assentamento em suas
comunidades de origem (artigo 7), e acontece exatamente o contrário, pois o governo pretende deter os dirigentes
zapatistas destas comunidades.
130
6. O momento escolhido por Fox para ocupar os Montes Azuis, brilhar perante Washington e tornar ainda mais
tensa a relação com os povos indígenas, é conseqüência de um raciocínio equivocado. Fox e seus amigos agiram
com extrema malícia quando acharam que a torpe campanha de descrédito que têm construído artificialmente ao
redor dos zapatistas no final de 2002 facilitará que eles ajam impunemente em Chiapas. A iniciativa de paz de
Marcos para o País Basco não permitiu à direita espanhola e nem à mexicana, que têm agido de comum acordo,
identificar, no mais puro estilo Bush, “zapatismo” com “terrorismo”, porque nestes oito anos a sociedade tem
mudado muito, amplos setores não se deixam enganar e entendem o que tem sido o zapatismo: uma nova forma de
fazer política e de conceber a democracia.
7. Historicamente, a direita não tem tido argumentos, e sim ações que desqualificam. O artigo calunioso de Carlos
Fuentes denotando os zapatistas e o governo Chavez na Venezuela, publicado em Reforma (11/12/02) e
reproduzido em El Pais (18/12/02), mostra a baixa estatura moral do novelista que, para desqualificá-los, chega a
atribuir a outros as posições que eles não têm. O ex-embaixador de Echeverria e de López Portillo se diz “de
esquerda” e fala como um louco para difamar Marcos sublinhando que faz “a defesa” do ETA (quando propus um
diálogo), acusa Chavez de “criminoso” (por defender o petróleo venezuelano da avidez transnacional) e acaba
elogiando Felipe González (esquecendo-se da corrupção do seu governo e da criação dos corpos paramilitares, os
GAL), assim como Jose Maria Aznar (ignorando que o povo espanhol exige dele todos os dias que se mande pela
corrupção do seu governo e por sua incapacidade de enfrentar a crise do Prestige), acaba chamando a si mesmo de
“tolerante” e acusando os demais de não sê-lo.
8. A direita política se move cada vez mais com maior eficácia a nível internacional e não surpreende que Aznar
venha ajudar Fox, agora pela boca de Angel Acebes, seu ministro do interior e seu mais provável golfinho, logo
que a maré preta da Galícia acabe com as carreiras políticas dos principais pretendentes à sucessão: Rato e Rajoy.
Durante um debate no Senado, Acebes desqualificou a iniciativa de paz de Marcos e se lançou de cabeça na
desqualificação com o mesmo vocabulário do perdulário novelista mostrando a resistência da direita a qualquer
tipo de diálogo.
9. Neste cenário, será que o grupo foxista pode ter viabilidade se prosseguir com a confusão que o identifica com
seus homólogos de outros lugares, mas também com seus predecessores priistas ao optar pela violência e contra a
lei?
10. Com esta iniciativa, o governo Fox escolheu abertamente a via que o afasta do caminho da legalidade para
enfrentar a resistência das comunidades indígenas que defendem o que é seu e que ele está minimizando, e isso
constitui um sinal muito perigoso para o país.

Genocídio.
Andrés Aubry. La Jornada 21/12/2002.

Há dez anos, em 21 de dezembro de 1992, Las Abejas levantavam vôo; há cinco anos, no dia 22 do mesmo
mês, mas no ano de 1997, um massacre abriu-lhes as portas da história.
Nasceram do sangue por causa de um debate agrário em Tzajalchén. O sacerdote de Chenalhó, Miguel
Chanteau, correu a San Cristóbal para dar o alarme, e o padre Pablo Romo, do Centro de Direitos Humanos Frei
Bartolomé de las Casas, que tinha apenas três anos de existência, conseguiu a libertação dos catequistas presos um
mês depois. Como de costume, as vítimas haviam sido culpadas. Eram tempos nos quais a repressão de Patrocínio
González Blanco foi premiada com a Secretaria de Governo, e também os da estréia de um novo centro
penitenciário, o de Rancho Nuevo. A caravana era composta por uma multidão, Chenalhó marchou diante do novo
presídio, trancou seu pessoal nos escritórios até abrir as portas da prisão, voltou com seus presos numa passeata
solene, com uma parada na catedral de San Cristóbal, onde esta foi recebida pelo bispo Dom Samuel Ruiz, e
reinstalou as vítimas em sua terra. O jurista que ajudou a formalizar a nova situação se chamava Pablo Salazar
Mendiguchía. Desde então, são conhecidos como Las Abejas.
A partir de 1994, o coletivo está no município sinônimo de sociedade civil. O massacre de 22 de dezembro
de 1997 aconteceu alguns dias depois do alerta lançado por Ricardo Rocha em sua histórica reportagem cujo título
é Chiapas, testemunho de uma infâmia. Os paramilitares de Chenalhó não perdoaram seu apoio às causas do EZLN
apesar de sua alergia em relação às armas. Sofreu punições trágicas: casas queimadas, terras confiscadas,
humilhação de seus anciãos, proibição de reuniões no município, exílio. Alguns refugiados procuraram abrigo em
San Cristóbal; outros estavam fechados no campo de concentração paramilitar de Pechiquil, enquanto suas esposas,
crianças e anciãos haviam se reagrupado na capela de Acteal; outros estavam em Naranjatic; outros ainda,
itinerantes e de domicílio desconhecido, serviam de testemunhas na mesa de negociação de Las Limas, entre o
município constitucional que protegia os paramilitares e os zapatistas do conselho autônomo de Polhó que
hospedava os zapatizantes de vários lugares.
Havia se conseguido um “pacto de não agressão” (11 de dezembro) e a formação de uma comissão
multilateral de verificação do acordo (na terça-feira 16), mas depois de um fato sangrento, no dia 17, em Quixtic,
131
os representantes do município constitucional que a integravam não se apresentaram (confessando assim sua
responsabilidade no homicídio), de tal forma que ninguém chegou à sessão prevista para o dia 19. No sábado 20 e
domingo 21, estavam reunidas as condições de sigilo, sem olhares indiscretos, para acertar os detalhes do
movimento armado em forma de pinça do dia 22, como último ensaio seguido de uma longa preparação psicológica
com bebidas alcoólicas, drogas, rezas e cerimônias “para dar valentia” e “não falhar no trabalho” entendido como
uma missão de purificação do povo, infestado por tanto pukuj ou elemento perturbador da “unidade” comunitária,
cujos guardiões eram os paramilitares.
Um catequista de Las Abejas havia ficado em Acteal com os anciãos, mulheres e crianças que não cabiam
na reclusão de Pechiquil. Lembrou que, em dezembro de 1994, quando a espiral militar ameaçava romper
definitivamente o diálogo de paz, Dom Samuel Ruiz, citando o Evangelho, havia dito que este tipo de demônio (o
que, em tzotzil, é um Pukuj) se afasta a força de oração e jejum. Sua greve de fome (como as de Gandhi), com
meditação na catedral, conseguiu uma inesperada reativação do processo de paz. Vendo o fracasso da negociação
de Las Limas, o catequista convidou a imitar o seu bispo.
O 22 de dezembro era o terceiro dia de jejum. As balas dos AK-47 atravessaram as tábuas da capela,
atingiram a imagem de Guadalupe, arrasaram 45 pessoas em oração, mutilaram as crianças sobreviventes, e os
facões extirparam com furor até os fetos das mortas.
Acteal foi um massacre qualitativamente diferente; não se contentou em matar (realizar um homicídio), e
sim apontou para o espetáculo, um show de extermínio. Não eliminou combatentes, já que todos estavam
desarmados e em oração, nem opositores, pois as vítimas foram anciãos e crianças de colo com suas mães. Não se
pretendeu matar pessoas (neste sentido, o volume do massacre foi modesto em comparação com outros assassinatos
em massa), mas sim, simbolicamente, um povo (ou seja, um genocídio). Ao matar anciãos se apagava a memória
de um povo e seu passado; ao matar crianças se eliminava o seu futuro; ao matar as mulheres, cujos cadáveres
foram despidos de seus trajes típicos, símbolo da tradição, se procurava exterminar a resistência de um povo,
expressa pelo dinamismo de uma língua e de uma cultura que se perpetuam graças à mãe.
Com seu estilo teatral, dramático, de memória, partilhado a cada aniversário, Las Abejas fazem reviver o
sentido destes símbolos a cada aniversário. Sua obstinação é sua resistência, ou seja, sua projeção para o futuro
para desafiar o extermínio. No dia 22 de cada mês, lembram que os artífices deste massacre-espetáculo de tão fino
traço continuam impunes, que as armas ainda estão escondidas nos cafezais, e advertem que em território
paramilitar, em Chenalhó ou nos Montes Azuis, não manda o governador enquanto o general ainda está mandando.

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. MÉXICO.


29 de dezembro de 2002.

A quem interesse:

Saudações. Sim, por aqui o frio e a chuva nos cingem com seu abraço e nem com uma fogueira, feita com
todas as críticas que têm me (nos) dirigido, é possível se esquentar
razoavelmente. Deve ser pela mediocridade da maioria delas.
É claro que há vários tipos de críticas. Algumas procuram
desesperadamente que nos desculpemos. E não pela suposta
simpatia em relação à ETA (que qualquer pessoa com um pouco de
visão e de vergonha na cara sabe não existir nem na teoria e nem na
prática). Não. O que querem é que nos desculpemos por termos
saído do tema no qual ELES nos encaixaram, ou seja: os zapatistas
só podem e devem falar da questão indígena. Nos é proibido
qualquer outro tema, nacional ou internacional. E como nas últimas
sete cartas saímos da questão indígena (saímos?), logo, devemos
pedir desculpas aos neo-encarregados das “boas maneiras”. E só
lhes faltou nos dizer, no mesmo tom altivo e impertinente, que não
coloquemos os cotovelos na mesa e não arrotemos na presença de
sua majestade.

E, veja só, se depois disso tudo devemos pedir desculpas.


Mas não a eles, nem ao reizito, nem a Aznar ou ao Felipinho (a
Garzón só se ele ganhar o debate). Se há alguém a quem pedir
desculpas é ao nobre povo de Navarra, o qual, por um erro na hora
de transcrever a carta que tanto entusiasmo provocou entre a
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intelectualidade mexicana e hispânica, ficou separado do povo basco. Por isso, ao povo de Navarra, nossas
sinceras desculpas: Navarra é basca. Gora Nafarroa! Gora Iparralde! Gora Hegoalde!
Não dá pra dizer que é tudo a mesma coisa. Porque é justo dizê-lo: nem todos os intelectuais mexicanos
estão ocupados em dar tapinhas nas costas e felicitar-se reciprocamente (“viu como bati naquele cabeça oca?
Mandei até uma cópia da minha coluna a Felipe. Tenho certeza de que vai me colocar na lista de candidatos ao
prêmio Príncipe das Astúrias. Sim? Bom, eu tive a impressão de que meus etcéteras contra o mascarado de algodão
foram bem superiores...”). Não, alguns sim se dão conta do que está acontecendo ao seu redor e sabem que, logo aí,
ao dobrar aquela esquina, estão acumulando rancor e desespero. Sabem que é dessa combinação que se alimenta o
terror (o de cima e o de baixo). Sabem que quando isso acontecer não haverá declaração de guerra e nem
comunicados, nem cartas ridículas e de mal-gosto e/ou melodramáticas, nem ninguém a quem se possa repreender
por ser mal-educado e desrespeitoso.
Ah, os intelectuais do poder! Sempre se esforçando de compreender e absolver os de cima e de julgar e
condenar os de baixo.
Mas no México e na península ibérica há intelectuais que se livram das arapucas do Poder. Justo como os
intelectuais estadunidenses que denunciam com valentia a demente belicosidade de Bush, ainda que os acusem de
simpatizar com Bin Laden; ou os israelenses que se negam a protagonizar os massacres protagonizados pelo
exército do seu país sem que isso signifique um aval às ações dos palestinos.
Claro que no agitado rio das ordens (quantos comandantes me saíram!) as repreensões e os chamados a
comportar-se bem (todos inúteis) de intelectuais e colunistas, o governo mexicano enfiou suas garras e agora
pretende desalojar vários povoados que, empurrados pela guerra e a miséria, se viram obrigados a assentar-se nos
chamados Montes Azuis. E aí também não é tudo a mesma coisa.
Por exemplo, no novo povoado chamado 12 de dezembro (nome claramente subversivo) vivem uns 160
zapatistas. A história deles não mereceu nenhuma carta em pró das boas maneiras. São originários do povoado
Salinas Cruz. No dia 2 de novembro do ano 2000, militantes desta organização que se faz chamar MOCRI
assassinaram Manuel Méndez Sánchez e Glória Méndez Sánchez. Armaram uma emboscada, balearam-nos e, ainda
moribundos, esfaquearam-nos.
O motivo? Nesta época os dirigentes do MOCRI estavam num tórrido romance com o Bolacha pra
Cachorro Albores e eram parte daquela fracassada estratégia de Zedillo de comprar e vender consciências. Manuel
e Glória eram e são zapatistas, e, como tais, promoviam a resistência. Com argumentos de palavra, Glória e Manuel
convenciam a comunidade a resistir e a não aceitar as esmolas do governo. Isso se opunha ao orçamento econômico
dos dirigentes do MOCRI que deram o aval para o assassinato. Além disso, os do MOCRI ameaçaram os demais
zapatistas com o mesmo estilo usado pelo governo para o recente “desalojamento pacífico” que mereceu tanta
divulgação na imprensa mexicana: ou deixavam de ser zapatistas ou teriam o mesmo destino de Manuel e Glória.
Os companheiros e companheiras preferiram sair de lá ao ter que trocar tiros com o MOCRI e protagonizar
assim uma das tantas histórias de enfrentamentos entre indígenas. O crime não ficará impune. E não será aplicando
o olho por olho e nem usando os métodos “humanitários” do governo de Chiapas. Justiça será feita, mas com
sabedoria e serenidade. Talvez sirva também para que Garzón aprenda que o terror não se derrota com outro terror
que se esconde por trás das leis e dos juízes, tortura prisioneiros e torna ilegais as idéias.
Doze de dezembro não é o único povoado zapatista ameaçado de desalojamento (não coloco o nome dos
demais para não tirar o sossego dos que não são zapatistas), mas todos os zapatistas que se encontram na mesma
situação estão aí não porque careçam de terra ou tenham o prazer doentio de destruir a selva, e sim porque se viram
obrigados a deixar tudo para não engrossar o silêncio com o qual o Poder e seus intelectuais enterram a desgraça e
a morte dos indígenas mexicanos.
Temos falado com os representantes destes povoados zapatistas e com as autoridades dos municípios
autônomos a que pertencem. Eles têm nos comunicado sua decisão de ficar aí, ainda a custo de sua própria vida,
enquanto não forem atendidas as reivindicações zapatistas.
Nós respondemos a eles que os apoiamos totalmente.
Assim, é bom que, desde já, todos saibam: no caso dos povoados zapatistas não haverá “desalojamento
pacífico”.
Voltando à súbita proliferação de especialistas na questão basca, não sei porque se angustiam tanto: os
interessados (à exceção de Garzón) não foram minimamente atingidos. Por exemplo, acabo de ver o rei numa foto
recente e ele continua com a mesma cara; Aznar, apesar do pós-escrito dado pelo Prestige, continua zurrando com
singular entusiasmo, e Felipinho, bom este sim ficou enojado, colocou a mordaça na imprensa ibérica e mobilizou
todos os seus amigos desta república mexicana que, se fosse por alguns intelectuais, seria uma monarquia.
Ainda assim, peço perdão a todos estes entusiastas intelectuais da coroa espanhola (e de seus prêmios
literários). Eu não quis faltar com respeito a sua majestade nem nada parecido. Na realidade, o que eu queria era
dizer, para falar em espanhol claro, que eu cago na monarquia.
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Porque saibam que para nós não há outros reis terrenos a não ser os do baralho (espanhol, para ser
mais claro), nem outras rainhas que as que, de tanto em tanto, nos roubam o sonho com um único olhar e assim por
diante.
Mas, bom, já que se permitiram fazer elucubrações sobre a improvável simpatia do EZLN pelo terrorismo,
vão aqui outros temas (convenientemente disfarçados de perguntas):
Por que o EZLN quer iniciar sua desejada marcha pela Europa social (Ah! Quer dizer que se trata de uma
marcha européia?) a partir do Estado espanhol e não, por exemplo, da Itália, onde há muitos zapatistas presos e em
liberdade (de uns e de outros, têm quase o mesmo tanto que há no México)?
Por que os zapatistas escolheram um tema tão espinhoso e complexo como o basco, a respeito do qual há
um silêncio cúmplice e generalizado para evitar a acusação de “terroristas”?
O EZLN pretende desmentir no parlamento europeu as afirmações de Fox de que há paz no México?
O EZLN não sabe que na Europa, e no mundo, a direita é governo e está mais beligerante do que nunca?
Por que o EZLN ainda tenta esgotar a via pacífica para solucionar a guerra no lugar de lançar-se com um
cavalo (só temos aviões de papel) carregado de explosivos contra o World Trade Center e, assim, dar corda aos
colunistas pelas “simpatias” zapatistas com os métodos da Al Qaeda?
Ao visitar a França, o EZLN participará das apresentações do Zorro, el Zapató que as crianças dos bairros
marginalizados apresentam em condições heróicas? O EZLN falará com Chirac e Lê Pen ou com os Sans Papiers?
Voltará a percorrer o bairro latino? Irá a Place Pigalle?
O EZLN levará roupas adequadas para resistir às inclemências do clima dos países nórdicos, da Suíça, da
Holanda, da Bélgica, da Alemanha? Visitará a Grécia rebelde? Irá dirigir amostras de desprezo aos reis da Suécia,
perdendo assim a oportunidade de um prêmio Nobel?
O EZLN supõe que suas canoas podem cruzar sem problemas o canal da Mancha e desembarcar na Grã
Bretanha, emulando assim o dia “D” só que ao contrário? Irá à Irlanda para prestar homenagem ao Batalhão de São
Patrício?
Enfim, são temas que ainda permanecem no nível dos supositórios.
Há outros, mas esta carta já está saindo muito longa e ainda faltam os pós-escritos.
Bom, último, mas não menos importante, o objetivo desta carta é desejar a você um Feliz Ano Novo.
E, todos sabem, será feliz se não deixar de lutar pelo que acredita.

Valeu. Saúde e, já dá pra ver, também há globalizações e globalizações.

Das montanhas do sudeste mexicano.


Subcomandante Insurgente Marcos.
México, dezembro de 2002.

P.S. EMBRULHADO PARA PRESENTE: Seguindo o costume de servir sua amável clientela, este Pós-Escrito
recomenda a seus leitores os seguintes presentes para, unindo-se ao entusiasmo intelectual pela coroa, para o
próximo Dia de Reis, 6 de janeiro: para o reizito Juan Carlos um laxante (se apresenta em diversas formas); para
Pepillo Aznar, uma flauta; para Felipinho (este obscuro objeto do desejo disputado por Nexos y Letras Vencidas)
um abrigo (para a improvável ocasião na qual a justiça espanhola o chame a prestar contas pelo apadrinhamento do
grupo terrorista GAL).
P.S. COM A BOINA ABAIXADA E UM CIGARRO ENTRE OS LÁBIOS: Viva a República! Abaixo a
Monarquia! Vivam as Comissões Operárias! Abaixo os Francos reeditados! Viva a Espanha Republicana! Viva a
Brigada Internacional! Viva Espanha! Gora Euskera! Gora Zapata! Viva a vida! Morra a morte! Vivam os
fantasmas que voltarão a percorrer a Europa!
P.S. PARA BERLUSCONI: Não fique dando risadas porque estou atrás de você. Lembre que “todos os caminhos
levam a Roma”.
P.S. ILEGAL: Parece que insistimos em não respeitar as normas da boa conduta. A única lei que merece respeito é
o grupo com o mesmo nome (acho até que é chileno), e isso só quando acompanha a mexicana Ely Guerra na
canção cujo título é El duelo, do contrário, pois nem esta lei.
P.S. QUE INSISTE EM SAIR DO TEMA: a Argentina continua sendo generosa: antes deu o Che ao mundo, agora
dá todo um plano de ação mundial. Porque este “Que vão todos embora!” não é só uma palavra de ordem. Viva a
rebeldia Argentina!
P.S. AMÉRICA LATINA: Respeito à soberania da Venezuela.
P.S. MASOQUISTA: Continuem batendo em nós! Mais matérias de jornais! Assim! Mais! Oh! Yes! More! More!
Oh my God! Ahhh! (mmh, fico encantado quando se enojam).

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