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Introdução
O presente ensaio busca analisar uma antologia musical que retrata os povos
indígenas no território hoje chamado América Latina, com enfoque nas canções e mitos
que retratam sua resistência, o revide à invasão colonial, e a esperança de superação
dessa guerra milenar, bem como ressaltar a importância da transmissão oral dessas
histórias para a memória indígena. O ensaio acompanha uma playlist no youtube que
pode ser escutada durante sua leitura ou após, cujo link se encontra na primeira nota de
rodapé1.
Inkarri
Sento-me à janela para escrever, ouvindo "El Condor Pasa" dos Calchakis, e
observo um urubu sobrevoando o morro Santana. Do outro lado do morro, uma
comunidade Kaingang canta uma música ancestral para proteger seu território. A memória
indígena mantém vivo o símbolo do condor, bem como a consciência da invasão deste
continente, e essa lembrança é encontrada principalmente na cultura, na história oral, e
na música.
Atahualpa foi o último grande soberano inca, tendo sido enforcado pelos
soldados de Pizarro. No entanto, há um mito pós-morte entre diversos povos andinos de
que ele teria sido decapitado e de que sua cabeça teria sido enterrada em Cuzco,
demonstrando certo sincretismo com a morte de outro líder inca, Tupac Amaru,
decapitado poucas décadas depois. Surge assim a profecia do Inkarri (descendente inca),
que diz que em seus últimos momentos o inca profetizou que depois de muitas vidas
retornará, e será milhões, que seus cabelos seguiram crescendo na direção dos
membros, e que um dia seu corpo se reintegrará e Atahualpa, junto com o esplendor de
seu povo, regressará.
Marichiweu
Nos anos 20, no Peru, Mariátegui sentenciava o mesmo: "La cuestión indígena
arranca de nuestra economía. Tiene sus raíces em el régimen de propiedad de la tierra.
(...) el problema indígena es el problema de la tierra. 8”, e não uma questão étnica,
educacional, ou de administração estatal. Entendia também, enquanto um camarada, que
a esperança indígena é absolutamente revolucionária, sendo sua "consanguinidade com
a revolução mundial" palpável.
11 Corrido é um gênero mexicano popular no séc. XX que comumente canta a história de um importante
líder ou movimento político. No caso referido, a banda em questão compôs o “Corrido de Marcos” e o
“Ejército Zapatista”.
12 Um dos líderes da Revolução Mexicana de 1910.
13 O EZLN publicou online seis declarações. A primeira, divulgada no 1º de janeiro, foi uma declaração de
guerra contra o Estado mexicano, na qual emite a ordem de respeito à vida durante a derrubada de
poder, promessa de dar o direito às localidades libertas de escolherem democraticamente suas
autoridades, e de suspender todo saqueio às riquezas naturais, dentre outras. A quarta está disponível
no seguinte link: https://radiozapatista.org/?p=20287.
14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7_m1YQLJIEI
15 Witrapaiñ - Portavoz
16 Nome de obra dos anos 50 do historiador mexicano Edmundo O'Gorman, retratando de maneira crítica
o momento em que os espanhóis conheceram Abya Yala, os discursos produzidas em razão desse
choque e as disputas até a final nomeação em referência a Américo Vespúcio.
Ao final do videoclipe, uma senhora toca para Wallmapu o kultrun, tambor cerimonial das
machi (autoridade médica e religiosa) cujo desenho estampa a Wenufoye (a bandeira
mapuche), reafirmando o compromisso do artista com sua música ancestral e a
importância das mulheres anciãs.
17 Casaparlante - Marichiweu
18 "Alcemos nuestras manos en unidad [...] No hay gatillo que pueda espantar la llama de un pueblo que
quema los miedos y forja la unidad."
19 Nome tupi para o Brasil.
20 Pessoa branca, em guarani.
21 Nhamandú - La Digna Rabia, Nhanderekoá - La Digna Rabia
A retomada Gãh Ré, em Porto Alegre/RS, no pé da pedreira do Morro Santana
– grande marca do poder destrutivo dos fog22–, foi ocupada no final do ano de 2022 para
impedir a especulação imobiliária de desmatar o território para construir 11 torres com 714
apartamentos23 em uma das poucas matas nativas da cidade, tornando o morro
desenraizado e passível de deslizamento. Contra todas as expectativas, na retomada os
cânticos de guerra ancestrais Kaingang seguem vivos, e o maracá simboliza a
semeadura, sincretizando a cultura e a produção do alimento que ali temos colhido
(Apêndice A). A retomada se encontra em rede através da Teia dos Povos, organização
que busca resolver o histórico problema do isolamento entre os povos indígenas apontado
por Mariátegui como principal óbice para a revolução.
REFERÊNCIAS:
ESCUDERO, Antonio Gutiérrez. Túpac Amaru II, sol vencido: ¿el primerprecursor de la
emancipación?. Araucaria - Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades.
8(15), 205-223, 2006. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28281515>.
FABIANA, Del Popolo. Los pueblos indígenas en América (Abya Yala): Desafíos para
la igualdad
en la diversidad. Santiago: CEPAL, 2018.
HÉCTOR, Huerto Vizcarra. La rebelión de Tupac Amaru II. 2a ed. Lima: Acuedi, 2017.
MACEDO, Mauro Mamani. El mito de Inkarri en los cantos quechuas. Telar - Escritura,
imaginarios y colonización, Peru, ed. 27, p. 259-284, 2021. Disponível em:
<http://revistatelar.ct.unt.edu.ar/index.php/revistatelar/article/view/560>.
RIVERA, Patricia Noriega. El vuelo del águila y el cóndor: Historia de un yachak. 148f.
Dissertação (Mestrado). Universidad Politécnica Salesiana Unidad de estudios de
Posgrado Maestría en Antropología y Cultura. Quito, 2010. Disponível em:
<https://dspace.ups.edu.ec/bitstream/123456789/10463/1/UPS-QT08384.pdf>.
VALCÁRCEL, Luis E. Tempestad en los Andes. Lima: Editorial Universo S.A., 1972.