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Literatura Indígena Brasileira

No século XXI, vozes indígenas passam de fato a trazer suas manifestações culturais e suas
memórias para a história da literatura brasileira. As vozes indígenas falam por si, do seu lugar,
do seu pertencimento, expondo suas versões a partir da sua ancestralidade, das suas origens.

A produção literária de autoria indígena se torna ferramenta potente para difundir as tradições e
as culturas dos nativos, recontar a história do Brasil a partir de uma perspectiva diferente da
narrativa oficial, resgatar a representação histórica dos povos originários, afirmar a identidade
de diferentes grupos, ressaltando as diversas etnias existentes no país, valorizar não só a
literatura escrita, mas também a literatura oral performática que envolve a voz e a entonação dos
contadores, as danças, as músicas, os ritos, o grafismo.

A literatura de autoria indígena encontra novos meios de se propagar no mundo atual. A


produção literária escrita autoral permite agora a visibilidade de um povo que foi excluído por
muitos séculos, mas que hoje pode tornar-se protagonista em suas próprias narrativas.

Nós, povos indígenas,


Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo divididos
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”1
Como nós

POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global.

Autores Indígenas

Ailton Krenak

Se a Terra adoecer, nós adoecemos junto. Não tem jeito de sermos pessoas saudáveis com o
planeta todo quebrado.

Ailton Alves Lacerda Krenak2 - líder indígena, ambientalista,


filósofo, poeta, escritor, pesquisador, jornalista, nasceu em 29
de setembro de 1953, em Minas Gerais, na região do Vale do
Rio Doce, território do povo Krenak, um lugar cuja ecologia se
encontra profundamente afetada pela atividade de extração de
minérios.

Passou a se dedicar exclusivamente à causa indígena a partir da década de 1980. Em 1985


fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena que promove a cultura
dos povos originários a partir de festivais e encontros entre os grupos.

Em 1987, durante a Assembleia Constituinte, protagonizou uma das cenas mais marcantes da
redemocratização. Ao discursar no plenário do Congresso Nacional, pintou o rosto de preto com
pasta de jenipapo3, simbolizando o retrocesso que os direitos indígenas sofriam no país. Seu

1
Deslocados.
2
Faz parte da lista de leituras obrigatórias do vestibular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas-2024)
3
ÍNDIO CIDADÃO? - Grito 3 Ailton Krenak - YouTube
papel na assembleia foi determinante para, na Constituição de 1988, ser incluído o “Capítulo
dos índios” que garante os direitos indígenas à terra e à cultura autóctone 4.

Durante toda sua carreira, Ailton Krenak teceu duras críticas ao sistema capitalista e ao
eurocentrismo na percepção de civilização. O capitalismo e o colonialismo presentes no
processo de formação do povo brasileiro são pontos principais de seu pensamento e temas
recorrentes em suas obras. Em suas publicações, o autor compartilha reflexões e opiniões
acumuladas em suas viagens pelo Brasil e pelo mundo acerca dos principais problemas
socioambientais da contemporaneidade.

Publicou os seguintes títulos: “O lugar onde a Terra descansa” (2000); “Ailton Krenak:
encontros” (2015); “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019); “O amanhã não está à
venda” (2020), a “A vida não é útil” (2020).

(CEPERJ-2020)

Texto I

NÃO SE COME DINHEIRO


Ailton Krenak

Quando falo de humanidade não estou falando só Homo sapiens, me refiro a uma imensidão
de seres que nós excluímos desde sempre: caçamos a baleia, tiramos barbatanas de tubarão,
matamos leão e o penduramos na parede para mostrar que somos mais bravos que ele. Além da
matança de todos os outros humanos que nós achamos que não tinham nada, que estavam aí só
para nos suprir com roupa, comida, abrigo. Somos a praga do planeta, uma espécie de ameba
gigante. Ao longo da história, os humanos, aliás, esse clube exclusivo da humanidade - que está
na declaração universal dos direitos humanos e nos protocolos das instituições - foram
devastando tudo ao seu redor. É como se tivessem elegido uma casta5, a humanidade, e todos
que estão fora dela são as sub-humanidades. Não são só os caiçaras, quilombolas e os povos
indígenas, mas toda vida que deliberadamente largamos à margem do caminho. E o caminho é
o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum lugar. Há um horizonte,
estamos indo para lá, e vamos largando no percurso tudo o que não interessa; o que sobra, a
sub-humanidade - alguns de nós fazemos parte dela.
É incrível que esse vírus que está aí agora esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra
fantástica do organismo da Terra (...) dizer: "Respirem agora, eu quero ver.” [...] Estamos
sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos,
nós morremos. Não é preciso nenhum sistema bélico complexo para apagar essa tal
humanidade: se extingue com a mesma facilidade que os mosquitos de uma sala depois de
aplicado um aerossol. Nós não estamos com nada: essa é a declaração da Terra.
E, se nós não estamos com nada, deveríamos ter contato com a experiência de estar vivos
para além dos aparatos tecnológicos que podemos inventar. A ideia da economia, por exemplo,
essa coisa invisível a não ser por aquele emblema de cifrão. Pode ser uma ficção afirmar que
se a economia não estiver funcionando plenamente nós morremos. Nós poderíamos colocar
todos os dirigentes do banco central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, qual economia
deles. Ninguém come dinheiro.
Hoje de manhã eu vi um indígena norte-americano do conselho dos anciãos do povo Lakota
falar sobre o coronavírus. É um homem de uns setenta e poucos anos, chamado Wakya Un
Manee, também conhecido como Vernon Foster.

4
Que ou quem é natural do país ou da região em que habita e descende das raças que ali sempre viveram; aborígene,
indígena.
5
Classe, linhagem, grupo social.
(Vernon, que é um típico nome americano, pois quando os colonos chegaram na América, além
de proibirem as línguas nativas, mudavam os nomes das pessoas.) Pois, repetindo as palavras
de um ancestral, ele dizia: "quando o último peixe estiver nas águas e a última árvore for
removida da Terra, só então o homem perceberá que ele não é capaz de comer seu dinheiro”.
KRENAK, Ailton. Não se come dinheiro. In: Avida não é útil.
SP: Companhia das Letras, 2020. Adaptado.

Texto II

A história da literatura brasileira é em grande parte a história de uma imposição cultural que
foi aos poucos gerando expressão literária diferente, embora em correlação estreita com os
centros civilizadores da Europa. Esta imposição atuou também no sentido mais forte da
palavra, isto é, como instrumento colonizador, destinado a impor e manter a ordem política e
social estabelecida pela Metrópole, através inclusive das classes dominantes locais.
CANDIDO, Antônio. Iniciação à Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Outro sobre Azul, 2015.

A relação entre os textos I e II pode ser evidenciada no seguinte trecho:

a) “E o caminho é o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum
lugar.”
b) “Vernon, que é um típico nome americano, pois quando os colonos chegaram na
América, além de proibirem as línguas nativas, mudavam os nomes das pessoas.”
c) “Pode ser uma ficção afirmar que se a economia não estiver funcionando plenamente
nós morremos.”
d) “A ideia da economia, por exemplo, essa coisa invisível a não ser por aquele emblema
de cifrão.”

Aline Rochedo Pachamama

Os poetas desencontram espaços no planeta de concreto


e criam seu próprio mundo
no coração das pessoas.

Aline Rochedo Pachamama (Churiah Puri) - Mulher originária do


Povo Puri da Mantiqueira, historiadora, escritora, ilustradora, Doutora em
História Cultural pela UFRRJ, Mestre em História Social pela UFF,
Idealizadora da Pachamama Editora6 (editora formada por mulheres
originárias).

Aline traz a tona o importante papel da mulher indígena na manutenção da memória oral e
ancestral na sociedade brasileira. Para a autora: “a História Oral das Mulheres Indígenas
possibilita valorizar a sensibilidade histórica, sinalizando a interpretação da emoção, a
felicidade, o medo, a rejeição, dentre outros sentidos que estruturam a vida cotidiana”.

Nesse sentido, sua obra Guerreiras “apresenta a realidade de mulheres indígenas em contexto
urbano, suas conquistas e desafios. Pachamama parte do relato e histórias destas mulheres, que
guardam também a memória e a cultura de seus povos, para discutir questões fundamentais
como a relação colonial, o racismo, a misoginia e a violência. Ao mesmo tempo, essas
narrativas trazem à tona as formas de resistência e lutas individuais e coletivas dessas mulheres,

6
Materialização de uma local para que os indígenas tivessem seu próprio lugar de fala.
sua força, sabedoria e o poder da palavra de gerar diálogos, transformações e aprendizados,
quando há uma escuta sincera a essas falas de coragem”.7

Aline Rochedo Pachamama também escreveu: Pachamama, de 2016, o infanto-juvenil


polilíngue Taynôh, disponível em guarani, xavante, português e espanhol, de 2019, Boacé Uchô,
de 2020.

A obra Boacé Uchô (que significa "palavra-terra" e “palavra que pulsa”, na língua do Povo Puri)
mostra as lutas e a cultura do povo originário. Aline Rochedo afirma, “Como há muitos
documentos escritos por não indígenas, que dão uma ideia falaciosa sobre nosso povo, a ideia
desse livro é falar por nós. Minha defesa toda nessa perspectiva é mostrar que a história não é só
feita pelos documentos escritos pelos não indígenas, pelos colonizadores e pelos viajantes, é que
a história está na própria terra”.

Cristino Wapichana

... a definição existe porque as pessoas ainda fazem seleção das coisas. É uma literatura
recente, mas como qualquer outra tem autores excelentes, tem bons e tem razoáveis autores.
Literatura é literatura, enquanto não houver essa compreensão vão fazer essa divisão. Colocam
o indígena porque ainda precisam identificar.

Cristino Wapichana - músico, cineasta, compositor, escritor, contador de


histórias, ativista, Patrono da Cadeira 146 da Academia de Letras dos
Professores (APL) da Cidade de São Paulo.

Wapichana é autor do livro A Boca da Noite, traduzido para o sueco/dinamarquês, vencedor da


Estrela de Prata do Prêmio Peter Pan 2018 do International Board on Books for Young People
(IBBY). Também escreveu A Cor do Dinheiro da Vovó, Ceuci, a Mãe do Pranto, A Onça e o
Fogo, Sapatos Trocados: como o tatu ganhou suas grandes garras, O Cão e o Curumim e A
Oncinha Lili.

(ENADE-2017)

Considere, a seguir, o relato de Cristino Wapichana, indígena, nascido em Boa Vista, Roraima,
escritor e compositor, que tem como principal tema a cultura indígena.

[...] Mário de Andrade, vocês já devem ter lido Macunaíma e outras grandes obras dele, foi um
cara genial. Morreu aos 52 anos, mas deixou uma história e uma obra esplendorosa. Quando
escreve Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, ele consegue informações de um alemão
chamado Theodor Koch-Grünberg, que esteve em Roraima entre 1911 e 1913. Esse alemão
saiu de Itu, via rio Negro, e foi de canoa até a ocupação de Roraima, até o rio Orinoco, na
Venezuela.

Nesse trajeto, ele colheu muitas histórias, e uma delas foi a de Macunaíma. Na verdade não é
Macunaíma, mas Macunáima. Só que Mário de Andrade colocou Macunaíma. Macunaíma fez
muitas peripécias [...], outra história é que ele morre, matam ele, mas ele mesmo ressuscita.
Tem uma série de coisas, mas Macunáima, para a gente e para vários povos na fronteira do
Brasil com a Venezuela e República Federativa da Guiana, é um semideus. [...] Vocês não
conheciam Macunáima, certo? Vocês conheciam Macunaíma, que é o herói sem nenhum
caráter.

7
48528-172985-1-PB (1).pdf
Para a gente, Macunáima é um semideus e temos grande respeito por ele. Quando o livro
começa dizendo que ele nasceu no rio Urariquera, numa noite escura, nasceu negrinho e tal, eu
conheço Urariquera e posso dizer que ele não nasceu lá. E então ele fala da Muiraquitã, mas
ela não é de lá, é da parte do Amazonas no Pará. [...] Mário de Andrade desloca essa história,
ele transforma isso.

Disponível em: <http://www.32bienal.org.br/>. Acesso em: 20 jul. 2017 (adaptado).

Com base no texto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

I. A literatura não necessariamente registra a verdade sobre o real, fato demonstrado


pela revelação de Cristino Wapichana, das diferenças entre Macunaíma e
Macunáima.
(porque)
II. O fato de Mário de Andrade ter se baseado no registro escrito por Theodor Koch
Grünberg dificultou uma transposição do valor que o semideus Macunáima
apresentava para a comunidade indígena.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta
da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

Daniel Munduruku

Eu roubo as horas para lhes dar tempo. Tempo de aprender a usar o tempo. Quem tem hora não tem
tempo: tempo de olhar o tempo.

Daniel Munduruku - ativista, ator, escritor e professor paraense,


graduado em Filosofia, História e Psicologia, Mestre em Antropologia
Social pela USP, Doutor em Educação também pela USP, possui Pós-
Doutorado em Literatura pela Universidade Federal de São Carlos, é
pertencente ao povo indígena Munduruku.

Daniel é autor de mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior. Boa parte de seus livros é
classificada como literatura infanto-juvenil e remonta a tradição oral indígena através de
fábulas, contos e mitos de criação.

(UNIMONTES-2018)

Leia o trecho extraído do conto Depois do dilúvio, presente no livro Contos indígenas
brasileiros, de Daniel Munduruku:

Os Kaiurucré continuavam a fazer, com as cinzas, outros animais. Faziam isso sempre de noite.
Num certo dia, estando a esculpir um outro bicho, começou a amanhecer e isso era muito
perigoso para eles. Para que este bicho ficasse perfeito, faltava apenas a língua, os dentes e
algumas unhas. Mas eles não teriam tempo de completar. A solução foi colocar varinhas na
boca do animal. – Como vocês não têm dentes – disse o ancestral – comerão apenas formigas.
E é por isso que o tamanduá é um animal inacabado, incompleto e imperfeito.
Tendo o episódio do tamanduá como referência e outros mitos Kaigang semelhantes que
compõem o conto de Daniel Munduruku, todas as afirmativas estão corretas, EXCETO:

a) Os mitos Kaigang presentes no conto são apoiados em eventos históricos narrados pelos
ancestrais da comunidade.
b) O episódio acima, assim como outros semelhantes ao longo do conto, tem por função
explicar a origem dos homens e das coisas do mundo através da narrativa mítica.
c) O conto busca retratar o imaginário indígena na perspectiva do próprio povo e de suas
histórias.
d) A narração de mitos como esse, entre os membros da comunidade, tem por função
provê-los de conhecimentos acerca de si mesmos e de melhor relação com o que os
rodeia.

Para Munduruku, “A escola deve levar luz onde há escuridão para as pessoas enxergarem com
clareza, tolerância e respeito. Sobretudo, aceitar o outro do jeito que ele é e não do jeito que
gostaríamos que ele fosse, porque sempre que jogamos sobre o outro a nossa verdade, estamos
colonizando. As verdades existem em todas as culturas. Ser humano é aceitar o outro tal como
ele é. Educação tem que criar espírito de generosidade. Somos todos ignorantes e precisamos
estar o tempo todo abertos a aprender. A grande beleza do Brasil é nossa diversidade e a partir
do momento que aceitamos isso o Brasil vira uma maravilha”.

(UFSCAR-2016)

Declarações de Daniel Munduruku

Frequentei a escola durante a ditadura militar, na década de 1970. Naquela época, as


informações que eu tinha em sala de aula sugeriam que índio era atrasado, que índio era
selvagem. Isso chegava até mim com um impacto muito violento. Passei a ter vergonha da
minha cara, do meu cabelo, da minha origem. Eu não queria mais ser índio.

Quem mudou a visão negativa que eu fazia de mim mesmo foi meu avô Apolinário. É claro que
não foi da noite para o dia, mas o avô foi mostrando, às vezes com sábias palavras, às vezes
apenas com o silêncio, que aquela era a minha família e que longe dela eu seria infeliz. Com
meu avô aprendi o valor da ancestralidade.

(Bruno Ribeiro. Daniel Munduruku: entrevista. http://consciencia.net. Adaptado)

A partir da leitura do texto, é possível entender que Daniel Munduruku passou a ter uma visão
negativa de si mesmo após:

a) receber informações preconceituosas na escola;


b) perceber que tinha dificuldades de aprendizado;
c) escutar colegas de classe criticar sua aparência física;
d) constatar que os índios apoiaram a ditadura militar;
e) descobrir que não sabia controlar seu instinto violento.
Eliane Potiguara

Nós, povos indígenas,


Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo divididos
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós
Eliane Potiguara, do poema "Identidade indígena" (1975)

Eliane Lima dos Santos 8 - ativista, professora, primeira


escritora indígena no Brasil, poeta, contadora de história, nascida
em 1950, de origem étnica Potiguara, do tronco Tupi Guarany,
fundadora e coordenadora da 1ª organização de mulheres
indígenas no país (GRUMIN/Grupo Mulher-Educação Indígena),
formada em Letras (Português-Literaturas) e Educação pela
UFRJ, especialista em Educação Ambiental pela UFOP, participante da elaboração da
"Declaração Universal dos Direitos Indígenas" na ONU, Embaixadora Universal da Paz em
Genebra, doutora honoris causa pela UFRJ.

Eliane inaugurou a literatura indígena com o livro A Terra é a Mãe do Índio,9 premiado pelo
Pen Club da Inglaterra e Fundo Livre de Expressão. Em 1994, lançou o seu segundo
livro Akajutibiro: Terra do índio Potiguara, apoiado pela UNESCO. Seu livro “Metade Cara,
Metade Máscara” reúne textos, crônicas e poesias que contam todas essas memórias de Eliane e
das mulheres de sua vida.

O seu livro mais recente A Cura da Terra conta a história da pequena índia Moína, que busca
entender o sentido da vida e acaba conhecendo a história de seus ancestrais e a relação deles
com o elemento da cura, a terra.

(INAZ do Pará-2020)

Brasil

Que faço com minha cara de índia?


E meus cabelos
E minhas rugas
E minha história
E meus segredos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meus espíritos
E minha força
E meu tupã
E meus círculos?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu Toré
E meu sagrado
E meus “cabocos”
E minha Terra?
Que faço com a minha cara de índia?
E meu sangue
E minha consciência

8
Em 1995, na China, no Tribunal das Histórias Não Contadas e Direitos Humanos das Mulheres/Conferência da
ONU, Eliane Potiguara narrou a história de sua família, que emigrou das terras paraibanas nos anos 1920 por ação
violenta dos colonizadores, e as consequências físicas e morais dessa violência à dignidade histórica de seu bisavô,
Chico Solón de Souza, avós e descendentes. Contou, ainda, o terror físico, moral e psicológico pelo qual passou ao
buscar a verdade, além de sofrer abuso sexual, violência psicológica e humilhação por ser levada pela Polícia Federal,
por estar defendendo os povos indígenas, seus parentes, do racismo e da exploração.
9
No fim de 1992, a obra A Terra é a Mãe do Índio foi premiada pelo Pen Club da Inglaterra, no mesmo momento em
que Eliane e o jornalista Caco Barcellos eram citados na lista dos marcados para morrer, anunciados no Jornal
Nacional, da TV Globo, por terem denunciado esquemas duvidosos e violação dos direitos humanos e indígenas.
E minha luta
E nossos filhos?

Brasil, o que faço com a minha cara de índia?


Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só …
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo.

(POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. 3. ed. rev. Rio de Janeiro-RJ: Grumin, 2019. p. 32-33.)

No poema o eu lírico usa este refrão: “Que faço com minha cara de índia?”. Sobre essa
constante repetição dessa pergunta no poema, é possível dizer que ela serve para:

a) Chamar atenção dos leitores, como uma forma de facilitar a memorização textual.
b) Chamar atenção e construir uma espécie de musicalidade, fato recorrente nesse tipo de
texto literário.
c) Chamar atenção e abrir o caminho para uma reflexão sobre a forma como os indígenas
são tratados no nosso país.
d) Chamar atenção e dramatizar sobre o passado do indígena brasileiro, tendo em vista que
o poema é construído com verbos no pretérito.

Graça Graúna

Dançamos a dor
tecemos o encanto
de índios e negros
da nossa gente

GRAÚNA, Graça. no poema "Resistência". In: Cadernos Negros 29. São Paulo: Quilombhoje, 2006, p. 120.

Maria das Graças Ferreira - nascida em 1948, Rio Grande do


Norte, indígena Potiguara, escritora, poeta, crítica literária,
Graduada, Mestre, Doutora em Letras pela UFPE e Pós-doutora
em Literatura, Educação e Direitos Indígenas pela
UMESP, professora adjunta em Literaturas de Língua
Portuguesa e Cultura Brasileira na Universidade de
Pernambuco.

Para Graça, ao escrever, ela dá conta da sua ancestralidade, do caminho de volta, do seu lugar
no mundo: “Tenho memória das leituras de mundo que eu escrevia num diário, quando
adolescente. Estudei no Colégio das Neves, em Natal (RN): um colégio de freira, onde as
poucas colegas de internato (a quem eu mostrava acanhadamente os meus escritos) diziam que
eu escrevia poesia misturada com história. Nunca me esqueci dessa observação, e foi, assim,
que eu dei conta da necessidade de botar no papel o que eu já intuía. É que aprendi desde cedo
que a intuição é a mensageira da alma, como dizem os antigos”.

Publicou Canto Mestizo, Tessituras da Terra, Tear da Palavra, Criaturas de Ñanderu, Flor da
Mata.

(CESPE-2019)

Caos Climático

É temerário descartar
a memória das Águas
o grito da Terra
o chamado do Fogo
o clamor do Ar.

As folhas secas rangem sob os nossos pés.


Na ressonância, o elo da nossa dor
em meio ao caos
a pavorosa imagem
de que somos capazes de expor
a nossa ganância
até não mais ouvir
nem mais chorar
nem meditar,
nem cantar ...
só ganância, mais nada.

É temerário descartar
a memória das Águas
o grito da Terra
o chamado do Fogo
o clamor do Ar.

GRAÚNA, Graça. Caos climático. In: Tarsila de A. R. Lima. Entrevista com Graça Graúna (...).Palimpsesto, n.º 20,
Ano 14, 2015, p. 146

Considerando o poema Caos climático, de Graça Graúna, julgue o item a seguir.

Um recurso literário usado pela autora no poema é a atribuição de características humanas a


figuras não humanas.

( ) Certo
( ) Errado

Kaká Werá

Para nós, a literatura indígena é uma maneira de usar a arte, a caneta, como uma estratégia de
luta política. É uma ferramenta de luta. E por que uma luta política? Por que à medida que a
gente chega à sociedade e a sociedade nos reconhece como portadores de saberes ancestrais e
como intelectuais, ela vai reconhecer também que existe uma cidadania indígena. E que dentro
da cidadania existem determinados direitos constitucionais que não ferem, que não desagregam
a sociedade, seja indígena ou não indígena.
WERÁ, Kaká. Coleção Tembetá. Azougue Editorial, 2015.

Kaká Werá Jecupé - escritor, ambientalista, tradutor,


conferencista indígena brasileiro, fundador do Instituto
Arapoty10, descendente do povo Tapuia e acolhido pelos guaranis,
junto aos quais desenvolve uma extensa pesquisa histórica,
linguística e cultural. Envolvido em processos educativos, atua na
valorização, registro e difusão dos saberes ancestrais de povos
indígenas.

Tornou-se um dos precursores da literatura indígena no Brasil e uma autoridade na difusão dos
saberes e valores ancestrais. Destaca-se hoje no desenvolvimento de pessoas e como facilitador
de processos de autoconhecimento, tendo por base a sabedoria da tradição tupi-guarani.

É autor de diversos livros: Oré Awé: Todas as Vezes que Dissemos Adeus, Terra dos Mil
Povos, As Fabulosas Fábulas de Iauaretê, Tupã Tenondé, A Águia e o Colibri, escrito em
parceria com Roberto Crema, O Trovão e o Vento.

(CESPE-2007)

O escritor Kaká Wera resolveu testar uma nova forma de ensinar a cultura indígena nas
escolas: afastar os professores dos livros e fazê-los vivenciar mitos, cantos e danças dos índios
em um espaço que reproduz uma oca. O que o motivou a abrir a oca-escola foram os livros
didáticos. “Percebi que tudo sobre o índio, nos livros, aparecia no passado. O índio fazia
aquilo, gostava daquilo, usava aquele adereço” — era, para ele, como se já tivessem, com esse
tempo verbal, colocado toda uma cultura no passado, como se ela não fizesse mais parte do
país. Ele imagina que, pela experimentação, os significados dos mitos farão sentido no
cotidiano dos professores. “É pelos mitos que se registra a sabedoria.” Essa sabedoria se
mescla às danças e aos cantos.

Gilberto Dimenstein. O Cidadão de Papel. São Paulo: Ática, 2005, p. 113-4 (com adaptações).

Tendo o texto como referência inicial e considerando aspectos linguísticos, históricos e


geográficos, julgue o item que se segue.

Os pares de aspas que foram usadas nas linhas 6-8 e 12-13 têm a mesma finalidade: indicar a
fala de Kaká Wera.

( ) Certo
( ) Errado

Márcia Wayna Kambeba

Nasci na Uka sagrada


Na mata por tempos vivi
Na terra dos povos indígenas
Sou Wayna, filha de Aracy

10
é uma organização sem fins lucrativos que tem o objetivo de difundir as tradições indígenas para jovens e ajudar
aldeias do Sul e do Sudeste do país a trabalhar de forma sustentável. Arapoty é uma palavra Guarani que significa
"renascimento" e sua sede pode ser encontrada em Itapecerica da Serra
KAMBEBA, Márcia. Ay kakyri Tama. Pólen, 2018.

Márcia Vieira da Silva, mais conhecida como Márcia Wayna


Kambeba - escritora, poeta, compositora, fotógrafa, ativista,
Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas,
indígena, do povo Omágua/ Kambeba no Alto Solimões (AM).

Geografia, arqueologia, antropologia e história podem ser


encontradas na sua escrita sob um viés educativo.

Em sua luta na literatura e na música, aborda, sobretudo, a identidade dos povos indígenas,
territorialidade e a questão da mulher nas aldeias. Em 2013, lançou o seu primeiro livro Ay
Kakyri Tama, que reúne textos poéticos e fotografias da vivência do seu povo dentro das
cidades.

Autora também de: Saberes da Floresta, Kumiça Jenó: Narrativas Poéticas dos Seres da
Floresta.

(ENEM-2022)

O povo Kambeba é o povo das águas. Os mais velhos costumam contar que o povo nasceu de
uma gota d'água que caiu do céu em uma grande chuva. Nessa gota estavam duas gotículas: o
homem e a mulher. "Por essa narrativa e cosmologia indígena de que nós somos o povo das
águas é que o rio nos tem fundamental importância", diz Márcia Wayna Kambeba, mestre em
Geografia e escritora. Todos os dias, ela ia com o pai observar o rio, la em silêncio e, antes que
tomasse para si a palavra, era interrompida. "Ouça o rio", o pai dizia. Depois de cerca de duas
horas a ouvir as águas dos Solimões, ela mergulhava. "Confie no rio e aprenda com ele". "Fui
entender mais tarde, com meus estudos e vivências, que meu pai estava me apresentando à
sabedoria milenar do rio".

Rios amazônicos influenciam no agro e em reservatórios do Sudeste. Disponível em: www.uol.com.br. Acesso em:
14 out.2021.

Pelo descrito no texto, o povo Kambeba tem o rio como um (a):

a) objeto tombado e museográfico;


b) herança religiosa e sacralizada;
c) cenário bucólico e paisagístico;
d) riqueza individual e efêmera;
e) patrimônio cultural e afetivo.

(IDIB-2022)

União dos Povos

Nós, povos indígenas,


Habitantes do solo sagrado,
Mesmo sem nossa aldeia,
Somos herdeiros de um passado.

Buscamos manter a cultura,


Vivendo com dignidade,
Exigimos nosso respeito,
Mesmo vivendo na cidade.

Somos parte de uma história,


Temos uma missão a cumprir,
De garantir aos tanu muariry,
Sua memória, seu porvir.

Vivendo na rytama do branco,


Minha uka se modificou,
Mas a nossa luta pelo respeito,
Essa ainda não terminou.

Pela defesa do que é nosso,


Todos os povos devem se unir,
Relembrando a bravura,
Dos Kambeba, dos Macuxi,
Dos Tembé e dos Kocama,
Dos valentes Tupi Guarani

Assim, os povos da Amazônia,


Em uma grande celebração,
Dançam o orgulho de serem
Representantes de uma nação,
Com seu canto vêm dizer:
Formamos uma aldeia de irmãos.

Márcia Wayna Kambeba https://almaacreana.blogspot.com /2018/06/poemas-de-marcia-wayna-kambeba.html

O poema de Márcia Kambeba apresenta como um dos seus pontos fortes a luta pelo (a):

a) valorização do artesanato e das danças típicas dos povos indígenas;


b) investimento na agricultura cultivada pelos povos indígenas;
c) reconhecimento de todos os povos indígenas e sua cultura;
d) mobilização da sociedade em defesa das terras indígenas.

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