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Textos - diálogos

Atividade
Relacionar os textos, identificando as principais
ideias que apresentam e suas possíveis conexões
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Parte 1
O desafio que proponho aqui é imaginar cartografias, camadas de mundos,
nas quais as narrativas sejam tão plurais que não precisamos entrar em
conflito ao evocar diferentes histórias de fundação.
É maravilhoso que ainda existam essas memórias nas tradições de centenas
de povos, seja nas Américas, na África, na Ásia... Essas narrativas são
presentes que nos são continuamente ofertados, tão bonitas que conseguem
dar sentido às experiências singulares de cada povo em diferentes contextos
de experimentação da vida no planeta. [...]. O planeta é mesmo maravilhoso e
é abraçado, em várias tradições de povos ameríndios — da Terra do Fogo ao
Alasca —, por uma poética permeada de sentido maternal.
Futuro Ancestral. Ailton Krenak, p. 19.

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Parte 2
Nos lugares onde cada povo tinha sua marca cultural, seus domínios, nesses
lugares, na tradição da maioria das nossas tribos, de cada um de nossos povos,
é que está fundado um registro, uma memória da criação do mundo. Nessa
antiguidade desses lugares a nossa narrativa brota, e recupera o feito dos
nossos heróis fundadores. Ali onde estão os rios, as montanhas, está a
formação das paisagens, com nomes, com humor, com significado direto, ligado
com a nossa vida, e com todos os relatos da antiguidade que marcam a criação
de cada um desses seres que suportam nossa passagem no mundo. Nesse
lugar, que hoje o cientista, talvez o ecologista, chama de habitat, não está um
sítio, não está uma cidade nem um país. É um lugar onde a alma de cada povo,
o espírito de um povo, encontra a sua resposta, resposta verdadeira. De onde
sai e volta, atualizando tudo, o sentido da tradição, o suporte da vida mesma.
Futuro Ancestral. Ailton Krenak, p. 19.

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Parte 3
Os humanistas querem nos convencer de que a globalização é uma
convivência ampla, quando de fato não é. Em vez de compreender o
globo de forma diversal, como vários ecossistemas, vários idiomas,
várias espécies e vários reinos, como dizem, quando eles falam em
“globalizar”, estão dizendo “unificar”. Estão dizendo moeda única,
língua única, mentes poucas.
A globalização para os humanos não existe, o que existe para eles é a
história do eurocentrismo – da centralidade, da unicidade. O que
chamam de globalização é universalidade. Não no sentido que nós
entendemos por universalidade, mas no sentido da unicidade.
Terra dá, terra quer. Antonio Bispo dos Santos. . 22

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Parte 3
Em São Paulo, o Tietê, infelizmente, na parte urbana que percorre, foi
convertido em esgoto. Não sei como uma cidade pode fazer isso, o corpo de
um rio é insubstituível. A Pauliceia tapou de forma desenfreada seus cursos d’
água, inclusive o rio Ipiranga, nas margens do qual foi proclamada a
Independência do Brasil, sugerindo que não se tem sequer apreço por essa
memória. Os rios que ainda não foram asfixiados nas cidades seguem
correndo no cerrado, nas florestas, na Mata Atlântica e no Pantanal [...] e são
os primeiros a terem os corpos apropriados pela fúria de certos humanos [...].
Tratam os rios de maneira tão desrespeitosa que dá a impressão de que
sofreram um colapso afetivo em relação às preciosidades que a vida nos
proporciona aqui na Terra. [...] quando a paisagem se torna insuportável, o rio
migra e conflui para outras viragens. Rios da memória, rios voadores, que
mergulham, que transpiram e fazem chuva.
Futuro Ancestral. Ailton Krenak, p. 13.
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Parte 4
Para historiadores, tempo é tanto o elemento de articulação da/na
narrativa historiográfica como é vivência civilizacional e pessoal. Para
cada civilização e cultura, há uma noção de tempo, cíclico ou linear,
presentificado ou projetado para o futuro, estático ou dinâmico, lento ou
acelerado, forma de apreensão do real e do relacionamento do indivíduo
com o conjunto de seus semelhantes, ponto de partida para a
compreensão da relação Homem-Natureza e Homem–Sociedade na
perspectiva ocidental.

Tempo Histórico. Rachel Glezer.

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Parte 5
Dependendo dos documentos que dispõe e da maneira como foram
analisados, o historiador chega a uma explicação sobre um fato histórico.
Mas esta não é uma explicação única. O mesmo tema ou assunto pode
ser reavaliado por outro historiador que, utilizando outros documentos e
outras abordagens, chega a outra versão ou interpretação. Assim como
não há uma verdade única dos fatos, também não existe uma história
única. Existem histórias, no plural.

Tempo Histórico. Rachel Glezer.

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Parte 6 - i
Depois que passei alguns anos nos Estados Unidos como africana, comecei a entender a
reação da minha colega de quarto em relação a mim. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e
se tudo o que eu soubesse sobre a África viesse das imagens populares, também ia achar
que se tratava de um lugar com paisagens maravilhosas, animais lindos e pessoas
incompreensíveis travando guerras sem sentido, morrendo de pobreza [...], incapazes de
falar por si mesmas [...]

Acho que essa história única da África veio, no nal das contas, da literatura ocidental. Aqui
está uma citação de um mercador de Londres chamado John Lok, que velejou para a África
ocidental em 1561 e fez um relato fascinante de sua viagem. Após se referir aos africanos
negros como “animais que não têm casa”, ele escreveu: “Também é um povo sem cabeça,
com a boca e os olhos no peito”.
O perigo de uma história única. Chimamanda Ngozi Adichie, p. 10.

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Parte 6 - ii
Na época, o clima político nos Estados Unidos, de onde eu vinha, estava tenso, e debatia-se
muito a imigração. Como costuma acontecer nos Estados Unidos, imigração tinha se tornado
sinônimo de mexicanos. Havia histórias infindáveis sobre pessoas que fraudavam o sistema
de saúde, passavam clandestinamente pela fronteira ou eram presas ali, esse tipo de coisa.
Eu me lembro de sair para passear no meu primeiro dia em Guadalajara e ver as pessoas indo
para o trabalho, fazendo tortilhas no mercado, fumando, rindo. Primeiro senti uma leve
surpresa, e então fui tomada pela vergonha.

Percebi que tinha estado tão mergulhada na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se
tornado uma só coisa na minha mente: o imigrante abjeto. Eu tinha acreditado na história única dos
mexicanos e fiquei morrendo de vergonha daquilo. É assim que se cria uma história única: mostre um
povo como uma coisa, uma coisa só, sem parar, e é isso que esse povo se torna.
O perigo de uma história única. Chimamanda Ngozi Adichie, p. 11.
Parte 7
Quando eu vejo as narrativas, mesmo as narrativas chamadas antigas, do
Ocidente, as mais antigas, elas sempre são datadas. Nas narrativas tradicionais
do nosso povo, das nossas tribos, não tem data, é quando foi criado o fogo, é
quando foi criada a lua, quando nasceram as estrelas, quando nasceram as
montanhas, quando nasceram os rios. Antes, antes, já existe uma memória
puxando o sentido das coisas, relacionando o sentido dessa fundação do mundo
com a vida, com o comportamento nosso, como aquilo que pode ser entendido
como o jeito de viver. Esse jeito de viver que informa a nossa arquitetura, nossa
medicina, a nossa arte, as nossas músicas, nossos cantos.
Antes, o mundo não existia. Ailton Krenak.
Parte 8
A curta duração refere-se ao “tempo breve, ao indivíduo, ao evento”
(Braudel, 2007, p.44). [...] Em termos numéricos, ela pode se manifestar entre
um dia e/ou alguns poucos anos.
A média duração diz respeito a uma conjuntura, expressa em uma ou
algumas décadas. [...] Já a história na longa duração só é compreensível
quando visualizada em séculos, pois é estrutural.
"Certas estruturas... tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de
gerações” (Braudel, 2007, p.49).

História e Ciências Sociais: a longa duração. Fernand Braudel

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Chimamanda adichie (Enugu-nigéria, 1977)
Escritora e ativista, autora dos
romances Meio sol amarelo (2008),
adaptado ao cinema em 2013, Hibisco
roxo (2011) e Americanah (2014), além
da coleção de contos No seu pescoço
(2009), todos publicados no Brasil pela
Companhia das Letras. Sua obra foi
traduzida para mais de trinta línguas e
apareceu em inúmeros periódicos,
como as revistas New Yorker e Granta.
Chimamanda vive entre a Nigéria e os
Estados Unidos.

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Nêgo bispo (Piauí, 1959-2023)
Como ficou conhecido Antonio
Bispo dos Santos, Lavrador, poeta,
escritor, professor, ativista político.
Militante do movimento social
quilombola e de direitos pelo uso da
terra, Nêgo Bispo é uma das
principais vozes do pensamento
das comunidades tradicionais do
Brasil.

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Ailton krenak (minas gerais, 1953)
Liderança histórica no movimento
indígena, exerceu um papel crucial
na conquista dos Direitos
Indígenas na Constituinte de 1988.
É ambientalista, filósofo, poeta,
escritor e também doutor honoris
causa pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e pela
Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF).

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Rachel glezer (são paulo, 1944)
Historiadora e pesquisadora,
ligada ao Departamento de
História da Universidade de São
Paulo. Suas contribuições
científicas na área de Teoria e
Filosofia da História giram em
torno de temas de historiografia
brasileira, ensino de história,
história da cidade de São Paulo,
história do Brasil e urbanização.

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Fernand braudel (França, 1902-1985)
Foi um destacado historiador do século XX e importante
membro da Escola do Annales.

Se formou na Universidade de Sobornne. Iniciou sua carreira


na Argélia, e por lá residiu durante dez anos. Integrou o
grupo de intelectuais franceses que colaborou na
organização da Universidade de São Paulo, na qual exerceu
o cargo de professor entre 1935 e 1937. Voltou à Europa ao
ser nomeado para a seção de ciências da École Pratique des
Hautes Études, na cidade de Paris. Acompanhou de perto a
crescente tensão antes da eclosão da Segunda Guerra
Mundial. Foi mantido preso durante longos anos e, mesmo
impossibilitado de ter acesso a qualquer obra, conseguiu
desenvolver sua mais célebre tese.

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