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C E A

Adriene Baron Tacla


Doutora em Arqueologia pela Universidade de Oxford;
Professora do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.

Ana Paula Barcelos Ribeiro da Silva


Doutora em História Social pela UFF;
Professora Adjunta de História do Brasil do DCH e do PPGHS da UERJ/FFP.

Daniel Chaves
Pesquisador do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente/CPTP;
Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas/OBFRON;
Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional - PPGMDR/Unifap.

Deivy Ferreira Carneiro


Professor do Instituto de História e do PPGHI da UFU;
Pós-doutor pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne.

Elias Rocha Gonçalves


Professor/Pesquisador da SEEDUC/RJ.

Elione Guimarães
Professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora.

Rivail Rolim
Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História-UEM-PR.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


(EDOC BRASIL, BELO HORIZONTE/MG)
M528s
Melo, Leda Agnes Simões de.
A seca como questão política e social: os discursos em torno dos semiáridos do Brasil e da
Argentina a partir dos casos do Ceará e de Santiago del Estero (1932-1937) / Leda Agnes
Simões de Melo. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2021.
ISBN: 978-85-518-3687-3 [recurso eletrônico]
1. Secas – Brasil – Aspectos sociopolíticos. 2. Secas – Argentina – Aspectos sociopolíticos. I.
Título.
CDD 363.34
Maurício Amormino Júnior - Bibliotecário - CRB-6/2422

A seca como questão política e social: os discursos em torno dos semiáridos do Brasil e da Argentina a partir dos
casos do Ceará e de Santiago del Estero (1932-1937)
M , Leda Agnes Simões de

ISBN: 978-85-518-3687-3
1ª edição, novembro de 2021.

Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda.


Rua Mayrink Veiga, 6 10° andar, Centro
Rio de Janeiro, RJ CEP: 20090-050
www.autografia.com.br

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da Editora
Autografia.
Sumário

Agradecimentos
Prefácio
I
“Salgo a caminar por la cintura cósmica del sur…”
C 1
Um panorama histórico sobre o Nordeste brasileiro e o Noroeste
argentino: uma re exão sobre as narrativas que zeram parte do Ceará e de
Santiago del Estero
C 2
Os jornais Correio da Manhã e El Mundo e a representação da seca
cearense e santiagueña
C 3
O olhar regional sobre as secas do Ceará e de Santiago del Estero:
O discurso sobre si nos periódicos a Ordem e La Hora
C 4
O discurso institucional sobre os semiáridos: as narrativas das
políticas federal e estadual a respeito das secas cearenses e santiagueñas
Considerações nais
Referências
À memória de minha mãe, nordestina,
migrante e desbravadora do mundo.
A dor da saudade nunca cessará.
Agradecimentos

O medo dá origem ao mal. O homem coletivo sente a necessidade de lutar […]


Viva Zapata! Viva Sandino! Viva Zumbi! Antônio Conselheiro!
Todos os panteras negras! Lampião, sua imagem e semelhança.
Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia.
(Monólogo de pé de ouvido, Chico Science)

Caro leitor, a tessitura de todo e qualquer trabalho é permeada por pessoas


que atravessam nosso caminho. Este livro é fruto de uma tese de doutorado,
de um trabalho de fôlego e esforço, de idas e vindas entre Brasil e Argentina.
Ele foi realizado por muitas mãos invisíveis, muitos conselhos, debates,
discussões e, sobretudo, afetos, carinho e amizade. Pode haver amorosidade
no caminho de uma pesquisa. Pode haver luta, resistência e rebelião.
Eu poderia citar tantas interlocuções realizadas nesses quatro anos em que
fiz essa pesquisa, mas deixo meus agradecimentos às contribuições que deram
origem a esse livro nos nomes de Ana Paula Barcelos, orientadora incansável;
sem seu apoio, esse livro não seria possível. Sua dedicação e responsabilidade
profissional me são inspiração cotidiana. À Maria Elisa Noronha de Sá, pelo
prefácio desse livro e por todas as trocas necessárias que temos realizado nos
últimos tempos, abrindo possibilidades de conhecimento e de crescimento
profissional. Aos professores Eduardo Scheidt, Fernando Luiz Vale Castro e
Maria Verónica Secreto, por suas leituras cuidadosas em face da defesa do
doutorado. À Patrícia Fogelman, professora generosa, que me acolheu em
Buenos Aires e me recebeu na Universidad de Buenos Aires (UBA).
Um agradecimento especial deve ser feito ao professor Alberto Tasso,
pesquisador residente em Santiago del Estero, uma das maiores referências
locais sobre a história da província, que sempre me recebeu com afeto, desde
os primeiros contatos por e-mail em 2017 até a minha ida a Santiago del
Estero, em 2019. Tasso gentilmente abriu sua casa e seu acervo pessoal de
forma generosa, como também abraçou minha pesquisa, disponibilizando
documentos, fontes e mostrando caminhos para que ela fosse possível. Levo
comigo sua dedicatória em seu livro sobre Bernardo Canal Feijóo: “Para Leda
Agnes Simões, com carinho pela pesquisa, pelo diálogo e pela liberdade de
nossos povos”. Ainda não poderia deixar de mencionar meu agradecimento ao
meu irmão André Simões, ao meu companheiro Alvaro Siguiné e aos meus
familiares de Recife e de Niterói.
Agradeço à CAPES, pelo financiamento da pesquisa de doutorado e pela
bolsa concedida no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE),
que possibilitou minha estadia em Buenos Aires por seis meses.
Por fim, dedico essas linhas a todas as populações semiáridas do Nordeste
brasileiro e do Noroeste argentino, em especial as do Ceará e de Santiago del
Estero. A todos os latino-americanos, indígenas, negros, sertanejos, caboclos,
do bosque, do monte, do sertão e da selva. Que esta re exão seja uma
possibilidade para que suas histórias sejam lembradas pelo que são, por sua
diversidade e pluralidade.
Este livro é dedico à minha mãe, Maria, mulher da Zona da Mata de
Pernambuco, cujo legado me faz seguir adiante nos caminhos da vida.
Prefácio

O livro A seca como questão política e social: os discursos em torno dos semiáridos do
Brasil e da Argentina a partir dos casos do Ceará e de Santiago del Estero (1932-1937),
de Leda Agnes Simões de Melo, fruto de sua tese de doutorado, é um trabalho
que deve ser desfrutado pelo leitor pelas suas muitas qualidades. Inspirado em
sua história pessoal de nordestina, que viveu a infância mergulhada no
imaginário existente em torno das secas, leva adiante, com competência, a
tarefa de analisar, comparativamente, por meio de variadas fontes, os
discursos construídos sobre os territórios semiáridos do Ceará, no Nordeste do
Brasil, e de Santiago del Estero, no Noroeste da Argentina, no contexto dos
anos 1930, quando estes foram acometidos por graves secas.
As qualidades e a originalidade do texto encontram-se em diversos aspectos:
na abordagem do tema da seca, do sertão, do deserto, do vazio, em uma
perspectiva comparada e problematizada entre duas regiões da América
Latina; na ênfase na dimensão desses espaços pensados “para além do
fenômeno meramente climático”, entendidos como construções discursivas,
historicamente construídos e que, por isso, tornam-se campos de disputa e de
formação de identidades; no pressuposto de que esses discursos revelam
visões, percepções do social e preconceitos que provocam ações e intervenções
concretas nesses espaços; no trabalho com a diversidade e a multiplicidade de
olhares voltados para os semiáridos; na ampla, inédita e difícil pesquisa de
fontes históricas – a imprensa, escritos literários, documentos de órgãos
oficiais, textos de políticos e intelectuais; na aposta em uma história que recusa
os limites da tradicional história nacional e enfatiza o papel das regiões e
províncias na formação das nações; no cuidado em apresentar uma re exão
teórica que acompanha todos os passos do trabalho.
Mais do que tratar da referência à geografia semiárida ou ao clima dessas
regiões, o trabalho fala de suas populações – índios, negros, sertanejos,
caboclos. Revela percepções e visões do mundo social, que geram
significações, simbologias e estereótipos como os que acabam culpando a
natureza pelos males que a igem esses espaços e as pessoas que neles vivem.
Ao questionar dicotomias há muito consagradas como centro/periferia,
modernidade/atraso, litoral/interior, o texto põe em questão uma concepção
de tempo linear e uma percepção de temporalidade há muito arraigadas, que
pensa as regiões dos semiáridos cearense e santiagueño como atrasadas em
relação aos centros de poder na Argentina e no Brasil. Constantemente
evocadas como vivendo no passado, longe da modernidade e do progresso,
parecem enfrentar constantemente o desafio de inserir-se na linha do
progresso e da civilização.
A estrutura dos capítulos torna concreta a proposta de trabalhar com
diferentes olhares e perspectivas. Organizado em quatro capítulos, o primeiro
analisa a construção de narrativas sobre essas regiões a partir das noções de
sertão e deserto, civilização e barbárie nos discursos de letrados, intelectuais e
literatos, como Sarmiento, Alberdi, Euclides da Cunha, Rodolfo Teófilo,
Graciliano Ramos, Ricardo Rojas, Clementina Rosa Quenel, entre outros. Nos
segundo e terceiro capítulos, a autora analisa a linguagem utilizada pelos
jornais, tanto os de circulação nacional, por exemplo, o Correio da Manhã e El
Mundo, quanto aqueles mais regionais, como A Ordem e La Hora, para falar das
secas nessas regiões. No quarto capítulo, analisa discursos de políticos,
ministros, governadores e trabalha com instituições e órgãos oficiais, como a
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), no Brasil, e a Junta
Nacional para Combatir la Desocupación ( JUNALD), na Argentina, que
pensaram o problema da seca, da ausência de água, das migrações, do
desemprego e aplicaram políticas públicas nessas áreas.
A seca, fio condutor de todo o trabalho, aparece como problema/fenômeno
climático, espaço rural, sinônimo de semiárido, e como fator social e político,
sinônimo de perturbações, pobreza, miséria, êxodo, ausência de água,
ausência de progresso, atraso, barbárie. O caminho percorrido permite
destacar questões que norteiam todos os discursos analisados: a natureza vista
como problema e causadora de todos esses males; a questão dos êxodos e das
migrações como destino e sina; a necessidade de controle dessas populações e
dos seus territórios para evitar a fome, o desemprego e a miséria; a seca ou a
ausência de água como fatores de desqualificação social dessas regiões.
Entre as contribuições mais relevantes do trabalho estão a desconstrução
cuidadosa e bem-sucedida de estigmas e preconceitos, como a ideia de
natureza hostil, e a desnaturalização das possíveis consequências advindas das
condições geográficas e climáticas, como a pobreza, as migrações, a miséria, o
atraso, como legitimadoras das relações estabelecidas e do status quo vigentes
nesses territórios.
Como nos sugere a própria autora, este livro é um convite para percorrer a
“América seca” e sair caminhando pela “cintura cósmica do sul”, como na
famosa música Canción con todos, de Armando Tejada y César Isella,
imortalizada na bela voz de Mercedes Sosa. Sua leitura nos possibilita
compreender com mais clareza o papel que certas narrativas adquirem nos
percursos históricos de uma nação, de suas populações e como estas se
transformam em ações efetivas de intervenção e em modos estigmatizados de
ver essas sociedades. Só assim podemos desnaturalizar, desconstruir,
questionar, resistir e construir novas histórias.
M E N S
Professora de História da América da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)
I
“Salgo a caminar por la cintura
cósmica del sur…”
[...] y se deja investir por la lengua, acariciar por la lengua,
vestir por la lengua, esa madre que como
una gran osa lame a sus oseznos y los echa al mundo.
(Narrar después, Tunana Mercado)1

A palavra escrita, a palavra falada, a linguagem, sempre me impulsionaram a


caminhos vários. A forma como se escreve e se usa uma certa narrativa, em
um dado contexto histórico, pode nos convidar a entender o uso da palavra, o
porquê de certas escolhas enunciativas na disposição de um texto, na fala de
um escritor, na escrita de um periódico ou mesmo de um in amado discurso
político que deseja trazer a palavra em suas pautas reivindicatórias.
Como diz Tununa Mercado, na epígrafe que abre este pensamento inicial, a
língua é como aquela mãe que, como uma grande ursa, lambe seus filhotes e
os joga no mundo. A linguagem, para mim, é o apontamento, a linha da trama
que tece este livro. Ao me “vestir da língua”, como descreve Tununa, ao
pensar o seu ato de escrever, eu me encorajo a fazer uma re exão sobre o
papel da linguagem, das narrativas, em torno das áreas acometidas pela seca
no Brasil e na Argentina dos anos 1930. A palavra escrita, para mim, faz-se no
desvendar da própria história com o uso e o abuso da criação de uma ideia que
se pode ter sobre um dado espaço, uma dada região ou mesmo sobre suas
populações.
A seca, como uma questão não só climática, mas como uma demanda que se
gesta também como um fator político e social, pode nos fazer re etir como
foram descritas e representadas regiões como o Ceará e Santiago del Estero ao
longo de diversos contextos. No estado limite de uma crise climática, pode-se
evidenciar o uso de certos tipos de discurso e como eles revelam percepções e
visões do mundo social. A narrativa em torno da estiagem põe em evidência
questões que estão para além da geografia semiárida ou do clima; ela traz para
o cerne da sociedade debates que devem problematizar certas relativizações
que culpam, principalmente, a natureza pela desigualdade social que faz parte
da história desses lugares.
Este é o cerne deste livro: o desejo de mostrar ao leitor, por meio de fontes
históricas, como se narraram as secas do Ceará e de Santiago del Estero e
como isso gerou significações, simbologias, estereótipos, e visões sobre esses
espaços. A imprensa, a literatura, políticos e intelectuais escreveram, usaram a
palavra, a linguagem, para deixar em evidência como viviam os sertões
cearenses e o chaco santiagueño, e tais escolhas narrativas também nos
ajudam a entender a própria história do Brasil e da Argentina, os campos de
força, as lutas e as disputas em torno do território. Por isso, considerou-se
abarcar como esses territórios se constituíram e como as questões sociais e
políticas em torno principalmente da terra e da água, do clima e da própria
seca fizeram parte dos contextos históricos que atravessaram essas regiões ao
longo do tempo.
Como nos tem convidado Durval Muniz de Albuquerque Júnior “não existe
evento humano e humanizado que não passe pelo conceito, pelo significado,
pela significação.”2 No entanto, como o autor explica, e é o que desejo deixar
claro neste livro, “não podemos achar que só existe a linguagem, pois todo dia
esbarramos em coisas que nos machucam o pé, que existem
independentemente do conceito que as atribuímos.”3 Nesse sentido, “a
ingenuidade de pensar que a linguagem apenas espelha o objeto da
experiência, que pode ser uma instância transparente a dizer as coisas como
realmente são, começa a ser questionada pelas re exões que se dão em torno
do papel da linguagem.”4 Isso significa que devemos desnaturalizar objetos e
sujeitos, que passam a ser pensados “como fabricação histórica, como fruto de
práticas discursivas ou não, que os instituem, recortam-nos, nomeiam-nos,
classificam-nos, dão-nos a ver a dizer.”5
Fruto das re exões de uma tese de doutorado, este livro fez parte de uma
pesquisa de quatro anos em que estive entre Brasil e Argentina em meio a
arquivos, bibliotecas e viagens, aeroportos, encontros e diálogos. Após
passado todo o itinerário que resultou na tese, outras re exões já me tomam e
me instigam a continuar. A ideia deste trabalho é ser um caminho a se trilhar,
um começo ainda inacabado, que una as histórias do Nordeste brasileiro e do
Noroeste argentino e que possa despertar outras investigações, em um anseio
de unir os semiáridos da América Latina. É, por conseguinte, uma tentativa de
percorrer pela América “seca”, “pela cintura cósmica do sul”, como nos fala a
letra da canção de Armando Tejada y César Isella, imortalizada na voz de
Mercedes Sosa, que abre esta introdução.
Na historiografia, tem se buscado, ao longo do tempo, constituir os elos que
unem o Brasil e a Argentina, mas, em suma, a maioria deles está voltada às
aproximações do Pampa, de Buenos Aires, com realidades brasileiras ou
fronteiriças do sul. Aqui, inverto a mirada e tento pensar outra possibilidade
que pudesse unir nossas trajetórias americanas. Os “nortes” desses países têm
similaridades que podem elucidar como o Brasil e a Argentina se encontram
comumente em certas narrativas, discursos e modos de ver e pensar essa parte
dos seus territórios. Em contrapartida, não proponho qualquer generalização
que possa minimizar as particularidades de ambas as regiões, principalmente
em relação à Santiago del Estero que se irá, por vezes, além da parte
estritamente semiárida. As diferenças são também uma forma de
compreensão do todo e de como a partir delas conseguimos analisar o comum
a ambos os casos.
No que se refere ao tema principal que envolveu este livro, as secas que
acometeram o Ceará e Santiago del Estero na década de 1930, ele não surge de
maneira despropositada; pelo contrário, ele faz parte de uma re exão pessoal,
como nordestina que sou e que teve a seca no imaginário do cotidiano da
infância em Recife, Pernambuco. A partir disso, na qualidade de pesquisadora,
busquei entender o lugar em que se encontravam as regiões acometidas por
fortes estiagens no pensamento nacional. Ao longo do tempo, tenho avançado
no sentido de ir além de certos temas e discursos que envolvem o que é o
“Nordeste” e, a partir daí, procurei (e procuro) entender onde se encontram os
sertões do Nordeste em meio à narrativa brasileira em uma perspectiva
histórica.
É dessa forma, a partir do que venho re etindo sobre os sertões semiáridos
do Ceará, que essa investigação se projeta para a Argentina e para Santiago del
Estero. Gosto de enfatizar o lugar de onde parto como investigadora, porque é
dele que o meu olhar em relação ao Noroeste argentino se fez e se faz na
atualidade. Certamente, um historiador ou uma historiadora argentina faria
outras perguntas, outras indagações, sobre os problemas que atravessam o
Brasil e a Argentina. Por isso, é importante que isso fique claro. A partir deste
olhar, muitas das hipóteses que me atravessaram nem sempre foram
encontradas nas fontes que utilizei para o Ceará e para Santiago del Estero, e
os caminhos se lapidaram de acordo com a documentação estudada e o que
elas me deram de possibilidade de análise e re exão comparada. Novamente,
por isso, a importância das particularidades existentes a cada realidade de
ambas as regiões, pois elas sinalizam as diferenças e projetam os pontos de
similitude.

Por que pensar a América Latina6?


É válido destacar porque utilizo América Latina neste livro e a razão de me
valer deste termo como espaço de re exão para o Brasil e a Argentina. Nesta
introdução, trago este debate de maneira sumária, deixando claro que há uma
ampla discussão que se dá na historiografia para o uso do termo e que não
coube aqui estendê-lo para além de uma amostra introdutória sobre o tema.
Leslie Bethell explica que o conceito de “América Latina” teria vindo de
“Amérique latine” que era “utilizado pelos intelectuais franceses para justificar o
imperialismo francês no México sob domínio de Napoleão III”7. Além disso, os
próprios franceses “argumentavam que existia uma afinidade cultural e
linguística, uma unidade entre os povos ‘latinos’, e que a França seria sua
inspiração e líder natural”8. Segundo o autor, muitos foram os intelectuais
hispano-americanos que utilizaram “América Latina” em suas falas.
Apesar “da fragmentação da América Espanhola em dez repúblicas no
momento de suas independências [...] esses políticos, intelectuais e escritores,
nos anos 1850 e 1860, mantinham a ideia (anteriormente propagada não só
por Simón Bolívar, mas mais notavelmente por Andrés Bello) de que existe
uma consciência e identidade hispanoamericana/latinoamericana comum que
superava os ‘nacionalismos’ locais e regionais”9. Além disso, eles ainda tinham
um inimigo comum, os Estados Unidos. No entanto, nos anos 1860 a França e
a Espanha se unem aos EUA como “inimigas da ‘América Latina’” devido aos
vários acontecimentos que se deram desde a intervenção francesa no México
em 1861, até uma breve guerra entre Espanha e Chile. Esses episódios, entre
outros, fizeram com que, de acordo com Bethell, alguns se considerassem
América Espanhola, Hispanoamérica, ou América del Sur, mais do que
“América Latina”. Ou seja, “para eles ‘latinidad’ representava o
conservadorismo, antiliberalismo, antirrepublicanismo, catolicismo e, não
menos importante, ligações com a Europa Latina, que inclui a França e a
Espanha”10.
Na Argentina, a “Geração de 1837”, do pós-independência, da qual podemos
destacar, particularmente para este trabalho, Juan Baustista Alberdi e
Domingo Faustino Sarmiento, “considerava a Argentina, e principalmente
Buenos Aires, a manifestação da civilização europeia num ambiente hispano-
americano predominante bárbaro. Eram in uenciados pelas ideias dos
ingleses, franceses e norte-americanos”11.
No caso brasileiro, para Bethell o mais importante é atentar-se ao fato de
que nenhum político, intelectual ou escritor, quando utilizava o conceito de
América Latina, considerava o Brasil como parte dele. Logo, essa a diferença
ainda é mais evidente para o Brasil, principalmente após sua independência,
porque manteve-se vinculado à Coroa Portuguesa. Depois, “após a
instabilidade dos anos 1830, o Brasil se encontrava politicamente estável e
‘civilizado’, ao contrário das repúblicas hispano-americanas, que os brasileiros
consideravam violentas, extremamente instáveis e ‘bárbaras’”12. O país não se
considerava “América Latina”; identificava-se mais com a Europa,
especificamente com a França. Só quando os Estados Unidos, no pós-guerra e
no início da Guerra Fria, incluíram o Brasil na América Latina essa ideia
mudou: nesse contexto, a “América Latina como um todo era vista não só
como diferente dos Estados Unidos, mas também como uma região
problemática, e fazia parte do então chamado ‘Terceiro Mundo’ – econômica,
social e culturalmente atrasado, politicamente violento e instável”13.
João Feres Júnior e Maria Elisa de Sá nos convidam a re etir como se deu o
uso do conceito América, no que eles chamam de seus vários significados
básicos. Primeiro, eles apontam o significado geográfico, que igualava a
América ao Novo Mundo. Ao mesmo tempo, havia um segundo, que se unia
ao primeiro, e considerava como América “as possessões coloniais das
metrópoles europeias”14. No terceiro, ela era vista “como fonte de abundância
e promessa de um futuro mais próspero”15. No quarto, atrelava-se a um lugar
de liberdade, associada, por vezes, “aos conceitos de república, federalismo e
democracia”16. No quinto caso, havia uma atribuição negativa, ou seja,
“América como continente imaturo ou degenerado, terra de animais pequenos
e de homens primitivos e ferozes, de clima insalubre”17. Por fim, o sexto e
último significado entendia a América como o “avesso à civilidade da Europa,
escravidão, instabilidade política, violência e facciosismo, muitas vezes
também associados negativamente à república, federalismo e democracia”18.
Para os autores, apesar das diferentes variáveis semânticas desse conceito, “a
terminologia geográfica, a despeito de sua aparente neutralidade valorativa,
pode conter julgamentos morais fortes e ser usada como ferramenta de
controle social e/ou justificação para ações de política internacional”19.
Por isso, Feres Júnior e Maria Elisa de Sá analisam que desde o dicionário da
língua portuguesa composto pelo Padre D. Raphael Bluteau, publicado em
1728, em que já aparecia o verbete “América”, apresentando nele um
significado geográfico “associado àquele de pertencimento colonial”20, até os
Sermões do Padre Antonio Vieira já se citava o termo América. Nos Sermões, o
seu uso relacionava-se às possessões portuguesas, onde encontravam-se suas
colônias e era o lugar onde os portugueses lidavam com problemas como
“con ito com outras potências europeias, exploração colonial, controle do
território e dos mares, do tráfico, administração colonial e dos povos ali
residentes etc.”21.
Outro fator importante é que o termo América “também era utilizado no
período em expressões compostas, tais como América portuguesa, espanhola,
meridional e setentrional”22. Os autores destacam que é fundamental entender
a carga semântica desse conceito considerando, principalmente, duas
perspectivas que são marcadamente europeias: uma que diz respeito a uma
América de abundância e promessa de prosperidade e outra de “imaturidade,
insalubridade e, portanto, incapacidade para a vida civilizada”23.
Feres Júnior e Sá destacam que, no caso brasileiro, com a Conjuração
Mineira (1789), o termo América muda para um conteúdo político novo. Ele é
usado relacionando-se aos conceitos “de república, liberdade, revolução e
sedição e identificado ao projeto político dos conjurados”24. Os autores
também descrevem que nos Autos da Devassa há uma citação a uma carta de
José Joaquim Maia em que ele relaciona a América em oposição à Europa, “e
os Estados Unidos são tomados como exemplo a ser seguido”25. Os autores
analisam que, por mais que esses debates tenham existido, eram marginais na
colônia, e foi somente com a emancipação e a construção do Estado nacional
no século XIX, entre 1810 e o triunfo do regresso conservador em 1840, “que o
termo América passa a ser empregado com mais frequência [...] Além do
termo América, a distinção entre América do Norte, ou setentrional, referida
aos Estados Unidos, e a ‘outra’ América, chamada de América do Sul,
meridional ou espanhola, também é de uso corrente”26.
Vale pensar também como a América hispânica podia “assumir significados
diversos e, não raro, antagônicos”27. Pensando pela ótica do Brasil, a Corte
Portuguesa, como império que era, via essa América hispânica referida “à
república, à barbárie, à anarquia e à fragmentação política”28; logo, com uma
conotação negativa. Mas nas províncias que desejavam projetos diferentes da
Coroa, como Pernambuco, por exemplo, “a América aparece com um
significado positivo, identificado à república, ao federalismo, à liberdade”29.
Nesse sentido, é importante re etir a complexidade do termo América. Ele
podia ser entendido “entre a associação negativa ao exemplo de anarquia,
desordem e instabilidade política das repúblicas hispano-americanas”30, ou
como, em parte do século XIX, no qual “a associação da América com valor da
liberdade tornou-se comum [...] ao mesmo tempo que a depreciação das
experiências políticas das novas repúblicas da América espanhola rapidamente
se converteu em tropo retórico daqueles que não desejavam o governo
republicano no Brasil”31.
Voltemos à América Latina e podemos re etir como o conceito de América
existiu e se consolidou mais amplamente com uma conotação negativa para
pensar esses trópicos. Walter Mignolo faz algumas perguntas nesse sentido
para entendermos o surgimento desses diversos olhares pejorativos sobre a
América:

A ideia de hemisfério ocidental (que é mencionada cartograficamente pela primeira vez apenas
no final do século XVIII) estabelece já uma posição ambígua. A América é a diferença, mas, ao
mesmo tempo, é a mesmidade. É outro hemisfério, mas é ocidental. É diferente da Europa
(que por certo não é o Oriente), mas está ligada a ela. É diferente, no entanto, da África e da
Ásia, continentes e culturas que não formam parte da definição de hemisfério ocidental. No
entanto, quem define tal hemisfério? Para quem é importante e necessário definir um lugar de
pertencimento e de diferença? 32

É justamente por isso que me vali desse conceito de América Latina aqui
exposto, ou mesmo podemos pensar nesta ideia de “hemisfério ocidental”,
que, ao mesmo tempo, é diferente da Europa, mas é ligada a ela, como explica
Mignolo, para pensarmos o Brasil e a Argentina. Em que pesem as diferenças e
as mudanças ocorridas na própria concepção de América Latina ao longo dos
séculos XX e XXI, considera-se tratar o caso brasileiro e argentino a partir
dessa ideia expressa primeiramente pelos europeus e depois e,
principalmente, pelos norte-americanos. O “atraso”, a “incivilidade”, a
“instabilidade” dos latino-americanos são chave de entendimento dos
discursos que se consolidaram sobre países como o Brasil e a Argentina; logo,
sobre a América Latina. Mignolo afirma, nesse aspecto, que:

[…] o Ocidente é a nova designação, depois do fim da Guerra Fria, do “primeiro mundo”; o


lugar da enunciação que produziu e produz a diferença imperial e a diferença colonial, os dois
eixos sobre os quais giram a produção e reprodução do mundo moderno/colonial […] O fato é
que a América Latina é hoje, na ordem mundial, produto da diferença colonial originária e de
sua rearticulação sobre a diferença imperial que se gesta a partir do século XVII na Europa do
Norte e se restitui na emergência de um país neo-colonial como os Estados Unidos33.

É fundamental entender, portanto, que esse conceito é datado. Assim, ao


pensar em América Latina, deve-se analisar “o posicionamento político em
relação à língua”34, ou seja, o próprio uso desse termo deve ser analisado como
um certo tipo de propagação de representações.
O conceito Latin America, amplamente usado no inglês, como explica João
Feres Júnior, “tem sido de fato um instrumento de representação distorcida
daqueles que os americanos percebem como Latin Americans, e
consequentemente, um meio que contribui para o tratamento assaz desigual
historicamente dispensado a essa gente”35. Para o autor, esse conceito “tem
sido definido no inglês americano, tanto na linguagem comum quanto nos
textos especializados, como o oposto de uma auto-imagem glorificada de
America”36. Ou seja, há uma percepção entre o Eu coletivo americano e o
Outro que é o latino-americano, e os discursos em relação à América Latina,
desse modo, dão-se dentro desse espectro. Por isso, de acordo com Feres
Júnior, apesar de possuir sociedades totalmente diversas, as populações que
levam o rótulo de Latin America “são, do ponto de vista americano,
igualmente, Latin American: um negro brasileiro é um Latin American tal como
um índio guarani do Paraguai ou um argentino de descendência judaica37.
Assim, “os americanos outorgam-se o direito de escolher sua identidade
hifenizada, enquanto os outros, aqueles que vivem abaixo do Rio Grande,
recebem o rótulo indelével de latinos (Latins)”38.
Ao mesmo tempo que Latin America denota localização e vocabulário
geográfico, ele deve ser entendido dentro do seu campo semântico, como
analisa Feres Júnior. O autor explica, por exemplo, que nos verbetes de Oxford
English Dictionary (OED), na entrada Latin, há uma definição específica que
refere-se à características culturais. Nela, há termos que denotam
“‘temperamento’, ‘comportamento’, e até ‘língua’”39 associados a discursos
racistas. Logo, o caráter latino, indicado nesta definição, é dotado de
conotações negativas. Havia adjetivos que associavam esse latino a
comportamentos irracionais, alheios ao controle da razão, como ressalta o
autor.
Nesse sentido, para Feres Júnior, “definir Latin America em inglês, dar
significado a essa expressão, requer isolar, identificar e avaliar um Outro
grupo humano, o que, afinal de contas, é a tarefa precípua dos Latin American
Studies”40. O autor entende que “a questão do significado moral da definição de
um Outro como mera negação da auto-imagem de um Eu coletivo deve
preceder a própria análise histórica do caso em questão”41. De acordo com o
autor, entender a composição linguística do discurso em torno dessa Latin
America nos EUA, leva a entender “a negação do reconhecimento”42, ou do que
ele chama de “desrespeito que serve como instrumento para análise de
qualquer modalidade discursiva concernente à identificação de grupos
humanos”43. Feres Júnior aponta, ainda, como isso gera consequências ético-
morais.
Outro ponto importante dentro da complexidade dessa temática, é que
tanto na América Latina, em espanhol, como na Amérique Latine, em francês,
“o termo em questão constituiu o centro de ideologias diretamente ligadas a
projetos políticos imperialistas.”44 Como já apontado “a versão espanhola
serviu, pelo menos no plano do discurso, de bandeira contra a expansão
imperialista americana, enquanto na França a expressão simbolizava as
pretensões imperialistas do Estado monárquico francês restaurado”45.
Pode-se citar também aquilo que Feres Júnior explica para o caso mexicano.
O autor diz que durante a Guerra Mexicana, em fins do século XIX, a questão
da raça tornou-se “o principal instrumento retórico para se afirmar a
inferioridade dos mexicanos e dos espano-americanos em geral”46. Nesse
sentido, “enquanto o Eu coletivo identifica-se como branco, projeta sobre o
Outro uma categoria genérica e abrangente de não-branco, exprimida através
de uma diversidade de categorias raciais: mestiços, índios, espanhóis, negros,
etc.”47.
Por isso, também, um discurso racista para pensar os mexicanos se estendeu
a toda a América Espanhola. Nesse contexto, existia uma vertente que se
referia à América Latina dessa forma: havia uma “raça anglófona e teutônica
superior contrastada com todas aquelas que não pertencem a ela”48; existia
uma “identificação do Outro como bárbaro e selvagem – termos que sugerem
ser a raça superior também o bastião da civilização”49; e, por fim, “o Outro é
caracterizado como selvagem ou senil, isto é, como imaturo ou decrépito”50.
Aqui, o “selvagem”, de acordo com Feres Júnior, pode ser entendido como
incivilizado ou primitivo.
Nesse aspecto, valeu-se desse conceito para pensar o Brasil e a Argentina; no
entanto, é necessário destacar que nenhuma das fontes aqui analisadas
utilizaram esse termo. Por isso, não se trata de entendê-lo a partir das fontes,
mesmo porque, quando encontrou-se alguma referência à América, ela estava
atrelada à imagem de América do Sul. Uso América Latina justamente porque
entendo que esse termo é atravessado por diversas estigmatizações sobre o ser
latino-americano que estão subentendidas e confundidas nos discursos que
serão aqui analisados. Logo, América Latina foi apropriada neste livro como
maneira de abarcar essa ideia do Outro que é visto como inferior diante da
Europa e dos EUA. Também considero usá-lo de maneira a pensar o Brasil e a
Argentina de forma positivada. Logo, esses países, como latino-americanos
que são, devem ser entendidos dentro das suas particularidades e riquezas
culturais, e não em uma relação dicotômica e de oposição a qualquer modelo
de sociedade que se difere das suas.
Assim, deixo claro que, no período proposto neste trabalho, o termo não
estava consolidado. América Latina será utilizada pensando o hoje para
re etir questões de longa duração na região. Nesse sentido, “percebe-se que o
termo ‘América Latina’ ainda é muito difundido e conhecido mundialmente,
além de possuir grande significado simbólico. Não é fácil, portanto, abandonar
ou simplesmente ignorar o peso da América Latina no cenário internacional,
mesmo que escolhas estratégicas de política externa priorizem o espaço sul-
americano de integração”51.
Quando pensamos em América Latina, na sua formação histórica,
re etimos sobre como a todo momento necessitava-se buscar um modelo de
sociedade que não necessariamente se encaixava na realidade latino-
americana, ou seja, se reproduzia o que Mignolo chama de mundo
moderno/colonial. Primeiro, olhou-se para a Europa, como o ideal de
civilização e de progresso a serem alcançados. Depois, ocorreu o mesmo em
relação aos Estados Unidos, como já apontado.
Mignolo explica que “a configuração da modernidade na Europa e da
colonialidade no resto do mundo (com exceções, por certo, como é o caso da
Irlanda), foi a imagem hegemônica sustentada na colonialidade do poder que
torna difícil pensar que não pode haver modernidade sem colonialidade; que a
colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivativa”52. Isso significa
pensarmos o Brasil e a Argentina, desse modo, definindo o lugar dessa
colonialidade que é constitutiva, como mesmo coloca Mignolo, da
modernidade.
Deve-se ponderar, neste aspecto, como o mal do “Terceiro Mundo” e a
herança de uma “ferida colonial” constituíram a história brasileira e a
argentina, bem como fizeram parte da formação latino-americana, segundo
aponta Facundo Giuliano53. O autor analisa que existiu uma contemplação de
uma “transmissão” que a Europa realizou a praticamente todos demais
“conjuntos étnicos”54. Assim, a Europa impusera sua herança em nome do
progresso, do desenvolvimento e da modernidade, “esta última claramente
pensada, como puede notarse, sin su otra cara: la colonialidad”55. Trata-se de pensar
ou mesmo “ampliar los lugares de enunciación para no caer, entre otras cosas, presos
del legado europeo con sus pretensiones universalistas”56.
É importante re etir que o binômio inferioridade/superioridade, que
permeia o olhar de países latino-americanos em torno desses países
imperialistas, é parte também das suas construções internas/locais. Isso
perpassa a visão que eles têm sobre seus próprios territórios e suas
populações. Política, cultura, economia estavam pautadas na ideia de que era
preciso avançar rumo à civilização e ao progresso europeus ou norte-
americanos. Por isso, é fundamental pensar áreas rurais como as dos
semiáridos cearenses e santiagueños a partir dessa busca pelo progresso.
É válido entender, nesse aspecto, que a América foi um “grande laboratório”
de um novo vocabulário que se constituía após seu processo de interação com
a Europa. Tudo isso permitiu que os europeus categorizassem as diferenças, as
identificassem, classificassem e propusessem formas de lidar com elas57. Mais
ainda, “do convívio entre europeus, indígenas e, quase imediatamente,
africanos surgiu uma infinidade de categorias conceituais novas que
pretendiam gerar um conhecimento efetivo sobre a alteridade e controlar (por
vezes frear) o infreável processo de mistura-biológica, social, cultural, afetiva
[...]”58. A partir daí, surgem as categorias “sociobiológicas”, como na América
Espanhola os “mestizos”, “castizos”, “toma atrás”, e, no Brasil, os “cabras”,
“pardos” e “mulatos”59. No século XIX, essa diferença se consolida com o
conceito de raça, já empregado no século XVII, mas que, no entanto, ganha no
ambiente intelectual europeu oitocentista “novas teorias que combinavam
antropologia, fisiologia, evolucionismo, métodos antropométricos e uma boa
dose de racismo”60.
Para a América Latina, “a mistura era explícita, e restava lidar com esse fato
– defendendo-se o retorno de um tipo racial puro, no caso dos teóricos da
eugenia – ou alegando-se a construção de uma raça mestiça que promoveria a
unidade nacional, no caso de certos grupos nacionalistas, por exemplo”61.
Foi também na segunda metade do século XIX e na primeira metade do
século XX houve um grande debate sobre o tema racial. Havia argumentos do
racismo científico que eram apropriados por uma intelectualidade que
desejava integrar-se no patamar de civilização e progresso, e outros que
questionavam essa noção do caráter biológico das raças. Seguiu-se, então, nos
anos 1930, um desgaste da categoria racial, “um progressivo descrédito do
conceito de raça”62, porque foram surgindo “novas concepções pautadas nas
ideias de cultura e de etnicidade. Esse processo se acentuou nos anos 1940 e
1950 [...] com as denúncias dos horrores do Holocausto”63. Nesse sentido, raça
deve ser pensada “enquanto conceito, dotado de força política e alvo de
disputas identitárias, ressignificado constantemente em diversos momentos e
lugares”64.
Mesmo que o tema racial não seja o enfoque deste livro, é essencial reiterar
que essa questão esteve na raiz de diversos debates sobre o Brasil e a
Argentina. Por conseguinte, suas populações, ao longo dos discursos que
foram analisados aqui, muitas vezes, foram vistas pelo olhar do
“estranhamento” que significava também que políticos, intelectuais e
escritores as viam por essa combinação de teorias evolucionistas, biológicas,
que as entendiam sob o prisma superioridade/inferioridade. O conceito de
raça atravessa a história da América Latina, e de seus problemas mais
localizados. Por isso, não me furto em compreender que essa questão se faz e
refaz também em áreas como o Ceará e Santiago del Estero.

Ceará e Santiago del Estero: tecendo os os que entrelaçam


suas histórias
[…] Eu era a Terra livre,
eu era a Água limpa,
eu era o Vento puro,
fecundos de abundância,
repletos de cantigas.
e nós te dividimos
em regras e em fronteiras.
a golpes de ganância
retalhamos a Terra,
invadimos as roças
invadimos as tabas,
invadimos o homem.
Eu fazia um caminho a cada vez que passava.
era a Terra o caminho
o caminho era o homem.
Martin Coplas/ Pedro Casaldáliga / Pedro Tierra65

Ceará, estado do Nordeste brasileiro, Santiago del Estero, província


localizada no Noroeste argentino, ambos longe de estarem próximos no mapa
da América Latina encarnam na trajetória de suas regiões a geografia
semiárida. Mais do que semelhanças com esse aspecto, visto que também há
diferenças geográficas nesse sentido, a seca permeia a história desses
territórios, e ela é o fio condutor deste trabalho.
A pergunta central que se faz, nesse aspecto é: como regiões que
aparentemente não se comunicam no mapa do mundo têm caminhos
semelhantes e que as unem por meio de uma seca? Como um problema
climático traz consigo questões sociais, econômicas, simbólicas e culturais que
podem revelar a própria dinâmica de um país? Para isso, irei além da questão
climática em si. Não se estudará o fenômeno nesse sentido, pelo contrário,
buscar-se-á entender como os discursos em torno das secas do Ceará e de
Santiago del Estero acabaram por mostrar como o Brasil e a Argentina se
entendiam como “nação”. Daí o espaço rural funcionar como ator principal
desse enredo. A análise discursiva é o que me interessa em particular.
Aziz Ab’Sáber66 explica que existem, na América do Sul, três grandes
extensões semiáridas: Guajira, na Venezuela e na Colômbia; a diagonal seca
do Cone Sul, Argentina, Chile e Equador; e o Nordeste seco do Brasil, com as
caatingas. Há também, segundo Joaquim Alves67, países que podem ser
atingidos por seca como: Índia, Austrália, Argélia, podendo ainda haver
estiagens nos Estados Unidos e México. Por isso, as secas não são fenômenos
locais, e sim perturbações que ocorrem em nível global, com consequências e
dimensões diversas em cada país ou região em que o fenômeno ocorre.
De acordo com Emilio Pontes, “o semiárido relaciona-se ao clima das
regiões com pluviosidades médias anuais entre 250 e 800 mm [...] São biomas
típicos do semiárido as estepes asiáticas, o outback australiano, o bosque
chaqueño argentino e a caatinga nordestina”68. Além disso, Pontes mostra que
“a caatinga tem distribuição geográfica restrita ao Brasil, com uma área de
844.453 km² (10% do país). Etimologicamente significa ‘mata branca’ pois a
vegetação fica com esse aspecto durante o período seco, perdendo as folhas
para minorar os efeitos da evapotranspiração [...] Floristicamente tem espécies
comuns ou semelhantes encontradas no chaco argentino.”69
Ao se pensar não somente na questão geográfica, mas sobretudo no papel
dos discursos, é que me deparei com a possibilidade, então, dessa análise
comparada. Boris Fausto e Francisco Devoto ressaltam as potencialidades do
estudo comparativo entre Brasil e Argentina, principalmente por se “tratarem
de sociedades próximas no espaço, cujos processos históricos se desenvolvem
no mesmo quadro temporal [...] apesar da disparidade de dimensões
territoriais”70. Por isso, considerou-se dar ênfase na busca de uma experiência
comum entre essas regiões atingidas pela seca. É de grande valia aquilo que os
autores chamam de uma dimensão regional de análise comparada como “um
bom instrumento para indagar perspectivas que podem ser comuns [...]
buscando-se áreas de coerência em que existam aspectos sociais ou
econômicos semelhantes”71.
Na década de 1930, o Ceará novamente foi assolado por uma seca que durou
três anos. De 1930 a 1933, no estado, esperava-se que as chuvas caíssem.
Santiago del Estero, no mesmo período, desde 1935, também sofria pela
ausência de chuvas. Até 1937, o ano em que a seca se tornou alarmante, a falta
de água na região preocupava a população local. O Brasil criava expectativas
com a Revolução de 1930 e com a entrada de Getúlio Vargas no poder. A
Argentina, passava pela chamada “década infame”. As expectativas não eram
muitas e quem assumia o poder era Agustín P. Justo (1932-1938) e a classe
oligárquica. A América Latina, como um todo, buscava soluções para a crise
de 1929 que havia atingido os EUA. O desemprego era pauta em muitos
países. A regulação dos preços dos produtos de primeira necessidade também.
Convocou-se o ambiente rural para encontrar soluções para crise. Ao mesmo
tempo, via-se, no espaço urbano, o investimento para o progresso e para o
futuro. Sérgio Miceli ressalta, nesse aspecto:

A crise de 1929, a debacle econômica, a derrubada dos governos constitucionais em 1930, o


protagonismo emergente dos escalões intermediários das forças armadas, o rearmamento
institucional da Igreja, as mudanças na composição da classe trabalhadora e no comando do
movimento sindical, o peso crescente do empresariado industrial, eis, na história desses países,
alguns ingredientes comuns que lastrearam o regime político híbrido, vigente ao longo dos
anos 1930 até o final da Segunda Guerra Mundial. Tais mudanças adquiriram feição própria em
cada sociedade e, ao cabo, moldaram as condições de existência da intelectualidade e os rumos
da redemocratização no pós-guerra72.

Em ambas as tramas, as regiões semiáridas e suas secas fizeram parte desses


contextos analisados por Miceli. Ainda se falava em compor uma unidade
nacional nesse período. Buscavam-se entender o que era o “verdadeiro” Brasil
e a “verdadeira” Argentina. Questionavam-se as raízes dessas “nações”, o
papel dos imigrantes e até mesmo de regiões, como o Ceará e Santiago del
Estero.
O Nordeste brasileiro e o Noroeste argentino, os “nortes” desses países,
compunham uma história que ora se conjugava com as capitais do Rio de
Janeiro e de Buenos Aires, respectivamente, ora estava afastada delas. Por
isso, entende-se que essas regiões fazem parte do campo de disputa, de
controle e de “organização” desses países. Dominar regiões também
significava controlar suas populações, determinar regras, explorar seus
recursos. E isso não se deu só pela via política, econômica, mas também
simbólica. O domínio dos espaços semiáridos do Ceará e de Santiago del
Estero é parte constitutiva de suas histórias.
A construção de diversos tipos de discursos em torno dessas áreas é
fundamental para o entendimento do lugar que elas ainda ocupam atualmente
em seus países. Logo, esta não é uma história que reside no passado distante,
mas faz parte do que hoje ainda se entende, em certos aspectos, sobre essas
áreas, suas populações, seus costumes e suas formas de vida. Isso implica que
se compreenda os processos que formaram essas regiões e porque ainda
vivem sob o estigma da ausência de água, da pobreza, do êxodo.
Constantemente, ainda são evocadas para pensar o “passado”, por vezes,
como se vivessem longe da “modernidade” e “do progresso”. A seca mostra
como isso se deu. Os intelectuais, a imprensa, políticos de matizes diversas,
tiveram, em suas falas, o tema da seca e dos semiáridos, ou mesmo dos seus
estados e províncias.
Assim, Ceará e Santiago del Estero os aproximam no espaço-tempo. Tanto
como regiões semiáridas que são, quanto como na década de 1930, Brasil e a
Argentina debatiam suas identidades nacionais. O Nordeste brasileiro e o
Noroeste argentino não vão ficar de fora dessa questão. Suas fronteiras foram
evocadas para “se fazerem” pertencentes ao todo nacional em diversos
momentos das suas trajetórias. Isso se deu em um âmbito muito maior de um
conjunto de símbolos e discursos que faziam parte da própria narrativa
identitária do que se entendeu por América Latina. Perpassa, por conseguinte,
o entendimento de pontos cruciais na formação do Brasil e da Argentina que
fizeram parte da construção de representações de áreas como o Ceará e
Santiago del Estero e formaram ideias e visões sobre esses lugares.
Por isso, atentar-me-ei a uma história localizada como a cearense e a
santiagueña para entender como teorias que eram concebidas na esfera macro
se impuseram na esfera local. Busco entender que a América Latina é
também, por si só, uma construção narrativa concebida a partir de um modelo
ocidental de sociedade. A todo momento, essa questão aparece e pensamos,
principalmente, como isso foi parte constitutiva da formação do Brasil e da
Argentina também no contexto de 1930.
Voltamos à História Comparada, nesse sentido. Segundo José D’Assunção
Barros, ao nos depararmos com ela devemos pensar: O que observar? Como
observar? Por que comparar? E o que se espera com essa comparação? Dentro
dessa perspectiva, o autor ressalta que devemos iluminar um objeto ou
situação a partir de outro mais conhecido, fazer analogias, identificar
semelhanças e diferenças entre essas duas realidades73. Barros explica, então,
como Marc Bloch usou a História Comparada para realidades próximas,
vizinhas, que tinham ambas um imaginário comum, com repertórios de
representações similares, com um mesmo problema comum que as
atravessava74.
Desse modo, pôde-se debruçar sobre a análise das fontes brasileiras e
argentinas e sobre os discursos em torno dos semiáridos. Considera-se,
precisamente, utilizar o modelo de História Comparada que Barros chama de
História Comparada Problema. Ele compara esse método com a imagem de
dois triângulos articulados, mas cada um em seu próprio plano, os quais
apresentam um vértice comum, que corresponde ao espaço temporal, e um
segundo vértice comum, que é o problema75. Tem-se o espaço temporal, que é
a década de 1930, e tem-se o problema comum, que é imagem que esses dois
países criaram naquele contexto sobre as regiões semiáridas. Nesse aspecto,
Barros ainda apresenta as possibilidades existentes na comparação entre o
Brasil e a Argentina, assim como Marc Bloch fez com Inglaterra e França.
Brasil e Argentina são próximos no espaço e no tempo, e apresentam
estruturas estatais análogas que acabam por assegurar o mínimo de
similaridade, havendo, também, as diferenças inerentes às particularidades
desses dois países, que apresentam marcas distintas e definidas nos seus
processos históricos76.
É fundamental, a partir da análise comparada, entender como as diversas
falas sobre os semiáridos cearenses e santiagueños são dotadas de
significações, fazem parte de um todo que se conjugava no Brasil e na
Argentina da década de 1930. Compreende-se a importância do discurso como
formador também das identidades desses países. Eles que constroem e
legitimam visões de sociedade, qualificam e desqualificam suas populações.
Fazem parte da “invenção”, também, dos espaços, dos territórios. Considero
que os semiáridos cearenses e santiagueños foram igualmente formados pelo
acumulado de narrativas e de noções sobre eles, muitos das quais são fruto,
principalmente, do encontro do litoral com o interior, do urbano com o meio
rural, ou seja, também do “norte” que rumava ao “sul”, ou do “sul” que
desejava “conhecer” o “norte”. Sabe-se, claramente, que essa interação entre a
capital e o interior sempre existiu e, por isso, não proponho reduzir essa
questão, mas apenas afirmar que ela é parte constitutiva das narrativas criadas
sobre essas áreas.
Nesse sentido, pensar nas secas é levar em consideração que ela acabou por
se tornar definidora das identidades regionais tanto no Ceará quanto em
Santiago, mesmo que para este último tenha se dado de maneira distinta. Em
Santiago del Estero, é mais comum se falar da ausência de água do que se
utilizar da seca como fenômeno climático para pensar a região como um
problema. No Ceará, em contrapartida, vê-se como seca e Nordeste tonaram-
se praticamente sinônimos ao longo do tempo. Em ambos os casos, apesar das
diferenciações, seca ou ausência de água funcionaram como fator de
desqualificação social dessas regiões. Por isso, há a necessidade de entender
como esse olhar é construído historicamente.
Caio Maciel e Emílio Pontes ressaltam que, no Nordeste brasileiro, “o senso
comum corrobora percepções depreciativas quanto à natureza semiárida.”
Para os autores, tal demanda deve ser entendida por meio da “história cultural
e política da região, ou seja, nas mentalidades.” Desse modo, “as elites
políticas, culturais e científicas no Nordeste contribuíram para construir, ao
longo do século XX, mitos e deformações acerca do semiárido, sustentando
crenças sobre sua esterilidade, inadequação para o povoamento e irrelevância
biológica, A ideia de deserto, dessa maneira, era continuamente evocada.”77
Como mencionado anteriormente, não é possível fazer essa comparação
literal com o caso santiagueño, mas sabe-se que há também uma dificuldade
de entendimento sobre as potencialidades do semiárido, bem como o controle
de certa narrativa em torno dos usos de elementos da natureza que estão nas
mãos de poucos.
Assim, os discursos dos jornais da época, as visões de alguns intelectuais,
políticos e de órgãos ligados, de forma direta ou indireta, ao combate à seca
estiveram imersas em contextos sociais de profundas contradições e
desigualdades que assolavam o Brasil e a Argentina dos anos 1930. Daí a
necessidade de compreender o lugar de suas escritas. A unidade nacional
almejada nesses países considerava fundamental pensar na erradicação do
desemprego rural, da pobreza e da miséria de diversas regiões e, no entanto,
não contemplou os males sociais e o fosso existente entre as velhas dicotomias
centro e periferia, modernidade versus atraso, litoral versus interior, revelando
discursos e visões ambíguas, fatalistas e, muitas vezes, deterministas sobre as
populações como as dos semiáridos. Logo, o discurso como maneira legítima
de se entender a história acaba por revelar as pressões internas existentes no
curso da formação de uma sociedade.
Cabe destacar, como analisa Carlo Ginzburg, que devemos dar conta da
aparente neutralidade do termo periferia. Periferia possui sentido espacial e
político. Logo, centro/periferia são mais complementárias do que antitéticos,
cabendo, assim, uma análise clara de em que sistema ambos se inserem78. Ou
seja, a relação centro e periferia “não se trata de difusão, mas de con ito. Um
con ito detectável mesmo nas situações em que a periferia parece limitar-se a
seguir humildemente as indicações do centro”79. Na fala de Ginzburg, a
história da arte italiana deve ser entendida analisando-se o esmagamento das
cidades menores em detrimento das metrópoles. Mais ainda, essa correlação
também deve ser explicada considerando a tentativa de “subordinação e
espoliação dos vários centros em benefício da capital”80. Se pode pensar, nesse
sentido, se as relações centro/periferia do Brasil e da Argentina não fazem
parte desta mesma lógica: cidades sufocadas pelo centralismo. Um “centro
que não deixa espaço à diversidade”81. Para o autor, “se o centro tende a
configurar-se como lugar de inovação […] a periferia, correlatamente, tende a
configurar-se (embora nem sempre) como atraso. É este fenômeno decerto – o
mais frequente nas relações centro e periferia”82. Nesse sentido, partilhamos
das teorias de Ginzburg para Itália e as apropriamos na compreensão das
periferias latino-americanas.
Deve-se considerar, ainda, o binômio periferização/desqualificação, em que
a periferia é vista como mais “atrasada” do que a metrópole. No entanto, o
que o autor deseja evidenciar, e é o que interessa neste livro, é que “o nexo
centro/periferia não pode ser visto como uma relação invariável entre
inovação e atraso. Trata-se, pelo contrário, de uma relação invariável sujeita a
acelerações e tensões bruscas, ligada a modificações políticas e sociais”83. Não
se pode considerar “a área provincial como ampliação pura e simples da
situação dominante no centro de in uência”84. Isso significa, de modo geral,
para Ginzburg, que “nem todas as periferias são retardatárias […] Admitir o
contrário, significaria adotar uma visão linear da história […] que, por um
lado, julga possível apurar uma linha de progresso […] e, por outro, tacha
automaticamente de atraso qualquer solução diferente da proposta pelo
centro inovador”85.
Desse modo, me debruçarei sobre os semiáridos cearenses e santiagueños,
entendendo-os de forma a romper com uma linha de progresso que pode
colocá-los como atrasados em relação aos centros de poder do Brasil e da
Argentina. Isso significa não procurar nessas regiões valores estabelecidos nos
centros e não as examinar em relação ao paradigma dominante. Ginzburg
aponta esse caminho possível de compreensão sobre a relação
centro/periferia e dela iremos nos valer como base central deste trabalho.
“Uma periferia nunca é amorfa ou indiferente”86. Para tanto, deve-se
compreender como certas imagens construídas podem ser instrumentos de
“persuasão e do domínio na relação, nunca pacífica, entre centro e periferia”87.
Por isso, a utilização de Mikhail Bakhtin como convite a pensar a
importância da estética verbal do discurso. A ideia desse livro se faz, portanto,
dentro do que Bakhtin propõe: “quando escolhemos um determinado tipo de
oração, não escolhemos somente uma determinada oração em função do que
queremos expressar com a ajuda dessa oração, selecionamos um tipo de
oração em função do todo do enunciado completo que se apresenta à nossa
imaginação verbal e determina nossa opção”88.
Dessa maneira, todo enunciado dos políticos, intelectuais, escritores e da
imprensa interessa-me em particular, pois entendo que há uma escolha, uma
opção como salienta Bakhtin, uma intencionalidade ao se expressar certas
palavras, conceitos, orações, expressões, que determinaram o conjunto de
visões sobre o Ceará e Santiago del Estero nas secas aqui propostas. Pode-se
re etir, nesse aspecto, que certas falas só fazem sentido se estão conjugadas a
certos tipos de enunciados, como explica Bakhtin, e que tais enunciados fazem
parte de um certo contexto, que aspira algum objetivo, que deseja revelar
alguma intencionalidade.

Como foi organizado este livro


A partir das re exões feitas anteriormente, organizou-se a lógica dos quatro
capítulos deste livro. Primeiramente, analisou-se como os conceitos de sertão
e desierto fizeram parte da construção de narrativas também sobre o Nordeste
brasileiro e o Noroeste argentino. Mostrou-se como os diversos projetos
políticos que se iniciaram, principalmente no final do século XIX e início do XX
no Brasil e na Argentina, olhavam também para essas regiões sob a óptica
desses dois conceitos e, conjugados a eles, os de civilização e de barbárie.
Por isso, no primeiro capítulo, foi realizado um recuo temporal, com um
apanhado mais geral dos diversos discursos que consolidaram essas noções e
como isso atingiu as áreas semiáridas cearenses e santiagueñas. No caso da
Argentina, situei como se deram as narrativas das Campanhas do Deserto, de
modo a compreender como viram e pensaram as populações originárias, e
como isso fez parte do que se entendeu por certa parte da população
santiagueña. Foi fundamental, nesse aspecto, assinalar como Sarmiento e
Alberdi pensaram projetos de país para a Argentina do final do século XIX.
Essa análise se deu de maneira mais introdutória, considerando que os estudos
sobre ambos devem re etir as diversas etapas de vida e trajetória política e
intelectual desses autores. Não coube aqui fazer uma re exão mais extensa
sobre eles. As análises de ambos os intelectuais foram datadas e se
configuraram, principalmente, no contexto relativo às Campanhas do Deserto.
A ideia do capítulo foi mostrar, portanto, como as concepções de nação
Sarmiento e Alberdi para a Argentina também deixaram seus legados para
Santiago del Estero. Posteriormente, também se re etiu sobre as narrativas de
Ricardo Rojas, Bernardo Canal Feijóo e Clementina Rosa Quenel, que
questionaram, cada um a seu modo, o lugar do pampeano-centrismo e da
modernidade nas concepções e nas intervenções na província santiagueña.
Todo esse panorama se fez na intenção de compreender a construção dos
discursos e de visões sobre esses territórios e suas populações ao longo de
algumas etapas da história Argentina.
Para o Brasil, foi analisado como o conceito de sertão mudou ao longo do
tempo e como também fez parte dos projetos políticos elaborados para o país.
Sertão como sinônimo de seca e de semiárido nordestino foi uma narrativa
construída historicamente, por isso a necessidade de, ao menos, realizar
minimamente esse panorama. Houve projetos de nação colocados em prática
desde as missões científicas do século XIX até as expedições do Instituto
Oswaldo Cruz no século XX. Concomitante a isso, tem-se, ainda, as falas de
intelectuais, como Euclides da Cunha e Rodolfo Teófilo, que pensaram os
sertões nordestinos, suas populações, puseram em cena essa parte do país; da
mesma forma que o fez, posteriormente, Graciliano Ramos, com suas críticas
à modernidade e ao latifúndio. Ao se re etir essas diversas falas sobre o
sertão, pretende-se entender como as próprias ideias que esses intelectuais,
essas expedições, missões científicas, tinham sobre esses espaços, fizeram
parte de um todo que se queria delinear para o Brasil (tanto quanto para a
Argentina). Fizeram parte, portanto, de uma construção discursiva que
perpassa a história dessas regiões.
Além disso, neste capítulo primeiro também se localizou geograficamente
os semiáridos, bem como a composição da população que pertence às áreas
rurais do Ceará e de Santiago del Estero, de maneira a delinear como, em
meio à seca de 1930, percepções sobre essas áreas tinham um fundo histórico
de longa duração.
Nos capítulos segundo e terceiro, partiu-se do que Roger Chartier conceitua
como uma análise que contribui para o entendimento do sentido de um texto.
Chartier está preocupado com um estudo sociológico que permita “descrever
rigorosamente os dispositivos materiais e formais pelos quais os textos
atingem os leitores […] esses saberes técnicos”89. Para isso, a apropriação aqui
se deu, como explica o autor, por meio de uma história social dos usos e das
interpretações “referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que as produzem”90. Isso significa dar importância à
produção do sentido de um texto; considerando “voltar a atenção para as
condições e os processos que, muito concretamente, sustentam”91 essa
produção. Mais ainda, é importante reconhecer “que nem as inteligências,
nem as ideias são desencarnadas”92.
A análise dos jornais desses dois capítulos se insere justamente nesta noção
de produção de sentido que Chartier conceitua, bem como da estética verbal
dos enunciados analisada por Bakhtin. A linguagem utilizada pelos periódicos
fez parte da re exão principal desses dois capítulos. Tanto o Correio da Manhã,
quanto El Mundo, jornais de circulação nacional, localizados respectivamente
no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, usados no capítulo dois, como A Ordem e
La Hora, periódicos locais do Ceará e de Santiago del Estero, utilizados no
capítulo três, foram analisados por meio dos conceitos de Chartier e Bakhtin,
entrelaçados aos contextos históricos das secas. Por meio deles, pode-se
entender como em meio à uma crise climática, visões que estavam em voga
no país, ao desenrolar de diversos contextos, ainda se perpetuavam,
considerando suas diferenças, mudanças e particularidades relativas a cada
país, na década de 1930.
Nesse sentido, re etir sobre como um periódico dispõe um enunciado,
fórmula proposições a partir dele, noticia de uma maneira, e não de outra,
essas secas, faz parte do entendimento de que país se desejava mostrar
naquele contexto ou mesmo que país se desejava construir também pensando
os semiáridos e o seu lugar nesse todo nacional. Chartier ainda ressalta que os
discursos são formadores de uma sociedade e formuladores de identidades,
criam imagens sociais, fazem parte da “construção de sentido”. Segundo o
autor:

[…] o objeto fundamental de uma história ou de uma sociologia cultural, entendida com uma
história da construção da significação, reside na tensão que articula as capacidades inventivas
dos indivíduos ou das comunidades com as restrições, as normas, as convenções que limitam –
o que lhe é possível pensar, enunciar, fazer.93

Essas convenções são relevantes, porque, como mesmo explica o autor,


podem limitar o pensar, o enunciar e o fazer. Aqui, não se considera que essas
populações tenham sido manipuladas pelos discursos, ou mesmo que não se
opuseram a eles. Contudo, deseja-se evidenciar o poder de legitimidade que
um discurso pode ter sobre uma construção de visões sobre uma sociedade.
Como ele faz parte da “construção de sentido”, insere-se em um contexto e
deve ser pensado dentro dele.
O poder simbólico, conceito de Pierre Bourdieu, “é uma forma
transformadora, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das
outras formas de poder”94. Por isso, compreende-se o papel que as
representações e o poder simbólico possuem em uma sociedade. Assim, é
fundamental entendê-los dentro do campo de força, das disputas políticas, das
lutas de classes ou mesmo do controle sobre um determinado território.
Isso significa que muitas das narrativas que viam os semiáridos relegados ao
passado, ou mesmo atrasados, avessos à modernidade, necessitando que
sempre houvesse uma “luz” que guiasse seus caminhos rumo à civilidade,
estiveram na pauta dos dirigentes de instituições ou organismos que pensaram
o problema da seca, do desemprego rural, da vida semiárida. O quarto
capítulo trouxe esse debate. Foram analisados dois exemplos de como o
discurso está inserido no jogo político, nas relações sociais, econômicas e
culturais. Não se baseia apenas no campo simbólico desvinculado de qualquer
contexto, sendo, portanto, uma forma de compreendermos, também, certas
práticas políticas.
Nesse sentido, o capítulo quarto mostrou como no Brasil a Inspetoria
Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criada justamente para pensar o
problema da seca que afetava o Nordeste, e que, em 1932 pertencia ao
Ministério da Viação e Obras Públicas, estava vinculada à construção de obras
para amenizar a “ausência” de água nos sertões. Atuava independentemente
das secas, apesar de que, em sua ampla maioria, as obras só aconteciam
quando a chuva não vinha. A partir daí, pensava-se como agir para que a
população não fosse afetada pela crise climática.
Na Argentina, não houve uma instituição criada com esse objetivo. No
entanto, como a seca era uma realidade na região Noroeste, principalmente,
em Santiago del Estero, alguma solução devia ser posta em prática,
principalmente, no ano de 1937. Buenos Aires já sabia que a seca assolava a
região e que as populações estavam vivendo em péssimo estado, migrando
com fome e sede. Para minorar a situação, delegou-se à Junta Nacional para
Combatir la Desocupación ( JUNALD) o dever de resolver tal intento. A seca,
nesse caso, foi um fator secundário se comparado ao Brasil, pois ela estava
contida e conjugada ao problema do combate ao desemprego rural que
assolava a Argentina e era a pauta principal desse contexto.
A ideia do último capítulo foi compreender como a IFOCS e a JUNALD se
colocaram mediante a situação da seca, da “ausência” de água, das migrações,
do desemprego. Aqui, o ponto de similitude foram os discursos contidos nos
seus relatórios e boletins. Do mesmo modo que foram analisadas as falas da
imprensa, dos intelectuais e de políticos sobre essas regiões, re etiu-se como
esses organismos pensaram a questão da seca e, a partir de suas visões,
aplicaram políticas públicas nessas áreas. O território, novamente, faz parte de
uma invenção, de uma construção imagética-discursiva e tais concepções e
representações também, por vezes, estavam em pauta nas políticas públicas.
Nesse caso, o momento era a seca e a própria conjuntura em que viviam o
Brasil e a Argentina dos anos 1930.
Desejou-se mostrar, portanto, que, ao se pensar o ambiente rural pelas vias
dicotômicas como atraso versus modernidade, litoral versus interior, água
desenvolvimento versus seca atraso, modernidade versus tradição, pouco se
conseguia avançar no sentido de minorar as consequências da desigualdade
social existente. Por isso, viu-se a necessidade de entender também as falas do
ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida, e do
governador de Santiago del Estero, Pio Montenegro, pois ambos atuaram nas
suas regiões no período aqui proposto. Os cargos e as funções que ambos
ocupavam no período da seca desses semiáridos é claramente distinto. No
entanto, me ative à forma como os dois viam a atuação nesses espaços durante
o contexto de seca e como seus discursos também foram importantes para
entendermos as políticas públicas nesses contextos.
Me deparei a todo momento com essas diversas formas de olhar para os
semiáridos e suas secas, e esse é o ponto principal deste livro. No entanto,
outros atores fizeram parte desta trama, mas, em particular, destaquei estes
que pontuo introdutoriamente aqui como os principais fios condutores dessa
re exão e dos quatro capítulos do livro. Por meio deles, buscou-se
compreender, como já apontado, o papel dos discursos sobre o Ceará e
Santiago del Estero em meio às secas e, por conseguinte, o “enigma da terra
assolada”, conceito de Jens Andermann.
Vale destacar que, no caso brasileiro, tem-se a entrada de Getúlio Vargas no
poder, com a Revolução de 1930, pondo fim à República Oligárquica. De
início, no chamado Governo Provisório (período no qual se insere a seca de
1932), para manter o governo centralizado, Vargas dissolveu o Congresso
Nacional e nomeou interventores para controlar os estados. Segundo Luciano
Martins, alguns fatos são fundamentais na interpretação da dita revolução.
Primeiro, o que ele chama de inovações no sistema político em um plano mais
eleitoral. Segundo, a reorganização e a modernização do Estado,
incorporando a classe média e setores médios. Por fim, as medidas
implementadas no plano social, com a legislação trabalhista. Estabelecia-se,
de acordo com Martins, uma associação causa e efeito entre a crise do sistema
oligárquico e a expansão industrial com os acontecimentos95 ocorridos nesse
contexto. Martins questiona o fato de se pensar a Revolução de 1930 dentro
desse panorama. Para o autor, a “Revolução de 30 só se define e se ‘consuma’
politicamente através do Estado Novo – o que abre espaço para questionar o
caráter ‘liberal’ ou ‘democrático’ atribuído a ela enquanto processo”96.
Martins defende que devemos pensar o significado político da Revolução de
1930 sem cairmos nas interpretações que evidenciavam um con ito que opôs
camadas urbanas e industriais às classes dominantes agrárias, ou mesmo, que
afirmam ter sido nesse período que houve uma ruptura com a dominação
oligárquica. Essa noção limitaria uma leitura geral sobre o acontecimento, ou
seja, essas noções acabam reforçando uma concepção de oposição entre
cidade e campo “que se revela totalmente desprovida de sentido quando
aplicada a contextos como o brasileiro”97. Portanto, esse é ponto central que
pretendemos que fique evidente em todo o percurso deste livro, sendo parte
intrínseca das correlações de força que permearam a seca de 1932.
Já no caso argentino, há de se considerar que, desde o golpe autoritário de
José Félix Uriburu (1930-1932) até a chegada de Agustin P. Justo (1932-1938) ao
poder, a elite que passou a comandar o país é distinta da brasileira do contexto
de Vargas. Oscar Terán analisa que os anos 1930 marcaram uma grande
ruptura na história argentina moderna, porque foi um período de crise
econômica, política, social e cultural, conhecido como “la década infame”98.
Essa infâmia residiu na prática sistemática da fraude eleitoral, na corrupção
instalada em esferas estatais, no desemprego que seguiu a crise econômica
mundial de 192999. Teresa Eggers-Brass explica que José Luis Torres foi quem
batizou esse período entre 6 de setembro de 1930 e 4 de junho de 1943 dessa
forma. Foi a chamada era dos golpes militares, o que a diferencia das outras
épocas, como a de Bartolomé Mitre, no século XIX, de acordo com a autora,
porque, em 1930, o golpe contra Yrigoyen colocou de volta no poder uma
antiga classe, a oligarquia. Por isso, também é conhecido como “a restauração
oligárquica” ou “a restauração conservadora”100.
O que vemos no Brasil foi justamente a tentativa de retirar o poder da
oligarquia que vinha comandando o país na Primeira República. Como visto,
isso não significou uma ruptura imediata, mas se distinguiu do caso argentino.
Também nesse contexto, a Argentina se deparava com as consequências da
crise de 1929 e da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e houve, de acordo com
Alejandro Cattaruzza, uma crise do olhar liberal sobre o mundo, processo que
já havia se iniciado nos anos 1920 e em 1930 se tornou mais intenso. No Brasil
dos anos 1930, também se passou a questionar o modelo liberal anterior que
havia separado o homem da natureza, da sua cultura e do ser cidadão.
Ao se considerar esses panoramas, três são os principais pontos de similitude
que norteiam os discursos analisados neste livro: em primeiro lugar, a
natureza vista como problema. Notar-se-á que nas fontes analisadas o meio
ambiente é narrado, pensado e descrito. Por vezes, é ele o causador dos males
dessas regiões. Logo, a água (abundância) e a seca (escassez) vistas pela ótica
do determinismo geográfico são pontos comuns para pensar o Ceará e
Santiago del Estero e, inclusive, justificam suas misérias e pobrezas. Segundo,
a questão do êxodo, das migrações. Coube para essas áreas o estigma de que
migrar é um fator “natural” e “inerente” a essas populações; portanto, migrar
parecia ser uma “sina” dos cearenses e dos santiagueños ao longo da sua
história. Terceiro ponto, a necessidade do controle dessa população e do seu
território. Isso se deu por meio de discursos que ora enfatizavam o medo do
que a seca podia “gerar” nessa população que sentia fome e sede, ora
tentavam encontrar soluções para esse controle. Uma das saídas foi dar
trabalho aos cearenses e aos santiagueños. Havia uma necessidade de se
pensar medidas contra o desemprego rural que se tornava ainda mais latente
em meio a uma seca; era necessário ocupar os braços ociosos em tempos de
crise, e, assim, dar-lhes trabalho para que não se valessem dos vícios da
mendicidade. Por isso, entende-se que a seca é uma questão social e política,
que deve ser analisada para além do fator climático e, para o caso deste
trabalho, abarcando os seus muitos símbolos, discursos e representações.
Volto-me aos caminhos propostos por Walter Mignolo para re etir, por fim,
como:
[…] o imaginário do mundo moderno/colonial surgiu da complexa articulação de forças, de
vozes escutadas ou apagadas, de memórias compactas ou fraturadas, de histórias contadas de
um só lado, que suprimiram outras memórias, e de histórias que se contaram e se contam
levando-se em conta a duplicidade de consciência que a consciência colonial gera101.

Tal imaginário ocorreu, claramente, na história local de países como o Brasil


e a Argentina. Esse mundo moderno/colonial deixou seus rastros na forma de
se entender os sertões cearenses e o bosque santiagueño, também tentou
apagar memórias, fraturar histórias, suprimir formas de ver, pensar e agir
dessas populações, em nome do mundo moderno/colonial. Mignolo
conceitua essas correlações como “colonialismo interno”; ele diz, nesse
sentido, que “a diferença colonial transformou-se e reproduziu-se no período
nacional, passando a ser chamada de ‘colonialismo interno’”. O colonialismo
interno é, assim, a diferença colonial exercida pelos líderes da construção
nacional”102.
Não se propôs, no entanto, dizer que não tenha havido inúmeras mudanças
históricas nesses países de forma a tornar essa história linear. A proposta desse
livro foi justamente compreender que essa ferida colonial deixou rastros em
áreas como o Ceará e Santiago del Estero, ainda na década de 1930, mesmo
considerando-se que existiram diversas nuances nos processos formativos
brasileiro e argentino que contestam algumas dessas demandas. Por exemplo,
sabemos que, na década de 1920, criticavam-se modelos oriundos do fim do
século XIX ou mesmo a in uência estrangeira em ambos os países. Essa
questão é evidente e deve ser considerada nesta análise; no entanto, entende-
se que os olhares sobre essas áreas do interior, ao longo do século XX, ainda se
vinculavam, em certos aspectos, à ideia do outro que necessitava ser
modernizado e civilizado, e, por isso, trato dessas particularidades em todo o
trabalho.
Também não se reduziu o tema da relação centro e periferia, tal como já
frisado, ser um dos principais pilares deste trabalho. Isso significou considerar-
se fundamental entender a correlação de forças existentes tanto no Nordeste
brasileiro, principalmente seu interior e seus semiáridos, compostos por uma
elite latifundiária que negociava diretamente como o Estado nacional e, por
conseguinte, sempre desejou manter-se no poder.
Para o caso da Argentina103, houve o que José Carlos Chiaramonte explica
como o lugar do caudilhismo latino-americano e sua gestão de domínio
privado nas origens do Federalismo latino. Chiaramonte deseja ressaltar que,
apesar de haver formas de exercício de poder, deve-se considerar que “devido
ao uso de termos condenatórios como ‘déspota’, ‘selvagem’, ‘barbárie’,
‘ditador’, ‘feudal’, pode induzir a erro na apreciação do real grau de legalidade
existente nessas sociedades provinciais platinas”104. Ou seja, “se tinha vigência
um ordenamento legal mais extenso do que aquele que se costuma supor, do
que dão conta a organização fiscal das províncias, sua regulação do comércio
exterior, sua organização militar, o exercício do patronato […]”105. O que
Chiaramonte evidencia é que em certas províncias “fossem caudilhos ou
grupos políticos, os que se preparavam para preencher o vácuo de poder no
reduzido âmbito de sua província, compartilhavam a pretensão de fundar a
legitimidade desse poder em um texto constitucional”106.
Nesse sentido, significa que havia, claramente, um embate de forças entre
diversas formas de entender as nações brasileira e argentina, diferentes
projetos políticos, distintas disputas políticas que atuavam para dominação de
territórios nos contextos do final do século XIX e boa parte do século XX.
Cabe-nos pensar onde se encontravam as regiões do interior, a parte rural,
nesse processo. E dentro dessa re exão também acredita-se que houve, de
fato, uma herança de um “colonialismo interno” na formação desses países,
principalmente no que diz respeito às ideias de modernidade e progresso e nas
concepções criadas sobre essas áreas vistas, muitas vezes, como atrasadas e
como o “outro” que necessitava de certa intervenção e tutela para prosperar.
O fazer da pesquisa e os caminhos encontrados no Brasil e na
Argentina
Por fim, cabe mencionar os itinerários que foram possíveis para que a
pesquisa que deu origem a este livro fosse realizada. Houve a necessidade de
certas estratégias para que uma análise comparada equilibrada fosse feita no
que refere às fontes utilizadas. Dois foram os momentos-chave da investigação
em relação à Argentina. Primeiro, a ida a Buenos Aires, em 2017, para coleta
de fontes. E, segundo, a realização do doutorado sanduíche na Argentina entre
outubro de 2018 e abril de 2019. Em ambos os processos, ficaram claras
algumas dificuldades em relação ao acesso documental, justamente pela pouca
re exão sobre o tema da seca na região santiagueña. A pesquisa, inclusive,
demandou uma ida a Santiago del Estero na tentativa de encontrar fontes mais
ricas e específicas sobre a região.
Nesse sentido, cabe destacar que surgiram dificuldades em relação ao acesso
a certos jornais. O El Liberal, por exemplo, é um periódico santiagueño muito
rico de informações. A bibliografia mostra como seria uma fonte importante
para pensar este tema de pesquisa. No entanto, não foi possível ter acesso a ele
nos arquivos de Buenos Aires ou em Santiago del Estero. Daí ter utilizado o
periódico La Hora, o que não reduziu a possibilidade de uma boa análise. Do
mesmo modo, explica-se a utilização do jornal de Buenos Aires El Mundo. O
autor santiagueño Alberto Tasso, bastante citado neste trabalho, já havia
mapeado as reportagens desse periódico sobre a seca da região. Isto fez com
que, devido a pesquisa ter sido realizada em sua ampla maioria no Brasil,
escolhêssemos El Mundo como fonte para pensar o papel de Buenos Aires em
relação às narrativas sobre as secas santiagueñas.
É sabido que o La Nación, o jornal de maior circulação em Buenos Aires
nesse contexto, por exemplo, noticiava também o fenômeno e que, inclusive,
Bernardo Canal Feijóo (autor santiagueño) tinha uma coluna no jornal, em
que escrevia também sobre a região. Porém, os periódicos argentinos, em sua
maioria, não estão digitalizados como os brasileiros, o que tornaria pesquisar
no La Nación, sem ter conseguido mapear as suas referências específicas, mais
demorado e dificultoso. Reitero que isso também não pormenorizou este
trabalho. Pelo contrário, as crônicas do escritor Roberto Arlt contidas em El
Mundo nos serviram como um grande aparato simbólico para pensar Santiago
del Estero e sua relação com a capital Buenos Aires.
No caso brasileiro, a escolha dos jornais, tanto das capitais nacionais quanto
os regionais, não foi problemática, visto que estão digitalizados na
Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Logo, as escolhas do Correio da Manhã e
de A Ordem foram estratégias para desenvolver a própria análise comparada.
Utilizamos esses periódicos pensando justamente que seria possível alcançar,
por meio deles, certas analogias e similitudes com o caso argentino.
Houve, no desenrolar da pesquisa, escolhas para que houvesse um balanço e
um equilíbrio entre as fontes e a re exão teórica sobre as mesmas. Daí
novamente ter escolhido para comparação a Inspetoria Federal de Obras
Contra as Secas (IFOCS) e a Junta Nacional para Combatir la Desocupación
( JUNALD). Certamente, outras similitudes, tanto no campo estatal quanto no
campo das políticas públicas, poderiam ser pensadas como análise sobre o
Ceará e sobre Santiago del Estero. No entanto, entre outras razões, pelos
mesmos fatores de acesso documental e tempo da própria tessitura deste
trabalho, escolhi para o caso santiagueño a JUNALD como meio de entender
os discursos institucionais para a região. As fontes sobre esse órgão, bem como
sobre o governador santiagueño Pio Montenegro, estavam disponíveis na
Biblioteca Nacional de la República Argentina, embora não estejam digitalizadas e
só possam ser acessadas em ida a Buenos Aires.
Para o caso brasileiro, os documentos da IFOCS estão disponíveis na
Biblioteca Nacional, mas também devem ser consultados no acervo físico. A
ida ao Ceará, na ocasião do desenvolvimento da pesquisa de mestrado,
facilitou também a tessitura desse trabalho.
Assim, os acervos consultados foram: na Argentina, a Biblioteca Nacional
Mariano Moreno; a Biblioteca e a Hemeroteca del Congreso de la Nación; a
Biblioteca Nacional de Maestros; o Archivo General de la Nación; a
Hemeroteca Digital Fray Francisco de Paula Casteñeda, pertencente ao
Archivo Publico de la Provincia de Santa Fé; a Biblioteca Sarmiento (em
Santiago del Estero), a Biblioteca 9 de Julio (em Santiago del Estero) e a
Biblioteca del Museo Arqueológico (em Tilcara, Jujuy). No Brasil, destaco a
Biblioteca Nacional; a Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional; o Arquivo
Público do Estado do Ceará; e o Instituto Histórico, Geográfico e
Antropológico do Ceará.

1. MERCADO, Tununa. Narrar después. Rosário: Beatriz Viterbo, 2003, p. 19.


2. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: arte de inventar o passado (ensaios de teoria da
história). Curitiba: Editora Appris, 2019, p. 40.
3. Ibidem, p. 41.
4. Ibidem, p. 22.
5. Ibidem, p. 22.
6. Pensar a América Latina, é uma re exão que se gesta nos debates, conversas e encontros travados com
companheiros e companheiras de diferentes campos do conhecimento do Brasil e da Argentina, ao
longo dos anos em que fiz essa pesquisa. Destaco os nomes de Camila Machado, Lorena Gouvea, Fabiana
de Pinho, Facundo Giuliano, Valentina Giuliano, Rafaela Vasconcellos, Denise Moura e Andrea
Caldararo.
7. BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de “América Latina” em perspectiva histórica. Est. Hist., Rio de
Janeiro, v. 22, n. 44, p. 289-321, jul./dez. 2009, p.289.
8. Ibidem, p. 290.
9. Ibidem, p. 290.
10. Ibidem, p. 292.
11. Ibidem, p. 292.
12. Ibidem, p. 293.
13. Ibidem, p. 308.
14. FERES JÚNIOR, João e SÁ, Maria Elisa Noronha de. “América/Americanos”. In: FERES JÚNIOR,
João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2014, p.26-39.
p. 25.
15. Ibidem, p. 25.
16. Ibidem, p. 25.
17. Ibidem, p. 25.
18. Ibidem, p. 25.
19. Ibidem, p. 26.
20. Ibidem, p. 26.
21. Ibidem, pp. 27-28.
22. Ibidem, p. 28.
23. Ibidem, p. 28.
24. Ibidem, p. 29.
25. Ibidem, p. 30.
26. Ibidem, p. 30.
27. Ibidem, p. 31.
28. Ibidem, p. 31
29. Ibidem, p. 31
30. Ibidem, p. 35.
31. Ibidem, p. 36.
32. MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual
da modernidade. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Colección Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina,
set. 2005. pp. 33-49; p. 38.
33. MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo... Op. cit., p. 46.
34. FERES JÚNIOR, João. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos. Bauru-SP: EDUSC,
2005, p. 9.
35. Ibidem, pp. 9-10.
36. Ibidem, p 10.
37. Ibidem, p.13.
38. Ibidem, p. 13.
39. Ibidem., p. 17.
40. Ibidem, p. 23.
41. Ibidem, p. 24.
42. Ibidem, p. 29.
43. Ibidem, p. 29.
44. Ibidem, p. 55.
45. Ibidem, p. 55
46. Ibidem, p. 62.
47. Ibidem, p. 62.
48. Ibidem., p. 66.
49. Ibidem, p. 66.
50. Ibidem, p. 66.
51. BOFF, Ricardo Bruno; e MOREIRA, Aline de Souza. ¿Soy America Latina? A relação dos brasileiros
com a identidade latino-americana. In: CASTRO, Edna e PINTO, Renan Freitas (org.s).Decolonialidade e
sociologia na América Latina. Belém-NAEA: UFPA, 2018, pp.317-336, p. 328.
52. MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo... Op. cit., p. 36.
53. GIULIANO, Facundo. La pregunta que luego estamos si(gui)endo: manifestaciones de una cuestión
ética-geopolítica. En: GIULIANO, Facundo (comp.) ¿ Podemos pensar los no-europeos?Ética decolonial y
geopolítica del conocer. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Del Signo, 2018, p.p11-68; p17.
54. Ibidem, p. 15.
55. Ibidem, p. 16.
56. Ibidem, p. 39.
57. ASCENSO, João Gabriel da Silva e CASTRO, Fernando Luiz Vale (org.). Introdução. Raça: trajetórias
de um conceito-histórias do discurso racial na América Latina. Rio de Janeiro, Ponteio, 2014, pp. 7-16.
58. ASCENSO, João Gabriel da Silva; e CASTRO, Fernando Luiz Vale. ,Op cit., p.7.
59. Ibidem, p. 8.
60. Ibidem, p. 8.
61. Ibidem, p. 9.
62. Ibidem, p. 10.
63. Ibidem, p. 10.
64. Ibidem, p. 11.
65. CASALDÁLIGA, D. Pedro; TIERRA, Pedro; COPLAS, Martin. Missa da terra sem males. Rio de
Janeiro: Tempo e Presença Editora Ltda., 1980. O texto foi escrito por Casaldáliga e Pedro Tierra,
musicado por Martin Coplas.
66. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida. Dossiê Nordeste Seco.
Revista Estudos Avançados 13 (36), São Paulo, pp.7-59, 1999.
67. ALVES, Joaquim. História das secas (séculos XVII a XIX). Mossoró, RN, ESAM, Col. Mossoroense, v.
CCXXV, 1982. [homenagem ao Primeiro Centenário da Abolição Mossoroense -30/9/1983 a
30/9/1993]. Disponível em: <www.coleçaomossoroense.org.br>.
68. PONTES, Emilio Tarlis Mendes. A convivência com o semiárido no contexto sulamericano: segurança
hídrica em Afogados da ingazeira (Pernambuco, Brasil) e Graneros (Tucumán, Argentina) – Tese (doutorado) -
Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Recife, 2014,
p. 63.
69. Ibidem, p. 75.
70. FAUSTO, Boris; e DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-
2002). São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 19.
71. Ibidem, p.22.
72. MICELI, Sérgio. Sonhos da periferia: Inteligência argentina e mecenato privado. São Paulo: Todavia, 2018,
pp. 8-9.
73. BARROS, José D’Assunção. História Comparada. Petrópolis: Ed. Vozes, 2014, p. 17.
74. Ibidem, p. 50.
75. Ibidem, p. 55.
76. Ibidem, p. 138.
77. MACIEL, Caio; e PONTES, Emilio Tarlis. Seca e convivência com o semiárido. Adaptação ao meio e
patrimonialização da Caatinga no Nordeste brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2015, p. 23.
78. GINZBURG, Carlo. História da arte italiana. In: GINZBURG, C; CASTELNUOVO, E.; e PONI, C.
(org.) A Micro-história e outros ensaios. Tradução de Antonio Narino. Rio de Janeiro: Editora Bertrand
Brasil, 1989, pp.6-118, p. 6.
79. Ibidem, p. 6.
80. Ibidem, p. 47.
81. Ibidem, p. 59.
82. Ibidem, p. 36.
83. Ibidem, p. 47.
84. Ibidem, p. 52
85. Ibidem, p. 53.
86. Ibidem, p. 62.
87. Ibidem, p. 73.
88. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. [tradução feita a partir do francês por Maria Emsantina
Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl.]. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997
(Coleção Ensino Superior), p. 306.
89. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Revista Estudos Avançados. 11(5), São Paulo,1991,
p.p173-191. p. 179.
90. Ibidem, p. 180.
91. Ibidem, p. 180.
92. Ibidem, p. 180.
93. CHARTIER, Roger. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação.; Tradução Maria de
Lourdes Meirelles Matencio. – Campinas, SP: Mercado de Letras; Associação de Leitura do Brasil (ALB),
2003, p. 166.
94. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 15.
95. MARTINS, Luciano. A Revolução de 1930 e seu significado político. In: A REVOLUÇÃO de 30:
seminário internacional realizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da
Fundação Getulio Vargas. Brasília, D.F. d. Universidade de Brasília, (Coleção Temas Brasileiros, 54), 1982,
pp. 669-689, p. 672.
96. Ibidem, p. 673.
97. Ibidem, p. 673.
98. TERÁN, Oscar. Historia de las ideas en la Argentina: diez lecciones iniciales, 1810-1980.,
Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2009, p. 229.
99. Ibidem, pp. 227-229.
100. EGGERS-BRASS, Teresa. História argentina: una mirada crítica 1806-2018. 4.ed Ituzaingó: Maipue,
2018, pp. 472-473.
101. MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo... Op. cit., p. 37 e p. 38.
102. Ibidem, p. 41
103. É válido mencionar a análise Lisandro Gallucci. O autor explica que a Lei de Territórios de 1884
tinha como premissa a formação de novas províncias na Argentina, critica a noção de que essas províncias
foram concebidas como “colônias internas” por um Estado nacional desejoso por emular as experiências
imperiais dos finais do século XIX. Para ele, há uma diferença entre esse modelo institucional e os
regimes de dominação colonial; já que os últimos não prometiam qualquer autonomia futura. Ou seja,
para Gallucci, ainda que o federalismo argentino deste contexto tenha sido atravessado por uma
crescente centralização, o sistema federal consagrado na Constituição de 1853 impediu conceber os
espaços incorporados à nação como domínios coloniais possíveis de serem mantidos em tal condição
sem qualquer termo. Já em relação ao modelo de expansão territorial norte-americano, no qual a
Argentina se baseava, o autor aponta que o mais importante é que o m foi realizado a partir da
subordinação colonial dos novos domínios. GALLUCCI, Lisandro. La extensión del federalismo sobre el
desierto argentino. Los debates parlamentarios en la sanción de la Ley de Territorios Nacionales (1884).
Anuario de Estudios Americanos, 72, 2. Sevilla (España), julio-diciembre, 2015, pp. 693-722, p. 703.
104. CHIARAMONTE, José Carlos. Províncias ou Estados? As origens do Federalismo latino. Tradução
Henrique Montagner Fernandes e Alfredo de J. Flores. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito
PPGDir/UFRGS. Edição Digital. Porto Alegre, v. XII, n. 1, 2017, pp. 73-114., p. 83.
105. Ibidem, p. 83.
106. Ibidem, p. 85.
C 1
Um panorama histórico sobre o
Nordeste brasileiro e o Noroeste
argentino: uma re exão sobre as
narrativas que zeram parte do Ceará e de
Santiago del Estero

O que proponho para iniciar as discussões deste capítulo servirá de aporte para
compreensão dos demais temas propostos neste livro. A ideia de começar pela
questão do sertão e do desierto, voltando os olhos para o final do século XIX, se
deu pela necessidade de analisar como certas visões sobre as áreas rurais de
Santiago del Estero e do Ceará estiveram vinculadas ao que se entendeu sobre
esses dois termos e suas complexidades. Por isso, irar-se-á além do semiárido,
neste momento, para que seja possível re etir mais amplamente sobre o sertão
e o desierto para as regiões “nortes” do Brasil e da Argentina.
Ao longo do século XIX, diversos projetos políticos existiram em ambos os
países, bem como em todo o século XX, como mencionado. Ao mesmo tempo,
falar de sertão e de desierto é compreender um amplo uso do termo nessas
regiões, que vai além do próprio conceito em si. Entende-se, assim, que os
discursos para essas áreas fazem parte de uma história de longa duração que
tem como um dos principais marcos as intervenções ocorridas nesses territórios
no final do século XIX e início do XX. Por isso, começo esse capítulo com elas e
percorreremos alguns projetos políticos existentes no percurso da narrativa
sobre essas áreas, até chegarmos à década de 1930.
O primeiro tópico tem como proposta trilhar a região do desierto chaqueño. A
autora Carla Lois nos explica como a Argentino olhou para esse espaço e me
valho de suas re exões. Por vezes, irei a este chaco e lá poderemos encontrar o
que é fundamental: o deserto do “norte” argentino visto como o outro, o hostil,
o espaço vazio, o diferente de um modelo de sociedade desejado do final do
século XIX. A partir da noção criada sobre o desierto, acredita-se que existiram
certas visões em relação a Santiago del Estero, por vezes, atreladas a
concepções sobre suas populações indígenas e percebemos que em meio às
estiagens, narrativas sobre a província ainda tinham em comum a ideia de um
território “outro”, “distante” da capital, mesmo que no século XX também
fosse conhecido como parte da chamada Argentina profunda.
Há de se considerar como a província de Santiago del Estero fez parte da
composição territorial da Argentina, o que a difere de muitas províncias que
estiveram no marco das conhecidas “Campanhas do Deserto”, inclusive, ela,
Santiago, intitula-se como “la madre del ciudad”. A que pese as inúmeras
particularidades que Santiago del Estero carrega, nela também houve uma falta
de imaginação narrativa como dizia, em outras palavras, o autor santiagueño
Bernardo Canal Feijóo quando se tratava de re etir seu lugar no todo nacional.
É isso que me coube como re exão e é neste ponto que este livro se concentra e
se conecta com a história dos sertões semiáridos do Ceará.
No Brasil, é possível perceber como o conceito de sertão muda ao longo do
tempo e como, especificamente, as áreas de seca se tornam sinônimo de
Nordeste no século XX (diferença fundamental em relação ao Noroeste e a
Santiago del Estero). Voltou-se também ao século XIX para compreender o
sertão como esse outro, ao qual pesava uma natureza dura e de difícil acesso. O
modelo de sociedade almejado, no caso brasileiro, também pensou o sertão
por vezes como espaço vazio e o sertão do “norte” como o outro, o diferente,
em oposição ao litoral. No entanto, ao mesmo tempo o sertão também foi visto
como o lugar da autenticidade e do “verdadeiro” Brasil no século XX.
Outra questão importante é que o próprio sertão do Nordeste foi uma
demarcação grosseira realizada a partir de uma ideia criada sobre esse espaço.
Há outras áreas que compõem os sertões, e a seca não pode ser a definidora do
recorte geográfico da região. Logo, a falada “falta de imaginação”, referida a
Santiago del Estero e ao Noroeste argentino como um todo, pode ser pensada
também para o caso dos sertões do Nordeste brasileiro e, em nosso caso
específico, o cearense. São em meio a esses aspectos paradoxais, dicotômicos,
que as narrativas sobre essas duas áreas se encontram, conectam-se, e fazem
parte da própria concepção e ideia de nação almejada para o Brasil e para a
Argentina.
Assim, não podemos nos deixar induzir buscando semelhanças nessas áreas
em certos pontos; o que se deseja é buscar o fundo histórico em que se
encontram discursos que vêm à tona em meio a uma crise climática, a uma
seca, a um momento limite que coloca em xeque as desigualdades sociais
existentes.
No tópico dois, trato sumariamente das geografias do Ceará e Santiago del
Estero e analiso as diferenças existentes nelas e algumas similitudes. A própria
composição geográfica mostra que, mesmo com as particularidades, a seca fez
parte da história dessas regiões e pode ser pensada com uma questão para além
de um “problema” ambiental.
Por fim, no terceiro tópico, foi realizado um panorama breve sobre as
populações que viviam no Ceará e em Santiago del Estero e, principalmente,
como devido a toda uma gama de concepções sobre elas, pensava-se, ainda na
década de 1930, essas áreas como o lugar do atraso e da necessidade de
modernização. Santiago marcadamente indígena (por isso mesmo não se pode
deixar de permear, aqui e ali, a selva santiagueña ou mesmo sua Mesopotâmia,
onde se localizam os rios Dulce e Salado, como parte importante da narrativa
sobre a província, bem como os limites da exploração orestal) e o Ceará, e
seus sertões, formados pela figura do sertanejo (que invisibiliza, inclusive, as
diversas categorias sociais existentes como as próprias populações indígenas, os
trabalhadores rurais, posseiros, homens e mulheres de distintas funções), têm
histórias e pontos comuns no trato com as suas populações e seus modos de
vida, fundamentais para que saiamos de visões simplistas que minimizam o
porquê de, ainda nos dias atuais, serem áreas marcadas pela pobreza e pela
desigualdade social.

1.1 O Nordeste brasileiro e o Noroeste argentino: o discurso


sobre o sertão e o desierto
Pensemos en este sentido si la historia no es un poco la creación de la ansiedad de dominio de
occidente107.

A epígrafe que abre este tópico, do autor argentino Rodolfo Kusch, convida-
nos a pensar quem somos como latino-americanos. O domínio do ocidente, a
que ele se refere, é a chave para compreendermos as visões que pairam sobre o
nosso imaginário no que diz respeito à construção das “nações” brasileira e a
argentina, por conseguinte à ideia de América. Esse modo de pensar ocidental,
criou, inventou, interveio, moldou espaços e territórios; por isso, a necessidade,
apontada por Kusch, de analisarmos a história a partir desse domínio. Aqui, ele
será o ponto de partida das análises acerca dos discursos sobre os semiáridos
cearenses e santiagueños.
A ideia de nação criada no século XIX tornou-se um modelo que permeou,
em diversos aspectos, visões de mundo e, neste caso específico, de América,
ainda posteriormente no século XX. Por isso, os conceitos de sertão e desierto
também são caros para essa re exão. Foram eles que, no bojo da ideia de
Estado-nação, permeados por um padrão europeu de sociedade, formaram as
identidades dos semiáridos do Ceará e de Santiago del Estero ao longo da
história e designaram, em certos aspectos e em certos contextos, esses espaços
como “vazios de civilidade”. Nesses aspectos, a que “civilização”108 este Estado-
nação se referia?
É válido não deixar de compreender que ideias racialistas, cunhadas no final
do século XIX109, ainda faziam com que os discursos para áreas do interior
estivessem imersos em dicotomias, como: civilização versus barbárie, progresso
versus atraso e modernidade versus tradição. Assim, quando se olhava para os
semiáridos cearenses e santiagueños, por mais que se identificasse o desejo de
integração nacional, unidade, reconhecimento do território, o que estava em
voga era a ideia de levar a modernidade para essas áreas vistas como atrasadas
e pouco desenvolvidas.
Entende-se a ideia de modernidade dentro daquilo que Walter Mignolo
aponta como fundamental ao se estudar a América Latina: não podemos deixar
de entender que houve uma expansão colonial e imperial de um modelo
ocidental de vida110. Essa modernização vinculava-se a uma ideia de raça e
identidade racial. Isso significava que “a América constitui-se como o primeiro
espaço/tempo de um padrão de poder de vocação mundial e, desse modo e por
isso, como a primeira id-entidade da modernidade”111. Ligava-se, assim, a uma
“supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação
natural de inferioridade em relação a outros”112.
Refiro-me, também, como, no final do século XIX, a América Latina “passou
por um rápido processo de modernização […] levando à dependência do
capital estrangeiro e a crises e endividamentos. Ser moderno significava, em
linhas gerais, fazer parte do novo ambiente: estradas de ferro, máquinas
[…]”113. Ou seja, de acordo com Regiane Gouveia, nesse período de grande
euforia rumo ao progresso, “a dinâmica modernizadora gerava várias
transformações, mais visíveis no litoral e nas principais regiões produtoras”114,
e também passava a revelar as diferenças entre as áreas urbanas e as rurais.
Como explica a autora, é importante lembrar que as proposições racialistas
mais recorrentes foram organizadas “a partir do pensamento positivista do
início dos Novecentos”115. Assim, após a definição dos Estados no final do século
XIX, segundo Gouveia, “índios, negros e mestiços estavam associados à ideia
de crise e fracasso frente ao progresso”116 e, muitos dos positivistas “culparam o
povo pelo atraso do continente, acusando-o de incapaz de assimilar a ciência e a
técnica”117.
Considero fundamental re etir sobre essas noções, por analisar duas regiões
em que a população indígena, negra, mestiça, sertaneja, cabocla (para o caso
cearense) são parte constitutiva da formação desses territórios. Logo,
principalmente desde o contexto das racialidades na América, criaram-se
“identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços”118 e se
redefiniram outras. “Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde
europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de
origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades,
uma conotação racial.”119 A ideia de raça, portanto, “desde então demonstrou
ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal […] os
povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de
inferioridade”120. Logo, o progresso e a modernidade avançaram sobre essas
regiões redefinindo seu cotidiano e modificando seus territórios. Todas essas
noções fizeram parte dessa construção das nações brasileira e argentina, e,
consequentemente, dos seus territórios rurais.
Cabe dizer que nação no contexto do século XIX era entendida como “a
transmissão, através das gerações, de uma herança coletiva e inalienável”121.
Era também, por conseguinte, a invenção de um patrimônio comum, como
aponta Anne-Marie Thiesse. Para isso, toda nação para ser como tal devia ter
ancestrais fundadores, uma história que estabelecesse a continuidade da nação
“uma galeria de heróis […] lugares de memória, uma paisagem típica, um
folclore”122. Isso resultou em um “modelo comum de produção das
diferenças”123.
Tzvetan Todorov assinala, em suas re exões, o que chama do lugar do
etnocentrismo e seu feito de elevar à categoria de universais os valores da
sociedade europeia. Seria ele uma caricatura natural do conceito de
universalismo. Isso significa o desejo de elevar ao universal parte de algo
particular, que de imediato se esforça, portanto, em generalizar. Um
etnocentrista, segundo Todorov, procede de maneira não crítica porque crê que
seus valores são os valores e isto basta124. Daí a ideia de que o outro é bárbaro
em relação aos que são superiores. Neste caso, a América Latina foi assim vista
pela Europa e ela mesma tomou para si esse discurso. Essa definição a persegue
e limita não apenas historicamente, como também epistemologicamente.
Quando se trata, então, de regiões periféricas dessa América Latina, a questão
se torna ainda mais complexa e evidente. As noções de civilização e barbárie,
de modernidade e atraso, são postas dentro das realidades locais para
fragmentar e segregar suas próprias populações, e o centro e a periferia são
colocados em lugares, por vezes, antagônicos.
Todorov exemplifica essa ideia ao tratar de um etnocentrismo próprio do
“espírito clássico”125 a partir do ideólogo Joseph-Marie de Gérando, em um dos
seus textos publicados em 1800. O autor diz que De Gérando parte de um
quadro universalista e racional para explicar suas teorias: sabe como é o
homem em geral e trata de averiguar como se situam os homens particulares
em relação ao que ele chama de tipo ideal. Ou seja, para Todorov o que De
Gérando faz é julgar “os selvagens” a partir de suas categorias mentais – que
não estavam tão distantes dos seus próprios costumes126.
Uma noção cara a uma visão universalista, segundo Todorov, é o
cientificismo, que, para ele, é uma figura não menos perversa e,
provavelmente, mais perigosa, já que pode se orgulhar de ser etnocentrista127.
Nesse aspecto, o autor afirma ser no contexto do século XVIII, com o
Iluminismo, que se intensificaram “os intercâmbios não só comerciais, mas
também espirituais, seja adotando a língua dos povos mais esclarecidos como
ingleses e franceses, como também criando uma língua universal”128. Assim, em
última análise, a humanidade iria constituir-se em uma sociedade única. O
positivismo teria ajudado os homens a avançarem nesse caminho, porque era
ele a única doutrina verdadeiramente universal, em que se configurava a ideia
de uma ciência irrefutável e inquestionável.
Assim, uma visão científica para tratar a população do interior e inclusive
justificar intervenções nessas localidades foi também utilizada na década de
1930, no Brasil e na Argentina. As ideias etnocentristas, universalistas e
cientificistas, consolidadas no século XIX, em certos aspectos, acabaram
deixando seu grande vestígio ainda no século XX. Por conseguinte, os discursos
existentes nesse contexto sobre como se pensavam os semiáridos e sua
população estavam imersos nessas noções. É possível entender, assim, a
própria trajetória histórica e imagética que se perpetua – com algumas ideias
que permanecem até os dias atuais – no imaginário em torno desses
semiáridos.
É importante pensar como o modelo europeu de sociedade (universalista) foi
essencial para a consolidação de um tipo de olhar sobre as áreas periféricas,
como as cearenses e santiagueños. Trata-se de compreender como essa antiga
ideia de nação in uenciou os modos de ver e agir sobre essas regiões ainda na
década de 1930, conforme apontado até aqui. Como reiterado, isso não
significou que houve um processo linear, sem mudanças de pensamentos e de
paradigmas. Pelo contrário, na década de 1930, pensar a nação, tanto no Brasil
quanto na Argentina, era reconhecer que certos aspectos do pensamento
europeu não se encaixavam mais na realidade desses países. No entanto, por
mais que essa ideia tenha sido questionada – e cabe dizer que desde os anos
1920 essa percepção já existia, a grosso modo – quando se pensava
principalmente o meio rural (muito visto como o “outro”, o “distante”) ainda se
concebia esse espaço dentro de certos antigos parâmetros de pensamento.
Nesse sentido, voltando ao final do século XIX, a construção das nações fez
parte da “organização espacial e hierárquica das representações”129. A partir
disso, traçavam-se “fronteiras em espaços contínuos ou de imbricação
identitária”130. Como analisa Thiesse, o que existiu foi “um grande esforço
pedagógico”131 para que as pessoas se sentissem pertencentes a sua nação, se
conhecessem e reconhecessem nas referências coletivas. A natureza fez parte
desse processo. A paisagem132 cria-se e recria-se no evocar da nação. Ou seja, a
autora assinala que se elabora a paisagem nacional de maneira coletiva: poetas,
pintores, romancistas determinaram uma estética dos recursos naturais
“carregada de sentido e portadoras de sentimento”133. Houve,
verdadeiramente, uma escolha para representação das nações a partir da
natureza. Existiu um princípio de diferenciação, nesse sentido, dentro das
gamas de possibilidades de escolha que podiam ser feitas entre o mar, a
montanha, a planície, o rio, ou um lago. O que eleger como paisagem nacional?
Nesse sentido, a natureza estava associada, em geral, a uma estação do ano,
inverno ou verão, por exemplo, bem como a um tipo de vegetação específica
devia representá-la.
Sabe-se que desde o século XVI a categoria “sertão” existe na história
brasileira. Foi usada desde os relatos dos viajantes estrangeiros até diversos
intelectuais nos séculos XIX e XX quando a ideia de sertão estava imersa no
entendimento do que era o Brasil, do que era a nação. Com isso, existiam
concepções em torno dos sertões desde o período colonial; posteriormente, a
literatura tomou para si essa categoria, como explica Janaína Amado134, com
narrativas místicas, personagens colossais e poderosos símbolos que permeiam
o imaginário social brasileiro.
Logo, o sertão foi construído de forma muito diversa ao longo da história. No
período colonial, referia-se ao interior, ao vazio, eram espaços vastos, áreas
“despovoadas” do Brasil, o espaço do desconhecido, enquanto o litoral
significava a civilização. Por isso, no contexto colonial, sertão poderia ser o
interior da capitania de São Vicente (SP) ou do Rio de Janeiro, por exemplo.
Muitas das áreas do interior ainda eram ocupadas por índios; logo, dizer que
havia, nesse aspecto, lugares vazios, era desconsiderar de pronto a questão
indígena.
Nesse sentido, o sertão sempre foi re etido sob uma perspectiva dual e no
século XIX essa categoria foi fundamental para o entendimento da almejada
nação brasileira. Heloisa Starling afirma que desde o século XVIII a palavra
sertão significava, de um lado, o interior e, de outro, traduzia “a configuração
de uma realidade política: a condição de desterro, a ausência de leis, a
precariedade dos direitos, a inexistência da ordem”135.
Nísia Trindade Lima salienta, em relação à etimologia da palavra, que ela
teria sido “oriunda de desertão. Seu sentido encontrava-se, segundo dicionários
da língua portuguesa dos séculos XVIII e XIX, em duas ideias: a especial, de
interior, e outra, de conteúdo social, indicando região desértica, pouco
povoada”136. Prevalecia, também, o que Rebeca Gontijo – ao estudar
Capistrano de Abreu – chama de paradoxo, porque ao mesmo tempo que o
sertão era o espaço da brasilidade, no que se referia à cidade, vista como espaço
do estrangeirismo, também era visto como um problema para a nacionalidade
devido ao suposto atraso, se comparado ao litoral, a um espaço urbano de
modernidade137.
Nísia Lima destaca que no século XIX também havia duas definições sobre os
sertões: “uma mais próxima que o associa à área semiárida do Nordeste
brasileiro e outra, também muito presente entre autores contemporâneos, que
prioriza a atividade econômica da sociabilidade, aproximando sertão à
civilização do couro”138. Nesse sentido, os sertões a que referido neste trabalho
são as áreas semiáridas do Nordeste brasileiro.
Janaína Amado coloca que “‘sertão’ é, também, uma referência
institucionalizada sobre o espaço no Brasil: para o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), designa oficialmente uma das subáreas
nordestinas, árida e pobre, situada a oeste das duas outras, a saber: ‘agreste’ e
‘zona da mata’”139. Também encontra-se naquilo que Andrea Roca, ao falar do
olhar do pintor Rugendas para o sertão no início do século XIX, relaciona “a um
espaço de uma natureza indomável que albergava tanto animais perigosos
quanto, principalmente, seres distintos, não brancos e não cristãos,
incompreensíveis e inclassificáveis: os índios bravos e selvagens”140.
Foi ao longo do processo histórico brasileiro que sertão e nordeste tornaram-
se praticamente sinônimos. Ou seja:

[…] a associação entre um termo tão rico de significados e uma parcela espacial do Nordeste
brasileiro caracterizada comumente pela semiaridez e pela economia pastoril reduziu a
abrangência do termo a um espaço físico geograficamente delimitado, e fez com que no senso
comum e no imaginário social os termos ‘sertão’ e ‘nordeste’ passassem a ser tomados
praticamente como sinônimos141.

É esse mesmo sertão que, ao longo de sua trajetória, ao ser re etido pela
intelectualidade brasileira, retratado pela imprensa, ou mesmo pelos órgãos de
combate à seca, como a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS/IFOCS)142,
foi visto como aquele sertão distante do poder público e dos projetos
modernizadores. Suely Chacon afirma que o semiárido teve sua história
particularmente “associada ao seu caráter de território onde se instalou uma
atividade acessória à outrora pujante economia açucareira da Zona da Mata.
Ali não foi a mão de obra escrava que serviu de base ao sistema produtivo – no
caso a pecuária – mas sim a unidade familiar atrelada ao que veio a ser o
latifúndio”143.
Nessa perspectiva, configurou-se um Nordeste como região-problema, noção
construída histórica e discursivamente. É nesse aspecto que Durval Muniz de
Albuquerque Júnior entende o conceito de região como “um grupo de
enunciados e imagens que se repetem, com certa regularidade, em diferentes
discursos, em diferentes épocas, com diferentes estilos”144. Por isso, o Nordeste
deve ser pensado dentro do que o autor chama de uma “invenção”, em razão de
uma “repetição regular de determinados enunciados, que são tidos como
definidores do caráter da região e de seu povo”145. É filho da ruína da antiga
geografia do país, segmentada entre “Norte” e “Sul”.
É importante também analisar a problemática em torno da região Nordeste
como discurso, a fim de que se possa entender os procedimentos pelos quais o
social foi, nesse sentido, construído146. Por isso é valido salientar, segundo Caio
Maciel, que o sertão é apenas uma parcela do interior do Nordeste e há,
portanto, outras áreas que o compõe. O sertão a que se refere aqui é aquele da
caatinga, onde o solo é arenoso e pouco espesso, e ainda assim o homem
consegue se adaptar ao rigor climático, “à extrema secura do ambiente”. Ainda
segundo Maciel é possível estudar a relação simbólica existente no que ele
chama de sertões, indo “além das dicotomias clássicas como litoral versus
interior, progresso e atraso, seca e irrigação. Assim, parece problemático falar
em ‘Nordeste’, sendo preferível referirmo-nos a ‘Nordestes’, tanto quanto a
‘Sertões’”147.
Logo, deseja-se evidenciar, como apontam as re exões de Angela Ferreira,
George Dantas e Yuri Simonini, que esse interior que é o desconhecido, o
desertão, deserto grande, sertão, é uma operação linguística que ganhou
contorno nos séculos XIX e XX. No entanto, uma parte em especial “seria
objeto de atenção específico: o sertão da porção setentrional do Brasil, o
interior assolado de tempos em tempos pelo fenômeno climático das secas”148,
como o caso do Ceará. A seca, assim, é um fator importante para entender esse
espaço vazio de civilização no caso semiárido do Nordeste.
Para o caso argentino, utilizou-se o conceito de “desierto”, referindo-se, nesta
análise, ao desierto da região do Norte argentina. Destaca-se, portanto, como
esse conceito também fez parte de NOA, tal como o sertão fez parte do
Nordeste brasileiro. Carla Lois apresenta os diversos usos vinculados às
práticas de apropriação territorial do Grande Chaco149 no período da
consolidação do Estado-nação argentino no século XIX. Foram, principalmente,
os militares que encabeçaram a intervenção sobre esses espaços, a partir da
Campanha do General B. Victorica, em conjunto com as instituições
geográficas que participaram dos debates intelectuais em torno da colonização
do Chaco. O que se tinha em primeiro plano no século XIX, de acordo com
Lois, era o uso do termo desierto para qualificar os territórios que se
encontravam sob domínio indígena, particularmente a região do Chaco e da
Patagônia. Esse processo discursivo em torno do Grande Chaco como deserto
legitimou ações governamentais destinadas à sua ocupação efetiva150.
Vale destacar que pensar em deserto é falar da ocupação da área do Pampa
que se deu pela chamada Conquista do Deserto iniciada no século XIX,
principalmente no sul da província de Buenos Aires. Essa campanha tinha por
intuito, em primeiro lugar, dinamizar a produção, mas o índio atravancava esse
processo e era necessário eliminá-lo. Segundo Verónica Secreto151, houve duas
“Campanhas ao Deserto” nesse período: a de Juan Manuel Rosas, em 1833, e a
de Julio Argentino Roca, em 1880. Mas é válido destacar também que, de
acordo com a autora:

[…] entre estas duas campanhas se produzem uma série de artigos, matérias em jornais, livros e
pesquisas empíricas, que tentaram dar conta do problema da fronteira e inclusive apontar
soluções, algumas das quais se distanciavam da dada por Roca, o extermínio do índio. Pensava-se
na resolução que eles chamavam do ‘tipo americano’, fazer povoados, levar ferrovias, atrair e
‘civilizar’ o índio152.

Essas “Campanhas do Deserto” tinham como objetivo civilizar o deserto


vazio, trazendo a mão de obra do migrante europeu e pensando no problema
do índio e na expansão de suas fronteiras. Principalmente no período de Roca,
que avançou sobre o Rio Negro e, em 1880, devido ao seu êxito foi nomeado
presidente da República, a violência contra os indígenas foi em número muito
maior.
No que se refere ao questionamento de uma intelectualidade da época sobre
civilizar o deserto relegado à “barbárie”, destaco as obras importantes de
Domingo Faustino Sarmiento e de Juan Bautista Alberdi, das quais falaremos a
seguir. Para José Luis Grosso, as elites criollas que desenharam a nação
argentina sedimentaram seu projeto imaginário em um programa de
aniquilação dos índios não domesticados; política de totalização da soberania
sobre o território “argentino” que se denominou “Conquista del Desierto”153.
Refiro-me a um contexto em que a Argentina desejava organizar um país em
convulsão, como analisa Grosso. Os diversos con itos e batalhas existentes
entre as províncias do interior e Buenos Aires culminaram na necessidade de
que as diferenças existentes entre as massas, vistas como o “outro” da
“sociedade”, fossem varridas, ignoradas e ou cooptadas. Por isso,
principalmente após 1852, no governo de Rosas, queria-se um projeto que
contivesse as massas agitadas da nação154.
Como analisa Luis Grosso, o índio entra como o inimigo aglutinador e
prioritário que possibilitava salvar todo o con ito interno na construção de um
“Estado federativo”. Ele era o que habitava as localidades rurais do entorno de
Buenos Aires, Córdoba, San Luis e Mendoza até o sul, e os que surgiam da selva
chaqueña, atacando as campanhas do norte de Santa Fé, da costa do Salado, em
Santiago del Estero, os planos orientais da Província de Salta155.
Orestes Di Lullo explica que, no que ele chama de época não tão distante
(está se referindo ao século XIX, início do XX) sobre os campos santiagueños
cresciam altíssimas árvores. Uma cobertura densa e impenetrável, que protegia
a terra do calor do sol, cobrindo os céus intensos e perfeitos de reprodução
vegetal e animal. Tal ora resultou que dessem a Santiago del Estero o nome
misterioso de “País de la Selva”, conta o autor. Narrava Di Lullo que, na década
de 1940, contexto em que ele faz essa re exão, a província representava o
aspecto de terra ressecada, apenas coberta em grande parte de sua área por
uma ora arbustiva dura e agreste, de cor desbotada, em que imperavam os
cinzas pálidos terrosos, queimados de sol156. Por isso, quando tratamos da
“selva impenetrável” do século XIX, podemos nos referir também à parte da
província Santiago del Estero e à visão que se tinha sobre esse território
também nas Campanhas das Conquistas do Deserto.
Para iniciar este debate em torno do deserto chaqueño, Lois explica que o
Chaco era, antes de tudo, um território indígena, com tribos que não tinham
adotado os costumes ocidentais. Devido à estrutura de sua fauna, esses locais
eram conhecidos como “impenetráveis” e como “desierto del norte”, sendo, na
verdade, um lugar desconhecido pelo restante do país. Então, re etir sobre esse
conceito de “desierto” é também entender que ele formou parte do olhar
construído sobre o Noroeste argentino.
Vale destacar um pequeno recuo, de maneira geral, para a compreensão da
organização territorial da Argentina, que contrasta com o caso brasileiro e é
fundamental na história do país. Inclusive explica parte da história de Santiago
del Estero, que foi o primeiro centro colonial desde a governabilidade de
Tucumán. Santiago foi o primeiro assentamento populacional espanhol que
subsiste desde 1553. A história da chegada espanhola na Argentina inicia-se
pela província de Tucumán e pela corrente colonizadora do Peru. Por isso, os
santiagueños chamam sua província de “madre de ciudad”, tendo ela sido capital
de Tucumán no contexto colonial157.
Assim, José Carlos Chiaramonte explica que “a primeira decisão relativa à
criação de províncias posterior à revolução de Maio de 1810 foi a resolução do
Triunvirato, de novembro de 1813, a qual separava os povos de Mendoza, San
Juan e San Luis do ‘governo-intendência’ de Córdoba”158. Tal ato, de acordo
com o autor, ainda expressava “uma linguagem administrativa do antigo
governo espanhol”159. Nos anos posteriores, as entidades políticas criadas por
disposição oficial, ou por segregação de outras províncias, “tal como haviam
feito Santa Fe em 1818, Santiago del Estero em 1820, ou Jujuy em 1834,
ingressavam em um status indefinido; constituíam-se, pois, como províncias,
como supostas partes de um Estado”160 que, além de congregar o que o autor
chama de “povos de um também impreciso território platino, careceu de
existência real durante a maior parte dos anos entre 1830 e 1831 […]”161.
Ademais, o autor ainda ressalta que a relação entre soberania e independência,
como também a integração a um Estado superior a elas, foi diversa em cada
província. Os exemplos de “Santa Fe, o de Corrientes, de 1824, ou de Santiago
del Estero de 1832, ignoram qualquer outra realidade estatal que não seja a
provincial”162.
Além disso, “as Constituições de San Juan (1825), San Luis (1832) e Santiago
del Estero (1831) carecem de referência a um possível Estado
supraprovincial”163. Outras, como as de Tucumán (1820), referenciavam fosse
um Estado ou uma nação rio-platense. Proclamava, assim, segundo ele, a
soberania da independência provincial “subordinada às resoluções do
‘Congresso geral da Nação’”164. Outra questão importante sobre um
sentimento de unidade coletiva é o que o autor chama de fracasso
constitucional de 1826 e o avanço da soberania e independência das províncias.
Isso significa que “os constituintes das províncias platinas se concebiam a si
mesmos como americanos, ainda não como argentinos, enquanto que, em termos
de organização política, no caso daqueles que remetem a uma possível união,
sua delimitação é, sim, argentina ou platina”165. Esse se fortaleceu, depois do
fracasso do chamado governo unitário (centralizador) por parte de Buenos
Aires, em 1826, “e teve sua expressão máxima nos acordos que se converteram
no Pacto Federal de 1831”166.
A esse respeito, o que se deseja destacar, portanto, nesse processo da
formação do Estado federativo argentino, ressaltando as particularidades das
províncias e de Santiago del Estero nesse processo, é atentar-nos ao fato de que
“a qualidade de Estados independentes que as províncias platinas possuíram foi
percebida por observadores da época que não podiam se enganar a respeito”167.
Chiaramonte diz que “o primeiro deles foi Juan Manuel Rosas, que expressava
desgosto com o tratado subscrito pelas províncias do Litoral”168. Em Juan
Baustista Alberdi, por exemplo, havia dois tipos de crítica “um, o do caráter
nacional das instituições que as províncias adotavam […] Outro, que isso era
produto do abandono de um sistema nacional preexistente”169.
É possível re etir mais um pouco esse processo. De acordo com Lisandro
Gallucci, o problema da governabilidade de novos domínios fazia parte do
contexto da guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), durante a qual o Estado
argentino buscou afirmar sua soberania sobre o espaço chaqueño, onde se
criou, assim, a governança do Chaco. A lei foi estabelecida em 1872 e a colocou
sob controle direto do Estado nacional. Em 1878, com a criação da
governabilidade da Patagônia, houve a necessidade de reproduzir a mesma
estrutura vigente no Chaco, bem como outra lei, em 1881, daria lugar à criação
de uma nova governabilidade federal em Misiones. Todos os casos
solucionaram o problema de uma organização dos Territórios de maneira
geral. Foi a Lei Geral dos Territórios Nacionais nº 1532 de 1884, que dividiu a
governabilidade do Chaco e da Patagônia em novas unidades territoriais.
Segundo o autor, a lei pretendia dar uma nova organização institucional a
espaços que só haviam contado com governos que tinham servido a propósitos
de afirmar a autoridade do Estado nacional em extensas áreas de fronteira.170
A Lei nº 1532, de acordo com Gallucci, constituiu uma novidade não só na
medida em que estabeleceu o regime de governo e administração das
populações que se previa haviam de formar-se em novos espaços, mas também
porque contemplava a futura incorporação destes últimos ao sistema federal.
Isso porque os territórios criados nos espaços recentemente incorporados
deviam ser ulteriormente igualados às províncias, gozando das mesmas
prerrogativas destas. O autor salienta, nesse aspecto, que a criação dos
territórios não foi contrária ao sistema federativo, no sentido clássico de que as
atividades de governo estão divididas entre os governos locais e o governo
central. Isso porque, para ele, existiu uma relação entre as províncias e o Estado
nacional. Tratava-se de um contexto em que vastos espaços ao norte e ao sul do
país haviam sido reivindicados como parte da nação, mas, em realidade,
permaneciam sob o domínio efetivo das sociedades indígenas.171
A Constituição de 1853 foi a que atribuiu ao Congresso da nação organizar e
governar os espaços que se encontravam além dos limites das províncias, ainda
que estes não estivessem definidos com clareza. Esses locais, que ainda não
eram considerados províncias, eram habitados pelas populações originárias.
Por isso, eram os conhecidos desertos, ausentes de civilidade e representavam
os espaços chaqueños, pampeano e patagônico. Para Gallucci, devemos
reconhecer, de fato, o caráter centralizador da presidência de Julio A. Roca,
mas chamando a atenção sobre o feito de que a Lei nº 1532, que organizava o
território, estabelecia sua futura incorporação ao sistema federal em qualidade
de províncias autônomas. Ou seja, a lei foi uma clara promessa de autonomia
para os territórios. É certo que a normativa colocava os territórios sob o
controle do Estado nacional, mas também, para Gallucci, colocaria sua futura
transformação em províncias em pé de igualdade com as existentes. Dessa
forma, a ordem institucional não negava o regime federal, mas preparava a
extensão deste último ao conjunto da nação.172
De acordo com Gallucci, pode se tratar de um federalismo caracterizado por
ser centralizador. Também deve-se pensar no processo de construção do Estado
nacional argentino não como resultado da submissão das províncias a um
poder superior que as absorve fazendo-as desaparecer. Segundo o autor, isso
nunca ocorreu; o que houve foi produto de con itos e acordos entre todas essas
partes. Mesmo que tenha havido, como ressalta Gallucci, um tom centralista
no país, nesse contexto, isso se deu dentro de um sistema institucional – o
federalismo – que fez das províncias unidades, em última instância, irredutíveis
da unidade do Estado federal. Para ele, o Estado não se impõe, mas sim negocia
segundo a configuração do jogo de alianças existente em uma determina
conjuntura. Galluci ressalta, assim, que o federalismo implicava, antes de tudo,
um arranjo institucional de equilíbrio de poder173.
Depois desse parênteses sobre a formação territorial da Argentina, desejo
destacar a importância da conquista do deserto chaqueño, mesmo
compreendendo a particularidade existente na província santiagueña e sua
formação datada do período colonial. Reitero compreender que os discursos
construídos sobre Santiago del Estero, em diversas narrativas que analisadas
neste trabalho, principalmente em relação às populações originárias, estiveram
inseridas nessa noção de deserto, do não civilizado e, principalmente, de uma
província sobre a qual pesavam resquícios de estruturas coloniais e modos de
vida atrasados.
A chamada Conquista do Deserto chaqueño começou, de maneira mais
efetiva, de acordo com Lois174, com as expedições de 1870, iniciadas por
Napoleón Uriburu, tendo como finalidade submeter os indígenas. A partir
desse momento, outras expedições ocorreram no Chaco175 e, como salienta a
autora, devido à falta de organização, somada a diversos desacordos entre as
autoridades do governo central e locais, ocorreu o avanço cada vez maior e
efetivo dos militares sobre o território indígena. Porém, foi com a campanha do
general B. Victorica, em 1884, que se iniciou uma nova modalidade de
exploração que tinha como objetivo avançar sobre o território indígena e
estabelecer colônias “civilizadoras” fortemente militarizadas, compostas por
estrangeiros e indígenas. Essa campanha estava vinculada, segundo Lois, à
ideia de incorporar mão de obra barata para as fábricas. A princípio, houve a
necessidade de se apropriaram do território e depois de assimilar o índio ao
processo civilizatório. Dessa forma, essas campanhas militares de ocupação
dos territórios dos índios do norte pretendiam afirmar a territorialidade estatal
sobre as áreas dominadas por minorias étnicas, como destaca a autora176.
Todo esse contexto em torno do deserto ou da região impenetrável, na
realidade, consolidava-se em um discurso de dominação sobre o território –
bem como aconteceu com o caso do sertão cearense – e em nome da
civilização e do progresso da nação, em defesa de valores morais e nacionais.
Isso favoreceu, mais tarde, como salienta Lois, a instalação de grandes
empresas, como a inglesa La Forestal. A civilização venceria, assim, a barbárie
do deserto chaqueño177.
Orestes Di Lullo diz que em Santiago toda a fecundidade orestal
subtropical, representada no expoente mais vigoroso pelo quebracho, tendeu a
desaparecer com a “industria forestal”, mudando não só a paisagem da região,
como o regime de chuvas, que tanto in uenciava a vida das populações. Os
resultados, para ele, foram: a ruína dos antigos povos agrícolas pastoris; a
devastação orestal; a perda no homem da sua vocação pelo agro; o ceticismo
que sobreveio como consequência do regime inumano da exploração orestal e
da dissociação do vínculo social que se produziu com as levas incessantes, com
este desenraizamento do homem, que em caravanas nutridas se internou nos
bosques, para voltar exausto e maduro de rancor e desalento178. O autor
santiagueño, que escreve a partir da sua visão local sobre a região nesse texto
da década de 1940, quer ressaltar as mazelas dessa entrada “da modernidade”
em Santiago.
Nesse sentido, voltando às Campanhas do Deserto, Lois ressalta que este
desierto representava, portanto, um vazio que devia ser preenchido. Por
conseguinte, ignorava-se, no contexto do final do século XIX, a questão
indígena e se colocava o deserto como um bom espaço para civilização. No
entanto, de acordo com a autora, no pós-Primeira Guerra Mundial se viu a
necessidade de entender que esse deserto não era tão deserto assim; o que se
tinha era o desconhecido e uma terra de potencialidades para o gado e para a
agricultura. Aqui, o deserto passava a se relacionar ao desconhecimento
geográfico e, com isso, justificava-se a necessidade de penetrar nesse espaço.
Lois, então, salienta que, de um lado, esse termo era visto como o lugar do
desconhecido e, por isso, podia ser chamado dessa forma; reconhecia-se,
também, que nele havia riquezas naturais, e, de outro, havia uma noção do
dever nacional de colonizar a área. Foi assim que deserto passou a ser sinônimo
de barbárie. Era preciso vencer o deserto e, por conseguinte, a “barbárie” da
população que lá habitava, e não mais vencer apenas a natureza rústica. Para
Lois, essa era a maior ambiguidade do uso do termo.
Outro exemplo importante do que foi a expansão sobre o desierto chaqueño foi
a criação do Instituto Geográfico Argentino (no período da campanha de Roca)
e a Sociedad Geográ ca Argentina (SGA-1881-1890), que acabou re etindo na
conquista do Chaco. Carla Lois e Claudia Troncoso chamam atenção para esse
vínculo entre ciência e política. As autoras apontam que essas instituições
publicavam revistas e boletins, responsáveis diretos por uma visão em relação
aos povos indígenas179. Os empreendimentos científicos no Chaco contavam
com a participação de militares, naturalistas e advogados que representavam
um olhar positivista e naturalista, vinculados a uma vertente biológica para
entender os problemas do dito desierto chaqueño.
O mesmo ocorreu, de certa forma, com o caso do “reconhecimento” dos
sertões brasileiros pelas expedições no Instituto Oswaldo Cruz, do qual
mencionarei pontualmente a seguir. Essas ideias científicas tornaram-se base
para a construção de um conceito de progresso e de nação também no contexto
argentino. Predominavam, nesse aspecto, as visões positivistas fundamentadas
nas ideias do darwinismo social. Também vigorava um discurso de uma
espécie de necessidade natural de ocupar e colonizar o território, como explica
Lois180. O deserto, mais uma vez, é percebido como ausência de civilização,
adicionando-se a isso outro fator: o determinismo geográfico181. Ou seja, o
deserto visto como uma porção que alude a questões climáticas e geográficas,
assim como o sertão, passou a ser entendido como a área da seca e ainda como
local incivilizado. De acordo com a autora, considerava-se que havia, sim,
condições naturais possíveis para uma organização civilizada nessa região.
Logo, o deserto, nesse aspecto, não estava configurado na fauna da região, e
sim – mais uma vez – na ausência do mundo civilizado.
Havia, nas revistas da SGA, muito mais notícias sobre a descrição dos
aspectos geográficos e territoriais do Chaco. Quando se tratava de falar dos
índios, salientavam-se seus aspectos físicos e costumes como raros e bárbaros.
Como apontam Lois e Troncoso, poucas vezes o indígena era tema central das
edições. O que estava em questão era avançar sobre o território indígena, o que
requeria, portanto, resolver os mitos e as realidades que podiam ser uma
“ameaça”. Para isso, ou se aniquilava ou se incorporava essas minorias
étnicas182.
Há de se considerar uma diferença primordial entre o dito desierto pampeano e
o desierto chaqueño: a eliminação do índio pelo primeiro e a sua incorporação
pelo segundo. Essa dita “incorporação” significou transformá-lo em mão de
obra adaptada, já que houve severas críticas ao extermínio indígena ocorrido
nas expedições de Roca nos anos anteriores, como analisa Lois. A autora
evidencia em suas re exões que o índio passou também a ser visto como
“espécie” que poderia se adaptar e ser útil para uma melhor exploração das
riquezas183.
É importante destacar também que, primeiro, pensava-se no avanço militar
sobre o Chaco e na sua ocupação definitiva e, depois, sobre a questão indígena.
Ou seja, primeiro vinha o território e somente quando o índio “aparecia” nesse
avanço das fronteiras era que se preocupava com ele. Lois e Trancoso
destacam, portanto, “los indios eran entendidos, entonces, como problemas ‘práticos’
del avance militar”184.
Para Luis Grosso, essa política da “Conquista del desierto” se colocou como um
campo de guerra, indo além de uma empresa militar. Os índios vencidos foram
massacrados. Expulsos dos seus territórios, foram atraídos para as cidades e
fazendas como mão de obra servil, destinados a trabalhos forçados em novas
áreas de colonização185. Somadas a essa política, houve um sistema educativo
que, com o autoritarismo do saber, disfarçado de civilização e cultura, dominou
as novas gerações. Ao mesmo tempo, as políticas de higiene e saúde públicas
determinaram as práticas corretas do corpo saudável e associaram, como
mostra o autor, as áreas em que viviam os trabalhadores e a devastação rural,
produzidos pelo capitalismo de produção, com a ideologia de inferioridade das
raças e a incúria natural de suas formas sociais186.
Dentro desses aspectos, esses diversos discursos em torno do termo deserto
foram, em realidade, um somatório de estratégias políticas legitimadoras de
uma nação que se formava em sua totalidade no século XIX, pois, o que existia,
de acordo com Lois, era uma grande quantidade de tribos e uma extensa área
de bosques, savanas e parques com uma grande biodiversidade187. Daí a
necessidade de intervir nesses espaços. Pablo G. Wright analisa que já havia
desde o período colonial no Chaco uma atividade econômica que se vinculava
com outras regiões; não era uma área vazia, mas sim onde existiam aborígenes
e gente branca que preferia viver ali, além das fronteiras da legalidade188.
Nesse aspecto, é importante lembrar que, segundo Bourdieu, o espaço social
é uma luta de classes, uma luta simbólica e política, sendo uma tentativa de
“impor uma visão do mundo social ou, melhor, uma maneira de construí-la […]
e de construir as classes segundo as quais ele pode ser recortado”189.
Cabe mostrar que, no marco do processo moderno de expansão europeia e
das expedições científicas do século XVIII, de acordo com Pedro Floria, os
territórios que resultavam particularmente inóspitos para os viajantes foram
ditos, portanto, como desertos e eram locais sem uma gota d’água ou mesmo
eram vistos como selvas impenetráveis190. Era necessário inventar esse desierto
chaqueño como vazio para justificar a intervenção nessas áreas indígenas,
principalmente para que pessoas civilizadas como os imigrantes europeus
pudessem ocupar essas regiões. Lois chama essa invenção de um “drama del
espacio”191.
Luis Grosso ressalta que a Argentina, portanto, foi fruto de um modelo de
produção das diferenças consolidado no século XIX, que desejava abandonar os
traços do índio, do negro, dos mestiços, dos imigrantes latinos. O modelo
tornou-se hegemônico e se baseou na discriminação, na vigilância, no
apagamento das diferenças étnicas192.
Um adendo é necessário antes de prosseguirmos com a análise. O Noroeste
(NOA) e a questão do “desierto” configuraram-se como uma noção de espaço
vazio, conforme posto até aqui. Já no Nordeste brasileiro, a ideia de sertão foi
mais além, porque tornou-se sinônimo de seca. Logo, para o caso do Brasil esse
imaginário construído em torno do Nordeste como o lugar de seca, ou seja, de
ser sertão semiárido, ainda é evidente até os dias atuais. Na Argentina, NOA
não é vista desta forma de maneira mais direta. Percebe-se um saber em
relação a uma terra mais seca e hostil, mas não comparável ao discurso
legitimado sob a tríade Nordeste/sertão/seca. Ainda que a construção
discursiva seja bastante semelhante, principalmente ao que tange à ideia de
ausência de civilização e à necessidade de intervir nesses espaços em nome do
progresso, principalmente no contexto do final do século XIX, devemos deixar
claro que no Brasil a questão da seca é um ponto central de entendimento sobre
os discursos em relação ao Nordeste, e não se pode comparar horizontalmente
com NOA.
Também é válido destacar que a “ausência” de uma re exão ou de um saber
em torno da seca na Argentina é uma escolha narrativa talvez importante. Os
silenciamentos também são estratégias discursivas. Cabe-nos apontar dois
aspectos básicos a partir dessas re exões: primeiro, por que, no caso brasileiro,
o Nordeste tornou-se sinônimo de uma região em que a seca impera? Logo,
toda a região é vista pelo olhar da estiagem, do sertão. Segundo, por que para
os argentinos NOA é mais conhecida por ter nela províncias pobres e com
resquícios de um passado colonial e pouco se fala da questão da semiaridez, em
um sentido mais amplo e nacional? Já o sertão, como conceito, modificou-se ao
longo da história brasileira para dar lugar à ideia de que onde existe sertão há
seca e há Nordeste. Em ambos os casos há escolhas e elas serão destacadas em
nossa análise.
Nesse sentido, no Brasil, de acordo com Janille Maia, “o imaginário do sertão
foi construído por muitos cronistas, intelectuais e viajantes. Nesse sentido,
tiveram destaque as expedições científicas na construção desta representação.
Spix e Martius, dois viajantes alemães, contribuíram com seus relatos, onde a
barbárie do sertão é então representada pelos viajantes”193. Além disso, como
analisa Maia, um dos pilares da construção desse sertão é sua oposição à
civilização. No caso do sertão nordestino, também podemos pensar como “o
conceito mostra de um lado a civilização trazida durante a colonização, e do
lado oposto, este lugar deserto”194 (deserto de civilidade, a mesma noção
tratada no caso argentino e que destaco ao longo do texto). O Brasil estava
inserido no contexto em que “o vocabulário da cultura imperial oitocentista
clássica está repleto de palavras e conceitos como ‘raças servis’ ou ‘inferiores’,
‘povos subordinados’, ‘dependência’, ‘expansão’ e ‘autoridade’. E as ideias
sobre a cultura eram explicitadas, reforçadas, criticadas ou rejeitadas a partir
das experiências imperiais”195.
Analiso esse período de acordo com aquilo que Célia da Silva e Maria L.
Carneiro analisam para o caso brasileiro: “[…] a partir da estrutura colonial
herdada pela administração portuguesa e das ideologias positivistas e
civilizatórias do século XIX, a oligarquia rural, enquanto os detentores privados
do poder, estrategicamente construíram um Estado sustentado na negociação
das parentelas, no discurso elitista da tradição e na formação das alianças entre
burocracia estatal e oligarquia”196.
Dentro desse panorama, construiu-se, junto com o Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro (IHGB), ao longo de todo o século XIX, uma ideia de
nação “a partir de um discurso sustentado na ideia de uma sociedade
homogênea e branca [...] como continuidade da herança portuguesa, ficando
excluídos os negros e os índios”197. Reitero, como analisa Monica Velloso, que
predominava-se no século XIX uma visão pessimista do Brasil baseada no
modelo do darwinismo social: “A nacionalidade brasileira parecia como uma
espécie de elo fraco da corrente. Mas a ideia subjacente era a de que esse
quadro de atraso e inferioridade poderia ser modificado, desde que o país
conseguisse acelerar a sua marcha evolutiva”198. E a grande arma para isso,
como salienta Velloso, foi justamente a ciência e seus intelectuais. “Definia-se o
país como o resultado do meio físico e geográfico, da raça e do momento”199.
Percebe-se também como as secas do final do século XIX, principalmente a
seca de 1877, geraram uma nova re exão em torno dos sertões. Isso motivou
também a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) em 1909 e,
por conseguinte, que ela financiasse expedições para o reconhecimento desses
semiáridos brasileiros. A visão da ciência seria o aporte necessário para a
modernização desse espaço. Entravam em cena três expedições criadas pelo
Instituto Oswaldo Cruz, entre 1911 e 1913, como já salientado ser um caso,
grosso modo, similar às intervenções no Noroeste argentino do século XIX, já
que não houve o intuito de “eliminar” ou “confrontar” militarmente, nem
diretamente, a população local. Havia uma intelectualidade que criticava os
projetos de embelezamento das cidades que escondiam, em realidade, o
verdadeiro Brasil dos “deserdados da pátria, vítimas do analfabetismo, da
doença e da ignorância”200. Ou seja, havia um Brasil “real e o “legal”, que se
dava no contraste existente entre o urbano e o rural. Daí os questionamentos
comuns à época: onde “residiria a verdadeira identidade do país?”201 Nas
cidades pensadas no padrão europeu, ou nas roças e nos subúrbios miseráveis?
Nesse sentido, os intelectuais que pensavam o Brasil no começo da República,
de acordo com Nísia Lima202, eram, em sua maioria, formados em Direito,
Engenharia, mas também podiam ser militares. Esses homens da ciência
deveriam, agora, tomar parte do país a fim de transformá-lo203. Kleiton Moraes
ressalta que “ao mero reconhecimento do espaço como nas narrativas de
viajantes do século XIX, juntava-se o expediente de intervir neste mesmo
espaço”204.
Além disso, as re exões da época passavam a encarar os problemas rurais a
partir do saneamento rural e da questão agrária, “propiciar saúde e educação
ao trabalhador rural e reeducar o latifúndio eram as metas a serem
atingidas”205. Isso se dava no encontro entre a ciência e essas regiões, ganhando
espaço principalmente as teorias eugênicas que se baseavam na higiene racial e
na “ciência do aperfeiçoamento humano”206, como explica Gouveia. Esse
movimento ganhou amplo espaço na América Latina, tendo sido iniciado na
Europa no final do século XIX e início do XX. No que se refere ao social, a
eugenia acreditava no “melhoramento racial para o aprimoramento
humano”207 e relaciona-se a isso o fato de considerar o “impedimento do
‘cruzamento indesejável’ e a união com os ‘mais bem-dotados’”208. Tal teoria
acabava por justificar aquilo que as classes dirigentes entendiam como Brasil:
“os brasileiros não haviam promovido o desenvolvimento harmônico da nação
porque o clima e a mistura com as raças inferiores geravam uma população
preguiçosa, ociosa, indisciplinada e pouco inteligente”209. Logo, a inferioridade
biológica tornou-se ponto central para a condução do país e a intervenção em
espaços como os sertões cearenses.
Por isso, alguns intelectuais baseavam-se nas ideias da ciência europeia, que
tinha por premissa a desigualdade biológica das raças. Além disso, também se
tinha o panorama norte-americano em que o “‘darwinismo social’, ao pregar a
sobrevivência dos mais fortes – os de raça branca –, tornava legítima a
‘conquista do Oeste’”210. Aqui, também há um ponto semelhante com o caso
argentino. Portanto, foi no contexto em que essas ideias estavam em voga que
as expedições do Instituo Oswaldo Cruz se inseriram. Nesse aspecto, voltemos
às três expedições que se deram da seguinte forma:

Entre março e outubro de 1912, a serviço da Inspetoria das Obras contra a Seca, três expedições
exploraram o Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Arthur Neiva e Belisário Penna percorreram o
norte da Bahia, o sudeste de Pernambuco, o sul do Piauí e Goiás de norte a sul. Para o Ceará e o
norte do Piauí, dirigiram-se João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria. Adolpho Lutz e
Astrogildo Machado desceram o rio São Francisco, de Pirapora a Juazeiro, visitando também
alguns de seus a uentes. A serviço da Superintendência da Defesa da Borracha, Carlos Chagas,
Pacheco Leão e João Pedro de Albuquerque inspecionaram boa parte da bacia amazônica, entre
outubro de 1912 e março de 1913211.
A diferença primordial entre essas expedições e as já realizadas em períodos
anteriores foi justamente o fato de percorrem grandes extensões e demorarem
mais tempo em suas andanças. Isso porque os trabalhos científicos visavam
“um minucioso registro das condições de vida da população interiorana, seus
hábitos, suas técnicas, sua mentalidade, associando às questões sanitárias os
aspectos socio-econômicos, culturais e ambientais das regiões percorridas”212.
Nessas expedições, os problemas do clima e da raça foram vistos como
centrais ao Brasil; e o mal do interior – dos sertões – foi também atribuído às
doenças. Logo, a questão do saneamento rural estava posta e era esse o fator
gerador de atraso. Mais uma vez, saliento que essas expedições ao interior
estavam relacionadas a uma instituição que brotara de uma “corrente
‘nacionalista’” de uma matriz em que “predominava o interesse de modernizar
o país à europeia, através do progresso da ciência, da arquitetura, do
urbanismo, etc.”213 Além disso, elas significaram para uma classe média urbana,
para os intelectuais da época, “a revelação sobre aquele Brasil caipira, doente,
explorado e inculto, que vivia à margem do cosmopolitismo e da civilização
que as cidades do litoral, em particular a capital da República, supunham
encarnar”214.
Ao considerar esses fatores que marcaram a formação do Brasil rumo ao
interior e da Argentina rumo ao deserto, entende-se que a região deve ser
analisada como explica Bourdieu:

Ninguém poderia hoje sustentar que existem critérios capazes de fundamentar classificações
“naturais” em regiões “naturais”, separadas por fronteiras “naturais”. A fronteira nunca é mais
do que o produto de uma divisão a que se atribuirá maior ou menor fundamento na “realidade”
segundo os elementos que ela reúne, tenham entre si semelhanças mais ou menos numerosas
e mais ou menos fortes [...]215.

Desse modo, Bourdieu considera que as regiões são classificadas e definidas


por uma imposição, muitas vezes, arbitrária. São resultados de uma luta das
classificações e de um estado de relação de forças simbólicas e materiais216.
Assim, a invenção do espaço e da região é um dado marcante para o caso do
sertão e do Nordeste brasileiro. Denis Bernardes explica que as diversas
imagens em torno do Nordeste vinculam-se, ao longo do processo histórico
brasileiro, ao coronelismo, ao cangaceirismo, situados no que ele chama de um
universo “pré-capitalista” de formas “arcaicas” de relações sociais. “O Nordeste
seria, assim, a região onde o arcaísmo se confunde com o atraso nas relações
sociais e nas formas do exercício do poder”217, onde se misturam o tradicional
agrário-pastoril com a industrialização, ou mesmo com polos agrícolas mais
“modernos”. Como também analisa Manuel Correia de Andrade, o que existiu
foi uma visão de Nordeste construída nacionalmente e que percebia essa região
como “pobre, habitada por pessoas mal alimentadas, carentes […] É lembrada
sempre a presença de nordestinos pobres que viajam para as grandes cidades
para trabalhar nas atividades não-qualificadas e de baixa remuneração”218.
Durante o Império e a Primeira República, o Nordeste era conhecido como
“Norte”, porque o país estava dividido em duas porções: Norte e Sul. A divisão
oficial para o Nordeste, de acordo com Manuel Correia de Andrade, adveio
com o IBGE, em 1941, no contexto do Estado Novo, na presidência de Getúlio
Vargas, quando “a política federal procurava diminuir a autonomia dos Estados
e fazer uma integração nacional, a partir do fortalecimento do poder central”219.
No entanto, de acordo com Albuquerque Júnior, “o termo Nordeste é usado
inicialmente para designar a área de atuação da Inspetoria Federal de Obras
Contra as Secas (IFOCS) criada em 1919. Nesse discurso institucional, o
Nordeste surge como parte do Norte sujeita às estiagens e, por essa razão,
merecedora de especial atenção do poder público federal. O Nordeste é, em
grande medida, filho das secas”220.
Gilberto Freyre, em O Nordeste: Aspectos da In uência da Cana sobre a Vida e a
Paisagem do Nordeste do Brasil, datado de 1937, ou seja, no bojo do debate no
Brasil sobre o que seria o verdadeiramente nacional, fez a crítica em torno
dessa nova divisão, que para ele estaria “desfigurada pela expressão ‘obras do
Nordeste’ que quer dizer: ‘obras contra as secas”. E quase não sugere senão as
secas […] os sertões de paisagens duras doendo nos olhos”221. Freyre, então,
discute em seu livro o que ele chamava de outro Nordeste, “das árvores gordas,
de sombras profundas […] um Nordeste onde nunca deixa de haver uma
mancha de água: um avanço de mar”222, o Nordeste do açúcar que se contrapõe
ao Nordeste pastoril, dos semiáridos. Sem entrar nessa oposição entre os “dois
Nordestes” de Freyre, o que quero deixar claro é que, desde a formação
regional do Nordeste, muito se questionou sobre como essa divisão geográfica
foi construída ou mesmo assimilada pelo restante do país, principalmente a
geração freyreana regionalista de 1930, que via no Nordeste o espaço da
tradição em uma visão positivada do passado de uma região gloriosa da cana-
de-açúcar.
É válido salientar nesse contexto que, de acordo com Albuquerque Júnior,
“embora as secas, como a mestiçagem, continuem a fazer parte de qualquer
história da região, não são mais os fatores naturais que definem, que dão
identidade, que estão na origem da região”223. Assim, levamos em consideração
como a IFOCS entendeu o Nordeste, o que, de certo, in uenciou a forma como
o IBGE, oficialmente e em âmbito nacional, configurou essa nova região
destacando o Nordeste das “obras contra as secas”.
De acordo com Andrade, o que se pretendia era que cada Estado estivesse
“integrado em uma única região”224. No entanto, esse panorama se deu de
maneira concreta na década de 1930, marco desta pesquisa, onde, de acordo
com Denis Bernardes, o Estado Nacional afirmou uma regionalização, ou seja,
“de fato, desta data em diante, o recorte regional do território brasileiro
afirma-se plenamente e passa a constituir uma referência fundamental na ação
do Estado”225. O Nordeste, então, foi delimitado como região oficial,
consagração de um processo histórico iniciado anteriormente, como salienta
Denis Bernardes.
Trata-se de pensar que, nesse contexto, como analisa Lúcia Lippi Oliveira, a
soberania, como atributo exclusivo do Estado, e a capacidade de ação do
governo federal sobre todo o território, se unem na realização do objetivo
comum de criar a nacionalidade”226 e, assim, o projeto unificador estava posto
em prática. Logo, a ideia de unidade nacional almejada, nesse período, estava
inserida na premissa de que somente o Estado poderia dar subsídios à coesão
nacional; era ele o mantenedor da ordem, o tutor, a consciência da
coletividade, como analisa Lippi. Assim, os diversos sistemas simbólicos que
Getúlio Vargas adotou reforçavam as relações de força e de dominação que o
Estado imporia na definição do mundo social e do que seria o verdadeiramente
nacional.
Em suma, o Estado tinha “uma tarefa incontornável a cumprir”227 na
“organização” do Brasil. Segundo Angela de Castro Gomes, “nesse trabalho de
organização (palavra-chave do vocabulário da época), praticamente a maioria
das características que tornavam, até então, o Brasil, Brasil, deviam ser
repensadas”228. Isso significava que diversas questões do próprio processo
histórico formativo do país deviam ser pensadas, e “conformadas desde nossas
‘origens’ coloniais/imemoriais”229. De acordo com Gomes, isso se deu em um
país que, até os anos 1930, era visto como tradicional, atrasado, rural,
estabelecido no modelo agroexportador, com “muitos ‘vazios territoriais’ a
desbravar e ocupar”230. Tornava-se necessário modernizá-lo e, para isso, era
necessário “conquistar o seu território e organizar seu povo”231.
Para Gomes, “a integração do território significava fazer avançar o povo em
séculos, retirando-o do passado verdadeiramente colonial, para lançá-lo no
futuro do mundo urbano-industrial”232. A autora ainda aponta que “organizar”
remetia a um sentido político: “conhecer os problemas do Brasil e enfrentá-lo
com diretrizes científicas”233. Para isso, era preciso colocar em prática, no país,
um saber sociológico, histórico, geográfico, estatístico e não mais jurídico e
idealizado. Tratava-se de formar uma identidade coletiva e isso não queria
dizer, como analisa Gomes, que existiu um “Estado todo-poderoso” que atuava
“sobre uma tábua rasa”234; pelo contrário, formava-se um pacto entre o Estado
e a classe trabalhadora, por meio de laços que definiam os termos a partir dos
quais ambos atuariam.
Em síntese, a Revolução de 1930, para Vargas e seus dirigentes, era um marco
na história do país, porque a Primeira República, em realidade, consolidou um
modelo liberal que “só via os valores quantitativos do mundo e pretendia
construir um progresso sem cogitar do homem em sua dimensão total […]
Excessivamente internacionalista, não atentava para as especificidades
nacionais […] não conseguiria integrar o homem à terra brasileira”235.
Como analisa Gomes, para eles, a Revolução colocou ordem à sociedade
brasileira que vivia em um con ito político e sem um soberano que lhe
organizasse. Ela teria libertado o país da experiência fatídica do modelo liberal
da Primeira República que separou “a terra, o homem e as instituições
políticas”236. Por isso, o retorno às tradições fazia parte do projeto de
entendimento, do que Angela de Castro Gomes chama de dois pontos cruciais:
a natureza e a cultura brasileiras. Cabe-nos destacar, como coloca a autora, que
se pensava uma natureza relacionada a um grande território de riquezas
naturais, que era desconhecida por um antigo pensamento ufanista, ou seja, era
primordial reconhecer as potencialidades da população brasileira, desse
homem “cheio de virtudes ignoradas” por um liberalismo baseado nos valores
europeus e vinculado a um Estado que separou o homem da terra e o homem
do cidadão.
Assim, o Estado de Vargas, para os seus apoiadores, rompia com essa
condição e tornava-se inovador porque unia a elite e a massa, diferentemente
de uma República, que os tinha distanciado. Não se tratava de um retorno ao
passado, mas, sim, de um “novo começo”, com “um novo Estado”. Essa
restauração do homem brasileiro, de acordo com Gomes, estava situada nesse
“novo” e em um discurso que dizia: “a terra era rica e o homem era bom, mas
nada disso tinha significado quando abandonado e inexplorado”237. E é também
nesse contexto, segundo Denis Bernardes, que emergiu uma literatura regional
no Nordeste, com autores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e José
Américo de Almeida, que contribuíram “com motivações diversas, para dar ao
Nordeste um lugar não apenas na divisão territorial do país, mas também em
sua geografia cultural”238 .
Ao re etir o contexto dos anos 1930, nesse sentido, podemos pensar
novamente sobre essa disputa em torno da configuração do Nordeste/sertão
dentro das premissas analisadas por Pierre Bourdieu sobre o conceito de
região. Ora, se no governo Vargas se devia explorar a terra “inexplorada”,
pensamos se o sertão, em certos aspectos e medidas, também não se encaixa
nessa narrativa. Para Bourdieu, devemos compreender a região não somente
dando importância aos fenômenos físicos, é preciso considerar a intervenção do
Estado, os efeitos produzidos pelos movimentos de capitais ou as decisões de
certos grupos em relação as regiões239. Para o autor, a ideia de região também é
“objeto de representações mentais, quer dizer, de atos de percepção e de
apreciação, de conhecimento e de reconhecimento em que os agentes investem
os seus interesses e os seus pressupostos”240. Ou seja, esse conceito deve abarcar
as propriedades simbólicas utilizadas como estratégias de interesses diversos241.
Nessa perspectiva, a luta pela representação no sentido de imagens mentais e
manifestações sociais a respeito da identidade étnica ou regional são casos
particulares “de lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e
fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição das
divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos”242.
Pode-se pensar o mesmo para o caso de NOA. Bourdieu afirma que região
conduz ao princípio de “di-visão”, um ato propriamente social que:

[…] introduz por decreto uma descontinuidade decisória da continuidade natural […] A regio e as
suas fronteiras não passam de vestígio apagado do ato de autoridade que consiste em
circunscrever a região, o território, em impor a definição legítima [...] das fronteiras e do
território, em suma, o princípio de di-visão legítima do mundo social243.
Em suma, o que desejo evidenciar, ao falar sobre os conceitos de sertão e de
desierto, a própria constituição regional do Nordeste brasileiro e do Noroeste
argentino, e, ao assinalar suas construções discursivas, é que houve a afirmação
de uma visão científica para entender essas regiões que modificou e não
considerou os modelos locais desde o final do século XIX e, principalmente, no
século XX. As ideias de modernidade e de progresso, e a construção de uma
identidade nacional, resultaram no caráter civilizatório que certos grupos
sociais acreditavam exercer para que essas regiões saíssem de um possível
isolamento ou tradição. Bourdieu, nesse aspecto, fala das produções simbólicas
que são instrumentos de dominação. Isso significa que:

A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante […]; para integração
fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes
dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das
distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções […] a cultura que une
(intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e
que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a
definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante244.

Assim, este estabelecimento de hierarquias, de dominação e distinções entre


uma cultura dominante e uma subalterna, como aponta Bourdieu, está inserido
no percurso do entendimento sobre os sertões. A própria categoria sertões nos
remente a visões distintas que legitimaram a dominação de uma possível
missão civilizatória nas regiões do interior. Vejamos como isso ocorreu nos
casos do Brasil e da Argentina.
Na construção de narrativas em torno dos sertões brasileiros, alguns pontos
são fundamentais, por exemplo: o problema das retiradas em período de seca,
a questão da água, a ideia construída sobre o próprio espaço geográfico do
sertão e sobre a sua população sertaneja. A ida de Euclides da Cunha a
Canudos, as expedições já citadas do Instituto Oswaldo Cruz, bem como a
intelectualidade que vinha pensando essa população, como o próprio Euclides,
o farmacêutico Rodolfo Teófilo e Graciliano Ramos, são exemplos de como
esses olhares se expandiram em torno da ideia de como viviam e como eram os
sertões nordestinos e, por conseguinte, cearenses. Nesse sentido, a seca passou
a ser abordada “ora como um simples fenômeno climático, que está na origem
de todos os problemas do espaço onde ocorre, ora como um problema mais
vasto, com implicações econômicas, políticas e sociais”245.
As análises de Roger Chartier nos auxiliam a pensar como os discursos criam
dominação simbólica em uma dada sociedade:

[....] de um lado, os mecanismos da dominação simbólica que visam a fazer reconhecer pelos
próprios dominados as representações e as consumações que, justamente, qualificam (ou
melhor, desqualificam) sua cultura como inferior e ilegítima; de outro, as lógicas específicas à
obra nos empregos, usos, maneiras de fazer seu o que é imposto246.

Vale salientar o que aponta Suely Chacon: “[…] o fato de a imagem do Sertão
ter sido associada à seca, à pobreza e à dependência parece ter estabelecido
uma ‘concordância’ não discutível sobre esse estado de coisas.”247 A autora
salienta, assim, que o “meio ambiente considerado hostil é o principal
responsabilizado e isso justifica uma suposta relação consensual entre a
sociedade e seus governantes em torno desse ‘problema’”248. Perde-se,
portanto, o sertão como lugar de disputa, de luta e de negociações. Esse não é
nosso objetivo principal, mas é válido que se leve em consideração o sertão
plural, onde as correlações de forças sempre estiveram e estão na base do
discurso de dominação que paira nessa região.
Albuquerque Júnior afirma que foi a partir da seca de 1877 que o fenômeno
passou a ser discutido no âmbito nacional, atrelado a um apelo sensível à dor
da população sofredora pela seca. Alguns fatores são importantes para
entender esse marco: primeiro, não houve eleições em 1878, em algumas
províncias, por conta do número de votantes, o que não agradou as elites
locais; segundo, uma desnutrição epidêmica matou milhares de sertanejos e,
por conseguinte, houve um número insignificante de alistamento militar; por
fim, a concentração dos sertanejos que migravam para as cidades gerou o
“aumento da prostituição, dos furtos, dos saques, dos crimes de morte,
provocados pela situação de desespero”249. Isso justifica o fato de a seca de 1877
ter ficado conhecida como “a grande seca”, porque atingiu uma elite
latifundiária, que, mesmo recebendo um grande a uxo de dinheiro, após sua
divulgação na imprensa do Nordeste e em periódicos das capitais nacionais,
não deixou de entrar em uma grave crise econômica que desencadeou a
falência desses proprietários.
Nesse aspecto, não apenas o sertanejo foi afetado, mas também essa elite
rural e isso se tornou marco discursivo em torno da seca. O desencadeamento
de con itos, violências e ameaças à ordem rompeu o pacto tradicional de
lealdade e apadrinhamento, como aponta Albuquerque Júnior, “[…] os homens
pobres e os escravos foram abandonados pelos coronéis-pais-patrões”250. Logo,
a imagem discursiva em torno da seca também mudou, porque esses padrões
das relações de exploração foram postos em questão. Assim, o discurso das
secas, como aponta Albuquerque Júnior, passou a “produzir o esquecimento
desse momento histórico vivido pelas elites e esse passa a ser explicado pela
ocorrência da seca, deslocando, para o plano da natureza, explicações que se
encontravam no plano social”251.
Para o caso argentino, vale destacar essa construção de narrativas em torno
do “desierto” por meio de dois importantes intelectuais da época: Sarmiento e
Alberdi. No caso particular da Argentina, esses dois nomes foram fundamentais
para a consolidação de um projeto de nação no século XIX, como já apontado
no texto. Por isso, um espaço particular deve ser dedicado a eles, esmiuçando
um pouco mais suas ideias. Voltemos a esses autores para compreendermos o
lugar desse deserto na questão nacional.
Após a independência da Argentina, o progresso passa a ser pensado e
concebido em termos de um projeto de nação específico. Esse mesmo projeto
surge como aspiração de uma elite letrada hispano-americana, estabelecida
desde a chamada “Geração de 1837”; uma geração de jovens letrados de
Buenos Aires e do interior que estava disposta a rever os rumos da política
nacional até então nas mãos de Rosas e seus adeptos.
Juan Bautista Alberdi e Domingo Faustino Sarmiento foram dois exemplos de
propostas fundamentais na construção de uma Argentina pós-Rosista e,
consequentemente, nos discursos em relação às áreas do interior. Regiane
Gouveia afirma que intelectuais da América Latina, já em meados do século
XIX, “vinham chamando atenção para os problemas que o legado ibérico teria
conduzido [...] A ordem social e econômica herdada da metrópole ibérica era
um fardo muito pesado, que não poderia ter gerado outra realidade que não
aquela em que se encontravam”252; uma realidade que impedia a civilização e o
progresso.
Alberdi e Sarmiento são expoentes dessa intelectualidade e, neste trabalho,
atentar-nos-emos aos contextos em que Alberdi escreve Bases y puntos de partida
para la organización política de la República Argentina (1852), assim como, no caso
de Sarmiento, falaremos da sua fase subscrita em Facundo ou Civilização e
Barbárie (1845). Logo, para esta breve análise, interessa-nos como ambos
pensavam os projetos políticos para a Argentina no contexto em que
escreveram essas obras; onde se destacam, principalmente, por pensar a
Argentina e seus “desertos”. Entende-se, também, que ambos os autores
possuem trajetórias de pensamentos que se modificam ao longo das suas
narrativas sobre como entendiam a nação; particularidades estas que não
competem nesta re exão, mas que frisamos entendê-las e, proponho, com isso,
compreender essa fase específica de Alberdi e Sarmiento como ponto de
partida para as análises deste trabalho.
Nesse aspecto, Jorge Myers aponta a necessidade de considerarmos a
incidência sobre o lugar que ocupa um autor, sua condição de gênero, sua
identidade racial, sua etnicidade no interior do campo de produção para que
possamos reconstruir, assim, os processos de simbolização do passado253.
Vejamos, desse modo, como Alberdi pensava a Argentina e a in uência
europeia na formação nacional:

Nuestro régimen administrativo en hacienda, impuestos, rentas, etc., es casi hasta hoy la obra
de la Europa. ¿Y qué son nuestras constituciones políticas sino adopción de sistemas europeos
de gobierno? ¿Qué es nuestra gran revolución, en cuanto a ideas, sino una faz de la revolución
de Francia? Entrad en nuestras universidades y dadme ciencia que no sea europea; en nuestras
bibliotecas, y dadme un libro útil que no sea extranjero. Reparad en el traje que lleváis, de pies a
cabeza, y será raro que la suela de vuestro calzado sea americana. ¿Qué llamamos buen tono
sino lo que es europeo? ¿Quién lleva la soberanía de nuestras modas, usos elegantes y cómodos?
[...] En América todo lo que no es europeo es bárbaro: no hay más división que ésta: 1.o, el
indígena, es decir, el salvaje; 2.o, el europeo, es decir, nosotros los que hemos nacido en
América y hablamos español, los que creemos en Jesucristo y no en Pillán (dios de los
indígenas). No hay otra división del hombre americano [...] La única subdivisión que admite el
hombre americano español es en hombre del litoral y hombre de tierra adentro o
mediterráneo. Esta división es real y profunda. El primero es fruto de la acción civilizadora de la
Europa de este siglo, que se ejerce por el comercio y por la inmigración en los pueblos de la
costa. El otro es obra de la Europa del siglo XVI, de la Europa del tiempo de la conquista, que se
conserva intacto como en un recipiente, en los pueblos interiores de nuestro continente,
donde lo colocó España con el objeto de que se conservase así [...]Pero siempre es la Europa la
obrera de nuestra civilización. La prensa de iniciación y propaganda del verdadero espíritu de
progreso debe preguntar a los hombres de nuestro pueblo si se consideran de raza indígena, si se
tienen por Indios pampas o pehuenches de origen, si se creen descendientes de salvajes y
gentiles, y no de las razas extranjeras que trajeron la religión de Jesucristo y la civilización de la
Europa a este continente, en otro tiempo patria de gentiles254.

Em 1847, Alberdi falava de um progresso nacional baseado nos feitos que


Rosas teria criado. Seu mérito estaria justamente na reconstrução da
autoridade política e era necessário – agora – institucionalizar esse poder. Sobre
isso, Tulio Donghi explica que havia um pensamento autoritário encontrado
em Alberdi, porque esse autoritarismo seria necessário para manter a disciplina
da elite. Era preciso, nesse contexto, reaver os séculos do atraso colonial255, que
seriam guiados por uma elite letrada, disposta a aceitar seu novo e mais
modesto papel de definidora de programas que garantissem a permanência
hegemônica e crescente dos detentores de poder.
No trecho citado, Alberdi falava da civilização europeia em detrimento de
um passado indígena. A Argentina seria europeia por excelência; devia-se a
Europa toda elegância ou in uência de civilidade. O que havia, então, eram o
homem do litoral e o homem do interior – de tierra adentro, o civilizado versus o
bárbaro, selvagem. Não se devia, nesse sentido, negar a importância do
estrangeiro na formação dessa Argentina civilizada. A Europa era o modelo a
ser seguido, e o interior – ou mesmo o deserto – era o lugar da ausência dessa
civilização. Alberdi afirmava que as constituições políticas, os impostos, a parte
administrativa, bem como as ideias, os sistemas de governos, as universidades,
os livros úteis, tudo o que a população argentina tinha como organização devia-
se à Europa. Ele mesmo referia-se no fragmento mencionado: “Observe o traje
que você veste, da cabeça aos pés, e será raro que a sola do seu calçado seja
americano”, e complementava: “Na América tudo o que não é europeu é
bárbaro. Por isso, o verdadeiro espírito do progresso devia perguntar aos
nossos homens se eles se consideram de raça indígena ou se consideram ser eles
descendentes de selvagens e gentios, e não das raças estrangeiras que
trouxeram a religião de Jesus Cristo e a civilização”.
Como aponta María del Carmen Alba, Alberdi com os seus companheiros da
“Geração de 37”, caracterizados por uma revitalização do Ideal de Maio,
insistiram na oposição axiológica entre o indígena e o criollo. Assim, em suas
obras literárias, as figuras indígenas fazem sua aparição envoltas por uma aura
exótica que lhes desprovê de toda humanidade, assinalando a civilização
europeia como o caminho para o progresso256. Em Alberdi, invoca-se um
“modelo liberal baseado na educação, na modernização e no impulso à
migração europeia”257. Como analisa Andrea Roca, “repetindo o modelo
desértico, também apelará a esse espaço ideológico-político nas suas Bases y
puntos de partida para la organización de la República Argentina”258.
Em outro fragmento de Alberdi, tais ideias tornam-se evidentes:

La cuestión argentina de hoy es la cuestión de la América del Sud, a saber: buscar un sistema de
organización conveniente para obtener la población de sus desiertos, con pobladores capaces de
industria y libertad, para educar sus pueblos, no en las ciencias, no en la astronomía – eso es
ridículo por anticipado y prematuro–, sino en la industria y en la libertad práctica [...] Pero si el
desierto, si la soledad, si la falta de población es el mal que en América representa y resume
todos los demás, ¿cuál es la política que conviene para concluir con el desierto? Para poblar el
desierto son necesarias dos cosas capitales: abrir las puertas de él para que todos entren, y
asegurar el bienestar de los que en él penetran: la libertad a la puerta y la libertad dentro259.

Alberdi acreditava que a paz trazida por Rosas no período pós-revolucionário


teria sido fundamental. Sarmiento falava da necessidade de acelerar o
progresso nacional, porque Rosas teria relegado à nação uma moderada
prosperidade alcançada por uma relativa paz imposta por ele ao país. Isso
porque a guerra civil tinha deixado um legado de desgosto, penúria e sangue,
justificando a considerável concentração de poder nas mãos de Rosas. Seria
preciso ultrapassar a barreira rosista para que, assim, em definitivo, a paz e o
progresso pudessem ocorrer. Para Sarmiento, então, uma questão era
importante: a educação popular, como aponta Donghi. Seria o Estado
mantenedor de um papel decisivo na definição dos objetivos de mudança
econômico-social e do controle dos processos orientados a alcançá-los260.
Em Sarmiento vê-se mais uma diferença em relação a Alberdi: a noção do
passado colonial. O autor apesar de ser adepto da tradição colonial, sabia que
qualquer tentativa de retomá-la seria vã, como diz Donghi. Mas, compreendia
que a Hispanoamérica devia romper com o modelo de nação francês no qual
havia ficado presa após a Revolução Francesa.261 Na realidade ele encontrou
outro modelo de civilidade a ser seguido nos Estados Unidos; uma nova
civilização baseada na integração do mercado internacional, e esse mercado,
como afirma Donghi, só podia ser estruturado mediante uma comunicação
escrita com um público em potencial. Era preciso formar uma massa letrada
que resultasse em uma vasta massa de consumidores.
Alguns fatores seriam necessários para o alcance do bem-estar social, como a
distribuição da propriedade privada da terra, que era a crítica de Sarmiento à
concentração de terras na Argentina, analisada por ele, de acordo com Donghi,
em seu livro Facundo ou civilização e barbárie. Neste livro, o autor dizia que a
falta de ideologias igualitárias seria um dos dramas políticos argentinos, ou
seja, era preciso ir além dessa ordem que mantinha a plebe em feliz ignorância,
como aponta Donghi em suas análises. A civilização devia ser posta em prática
em todas as áreas do país. Logo, como analisa Regiane Gouveia, “Sarmiento
estimulou a adoção do modelo estadunidense em seu país, para que os
argentinos pudessem ingressar na modernidade. Algumas décadas depois de
escrever seu célebre Facundo (1845), Sarmiento em fins do século XIX foi um
dos mais exaltados na defesa do modelo estadunidense”262. Por esse motivo,
quando foi presidente da Argentina (1868-1864) “procurou implementá-lo,
incentivando o desenvolvimento da educação primária laica e aceitando a
‘conquista do deserto’ e o extermínio da população indígena”263.
Vejamos um exemplo de como ele via a Argentina e suas extensões, seus
“espaços vazios” e as pessoas que habitavam essas regiões, e também como
isso se une à análise que desenvolvo até aqui sobre a ideia da construção
discursiva em torno do deserto, na qual temos Sarmiento como um importante
nome da apropriação e disseminação:

A imensa extensão de país que está em seus extremos é inteiramente despovoada, e possui rios
navegáveis jamais sulcados por nenhuma frágil canoa. O mal que a ige a República Argentina é
a extensão: o deserto a rodeia por todos os lados e se insinua por suas entranhas; a soledade, o
despovoado sem nenhuma habitação humana são, em geral, os limites inquestionáveis entre
umas e outras províncias […] Ao sul e ao norte, espreitam os selvagens, que aguardam as noites
de lua para cair, feito um bando de hienas, sobre os rebanhos que pastam nos campos e sobre as
povoações indefesas […] Nós, contudo, queríamos a unidade na civilização e na liberdade, e nos
tem sido dada a unidade na barbárie e na escravidão […]264.

Assim, o deserto – de acordo com Pedro Floria – passava a ser um programa


político, visto como um território disponível e, depois, materialmente
conquistado por sujeição ou substituição de sua população indígena e criolla.
Esse conceito logrou não considerar a incorporação da população das fronteiras
internas, os atores tradicionais com seus sistemas de vida originários265. Mais
uma vez, Sarmiento pode elucidar o debate quando diz:
O homem da cidade veste traje europeu, vive da vida civilizada, tal como a conhecemos em
toda parte: lá estão as leis, as ideias de progresso, os meios de instrução, alguma organização
municipal, o governo regular, etc. Saindo do perímetro da cidade, tudo muda de aspecto: o
homem do campo usa outro traje, que chamarei americano, por ser comum a todos os povos;
seus hábitos de vida são diversos; suas necessidades, peculiares e limitadas; parecem suas
sociedades diferentes, dois povos estranhos um ao outro. Ainda há mais: o homem da
campanha, longe de aspirar a se assemelhar ao da cidade, recusa com desdém seu luxo e seus
modos corteses, e o vestuário do cidadão, o fraque, a capa, a sela, nenhum signo europeu pode
se apresentar impunemente na campanha. Tudo o que há de civilizado na cidade está ali
bloqueado, excluído266.

A distribuição do bem-estar social, então, para Sarmiento, era necessária para


a viabilidade econômica. Logo, o progresso econômico, postulado na mudança
da sociedade em seu conjunto, era fundamental como condição para ela. De
acordo com Donghi, a ascensão da plebe deixou de ser uma ameaça à ordem,
como nas re exões de Alberdi. Apesar desse pensamento, Sarmiento seguia
re etindo ser perigoso que alcançassem essa igualdade de forma autônoma. No
entanto, não acreditava na elite letrada para alcançar essa modernidade,
porque era carente de espírito público e usava sua ilustração como justificativa
para ver realizado seu ideal267. Assim, o deserto, apesar de inóspito, era passível
de civilização, mas alguém devia conduzir esse processo e Sarmiento se
colocava como esse “eu” capaz de realizar tal ação, porque não via na sua
geração essa possibilidade. O deserto venceria a barbárie.
O que se quer evidenciar é que Sarmiento e Alberdi “concordavam, em
meados do século XIX, que para refundar a nação argentina, após os choques
do período rosista, era necessário cancelar o passado e criar novas bases, novos
atores e novos mitos”268. Como colocamos até aqui, a diferença residia no papel
da herança europeia e do estrangeiro nesse contexto. Para Alberdi, a imigração
europeia podia ser um fator eficaz já que eles tinham hábitos de trabalho e de
consumo modernos diferentes da população indígena do interior e, para
Sarmiento, “o mais importante era o regime de propriedade e tomava como
modelo as fazendas médias assentadas no meio-oeste dos Estados Unidos”269.
Alberdi afirmava, também, que a colonização ibérica se preocupou apenas
com a exploração colonial, tendo como agravante “o fato dos colonizadores
terem permitido a junção de diferentes raças. A miscigenação era percebida
com horror [...] O resultado da permissividade racial, teria sido, portanto, um
povo degenerado”270. Também em Sarmiento o legado cultural hispânico, a
absorção dos indígenas, ou seja, a miscigenação, “teria sido a pior herança
recebida pela Espanha e por Portugal. Tal herança teria feito prevalecer na
América Ibérica aquelas raças incapazes de serem civilizadas”271, apesar de
acreditarem que era possível alcançarem as ideias de civilização e progresso.
Vale lembrar e destacar que, no caso brasileiro, na consolidação do Estado-
Nação, havia “menor preocupação por parte das elites de cancelar o passado,
denotando mais continuidades do que cortes com a herança lusitana”272. Em
torno desses debates entre Alberdi e Sarmiento273, encontra-se, na realidade, a
discussão acerca do domínio territorial que representa o domínio da
população. Devemos reconhecer, nesse aspecto, que a construção de uma
região e os discursos em torno dela relacionam-se diretamente “a contribuição
dada à construção do real pela representação que os agentes têm do real”274.
Isso implica compreender as lutas simbólicas em torno do conceito de região,
que levam a implicações políticas e econômicas reais. A formação de uma
narrativa, de certos discursos, em torno dos controles territoriais fica evidente
na formação da Argentina, assim como no caso brasileiro. Pode-se pensar, por
fim, se toda essa representação do deserto – assim como dos sertões – está
inserida no que Bourdieu entende como o poder simbólico, que significa o:

[…] poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto, o mundo; poder
quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força […] só se exerce
se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário275.

Bourdieu coloca que esse poder simbólico só se impõe porque existe uma
relação entre os que exercem o poder e os que estão sujeitos a ele276. Assim, os
intelectuais exerciam e legitimavam símbolos sobre a ideia de nação, do que
seria o verdadeiramente nacional, a autenticidade argentina, bem como vimos
no caso brasileiro. Também são eles que constituem o que ele chama de uma
“fração dominada da classe dominante [grifo do autor], que, em virtude da
ambiguidade estrutural de sua posição na estrutura da classe dominante, vê-se
forçada a manter uma relação ambivalente tanto com as frações dominantes da
classe dominante (‘os burgueses’) como com as classes dominadas (‘o povo’)”277.
Outra questão importante para se re etir, em relação aos sertões e aos
desiertos, é a compreensão do lugar das ideias racialistas que dominaram os
projetos nacionais na América Latina como um todo, no final do século XIX e
em boa parte do século XX. Isso significava que o racismo se colocava como
uma “justificação biológica, que impunha a determinados grupos humanos
uma inferioridade inata e que, de acordo com algumas dessas ideias, jamais
seria redimida”278. Assim, essa relação biológica de superioridade de uma raça
sobre outra tornava-se um projeto político. A civilização seria alcançada
quando as raças inferiores fossem dominadas. Logo, o índio, o negro, a
população tradicional do campo estavam inseridos, em grande parte, nessas
noções. Para uma nação alcançar o progresso, era necessário dominar o
território onde viviam essas populações e, por conseguinte, civilizá-las. Nesse
aspecto, o território é campo de disputa e faz parte da tentativa de dominação
desses países rumo às áreas do interior. Logo, o Ceará e Santiago del Estero
fazem parte desse processo que se dá no campo político e também discursivo, e
tem, como apontado até aqui, uma historicidade que permeou o final do século
XIX, com seus traços no século XX. Vejamos, a partir desse panorama, como
essas regiões eram formadas.

1.2 A composição regional e as geogra as do Ceará e de


Santiago del Estero
A região do Nordeste é composta pelos estados do Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, e “o São
Francisco separava o Nordeste do Leste e Sergipe e Bahia estavam integrados
no Leste”279. De acordo com Manuel Correia de Andrade, o Nordeste tornou-
se, desde o século XVIII, fornecedor de mão de obra para o Sudeste, sendo um
grande produtor de açúcar de cana, de álcool, fumo, cacau, carnaúba e
algodão.

Mapa 1 – Nordeste brasileiro280

Fonte: EMBRAPA. Disponível em: www.embrapa.br/contando-ciencia/regiao-nordeste

Os sertões do Nordeste vão da margem direita do Rio Parnaíba até o Rio


Itapicuru, abrangendo os estados do “Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia”281. De acordo com Ab’Sáber, é
um território duas ou três vezes maior do que o estado de São Paulo. Engloba a
zona da mata até os sertões mais distantes, ou o Rio Grande do Norte até o sul-
sudeste do Piauí. Refere-se, regionalmente, à extensão de Poções e Milagres,
município de Amargosa, na Bahia, até o noroeste do Ceará282. Seria “a região
quente no interior, de altitude de 100 a 300m”283.
Andrade explica que o semiárido, em geral, também se estende até a porção
setentrional de Minas Gerais, sendo uma região extensa com pequena
quantidade de chuva concentrada apenas em três ou quatro meses do ano e
muito conhecida por sua originalidade e sobretudo “pela propagação de
notícias sensacionalistas de suas secas periódicas nos jornais brasileiros e
estrangeiros”284. O clima, portanto, é tropical seco, com chuvas escassas, o que,
de acordo com Josué de Castro285, empobrece o solo pela erosão e leva a crises
de fome na região.
Mapa 2 – Semiárido brasileiro
Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre Determinantes Sociais da Saúde(CEPI DSS)/ ENSP
– FIOCRUZ. — Disponível em: http://dssbr.org/site/2013/07/seca-deixa-saude- dos-nordestinos-
ainda- mais-vulneravel /mapasemiarido_asa-2/.

Nas áreas secas, de acordo com Andrade, houve o predomínio da pecuária


extensiva de bovinos, caprinos e ovinos, da cultura de xerófilas e de algodão
arbóreo; com uma agricultura de vazantes com a mandioca, a macaxeira, o
milho, a cebola, o alho, entre outros. Em período de chuva, o que era seco
oresce e a caatinga fica um “oceano de verdura”286. Já no período seco, essas
árvores perdem suas folhas para armazenar a água que absorvem,
permanecendo verdes os cactos, os juazeiros, umbuzeiros e as quixabeiras, que
também conseguem armazenar água.
Capistrano de Abreu já narrava, no início do século XX, que a região atingida
pela seca tinha “serras capazes de condensarem vapores atmosféricos, nas
margens dos rios em lugares favorecidos pela umidade do subsolo [...]
Caatinga, carrasco, cerrado, agreste designam todos, várias formas de
vegetação xerófila”287, com raízes que prendiam a água, com folhas que caíam
em uma parte do ano “para melhor resistir à seca, limitando a evaporação”288.
Nessa paisagem, encontravam-se, ainda, as serras e as chapadas “que se elevam
a 900 ou 1.000 metros acima do nível do mar e cerca de 500 a 600 metros acima
do planalto circundante”289, formando uma paisagem de oresta tropical de
altitude. Logo, de acordo com Andrade, “no planalto, a agricultura de vazante,
a cultura irrigada nas margens dos rios e a pecuária extensiva aliada à produção
de algodão constituem as fontes de renda da população”290.
A ocupação dessas áreas pelos colonizadores só se intensificou “a partir do
início do século XVIII, quando uma Carta Régia proibiu a criação de gado
numa faixa contida desde o litoral até uma distância de 10 léguas em direção
aos sertões”291. O interior do Nordeste seco ficou configurado por uma
população de índios e portugueses e com uma pequena parcela de negros nas
roças. No interior do Ceará, a ocupação se deu, portanto, no século XVIII, pela
entrada nas ribeiras do Jaguaribe e do Acaraú292, e foi nesse contexto que, de
acordo com Andrade, uma economia agrícola associada à sucessão hereditária
levou à formação de médias e pequenas propriedades que deram origem aos
latifúndios.
Segundo o senador Pompeu Brasil, para os sertanejos se não chovesse em
dezembro, no dia de Santa Luzia, apelavam para um ano melhor em janeiro e,
depois, para São José, em 19 de março. Se, até então, não chovesse declarava-
se, para eles, a seca293. Ele explica que, em período de seca, os legumes,
mandioca, algodão, ou seja, toda a cultura do sertão morria e “apenas nas
serras mais frescas, como Baturité, Araripe, Ibiapaba, escapa alguma
cultura”294.
Thomaz Pompeu Sobrinho295 re etiu o problema da seca e dizia que a
estiagem não era simplesmente questão de água, mas compreendia um
fenômeno físico-social, e não somente geográfico. Ela atinge diretamente a
população e a economia de uma região, e acaba por causar redução
demográfica, emigrações forçadas ou a morte decorrente da fome e das
péssimas condições de saúde e higiene. De acordo com Pompeu Sobrinho, “na
primeira metade do século XX, o Nordeste experimentou 4 secas calamitosas,
nos anos de 1915, 1919, 1932 e 1942, à meia centúria, que se iniciara sob a
in uência da terrível seca de 1900, terminou nas vésperas de um quinto agelo
clímico, que se desenrolou, mais ou menos acentuado, de 1951 a 1953”296. As
secas de 1915, 1919 e 1932, de acordo com Sobrinho, atingiram o clímax não
somente pelo número de vítimas de inanição mas também pela amplitude do
acontecimento na vida da população sertaneja, que não estava preparada para
as fortes estiagens.
Já a região do Noroeste Argentino (NOA) é localizada no extremo noroeste
da Argentina e tem como limites o Chile (oeste) e a Bolívia (norte). As
províncias que a compõem são Jujuy, Salta, Tucumán, Catamarca e Santiago
del Estero, e representam cerca de 16,7% do total da superfície continental do
país297.
De acordo com Maria Laura Corso y Vanina Pietragalla298, a Argentina é o
país da América Latina com maior superfície árida, semiárida e subúmida seca,
abarcando 75% do território nacional. Existem, nessa extensão territorial,
diferentes ambientes de bosques, estepes arbustivos e graminosos, e o deserto.
Destaca-se, também, o chamado Parque Chaqueño, onde há uma área mais
seca, denominada Chaco Semiárido, e nela se encontram as regiões de Formosa,
Chaco, Salta, Tucumán, Santiago del Estero e Córdoba. Aqui, de fato, a fauna e
o problema da irregularidade de chuvas, por conseguinte da água, também está
presente.
Mapa 3 – Argentina por regiões
Disponível em: http://www.gifex.com/argentina_mapas/Mapa_Regiones_Argentina.htm

Segundo Guido Frediani, a área do chamado Parque Chaqueño se estende ao


sul das serras de Mato Grosso até o rio Terceiro de Córdoba, dividindo-se em
duas zonas: a Oriental úmida e a Ocidental Seca, que ocupa a maior parte das
províncias de Formosa, Santiago del Estero, Chaco, norte da província de Santa
Fé, Córdoba, oeste de São Luís, Catamarca, Tucumán, Salta e Jujuy299. Santiago,
por se encontrar nessa área ocidental úmida, apresenta três grandes regiões: a
oresta, a central e a salina. A primeira tem como limite o rio Salado até o
leste, caracterizando-se por formações de bosque naturais do parque chaqueño.
Ao sul dessa região, estão os bosques e os campos, fundamentais para o cultivo
do algodão e das ervas, aptas para o gado. A segunda, chamada central, está
determinada pelos seus grandes rios, o Dulce e o Salado, os quais a
transformaram na zona mais rica e produtiva, onde se encontram maior
densidade populacional, com uma vasta rede de canais. A última, chamada
região Salina, que vai desde o rio Dulce até o limite Oeste e Sul, é um deserto
salino; em geral, trata-se de uma zona deprimida, com escassa agricultura,
poucos centros populacionais e vegetação raquítica com terras arenosas.
Alberto Tasso explica que Santiago del Estero pertence ao chaco seco e seus
solos, clima e ora são fatores centrais para todas as atividades produtivas. O
clima meridional, de invernos breves a longa estação seca, permite
compreender a importância da água como determinante para povoação e para
produção300.
Tasso e Carlos Zurita mostram, ainda, sumariamente, que no território
santiagueño há o que eles consideram algumas notas dominantes e que
devemos expor aqui: primeiro que se trata de uma planície subtropical
dilatada, ocupando 136.351 km2 no norte da Argentina; segundo, que possui
duas estações definidas com um longo e intenso verão, em que as temperaturas
máximas normalmente superam os 40 graus, e um breve ainda acentuado
inverno, com mínimas que vão, às vezes, até 10 graus abaixo de zero; terceiro,
que o padrão de semiaridez que impera no clima também se manifesta na
escassez de chuvas, com a média anual de 600 mm, concentrada no verão; e,
por fim, que os solos são suscetíveis à erosão e em grande parte possui sérios
problemas de sódio e de salinidade301. Observa-se uma diferença importante
com o semiárido brasileiro: a baixa temperatura no inverno. Mesmo que essa
estação seja menor do que a do verão, também caracteriza a semiaridez da
região santiagueña e é importante que deixemos essa particularidade
evidenciada neste trabalho.
Para Frediani, apesar dessa diversidade geográfica, Santiago exibe um quadro
de grandes possibilidades de crescimento e que se deve re etir como as
autoridades podem reverter um processo estrutural de grandes capacidades
que existe nessa província.
Em Santiago, ao longo da história, também houve algumas secas
significativas. José Luis Grosso assinala que, em 60 anos, nove secas ocorreram:
1700, 1794, 1799, 1802, 1817, 1820 e 1846, sendo esta última de longa duração e
acompanhada de uma grande peste. Por exemplo, a varíola tomou conta da
região em 1718; a cólera, em 1868 e em 1887; e o paludismo, em 1902.
Destacam-se que os períodos secos registrados e que atingiram número maior
de regiões na Argentina foram os dos anos de 1915-16 e 1924-25, 1916-17, 1933-
34, 1936-37, 1938-39 e 1944-45. Porém, a década com maior ocorrência de seca
em grande escala foi a de 1931-40302, contexto em que ocorreu a grande seca de
1937, em Santiago del Estero.

Mapa 4 – Ecorregión Chaco Seco


TORRELLA, Sebastián y ADÁMOLI, Jorge. Situación ambiental de la ecorregión del Chaco seco. En:
BROWN, Alejandro [et al.]. – La situación ambiental argentina 2005. Ecorregión Chaco Seco.
Buenos Aires: Fundación Vida Silvestre Argentina, 2006, p. 73-90; p.73.

Deseja-se evidenciar também que, de acordo com Tasso, Santiago se


desenvolveu às margens dos rios, com a criação de animais, cabras, vacas,
cavalos e mulas, em estreita relação com a oresta e seus recursos, o que teria
definido os principais produtos econômicos exportáveis, além da organização
local, das relações de dominação e dos tipos sociais predominantes. A vida e a
agricultura campesinas, até 1870, eram marcadas fortemente pelas tradições
indígenas, o que foi fundamental para a nova agricultura nas fazendas, que se
desenvolveu com a modernização, no que diz respeito ao papel de reprodutora
das forças de trabalho. Além desses fatores, no século XX, Santiago del Estero
assistiu à entrada de imigrantes estrangeiros, como espanhóis, italianos, sírios,
libaneses, dinamarqueses, russos, onde se instalaram como comerciantes,
agricultores, trabalhadores ou colonos303.
Tasso e Zurita analisam que a zona mediterrânea de Santiago, onde se
encontram os rios Dulce e Salado, merece destaque por sua ampla franja
diagonal que cruza a província desde o noroeste ao sudeste, abarcando os 14
departamentos bilíngues, onde a língua quíchua coexiste com o espanhol e
constitui, assim, a base demográfica e o núcleo histórico territorial da
província. Os autores explicam que, durante séculos, especialmente no âmbito
da in uência do rio Dulce, nas crescentes dos meses de verão, formavam-se o
que ele chama de “esteros y bañados”, espaços de terras sedimentadas que eram
aproveitadas pelas antigas populações para realizar seus cultivos,
especialmente de milho. Para Tasso e Zurita, foi a partir dessas práticas, que
eles classificam como ancestrais, que se configurou uma relação entre os
santiagueños com a paisagem e o meio ambiente, e esse parâmetro se
evidencia nos mitos, nas lendas e no folclore popular304.

1.3 As construções de imagens sobre as populações cearenses e


santiagueñas: um breve recuo temporal
Nos primeiros séculos da colonização portuguesa, predominavam, nos
sertões nordestinos, os povos indígenas que só perderam o domínio da região
após a “guerra dos bárbaros”305. Foi com o aumento do rebanho que a
população sertaneja se expandiu, principalmente, nas serras das chapadas do
Araripe, Diamantina e Serra Negra, e o índio se tornou o “cabra” dos sertões.
Um exemplo de que a população sertaneja é indígena por excelência é que, na
Serra de Ibiapaba, um oásis em meio à caatinga situada no semiárido cearense,
de acordo com Lígio Maia, “se desenvolveu uma das maiores aldeias indígenas
sob o governo da Companhia de Jesus, no Brasil, fora da área das missões do
Paraná-Uruguai”306. Na aldeia que ficava na cidade de Viçosa do Ceará, em
1756, de acordo com Maia, habitavam 632 tapuias e 5474 índios tabajara. Os
padres recebiam como doações algumas fazendas, que eram administradas por
um criador, um homem branco e um escravo. Já no tempo da “recolha do
gado”, como explica Maia, o vaqueiro e o escravo eram auxiliados por um
índio. Logo, a vida social desses locais se configurou na relação das fazendas de
gado, o comércio entre índios e não índios no cultivo e na produção de farinha,
na fiação de algodão e no serviço desses indígenas aos moradores da região.
Havia direitos, deveres e obrigações desses aldeados na lógica da colonização.
Vale um parêntese, nesse sentido. No caso de Santiago del Estero, a cultura
incaica e o idioma quíchua permaneceram impressos na cultura local, mesmo
com as tentativas do país de miná-los. Ao mesmo tempo que a in uência
indígena era vista como o atraso da região, foi apropriada em um dado
momento como resistência cultural. No Nordeste brasileiro, a questão indígena
foi excluída, em grande parte, de acordo com João Pacheco de Oliveira, porque
os governos provinciais passaram a considerar, no século XIX, que não havia
mais índios no Nordeste; o que existia eram seus remanescentes, e suas
manifestações culturais podiam ser estudadas como folclore. Esses índios, de
acordo com o movimento indianista, eram aqueles povos que antecederam à
colonização e eram personagens trágicos “cujo destino seria o
desaparecimento”307. Assim, explica-se a invisibilidade dos índios do Nordeste
e, por conseguinte, das áreas semiáridas, como as do Ceará. Nesse aspecto,
também, as terras coletivas que ainda existiam no contexto do século XIX
podiam ser transferidas para novos donos, já que os índios estariam extintos e
tornaram-se terras mais produtivas. Esse era, como explica Oliveira, o discurso
oficial e de intelectuais desse período.
Oliveira analisa, também, um fator importante sobre os índios do Nordeste.
O autor explica que a atuação de órgãos indigenistas para com esses “índios do
norte” sempre foi evitada, isso porque eles consideravam que os índios tinham
um “alto grau de incorporação na economia e na sociedade regionais”308. Tal
fato se explica porque a atuação desses órgãos sempre se deu em situação de
fronteira em expansão, onde o índio tinha uma cultura diferente dos não índios.
Eles tinham, portanto, de mediar e articular esses dois mundos, ou mesmo,
ainda, regularizar os mercados de terras e a situação do desenvolvimento
econômico dessas populações. “No Nordeste, contudo, os “índios” eram
sertanejos pobres e sem acesso à terra, bem como desprovidos de forte
contrastividade cultural em uma área de colonização antiga, com as formas
econômicas e a malha fundiária definidas”309. Logo, esses órgãos indigenistas
justificavam sua pouca atuação porque acreditavam que deviam atuar com
“índios”, e não com “meros remanescentes”310.
Novamente, esse é ponto principal das análises de Oliveira e que interessa em
específico: o “apagamento” histórico dos índios do Norte. Oliveira salienta que
as terras dos “índios do nordeste” foram incorporadas pelos colonizadores
anteriores, “não diferindo muito as suas posses atuais do padrão camponês e
estando entremeados à população regional”311. Isso se difere do caso da
Amazônia, por exemplo; daí a dificuldade de se entender onde se encontra o
“índio do sertão”: ele é camponês, é sertanejo, é sitiante, posseiro... Todas essas
categorias, essas misturas, dificultam o entendimento do lugar dessa população
no cenário do Nordeste, e nesse caso específico, dos sertões. Por isso, para
Oliveira, o desafio em relação aos “índios do nordeste” é “restabelecer os
territórios […] desnaturalizando a ‘mistura’ [grifo do autor] como única via de
sobrevivência”312. Vejamos como essas misturas in uenciaram as dificuldades
de entender onde se encontram os índios do Nordeste.
No contexto colonial, Oliveira explica que, com as missões religiosas,
principalmente no sertão do rio São Francisco, o Estado colonial português
incorporou os “índios mansos”, que já eram resultados de uma primeira
“mistura”. Junto a isso ainda houve a necessidade de articulação desse “índio”
com o mercado. Foram com as Missões que ocorreu também o que o autor
chama de uma segunda “mistura”, quando nos aldeamentos havia o estímulo
“a casamentos interétnicos e a fixação de colonos brancos”313 dentro desses
espaços. Nos sertões, como não havia um uxo migratório grande, “as antigas
terras dos aldeamentos permaneceram sob o controle de uma população dos
índios das missões, que as mantinham como de posse comum”314.
Oliveira analisa que, no contexto da Lei de Terras de 1850, houve uma
terceira “mistura” quando os governos provinciais declaram extintos os
aldeamentos indígenas, “incorporando seus terrenos a comarcas e municípios
em formação”315. Portanto, devido a essas “misturas”, no século XIX já não se
falava mais em “índios do nordeste” mas, como já mencionado aqui, em
“remanescentes”, “descendentes”, “índios misturados”. Tal fator em especial
interessa-me, pois, na categoria complexa e uida do sertanejo, que citaremos
aqui ao longo desta análise, está inserido o “índio”, mesmo que não consigamos
observá-lo de maneira mais adequada e minuciosa. Assim, também veremos
que, em Santiago del Estero, o “índio” também foi “assimilado”, “misturado”.
No entanto, é possível observar sua “cultura” impressa na região, fazendo
parte, inclusive, da construção discursiva santiagueña muito mais claramente
do que na cearense sertaneja.
A exemplo disso, observemos o que diz Capistrano de Abreu, em 1907, no
seu livro Capítulos de História Colonial, em trecho no qual retrata a figura do
índio brasileiro:

Se agora examinarmos a in uência do meio sobre esses povos naturais, não se afigura a
indolência o seu principal característico. Indolente o indígena era sem dúvida, mas também
capaz de grandes esforços, podia dar e deu muito de si. O principal efeito dos fatores
antropogeográficos foi dispensar a cooperação […] A mesma ausência de cooperação, a mesma
incapacidade de ação incorporada e inteligente, limitada apenas pela divisão do trabalho e suas
consequências, parece terem os indígenas legado aos seus sucessores316.

Essa visão remete a duas questões que perpassaram os olhares sobre a


população sertaneja ao longo dos séculos XIX e XX. Em primeiro lugar, a
indolência, a preguiça, a ociosidade, a ausência de hábitos de trabalho, aqui
retratadas por Capistrano como características dos índios, mas também, em
contrapartida, eles eram vistos como aqueles que deram muito de si para a
formação do Brasil. Essa ideia nos remete aos escritos euclidianos onde o
sertanejo era, sobretudo, um forte, ao mesmo tempo que representava
características “puras” e genuínas, passíveis de civilização.
Outro fator estava atrelado àquilo que já foi situado com a re exão de João
Pacheco de Oliveira: o índio não existia mais como aquele índio “puro” e, por
isso, Capistrano falava dos “seus sucessores”. Essa narrativa é muito
importante para entendermos como visões que pairaram na seca de 1932 sobre
os sertanejos já vieram fundamentadas no antigo debate sobre a ideia de uma
população que precisava ser civilizada, ao mesmo tempo que era ela essência
do Brasil, a origem de nossa brasilidade. Capistrano de Abreu317, como um
intelectual importante para o entendimento da herança indígena na formação
do Brasil, foi utilizado na Primeira República como um grande homem que
unia características do sertanejo e do índio, diferenciando-se dos intelectuais
urbanos cosmopolitas; era o litoral versus o sertão, sendo o último o corolário
de nossa essência como nação. Rebeca Gontijo relata que, na República,
Capistrano era visto como a compreensão da verdadeira “brasilidade”,
conceito utilizado por Afonso Celso, que indicava uma espécie de essência do
Brasil.
Pompeu Sobrinho, ao tratar da luta contra as secas desde o período colonial,
dizia que os “primitivos ocupantes destas regiões, com seus hábitos
relativamente nômades, fugiam dos lugares mais assolados para os que se
conservavam relativamente isentos dos efeitos do fenômeno”318. Completava
dizendo que eles “com o seu estado cultural primitivo, reagiam por meio da
magia, segundo ritos mais ou menos complicados de extrema ingenuidade”319.
Chamava, também, alguns índios tupis que acompanhavam os padres nas
expedições desbravadoras do Ceará de índios domesticados. Ao mesmo tempo,
também reconhecia que foram deles as primeiras contribuições no combate à
seca. O autor dizia que os indígenas, por nomadismo, migravam quando
ocorria uma estiagem, foram quem construiu represas em pequenos riachos, o
que Sobrinho chama de “germe da açudagem”. Além disso, foram eles que
disseminaram o cultivo do algodão arbóreo e da mandioca, o uso de alimentos
silvestres, como xique-xique, mucunã, macambira, e outros tubérculos também
foram herança indígena320.
Mais uma vez, pretendo deixar evidenciado que, para entendermos a
formação desses sertões, é necessário que levemos em consideração esses
fatores que analisei aqui de maneira sumária. Ou seja, desde o entendimento
sobre os índios do Brasil colonial que essa “herança” sertaneja e suas
características formaram uma visão de sertões e do sertanejo que perduraram –
com semelhanças e diferenças – também na década de 1930, como observado
nas falas de Pompeu Sobrinho.
Outra questão fundamental para o entendimento sobre a construção do que
era o sertanejo se encontra na obra de Euclides da Cunha321, Os sertões (1902).
Roberto Ventura afirma que, em Os sertões, Euclides criticava os desvios da
política republicana “em que acusou os governos federal e estadual e sobretudo
o Exército pelo genocídio dos habitantes de Canudos. Narrava a Guerra de
Canudos, travada no sertão da Bahia, de novembro de 1896 a outubro de 1897,
cujos momentos finais presenciara, cinco anos antes, como correspondente do
jornal O Estado de S. Paulo”322. Veremos que, na década de 1930, no contexto de
uma República que também passava a ser revista e questionada, a imprensa
nacional e a própria intelectualidade daquele contexto resgataram esse olhar
euclidiano para explicar os sertões e para entender também onde se
encontravam as raízes da brasilidade, principalmente apropriando-se do livro
Os sertões. O sertão era o encontro do verdadeiramente nacional e, desde a
década de 1920, certa ala do movimento modernista encontrou em Euclides o
intelectual que respondia à ideia de um país autêntico, que passava a olhar para
o interior, e não mais para o litoral.
Cabe re etir, como aponta Bourdieu, que, ao analisarmos uma obra, um
autor, é preciso inseri-lo no sistema de relações constitutivo da classe à qual
pertence. Ou seja, é necessário colocá-lo no campo ideológico de que faz parte
e que exprime a posição de uma categoria particular de escritores na estrutura
do campo intelectual. Assim, ao pensarmos em Euclides da Cunha, tanto no
momento da sua escrita quanto em sua apropriação posterior na década de
1930, ou mesmo em outros intelectuais que vamos citar adiante, como Rodolfo
Teófilo e Graciliano Ramos, é preciso situá-los no corpus instituído no interior
do campo ideológico de que fazem parte e das posições existentes do grupo de
agentes que os produziu. O intelectual, por conseguinte, está inserido em um
campo, que é um campo de posições de poder323.
É importante dizer que foram escolhidos para análise deste livro, as figuras de
Euclides da Cunha, Rodolfo Teófilo e Graciliano Ramos, porque cada um deles,
a seu tempo, retratou a ideia de sertão e foram importantes para que tal
concepção se afirmasse. Outros tantos intelectuais do século XIX e XX também
tiveram como temática de suas obras os sertões (alguns dos quais serão
re etidos a respeito no capítulo seguinte). No entanto, a título de introdução,
como ponto inicial para o debate em torno das narrativas construídas em
relação à região semiárida cearense, foram eleitos esses três intelectuais como
aportes importantes para darmos continuidade ao tema e ao lugar também que
esse território passou a ocupar no espaço nacional.
Dessa forma, isso faz com que, ao se analisar a leitura dos sertões feita por
alguns intelectuais situados neste trabalho, estejamos atentos ao que o autor
Pierre Bourdieu chama de habitus socialmente constituído desse campo
intelectual, que confere a certo grupo “tomadas de posições estéticas ou
ideológicas objetivamente vinculadas a estas posições”324. Bourdieu explica
que, se um intelectual ocupa um status social de produtor de bens simbólicos,
ele tende a entrar no jogo dos con itos entre as frações da classe dominante325.
Jorge Myers analisa que um estudo que leva a cabo a história dos intelectuais
deve “reconhecer que toda obra está atravessada por coordenadas que lhe são
extrínsecas, que a transcendem e a contêm”. É preciso “para construir o sentido
original de um texto, de uma pintura, de um plano arquitetônico, ressituá-lo
dentro do contexto de significação disponível na época em que foi originado”326.
Devemos considerar, portanto, os sujeitos coletivos discursivos, entendendo
suas correntes de pensamento político ou científico, discursos estéticos ou
estilísticos, linguagens e vocabulários da época e diversos conceitos.
Assim, por exemplo, Euclides da Cunha realiza e é produtor de símbolos
sobre os sertões e o sertanejo, e isso se re ete na ambiência de um intelectual
que, em meio à República, questionava o papel do sertão, da civilidade, da
posição do litoral e do interior na construção da identidade nacional. De acordo
com Roberto Ventura, a visão dessa República era um ponto central de sua
obra e uma preocupação presente em toda sua trajetória. “Está presente nos
artigos que escreveu para jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, de 1888 a
1892, e na maior parte de seus livros. Discutiu o regime republicano não só em
Os sertões (1902), narrativa crítica da guerra de Canudos, como em Contrastes e
confrontos (1907) e na terceira parte de À margem da história (1909)”327.
Euclides caracterizava o sertanejo como um ser humano que não levava
consigo os vícios da população do litoral. Isso se encontrava evidente na
caracterização do vaqueiro, quando ele dizia: “Raça forte e antiga, de
caracteres definidos e imutáveis mesmo nas maiores crises […] Expandindo-se
pelos sertões limítrofes ou próximos, de Goiás, Piauí, Maranhão, Ceará e
Pernambuco, tem um caráter de originalidade completa expresso mesmo nas
fundações que erigiu”328. E, ainda mais quando apresentava esse homem do
sertão, Euclides dizia:

[…] se desenvolveu fora do in uxo de outros elementos. E entregues à vida pastoril, a que por
índole se afeiçoavam, os curibocas ou cafusos trigueiros, antecedentes diretos dos vaqueiros
atuais, divorciados inteiramente das gentes do sul e da colonização intensa do litoral,
envolveram, adquirindo uma fisionomia original. Como que se criaram num país diverso329.
A figura do sertanejo em Euclides como um “tipo puro”, que, por não ter sido
submetido à civilização “evitou que descambassem para as aberrações e
vícios”, era um tipo físico constituído e forte, sempre visto como original pelo
autor. Mesmo que com características “selvagens” ele poderia alcançar – a seu
tempo – a civilidade. Essa visão sobre o sertanejo estava imersa na ideia de
uma República cujo futuro encontrava-se desacreditado pelo próprio autor.
Como analisa José Leonardo do Nascimento, os sertanejos “seriam as
subcategorias étnicas dos sertões, as ‘rochas vivas’ da nacionalidade, que mais
aptas estariam para constituir-se como nação”330. Albuquerque Júnior ressalta
que “a relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como
excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica,
tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional”331.
Assim, muitos intelectuais viam a população sertaneja dentro dos paradigmas
euclidianos, já que se baseavam nessa ideia de nação para entender o país;
muitos deles de origem nordestina, produtores também de bens simbólicos,
como o caso de Rodolfo Teófilo332. Nele, podemos ainda compreender algumas
imagens sobre os sertões e que nos fazem re etir sobre como, na década de
1930, essa região também era vista ainda a partir de certos discursos anteriores.
Em seu livro, A seca de 1915, encontramos alguns exemplos. Primeiro, quando
Teófilo re etia sobre a categoria “ agelado”. O farmacêutico, que viveu no
Ceará e ficou conhecido por escrever e atuar na vacinação em algumas
estiagens, dizia que essa nomenclatura surgiu com a seca de 1915. O significado
da palavra era emblemático, porque, além de estar referida à dor humana, ao
sofrimento e à tortura de vítimas de calamidades, pode ser atrelada a um
conceito biológico e, nesse conceito, os “ agelados” são parasitas causadores
de doenças.
Teófilo, em seu livro, narrava suas experiências nas secas de 1877 e 1915.
Contava que, em 1877, houve “um caso de um pai que matou o filho em
Quixadá para comer e, depois louco, furioso, morreu momentos depois em
horridas convulsões”333. Continuava dizendo que estava convencido de que
certos sertanejos que migravam antes mesmo de enfrentar o agelo eram
pessoas preguiçosas que vinham de estados como a Paraíba (região também
atingida pela forte estiagem). Em contrapartida, o farmacêutico dizia que havia
os sertanejos mais fracos – aqueles que emigravam – e os mais fortes que
ficavam “em seus domicílios, alimentando-se de raízes silvestres, esperando
pelo futuro inverno”334.
Outro exemplo desses olhares é quando o autor relata que, para ele,
agelados são todos aqueles que vivem durante a calamidade, porque muitos
cearenses “ficam sujeitos, como os retirantes, às moléstias, que se desenvolvem
durante as secas”335. Aqui, ele se referia à população da capital Fortaleza, que
recebia os sertanejos doentes na cidade, fato que não agradava a elite local.
Assim, ele dizia: “Não será um agelo ter-se a porta cheia de famintos, de
manhã à noite, pedindo esmola pelo amor de Deus? Haverá nada que mais
a ija a quem tem coração do que aquela triste e pungente súplica, feita em voz
sumida pela fome, com a fisionomia composta pelo rictus da miséria?”336
O sertanejo que come um filho pela fome, o preguiçoso ou o que permanece
na região porque é forte mostra-nos um olhar permanente dentro daquilo que
Pierre Bourdieu chama de “o poder simbólico” da representatividade. A ideia
de uma população sertaneja que em períodos de seca são pessoas desprovidas
de qualquer consciência, ou mesmo da construção de um sertão atrelado a um
“eterno atraso”, deve ser analisada dentro do que Bourdieu nomeia como
sistemas simbólicos, que “como instrumentos de conhecimento e comunicação,
só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder
simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma
ordem […] o sentido imediato do mundo”337. Ou seja, devemos pensar esse
sistema de símbolos dentro de uma função social, política, de integração social
“enquanto instrumento de conhecimento e de comunicação”338, porque assim
eles tornam possíveis o sentido em torno do mundo social. Re etir, então,
sobre essa caracterização do sertanejo descrita por Teófilo como uma narrativa
permeada de símbolos e que confere sentido e representação ao mundo social é
fundamental, principalmente no século XX, caracterizado pelas ideias de
civilização e progresso baseadas na ciência. Esse poder simbólico tem o papel
de mantenedor da ordem, da dominação e das correlações de forças existentes
nos sertões.
Quando Teófilo dizia que “o cearense, em razão das repetidas secas, tem um
pendor especial para esmolar”339 ou mesmo quando ressaltava que o cearense
tinha uma “resistência orgânica, que não se encontra em habitante algum dos
outros Estados da República”340, frisando que somente o caboclo cearense podia
ter povoado a Amazônia, porque seu “organismo resistia às moléstias daquela
insalubre região e cujo espírito, impregnado de grosseiro fatalismo, era
indiferente às constantes e numerosas perdas de vida”341, acabava por
caracterizar o sertanejo ao clima e à região. Teófilo se encaixava entre aqueles
que se baseavam nas re exões de Euclides da Cunha e que “construiriam
ambiências e personagens envolvidos no cotidiano de miséria, ignorância e
doenças. Representariam vidas secas, depauperadas pelas agruras do meio
físico e pela exploração do grande latifúndio”342. Um adendo é importante,
nesse aspecto: Ventura salienta, o mais importante, que Euclides “viu Canudos
como desvio histórico capaz de ameaçar a ‘linha reta’, que ele, Euclides, seguia
desde a juventude, entendida como a fidelidade aos princípios éticos e políticos
amparados na crença no progresso e na República”343.
Um sertão que, em meio à seca, vivia ainda sob o estigma do distanciamento
de uma República que o “esquecia”, corroborava para que Teófilo tivesse
também uma visão fatalista ao construir a imagem do sertanejo. Dizia ele: “o
retirante não perdia ocasião de furtar, mostrando o seu nenhum escrúpulo,
tratando-se do dinheiro da Nação. Usava de tanto ardil, que não parecia obra
de gente não ignorante; ignorante, porém de grande inteligência. O que falta
em nosso mestiço é cultura”344. Essa visão sobre a população dos sertões está
inserida, mais uma vez, na ideia de que a ciência também devia opinar e
intervir na formação do país, dar os rumos para que isso ocorresse. Proponho
pensar, neste trabalho, também sobre um contexto em que a eugenia, a
superioridade e inferioridade das raças faziam parte do pensamento de alguns
intelectuais e da elite dirigente do país.
Apesar de Teófilo reconhecer o importante papel desse mestiço quando dizia
que era um erro supor que fosse um espírito inferior, corroborava com essa
visão eugênica quando ressaltava: “[…] até o cabra, produto do africano com o
índio, o mais inferior dos produtos, pode cativar o espírito”345. Albuquerque
Júnior salienta que, na realidade, muito se desacreditava desses homens pobres
do interior “vistos como, por natureza, preguiçosos, indolentes, sem iniciativa.
Só uma vanguarda modernizadora podia recuperar o sertão para civilização.
Uma civilização nacional, não importada da Europa”346.
É no contexto também do pós-Primeira Guerra Mundial que, segundo
Mônica Velloso, o Brasil se vê frente aos seus problemas, fazendo-se questionar
que, na realidade, “se o Brasil tem território, não tem ainda o que se pode
chamar de nação”347. Ou seja, era preciso rever a questão da identidade
nacional, formadora dessa nacionalidade. O desafio seria “encontrar um tipo
étnico específico capaz de representar a nacionalidade”348. Segundo Velloso, o
intelectual – e podemos pensar em Teófilo também nesse sentido – se via
corresponsável direto por encontrar essa identidade nacional, pois era um
momento de luta, de rompimento com um passado de dependência cultural
com os europeus.
Re etir criticamente os problemas dos sertões era necessário; por isso,
Teófilo trazia à tona – conforme já visto – a importância também da busca
desse tipo ético que representasse nossa nacionalidade, motivado pelas
questões raciais, como assim o fez Euclides da Cunha, do qual o autor era
discípulo. Teófilo dizia: “O grande Euclides da Cunha horrorizou-se vendo a
seca através de uns versos de Guerra Junqueira […]”349. Logo, na escrita de
Teófilo vemos esse Brasil rural, no qual o Nordeste sertanejo representava a
força e a bravura. Encontramos outra filiação com o pensamento euclidiano
quando o autor dizia: “O Ceará é como a Fênix da Mitologia: vive a ressurgir
das suas próprias cinzas; é a erva de Jericó dos sertões combustos da terra das
secas”350.
Ao se re etir sobre esses contextos, não se pode deixar de compreender o
papel do movimento modernista351 e as próprias contradições em seu interior.
O movimento tinha como pauta a crítica a um Brasil romantizado,
considerando pensá-lo por uma via racional e crítica, com valores cientificistas.
Era preciso alcançar uma racionalidade capitalista, utilitária e pragmática; era
necessário conhecer o país e “considerar suas peculiaridades e propriedades”352,
em busca de uma verdadeira brasilidade. Havia um questionamento em
relação ao regionalismo como apenas uma coleção de paisagens, conforme
aponta Albuquerque Júnior. Com isso, o modernismo353 pretendia “tomar os
elementos regionais para poder posteriormente rearrumá-los numa nova
imagem, e um novo texto para o país”354.
O Nordeste, nesse contexto, de acordo com Velloso, registrou seu protesto,
contra a homogeneização e um modelo citadino de vida, em um manifesto
regionalista em 1926. A autora coloca que, no bojo do debate sobre a
brasilidade, a questão regional se tornou um tema importante dentro do
modernismo. Duas visões estavam em xeque: na primeira delas, “as diferenças
existentes entre as várias regiões brasileiras passam a ser vistas como partes de
uma totalidade corporificada pela nação”355, ou seja, na realidade, devia-se
achar a unidade relativa à identidade e pensar sempre no conjunto. Nesse novo
contexto da escrita regional, não se pensava mais o meio ambiente e o fator
especial, e sim o temporal e o histórico.
Outra visão era o regionalismo de cunho localista – os chamados verde-
amarelos – que tendiam “a identificar a sua região como núcleo da
nacionalidade”356, considerando, nesse sentido, “um retorno idílico às tradições
do país”357; uma nacionalidade isenta de con itos e sempre harmônica, tendo
São Paulo como modelo para o Brasil. Assim, por exemplo, o tupi tornou-se o
cerne da nossa nacionalidade, porque simbolizava a nação. Como analisa
Velloso, o que se tinha era uma visão universal e crítica versus a geográfica e
localista, onde o Brasil autêntico era o rural, e o que ocorreu foi “a fusão
homem-natureza-brasilidade”358. Nesse sentido, Euclides da Cunha foi resgatado
como modelo de intelectual brasileiro, “porque sua obra fala do país, que é
rural”359. Logo, essa nova nação não era urbana, era caipira e cabia, agora, o
encontro do litoral com o interior, sendo o sertão aquele que devia “dar a sua
alma à cidade, para em seguida receber os benefícios oriundos da
civilização”360.
O Nordeste do discurso localista toma para si a história como elemento
discursivo, ou seja, o passado para legitimar o presente. Segundo Albuquerque
Júnior, a história como o lugar da produção da memória e de discurso “faz dela
um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado, de
reconhecerem uma região já presente no passado, precisando apenas ser
anunciada”361. O apagamento das diferenças regionais em nome da integração
nacional, forte discurso proferido nesse contexto anterior a 1930, faz com que o
Nordeste, por medo de perder espaço e, como salienta Albuquerque Júnior, de
manter sua dominação – agora, ameaçada –, promova um discurso do que ele
chama de “memória especial” de um Nordeste regionalista e tradicionalista. O
passado de tradição era evocado para que não se perdesse o lugar do Nordeste
nesse Brasil.
Já, de acordo com Lúcia Lippi Oliveira, um Brasil voltado para sua história,
com uma elite “permeada do ideal salvacionista e que se auto-atribui um papel
messiânico na vida nacional”362 marcava o contexto pós-1930. A tradição e a
modernização formaram uma verdadeira trama complexa, como aponta Lippi,
em todo o governo Vargas. A autora lembra que houve a valorização da
história nacional, das especificidades de cada povo, o que colocou os
intelectuais daquele contexto imersos em re exões e com chances de
participarem do processo político de forma mais direta. Foi, então, com a
Revolução de 1930 que se abriram as portas para o debate de projetos políticos,
como explica Lippi, permeados por três grandes eixos: “o elitismo, o
conservadorismo e o autoritarismo”363. O elitismo, “ao se basear no fato natural
e demonstrável da desigualdade humana, contribuía para aumentar a
descrença na doutrina da sabedoria popular”364, ou seja, a existência da elite se
naturalizava como algo dado. O conservadorismo, que se referia “a uma
vertente específica de concepção do mundo onde a ordem, a hierarquia e a
tradição têm um papel preponderante”365. O autoritarismo era conjugado ao
nacionalismo.
Sérgio Miceli afirma que, nesse contexto, o Estado tornou-se árbitro em
assuntos culturais. Os intelectuais, por conseguinte, ao apoiarem o governo de
Vargas, fundamentaram-se em “álibis nacionalistas”366. Ou seja, “o fato de
serem servidores do Estado lhes concedia melhores condições para a feitura de
obras que tomassem o pulso da Nação”367, dando sequência às posturas dos
modernistas. Eles se “autodefiniam como porta-vozes do conjunto da
sociedade […] vendo-se a si próprios como responsáveis pela gestão do espólio
cultural da nação”368. É assim que a concepção de “cultura brasileira” toma
corpo mais efetivo.
De acordo com Miceli, as clivagens ideológicas, ao longo do processo de
expansão do aparelho estatal, contemplaram, praticamente, todos os matizes
de pensamento como “militantes em organizações de esquerda, quadros da
cúpula integralista, porta-vozes da reação católica, figuras pertencentes à
intelectualidade tradicional”369. Logo, a literatura, conforme aponta
Albuquerque Júnior, passou a “oferecer sentido as várias realidades do país; a
desvendar a essência do Brasil real”370. Temos, a partir disso, a literatura de
Graciliano Ramos371 e seu livro Vidas Secas (1938), que representa, mais uma
vez, os sertões e a saga da vida sertaneja. No entanto, trata-se de um Nordeste
não mais utópico ou um lugar de sonho, como diz Albuquerque Júnior
referindo-se a uma literatura freyreana, mas sim de um território de misérias e
injustiças. Agora, era preciso se preocupar com o trabalhador, com os
operários. Segundo Maria Arruda, “o chamado romance regionalista, diga-se
de passagem uma denominação bastante imprecisa, resultou da combinação
entre o modernismo, que se forjou na assimilação da nossa oralidade e se
legitimou no compromisso com a realidade brasileira”372. Dentro disso,
encontra-se, então, Graciliano, que fez parte do projeto literário da “geração de
30”, valendo-se da “arte para mostrar uma sociedade vincada de espoliação e
opressão”373. A história de uma família nordestina que, em meio ao sertão da
seca, tentava driblar a adversidade da fome e da sede, migrando para um futuro
incerto, corroborava com essa nova visão de um Nordeste não mais da
tradição, da saudade, mas sim um espaço de luta, que buscava um futuro
melhor em meio a pobreza. O Nordeste que não era apenas do engenho, mas
do sertão, da pecuária, esquecido pelos poderes públicos e que devia ser
conhecido para superação de suas mazelas.
Vejamos como Graciliano retratou esse sertão em Fabiano, o pai da família,
principal personagem do livro Vidas Secas, que, em certo momento da história,
dizia:

– Você é um bicho, Fabiano.


Isso para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer as dificuldades.
Chegaria aquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de
palha.
– Um bicho. Fabiano374.

O que se vê, em Graciliano, é “a crise da sociedade e a viabilidade de inserção


do país no cenário da modernidade”375. Fabiano se achava um bicho, mas era
ele quem conseguia – com isso – suportar as dificuldades. O filho mais novo de
Fabiano e sinhá Vitória – certa hora de sua caminhada pelos sertões – parou de
se mexer e assim:
Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela desgraça.
A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o […] Pelo
espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado […]
Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato376.

Aqui, Graciliano se remete à sina de uma população cuja vida era


complementada pela seca, o que a tornava forte, como já vimos nas re exões
de Euclides da Cunha e Rodolfo Teófilo. No entanto, o faz sob visão fatalista,
ou seja, o sertão e o sertanejo mostravam o quadro de um país no qual, em
meio às ideias de modernidade e progresso, pairavam a desigualdade regional
“do atraso, do subdesenvolvimento, da alienação do país”377.
Para Maria Arruda, a geração de 1930, da qual Graciliano era membro,
tentava “apanhar os con itos e hesitações provenientes, quer da resistência de
modos de vida do passado, quer do impacto da mudança sobre essa realidade
carente de recursos para assimilá-la. Daí o eixo dessa literatura girar em torno
da ficcionalização do mundo agrário”378.
Esses con itos ficavam evidentes em Graciliano, bem como a ideia de
hereditariedade da sina do sertanejo. Este andaria como vaqueiro embrenhado
pelas veredas como seu avô e seu pai, como se fosse uma predestinação viver
para trabalhar para os donos de fazenda: “E, pensando bem, ele não era
homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros […] mas
como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-
se a presença dos brancos e julgava-se cabra”379.
Na década de 1930 a escrita do inconformismo e o anticonvencionalismo
tomaram conta de parte da literatura, conforme afirma Antônio Cândido.
Assim, “a escrita de um Graciliano Ramos […] embora não sofrendo a
in uência modernista, pôde ser aceita como ‘normal’ porque a sua despojada
secura tinha sido também assegurada pela libertação que o modernismo
efetuou”380. No entanto, como ressalta Albuquerque Júnior, em Graciliano
vemos corroborada uma visão do século passado sobre os sertões, com
imagens e discursos que iam “ao encontro, em grande parte, da imagem de
espaço-vítima, espoliado; espaço da carência, construído pelo discurso de suas
oligarquias”381.
Essa visão fatalista, ou mesmo vitimista encontrada em Graciliano Ramos,
vê-se neste trecho em que ele falava sobre Fabiano: “– Um homem, Fabiano.
Coçou o queixo cabeludo, parou, reacendeu o cigarro. Não, provavelmente não
seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos
brancos, quase um rês na fazenda alheia”382.
Graciliano, como uma intelectualidade de esquerda, – como analisa
Albuquerque Júnior a respeito dessa geração –, ao mesmo tempo que
denunciava a condição de dependência desse vaqueiro em relação ao dono da
fazenda, ao latifúndio, inseria-o na trama discursiva que pintou o sertanejo
como um eterno dependente de outrem ou mesmo “o Nordeste não existe sem
a seca e esta é atributo particular deste espaço”383. Em outro trecho, essas
questões ficam evidentes quando ele dizia sobre os filhos de Fabiano: “Os
meninos eram brutos como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de
um patrão invisível seriam pisados, maltratados, machucados [...]”384.
Observa-se, também, que era esse sertanejo oprimido pela sociedade
burguesa que poderia se rebelar contra ela. Quando Fabiano lamentava sua
condição de “inferioridade”:

Era infeliz, era a criatura mais infeliz do mundo. Devia ter ferido naquela tarde o soldado
amarelo, devia tê-lo cortado o facão. Cabra ordinário, mofino, encolhera-se e ensinara o
caminho. Esfregou a testa suada e enrugada. Para que recordar vergonha? Pobre dele. Estava
então decidido que viveria sempre assim? Cabra safado, mole. Se não fosse tão fraco, teria
entrado no cangaço e feito misérias. Depois levaria um tiro de emboscada ou envelheceria na
cadeia, cumprindo sentença, mas isto era melhor que acabar-se numa beira de caminho, assando
no calor […] Talvez tivesse preso e respeitado, um homem respeitado, um homem. Assim
como estava ninguém podia respeitá-lo. Não era homem, não era nada. Aguentava zinco no
lombo e não se vingava385.
Vale re etir, a partir das premissas analisadas por Albuquerque Júnior, que se
vê, em Graciliano, uma abordagem sobre o cangaceirismo “reduzindo-os quase
sempre a mera explicação econômica”386. O cangaceiro é um indivíduo
marginalizado pela sociedade e visto como herói pelos marginalizados como
ele; era esse cangaço que poderia ser usado como exemplo de luta contra a
opressão.
Cabe citar, por fim, considerando essa mesma perspectiva, a narrativa do
engenheiro agrônomo pertencente ao quadro da DNOCS, Paulo de Brito
Guerra, em 1977, em seu livro Flashes das Secas. Nele, o mesmo relatou os
episódios de sua atuação nas obras contra as secas na década de 1930. Dizia
Brito Guerra que o agelado, ou retirante, era aquele sertanejo “que, se não
chove no devido tempo, sai pela estrada em busca de um meio que lhe garanta
a sobrevivência, já que sua única atividade – a Agricultura – não se torna
possível na terra sem umidade”387. Também chamava o sertanejo de Cassaco
que é o “nome de um pequeno marsupial, muito comum no Nordeste, o qual
exala cheiro desagradável, e conduz os filhotes na bolsa ventral”388. Fazia,
assim, analogia entre o Cassaco e o sertanejo que levava consigo mulher e
filhos nas retiradas; seria ele “o mais autêntico agelado”. Foram esses
sertanejos cassacos que construíram os primeiros açudes e estradas do
Nordeste, trabalharam duramente nos serviços de terra, eram “heróis
anônimos” que mereciam estátua de bronze, uma em cada estado, dizia Brito
Guerra. O olhar sobre esse sertanejo como agelado, comparando-o a um
animal do sertão, ou mesmo a um herói anônimo, aquele que resistia à seca e
que não migrava por ser o mais autêntico dos sertanejos estava inserido – mais
uma vez – nas diversas abordagens às quais refiro-me até aqui e que são a base
deste trabalho.
Para Albuquerque Júnior, no final das contas, os discursos em torno da seca
em diversos contextos históricos não levaram em consideração que ela era um
“produto histórico de práticas e discursos, como invenção histórica e social, o
que implicaria, ao se falar em ‘seca do Norte’ ou ‘seca do Nordeste’, não se está
falando de qualquer estiagem, mas de um objeto ‘imagético-discursivo’”389. Ou
seja, é preciso entender que as imagens em torno das secas foram construídas
ao longo dos séculos e estão inseridas no embate de forças “que a toma como
objeto de saber”390. É necessário, nesse aspecto, compreendermos “a história da
invenção da própria seca como problema regional”391.
No caso santiagueño, algumas semelhanças se evidenciam e outras trajetórias
aparecem. A relação com os povos originários é emblemática para pensar essa
região e para representá-la. De acordo com Miguel Bartolomé, durante quase
três séculos em que os espanhóis estiveram em terras argentinas não houve a
necessidade de adentrar as terras dos índios, nas extensas regiões da Patagônia
e do Grande Chaco, cuja população mantinha relações tensas baseadas em
efêmeros tratados, intentos missionários, ataques ocasionais e expedições
punitivas. Como o autor coloca, a colonização espanhola não necessitava
dessas terras392.
A região chaqueña, como explica Julio César Spota, no século XIX, era uma
área promissora de crescimento econômico para os segmentos capitalistas
agroexportadores, estimulando, em um primeiro momento, a produção
agropecuária e, depois, a extração de madeiras para a fabricação de durmientes
ferroviarios. Porém, o que o governo argentino precisava encarar era uma forte
resistência indígena, como analisa o autor.393
Se, de um lado, o desierto chaqueño, de forma imagético-discursiva, está
presente para dizer que essas áreas eram espaços vazios, ao mesmo tempo e
contraditoriamente, eram nelas, como explica Spota, que residiam populações
refratárias aos benefícios do impulso civilizatório e esse grupo era um
obstáculo ao avanço do progresso394.
Alberto Tasso afirma que a cultura santiagueña impressiona por sua
pluralidade de etnias: nelas, resistem a mescla do índio, do negro, do espanhol,
do mestiço395. De acordo com o autor, o que muito se assemelha ao caso
cearense, as relações patronais favoreciam a dominação, o modo de vida e de
produção do campesinato. Nesse sentido, como existe em todo o sertão
nordestino, em Santiago del Estero a figura do agregado estava presente, sendo
aquele que tinha o direito de ocupar a terra do patrão, mas devia lhe prestar
serviços. Assim, configurou-se uma agricultura comercial em conjunto com
uma economia popular campesina396.
José Grosso, ao tratar da questão da formação da população do Noroeste e
especificamente santiagueña, diz que, na configuração nacional a máxima era:
“Todos os índios estão mortos” e, logo, isso queria dizer: “Nós não somos
índios”. Era esse o discurso colonial. O autor coloca que, nesse sentido, durante
a construção da nação, depois de se servir em seus exércitos nas guerras de
independência e nas guerras federais, entre 1812 e 1850, dos negros “libertos”,
dos indígenas “já domesticados” e dos mestiços, puseram em prática, na década
de 1870, um programa de aniquilação dos índios ainda não vencidos, a
chamada “conquista del desierto”.
Desse modo, o autor nos remete a outra questão: se os índios estavam todos
mortos, os negros sequer eram mencionados. Mesmo quando se revelava nos
censos da cidade de Santiago del Estero, no século XVIII, que a maioria da
população era de escravos negros, eles foram “apagados” da história da região
e do próprio país. A invisibilidade também se fazia presente. A Argentina se
constituía, então, de índios mortos e negros invisíveis397. No entanto, Luis
Grosso assinala que o “índio” e o “negro” foram etnicidades protagonistas na
mesopotâmia santiagueña durante o período colonial. E que, em Santiago,
existe um grupo, onde se inserem as maiorias populares, rurais e urbanas, que
se percebem vinculadas com essas diferenças étnicas; em contrapartida, as
elites campesinas, das principais famílias da região, e do “centro” das cidades,
se autoconsideram de ascendência “espanhola”, vinculadas ao “progresso” e à
“civilização”. Elas rejeitam esses vínculos e tentam colocá-los e controlá-los sob
a categoria de folclore398.
A categoria índio, para Grosso, está situada em uma ampla e difusa rede de
significados, abarcando os paraguaios vencidos na guerra ocorrida de 1865 a
1870, e as numerosas milícias campesinas geradas nas campanhas provinciais
chamadas de “montoneras” (que viviam em bandos, sem uma disciplina militar,
a deslocar-se a esmo). Ou seja, o que o projeto liberal-burguês fez foi uni-los e
colocá-los junto aos guaranis, montoneros y pampas. Todos foram reconhecidos
como homens irracionais e inaptos. Assim, de acordo com o autor, o “índio”
visto como “outro” era um diferencial constitutivo da hegemonia nacional
argentina399.
Bernardo Canal Feijóo, importante autor santiagueño das décadas de 1930 e
1940, dizia que, na chegada dos europeus, a população indígena que habitava
Santiago del Estero falava diversos idiomas e, em sua maioria, permaneceu o
quíchua, o idioma do Império Inca. Essa língua, em meados do século XVII, já
podia ser considerada língua geral da população da região. Ele a via como um
idioma culto e refinado. Para Feijóo, o quíchua “se instauró como idioma del ‘otro
lado’: del colonizado, de la ruralidad, de los sectores desahuciados”400.
De acordo com José Grosso, a língua quíchua se tornou a identidade
santiagueña, ou mesmo o seu sinônimo “la identidad quichua”, com o desajuste
próprio de todo “sinônimo”401. Alberto Tasso e Zurita complementam tais
re exões quando analisam que as mudanças políticas ao longo da história logo
reprimiram o quíchua por motivações morais e políticas. De acordo com os
autores, o último estágio repressivo, que começou por volta de 1930 e 1942, foi
quando a restauração conservadora considerou necessário avançar sobre os
núcleos culturais dessa população nativa, assim como no final do século XIX se
havia avançado sobre suas terras e populações402.
Como Grosso explica, a identidade “santiagueña” se construiu juntamente às
outras identidades das províncias na Argentina, durante as guerras de
independência e as guerras federais da primeira metade do século XIX, como
apontado até aqui. A população santiagueña, frente à sociedade urbana porteña,
tornou-se a herdeira das desqualificações indígenas históricas, como vimos nas
falas de Sarmiento: “preguiçoso”, “atrasado”, “sujo”, “índio.”403 Desde seu uso
como mão de obra servil até a dispersão do seu pertencimento comunitário,
houve a tentativa de converter os “índios selvagens e domesticados” em
“cidadãos argentinos”. No século XIX, o índio se tornou um fator que
concentrava “la nueva identidad nacional”404.
Luis Grosso esclarece que a mentalidade civilizatória não tolerava os ritmos e
modalidades da vida social das províncias do “interior”; populações históricas
nas quais se evidenciam os rastros étnicos coloniais, do que ele chama de
“‘índios internos, sumados a ‘negros’ y sus mezclas”405. Assim, consolidou-se a
política de imigração europeia (“as raças superiores”) e o desprezo à cultura do
“índio” e dessas etnias (vistas como inferiores). A configuração do país se dava
da seguinte forma: no Pampa, na Patagônia e no Chaco, o que existiam eram os
resíduos interiores da alteridade indígena, ou seja, em estado bárbaro e sem
uma elite branca que reclamasse governo sobre eles. Nesse sentido, ou se devia
eliminá-la ou misturá-la, e as demais populações deviam ser europeizadas.
Logo, o que o autor chama de inimigo semi-iterno era o “‘índio del desierto’”406.
Santiago del Estero, especificamente, viu a entrada de italianos, espanhóis,
libaneses, judeus e dinamarqueses que colonizaram terras no Rio Dulce e
Salado. Dedicaram-se à exploração orestal e à agricultura, como analisado
por Alberto Tasso. Pouco a pouco, de acordo com Grosso, eles foram se
estabelecendo nas cidades santiagueñas. E, assim, uma Argentina branca e
europeia se fazia e se construía a partir dessa polarização valorativa da
identidade nacional sobre a região pampeana, tendo a cidade de Buenos Aires
como a cabeça. Isso se dava, principalmente, com o “(auto)ocultamiento de los
rostros oscuros que atravesaban las mayorías demográ cas y culturales del Norte hacia
el Sur”407.
Para Grosso, Santiago del Estero encontra-se nesses “rostros oscuros” da nação
argentina, que tinha seu modelo porteño-cêntrico como o primeiro a ser
seguido. Para o autor, a Argentina desejava, sim, reconhecer as singularidades
locais ou regionais internas, mas sem que esses particularismos se
transformassem em diferenças408. A nação era concebida em um modelo único
de apagamento do que se considerava o “outro”, o “diferente”. No entanto, em
Santiago del Estero, segundo suas análises, houve uma “(im)posibilidad
‘argentina’” e isso significava que Santiago foi habitada por essas “diferenças”409.
Ou seja, em meio à tentativa de homogeneização, houve um questionamento
do desenho estrutural que a Argentina tentava impor sobre o país. A exemplo
disso, Grosso mostra que o Censo de 1778 registrou que, em Santiago, havia
15% da população composta por espanhóis, 31% por índios, 50% por negros,
zambos (mistura de índio e negro) e mulatos livres (mistura de negro e
espanhol ou branco), mais 4% por escravos410, e havia uma população
majoritariamente rural.
Luis Grosso categorizou Santiago del Estero do período colonial da seguinte
forma: a) “La Parroquia de Santiago”, com sede na cidade de Santiago del Estero,
que continha 11% da população total. O resto da “parroquia, con sus villas,
pueblos de indios, fortines, estancias y chacras” somava 89% da população; b) A
área “del Salado”, que reunia “La Parroquia de Guañagasta” e “La Parroquia de
Salado” era a mais equilibrada etnicamente. “La Parroquia de Guañagasta” tinha
4% de espanhóis, 31% de índios, 65% de negros, zambos e mulatos livres e 3%
de escravos; “La Parroquia de Salado” 43% de espanhóis, 51% de índios, e 6% de
negros, zambos e mulatos livres e 10% de escravos. Na “Parroquia de Santiago”,
o autor destaca que havia, no total, 1.291 “negros” e suas misturas (somando as
classificações das quais ele se utiliza acima) e o resto eram espanhóis. Ou seja, o
que lhe chamava a atenção era justamente o fato de que a distribuição de
“negros” e “índios” foi mudando a ponto de não se encontrar registro de
nenhum “índio” no século XVIII411. No entanto, em realidade, existiam os
chamados “índios ausentes” que não viviam mais, por alguma motivação, no
“Pueblo de Indios”. Logo, para os censores, “índios” eram aqueles que viviam
nos chamados “Pueblos de Indios”, ou seja, somente os que residiam nesse
espaço podiam ser chamados de “índios”. Daí a não contabilização deles em
Santiago del Estero.
Portanto, ao menos em Santiago, podia-se categorizar a população da
seguinte forma: negros, índios, zambos y mulatos livres, e índios ausentes.
Logo, no Censo de 1778 se evidenciava uma maioria de “negros” e “índios”,
dentro de suas diversas categorias censais. Isso significou que, no Cabildo de
Santiago del Estero, 85% dos habitantes pertenciam a essas categorias. Nesse
contexto, segundo Grosso, “índio” e “negro” já eram camadas sociais bastantes
genéricas412. Essa estrutura é ponto-chave de entendimento das imagens
construídas sobre a província, ainda no contexto posterior da década de 1930,
em relação ao que se entende por ser santiagueño.
Em suma, o fundamental sobre a história dessa região é que a ideia de uma
Argentina branca e imigrante não se consolidou; no entanto, existiu a tentativa
de apagamento dessas categorias anteriormente citadas, pertencentes à
mesopotâmia santiagueña. No final do século XVIII e começo do XIX, os
Pueblos de Indios eram um mar de populações mestiças em movimento, com
forte predomínio de “negros” e suas misturas. Na Argentina, em particular, o
mestiço passou a ser uma categoria única para tratar dessa diversidade étnica,
como esclarece Grosso. Não se chamava mais essa população de mulata ou
zambo; todos eram mestiços e isso mostra que a ideia de homogeneização do
país desejava apagar o “negro”413 da história nacional.
Em relação ao “índio” como categoria, ainda se pode percebê-lo dentro de
Santiago del Estero, mas nunca relacionado à cidadania oficial. Ele é evocado
como um passado sepultado, como explica Grosso, na pré-história nacional e é
cultuado pelos setores mais baixos da população414.
Mesmo que o caso argentino de mestiçagem, para essa área em particular de
Santiago del Estero, tenha sido bastante semelhante ao caso brasileiro, que no
Brasil a mestiçagem se “afirmou” e não é essa comparação que desejo propor.
O que é importante salientar é que houve também a homogeneização e a
tentativa de apagamento do “negro” e do “índio” da história nacional
argentina, mas e o branqueamento foi mais estabelecido. No Brasil, quando se
trata do índio, como vimos no caso do Nordeste e do Ceará, especificamente, a
“mistura” foi mais emblemática e a invisibilidade conseguiu mascará-lo de
maneira mais perceptível que no caso santiagueño e de NOA. No entanto,
todos esses passados, do Brasil e da Argentina, configuraram os espaços
cearenses e santiagueños, fizeram parte da construção dessas regiões e
mostram que as políticas de cerceamento fizeram parte da incorporação das
teorias biológicas de inferioridade e superioridade das raças, e, portanto, nesses
países, consolidou-se o modelo de produção das diferenças, tratado por Anne-
Marie Thiesse415.
É fundamental salientar também, e é válido pontuar, que desde o final do
século XIX uma literatura médica, envolvida nos paradigmas das ciências
naturais para a análise social, ganhou espaço na América Latina em meio à
“instabilidade política; [à] dependência do capital estrangeiro […] e [aos]
problemas sociais, comuns à maioria dos países latino-americanos na época”.
Tais fatores fizeram com que “proliferassem conjecturas acerca da
incapacidade do continente de incorporar a modernização e alcançar o
progresso”416.
A América Latina como região enferma tomou conta dos estudos do século
XX. As ideias racistas europeias e o positivismo foram apropriados para a
realidade latino-americana. As políticas eugenistas que chegaram da Europa à
América Latina orientaram políticas de saneamento e buscaram incentivar a
imigração europeia, para que, em algumas décadas, a “população
‘branqueasse’”417. Em contrapartida, assim como ocorreu com certo grupo
intelectual no Brasil, na Argentina uma vertente intelectual passou a questionar
o criollismo pampeano. Como aponta Alejandra Mailhe, eles eram vinculados ao
antipositivismo modernista e passaram a ver, principalmente no Noroeste, a
“real” Argentina. Isso se dava em oposição a Buenos Aires, definida
negativamente por sua europeização. Como analisa a autora, vários discursos
que reivindicam a espiritualidade e a miscigenação indo-hispânica formavam
uma visão idealizante do passado colonial, pensado como o período em que
uma matriz de sociabilidade coesa é forjada, selando um ethos de identidade
duradouro, capaz de compensar o que ela caracteriza como “el impacto del
‘aluvión inmigratorio’”418.
Nesse sentido, pode-se citar Ricardo Rojas como um exemplo desse tipo de
intelectual para compreensão dessa conjuntura. Regiane Gouveia afirma que,
no contexto de Rojas, passou a haver um rechaço em relação à in uência norte-
americana e um sentimento de solidariedade para com a Espanha. Os Estados
Unidos seriam uma ameaça à soberania latino-americana. Muitos intelectuais
espanhóis vieram para a América Latina e muitos dos hispano-americanos,
como Rojas, se estabeleceram um período na Espanha. Era preciso olhar para
os norte-americanos não mais com o sentimento de inferioridade e
pessimismo419.
Mailhe qualifica Rojas como um autor regionalista. Esses autores podiam
estar atrelados a posições ideológicas diversas – o conservadorismo católico e o
nacionalismo populista, por exemplo. NOA e em particular Santiago del Estero
passaram a ser valorizados em função tanto do seu passado arqueológico
prestigioso quanto do peso do mundo colonial hispano-indígena, mais
autêntico do que em outras áreas do país420.
Como mostra Velloso, na América hispânica do início do século XX também
havia uma corrente que reconhecia e valorizava as heranças culturais maia,
asteca e inca, por exemplo. Isso significava que, “o resgate da diversidade
cultural constituiu-se em impulso decisivo para a modernização”421. Em seu
livro Blasón de Plata (1912), Rojas colocava:

[...] nuestra América precolombiana se nos aparece coronada por la misma gloria de las grandes
civilizaciones antiguas […] Las metrópolis de los reinos aztecas, mayas o quichuas, fueron
ciudades montañosas u occidentales por su vecindad al Pacífico […] Ha sido error asaz
generalizado entre nosotros de que el indio argentino fue totalmente exterminado por la saña
del conquistador, o pereció lentamente – mitayo, encomendado o yanacona – en los
padecimientos de la servidumbre colonial. Así habíamos llegado, con grave falseamiento de la
historia, a cernos un pueblo de pura raza europea, olvidando que la emancipación, salvo el
escaso número de los dirigentes, fue realizada por el cholo de las ciudades y el gaucho de los
campos, mestizos a quienes el nuevo dogma directamente beneficiaba422.

Nesse trecho, Rojas falava de uma herança indígena na história do país, sendo
um erro dizer que foram dizimados pelos colonizadores. Mais ainda, seria falso
dizer que a Argentina era uma população de pura raça europeia. Mailhe analisa
que Rojas era um intelectual importante do Estado que colaborou para um
discurso nacionalista. Esse Estado oligárquico, liberal e modernizador cooptou,
como aponta a autora, inúmeros intelectuais para elaborar discursos
identitários, a fim de criar um efeito inclusivo e homogeneizante, forjando
narrativas nacionais apelando a mitos históricos e políticos423, e era Rojas que
aspirava reforçar a dimensão americana – e inclusive indígena– da Argentina424.
Em outro trecho, Rojas dizia:

Al penetrar el conquistador en la tierra argentina, casi todos los pueblos nativos se plegaron a la
nueva civilización, según ya lo sabéis. Esto no impidió a algunos jefes, seguros de su fuerza y
sordos a los presagios de ruinda, levantarse contra el invasor. Encarnaban ellos la forma heroica
de la defensa patria, y su recuerdo ha de sernos venerando, porque su patriotismo, aunque
elemental, fincaba en el amor a la tierra indiana. Paramentados o desnudos, fuertes o débiles,
obscuros o ilustres, fueron lo según el grado de civilización aborigen que cada uno de ellos
representaba425.

Nesse fragmento, a força do índio e seu patriotismo o fizera resistir, também,


à colonização espanhola, pelo seu amor à terra. Quando ele coloca o papel do
índio na formação cultural argentina, isso fica mais evidente. A Argentina devia
olhar para o passado indígena de sua população. Rojas, então, acrescentava:

El pueblo argentino, al cobrar conciencia de sí mismo durante el siglo XX, ha padecido un doble
extravío acerca de sus orígenes: en lo que tenía de americano creyó necesario el
antihispanismo, y en lo que tenía de español juzgó menester el antiindianismo. Semejante
posición espiritual era el resultado de una deficiente información histórica, o la deformación
del pasado a través de las pasiones políticas, o la prueba de que la propia conciencia nacional no
había llegado a su madurez. La nueva posición que ahora buscamos ha de consistir en el
equilibrio de todas las fuerzas progenitoras, dentro de la emoción territorial [...] Pero un
estudio más completo de la génesis patri comienza a rehabilitar al indígena que el europeísmo
proscribiera de la historia [...]426.

A herança da mestiçagem do índio com o espanhol como ideia base da


formação dessa Argentina se encontrava no cerne dos debates regionalistas nos
anos 1920 e 1930, na América Latina, como mostra Mailhe. Essa mestiçagem
que se tornou a origem e o fundamento da identidade continental. A autora
ainda aponta um possível paralelo com o regionalismo de Gilberto Freyre, que
apresentaria forte ponto de contato com o modelo teórico de Rojas427. Logo,
mais uma vez encontramos semelhanças na formação discursiva em torno da
região do Noroeste argentino, bem como analisado com o Nordeste brasileiro
a ideia romantizada de uma miscigenação que conferia às populações argentina
e brasileira um tom de originalidade. Um quê de valorização folclorizada dessa
relação se fazia presente nos discursos em torno dessas áreas.
Cabe situar, de acordo com José Luis Bendicho Beired, que foi a partir da
década de 1920 que uma nova corrente de direita mobilizou-se no país, tendo
por intuito transformar a Argentina em uma grande potência. Essa corrente era
composta, em sua maioria, por intelectuais oriundos das tradicionais classes
dirigentes e que intervieram na vida pública, na publicação de jornais, revistas,
livros, em aliança com a Igreja Católica e com as forças armadas. Era um
“nacionalismo de direita” ou “direita nacionalista”, como aponta o autor.
Beired ressalta que essa corrente política arquitetou um conjunto de
representações, rompendo com a direita nacionalista, o que “representou uma
ruptura com o modelo de direita até então vigente na Argentina, ao assumir
posições veementemente antiliberais, estatistas, corporativistas, católicas”428.
Assim, o programa nacionalista autoritário se estabelecia no país.
De acordo com Anahi Ballent e Adrián Gorelik, nessa década a ampliação da
ação estatal de modernização territorial estava baseada em uma antiga
tradição cultural que havia identificado no território a chave dos males do
país429. Nessa perspectiva, ocorreu o que os autores chamam de “giro hacia el
‘descrubrimiento del interior, metáfora de la revinculación con una Argentina
‘profunda’”430. Portanto, a crise do campo e a urbanização de Buenos Aires são
dois processos que eclodiram no final da década, mas que marcaram,
retrospectivamente, todo o período. Logo, o contraste entre cidade e campo,
entre o litoral e o interior, configurou o que Ballent e Gorelik chamam de “‘los
dos países’”431.
A oposição entre o país real e o país falso estava nas re exões em torno dos
males da Argentina. Os autores explicam que esses “dois países” encarnaram a
oposição “real/falso, profundo/super cial, invisible/visible”432. O con ito existente
entre “la ciudad ‘europea’ y el interior provinciano”433 estava por trás da política de
modernização urbana dentro da metrópole e intimamente relacionado ao
fracasso e ao sucesso de políticas públicas e dos setores envolvidos na
modernização conservadora (os setores agroexportadores mais tradicionais e
seus oponentes que vieram dos setores do campo deslocados pelos limites da
política de modernização territorial). Por isso, o rural também fazia parte da
formação discursiva da Argentina dos anos 1930434.
Como analisa Oscar Terán, já em 1930 nasce, no país, uma conformação de
agrupamentos de frações nacionalistas, católicas e de esquerda, que vão
construir discursos variados para responder às perguntas em relação à crise do
presente e do futuro. Para o autor, não se pode negar o dinamismo criativo no
terreno da produção intelectual nesse período435. O primeiro deles foi o grupo
conhecido como revisionismo histórico, ligado aos intelectuais da direita
católica. Para eles, a história argentina, escrita pelos donos do poder, havia
ocultado a história real, verdadeira, profunda e essencial, como explica Terán.
A história oficial seria a “‘historia falsi cada’”436. Cabia a recuperação do legado
hispânico-católico em uma Argentina imersa em uma crise moral de longa data
da qual só era possível sair por meio de um renascimento espiritual que devia
ser de índole religiosa. Era um “‘republicanismo autoritario antiliberal’”437, que se
tratava de um nacionalismo elitista, com marcas explícitas de ligação com a
antiga linha do pensamento reacionário e conservador. Para esse grupo, era
necessário refazer a história, já que o liberalismo não só teria construído uma
história oposta aos interesses nacionais como também realizado um relato
historiográfico destinado a se autojustificar438. Em suma, para Oscar Terán, a
mensagem principal, em realidade, tratava-se de localizar uma nova classe
dirigente para o país, que politicamente e pela via antiliberal, pudesse
reinstalar os princípios da soberania nacional. Por isso, quando se revindicava
uma nova história (política) não significava, portanto, reconhecer a população,
as massas439.
Outro importante movimento foi o chamado grupo Sur, composto por um
nacionalismo católico e pelo comunismo. Entre os intelectuais que
pertenceram a esse grupo, destaca-se Bernardo Canal Feijóo, autor
santiagueño. De acordo com Terán, a revista Sur foi financiada por uma família
do patriarcado agropecuário argentino. Dentro da diversidade de intelectuais
existentes, Terán os caracterizou como um grupo voltado ao “‘liberalismo
aristocrático, espiritualista y cultural’”440. Um dos temas evocados, pela revista, foi
justamente o papel e a importância da responsabilidade (da missão) dos
intelectuais, que deviam se colocar acima dos con itos cotidianos e
transmitirem seu olhar estratégico sobre eles. O que vigorava, portanto, era
uma mensagem elitista e cosmopolita441. Havia, também, um tipo de escrita
ensaística, nos anos 1930, que via a Argentina como um país que perdeu seu
norte. Esses ensaios passavam a questionar quais as razões da crise em que o
país se encontrava. Normalmente, de acordo com Terán, eles estavam ligados
aos temas de identidade nacional442.
Trata-se de uma Argentina que se pensava enquanto nação, nesse contexto, e
o que seria sua cultura nacional – temas importantes para re etirmos as ideias
construídas sobre NOA e sobre Santiago del Estero. No cerne dessas discussões
e desses diversos grupos, o que se buscava, em 1930, era entender que
Argentina se desejava construir e isso incluía re etir o lugar de certas áreas no
âmbito nacional. O interior, o campo ou mesmo “las provincias de arriba”, como
Santiago, aqui ganham espaço de re exão.
Adrián Gorelik analisa que temos a emergência, portanto, de uma literatura
mais combativa, como foi o caso do intelectual santiagueño Canal Feijóo443.
Volto a ele para analisar o lugar da sua escrita nessa ideia de nação que se
pretendia. Para Gorelik, Canal Feijóo não via os problemas nacionais como
condição geográfica originária, mas sim como frutos de uma constituição
histórica e cultural da nação modificável. Dessa maneira, o autor entendia a
incapacidade da alma argentina em assumir um sentimento patriótico da
totalidade geográfica. Assim, percebia no homem do interior e santiagueño a
potencialidade simbólica da sua cidade natal444.
Ana Teresa Martínez afirma que Canal Feijóo se diferencia da escrita de
Ricardo Rojas, por exemplo, porque boa parte de sua vida e de sua produção
intelectual se desenvolveu na cidade onde nasceu, viveu e trabalhou: Santiago
del Estero. Ele também manteve sempre diálogo com intelectuais de todo o
país e fez o esforço, como aponta Martínez, de levar isso para Santiago. A
autora afirma que, para entender sua escrita, é necessário compreender que, na
década de 1930, Canal passou por diversas frustrações e tomadas de consciência
que foram vividas intensamente por sua geração. Essa tomada de consciência
em Santiago alcançou um caráter especialmente dramático que se pode ver na
experiência cotidiana de decadência da economia e da sociedade provincial445.
De acordo com Gorelik, na década de 1920446 três caminhos retratavam a
vocação do interior na cultura argentina: o primeiro, que ele chama de um
“regionalismo débil”, porque buscava pluralizar o mapa argentino
incorporando todas as regiões em função de um imaginário nacional,
colocando a cultura hispano-criolla com pinceladas indígenas de forma
decorativa. Outro que vinha buscando desde o centenário, como é o caso de
Ricardo Rojas, uma renovação estética nas fontes interiores da cultura
nacional447 e que, na realidade, exerceu um novo exotismo bastante estranho a
qualquer raiz local. E um terceiro caminho, de cunho mais científico e menos
artístico, restabelecia a importância tradições folclóricas; caminho este seguido
por Canal Feijóo. Não se tratava de um mero colecionismo, como analisa o
autor, mas sim de uma análise de caráter moderno partindo das ciências do
homem, desde a Antropologia até a Psicanálise.
Desse modo, Canal Feijóo fez um trabalho etnográfico sobre a região
santiagueña. A crítica a uma estética que via nos males do país o deserto logo se
fazia presente em Feijóo. A autenticidade da população santiagueña era notória
em meio à uniformidade que o progresso tinha relegado à história argentina,
porque mostrava-se insubmissa à in uência externa:

Nuestra concepción moderna y universalista del progreso quiere precipitarnos a la idea de que
todo lo que tiende a mostrarse demasiado igual a si mismo, está inevitablemente aquejado de
rezagamiento, de atraso. Si es posible hablar actualmente de una cultura popular argentina, no
creo que la del pueblo de la provincia de Santiago del Estero deba ceder un punto en el paragón
con la de los pueblos de las demás provincias hermanas. Y juzgo que la pequeña superioridad
asignable a aquélla, bajo algunos aspectos, dimana precisamente de cierta capacidad de
conservación y consecuencia que parece constituir el toque más definido de su carácter.
Mostrarse refractario a todo contagio o a toda in uencia exterior, no es por sí una prueba
satisfactoria de indemnidad en el orden espiritual del pueblo; pero sí puede serlo cuando el
pueblo incurre en esa condición defendiendo un patrimonio proprio448.

Gorelik afirma que, em Canal Feijóo, pode-se perceber um pessimismo ao


ver a força com que aquelas representações sobre a população do interior,
indígena e rural, puderam moldar os limites da realidade nacional. Aqui,
percebe-se um ponto de semelhança com as visões de Graciliano Ramos, com o
pessimismo com o qual ele via as relações arraigadas no mundo dos sertões
nordestinos, de dependência política e econômica dos latifúndios e do
trabalhador rural449. O autor ressalta que a geração intelectual, no final da
década de 1930, identificava-se com uma busca por uma estética regional na
necessidade de que a radicalização estética viesse acompanhada de um
programa sócio-político focado nos problemas do interior do país e na
reivindicação das culturas locais. Canal Feijóo, nas palavras de Gorelik, faz um
“modernismo tierra adentro”450.
Canal Feijóo, ao tratar da população santiagueña, falava que tinha sido
indígena, numerosa e organizada, como as encontradas no México, no Peru e
no Chile. A história argentina é que tinha utilizado para se dirigir a essa área
uma ideia de conquista do deserto, de uma página em branco. Assim, ele
tentaria resgatar a face indígena da história, o que se devia na história da
Argentina à população indígena. É possível ater-se, novamente, a alguns
intelectuais que na década de 1930 passaram a buscar no sertanejo a
autenticidade da nação brasileira. O folclore santiagueño passa a ser visto como
um presente de um passado americano ou até mesmo a raiz deste passado,
como analisa Martinéz451. Nas palavras de Canal Feijóo: “La verdad es que tal
presencia no fue sólo mecánica y pasiva; directa o indirectamente el indio se in ltró
desde un principio en el orden familiar mismo, y prestó a la relación el sello
inconfundible de su honda sensibilidad y de su extraño intelecto”452.
Como aponta Alberto Tasso, essas pequenas cidades isoladas abrigavam
paixões e confrontos que uma visão idealizada da vida rural de Santiago nem
sempre permite admitir e isso envolveu o antigo problema do controle social
que fez parte da história de regiões como Santiago e o Ceará. Autores e chefes
locais utilizavam de discursos em nome da ordem social para legitimar ações
despóticas, monopolizando o poder local, e consagrando relações de poder
entre os chefes locais e a população pobre de Santiago del Estero453.
Por isso, segundo Maria Teresa Martinéz, ao longo dos anos 1930, no caso da
escrita de Canal Feijóo sobre Santiago del Estero, havia um sentimento de
intranquilidade que atravessou seus ensaios. Uma fase de desapontamento por
tudo que não havia acontecido no país e ao mesmo tempo a urgência de que se
devia olhar para a crise que ocorria diante dos seus olhos. A modernidade
periférica que tinha se expressado em Santiago com a indústria açucareira, com
a agricultura de irrigação, com a salinização do solo e o trabalho na extração
dos bosques, esgotando a natureza e suas consequências sociais, cujo símbolo
tinha sido a entrada das ferrovias, mostrava, nesse contexto, seu pior perfil: a
capacidade dessa modernidade ser uma possível geradora de desertos, se não
fosse possível frear esse avanço454.
Nesse sentido, de uma escrita que se voltava para Santiago e seus problemas,
cabe mostrar, de maneira breve, também outra importante escritora
santiagueña que pode elucidar, por fim, a questão da seca. Clementina Rosa
Quenel455, em sua obra La luna negra (1942), cuja visão muito se assemelhava a
um discurso fatalista sobre o fenômeno, bem como vimos em Graciliano
Ramos. Tasso explica que Quenel era filha do meteorologista francês
Quainelle, que registrava estatisticamente as chuvas, o que a fez retratar essa
temática. No seu livro, os primeiros contos, com os títulos La sequía e La
creciente, apresentam as situações difíceis em que viviam as famílias rurais ante
esses dois extremos456: as secas e as inundações. Em um trecho da história,
contava:

Ocho meses de sequía, habían hecho del monte y de la tierra un inmenso espasmo de sed. Ni
poleo ni malva iba quedando. En el monte, las noches y auroras se sucedían en silencios sin
pájaros. Cuando hacía que las cabras y las pocas vaquitas que restaban se engolosinaban en los
ucles cercanos. La novillada hermosa, que fue de vientre redondo, dejaba entrar un puño entre
costilla y costilla. Los hombres vivían como maniáticos mirando hacia arriba, con olfato ávido y
evidencias meteorológicas y prevenidas. Pero en vano. Ni los tinticaballos salían en presagio ni
los árboles dejaban caer su lloro. Si las nubes alegraban el impúdico delirio era inútilmente. Si la
luna tenia halo en su pupila, desfondaba las esperanzas. La tierra seguía desolada; el cielo,
ignorado, hosco457.

É possível perceber, com esse fragmento, como a história da seca que tomou
Santiago del Estero, é semelhante às narrativas escritas sobre as secas do Ceará.
O quadro de uma terra emanada pela sede, sem chover oito meses, onde o
gado era só costela e os homens viviam maníacos, olhando para o céu, em uma
terra desolada, sob um céu ranzinza, retrata um cenário de penúria e
sofrimento. A natureza como problema central da questão estava presente. No
entanto, a narrativa de Quenel está inserida – como no caso de Graciliano
Ramos – em um forte sentido social e político, mas que acabava também
afirmando visões fatalistas e pessimistas sobre a região. A natureza e o
sofrimento do espírito fazem parte de sua narrativa, na tentativa de que a
trama pudesse ser uma denúncia sobre como vivia a população santiagueña.
Mempo Giardinelli analisa que Quenel, ao voltar de Buenos Aires para viver na
província, passou a ver como a paisagem humana da terra onde havia nascido
era o encontro do temperamento fatalista de seus habitantes com o calor, a
seca, a aridez de uma geografia que já estava sendo devastada pela voracidade
madeireira que fez de Santiago del Estero um deserto458.
Era uma escrita inconfundível, que revelava um lugar dentro de muitos
lugares: a árvore, o bosque, a montanha santiagueña, como ressaltam as
re exões de Clelia Edith Ávila. Giardinelli ressalta que, em La luna negra,
Quenel demonstra ser uma das vozes mais originais do que ele chama de
Argentina profunda. Ela narrava a solidão e a marginalidade, a resignação e a
tristeza do campesinado santiagueño. Para o autor, seus contos são de forte
sentido lírico. Praticamente, não há esperança nos personagens, apenas existe
algum sonho que a própria realidade desmentirá e, em alguns casos, há uma
agonia trágica. Além disso, a paisagem selvagem é uma forte protagonista459.
O tom regional estava presente, mas ia além disso quando retratava a
problemática em termos do lugar da nação nesse contexto. Para Ávila, a
solidão, a frustração, o sofrimento se constituíam como signos de um destino
que não se podia modificar nos escritos de Quenel. Parece, aqui, mais uma vez,
que a narrativa de Quenel se assemelhava à de Graciliano: a sina de uma
população que vivia embrenhada em uma natureza rústica, que dependia dela
e das relações de poder que a constituíam460. No entanto, não podemos
comparar o tipo de escrita literária em si com a de Graciliano Ramos. Há
alguns pontos de contato, inclusive e principalmente pela conjuntura que
viviam os semiáridos do nordeste e a província de Santiago; no entanto, como
salienta Giardinelli: todos os contos de La luna negra narram um mundo que
hoje podemos chamar de literatura fantástica, ainda que em sua gesta tenham
querido ser regionalistas461. Como analisado até aqui, há claramente, em
Quenel, essa intenção socioantropológica nas suas narrativas, e uma prosa
complexa surge a partir disso, como analisa Giardinelli462.
Em outro trecho, fica evidente o fatalismo que há em Quenel. Era um estado
de coisas que parecia que jamais poderia ser modificado. As personagens
Damián e Lúcia conversam:

Damián la miró y al topar con los ojazos de ella, los vio distantes, casi duros.
–¿Que ha’sío Lucia?
–¿Que ha’sío Lucia? Que será de nosotros?
El campo parece pedernal seco...La lengua como lazo andan los animales…
– Ayer ha quedao un chivo en el pencal. El otro día la cabra baya y la tamberita barrosa. Se me
hace que la rosadita ya anda tristona. Ni chilicote va a quedar vivo…
–¿Y hasta cuando el maíz si sembrar?…
En la represa, ni agua pa’tomar va habiendo. Puro barro…
– Ha rigoriáu el cielo...463

É possível ver a fatalidade da seca, em uma terra de sede, onde a água era
barrenta e parecia que nada ia mudar, principalmente quando Demián
perguntava a Lúcia o que seria deles nessa situação. O espaço hostil, portanto,
fazia parte da vida dessas pessoas. Quenel ainda dizia:

Iban transcurriendo nueve meses sin el milagro de una lluvia, y ya el horizonte y la tierra se
confundían en una continuidad asoleada. Calcinando el suelo, no brotaban ni raíces. Cielos y
cielos azules que no derramaban una gota de agua, convertían los días en símbolos de muerte.
Los arbustales semejando falanges secas, daban lástima, y los campitos de invernada que eran
or verde, se veían en rajas, con hedentina de osamentas trágicas. Ya ni se “curaban” los
animales, que en tendal caían en los pastos ocres de la seca, o en los pencales desgarrados por la
lava sedienta que eran las bocas de las bestias ambulantes. Sólo los caranchos engordaban. La
angustia hacía pensar a los hombres, en iras celeste, en alturas de agua que llenaran
desbordantes cuencos de la tierra, en diluvios estallantes que deshicieran la pureza del cielo. Ni
al cerrarse al sueño, párpado sobre párpado, aquella gente cesaba el clamor abrasante. Clamor
que era de brazos caídos, en su acostumbrado permanecer de piedra:
– Algún día, Dios se hái acordar…
¡Aunque tal vez las lágrimas de esperanza se hacían lluvias de sangre en los rogatorios por una
“tormenta linda”…!464

Jens Andermann pode nos elucidar sobre o lugar desse tipo de narrativa onde
a natureza configurava as pessoas, as coisas e todos os seus sentimentos. A seca
era formadora da identidade da região, bem como era ela o cerne da
desesperança, da morte, do penar, da fatalidade da população, mas era por
meio dela também que se denunciava tal quadro. O autor afirma que se a
paisagem oferecia não só um modo de representação, e, assim, de capitalização
e controle territorial sobre a terra, era também ferramenta epistemológica,
ética e política para pensar as interações transformadoras entre sociedade e
meio ambiente465. A paisagem servia, de acordo com Andermann, como uma
(eco)crítica para intelectuais do século XX. Logo, podemos pensar na seca
como um tema da “paisagem em crise”466, como coloca o autor. Vejamos que,
no trecho citado, Quenel dizia que nove meses haviam se passado sem o
milagre de uma chuva e o horizonte e a terra já se confundiam em uma
continuidade ensolarada. Céus e céus azuis que não derramavam uma gota
d’água transformavam os dias em símbolos da morte. Os animais não se
“curavam” mais, caíam nos pastos ocres da terra seca. Por sua sensibilidade
diante da natureza, para Giardinelli, os contos da autora têm como
protagonistas o bosque, a árvore, a crescente desolação da paisagem. E seriam,
desse modo, quatro os mundos de Clementina: a geografia e o arrasamento dos
montes; a recuperação lexical e das onomatopeias de seus habitantes, seres
solitários e isolados; os sentimentos e em particular o amor como tema central;
a condição feminina. Em todos esses mundos, há a dor e a frustração perante
um destino que sempre é inalterável467.
Andermann analisa, nesse sentido, que, no caso da América Latina, tal
releitura sobre a paisagem, desde a colônia até a formação dos Estados
Nacionais, escondia a violência colonizadora e social por trás da frondosidade
de um continente “virgem”. Já com a crise do modelo agroexportador, o autor
ressalta que as devastações ambientais deixadas no bojo desse contexto
tornaram a paisagem um desafio estético importante tanto nas artes quanto na
literatura do século XX, como podemos perceber no caso de Quenel e da seca
santiagueña. O que passava a se fortalecer nesse contexto era um regionalismo
que tinha ânsia de construir uma fenomenologia do lugar a partir de sua
idiossincrasia paisagística e de tradições culturais e linguísticas468.
Por fim, pensando em todas as narrativas aqui analisadas e em todas as
trajetórias dos intelectuais brasileiros e argentinos, bem como na formação e
na construção dos imaginários e das representações sobre os cearenses e os
santigueños, é possível re etir aquilo que expõe Chartier e que é o norte deste
trabalho:

Tais representações não são simples imagens, verídicas ou enganosas, de uma realidade que lhes
fosse exterior. Elas possuem uma energia própria que convence de que o mundo, ou o passado,
é realmente aquilo que dizem que é. Produzidas em suas diferenças pelos distanciamentos que
fraturam as sociedades, as representações, por sua vez, as produzem e reproduzem […] é ligar o
poder dos textos escritos que as dão a ler, ou a ouvir, com as categorias mentais, socialmente
diferenciadas, que elas impõem e são as matrizes das classificações e dos julgamentos469.

Quanto a esse aspecto, buscou-se compreender as semelhanças existentes


entre a formação regional do Nordeste brasileiro e do Noroeste argentino nos
projetos de nação comandados pelas vias conservadoras de Getúlio Vargas e
Justo. Contudo, para isso, foi realizado um recuo ao final do século XIX, a fim
de pensar como nos contextos de 1930, nesses países, ora se contestavam os
modelos existentes, ora se mantinham certas narrativas em relação a esses
espaços. Assim, o percurso da narrativa e a própria construção do Nordeste e
de NOA fazem parte do que será analisado nos próximos capítulos. Retomo,
assim, o que diz Pierre Bourdieu sobre a importância de entendermos que os:

[…] “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de


legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre
outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as
fundamentam […] 470.
Considero pensar que o sistema simbólico, exposto por Bourdieu, formador
do mundo social, faz parte das ideias concebidas sobre as nações brasileira e
argentina. Tal discurso construído, que cumpriu uma função política, como
analisa Bourdieu, perpetuou-se na década de 1930, mas fez parte de um
processo de construção da nação desde, principalmente, no final do século XIX,
como já frisado. Assim, as dicotomias litoral versus interior, modernidade versus
atraso estiveram presentes nas falas de intelectuais e políticos desses dois países
ao longo da história. O interior ora foi visto como atrasado, ora como o lugar
do autenticamente nacional. Essas disputas simbólicas permearam as re exões
e o próprio olhar que se tinha sobre essas áreas. Assim, não apenas intelectuais
e políticos passaram a pensar áreas como o Ceará e Santiago del Estero,
principalmente de maneira a intervir neles, mas também a imprensa foi mais
um instrumento dentro desse processo.
Ver-se-á, a seguir, como jornais de grande circulação em Buenos Aires e no
Rio de Janeiro disseminaram discursos sobre essas áreas em um período em
que a seca assolava essas regiões. Legitimaram, assim, em alguns momentos,
visões deterministas e fatalistas sobre essas áreas. A seca, agora, passa a ser o
norte das re exões. Por meio delas, se pode entender como os panoramas
relatados neste capítulo legitimaram-se e acentuaram-se em períodos em que a
seca assolava o Ceará e Santiago del Estero. A análise dos discursos será
fundamental a partir de agora. Por isso, considero que, ao pensarmos no
escrito e na história dos discursos, das ideias, dos textos, devemos ter em mente
que estes foram investidos de um poder temido e desejado471, como aponta
Chartier, e, assim, eles são instrumentos de poder.

107. KUSCH, Rodolfo. La negación en el pensamiento popular. Buenos Aires: Las cuarenta, 2008. p 16 .
108. De acordo com Maria Elisa Noronha de Sá: “A origem da palavra encontra-se no latim, civitas, e
refere-se às qualidades de uma alma nobre e espiritualmente elevada, pode também estar relacionada com
a arte de governar a cidade (...) O verbo ‘civilizar’, seu particípio ‘civilizado’, o adjetivo ‘civil’ e o
substantivo ‘civilidade’ datam antes do século XVI. No entanto, pela conotação que a palavra assumiu no
século XVIII, ocasião de seu surgimento, ela parece identificar-se mais com o adjetivo latino civilis, que,
pela sua proximidade com a congênere civilitas, indica um ser cultivado, polido, afável, cortês e refinado,
ou seja, oposto do rústico, do campesino. De forma mais ampla, ‘civilização’ está associada ao processo
ativo de ‘civilizar’ e traz consigo a ideia de autodomínio, policiamento […] Portanto, a civilização traduz
o movimento histórico de desenvolvimento progressivo dos povos, sobretudo dos povos europeus […]
para chegar à perfeição de uma civilização, uma sociedade deveria aprimorar ao longo dos tempos, sua
estrutura social e o nível intelectual de seus membros”. SÁ, Maria Elisa Noronha de. Civilização e barbárie:
a representação da Nação nos textos de Sarmiento e do Visconde do Uruguai. Tese (Doutorado) – Universidade
Federal Fluminense. Departamento de História, 2006, pp.37-40.
109. Entende-se essa questão como analisa Regiane Cristina Gouveia: “A ideia de raça ao longo do século
XIX esteve presente em muitos projetos nacionais na América Latina. As elites políticas e intelectuais,
ansiosas por alcançar os ideais de civilização e progresso europeus, inspiraram-se em teorias racialistas e
positivistas, desenvolvidas na Europa, para pensar esses projetos […] teorias racialistas que in uenciaram a
intelectualidade latino-americana, contribuindo para diagnósticos pessimistas a respeito do continente, e
destacam-se as estratégias que surgiram para a transformação da realidade da América Latina
fundamentadas nas ideias positivistas”. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e
positivismo no pensamento latino-americano em ns do século XIX e início do XX. Tese de Doutorado em
História das Ciências e da Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa Oswaldo Cruz, 2016, p.
14.
110. MIGNOLO, Walter. Habitar la frontera. Sentir y pensar la descolonialidad (antología, 1999-2004).
Barcelona: CIDOB y UACI, 2015, p. 120.p. 0.
111. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo
(org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur
Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, set. 2005. pp. 107-130, p. 107.
112. Ibidem, p. 107
113. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano (Alcides Arguedas e Francisco García Calderón). In: ASCENSO, João
Gabriel da Silva e CASTRO, Fernando Luiz Vale (org.). Op.cit., p. 17-38, p. 19.
114. Ibidem, p. 19
115. Ibidem, p. 19
116. Ibidem, p. 19
117. Ibidem, p.19
118. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina... In: Ibidem, p. 107
119. Ibidem, p. 107
120. Ibidem, p.108
121. THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: As identidades nacionais. Anos 90, Porto Alegre, n15,
2001/2002, pp. 7-23, p. 8
122. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p.8
123. Ibidem, p. 7
124. TODOROV, Tveztan. Nosotros y los otros. Re exión sobre la diversidad humana. México: Siglo XXI
editores S.A., 1991, p. 21.
125. Ibidem, p. 28
126. Ibidem, p. 29
127. Ibidem, p. 33
128. Ibidem, p. 45
129. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p. 8.
130. Ibidem, p. 8
131. Ibidem, p. 8
132. Sabe-se que o conceito de paisagem requer um amplo debate, porém não cabe aqui fazê-lo por que
não será tomado como re exão central deste trabalho. No entanto, a análise de Thiesse se faz importante
para que se possa compreender, também, o lugar da paisagem na narrativa da consolidação do Estado-
nação, no contexto proposto pela autora.
133. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p.14
134. AMADO, Janaína. Região, Sertão e Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, n.15, 1995,
pp.145-151.
135. STARLING, Maria Heloisa Murgel. A República e o Sertão. Imaginação literária e republicanismo no
Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 82, set. 2008: pp.133-147., p. 134.
136. LIMA, Nísia Trindade. Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. História, Ciências,
Saúde. Manguinhos, v.V, 1998, pp.163-193, p. 165.
137. GONTIJO, Rebeca. Na trilha de Capistrano de Abreu (1853-1927): índios, história e formação do
Brasil. In: OLIVEIRA, João Pacheco (org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização,
modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011, pp.605-629, p. 609
138. LIMA, Nisia Trindade. Op.cit, p.165.
139. AMADO, Janaína. Op.cit, p.145.
140. ROCA, Andrea. Os sertões e o deserto. Imagens da “nacionalização” dos índios do Brasil e na Argentina, na
obra de J .M. Rugendas (1802-1858). Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2014, p. 219.
141. MACIEL, Caio Augusto Amorim. Sertões nordestinos: Cariri Cearense, Sertão do Pajeú e Cariri
Paraibano. In: Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras Sertões Brasileiros I., v.2, Rio de
Janeiro: IBGE, 2009, pp. 115-137, p. 122
142. Para controlar os problemas que as secas traziam para o Nordeste, criou-se em 1909 a Inspetoria de
Obras Contra as Secas (IOCS) que em 1919 tornou-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS), tendo como política básica a construção de açudes e estradas de ferro em todo Nordeste seco.
Logo na seca de 1932, me refiro à atuação da IFOCS, atualmente conhecida como DNOCS
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
143. CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e
sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007, p.14
144. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. 5.ª ed.São Paulo:
Cortez, 2011, p. 35
145. Ibidem, p. 35
146. CHARTIER, Roger. Formas e sentido... Op.cit, p. 119.
147. MACIEL, Caio Augusto Amorim. Op.cit, pp. 116-117
148. FERREIRA, Angela Lúcia; DANTAS, George Alexandre Ferreira e SIMONINI, Yuri. Cartografia do
(De)Sertão do Brasil: notas sobre uma imagem em formação – séculos XIX e XX. Scripta Nova. Revista
Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de octubre de
2012, vol. XVI, n. 418 (69). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-69.htm>.
Acesso em: 14 jun. 2019.
149. De acordo com Ana María Giménez e Patricia Hernández, a Argentina apresenta uma grande
variedade de climas e uma complexa história geológica, geográfica e biológica, o que lhe proporciona
uma diversidade de ecossistemas. Os bosques argentinos conformam um mosaico único. Por exemplo,
no ano de 1914 eles ocupavam 39% da superfície do território argentino e hoje compõem
aproximadamente 14%. O chamado Grande Chaco Americano, é uma grande unidade fitogeográfica com
uma extensão de 800 mil kKm², caracterizada pelo bosque seco. Vale destacar que o Chaco não é
homogêneo, e se divide em: chaco úmido, chaco semiárido, chaco serrano e as savanas. Predomina-se um
tipo de clima variado, de tipo continental, com chuvas moderadas a escassas, invernos moderados e verões
quentes, caracterizados por períodos de chuva e de seca bem delimitados. GIMÉNEZ, Ana Maria y
HERNÁNDEZ, Patricia. Biodiversidad en ambientes naturales del Chaco Argentino. Vegetación del Chaco
Semiárido Província de Santiago del Estero. Fascículo 1 – Argentina: Lucrecia Editorial, 2008, pp. 21-24.
150. LOIS, Carla Mariana. Desierto y Territorio: imágenes decimonónicas del Gran Chaco Argentino.
MUNDO DE ANTES, n. 21. Instituto de Arqueología y Museo (UNT), 2011, pp.97-117, p. 98.
151. SECRETO, Maria Veronica. Fronteiras em movimento: o oeste paulista e o sudeste bonaerense na segunda
metade do século XIX. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia,
Campinas, SP, 2001, p. 66
152. Ibidem, p.66
153. GROSSO, José Luis. Indios muertos, negros invisibles: hegemonía, identidad y añoranza. Córdoba:
Encuentro Editor, 2008. p. 19.
154. Ibidem, p. 21.
155. Ibidem, p. 21
156. DI LULLO, Orestes. El Folklore de Santiago del Estero. Buenos Aires: Ministerio de Cultura y
Educación de la Nacion. Secretaria de Cultura de la Nacion. Coproducción FRATERNA, 1994, p. 20
157. CASTIGLIONE, Antonio Virgilio. Historia de Santiago del Estero. Muy noble ciudad (siglos XVI, XVII y
XVIII). Santiago del Estero: el autor, 2012, pp.27-36.
158. CHIARAMONTE, José Carlos, Op.cit, p. 80
159. Ibidem, p 80
160. Ibidem, p. 81
161. Ibidem, p. 81
162. Ibidem, p.85
163. Ibidem, p. 89
164. Ibidem, p. 89
165. Ibidem, p 95
166. Ibidem, p. 95
167. Ibidem, p 105
168. Ibidem, p. 105
169. Ibidem, p 106
170. Toda esta análise está contida em: GALLUCCI, Lisandro. Op.cit, p.704 e p. 705
171. Ibidem, p. 704 e p. 705
172. Ibidem, p. 704 e p. 705
173. Ibidem, p. 704 e p. 705
174. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño. Una aproximación a las formas de
apropiación simbólica de los Territorios del Chaco en los tiempos de la formación y consolidación del
Estado Nación Argentino. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de
Barcelona, n. 38, [En línea], 15 de abril de 1999.
175. De acordo com Luis Alen Lascano, Santiago del Estero vivia, desde o contexto da Lei nº 1532 de
1884, um problema limítrofe com o Chaco, que só foi solucionado anos depois. Segundo o autor,
convertido em território nacional organizado por esta dita lei, sob comando do presidente Julio Roca, a
linha divisória traçada desde Otumpa premiava o Chaco com os departamentos de Moreno, Copo e
Alberdi. Lascano dizia que Santiago sempre reclamou dessa divisão territorial, solucionada pela Lei nº
4147 de 7 de novembro de 1902. Para o autor, tal feito teria sido consequência de um maior
conhecimento científico e geográfico, que pode, assim, modificar os limites de Santiago del Estero e do
Chaco. Segundo o traçado definitivo do Congresso Nacional (Art. 67º, in. 14 da Constituição Argentina)
desde a interseção do paralelo 28 com a linha que forma o limite Oeste de Santa Fé fixado em 1895, uma
linha reta até o Norte, seguindo o meridiano que lhe corresponde até encontrar o paralelo que passa por
San Miguel sobre o rio Salado. Desde este meridiano até o Oeste, o paralelo que passa por San Miguel até
o lugar deste nome sobre o rio Salado, pertencem a Santiago del Estero as terras situadas ao Oeste e ao
Sul das linhas mencionadas, e ao Chaco as situadas a Leste e ao Norte. Assim, havia obtido Santiago
importantes zonas. LASCANO, Luis C. Alen. Historia de Santiago del Estero. Buenos Aires: Editora Plus
Ultra, 1991, pp. 467-468. Também de acordo com María Cacopardo, na dita lei de 1884, as mudanças de
limites territoriais mais significativas foram a do Chaco com Santiago del Estero, Catamarca com Salta e
Jujuy e Chubut e Santa Cruz. Santiago del Estero ganha, portanto, 40.000 km² em relação às terras do
Chaco. Não se formaram novos departamentos, mas sim, se ampliaram os departamentos existentes de
Copo, Figueroa e Matará e, assim, a parte do Chaco perdia o correspondente à zona de fronteira.
CACOPARDO, María Cristina. República Argentina, cambios en los límites nacionales, provinciales y
departamentales, a traves de los censos nacionales de población. Serie POBLACIÓN Y SOCIEDAD, nº47,
Buenos Aires, 1967, p. 10.
176. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño… Op.cit.
177. Ibidem.
178. Ver: DI LULLO, Orestes. Op.cit, p.21.
179. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Integración y desintegración indígena en el Chaco: los debates
en la Sociedad Geográfica Argentina (1881-1890). In: 1er Congreso Virtual de Antropología y Arqueología [En
línea], 1998. Disponível em: <http//www.naya.org.ar/congreso/relatorias>. Acessado: 24 maio 2019.
180. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño... Op.cit
181. Parto do conceito de determinismo corroborado pela ciência nos séculos XIX e XX que se baseou nas
teorias evolucionistas de Darwin para pensar o meio ambiente. “O Darwinismo deu ao ambiente um
papel determinante na evolução: não é o meio que modela os seres, mas é ele que o seleciona. Já que o
homem faz parte do mundo, sua evolução também deve se explicar pelos mesmos motivos”. Neste
aspecto, Ribeiro ressalta que, no Brasil, a entrada de um determinismo geográfico se deu no final do
século XIX e início do século XX, associado ao debate sobre raça. “O debate sobre as vantagens e
desvantagens da ação do clima tropical e da estrutura do relevo sobre o povo”. RIBEIRO, Rafael Winter.
Seca e Determinismo: a Gênese do Discurso do semi-árido Nordestino. Anuário do Instituto de Geociências -
UFRJ , v.22, / 1999, pp. 60-91, p.65 e p.66.
182. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Op.cit, p.2.
183. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño...Op.cit.
184. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Op.cit, p.2
185. GROSSO, Jose Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit, p.22
186. Ibidem, p. 24
187. Ver: LOIS, Carla. La invención del desierto chaqueño... Op.cit
188. WRIGHT, Pablo G. Colonización del espacio, la palabra y el cuerpo en el Chaco argentino.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 19, julho 2003, pp. 137-152; p. 138.
189. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Correa - Campinas, SP:
Papirus, 1996, p. 26.
190. FLORIA, Pedro Navarro. El desierto y la cuestión del territorio en el discurso político argentino
sobre la frontera Sur. Revista Complutense de Historia de América, Vol. 28, 2002, pp. 139-168; p. 140.
191. Toda re exão em torno da invenção do desierto chaqueño, ver novamente: LIOS, Carla Mariana.
Op.cit, 2001.
192. GROSSO, Jose Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit, p. 23
193. MAIA, Janille Campos. Exilados da fome: seca e migração no Ceará oitocentista. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2015, p. 59.
194. Ibidem, p. 74.
195. SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. /Tradção Denise Bottmann. — São Paulo: Companhia das
Letras, 2011. p. 30
196. SILVA, Célia Nonato da; CARNEIRO, Mariana Fabiana L. O estranho sertão da Primeira República.
XII Simpósio Internacional. Processo Civilizador. Recife, 2009, pp. 1-10;p. 2
197. Ibidem, p. 2
198. VELLOSO, Mônica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; e
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Da
proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp.351-386, p.
355.
199. Ibidem, p. 355.
200. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Casa de Oswaldo Cruz. A ciência a caminho da roça: imagens das
expedições cientí cas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz,
1992, p. 5
201. Ibidem, p. 22
202. LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e a representação geográ ca da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Revan: IUPERJ, UCAM, 1999, p.8
203. Ibidem, p. 8
204. MORAES, Kleiton de Sousa. O sertão descoberto aos olhos do progresso: a Inspetoria de Obras Contra as
Secas (1909-1918). Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social.
Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
2010, p. 31
205. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.5
206. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX….Op.cit, p.22
207. Ibidem, p.22
208. Ibidem, p.22
209. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX….Op.cit, p.22
210. Ibidem, p. 23
211. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.7
212. Ibidem, p. 7
213. Ibidem, p. 4
214. Ibidem, p. 7
215. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 114
216. Ibidem, p. 115
217. BERNARDES, Denis de Mendonça. Notas sobre a formação social do Nordeste. Lua Nova, São
Paulo, 71, 2007, pp. 41-79; p.41
218. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional. São Paulo: Editora Ática S.A, 1988, p.
58
219. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional..Op.cit, p.5
220. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste.. Op.cit, p.81
221. FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos da In uência da Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do
Brasil. São Paulo: Global Editora, 2013, p. 39
222. Ibidem, p. 39.
223. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p.89.
224. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional... Op.cit , p.6
225. BERNARDES, Denis de Mendonça. Op.cit, p. 69
226. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Introdução. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta;
GOMES, Ângela Maria de Castro (orgs.). Estado Novo: ideologia e poder. Rio Janeiro: Zahar Ed.,1982, pp. 14-
30, p.16
227. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade: Em Marcha para o Oeste, o Brasil e a utopia da
conquista dos sertões. In: GOMES, Angela de Castro (coord.). História do Brasil nação: 1808-2010.
Olhando para dentro 1930-1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, v. 1, pp. 41-90. p. 42
228. Ibidem, p. 42.
229. Ibidem, p. 42.
230. Ibidem, p. 43.
231. Ibidem, p. 43.
232. Ibidem, p. 43.
233. Ibidem, p. 45.
234. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3.ª ed.Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005, p. 27
235. Ibidem, p. 192.
236. Ibidem, p. 193.
237. Ibidem, p. 195.
238. BERNARDES, Denis de Mendonça. Op.cit, p. 69.
239. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico...Op.cit, p. 108
240. Ibidem, p.112.
241. Ibidem, p. 112.
242. Ibidem, p.113
243. Ibidem, p. 113 e p. 114.
244. Ibidem, p. 10 e p. 11.
245. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam, palavras que dominam: a
invenção da seca do Nordeste. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, . 15, nº28,
1995, pp. 111-120; p. 111
246. CHARTIER, Roger. Formas e sentido...Op.cit, p.153.
247. CHACON, Suely Salgueiro. Op.cit, p. 32
248. Ibidem, p. 32
249. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam... Op.cit, p. 114
250. Ibidem, p. 118
251. Ibidem, p.118
252. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX… Op.cit, p. 35
253. MYERS, Jorge. Músicas distantes. Algumas notas sobre a história intelectual hoje: horizontes velhos
e novos, perspectivas que se abrem. In: SÁ, Maria Elisa Noronha de (org.). Historia intelectual latino-
americana: itinerários, debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016, pp. 23-56, p. 31
254. ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina
/ incluye prólogo de Matías Farías. Buenos Aires: Biblioteca del Congreso de la Nación, 2017, pp. 92-95.
255. DONGHI, Tulio Halperin. Una nación para el desierto argentino. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, (Série Biblioteca Básica Argentina), 1992, p. 14.
256. ALBA, María del Carmen Nícolas. Las primeras formas del Indigenismo en Argentina: la voz de sus
precursores. Anales de Literatura Hispanoamericana, v. 44, n. especial, pp. 95-107, 2015, p. 96.
257. ROCA, Andrea. Op.cit, p.294
258. Ibidem, p. 294
259. ALBERDI, Juan Bautista. Op.cit, pp. 203-205.
260. Ver: DONGHI, Tulio Halperin. Op.cit, p.8.
261. Ibidem, p. 17
262. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano... Op.cit, p. 24
263. Ibidem, p. 24
264. SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo ou civilização e barbárie. Tradução e notas Sérgio Alcides.
São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 68.
265. FLORIA, Pedro Navarro. Op.cit, 141.
266. SARMIENTO, Domingo Faustino. Op.cit, p. 83 e p. 84.
267. DONGHI, Tulio Halperin. Op.cit, pp.6-20.
268. FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Op.cit, p. 178.
269. Ibidem, p. 178.
270. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano... Op.cit, pp. 36-37
271. Ibidem, p. 38.
272. FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Op.cit, p. 178
273. É importante mostrar, brevemente, outra fase de Sarmiento, para que assim não caiamos em um
reducionismo sobre sua trajetória. De acordo com Alessandra Seixlack, quando Julio Roca, em 1880,
assume a presidência da República argentina e ordena as expedições militares na região pampeana, se dá
uma ampla penetração da teoria evolucionista de Darwin nos ambientes intelectuais. Foi então que
Sarmiento “publicou Con icto y armonías de las razas en América (1883), seu último e mais polêmico livro.
Este já não era o mesmo Sarmiento de Facundo o civilización y barbárie (1845), seu livro mais célebre, de
tom otimista e confiante no progresso. Distanciado do meio político para dedicar-se à produção literária,
esse Sarmiento era um indivíduo que havia vivenciado tentativas fracassadas de mudanças estruturais na
Argentina […] Portanto, se em 1845 seu objetivo era apresentar caminhos possíveis para a eliminação
e/ou transformação da barbárie em civilização em seu país, o que estava em jogo em 1883 era estabelecer
um diagnóstico para as deficiências do continente […] Sendo evidente a impossibilidade de atribuirmos
coerência e univocidade à postura intelectual de Sarmiento ao longo de sua vida […]” A autora explica
que, em Facundo, por exemplo, Sarmiento acreditava que o meio geográfico hostil e primitivo,
barbarizava os seus habitantes. Já em Con icto y armonías, não se podia mais explicar os males da América
Hispânica dessa forma, porque eles “ultrapassavam questões externas, remetendo a elementos intrínsecos
e estruturais, com raízes profundas de sua história e de seu processo de formação populacional”.
SEIXLACK, Alessandra Gonzalez de Carvalho. Discursos políticos sobre a raça indígena na Argentina:
Domingo Faustino Sarmiento e o con ito das raças na América. In: ASCENSO, João Gabriel da Silva; e
CASTRO, Fernando Luiz Vale, Op.cit, pp.55-73; p. 58 e p.59 e p. 60 e p. 61.
274. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ...Op.cit, p. 129
275. Ibidem, p. 14 e p.15
276. Ibidem, p.15
277. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas... Op.cit, 192.
278. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX... Op.cit, p. 20
279. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional...Op.cit, p.6
280. Vale destacar que os mapas utilizados neste livro não se referem aos mapas correspondentes dos anos
aqui estudados. Eles valem como forma de situar o leitor de que regiões estou tratando para o caso
brasileiro e argentino.
281. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida...Op.cit, p. 165.
282. Ibidem, p.165
283. DUQUE, Guimarães. O Nordeste e as lavouras xeró las. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil. 2004,
p. 87
284. ANDRADE, Manuel Correia de. Paisagens e problemas do Brasil. (Aspectos da vida rural brasileira frente a
industrialização e ao crescimento econômico). 5ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977, p. 128.
285. CASTRO, Josué de. Geogra a da fome (Dilema brasileiro: pão ou aço). 10.ª Ed. Rio de Janeiro: Revista
Antares, 1984.
286. CASTRO, Josué de. Op.cit, p. 129.
287. ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 1998, p. 20
288. Ibidem, p. 20
289. Ibidem, p. 20
290. ANDRADE, Manuel Correia de. Paisagens e problemas do Brasil... Op.cit, p.130
291. CAMPOS, José Nilson B.; STUDART, Ticiana. Secas no Nordeste do Brasil: Origens, causas e
soluções. In: XII Congresso Brasileiro de Meteorologia (CD-ROM). Foz do Iguaçu, PR, 2002, pp. 2-10; p.2
292. MELO, Leda Agnes Simões de. O trabalho em tempos de calamidade: a Inspetoria de Obras nos campos de
concentração do Ceará (1915 e 1932). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação de Ciências
Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2015, p. 42.
293. BRASIL, Thomaz Pompeu de Souza. O Clima e as Secas do Ceará. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1877. In: ROSADO, Vingt-Un (org.). O nono livro das secas. Mossoró: Guimarães Duque, 1983.
Coleção Mossoroense, v. 285, pp. 4-125; p. 14
294. Ibidem, p. 17
295. Foi um engenheiro e estudioso da seca, que pertenceu ao quadro de engenheiros da IOCS/IFOCS.
Nasceu em Fortaleza, Ceará, no ano de 1880. Formou-se em Engenharia pela Escola de Engenharia de
Ouro Preto. Em 1903, retornou ao Ceará e ingressou como engenheiro-ajudante da Comissão do Açude
de Quixadá, tornando-se, depois, engenheiro da IOCS, o que in uenciou, posteriormente, a sua maneira
de entender os sertões. Além da atuação de engenheiro, foi também um estudioso em diversas áreas,
como História, Antropologia e Geografia, tornando-se autor de diversos livros sobre o Nordeste e um
especialista da temática da seca. Em 1922, ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Em 1928,
ingressou, como sócio, no Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará. Dez anos depois,
em 1938, tornou-se diretor-geral do Instituto, permanecendo até o ano de 1967. Sobre Pompeu
Sobrinho, ver: VIEIRA. Maria Josiane. Itinerários no Acervo do Instituto de Antropologia da Universidade do
Ceará (1958-1968): a Coleção de Arthur Ramos como discurso. Programa de Pós-Graduação em Museologia e
Patrimônio – PPG-PMUS. Mestrado em Museologia e Patrimônio. UNIRIO/MAST -RJ, 2012, p. 20.
296. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. História das Secas (Século XX). 2. ed. Coleção Mossoroense, v.
CCXXVI, 1982, p. 15
297. BOBBA, María Elvira. Causas de las sequias de la región del NOA (Argentina). Revista Geográ ca de
América Central. Número Especial EGAL, 2011- Costa Rica II Semestre 2011, pp. 1-19; p. 3.
298. CORSO, Maria Laura; PIETRAGALLA, Vanina. La Lucha contra la Deserti cación en Argentina:
Degradación de la Tierra en Zonas Áridas e Identi cación de Prácticas de Manejo Sustentable de Tierras.
Argentina: FAO-LADA, 2010, p. 3
299. FREDIANI, Guido. Aspectos económicos en la zona semiárida de Santiago del Estero. Academia
Nacional de Agronomía y Veterinaria (ANAV). Trabajos del tomo XLVI. Anales de la ANAV, Santiago del Estero,
Argentina, 1992, p.p. 105-115; p. 112
300. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión. Santiago del Estero, 1870-
1940. POBLACIÓN Y SOCIEDAD, n. 10/11, 2003-2004, pp. 109-136; p. 112
301. TASSO, Alberto; & ZURITA, Carlos. Aves de paso. Los trabajadores estacionales de Santiago del
Estero. Trabajo y Sociedad, n.21, Invierno 2013, Santiago del Estero, Argentina, p.p. 33-47; p. 35
302. MINETTI, J. L.; VARGAS, W. M.; VEGA, B.; COSTA, M. C. Las sequías en la Pampa Húmeda:
impacto en la productividad del maíz. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 22, n. 2, p.p. 218-232, 2007, p.
224.
303. Ideia retirada de: TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit, pp.
115-118.
304. TASSO, Alberto; ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 35.
305. “A Guerra dos Bárbaros, em sentido amplo, se refere aos con itos entre grupos indígenas que
habitavam o sertão do território do atual nordeste brasileiro e as forças colonizadoras portuguesas que
tinham o objetivo de conquistar aquelas terras de forma a permitir a utilização produtiva da pecuária na
região. Estes con itos podem ser divididos em dois episódios: as guerras no recôncavo e a Guerra do Açu,
que juntas remetem a mais de 70 anos de duração, de 1650 a, pelo menos, 1720. Tais con itos eram
citados na documentação coesa como a ‘guerra aos bárbaros’ e referidos pela historiografia como a Guerra
dos Bárbaros. Em muitos casos esta nomenclatura é citada referindo-se unicamente à Guerra do Açu, em
outras englobando também as guerras do recôncavo baiano. A Guerra dos Bárbaros foi um con ito entre
vários grupos indígenas do grupo linguístico macro-jê unidos naquela que ficou conhecida como
Confederação Cariri e as forças colonizadoras portuguesas na América. Este con ito durou mais de meio
século e foi responsável pelo completo extermínio de algumas tribos indígenas e pelo completo
desmantelamento das demais envolvidas. Representou a conquista do sertão nordestino brasileiro para o
domínio português e o seu uso efetivo na criação de gado, de fundamental importância para a subsistência
da sociedade açucareira. Para a consolidação desta conquista foram manejados efetivos de caráter militar
de todo o nordeste brasileiro, além da ajuda de contingentes expressivos de outras regiões. Foram
formadas alianças com tribos tupis que permitiram multiplicar o efetivo da força de ataque portuguesa.”
DIAS, Leonardo Guimarães Vaz. A Guerra dos Bárbaros: manifestações das forças colonizadoras e da
resistência nativa na América Portuguesa. Revista Eletrônica de História do Brasil. UFJF, v. 5, n. 1, set. 2002.
pp.5-15; p. 5
306. MAIA, Lígio de Oliveira. A implantação do Diretório em vila Viçosa Real (CE): incerteza,
colaboração e negociações indígenas (c.1759-1762). In: OLIVEIRA, João Pacheco (org.). A presença
indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2011, pp. 21-67; p. 21
307. OLIVEIRA, João Pacheco de. Apresentação. In: Ibidem, p. 10
308. OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial,
territorialização e uxos culturais. MANA 4(1):47-77, 1998, p. 52
309. OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? ...Op.cit, p. 52
310. Ibidem, p. 53
311. Ibidem, p. 53
312. Ibidem, p. 53
313. Ibidem, p. 53
314. Ibidem, p. 57
315. Ibidem, p. 58
316. ABREU, J. Capistrano de. Op.cit, p. 23 e p. 24.
317. De acordo com Rebeca Gontijo: “Capistrano de Abreu chegou ao Rio de Janeiro no dia 25 de abril de
1875, aos 22 anos, vindo do interior da província do Ceará, onde nascera a 23 de outubro de 1853. No ano
de 1875 estreou na imprensa carioca, publicando conferências que pronunciara no Ceará, no ano anterior.
Em 1876, o jovem Abreu (como então gostava de ser chamado), de 24 anos, publicou artigos criticando
um texto de Romero, intitulado O caráter nacional e as origens do povo brasileiro, de acordo com o qual
o brasileiro seria distinto do português, não por causa da natureza ou da mistura com os indígenas, mas
pela presença dos negros. Alguns anos depois, em 1880, Capistrano teve nova oportunidade de atacar
Romero, pelos mesmos motivos apontados anteriormente. Ele publicou, na Gazeta de Notícias, três
artigos sob o título de ‘História Pátria’, criticando o livro A literatura brasileira e a crítica moderna. Em
1879, passou a integrar o corpo de redatores da Gazeta de Notícias, especializando-se na crítica literária, e
prestou concurso para a Biblioteca Pública da Corte, conquistando o primeiro lugar. Ao lado do Arquivo
Público e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Biblioteca era guardiã de um precioso
acervo documental”. GONTIJO, Rebeca. Capistrano de Abreu, viajante. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 30, n. 5, 2010, pp. 15-36; p. 17-22. Gontijo ainda analisa, que a obra de Capistrano está situada em
um movimento de “(re)descoberta do Brasil iniciado no século XIX que se prolongou até, ao menos, os
anos de 1950”, o que levou a um interesse dos intelectuais pelo interior do país, suas populações e suas
áreas desconhecidas. Ou seja, “os escritos sobre o sertão sustentaram a criação de uma consciência
nacional a partir de uma definição do Brasil e dos brasileiros” que permitiram fundamentar a construção
de um espaço que seria o sertão, e um tipo de homem do interior visto como autenticamente brasileiro.
GONTIJO, Rebeca. Na trilha de Capistrano de Abreu... Op.cit, p. 608.
318. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit, 217.
319. Ibidem, p. 217
320. Ibidem, p. 662 e p.663.
321. “Euclides ingressou em 1886 na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, centro de
irradiação de ideias positivistas e republicanas. Foi aluno de Benjamin Constant, professor de cálculo,
positivista não ortodoxo, um dos líderes do golpe da proclamação. Foi desligado da carreira militar em
dezembro de 1888 por ato de insubordinação durante a revista das tropas pelo ministro da Guerra […] O
ambiente na Escola Militar era de insatisfação e rebeldia, tanto por causa das simpatias republicanas dos
cadetes, quanto pela ausência de promoções para o posto de alferes-aluno desde 1885, devido aos cortes
no orçamento do Ministério da Guerra nos últimos anos da monarquia […] Com o atraso nas promoções,
o governo ignorava os direitos de três turmas de alunos, prejudicando sobretudo os que vinham de
famílias remediadas, como Euclides, sem recursos para frequentar as escolas preferidas pelos filhos das
elites, como a Escola Politécnica no Rio de Janeiro, ou as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife.
Euclides tinha se matriculado na Politécnica em 1885 e acabou se transferindo, por razões econômicas,
para a Escola Militar, já que esta oferecia soldo, além de alojamento, comida e parte dos uniformes […]
Sob o pretexto de incapacidade física, Euclides foi desligado do Exército, após seu pai ter interferido
junto ao Imperador para que não fosse aplicada apena de enforcamento prevista no código militar.
Contou, muitos anos mais tarde, ao político e diplomata Gastão da Cunha, que seu protesto fazia parte de
um plano de rebelião, estabelecido com outros colegas, para proclamar a República […] Foi convidado por
Júlio Mesquita, para escrever coluna política nas páginas de A Província de S. Paulo, que deu origem ao atual
O Estado de S. Paulo, então engajado na causa republicana”. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a
República. Estudos Avançados 10 (26), 1996, pp. 275-291; pp. 275- 277.
322. Ibidem, p. 284
323. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção, Sérgio
Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007, pp. 184-186
324. Ibidem, p. 190
325. Ibidem, p. 191
326. MYERS, Jorge. Op.cit, p. 29
327. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a República… Op.cit, p. 275
328. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1968, p. 76
329. Ibidem, p. 69.
330. NASCIMENTO, José Leonardo do Nascimento. Os sertões e os olhares de sua época. In:
NASCIMENTO, José Leonardo do Nascimento; e FACIOLI, Valentim. Juízes críticos. Os sertões e os olhares
de sua época. São Paulo: Nankin Editorial: Editora Unesp, 2003, p. 7-22; p. 16.
331. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 68
332. Rodolfo Teófilo, filho do médico Marcos José Teófilo, foi um baiano nascido em 1853, que viveu e
atuou a maior parte de sua vida no Ceará, onde faleceu em 1932.Formou-se em Farmácia na Bahia em
1877, passando a atuar na capital como filantropo, farmacêutico e intelectual. É a partir de 1877 que inicia
sua atuação na área da saúde, depois que formou-se na Faculdade de Farmácia da Bahia no mesmo ano.
Participou das secas de 1862, de 1877 a 1890, 1900, 1915 e 1919. Escreveu uma diversidade de obras
literárias, como: A Fome em 1890, Violação em 1899, História da Seca no Ceará em 1922, Seca de 1915 em
1922, Varíola e Vacinação no Ceará (1905 e 1910) em 1910. Foi membro de agremiações, o Clube Literário, a
Padaria Espiritual, Centro Literário e Academia Cearense. De acordo com André Correia, “esses grupos
intelectuais, além de discutir o letramento e a literatura na cidade, também debatiam sobre temas como
abolição, república, sanitarismo e as intervenções urbanas engendradas pelo governo […] Apesar de todos
esses discursos e consideráveis mudanças que colocavam Fortaleza como uma cidade desenvolvida e
embelezada, Rodolfo Teófilo foi em sentido oposto a isso, retratando uma cidade que nem sempre era
vista nos jornais oficiais. Em suas obras, ele denunciava o descaso e a desigualdade social, a falta de
higiene e de profilaxia no local, a ‘tirania’ do governo através do uso da violência e a má gestão do Estado
cearense perante a população”. CORREIA, André Brayan Lima. “O Ceará é uma terra condenada mais pela
tirania dos governos do que pela inclemência da natureza”: Aspectos biopolíticos nas obras de Rodolfo Teó lo (1901-
1922). Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades,
Mestrado Acadêmico em História e Culturas, Fortaleza, 2016, pp.13-14.
333. TEÓFILO, Rodolfo. A Seca de 1915. Fortaleza: Edições UFC, 1980, p. 36
334. Ibidem, p. 52
335. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.55
336. Ibidem, p. 55
337. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 9
338. Ibidem, p. 10.
339. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.67
340. Ibidem, p. 72
341. Ibidem, p. 73
342. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.5
343. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha no vale da morte. REVISTA USP, São Paulo, n.54,
junho/agosto 2002, pp. 16-29; p. 23.
344. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p. 76
345. Ibidem, p. 78
346. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 68
347. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n.11, 1993, pp.89-112; p. 91.
348. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela...Op.cit, p. 91
349. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.62
350. Ibidem, p. 58
351. De acordo com Pedro Duarte: “Na vertente desse Modernismo que, apesar das diferenças, alinha-se
com Mário de Andrade e Oswald de Andrade, o Brasil perguntou pelo seu próprio ser em relação com o
mundo estrangeiro – sem copiá-lo de modo subserviente, mas sem se isolar dele. Tratava-se não só de
produzir arte e vida modernas no Brasil, mas de compor arte e vida modernas brasileiras. Não bastava ser
feito no Brasil, era preciso ser do Brasil – ‘o que não se deu sem alguma patriotice’ (ANDRADE, s. d., p.
243), de acordo com Mário”. DUARTE, Pedro. O Modernismo interdisciplinar do Brasil. Convergência
Lusíada, n. 34, julho – dezembro de 2015, pp.134-147; p.136.
352. VELLOSO, Monica Pimenta. A brasilidade verde-amarela... Op.cit, p. 96
353. Cabe um adendo importante sobre o que se entende como modernismo no Brasil antes da década de
1920. De acordo com Monica Velloso, é importante pensarmos “que já existia no Brasil um movimento
literário que foi denominado pelo crítico e historiador José Veríssimo de ‘modernismo’. Tobias Barreto,
Sílvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha destacaram-se como intelectuais
que compunham esse grupo, conhecido como ‘geração de 1870’”. Seguindo a Escola de Recife, sob
liderança de Tobias Barreto, “tentou-se definir a nacionalidade através da elaboração de uma crítica
literária que tomava como ponto de partida indagações de caráter crucial: quais os elementos que
definem o Brasil? No contexto internacional, o que configurava, enfim, a especificidade de ser brasileiro?
Predominava, até então, a visão pessimista da nacionalidade, caracterizada pelo ‘atraso cultural’ e pela
‘inferioridade étnica’[…] O período entre 1870 e 1914 deve ser compreendido como a preparação do
terreno para a modernização conservadora que marcaria a década de 1930”. VELLOSO, Mônica Pimenta.
O modernismo e a questão nacional...Op.cit, p. 352-356.
354. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste..Op.cit , p. 69
355. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela...Op.cit, p. 97
356. Ibidem, p. 97
357. Ibidem, p. 97
358. Ibidem, p. 101
359. Ibidem, p. 103
360. Ibidem, p.104
361. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste...Op.cit, p. 93
362. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Apresentação. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta;
GOMES, Ângela Maria de Castro (org.). Estado Novo: ideologia e poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982, pp. 7-
13; p. 10
363. Ibidem, p. 15
364. Ibidem, p. 16
365. Ibidem, p. 16
366. MICELI, Sérgio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil (1920-1945). Rio de Janeiro: DIFEL, 1979, p. 159
367. Ibidem, p. 159
368. Ibidem, p. 159
369. Ibidem, p. 162
370. Ibidem, p. 123
371. Graciliano Ramos nasceu em Alagoas em 1892. Mudou-se para Pernambuco em 1895 com os pais.
Seu primeiro conto foi Pequeno Pedinte em 1904. Redigiu o periódico quinzenal Echo Viçosense e, em 1909,
iniciou sua colaboração no Jornal de Alagoas e, em 1913, em O Malho. Desembarcou no Rio de Janeiro em
1914, trabalhando como revisor dos jornais Correio da Manhã e o jornal uminense Paraíba do Sul; ainda
atuava no Jornal de Alagoas. Foi prefeito de Palmeia dos Índios em Alagoas, em 1928. Publicou Comandante
dos Burros, Doutores e Mulheres, em 1933 e seu livro Caetés, no mesmo ano, pela Editora Schimidt – RJ. Em
1934 publicou seu romance São Bernardo. No ano de 1936 foi preso em Maceió e levado para o Rio de
Janeiro, publicando, em agosto, Angústia que recebeu o Prêmio Lima Barreto, pela Revista Acadêmica.
Em 1937 escreveu A Terra dos Meninos Pelados, livro infantil e, em 1938, Vidas Secas, seu quarto livro. Foi
Inspetor Federal de Ensino Secundário em 1939. Publicou crônicas intituladas Quadros e Costumes do
Nordeste em 1941. Em 1951 tornou-se presidente da Associação Brasileira de Escritores. Sobre a Graciliano
Ramos ver: Graciliano Ramos, site oficial. Biogra a. Grupo Editorial Record, 2018. Disponível em:
<http://graciliano.com.br/site/vida/biografia/>. Acesso em: 09 jul. 2018.
372. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Modernismo e regionalismo no Brasil: entre inovação e
tradição. Tempo Social. Revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2, 2011, pp. 191-212; p. 202.
373. PATTO, Maria Helena Souza. O mundo coberto de penas: família e utopia em Vidas secas. Estudos
avançados 26 (76), 2012, pp. 225-236; p. 225
374. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 19
375. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Op.cit, p. 201
376. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p.10 e p. 11.
377. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 216
378. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Op.cit, p. 204
379. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 19
380. CANDIDO, Antônio. A Revolução de 30 e a cultura. NOVOS ESTUDOS, n. 4, 1984, pp. 27-35; p. 30
381. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 216
382. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 24
383. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 217
384. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 37
385. Ibidem, p. 112
386. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste...Op.cit, p.221
387. GUERRA, Paulo de Brito. Flashes das secas. Coletânea de fatos e histórias reais. Fortaleza: Ministério do
Interior. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 1977, p. 3
388. Ibidem, p. 3
389. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Palavras que calcinam... Op.cit, p.111
390. Ibidem p. 111
391. Ibidem, p.111
392. Ideia contida e retirada de: BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Los pobladores del “Desierto” genocidio,
etnocidio y etnogénesis en la Argentina. Cuadernos de Antropología Social n. 17, 2003, p. 162-189; p.164.
393. SPOTA, Julio César. Los Fortines en la frontera chaqueña (1862-1884). Un enfoque desde la
Antropología Histórica en relación con la teoría de las organizaciones. Memoria Americana 17 (1) - Año
2009, p.85-117; p.89.
394. Ibidem, p. 89
395. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit., p. 111
396. Ibidem, p. 112
397. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino). In: Comunicación representada en el
seminario A Invenção Social das Tradições Indígenas: Nordeste e Amazônia. Departamento de
Antropologia da Universidade de Brasília. Anuário Antropológico /96, p. 145-155. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997,p. 146
398. GROSSO, Jose Luis. Índios muertos, negros invisibles…Op.cit., p. 15
399. Ibidem, p. 21 e p. 22
400. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero. Santiago
del Estero: Subsecretaría de Cultura de la Provincia de Santiago del Estero, 2012. p. 33 e p. 34
401. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino)...Op.cit, p. 148
402. TASSO, Alberto; ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 42
403. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino)...Op.cit, p. 152
404. GROSSO, José Luis. Indios Muertos, negros invisibles...Op.cit, p. 22 e p. 23
405. Ibidem, p. 25
406. Ibidem, p.25
407. Ibidem, p. 26 e p. 27
408. Ibidem, p. 27
409. Ibidem, p. 28
410. Ibidem, p. 29
411. Dados contidos no livro de José Luis Grosso. Indios Muertos, negros invisibles... Ibidem, p. 30
412. José Luis Grosso. Indios Muertos, negros invisibles...Op.cit, p. 33.
413. Uma questão é importante nesse aspecto. Segundo Luis Grosso: “En la mesopotamia santiagueña,
actualmente, a quienes tienen el rostro y la piel oscuros les llaman ‘morochos’[…], y, cuando el color es más intenso y
subido, se martillea sobre el nuevo término repetidas veces con el adverbio ‘muy’, evitando nombrar el grado sumo: es
común y cotidiano escuchar decir de alguien que es ‘muy muy muy morocho!!!...Más morocho que yo!’ Giro social que
cava por debajo de la naturalidad de lo ‘mestizo’ […] hacia la oscuridad sin nombre”. Ibidem, p.54.
414. Ibidem, p. 54
415. THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: As identidades Nacionais. Anos 90, Porto Alegre, nº15,
2001/2002, pp. 7-23; p. 8
416. GOUVEIA, Regiane Cristina, América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX...Op.cit, p. 4
417. Ibidem, p. 23
418. MAILHE, Alejandra. Ricardo Rojas: viaje al interior, la cultura popular y el inconsciente. Anclajes, v.
XXI, n1, enero-abril 2017, pp. 21-42; p. 22.
419. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX...Op.cit, p. 58
420. MAILHE, Alejandra.Op.cit, p. 22 e p. 23
421. VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional...Op.cit, p. 357
422. ROJAS, Ricardo. Blasón de Plata. Tomo I. Buenos Aires: Librería La Facultad. Florida, 1922, p. 95 e p.
96
423. MAILHE, Alejandra. Op.cit, p. 23
424. Ibidem, p. 22
425. ROJAS, Ricardo. Op.cit, p. 147
426. Ibidem, p. 156 e p.157
427. MAILHE, Alejandra.Op.cit, p. 26
428. BEIRED, José Luis Bendicho. “A grande Argentina”: um sonho nacionalista para a construção de uma
potência na América Latina. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 42, 2001, pp. 303-322, p.304.
429. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Pais urbano o país rural: la modernización territorial y su
crisis. En: CATTARUZZA, Alejandro (Dirección de Tomo). Nueva Historia Argentina Tomo VII. Crisis
económica, avance del Estado e incertidumbre política(1930-1943). Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2001,
p.143-200; p.148.
430. Ibidem, p. 150
431. Ibidem, p. 177
432. Ibidem, p. 178
433. Ibidem, p. 181.
434. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 185
435. TERÁN, Oscar. Op.cit, p. 230
436. Ibidem, p. 230
437. Ibidem, p. 231
438. Ibidem, p. 237
439. Ibidem, p. 237
440. Ibidem, p. 240
441. Ibidem, p. 240
442. Ibidem, p. 243
443. Bernardo Canal Feijóo nasceu em Santiago del Estero em 1897. Doutorou-se na Universidade de
Buenos Aires em Jurisprudência e em Ciências Sociais. Voltou a Santiago del Estero, onde permaneceu
até seus cinquenta anos, quando foi viver definitivamente em Buenos Aires. Cumpriu algumas funções
diretivas como presidente da Academia Argentina de Letras, cargo que exercia no ano de sua morte em
1982. Também foi fundador do grupo santiagueño La Brasa, uma entidade empenhada em promover
atividades na província. Outro importante grupo foi chamado P.I.N.O.A (Planificación Integral del
Noroeste Argentino) que integrou profissionais de diversas áreas, também empanhados na promoção de
um projeto sistemático para a região. Sua trajetória vai desde poemas feitos em sua juventude, até sua
narrativa ensaística. Foi um autor singular por fazer justamente um ensaísmo de “tierra adentro”.
CORVALÁN, Octávio. Bernardo Canal-Feijóo. Una voz de avanzada. En: Bernardo Canal-Feijóo. Ensayos.
Buenos Aires: La Crujía, 2010, pp. 13-55.
444. GORELIK, Adrián. Mapas de identidad. La imaginación territorial en el ensayo de interpretación
nacional: de Ezequiel Martínez Estrada a Bernardo Canal-Feijóo. En: Prismas. Revista de historia intelectual,
Universidad Nacional de Quilmes, Buenos Aires año V, nº 5, 2001, pp.283-312; p.300.
445. MARTÍNEZ, Ana Teresa. Leer Bernardo Canal Feijóo. Trabajo y Sociedad, n. 19, 2012, pp.509-524;
p.510.
446. Vale também salientar aquilo que Marcela Croce delineia como exercício de análise comparada entre
Argentina e Brasil nesse contexto: “Un momento signi cativo corresponde a los respectivos centenarios (pese al
desfaje que implica la década que media entre 1910 y 1922) que, mientras en la Argentina produce las
manifestaciones más recalcitrantes de una cultura o cial (Ricardo Rojas con las propuestas pedagógicas de La
restauración nacionalista, Leopoldo Lugones con las Odas seculares entregadas a elogiar la condición
agroexportadora del ‘granero del mundo’), en Brasil se caracteriza por el apogeo de las vanguardias bajo la etiqueta
—ambigua en la nomenclatura hispanoamericana— de ‘Modernismo’, proclamando un nacionalismo amplio que en
lugar de erradicar al extranjero y de condenar al conquistador postula una antropofagia por la cual se absorba lo
mejor de ellos a n de diseñar una cultura propia. Los años 20 son también los de la vanguardia en la Argentina,
renuente a destacar al indio y concederle el valor inaugural que le reservaba la provocación ‘tupí or not tupí’ (el indio
había sido descartado ya desde el romanticismo, marcando una diferencia fundamental con Brasil, que admite el
‘indianismo’ como una de las vertientes románticas, especialmente a través de la épica de Gonçalves Dias y la
novelística de José de Alencar) y proclive a rescatar al gaucho otorgando el nombre Martín Fierro a la revista más
signi cativa de la renovación. En el mismo momento, Argentina y Brasil son conmovidas por una explosión revista A
Ordem y el Centro Dom Vital, plataformas habilitantes para la aparición de la Acción Integralista Brasileña (AIB)
con Plínio Salgado en los 30; en Buenos se articulan con la revista Criterio fundada en 1928 y continúan en los excesos
falangistas y franquistas (con coqueteos fascistas) de la revista Sol y Luna a nes de los 30 y comienzos de los 40”.
CROCE, Marcela. Literatura, cultura y política regionales: un ejercicio comparativo entre Argentina y
Brasil. In: Boletín de la Biblioteca del Congreso de la Nación. -- Año 1, n128, Buenos Aires: Biblioteca del
Congreso de la Nación, 2013, pp.11-22; p.15.
447. GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 301
448. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero...Op.cit,
p.11
449. GORELIK, Adrián.Op.cit, p. 303
450. Ibidem, p. 306
451. MARTINÉZ, Maria Teresa, Op.cit, p. 513
452. CANAL FEIJOO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero... Op.cit,
p.31
453. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero. Antecedentes y consecuencias de un
acontecimiento ambiental. Trabajo y Sociedad, Núm.17, Santiago del Estero, Argentina, 2011, pp.17-39; p.
20.
454. MARTINÉZ, Maria Teresa. Op.cit, p. 514
455. Clementina Rosa Quenel nasceu em 22 de agosto de 1901 em Santiago del Estero. De acordo com
Mempo Giardinelli, em prólogo da reedição das narrativas completas de Quenel, ela era descendente de
um veterano da Guerra Franco-Prussiana de 1870-71. Esse homem, de sobrenome Quainelle, viveu na
província mais central da Argentina por volta do ano de 1890 e, entre seus descendentes, está Clementina
Rosa, que, anos mais tarde, tornou seu sobrenome uma “variante” do castellano, por isso, Quenel.
Estudou Direito sem chegar a graduar-se, e passou alguns anos em Buenos Aires, onde teve alguns contos
publicados em revistas como: El Hogar, Mundo Argentino, dentre outras. Nos anos 1930, por problemas
econômicos, ela, então, volta a sua província. GIARDINELLI, Mempo. “Prólogo”. En: QUENEL,
Clementina Rosa. Narrativa Completa. 1ªed. Villa María: Eduvim, 2016, p.7-15. Ainda se pode destacar que
Quenel ingressou no cenário de La Brasa, uma Associação Cultural de Santiago importante no contexto
de 1930. É nesse período que tem contato com Bernardo Canal Feijóo. O conhecimento da realidade
campesina e seus contatos com a vida rural, levaram-na a voltar sua inspiração para a classe mais pobre da
sua terra, em sua obra La Luna Negra. Assim, projeta-se uma literatura regional. Em La Nuna Negra
apresenta-se, então, a dramática existência da população santiagueña. Retirado de: Clementina Rosa
Quenel. Santiago del Estero, NUEVO DIARIO WEB, 31 de janeiro de 2016. Disponível:
<http://www.nuevodiarioweb.com.ar/noticias/2016/01/31/5783-clementina-rosa-quenel>. Acesso
em: 10 jan. 2018.
456. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero..Op.cit, p. 27
457. QUENEL, Clemetina Rosa. La luna negra. Santiago del Estero: Subsecretaria de Cultura de la
Provincia de Santiago del Estero, 2008, p. 22
458. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 8
459. Ibidem, p.9
460. ÁVILA, Clelia Edith. La subjetividad, el cuerpo, la palabra: escritura de mujeres en Santiago del
Estero de los ´90 al siglo XXI. Jornaler@as, revista cientí ca de estudios literarios y linguísticos. Año 1, nº1,
2012, pp.1-11.
461. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 11
462. Ibidem, p. 12
463. QUENEL, Clemetina Rosa. Op.cit, p. 23
464. QUENEL, Clemetina Rosa. Op.cit, p. 26
465. Refiro-me a “ambiente”, neste trabalho, como um elemento que intervém decisivamente na vida de
toda a humanidade. Logo, ambiente aqui será usado como todo o conjunto dos fatores ecológicos que
exercem in uência direta e reguladora sobre os vários níveis de organização biológica, do simples
indivíduo à população. Isso porque compreende-se que a humanidade sempre estabelece relações com o
seu ambiente, e muitos fenômenos sociais não podem ser explicados sem uma referência a estas relações
dialéticas. BRUN, Bernard; LEMONNIER, Pierre; RAISON, Jean-Pierre; RONCAYOLO, Marcel.
Ambiente. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi (Região, v. 8). [Lisboa:] Imprensa Nacional
– Casa da Moeda, 1986, p. 11-36.
466. ANDERMANN, Jens. El infierno santiagueño: sequía, paisaje y escritura en el Noroeste argentino.
Iberoamericana, XII, 45, (2012),pp. 23-43; p. 24
467. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 15
468. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p.23 e p. 34
469. CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos avançados 24 (69), SP, 2010, pp. 7-
30;p.27
470. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico… Op.cit, p.11
471. CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos...Op.cit, p. 23
C 2
Os jornais Correio da Manhã e El
Mundo e a representação da seca
cearense e santiagueña

Neste capítulo, serão analisados os olhares das imprensas brasileira e


argentina no trato com a seca no contexto de 1930, e re etirei os olhares
construídos sobre o Ceará e sobre Santiago del Estero, mostrados no capítulo
anterior. Vejamos como os discursos para essas áreas se deram nas narrativas
dos periódicos das capitais nacionais, considerando o que já foi tratado como a
construção de olhares sobre essas áreas ao longo do tempo, no capítulo
anterior.
Nesse aspecto, a escolha do Correio da Manhã e do periódico El Mundo não se
deu em vão. Os dois veículos de comunicação, além de retrataram a
problemática da seca em suas regiões, possuíam grande número de tiragens
nas capitais Rio de Janeiro e Buenos Aires, respectivamente. O Correio da
Manhã, com notas pequenas ou reportagens que ocupavam uma página inteira
sobre o problema da seca de 1932 e da própria história da população sertaneja,
levou a um tipo de representação sobre o Ceará sertanejo na década de 1930.
O periódico El Mundo não fez diferente, após a seca de Santiago del Estero já
ter atingido o auge da fome e da miséria de sua população, em todo o mês de
dezembro de 1937, ininterruptamente, fez uma verdadeira campanha
assistencial em prol dos atingidos pela forte estiagem. Da mesma maneira,
com notas pequenas, ou com reportagens que ocupavam páginas inteiras –
destacando-se um número significativo delas –, El Mundo retratou a campanha
em prol dos atingidos pela seca santiagueña. Une-se a isso o fato de o
periódico ter enviado a Santiago del Estero o escritor Roberto Arlt, que relatou
a miserabilidade da seca de 1937 nas suas crônicas chamadas El in erno
santiagueño. Essas crônicas interessam em particular e permearão todo este
capítulo.
Tânia de Luca apresenta as possibilidades das análises em jornais. A autora
explica como podemos re etir por meio deles diversos aspectos da vida social
e política, principalmente porque difundem valores e modos de vida, o que
torna múltiplas as alternativas de abordagem. É nesse sentido que estudos
têm destacado “as ambiguidades e hesitações que marcaram os órgãos da
grande imprensa, suas ligações cotidianas com diferentes poderes […] o peso
dos interesses publicitários e dos poderes do momento”472. Maria Helena
Capelato, ressalta, portanto, que “a análise do jornal como fonte e objeto
pressupõe uma avaliação crítica desse documento, o que implica sua
desconstrução. Nesse processo, devem ser consideradas as circunstâncias
históricas em que a análise foi produzida, os interesses em jogo e os artifícios
utilizados pelos seus produtores”473. Assim, deseja-se compreender o papel do
discurso da imprensa no que diz respeito às regiões semiáridas nas secas aqui
propostas.
Tomo como premissa as questões que Roger Chartier levanta sobre as
representações e os discursos. Chartier nos coloca a necessidade de relacionar
“os discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”474. Para o autor, “as
percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas […] que tendem a impor uma autoridade à custa de
outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a
justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas”475.
É nesse sentido, que pretendo compreender como as posições dos jornais
Correio da Manhã e El Mundo, no cenário de suas capitais nacionais, fizeram
produzir percepções do social e legitimaram discursos sobre a seca cearense e
santiagueña. Tanto o Ceará quanto Santiago del Estero foram fadados, muitas
vezes, a um discurso em que a natureza era o problema; o clima e a geografia
eram imperativos que justificavam a sua pobreza.
Assim, alguns pressupostos são fundamentais nessa análise comparada e
estiveram contidos nos discursos analisados no capítulo primeiro: a) como a
natureza é retratada nesses jornais (a água aparece como sinônimo de
desenvolvimento e a seca de atraso; a fome e a miséria são atrelados, em
ampla das vezes, à questão da estiagem) e como esse aspecto repercute na
maneira como se enxergava ou ainda se enxerga a problemática da seca; b)
como havia discursos que ainda se baseavam nas visões dicotômicas litoral ×
interior, civilização × atraso, modernidade × tradição; c) e, por fim, como tais
representações estavam inseridas na busca da identidade nacional na década
de 1930, questão cara ao Brasil e à Argentina nesse contexto histórico.

2.1 Apropriação de discursos: El Mundo e Correio da Manhã


Parto para essa análise observando uma questão importante sobre os
periódicos analisados: a apropriação de escritores para retrataram o fenômeno
da seca ou mesmo da região semiárida cearense e santiagueña. De forma
distinta, mas com um tipo de discurso semelhante, o Correio da Manhã e El
Mundo se utilizaram das narrativas de intelectuais para mostrar o que a seca
representava e que tipo de discurso deseja-se expor para os seus leitores. O
Correio, de maneira mais extensa, buscou, nas falas de Euclides da Cunha,
Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida e Gustavo Barroso, o relato e a
problemática da seca do semiárido cearense. Esses quatro nomes não
escreveram para o jornal, nas citações mencionadas neste livro, mas suas
obras literárias, nesse contexto, foram utilizadas para falar sobre os sertões.
Nesse primeiro item, analisarei essas apropriações e onde se inserem no
contexto de 1930. Outros nomes, como Afonso de Carvalho e Phocion Serpa,
escreveram sobre o sertão e o sertanejo diretamente para o jornal, e serão
mostrados neste item.
El Mundo, diferentemente, convidou um escritor da época que já vinha
participando do periódico para conhecer in loco a região Santiago del Estero e
escrever crônicas sobre a seca. Roberto Arlt, então, foi o intelectual que
considero aqui ter sido “apropriado” como a fala sobre a seca santiagueña. A
maneira que esse relato arltiano se deu em relação à semiaridez, certamente, é
distinta em sua forma – já que se tratava de crônicas –, mas não em seu
conteúdo. Podemos encontrar, nele, pontos de contato com os casos dos
intelectuais que o Correio se utilizou para pensar os sertões.
Havia, nesses jornais, o desejo de trazer um discurso sobre a seca mais
palatável, talvez menos cartesiano e que pudesse tocar o público leitor de
ambos. Assim, podia-se inserir o leitor em uma realidade estranha à sua. E isso
se deu, de certa forma, com a utilização/apropriação de uma escrita mais
“intensa”; que ora buscava mostrar a “realidade” dos fatos, ora via na
narrativa de escritores conhecidos a melhor forma de mostrar o que se
entendia sobre essas áreas. Por vezes, veremos que são falas hiperbólicas e
dotadas de significados importantes para a construção de visões sobre essas
regiões.
Cabe salientar, também, que a escrita de Arlt está muito mais preocupada
com a questão da natureza do que em retratar a população santiagueña. Em
poucos trechos, Arlt cita seu contato com os santiagueños. Logo, não veremos
aqui qualquer tentativa de mostrar uma “tipologia” da população rural da
região. Tal fato, em contrapartida, é possível constatar em Euclides da Cunha,
Gustavo Barroso, Afonso de Carvalho, Phocion Serpa. Em Arlt, justamente
por ter sido enviado para conhecer a seca santiagueña, a natureza é o que
ganha uma espécie de corporificação, de sentido e sentimentos, e vai
in uenciar as ações humanas.
No entanto, não é interesse dessa re exão, especificamente, uma análise
extensa sobre esses intelectuais, porque assim se podia cair em anacronismos
ou comparações inexistentes. Não há como analisar, nessa perspectiva, suas
escritas como tais. Arlt, por exemplo, não tinha intuito de tratar da região
santiagueña; apenas foi enviado pelo jornal para tal feito, diferentemente dos
outros intelectuais brasileiros, que tinham na escrita sobre os sertões suas
expressões principais na literatura.
O que buscou-se entender é justamente os tipos de discursos desses
periódicos e como se apropriaram desses autores para falar dessas regiões. Os
jornais como formadores de visões e percepções do social é o que interessa.
Temas como a fome, a miséria, o clima, a água, o desemprego, o medo da
população, os saques aos comércios, às migrações, ou mesmo um tipo de ideia
que se tinha sobre os cearenses e os santiagueños, são comuns para tratar esses
semiáridos. Essas narrativas formaram visões sobre essas áreas, muitas das
quais vemos re etidas até os dias atuais. A natureza e a própria população
ganham destaque, nesse sentido. Pensamos nesses pontos principais, antes de
partirmos para as análises propostas. Perguntemo-nos, também, em que
medida a apropriação desses intelectuais reforçou diversas visões sobre essas
regiões. E o que esses jornais buscavam alcançar com certos tipos de narrativa
em relação a essas áreas.
No início do século XX, no Brasil, os empresários do jornalismo não
utilizavam mais o método artesanal para feitura de seus jornais, e sim
passaram a se vincular aos interesses lucrativos de uma mercantilização dos
impressos. Tania de Luca analisa que, no século XIX, esses aspectos eram
secundários, visto que o papel de divulgar propostas e torná-las públicas era
maior. Pondera-se, de qualquer forma, que, no século XX, o caráter opinativo
não deixa de existir, mas era necessário, segundo a autora, dar aos leitores um
material mais atrativo, principalmente para uma classe média urbana. É nesse
novo tipo de jornal que surgem os repórteres, os desenhistas, os articulistas, os
redatores e, unido a isso, “a nobre função de informar ao leitor o que se
passou, respeitando rigorosamente a ‘verdade dos fatos’”476. Ao considerar
essa mudança, proponho pensar como, nesse contexto de busca pela
“verdade”, estiveram inseridos os discursos; como essa imprensa periódica
selecionava e narrava o que devia chegar ao público. É preciso “dar conta das
motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa”, ou seja,
“a ênfase em certos temas, a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se
dissociam do público que o jornal ou revista pretende atingir”477.
Maria Helena Capelato explica, também, que a “transformação dos jornais
brasileiros em empresas jornalísticas e a orientação do jornalismo moderno
de privilegiar a informação em detrimento das ideias não diminuíram o
interesse dos periodistas pela política”478. Contudo, havia, de acordo com a
autora, uma crítica de jornais desse contexto à transformação do jornalismo
em empresas comerciais, afirmando que o jornalismo opinativo havia perdido
espaço por isso. No entanto, Capelato mostra que, ao contrário de algumas
críticas da época, a modernização da imprensa não provocou “o desinteresse
dos periodistas com relação à política. Ao contrário, não só esse interesse
permaneceu como se mantém até os dias de hoje”479. Assim, a autora explica
que “a partir do momento em que os jornais se modernizaram e se
transformaram em empresas comerciais, eles se constituíram como instituição
privada. A imprensa tornou-se, então, uma instituição sui generis, ou seja,
instituição pública e privada”480. Desejo, por fim, antes de analisar os
periódicos, frisar o que Capelato coloca como re exão:

Quando os jornais se transformam em empresas, passaram a produzir uma mercadoria


específica: a “mercadoria política”. Essa dupla identidade (comercial e política) acabou
permitindo que a “grande imprensa”, instituição pública, continuasse interferindo na política
em nome da “opinião pública” e, na condição de instituição privada, atuasse como empresa
comercial geradora de lucro. Essa dupla inserção permitiu que os donos de jornais
justificassem suas opiniões e intervenções políticas como representativas da “opinião
pública”481.
Ao re etir essa empresa jornalística analisada por Tânia de Luca e Capelato,
se pode pensar como o Correio da Manhã se colocou perante o tema da seca no
Ceará. Desde o início de sua trajetória, o jornal adotou uma linguagem mais
enxuta e direta do texto jornalístico. Fundado por Eduardo Bittencourt, em
1901, já procurava passar emoção aos seus leitores. Detinha um estilo
“peculiar, cheio de emoção, que fazia com que o leitor participasse dos
acontecimentos”482. Nessa mesma linha, o Correio também preocupava-se com
a questão estética utilizando-se de “fotos, charges e ilustrações, muitas vezes,
dando espaço a novos desenhistas”483; característica que foi sendo aprimorada
ao longo da trajetória do jornal. Soma-se a isso o fato de ser um periódico de
grande repercussão e tiragem em todo o Rio de Janeiro e em outras cidades do
país. “Jornais de localidades menores reproduziam artigos e reportagens
publicadas originalmente no Correio e, vez ou outra, detinham-se em
comentários daquilo que tinha sido produzido no Rio”484. Acabava por ter uma
fala voltada para uma classe média urbana e seus pares, havendo intelectuais
que davam respeitabilidade ao impresso, com expoentes como: Graciliano
Ramos, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues. Destacava-se por
ser “um ‘jornal de opinião’, respaldado em ideias liberais”485.
Segundo Ana Paula Freitas, os principais articulistas do Correio da Manhã,
entre as décadas de 20, 30 e 40, foram: Edmundo Bittencourt, o próprio
proprietário do jornal; Mário Rodrigues que assumiu a direção do jornal em
1922; Leão Veloso Filho, cujo pseudônimo era Gil Vidal, assumindo o cargo de
redator-chefe, formado em Direito havia tido uma carreira política em
Alagoas; o senador alagoano Pedro da Costa Rego, redator-chefe em 1923,
com algumas interrupções nessa função; e Paulo Bittencourt, que recebeu de
seu pai a direção do jornal em 1929; entre outros colaboradores. O Correio
exercia, portanto, um forte prestígio e in uência na opinião pública do país486.
Foi fechado em 1924, por fazer oposição a Arthur Bernardes; combateu o
Estado Novo em 1930, tendo como figura de oposição a Getúlio Vargas, Costa
Rego. Mantinha sempre, de acordo com Raquel de Campos, uma posição
crítica e legalista487. Nelson Werneck Sodré aponta que, vindo pelo caminho de
baixo, o Correio da Manhã logo se transformaria em empresa jornalística. Era
um tipo de imprensa mais complexa que surgia estando “cada vez mais
inserida na complexidade da estrutura social em mudança”488.
O Correio da Manhã, em todo o período proposto para este trabalho,
especificamente de 1930 a 1934, retratou os problemas dos semiáridos
nordestinos, resgatou visões de intelectuais que apresentaram um olhar
específico sobre o que deveria ser o “verdadeiramente nacional”,
principalmente construindo um discurso sobre o Brasil pela via dos sertões. A
imprensa e a literatura, de acordo com Sodré, confundiam-se nesse período.
Segundo Raquel Campos, naquela que a autora caracteriza como segunda
fase do jornal de 1929 a 1963, o Correio viveu seu período áureo489. Veremos
também como, ao longo das reportagens analisadas, o jornal foi adotando um
tom mais crítico sobre o que e como estavam tratando os sertões,
principalmente no que tange à seca de 1932.
Desse modo, deve-se pensar esse periódico re etindo alguns fatores
importantes: primeiro, o papel da própria imprensa na difusão de discursos e
modos de ver e entender o semiárido cearense. Um segundo ponto, como
aponta Albuquerque Júnior, a partir da seca de 1877, marco histórico no
entendimento sobre as estiagens ocorridas no Norte, é que os jornais do Sul,
em especial passaram a olhar os problemas daquela região, ou seja, a seca
passou a ser o “traço definidor” do Norte e o que o diferenciava do Sul. Ainda
segundo o autor, é nesse contexto que “a população do Sul é chamada a
contribuir em campanhas de arrecadação e são abertas subscrições pelos
jornais, em que são publicadas as listas de nomes dos ‘beneméritos’”490, fato
este ocorrido também em relação a Argentina de maneira muito intensa na
seca de 1937, como veremos mais adiante. Em terceiro lugar, a mudança da
nomenclatura de Norte para Nordeste em meados de 1920 traz consigo novas
ressignificações para a região, como re ete Albuquerque Júnior, e entre elas
estão o combate à seca e o combate violento ao cangaço e ao messianismo.
De certo, portanto, que o Correio esteve inserido nessa nova reconfiguração e
nesse novo olhar sobre o Nordeste. Por isso, ao compreender os discursos do
Correio da Manhã, como analisa Roger Chartier, devemos considerar as
significações múltiplas e móveis de um texto e como isso pode ser recebido
pelos leitores. Logo, os textos não podem ser considerados abstratos,
separados de toda materialidade, sendo preciso considerar que as formas
produzem sentido e “que um texto estável na sua literalidade investe-se de
uma significação”491. É preciso levar em consideração como os textos podem
ser recebidos, manipulados, compreendidos, como existe uma luta por
representações. Assim, os discursos, para Chartier, não podem ser separados
das formas que os comunicam, destacados das práticas, do fato de que são
investidos de significações plurais e concorrentes492.
Assim como o Correio da Manhã, na seca de 1932, buscou mostrar uma visão
sobre os sertões nordestinos, El Mundo, ao retratar a seca santiagueña em 1937,
também buscou um tipo de discurso sobre a região do Noroeste. Como vimos,
na década de 1930 a Argentina passou a debater quais eram as raízes da nação
e que tipo de unidade nacional se pretendia naquele contexto no qual assumia
um Estado intervencionista presidido por Agustín P. Justo. Diferindo, em
alguns pontos, do Correio da Manhã, principalmente no que tange a um
enfoque discursivo em torno do semiárido santiagueño, El Mundo apresentava
uma interpretação para a questão da seca no contexto nacional. Durante todo
o mês de dezembro de 1937, ininterruptamente, noticiou a situação de caos
oriunda da seca que atingiu o Noroeste argentino e a população santiagueña.
A seca já havia começado desde 1935, mas, em 1937, o auge da miserabilidade
tomava conta dos noticiários.
Cabe salientar novamente que, ao contrário do Brasil, em que Nordeste e
seca são praticamente sinônimos e que de maneira direta ou indireta, positiva
ou não, conhece-se e se reconhece essa questão em um âmbito nacional, a
Argentina não toma a seca como questão central. Santiago del Estero é vista
como uma “terra dura”, “salina”, “seca”, a província “mais pobre” da
Argentina, mas não podemos comparar unilateralmente com o caso do Ceará.
Santiago del Estero, no imaginário nacional, está muito mais relacionado às
tradições indígenas, ao folclore, do que, necessariamente, à seca. Veremos que
o discurso em torno da estiagem esteve mais atrelado ao assistencialismo, a
como Buenos Aires poderia olhar para essa região, do que buscou formular
qualquer tipologia do semiárido santiagueño, como fez o Correio da Manhã
quando tratou do semiárido cearense. A diferença é notória nesse aspecto,
mas também mostrei as semelhanças que retratam que tipo de visão um
jornal da capital apresentava sobre uma região do interior. Principalmente,
quando culpabilizava, diretamente, a geografia, o clima e as populações pela
pobreza das suas áreas. Aqui os discursos se assemelham com o caso brasileiro
e retomam a antiga ideia de um litoral civilizado versus um interior atrasado.
Isso posto, El Mundo, dentro das particularidades inerentes à Argentina,
discursou sobre essa localidade e colocou em evidência, em âmbito nacional, a
questão da seca e o abandono das populações do Noroeste argentino. Com
uma verdadeira campanha assistencial, com ajuda de entidades filantrópicas,
narrou o acontecimento climático, muitas vezes, por meio de visões simplistas
que, por um lado, viam na natureza a origem da pobreza da região e, por
outro, convocavam o Estado – bem como o Correio o fez em relação à seca de
1932 – a tomar providências, dar trabalho, assistência e alimentação aos
santiagueños. Voltou suas falas para a Junta Nacional para Combatir la
Desocupación493 e sua atuação nessa área. Afirmava que a Junta devia ocupar os
braços da população do Noroeste argentino com trabalho. Dedicou páginas a
pedir ajuda à população de Buenos Aires na defesa da assistência aos
santiagueños.
Trabalho, nesse tópico, apontando as semelhanças discursivas com o caso do
Correio da Manhã, compreendendo que a “ausência” de uma re exão em torno
da questão da seca na Argentina ilustra a relevância de realizarmos essa
análise comparada. Afinal, a seca existe, é um fato climático e social que
também acomete a população do Noroeste, e os silêncios em torno dessa
questão são escolhas e estratégias dentro do contexto que desejo analisar. Para
a re exão do periódico El Mundo, parto daquilo que Chartier chama de
afrontamentos das relações estabelecidas entre dominantes e dominados. O
que busco compreender é como por meio dos discursos existe uma dominação
simbólica em torno das representações que a classe dominante produz ou
mesmo a desqualificação que a ela tenta impor à cultura do dominado,
mostrando-a como inferior ou ilegítima. Re eti, ainda, sobre como a cultura
dominada se apropria e faz ser seu o que lhe é imposto494.
Foi nesse período, portanto, que na Argentina houve a preocupação com o
problema da imigração, do estrangeiro e a busca de uma identidade
“genuinamente” argentina. Foi pensada, também, a questão da integração
nacional, do controle sobre o território e a construção de uma identidade
comum. Era necessário conhecer a Argentina e isso passava por reconhecer o
seu interior, os seus problemas e erradicar suas mazelas. Reitero que um fator
importante que atingiu diversos países como o Brasil e a Argentina foi a crise
de 1929, o que levou à necessidade de olharem mais para si mesmos.
José Luis Romero afirma que já se re etia essa ideia do que seria o nacional,
assim como havia uma exaltação de certa imagem do caráter argentino, mais
exatamente do caráter criollo, no qual se encontraria o nacional por excelência,
e era como se os imigrantes “não pertencessem” à nação argentina. Em
contrapartida, outras correntes sociais, ao longo da década de 1930, quiseram
ir ao encontro dessa população migrante e valorizar o proveito que ela
garantia ao país. Em meio a essa contradição, estava também o interior. Essa
exigência de totalidade querida na Argentina, segundo o autor, era grave e
ignorava, em favor de uma classe aristocratizante, outras camadas sociais.
Romero explica que, com a entrada de Agustín Justo, consolidou-se o Estado
intervencionista e a presença do Exército e da Igreja Católica na política, como
já mencionado anteriormente. Justo argumentava que o exército só intervinha
em defesa dos mais altos valores nacionais. Havia, também, uma corrente de
oposição reformista e anti-imperialista. Dentro desse quadro, a questão da
nação tomava conta dos debates de intelectuais da época. Do mesmo modo,
alguns historiadores passaram a interpretar o passado argentino à luz de
valores da tradição, do mundo rural, do hispanismo ou do anti-imperialismo.
Isso se concretizou com a valorização da música do interior ou das zonas
rurais, que foi considerada o “folklore” argentino. Logo, a música nativa
ganhou popularidade nos meios urbanos do litoral. Portanto, destacava-se a
vontade de entender o que seria “o verdadeiro povo argentino” e os
intelectuais, historiadores, governantes passaram a se perguntar quais eram as
formas mais autênticas de representar politicamente sua vontade495.
É nesse contexto, por volta de 1935, que o deputado socialista Alfredo L.
Palacios pedia que houvesse um esforço nacional em prol da população e das
necessidades do Noroeste argentino, províncias menos favorecidas do país e de
suas necessidades496. Nesse panorama de contradições em torno da nação, foi
que a seca santiagueña e a população do Noroeste passavam a ser percebidas
por Buenos Aires e também relatadas no periódico El Mundo.
O jornal El Mundo foi criado em 1928, por Alberto Haynes, um inglês que
havia chegado à Argentina em 1887 para trabalhar em uma ferrovia britânica e
que iniciou sua carreira editorial em 1904. El Mundo foi editado por sua editora
Haynes e circulou de 14 de maio de 1928 a meados de 1967. Foi o primeiro
diário tabloide da Argentina, com tamanho menor do que os usados pelos
periódicos tradicionais da época.
Segundo Susana Sel, seu preço de venda era mais baixo, custando metade
das outras publicações. Havia ainda as histórias populares e as notícias sociais,
incluindo também contos, comentários, modas, trabalhos e concursos
semanais com prêmios para quem acertasse os resultados das partidas de
futebol argentinas, por exemplo. A autora ressalta que a Editora Haynes, ao
longo do tempo e de seus avanços na edição de revistas, acabou por ter, para
sua época, um design mais arrojado em suas publicações, com desenhos e
imagens ilustrativos497. Na criação do jornal, “o corpo editorial optou por
trabalhar com o conceito de representante das causas sociais, relatando
problemas enfrentados pelas classes baixa e média local, de modo
comprometido com a veracidade dos fatos noticiados”498.
Há de se considerar, também, como analisa Alejandro Cattaruzza, que foi
no período anterior, especificamente no entreguerras, que ocorreu uma
ampliação no ato de leitura nos setores médios e populares, com maior acesso
aos livros, diários e revistas. Assim, diários como El Mundo passam a somar aos
já existentes, como o La Nación (1870) e o La Prensa (1870)499. Nesse aspecto,
como aponta Beatriz Sarlo, o periódico tentava se diferenciar dos diários que
ela chama de “señores”, os órgãos escritos e lidos pela classe política e pelos
setores ilustrados. Proporcionava, segundo a autora, um material com artigos
breves, que podiam ser lidos por inteiro em uma viagem a trabalho. Era um
novo tipo de periodismo, já existente com a criação do vespertino Crítica,
fundado em 1913, periódico que também narrou a seca santiagueña. No
periódico Crítica, havia ritmo, rapidez, seções esportivas, de cinema, sobre a
mulher, a vida cotidiana, configurando esse novo tipo de periódico para os
setores médios e populares. O perfil adotado por El Mundo, com variedade de
seções para diferentes públicos, narrações, notas de costumes, com histórias,
cartoons e ilustrações se estende por toda a década de 1930500.
Sylvia Saítta afirma que é no período dos anos 1920 que esses diários de
cunho massivo e comercial surgem e se apresentam publicamente como
populares, buscando representar o interesse das massas de anônimos leitores.
Justificam sua existência por meio de um determinado tipo de representação
do popular, diferenciando-se dos diários do século XIX501. No entanto, como
aponta a autora, El Mundo se diferencia do periódico Crítica, pois se define
como “veículo de propaganda”, ou seja, convocava os comerciantes e os
empresários com anunciados chamativos para que os futuros anunciantes
vendessem seus produtos no jornal. Afinal, no final dos anos 1920, para que
um periódico se mantivesse, era necessário que isso ocorresse502.
De acordo com Sérgio Miceli, “tanto Crítica quanto El Mundo se
caracterizavam pelo empenho num projeto de diagramação, pelo emprego
rotineiro de fotos na cobertura de agrantes urbanos, tendo contato com o
entusiasmo de um grupo de escritores e intelectuais renomados”503. Nesse
sentido, os diários, então, passavam a ser empresas comerciais cujo objetivo
central era, de acordo com Cattaruzza, ganhar dinheiro, embora tenham se
transformado em elementos de constituição e orientação da opinião pública504.
Esta é uma semelhança com a trajetória dos jornais brasileiros nas décadas de
1920 e 1930.
Foi também nos anos 1930, como analisa Beatriz Sarlo, que alguns debates
estavam em voga no meio cultural e estético da Argentina: primeiro, a questão
da língua (“castelhano”), as traduções (quem pode traduzir), o cosmopolitismo
(qual seria o internacionalismo possível e quais tendências não eram
admitidas e se reivindicavam universais), a questão do “criollismo” e da
política (qual a posição da arte frente às grandes transformações, qual a função
do intelectual). A Argentina passava a se questionar sobre quais eram as
origens e a natureza do mal que os afetava, ao passo que ora se celebrava, ora
se denunciava a modernização. Existia, ainda, a idealização de uma ordem
passada a qual se atribui os traços de uma sociedade mais íntegra, orgânica,
justa e solidária505, como vimos analisando no que se refere ao Brasil e à antiga
dicotomia cidade versus campo.
Nesse contexto, portanto, bem como já fazia Crítica, El Mundo tornou-se uma
fonte de ocupação para os escritores recém-chegados ao campo intelectual, a
exemplo de Roberto Arlt. Cattaruzza afirma que muitos escritores fizeram do
jornalismo a ocupação que lhes garantia salário. Isso aconteceu com Arlt cujas
falas que retratam a seca de Santiago del Estero interessam-me
particularmente. Em suas crônicas chamadas “El in erno santiagueño”, Arlt
direcionou um olhar a esse fenômeno em meio a um debate que via na
literatura uma via útil, edificante, promotora de virtudes e uma ferramenta na
tarefa de conquistar consciência e espírito para a transformação social506.
Pensando nos panoramas expostos sobre estes dois periódicos, começo a
análise com o caso brasileiro, no texto de Afonso de Carvalho, reproduzido na
coluna “Typos Regionaes” do Correio da Manhã, onde esse escritor falava sobre
os tipos cearenses.
Antes cabe destacar que Afonso de Carvalho foi um militar do exército
brasileiro, “escritor e jornalista, autor de obra relativamente extensa, com
destaque para as biografias de Bilac, Caxias e Rio Branco”507. Foi idealizador da
revista civil-militar Nação Armada, que “buscou dirigir-se à sociedade mais
ampla e, por seu caráter francamente autoritário, esteve situada à direita do
espectro ideológico do Estado Novo, do qual fez constante apologia”508. Cabe
mencionar que, no trecho do autor, reproduzido no Correio da Manhã, há uma
ilustração de Alberto Lima que foi redator-artístico da revista Nação Armada e,
de acordo com Vitor Monteiro, parceiro de Carvalho em diversos projetos509.
Posteriormente, Carvalho integrou a Aliança Integralista Brasileira (AIB),
atuando no campo militar, político e intelectual da época, sendo interventor
em Alagoas entre dezembro de 1932 e março de 1934510.
Como exemplo do tipo de narrativa de Carvalho, um dos seus livros justifica
bem o texto de sua autoria reproduzido pelo Correio da Manhã. O livro chama-
se O Brasil não é dos brasileiros, datado de 1937, e, de acordo com Vitor Moreira,
ressaltou que a história brasileira desde o século XIX estava impregnada de
“elementos e ‘forças’ estrangeiras” e seria necessário, portanto, “buscar um
caminho possível e concreto para reverter a situação ‘negativa’ que minava a
nacionalidade do país”511. No trecho do referido texto, publicado no Correio da
Manhã, Afonso de Carvalho512 descrevia o cearense e o classificava em três
tipos principais: cearense matuto, cearense retirante e o cearense exilado na
Amazônia. Foi esse terceiro tipo que ele preferiu retratar em razão da sua
“glória de desbravador”. Sobre essa condição do cearense que migrava em
período de seca para os seringais amazonenses, Carvalho escreveu:

Poderíamos falar do cearense matuto, descrito com tanta propriedade por Franklin Távora: o
cearense-retirante, cujo perfil se acha tão horrendamente gravado nos quadros dolorosos da
seca […] Mas preferimos falar do cearense exilado na Amazônia, o cearense vítima do monstro
tentacular dos seringais: o cearense criador de territórios, brasileiro colonizador do Brasil.
Porque aí está sua maior glória […] o terceiro, o cearense, tipo já liberto das ostensivas
in uências do cruzamento; tipo brasileiro, puramente brasileiro – sangue nosso […] E, no
entanto, tendo em vista seu esforço hercúleo, a projeção admirável da sua obra gigantesca,
quanto nos revolta o esquecimento em que vive!513

Situo essa narrativa, portanto, como uma fala emblemática de alguns


intelectuais desse contexto – principalmente alguns ligados ao Integralismo514
– referente à busca de uma identidade nacional genuinamente brasileira.
Aspectos do pensamento integralista, como o nacionalismo, a ideia de
“transformação social” e do Estado com uma estrutura organizativa e
hierarquizada515 promotor da disciplina e da harmonia social podem ser
encontrados nesse autor.
No fragmento acima, o cearense é o “criador de territórios, brasileiro
colonizador do Brasil”, ainda mais é “liberto das ostensivas in uências do
cruzamento”, um tipo puro; ou seja, pensando em sua obra posteriormente
publicada e citada acima, em que ele exaltava exatamente o problema do mal
do estrangeirismo que assolava a história do país, pensar no cearense como
um tipo puro e sem in uências externas estava inserido no bojo do debate da
identidade nacional na década de 1930.
Angela de Castro Gomes analisa que desde a década de 1920 alguns
intelectuais vinham criticando o desprezo que havia no país em relação aos
homens pobres do interior. Era preciso que se reavaliasse o problema racial do
Brasil e do trabalhador brasileiro. O nacionalismo deste período “não se
traduzia mais por um sentimento de amor à pátria, ele se manifestava como
um movimento social, que tinha como objetivo apontar e combater os males
de nosso país”516.
Nessa perspectiva, entende-se como o Correio da Manhã, utilizando-se da
narrativa de Afonso de Carvalho, esteve imerso no debate da época sobre que
tipo de herança, tradição e passado histórico se queria ter no país. Como diz
Chartier, os textos “expõem os princípios contraditórios de construção do
social, a ordem dos atos pelos quais os indivíduos, em uma dada situação,
classificam os outros, classificando-se, portanto, a si mesmos”517. Isso se re ete
em que tipo de leitura do passado, como re ete Angela de Castro Gomes, o
Correio, bem como certos intelectuais buscavam tendo em vista a
“consolidação de um passado comum”518. Leitura que teria levado, muitas
vezes, a se resgatar autores históricos e um conjunto de discursos que falavam
sobre e para o povo e a nação519. Nesse sentido, passava-se a re etir sobre
como esse novo homem brasileiro era “cheio de virtudes ignoradas” e era ele
que guardava, assim, “as tradições mais puras do país”520. O que se criticava,
portanto, de acordo com Gomes, era um liberalismo de viés europeizante,
baseado na inferioridade da raça. Além disso, Afonso de Carvalho insere-se no
próprio contexto histórico onde “no caso do campo, cabia enaltecer o esforço
físico, o caráter quase bélico das fainas agrícolas […] embora permanecesse
sempre presente um quadro de tristeza, bem ao contrário do dinamismo da
cidade”521.
Vejamos em outra reportagem do Correio, ainda em 1930, um trecho sob o
título “D’ ‘Os Sertões’ de Euclides da Cunha”, sendo o título principal da
página Terra do Sol, Terra do sofrimento. Essas duas apropriações são singulares:
a obra Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, e a obra Terra de Sol (1912), de
Gustavo Barroso (pseudônimo de João do Norte). Em primeiro lugar,
analisemos a reprodução feita pelo Correio de parte do livro Os Sertões:

Aproxima-se a seca […] Entretanto não foge logo, abandonando a terra pouco a pouco invadida
pelo limbo cadente que irradia o Ceará […] o nosso sertanejo faz exceção a regra, a seca não o
apavora. É um complemento a sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos
[…] Apesar das dolorosas tradições, que conhece através de um sem número de terríveis
episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível […]522.

Nessa narrativa, o sertanejo não tinha medo da seca, acostumou-se a ela e,


apesar de viver nessa dolorosa situação, tinha sempre esperança e resistência
para enfrentar o agelo. A seca “é um complemento” da sua vida dolorosa, é
uma luta indescritível, diz Euclides da Cunha, é a insurreição da terra contra o
homem523. Ora, o resgaste de Euclides da Cunha como visão dos sertões
nordestinos, na década 1930, mais uma vez corroborava com uma ideia de
sertões específica, que inclusive nasce e se estende com o próprio Euclides e
sua saga sobre o con ito de Canudos no sertão baiano.
Heloisa Starling524 considera ser por meio da obra Os Sertões que Euclides
denuncia um país onde pessoas viviam expatriadas em sua própria pátria, um
modelo de República não edificante, inacabada, de um sonho de modernidade
marcado pela indiferença entre homens e a natureza. Por isso, em seus
escritos, os sertões configuravam uma terra mergulhada em tristeza, na
ausência de valores do mundo público, desviante do progresso. A própria
República também seria feita de homens bárbaros que não olhavam para esse
vazio que eram os sertões. Euclides da Cunha escreveu para seus pares no
início da República e é por meio dele que se conhece e reconhece os sertões
nordestinos. Euclides, acabou por construir o “mito da brasilidade sertaneja”525
e foi na Primeira República que se deu esse processo, um “casamento do
sertão com a nação […] no pensamento euclidiano”526.
Quando Euclides retratou o massacre de Canudos, ele estava envolvido
pelas ideias positivistas, em que o conceito de sertão, segundo Ricardo de
Oliveira, era o mais pejorativo, desqualificador da terra e das pessoas do
sertão e reconhecia “neles a impossibilidade de qualquer desenvolvimento
rumo à civilização”527, em que a barbárie e a ignorância predominavam.
Ricardo de Oliveira ainda ressalta que ao mesmo tempo em que Euclides é
um homem da ciência e da civilização, mesmo antes da re exão feita por ele
em Os Sertões, afastava-se de uma intelectualidade que via na Belle Époque
urbana carioca o modelo a ser seguido. No entanto, quando deslocou-se para
Canudos ainda estava imerso em uma imagem de um arraial que se traduzia
pela barbárie. No retorno, Euclides – e a re exão sobre Canudos, sobre o
sertanejo, o vaqueiro, a figura de Antônio Conselheiro – veio imbuído de uma
visão diferente, não só individual como coletiva, em relação à imagem que se
tinha dos sertões. É essa questão, de acordo com Oliveira, que torna sua obra
marco do entendimento sobre os sertões brasileiros.
Vale destacar que o embate entre o homem da ciência e sua ida a Canudos
torna essa imagem em relação aos sertões, para o próprio Euclides, ainda
muito con ituosa. Oliveira fala da importância de um novo olhar construído
sobre a região a partir da obra euclidiana. Roberto Ventura afirma, nessa
perspectiva, que Euclides criou a imagem de Canudos “como cidade iletrada,
dominada por fanatismos e superstições transmitidos de forma oral. Construiu
um modelo interpretativo para dar conta das relações e con itos entre a sua
própria cultura, letrada e urbana, e a cultura oral sertaneja marcada por mitos
messiânicos e pela tradição católica”528. Dessa forma, acabou dando voz ao
sertanejo, aquele que tinha uma cultura estranha à sua, indo “além da
narração da guerra, ao construir uma teoria do Brasil, cuja história seria
movida pelo choque entre etnias e culturas”529.
Nesse aspecto, a retomada que se deu sobre a obra Os Sertões pelo Correio da
Manhã, como forma de redescoberta de um Brasil e de uma brasilidade, foi
fruto de um olhar que visava entender a nação por meio de um intelectual
mergulhado nos modelos cientificistas, ou seja, ele via nos sertões a essência
do nacional, ao passo que acreditava na crença do progresso, da civilização e
da ciência.
Oliveira aponta que, na narrativa de Os Sertões, há “o estabelecimento de um
tipo étnico que encarnasse a nação, o sertanejo”530. A máxima euclidiana “o
sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral”531, revela-nos o anseio pela autenticidade de
uma população que se diferia da do litoral e nela estaria a gênese da nossa
brasilidade. A mesma re exão que, posteriormente, na década de 1930, fará o
Correio da Manhã olhar para os sertanejos sob a via de Os Sertões. É nesse
contexto que ocorrem “imagens positivas do homem do campo e seu
trabalho”532 e sua incorporação imaginária pelo Estado. O campo e o homem
tornavam-se “objetivos naturais de governabilidade”533, e, com isso, era
necessário “expandir as fronteiras agrícolas”534.
Vale destacar que Euclides da Cunha535, como analisa Roberto Ventura,
“acreditava ser inevitável a passagem da Monarquia à República. Sua
formação positivista e evolucionista o levava à crença fatalista em uma série
linear de etapas do desenvolvimento humano”536. Por isso, ao final de Os
Sertões passou a questionar todos os elementos que eram considerados
civilizados, inclusive a ciência na qual se formou. Ricardo de Oliveira aponta a
necessidade de entendermos que “por mais que Euclides quisesse se afastar
desta postura, a condição de ser um intelectual amarrado às formas de
conceber o país, predominantes no imaginário dos membros da
intelectualidade litorânea, tornava impossível a realização de um movimento
que transcendesse os preconceitos”537.
No contexto de 1930, “o campo, embora conserve tristeza e a solidão,
também abriga um homem dinâmico”538. É com esse discurso que o Correio
retomava a obra euclidiana, porque estava inserido nos debates que viam um
sertão que, apesar da seca, sobrevivia, ou seja, enxergavam uma população
que ao mesmo tempo que sofria era lutadora. Ou mesmo, como analisa
Albuquerque Júnior, existia a dicotomia litoral como espaço que representava
o colonizador e “o sertão onde a nacionalidade se esconde, livre de in uências
do estrangeiro. O sertão é aí muito mais um espaço substancial, emocional, do
que um recorte territorial preciso”539.
Como analisado, havia autores referenciais como Euclides da Cunha,
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, que, segundo Mônica Velloso,
re etiam sobre a nacionalidade, com uma preocupação sociológica “típica de
uma geração que se voltou para a busca de nossas raízes civilizatórias”540,
sendo necessário, com isso, “dominar um instrumental de análise que passasse
pelo crivo da cientificidade”541. É nessa perspectiva, de uma busca por uma
identidade nacional que Vargas “se esforça por capitalizar os grandes nomes
de nossa literatura, transformando-os em ‘vultos nacionais’ responsáveis pela
história da pátria”542. Re ete-se, novamente, sobre essa intelectualidade
entendendo que:

[…] existe uma íntima relação entre toda obra douta – de criação ou pensamento disciplinar –
e a condição humana, histórica, social, cultural, corpórea de seu autor. Dificilmente se pode
entender “a obra” caso não se parta de seu caráter corpóreo, “incorporado”, se quiserem, isto
é, de produto imanente a um ser humano de carne e osso543.

Assim, há uma máxima na vida cultural no contexto dos anos 1930 e do


movimento modernista, como já situamos no primeiro capítulo: quando
algum intelectual do universo das letras escolhia retratar o mundo urbano,
segundo Velloso, ele estava na realidade, para alguns de seus pares, “dando as
costas ao ‘Brasil real’”544. O que existia, portanto, era uma visão geográfica que
passava a informar a nossa nacionalidade e que tomou conta do país junto
com o binômio litoral versus sertão. Além disso, os intelectuais deviam ter um
compromisso não mais com uma subjetividade literária, mas sim com o real,
com a objetividade dos fatos. Portanto, segundo Monica Velloso, Euclides da
Cunha é a consagração de uma literatura a ser seguida e isso se deu,
principalmente, por seu caráter documental. Esse aspecto justificava o fato de
o Correio reapropriar-se dessa obra para explicar que tipo de sertão eles
queriam narrar, porque “Euclides é o próprio sertão, é Brasil”545.
Além disso, “o tema do sertão serve para os intelectuais nacionalistas
lançarem uma crítica a toda a cultura de importação, à subserviência
litorânea, aos padrões culturais externos”546. Ventura considera que, para
Euclides, “Canudos teria sido o resultado da instabilidade dos primeiros anos
de uma República decretada ‘de improviso’ e introduzida como ‘herança
inesperada’ ou ‘civilização de empréstimo’, que copiava os códigos
europeus”547.
Tais re exões faziam sentindo nessa nova nação autenticamente brasileira
almejada na década de 1930, se pensarmos também que “a história
republicana se encenava como comédia trágica ou era narrada enquanto
epopeia sem heróis, em que o estilo elevado se rebaixava pela perspectiva
irônica […] Recorria à inversão de papéis, ideia já empregada em Os sertões
para tratar do intercâmbio de lugares entre o bárbaro e o civilizado”548. Esses
aspectos serão utilizados por Vargas com “um nítido caráter geopolítico de
integração dos grandes espaços interioranos à nação”549. A nova República que
se pretendia com a sua entrada ao poder, enaltecia o lugar do interior e dos
seus homens nessa nação.
Ao re etir essa unidade nacional voltada para o interior, o Correio – na
mesma página onde reproduz o trecho de Os Sertões – se apropria de um
fragmento do livro de Gustavo Barroso chamado Terra do Sol. Natureza e
cultura do norte. Destaco o seguinte trecho reproduzido pelo jornal:

[…] todo sertão é duma grande tristeza, na cor, no silêncio, no aspecto; e essa tristeza em tudo
se infiltra e impregna tudo: um galho que range de encontro ao outro lembra um gemer de
moribundo; o estalar crepitante dos gravetos pisados por qualquer animal parece um soturno
falar avantesmas; um canto de pássaro, um alto pio d’ave de rapina […] tudo é triste, tudo é
melancólico550.
O sertão em Barroso inspirava tristeza, figurava-se, assim, do mesmo modo
que em Euclides da Cunha: um lugar que, apesar da melancolia, superava esse
aspecto, em contraposição a uma população heroica.
Para entender a apropriação do livro de Gustavo Barroso, é necessário
sabermos em que lugar ele se encontrava na escrita sobre o Ceará. Barroso
nasceu em Fortaleza, em 1888, ingressou na Faculdade de Direito do Ceará,
em 1907, e terminou o curso no Rio de Janeiro, em 1912. No Ceará, já atuava
desde 1906, em jornais, demarcando, em um dado momento, sua oposição à
oligarquia Accioly, que dominava a política cearense. Em paralelo a isso, em
1907, atuava também na Revista A Careta e Tico-Tico no Rio de Janeiro. Anos
mais tarde, quando foi residir no Rio de Janeiro, em 1910, fez parte da Revista
Fon-Fon e do Jornal do Comércio551. Foi membro do Partido Republicano
Conservador do Ceará (em 1915 e 1918), e, em 1931, presidente da Academia
Brasileira de Letras. Participou do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e
da Sociedade de História Argentina, e dirigiu o Museu Histórico Nacional a
partir de 1922, por 34 anos552. Em 1930, também passou a atuar no
Integralismo, “publicando uma bibliografia com forte teor anti-semita”553. Foi
no contexto de sua escrita voltada para o Ceará que ele escreveu o livro Terra
do Sol (1912) e passou a utilizar o pseudônimo João do Norte. O discurso
regionalista tornou-se uma linguagem também em Barroso, ou seja, de acordo
com Afonsina Moreira, “houve mesmo um desejo de João do Norte de ser
identificado como um intelectual que não esqueceu o Ceará, o norte de sua
escrita”554.
Nesse período, Aline Magalhães coloca, também, que tratar da história do
semiárido nordestino, por exemplo, era um tema que interessava ao Rio de
Janeiro “especialmente após a repercussão de Os Sertões de Euclides da Cunha.
Afinal, a realidade do nordeste estava sendo apropriada como marca da
autêntica nacionalidade”555. A autora mostra que quando Barroso fez parte do
SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), em 1937, por
exemplo, ele divergia dos modernistas de sua época porque fazia parte “de
uma ala mais conservadora, que se apegava aos vestígios do passado como
forma de cultuar os homens ilustres e os grandes feitos da nação”556.
Em um trecho do livro de Barroso, Terra de Sol, não reproduzido pelo
Correio, identificamos uma fala que enaltece a autenticidade do sertanejo
quando ele narrava:

Na sua marcha progressiva do litoral para o centro do Brasil, a pouco e pouco vai a civilização
eliminando os tipos tradicionais e apagando ou deturpando os velhos costumes. Raro,
também, é o vestígio que fica dessas cousas pelo quase despreso em que em geral tem o
brasileiro por tudo isso. Assim, não será descabido perpetuar os velhos tipos tradicionais que o
tempo vai matando. Muitos deles surgem no sertão em virtude de um movimento de
rebeldia557.

Ainda nesse sentido, Barroso citava Euclides da Cunha em seu livro ao


retratar o sertanejo como um “[…] sinal do imenso vigor da raça do Norte que
o grande Euclides da Cunha chamou ‘rocha viva de nossa nacionalidade’”558.
Continua classificando o sertanejo por uma “tenacidade na luta, quando o
meio hostiliza e procura esmagá-lo”559, ao passo que o desqualifica ao afirmar
que é descuidado, indolente e imprevidente quando os tempos são bons, ou
seja, quando não há seca.
Moreira afirma que, para Barroso, “não bastava escrever memórias, era
preciso defender a própria existência do passado que estava sendo oprimido
pelo presente”560. A autora re ete que em suas obras ainda há uma busca por
uma identidade nacional e uma definição do que seria o popular.
Do mesmo modo que resgatar a obra euclidiana estava em consonância com
as re exões feitas na década de 1930 sobre o que seria o “verdadeiramente
nacional”, reapropriar-se de Gustavo Barroso – que também era um leitor
euclidiano – estava inserido naquilo que já mencionei como busca de um
passado nacional comum.
De acordo ainda com Moreira, o livro Terra de Sol “conquistou elogios de
intelectuais como Silvio Romero e Alceu Amoroso Lima. Foi enfatizado seu
caráter de obra de arte; o perfil de uma nascente ‘sociologia sertaneja’”561. Essa
visão sociológica dos fatos na literatura foi muito difundida e propagada
posteriormente na década de 1930 como legitimadora de um autêntico olhar
sobre o Brasil “real”, não romântico e idealizado. Do mesmo modo que
Euclides da Cunha foi enaltecido, no contexto cultural de Vargas, por ser um
homem que fez uma sociologia sertaneja em Os Sertões, Barroso também o foi,
mesmo que “menos conhecido”, por ter sido esse tipo de intelectual
“preocupado com a realidade brasileira”562, um “sociólogo” dos sertões.
Em um suplemento do jornal em 5 de outubro de 1930, reproduz-se
também, em página inteira, trechos de O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz,
mais uma vez parte do livro Os Sertões (1909), de Euclides da Cunha, e um
recorte do livro A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida. Há aqui, no
entanto, uma mistura de apropriação – no caso de Euclides – e de uma
re exão contemporânea dos fatos que se dava com a geração regional
nordestina em 1930, onde se encontram Rachel de Queiroz e José Américo de
Almeida.
No que se refere ao fragmento de O Quinze, de Rachel de Queiroz, vê-se um
olhar de total sofrimento e angústia perante a seca de 1915, retratada pela
autora no romance. Em parte da história, o filho de Chico Bento, Josias,
morreu por conta da fome causada pela seca no semiárido cearense e pela
migração da família em busca de melhores condições na capital de Fortaleza:

O ventre lhe inchara como um balão. O rosto intumescera, os lábios arroxeados, entre-
abertos, deixavam passar um sopro cansado e angustioso […] esde a véspera, o Josias adoecera
[…] A creança era só osso e pelle: o relevo do ventre inchado formava quasi un aleijão naquella
magreza, naquelle couro secco de defunto, empretecido e mal cheiroso563.

A figura aqui narrada em Queiroz é a do sertanejo que morria pela seca, pela
fome. O retrato da criança moribunda que comia uma raiz venenosa mostra-
nos o sofrimento ao pensarmos nos sertões, e até mesmo no Nordeste. No
período analisado, já apontei uma ressignificação positiva do interior pelos
intelectuais. No entanto, ainda se incluíam em uma visão fatalista ao re etir a
questão do semiárido nordestino, principalmente em meio à seca. Contudo,
percebemos uma diferença ao pensarmos em Queiroz também como forma
de narrar o semiárido cearense.
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1910 e era filha de
uma família tradicional. Foi in uenciada por romances regionalistas e, na
década de 1930, foi simpatizante do comunismo. Queiroz não adotava a “via
sociológica” para pensar os sertões, tão elogiada naquele contexto histórico.
Segundo Albuquerque Júnior, “sua visão de revolução se assentava muito mais
numa reação romântica à artificialidade do mundo moderno, à necessidade do
uso de máscaras sociais”564.
O Quinze narrava a história de um personagem em meio à seca de 1915. Sem
as características cientificistas até aqui abordadas, a autora faz uma denúncia
dos horrores ocorridos no campo de concentração do Alagadiço, criado na
seca de 1915 em Fortaleza. Esse local era chamado de “o campo santo”,
porque nele morreram muitas pessoas pelas péssimas condições de higiene.
Era um campo de isolamento de retirantes em período de seca, para que
fossem enviados para obras públicas realizadas pela Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS). Em outras partes do livro, não reproduzidas pelo
Correio, esse olhar é evidente. Pode-se inferir que ao escolher exatamente esse
fragmento de O Quinze, o jornal fez uma opção específica acerca de qual
retrato do sertão (ou mesmo do Nordeste brasileiro) se queria mostrar ou
reafirmar: apesar da tristeza, do sofrimento, da miséria, o sertanejo era um
lutador. Ou seja, corroborava com a visão do “mito do sertanejo, ao mesmo
tempo em que fala de ação e valentia”565.
Em uma parte de O Quinze, a personagem Conceição havia acabado de sair
do campo de concentração e retratava bem os aspectos do lugar. Conceição ia
todos os dias para ajudar na entrega dos socorros:

[…] o mau cheiro do campo parecia mais intenso […] Quando transpôs o portão do Campo, e
se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia!
Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem
fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros. Uns debaixo dum cajueiro, estirados
no chão, quase nus, conversavam. Outros absolutamente ao tempo, apenas com a vaga
proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola […]566.

Quando Queiroz narrava esse episódio da seca no Ceará, denunciava uma


questão histórica da vida pregressa dos sertões: a miserabilidade ocasionada
pelo despreparo em torno do fenômeno da estiagem. O campo de
concentração567 foi criado para conter os sertanejos a fim de que não
migrassem para a capital Fortaleza, ou mesmo para que não passassem a
esmolar, impedindo que se tornassem ociosos. Foi uma medida de controle
social, já que os sertanejos foram concentrados nesse local para depois serem
enviados para as obras públicas na construção de estradas de ferro, açudes, ou
mesmo obras de melhoramento das cidades, como mão de obra barata em
tempos de crise.
O campo levou à morte milhares de pessoas, como também retratou em seu
livro, A seca de 1915, o farmacêutico Rodolfo Teófilo, autor analisado no
primeiro capítulo. Logo, recorrer a Rachel de Queiroz também fazia sentido
naquele contexto e para o próprio Correio da Manhã, já que “a literatura da
década de 1930, a exemplo de O Quinze, passa a encenar as angústias da
modernidade, os con itos entre o homem e os contextos que o cercam.”568
É válido salientar que na trama de O Quinze, de acordo com Joyce Santana,
alguns pontos importantes são discutidos como em relação a Conceição,
personagem principal do romance, que acabava por ser:

[…] um elo entre as identidades tradicionais do Sertão – a religiosidade da avó e as leituras dos
fenômenos da natureza pela sabedoria popular – e os conhecimentos científicos do mundo
moderno. É com o auxílio das inferências feitas a partir de suas leituras que a personagem
Conceição tece uma visão crítica, bem peculiar, do seu contexto social: a modernidade569.
Para Albuquerque Júnior, portanto, em Rachel de Queiroz vê-se que “a
dimensão do tempo é a itiva para o homem […] razão por que o espaço é
repositório de memória, das marcas do tempo […] o espaço seria a dimensão
conservadora da vida”570. Nota-se, nesse contexto, um Nordeste que ora é
alegria, ora é tristeza, ora é seca (miséria), ora é inverno (fartura). Porque, de
acordo com o autor, a “idealização da sociedade sertaneja, da qual Rachel é
originária, vai encontrar somente na seca o grande obstáculo para atingir sua
perfeição”571.
A busca por uma identidade nacional, com os olhos voltados para o interior
do país – como já apontado – e suas mazelas justificava também o fato de o
Correio da Manhã relatar os problemas do semiárido nordestino citando
autores consagrados ou mesmo aqueles voltados para uma literatura
“destinada a oferecer sentido às várias realidades do país; a desvendar a
essência do Brasil real”572 e, como mostraremos adiante, escrever reportagens
em torno da seca de 1932.
Assim, é nesse momento que nomes como Rachel de Queiroz, José Lins do
Rêgo, Jorge Amado e Graciliano Ramos passam a se referir “às situações de
degradação vivenciadas pelo povo, no drama dos espoliados da seca no campo
em relação aos problemas das grandes cidades”573. Como afirma Albuquerque
Júnior, “a identidade brasileira é aí segmentada entre um espaço tradicional e
um espaço moderno”574. É em Rachel de Queiroz que o Nordeste é “um
espaço-natureza maculado pela cidade”575, ou seja, “o nordestino,
principalmente, o sertanejo, era a única esperança de reação a esta sociedade
moderna de massas, despersonalizada, dilacerada por con itos”576. Como
salienta, portanto, Albuquerque Júnior, ela vive o con ito da geração de 30,
entre o espaço do tradicional e “os vários projetos de reterritorialização”577.
Outro aspecto importante é a questão da construção do Nordeste pela via da
memória, como fez Rachel de Queiroz ao lembrar da seca de 1915, que ela
mesma vivenciou em sua infância, assim como Gustavo Barroso, que tratou
dos sertões a partir de sua memória infantil e da juventude no Ceará;
rememoração esta que fazia com que, no Nordeste, predominassem “formas
de relações sociais agora ameaçadas”578.
Há também de se considerar que esses autores se identificavam com a
paisagem que retratavam. Como analisa Albuquerque Júnior, na geração de
30, Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida, por exemplo, olharam o
Nordeste como o espaço da saudade e no sertão o “espaço tradicional por
excelência e aquele que dá originalidade ao Nordeste”579. Diferenciavam-se,
assim, de outro grupo de autores como Manuel Bandeira e Ascenso Ferreira,
que viam o Nordeste da cana-de-açúcar como o tradicional, seja na zona da
mata ou no litoral. É a partir da consagração de Euclides da Cunha, em seu
livro Os Sertões, e, posteriormente, dessa geração que tinha esse Nordeste
como questão, como o exemplo de Gustavo Barroso, Rachel de Queiroz e José
Américo de Almeida, que “só o Nordeste passa a ter sertão e este passa a ser o
coração do Nordeste, terra da seca, do cangaço, do coronel e do profeta”580.
O Correio, na mesma página em que citava Queiroz, apresentava um trecho
do livro, A Bagaceira, de José Américo de Almeida:

Sobreveio a seca de 1898. Só vendo. Como que o céo se con agra e pegara fogo no sertão
funesto. Os raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um painel
infernal. Um incendio estranho que ardia de cima para baixo. Nuvens vermelhas como chamas
que voassem. Uma ironia de ouro sobre azul. O sol que é para dar o beijo de fecundidade dava
um beijo de morte longo, caustico […] A poeira levantava e parecia ouro em pó […] Sombras
férvidas, como um cinzeiro em brasas. Noites tostadas. Um derrame de luz exaltada que
parecia o sol fulminante derretido nos seus ardores. Ventava. Não era o vento pontual da boca
da noite […] Era um sopro do inferno que, alteando-se, parecia querer rasgar as nuvens para
accender a fogueira […] Como era feia a natureza ressecada na sua nudez de pau e pedra; Os
rebanhos a ictos prostravam-se no chão esbraseado […] Valentim exprimiu todo esse horror
canicular […] E puxando um suspiro que reteve:
- Eu nunca que deixasse a minha terra. A gente teimava em ficar e o sol também teimava […] O
Acre é como o outro mundo: pode ser muito bom, masquem vae não volta mais. E diz que
dinheiro de borracha encurta quando ella estira […] Baldara-se-lhe todo o heroismo do
sertanejo. Ainda bem não só refazia de um cataclismo, depois de tantissima perda, sobrevinha-
lhe outro. Era a fatalidade das ruinarias. Horrendos desastres desorganizando a economia
renascente. O sertão victimado […] Um monstro clandestino resfolegava. Era o nordeste, no
seu advento pulveroso, aos remoinhos, querendo dançar a ciranda como os retirantes581.

A natureza aqui era a principal temática no cenário sertanejo, a culpada pela


sina dos sertões. Era fogo, era brasa, era terra seca. O sol era o elemento de
destruição; era ele que, em vez de levar vida, ocasionava a morte da
população do sertão. O vento era o próprio sopro do inferno. A natureza
tornava-se vilã. O sertanejo era um herói, porque conseguia sobreviver a isso
tudo. E todo esse espetáculo representava o Nordeste, de modo que Almeida
terminava esse trecho dizendo: “Era o nordeste, no seu advento pulveroso”.
Mas essa mesma natureza poderia ser modificada pela ação do homem que a
tornaria útil. Segundo Albuquerque Júnior, ser humano e natureza se
conciliavam nas re exões do autor.
Cabe dizer que Américo de Almeida nasceu na Paraíba. Foi criado em um
engenho no município de Areias, seu pai era dono de terras e tinha muita
in uência na fazenda e no engenho. Formou-se em Direito em 1908, pela
Faculdade de Direito do Recife. Depois de formado, foi nomeado promotor na
cidade de Sousa, no sertão paraibano, onde presenciou a seca de 1908. Saindo
da promotoria em 1915, envolveu-se no con ito que provocou a ruptura entre
Epitácio Pessoa e Valfredo Leal que era seu tio. Com isso, Américo o apoiou e
tornou-se forte opositor de Pessoa. Nesse período, foi-lhe pedido que fizesse
um inventário geográfico e social do estado da Paraíba, que resultou em seu
livro A Paraíba e seus problemas. Depois, escreveu seu célebre livro, A Bagaceira,
famoso pelo realismo, por uma literatura reformista e pelas in uências
euclidianas. Em 1928, recebeu um convite de João Pessoa para ser secretário-
geral de seu governo e, sendo forte aliado de Pessoa, lutou pelo seu legado
após seu assassinato, apoiando a chapa de Getúlio Vargas e o levante que
garantiu que assumisse o poder em 1930. Foi designado chefe civil nos estados
do Norte e Nordeste, sendo a chefia militar dada a Juarez Távora. Assumiu,
logo após a Revolução de 1930, a interventoria da Paraíba, e depois da posse
de Vargas, foi nomeado ministro da Viação e Obras Públicas do seu governo.
Também foi autor dos livros O boqueirão e Coiteiros, em 1935582.
É Américo de Almeida que, em A Bagaceira, pensou esse Nordeste no qual
tanto atuou e re etiu em sua trajetória política, desde a sua juventude na
Paraíba. Segundo Albuquerque Júnior, José Américo era in uenciado pelo
naturalismo e pelo modernismo. Ora motivado pelas ideias de Gilberto Freyre
e sua estética modernista e regionalista, ora pelas ideias de Euclides da Cunha
e seu cientificismo positivista e metafórico, principalmente também pela
in uência do binômio litoral versus interior.
O meio natural é, em Américo, como já citado corroborando com as
re exões de Albuquerque Júnior, um meio de diferenciação e o sertanejo um
tipo racial superior, só ele era capaz de superar o problema natural das secas,
que impedia o Nordeste e a sociedade sertaneja de se afirmarem. Em A
Bagaceira, também se utilizou de uma via sociológica para compreender esse
sertão, apesar de ser um romance e nele, como em outras obras, “o autor
poderia dizer verdades sobre a região sem sofrer restrições”583, aliando, então,
um discurso ficcional a um cientificista. Ele inaugura, segundo Albuquerque
Júnior, “toda esta tradição literária do romance social nordestino, onde todos
estão incluídos e as responsabilidades dos poderosos são escamoteadas”584.
No entanto, Américo de Almeida, homem envolvido nas ideias de
modernidade e progresso nacional, re etia esse Nordeste e esses sertões pela
via do que Albuquerque Júnior chama de “racionalidade burguesa”, ou seja,
devia-se conciliar o moderno com o tradicional. “O Nordeste deveria se
modernizar sem perder o seu caráter, leia-se, sem ter modificadas suas
relações de dominação”585. Muito explica-se o fato de Américo de Almeida ter
feito parte do projeto varguista de nação. A modernização conservadora fez
parte de seu pensamento ao re etir o Nordeste e “eleger o sertão como
espaço-modelo para sociedade nordestina”586. Por isso, Américo de Almeida
foi escolhido para atuar como ministro de Viação e Obras Públicas, ao qual
pertencia a Inspetoria Federal de Obras Públicas (IFOCS). Além de
conhecedor dos problemas das secas, sua visão modernizadora como via para
resolver os problemas do sertão “sofrido”, mas berço da tradição que devia se
manter preservada, foi pauta de sua atuação como ministro anos depois,
principalmente porque, para ele, o espaço do Nordeste “era passível de
civilização”587.
Apesar, portanto, de Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida se
diferirem em relação a esse espaço da modernidade, da civilização e o da
tradição, já que em Américo essa modernidade era necessária e possível e, em
Rachel, essa nova sociedade acabava por destruir o mundo natural, os dois
estiveram inseridos no debate e na ideia de trazer o sertão como lugar das
raízes da nacionalidade brasileira.
No entanto, o pensar a “nação” não estava apenas a cargo da literatura e do
Estado, mas também de uma elite de advogados, médicos, engenheiros, que
não só a re etiam como também intervinham nela. Nesse sentido, a fala do
médico Phocion Serpa, em um texto publicado pelo Correio da Manhã, em 4 de
fevereiro de 1932, corrobora com toda a análise aqui proposta sobre pensar o
país. Mais uma vez, o Correio dá voz a esses atores sociais como caminho de
entendimento para o tipo de nação desejada. Vejamos um trecho do texto de
Serpa que deixa clara a visão sobre essa nova nação que emergia após a
Revolução de 1930:

A galeria apontada nos “Os Sertões”, para exemplo, poderia estar nas páginas de qualquer
médico que se intrometesse em Canudos ou desse a costa em qualquer rincão nordestino, e os
seus typos esparros pelos livros poderiam ser annotados na estatística de um curioso que
perlustrasse e recolhesse notícias desse genero, para uma demonstração de horrores […] O
filho do retirante romanceado, que desapparece no chão duro da estrada, no “O Quinze”,
comove muito mais que essa legião de creanças que, aqui dentro mesmo da nossa capital,
fenece, diariamente, devorada pela tuberculose, que é, por assim dizer, o rotulo da miséria. Os
retirantes deste livro, ou os seus irmãos da “A Bagaceira”, não so rem mais que os paludos do
Rio Grande do Norte, que os amarellos da baixada uminense, que os papudos de Minas, que
os boubaficos [?] do Ceará, que os trachomatosos de São Paulo ou os leprosos de todo o Brasil;
José Américo e Rachel de Queiroz, Mathias Olympio, Taunay Alcides Maya e Euclydes da
Cunha não precisavam vêr o nordeste ou o sul para recolher as caras e as physionomias dos
seus personagens desgraçados. Bastava um volume do Saneamento do Brasil e folheassem suas
paginas como quem varejasse, no lombo […] de um matungo comedor de semente de baga, o
vasto território de que só ufana a literatura do sr. A onso Celso! Não é muito certo que
tenhamos vivido, até agora, enganados pela riqueza e esplendor do Brasil. Quando se diz hoje,
como nos diziam hontem, nas escolas – “Que Brasil é o paiz mais rico do mundo, ou que a
terra é boa, na expressão ingenua e veraz do chronista primevo”…. não nos enganam, porque
os mestres de agora e de outrora repetiam e repetem uma verdade. Apenas, ao lado dos
escriptores que descrevem as maravilhas que possuimos, deveriam enfileirar, também, aquelles
outros que se batem com a verdade na ponta da penna, mostrando os males e as desgraças de
que não nos queremos aperceber ou resguardar. A Revolução, porém, trouxe para os seus
postos de commando, homens que vivem a vida livre dos não enredados na política de
gabinetes, que viram de perto a auscultaram por si mesmos os so rimentos da Nação, que
assistiram os seus males, que descreveram suas mazellas, que os romancearam nos livros e
recolheram estatísticas que nos intimidam quando não nos envergonham588.

Algumas questões devem ser analisadas na fala do médico Serpa. Uma é a


crítica à compaixão existente apenas quando se falava dos males da seca do
Nordeste e da população sertaneja. Para ele, quando se tratava das crianças da
capital que feneciam “diariamente, devoradas pela tuberculose, que é, por
assim dizer, o rotulo da miséria”, não acontecia o mesmo penar. Segundo,
quando cita Euclides da Cunha, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida
e diz que ao lado de autores que falavam da riqueza nacional deviam estar os
que “se batem com a verdade na ponta da penna, mostrando os males e as
desgraças de que não nos queremos aperceber ou resguardar”. E, em terceiro,
ele termina o texto com uma máxima importante nesse contexto, a de que os
rumos do Brasil dependiam da saúde e da instrução.
Phocion Serpa nasceu no Rio de Janeiro, em 1892. Ingressou na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, em 1913. Em 1919, foi nomeado médico auxiliar
do Serviço de Profilaxia Rural do Distrito Federal, e, em 1921, Carlos Chagas o
nomeou inspetor sanitário rural. Após 1930, assumiu o cargo de chefe de
gabinete do ministro interino da Educação e Saúde Pública, Belisario Penna.
No ano de 1938, passou a ser secretário do Conselho Nacional de Serviço
Social e do Conselho Nacional de Cultura do Estado Novo. Produziu também
como escritor: romances, poemas, ensaios, com destaque para a biografia
sobre Oswaldo Cruz589, do qual foi discípulo.
De acordo com Marly Rodrigues, os males do país residiam, no decênio de
1920, no problema da saúde pública e da educação. O Brasil era visto como
“um imenso hospital”, sendo a nação um organismo adoecido e que precisava
ser curado. Para tanto, a educação seria louvada como a “cura” para esses
males. A autora explica que, para os povos do campo, era necessário que a
educação e a saúde fossem orientadas pela ciência e pela tecnologia, que
levariam ao avanço da pátria. A razão e a ciência como os meios eficientes de
desenvolvimento do campo e do país eram ponto comum entre profissionais
da educação e da saúde590. As ideias estavam pautadas, mais uma vez, no
modelo norte-americano liberal, que deveria construir uma sociedade
moderna, racional e um cidadão apto ao trabalho e conhecedor de seus
direitos e deveres.
Tais conceitos deram respaldo e base para que o discurso de Getúlio Vargas,
em 1930, fosse abraçado por diversos intelectuais e pela própria sociedade591.
Logo, “para os homens que assumem o poder na década de 1930, o
desenvolvimento é sinônimo de indústria, de população bem alimentada,
saudável e de erradicação do analfabetismo e de endemias”592.
Em outro trecho do mesmo texto, Serpa descrevia:

O momento é, pois, propicio para uma nova forma de política que se não deixe embevecer
apenas diante da grandeza territorial do paiz, ou das conquistas realizadas nas capitaes. Temos
progredido alguma coisa, mas não tanto quanto deviamos progredir e nos civilizar. Os homens
viajados e de responsabilidade intellectual, como o sr. Humberto Campos, ou os homens
como o sr. Cincinato Braga, têm posto deante dos olhos do Brasil – o esplendor e a grandeza
dos povos do continente sul-americano. Não é necessario muita agudeza de espirito para
reparar, num confronto ligeiro, como estamos aquem e abaixo até de nós mesmos,
comparando-nos das épocas anteriores. Enquanto o Brasil não comprehender que o seu rumo
ascensional depende da saude e da instruccção, palmilharemos à margem ou à retaguarda dos
paizes do continente. Aproveitemos a opportunidade que a reacção política nos deparou;
enveredemos pelo caminho apontado pelo patriotismo dos homens que fizeram da
intelligencia e do amor ao Brasil a arma de combate que nos levará ao pinaculo da civilização e
ao fastigio da abastança economica que merecemos593.

Nesse sentido, a fala de Phocion Serpa no Correio da Manhã estava inserida


mais uma vez e em consonância com os debates em torno da nação no
contexto de 1930: modernidade, progresso, civilização, tradição, litoral versus
sertão. De certo, portanto, que Serpa se colocava como os médicos daquele
contexto, entendendo que “o papel que desempenhavam na sociedade seria
capaz de salvá-la e regenerá-la, levando o país ao verdadeiro progresso”594. Por
isso, legitimando esse viés científico para tratar os problemas da nação, Serpa
citou, em seu texto, alguns nomes que ele mesmo chamou de “os homens
viajados e de responsabilidade intellectual”, por exemplo o advogado
Cincinato Braga595. Citá-lo corroborava com a ideia de que foram esses
homens, segundo Serpa, que enveredaram “pelo caminho apontado pelo
patriotismo dos homens que fizeram da intelligencia e do amor ao Brasil a
arma de combate que nos levará ao pinaculo da civilização”. Ou seja, esses
homens intervieram na nação e não apenas olharam as “grandezas” do país,
como aponta Serpa ao fazer uma analogia com a literatura ufanista do conde
Afonso Celso596 e seu conhecido “patriotismo naturalista de propaganda”597, ou
mesmo, como aponta Eli Napoleão, sua visão sobre “a literatura como ‘escola
de civismo’”598.
Como salienta Angela de Castro Gomes, nesse contexto de 1930 era
necessário “recuperar a grandeza de nossa realidade natural, mas não mais a
partir de uma tradição contemplativa e desligada do homem brasileiro, como
a consagrada pelo conde Afonso Celso”599. Por isso, Serpa colocava, em parte
do seu texto, que deveríamos olhar para os intelectuais que “se batem com a
verdade na ponta da penna, mostrando os males e as desgraças de que não nos
queremos aperceber ou resguardar”. Serpa salientava, então, em sua fala:
“Não é necessário muita agudeza de espírito para reparar, num confronto
ligeiro, como estamos aquem e abaixo até de nós mesmos, comparando-nos
das épocas anteriores”. Desse modo, era preciso conhecer a verdade do país e,
para isso, era necessário combater suas mazelas, já que, ao longo do tempo,
estávamos apenas contemplando as grandezas nacionais, em detrimento de
olharmos para o Brasil real, intervirmos nele para caminharmos rumo ao
progresso.
Pode-se pensar, a partir de agora, como El Mundo retratou a seca
santiagueña. Primeiramente, por meio da visão do autor Roberto Arlt.
Vejamos que a diferença da narrativa no trato com a seca é existente dentro de
alguns aspectos: primeiro que, no ano de 1937, dá-se uma ênfase maior ao
fenômeno que já ocorria desde 1935. Segundo, que Santiago del Estero não é
vista, necessariamente, como a região da seca, o que a difere do caso cearense,
como já mencionado. Terceiro, que é em Arlt que se dá voz ao semiárido
santiagueño, diferentemente do caso cearense em que diversos são os autores
convocados – por meio do Correio da Manhã – a integrar a visão sobre a seca do
Ceará. No entanto, certas representações sobre a seca santiagueña, tanto nas
crônicas de Arlt quanto pelo próprio periódico El Mundo, são fundamentais
para essa análise comparada. Desejo salientar, também, que a maneira como
o discurso é disposto é diferente, mas as ideias centrais, certas estigmatizações,
a forma como isso foi colocado dentro do contexto de uma seca são
semelhantes e são esses pontos de similitude que estou destacando nessas
re exões. Isso mostrará como, na Argentina, as conhecidas províncias do
Norte, “de arriba”, também foram vistas dentro das noções de atraso e do
outro a ser civilizado.
Comecemos com a trajetória de Arlt, a fim de compreendermos onde se
inserem as suas crônicas em El Mundo. A primeira publicação de Roberto Arlt
data de 1926, quando escreveu O Brinquedo Raivoso. Em 1929, escreveu Os Sete
Loucos; em 1931, Lança-chamas. Posteriormente, escreveu O Amor Bruxo (1933),
O Corcundinha (1933), livros de contos, e, mais tarde, enveredou para a
produção teatral. Segundo María Kulikowski, Arlt sabia que dominar a escrita
em sua complexidade, “era uma arma de poder da qual estavam excluídos a
grande maioria dos argentinos, e sobretudo os imigrantes”600.
Arlt era filho de pai alemão e de mãe italiana, seu sobrenome alemão
denunciava, de acordo com Janete Elenice Jorge, “sua origem estrangeira, em
uma Argentina que exaltava o nacionalismo e a busca de uma identidade
nacional”601. Isso se dava em meio a uma população marcada pelo grande
número de imigrantes, o que o levou a sofrer críticas pelos seus pares na
época. No entanto, Arlt acabou por ser a “representação social e política da
Argentina”602 nesse contexto histórico.
De acordo com Sarlo, a literatura de Arlt tem um tom realista contendo um
imaginário extremista e uma dureza. É uma crítica ao moralismo e ao
sentimentalismo, principalmente porque o sentimentalismo abrandava a
realidade. Como a autora aponta, “Arlt es un transgresor de las reglas de lo
verosímil”603, toda sua literatura tende à hipérbole e suas narrações são
extremistas. Segundo Sarlo, Arlt falava do que ela chama da vida dos
miseráveis, dos pobres, dos excluídos e sua literatura estava destinada a um
público mais popular. Esta característica a autora aponta como a “literatura
plebeyo” de Arlt604.
Janete Jorge destaca que seu trabalho realizado em El Mundo contribuiu para
que ele “saísse do limbo e viesse à luz para diversos tipos de leitores”605, já que,
em sua época, recebia diversas críticas que acabavam por estigmatizar sua
linguagem: ora indagando a origem imigrante de sua família, ora
questionando sua intelectualidade e cultura, por ter sido um jovem de origem
pobre e que, por esses fatores, escrevia mal.
Miceli afirma que Arlt encertou um “projeto inovador ao fabricar uma
linguagem expressiva maleável e pronta a reter os estrangeirismos e asperezas
a que se afeiçoara”606. Assim, o “lunfardo”, como chamavam esse idioma
“alcançou ao status de jargão rechaçado pelos criollos, como garantiu uma
fonte suculenta de materiais expressivos para a criação literária de um
inventor de textos como Arlt”607.
Foi assim que Arlt, nos anos 1920, iniciou uma coluna em El Mundo, chamada
Aguafuertes Porteñas, onde fazia “uma sutil observação das mudanças urbanas,
sociais e políticas de Buenos Aires da primeira metade do século XX. Irônicas,
incisivas, zombeteiras, as notas de Arlt são uma intervenção pública sobre os
debates estéticos e culturais do momento”608. De acordo com Laura Juaréz, há
uma nova fase na escrita de Arlt nos anos 1930, na qual as crônicas sobre a seca
santiagueña se incluíam. Para a autora, os textos passam a narrar e mostrar o
que estava à “margem” das grandes notícias, tratando também do exótico e do
outro609.
Nesse sentido, no contexto da escrita de Arlt em El Mundo, pode-se
identificar aquilo que Sylvia Saítta afirma a respeito desses escritos que
compõem esse novo tipo de periodismo. Esses cronistas da época, convertem-
se em espectadores e sutis observadores dos novos sujeitos sociais, estudando
os aspectos físico e psicológico e os costumes com uma necessidade de
identificar e caracterizar a cada um dos grupos sociais, recuperando o que a
autora chama de anônimos personagens da vida social610. É possível
compreender, então, porque Arlt foi escolhido para retratar a seca
santiagueña, já que esteve inserido nesse novo tipo de escrita na Argentina.
Podemos inferir que esses aspectos estão contidos também em suas crônicas
sobre Santiago del Estero, atestando a hipótese de Beatriz Sarlo de que a
escrita de Arlt era hiperbólica e narrava a vida dos pobres, dos miseráveis.
Vejamos a primeira crônica de “El in erno Santiagueño”, em 07 de dezembro
de 1937:

Desperté a medianoche, bajo un cielo cuajado de estrellas, en medio del campo santiagueño
[...] Estaba afiebrado de sol y de las aguas fermentadas. Cerré los ojos y volví a abrirlos [...] Y
pensé que esa misma hora, a poca distancia de mi cuerpo, también en medio del campo, bajo
esa misma bóveda cuajada de estrellas titilantes, agonizaban centenares de bestias. Algunas ya
no agonizaban. Estaban muertas y el rápido viento de la noche traía el olor dulzón de sus
fermentaciones. Me acordé de todos los animales que vi agonizando bajo el sol; en las llanuras
requemadas por la sequía. Me acordé de las cabras alunadas, medio cegadas. Cuando escuchan
el paso de un caballo se desprenden de la espesura del monte como brujas enloquecidas,
girando sobre si mismas; me acordé de las vacas noblemente postradas en centro de los
salitrales, apoyadas sobre sus manos. La cabeza tiesa, fermentando vivas durante todo el día
bajo un sol de sesenta grados611.

No trecho citado, vê-se, em Arlt, uma natureza dura, o sol como elemento
de agonia e de sofrimento. A cena com vacas mortas e cabras praticamente
cegas, objetivava mostrar o que ele mesmo coloca mais à frente nessa crônica:
“es necesario narrar sin temor de horrorizar a la gente”. Era preciso falar daquilo
que ele chamava de “espectáculo que ofrece una vaca refugiándose moribunda en un
rancho abandonado, para terminar de morir allí”612. Jens Andermann afirma que
Arlt realizou um realismo visceral para dar conta da catástrofe climática613.
O que é possível encontrar, nessas crônicas, é exatamente o olhar realista de
Arlt – que salientado até aqui como característica de sua escrita – em conjunto
com o seu desejo de compreender esse lugar “exótico”, acometido pelo
fenômeno da estiagem. Além desse fator, Arlt passava a retratar a história de
um lugar que não estava no cenário da vida moderna, agitada e do desejo de
progresso, que era a Argentina dos anos 1930. A história da seca santiagueña
não deixava de estar inserida nos “atores anônimos” que os cronistas desse
contexto almejavam mostrar ao público leitor e para os seus leitores
“populares”. Podemos ainda perceber em “El in erno santigueño” um olhar
extremista sobre a seca de 1935-1937, percebido já no próprio título da
crônica.
Como analisam Ballent e Gorelik, há uma ambiguidade comum a esse
contexto: ao mesmo tempo que houve uma crescente presença da questão
rural e, sobretudo, das configurações rurais nos debates sobre o país e na
produção do imaginário social, era nessa mesma via que o país pouco
acreditava que o seu futuro estive ligado à produção rural614. Como apontado
nas análises anteriores, falo de uma Argentina que colocou de volta no centro
da política os setores agroexportadores e sua modernização conservadora. O
fracasso e ou mesmo avanço desse modelo fez com que se pensasse no tema
rural.
Voltando às crônicas de Arlt, segundo Andermann, elas ressaltavam o
impacto de cenas extremas de sofrimento e destruição sobre o espectador,
construindo a figura do que ele chama de um periodista de “corpo presente”615.
O autor afirma que é inegável a forte presença nos textos arltianos de uma
profunda angústia. Em 9 de dezembro, Arlt expunha essa “angústia” quando
dizia:

La muerte se ha emboscado tras de todo lo que aún sobrevive. De tanto en tanto, un rancho.
Un rancho vacío. Aquí, anteriormente hubo gente, ganado. Ahora no queda nadie. La sequía
ha matado el ganado y criadores de animales se han dispersado. O han muerto. Las puertas de
tablas de estos refugios están abiertas, se entra y en el suelo encontrarse nada. A veces, desde
trescientos aproximarse al rancho. Entonces ya se presume. En su interior hay una vaca
muerta. O un caballo muerto. Los animales, enloquecidos por la sed e el hombre buscan
cualquier rincón de sombra para morir. Uno de los espectáculos más siniestros que he visto ha
sido en el interior de un racho. Había una cava que aparentemente estaba muerta. La cabeza
caída en el suelo. Inmóvil. El cerdo de un rancho próximo hundió el hocico en ese vientre y
arrancó un pedazo de pellejo con carne. Entonces la vaca levantó lentamente la cabeza y la
volvió a dejar caer. El cerdo continuó devorándole el vientre al animal, que estaba vivo616.

Vê-se, aqui, um lugar vazio, de morte, onde não há nada. A seca matou os
animais e seus criadores fugiram. Mais uma vez, a cena com vacas e cavalos
mortos chama A atenção do leitor para o grotesco. Quando ele fala de um
porco comendo o “vientre al animal, que estaba vivo”, isso se torna ainda mais
evidente: é a “barbárie” imposta pela seca, estado que põe no limite até
mesmo o mundo animal. María Kulikowski afirma que Arlt “luta para disputar
um espaço escritural e questionar o considerado belo, o gozo estético que
produz a espiritualização da chamada literatura ‘alta’”617. No trecho, vemos
aquilo que a autora aponta: Arlt penetra no território do “insuportável,
verbaliza o que a sociedade quer ocultar”618. Esse território do insuportável
podemos perceber em todas suas falas sobre a seca de Santiago del Estero.
Em outro trecho, Arlt ressaltava a seguinte situação santiagueña:

Se la ve desde largas distancias, como el centro geográfico de la extensión. Son vacas. Caballos.
Inmóviles bajo un sol que a las dos de la tarde alcanza la temperatura de 60 grados. Un sol tan
ardiente, que en la sombra, el viento por caldeado ha calentado los hierros de mi máquina de
escribir. Son caballos. Vacas. De pie. Inmóviles bajo un sol de sesenta grados. De cerca, la piel
está pegada sobre los zunchos de las costillas. Un caballo blanco ha caído al suelo. Don Luis se
acerca y tomándolo por la cola lo levanta. El animal queda vacilante de pie, de pronto inclina
vertiginosamente la cabeza y comienza a comer: Está devorando sus propios
excrementos...otros, inmóviles, junto a un algarrobo o un espinillo, permanecen quietos en
el mismo sitio durante días, sin atreverse a echarse al suelo, porque saben que cuando caigan
no se levantarán619.

A natureza é implacável na escrita de Arlt: o sol de sessenta graus, o vento


quente que chegou a aquecer o ferro da sua máquina de escrever, os animais
imóveis, o cavalo branco caído no chão que devorava seus próprios
excrementos… É o expressar-se da natureza. Tal fato parece a representação
da seca em que a natureza toma vida, como se ela desse respostas ao ser
humano.
Andermann diz que na literatura desse contexto específico, a seca
representava o idioma da paisagem e seu esgotamento620. O autor salienta que
nos anos 1930, a América passava a se imaginar enquanto paisagem e isto se
deu também no encontro do intelectual urbano e cosmopolita com o popular,
o exótico e o “primitivo”, no intuito de construir com estes contrastes uma
modernidade vernácula e universal. Este caso atrelava-se precisamente com as
crônicas de Arlt no jornal El Mundo e com os casos analisados no Correio da
Manhã sobre a seca do Ceará.
A imagem e o discurso construídos por esses jornais nos mostram o encontro
da capital com o interior, ratificando a velha dicotomia que, em certos
aspectos, os separava, logo havendo a necessidade de reconhecer e conhecer
esse outro. Trata-se, também, como analisam Ballent e Gorelik, de uma
Argentina que se voltava para o meio rural. Isso se deu, porque os últimos
anos da década de 1930 foram acompanhados de intensas secas e pragas, vide
a seca santiagueña, que ocasionaram em uma diminuição do que eles
entendem como já escassa produção agrícola no país. Daí a identificação do
interior rural como uma zona de devastação, fortalecendo a opinião de que
era necessário apoiar e intervir no desenvolvimento do campo e no processo
migratório que o esvaziou621.
A questão ambiental e a natureza, como fatores importantes da narrativa de
Arlt, também podem ser encontradas em outra crônica datada de 8 de
dezembro de 1937, intitulada “El in erno Santiagueño.! Agua! Agua!”:

Sin embargo, el drama de Santiago del Estero se hace presente en las conversaciones de los
pasajeros que conocen aquellas tierras y el síntoma de la sequía asoma a través de la palabra
única: “Agua”. No se habla más que del Agua. Es el tema de todas las oraciones. Dos horas, tres
horas, cinco horas, siete horas, nueve horas. Ellos no hablan más que del Agua. “Agua”.
“Agua”. “Agua”. La palabra acaba por perder su sentido expresivo. El “Agua” está injertada en
cada cinco palabras que un hombre o una mujer dialogan en la travesía ardiente del Norte
argentino. Injertada con tanta insistencia, que yo, espectador, acabo por asombrar de la astucia
que coloca esta palabra en cada giro de las conversaciones más distantes o más cercanas. De la
astucia o del temor que ha caído sobre los viajeros que hablan del “Agua” como si se refirieran
a una diosa indígena, cuya cólera recientemente acaba de comprobarse. Los pasajeros siguen
conversando del “Agua”. En tonos diversos. Habla del “Agua” el jefe del coseche comedor, los
corredores de artículos rurales, los abogados que diligencian pleitos en las capitales, la señora
extranjera que muestra las medias hasta la curva de la rodilla, la modesta pareja de sastrecillos
riojanos. Hablan del “Agua” los tipos de seres humanos más opuestos: el rubio opulento y el
mulatillo menestral, la señora en perifollada y la pobre mujer622.

Nesse trecho, se vê a água como um problema central da província


santiagueña. Era o tema de todas as orações, palavra falada a cada quinze
minutos e que por isso, para Arlt, acabava por perder seu sentido expressivo.
A água, inclusive, parecia uma “deusa indígena”, como dizia o autor. E ele,
como espectador, chegava a se assombrar porque essa palavra estava em cada
roda de conversa. A narrativa de Arlt, mais uma vez, não pode ser deslocada
do contexto santiagueño. O problema da seca e da ausência de água são
fatores inerentes ao próprio fenômeno, mas não em relação à província de
Santiago del Estero. A água, como problema, perpassava a seca em si, era uma
questão antiga que atingia a província.
De acordo com Alberto Tasso, o discurso em torno da água se fazia presente
porque o próprio clima seco, de invernos breves e longas estações secas,
permitia compreender a importância da água como determinante do
povoamento e da produção623. Ou seja, estava na ordem do dia este discurso na
região, mesmo que a província não viesse a ser atingida pela seca. Nesse
contexto, de certo, a estiagem era o determinante para a ausência desse
elemento, mas não ao longo da vida da população santiagueña. Por essa
razão, nota-se a sua importância em todos as classes sociais, como colocou
Arlt.
Cabe pensar que as narrativas arltianas, como também as apropriações
narrativas do Correio da Manhã, podem ser analisadas dentro daquilo que
aponta Bakhtin: devemos lidar com o uso das palavras nos seus enunciados, e
não fora deles. O autor afirma:

[…] não lidamos com a palavra isolada funcionando como uma unidade da língua, nem com a
signi cação dessa palavra, mas com o enunciado acabado e com um sentido concreto: o conteúdo
desse enunciado […] não só compreendemos a significação da palavra enquanto palavra da
língua, mas também adotamos para com ela uma atitude responsiva ativa (simpatia,
concordância, discordância, estímulo à ação). A entonação expressiva não pertence à palavra,
mas ao enunciado […] Ao escolher a palavra, partimos das intenções que presidem ao todo do
nosso enunciado, e esse todo intencional, construído por nós, é sempre expressivo624. [grifos
do autor]

Entende-se portanto, seus usos não de maneira isolada dentro de uma


formulação qualquer, sem intenção de sê-lo, mas sim com a sua
expressividade relacionada diretamente ao que os periódicos brasileiros e
argentinos desejavam mostrar aos seus leitores em meio às secas. Bakhtin
atesta que “escolhemos a palavra de acordo com a sua significação que, por si
só, não é expressiva e pode ou não corresponder ao nosso objetivo expressivo
em relação com as outras palavras, isto é, em relação com o todo de nosso
enunciado”625. Ou seja, para o autor é importante salientar o contato existente
entre a significação linguística e a realidade concreta, que se dá no enunciado.
É esse ponto de contato que leva à expressividade, às emoções, ao juízo de
valor. Logo, tratar de certos temas em um dado enunciado (aqui Arlt se
remete ao tema da água) detém um significado específico, ainda mais
considerando-se o período de uma seca. Com isso, deseja-se destacar alguma
intenção e esse desejo é um ponto de in exão importante para as análises
propostas neste livro.
É válido destacar que, de acordo com Tasso, criou-se, em Santiago del Estero
um mercado da água, delineado entre posições diferentes de in uência social
e poder econômico, entre o proprietário e aquele ocupante sem títulos, aquele
que obteve o direito de residência na terra de seu empregador em troca de
eventual emprego626. O que aconteceu na província, portanto, foi um controle
da mesma pelo Estado para beneficiar os grandes proprietários rurais. Tal
fator fazia com o que a água fosse um elemento quase “sagrado” para a
população e, em período de seca, esse discurso em torno da água se acentuava
consideravelmente, como observado na própria narrativa arltiana.
Em outra crônica, Arlt continuava escrevendo sobre essa questão:

A menos de dos kilómetros de Añatuya, el viajero encuentra casi a la misma orilla de la vía del
ferrocarril del Estado, un campo en cuya tranquera hay un letrero de Obras Sanitarias que reza:
“Se prohibe la entrada”. Abandonadas en medio del campo hay una serie de gruesos tubos de
acero, y a un costoso una torrecilla por la que pasa un cable, del que se suspendían los trépanos
de una perforación. Incrustados en el suelo hasta 270 metros, los tubos. A poca distancia de
esta inútil perforación en busca de agua, hay otro agujero setenta metros. Tampoco se halló
agua. Después de varios meses de trabajo, los ingenieros de Obras Sanitarias se retiraron. Y allí
han quedado los tubos. Estos tubos recalentados por el sol, sañudamente, alquitranados,
expresan mejor que cualquier otra cosa el drama de estas poblaciones cuyo trabajo, desde que
sale el Sol hasta que se pone, es una batalla con la sed.627.

Na história contada pelo escritor houve, na região, uma tentativa de fazer


uma obra de perfuração para encontrar água. No entanto, os tubos foram
abandonados em meio ao campo. Após meses de trabalho os engenheiros se
retiraram da região e lá ficaram apenas os tubos sob o sol. A água era um
elemento fundamental para as mulheres campesinas, que tinham de andar
léguas e léguas em sua busca, sob o sol e sobre a terra quente. Nesse sentido, a
narrativa de Arlt estava vinculada ao que Alberto Tasso chama a atenção em
relação a Santiago del Estero: as secas mostraram a insuficiência crescente dos
sistemas de irrigação, que não acompanharam a intensificação do uso da água
nas novas zonas agrícolas, surgidas ao longo do tempo.
Para além da própria conjuntura histórica da região, em Arlt vê-se uma
escrita de tons dramáticos. Para pensar Santiago, a ênfase dada à dor e ao
sofrimento se faz presente como parte do que se pretendia mostrar sobre a
seca. Certamente, Arlt tinha essa intenção de “chocar”, porque havia sido
enviado para relatar como estavam vivendo os santiagueños. Mas esse tipo de
escrita corroborou com ideias fatalistas e construiu, assim, imaginários sobre
essas regiões. Isso se deu ainda mais claramente quando ele dizia que os tubos
aquecidos pelo sol expressavam melhor do que qualquer outra coisa o drama
dessas populações cujo trabalho, desde quando sai o sol até ele se pôr, é uma
batalha contra a sede. Uma fala que muito se aproxima das visões que jornais
e alguns intelectuais brasileiros produziram do semiárido cearense em período
de seca.
No Brasil, tais ideias consolidaram um sertão triste e pobre. Em Santiago del
Estero, talvez o alcance de uma seca como a de 1937 não tenha sido tão
grande, o que mostra um olhar diferente de Buenos Aires para com essa
realidade, talvez um esquecimento em relação a província ou mesmo como
esse tema era tratado de forma menos “enfática” do que no Brasil, onde a seca
virou um negócio vantajoso para as elites locais. Tal narrativa também pode
ser uma questão de como a própria província desejava se mostrar para a
capital Buenos Aires. Em que pese esses questionamentos, o porteño-
centrismo ou o pampeano-centrismo podem ser respostas a esses
silenciamentos e ausências, no que diz respeito a como Buenos Aires via
Santiago del Estero. Em uma reportagem de El Mundo, esse debate se fazia
mais notório:

Todas las personas medianamente informadas saben, con precisión cabal, que en Santiago del
Estero existe un problema de fondo que plantea la escasez permanente de agua. Doble
escasez, porque proviene del cielo y del suelo. Una sequía inusitada lo agravó, esta vez, hasta
producir la actual crisis de hambre y de sed. Para evitar el efecto hay que suprimir la causa. De
acuerdo. Así lo venimos proclamando de tiempo atrás. Hemos reiterado hasta la saciedad esa
convicción, que es unánime. En nuestra edición del 11 de noviembre, o sea pocos días antes de
llegarse a la situación de estos momentos, decíamos: “Corresponde a los poderes públicos
nacionales realizar los estudios previos en busca del agua, ya perforando las napas profundas, ya
utilizando, mediante la realización de trabajos adecuados, las corrientes naturales, pero en
forma armónica, de modo que se puede hablar de un plan de agua, así como se habla de un plan
de vialidad. Frente a la tremenda realidad, que se renueva periódicamente, no cabe dejar las
cosas como están”. Y el 16 del mismo mes agregábamos: “Hay en el fondo de todo esto dos
problemas de idéntica naturaleza, pero de distinto alcance. El primero de ellos, el más
urgente, trae aparejada la necesidad de una solución de emergencia. Tal es el aspecto
transitorio, aunque agudo, de la situación creada. El segundo es de carácter permanente: la
necesidad de crear en Santiago del Estero un sistema eficiente de riego”. Conocíamos, como
se ve, las necesidades permanentes de la infortunada provincia, pero no por eso nos creímos
autorizados a cerrar los ojos y apretar los labios ante su intenso drama de los últimos días628.

Mais uma vez, é colocado em pauta o problema em torno da escassez de


água, de soluções para ela, de um plano para conter a sua ausência na região;
problema presente mesmo fora do período de secas. O incentivo à irrigação no
semiárido santiagueño foi a solução encontrada para conter os efeitos das
secas e, apesar de em um dado momento aumentar a produção agrícola,
incentivou o mercado de águas e ela passou a ser sinônimo de
desenvolvimento629.
Os con itos agrários da década de 1920, por exemplo, mostraram que esses
sistemas representavam dois grandes problemas, como analisa Alberto Tasso:
um consistia no desequilíbrio da oferta e da demanda de água, conduzida pelo
governo, que havia descuidado da manutenção da rede de irrigação estatal; o
outro era o con ito de interesses com os “novos” irrigadores que disputavam a
limitada quantidade de água disponível nessa região630. Ou seja, a questão
hídrica, de fato, era um ponto central dessa região. As autoridades locais
encontravam-se em anuência com os grandes proprietários que detinham o
poder sobre a água.
Logo, apesar de o próprio fenômeno da seca gerar a falta de água na região,
o problema estava na ordem do dia independentemente da escassez de
chuvas. Também era uma questão imersa nos discursos sobre Santiago del
Estero levando-se a considerar, nesse sentido, o porquê de Arlt tratar desse
problema em mais de uma de suas crônicas e de forma veemente. Ao mesmo
tempo, tal quadro narrado por Arlt através da história das mulheres
campesinas de Santiago del Estero que iam buscar água, comparando-as com
as mulheres árabes que iam em busca do carvão, mais uma vez mostra o
quadro de abandono e extrema pobreza dessa região. O autor acabava por
fazer uma denúncia, por meio do olhar de estranhamento de um cronista da
capital que não conhecia aquela realidade e que desejava que ela fosse posta
para os seus leitores.
Do mesmo modo que ocorreu no caso brasileiro, onde os jornais, ao
narrarem o problema da seca no Ceará, enfatizavam o quadro de caos e de
horror, reafirmando posições, muitas vezes, fatalistas e deterministas em
torno da região semiárida, Arlt, ao se referir a essas cenas como espetáculos
que ele só encontraria na África, corroborava com uma visão muito
semelhante ao caso brasileiro: o olhar sobre o outro, o exótico, o estranho
também estava presente. A África aqui é vista também pelo olhar
estigmatizado de uma região que vive em pobreza, como se o continente fosse
um só conglomerado de pessoas vivendo em estado de calamidade.
Em outro trecho desta mesma crônica sobre a questão da água, Arlt dizia:

Estos niños, como ellas mismas, cargan por parejas, latas de agua, que soportan con ramas
atravesadas en los hombros. Allí caminan kilómetros y kilómetros. Algunas de estas criaturas y
algunas de estas mujeres, al llegar al pueblo se desmayan. Se desmayan de hambre. Y para que
ustedes se formen una idea de la magnitud del hambre de esta gente los dirélo que me han
dicho varias madres de escuela. Estos chicos se comen hasta las cáscaras de las naranjas que
nosotros arrojamos a la basura. Lo comen todo. Todo lo que la imaginación humana puede
rebuscar para comer. En realidad son corderos (no lobos), corderos hambrientos. Corderos de
los que esa gente sesuda de los pueblos os dicen: – Hoy tienen que asaltar los tanques de agua
de los trenes porque tienen sed. Mañana, cuando no puedan soportar más el hambre? Se
abstendrán de asaltar los comercios? 631

Apesar de ser uma clara denúncia do descaso para com a região, Arlt
ressaltava uma cena de caos quando relatava que pessoas com sede assaltavam
trens nas estações que iam distribuir água. Com isso, mais tarde podiam
também assaltar os comércios, porque tinham fome. Crianças que comiam
cascas de laranja do lixo, que tinham que andar quilômetros em busca de água
e que comiam tudo que era possível, “todo lo que la imaginacion humana puede
rebuscar para comer”.
Vale mencionar, como analisa Tasso, que muitas pessoas se concentravam e
formavam cidades ao redor das linhas férreas onde a água podia chegar pelos
trens. Na década de 1920, ocorreu uma grande seca na região em que a
população sitiava os trens, lutando para obter o “precioso líquido”, segundo
denominavam os periódicos daquela época632. Ou seja, por ser uma situação
que perpassava a história de Santiago de Estero, a população já sabia como
agir e como se colocar mediante a desorganização do governo em períodos de
calamidade. Podemos entender, nesse sentido, o lugar em que se encontrava
essa ação da população santiagueña e o fato de “assaltarem os trens” não como
um ato desmedido, mas sim como uma maneira de ser impor mediante as
autoridades.
Continuando a crônica, Arlt ressalta:

Y todos se repiten a coro resultando algo irónico o burlesca la afirmación: – Son unos santos
esta gente. Lo aguantan todo resignadamente. – Se, doy fe, de que son santos. De pie en un
desvío de la estación escucho semejantes comentarios y miro a los chicos y a las mujeres que
han ido al asalto de un tanque de agua. ?Asalto? No exageramos. Ni los jefes de estación, ni los
guardatrenes que viajan por las líneas de Santiago hacen nada por oponerse a que la gente
vacíe los tanques de agua de los ferrocarriles. Ellos son los primeros en reconocer que no es
posible dejar que esta gente se muera de sed, mientras que las autoridades gubernativas de
Santiago votan leyes para pavimentar las ciudades de la Provincia! Y como hormigas, las
mujeres de los montes, los chicos del suburbio gaucho rodean los vagones tanques. Han
abierto los grifos y el agua corre dentro de las latas. Algunos beben como búfalos, por
momentos un guarda grita “cuidado”, porque el convoy hace manobras; y esta gente, metida
peligrosamente entre los coches en movimiento no se aparta de los grifos como si los
retuviera allí la locura del agua633.

Nesse trecho, o autor chama a atenção pelo fato de dizer que as pessoas de
Santiago eram resignadas, aguentavam tudo, eram santas. “[...] doy fe, de que
son santos”, afirmava ele. Por isso, não era possível deixar que essa gente
morresse de sede. Complementava ainda afirmando que as mulheres dos
montes eram como formigas, rodeando os tanques de água. Nesta fala, Arlt se
aproxima, novamente, da antiga ideia que se tem sobre o sertanejo
nordestino: ele é “sobretudo um forte”. Os santiagueños, povo do monte, do
bosque e da selva, também podiam passar por tudo aquilo, porque eram
pessoas “pacientes”, “tolerantes”, “resignadas” com aquela situação. Nesse
sentido, ao mesmo tempo que Arlt criticava o governo da província de
Santiago del Estero por estar preocupado com a pavimentação da cidade em
vez de tratar da questão da falta de água na região, desqualificava a população
local quando fazia esse tipo de afirmação.
Já tratou-se pontualmente como desde a década de 1920 protestos em torno
desse tema ocorriam na região. Tal ideia estigmatizada sobre Santiago ainda
fica mais evidente quando ele dizia que muitos bebiam água como se fossem
búfalos. Esses aspectos podem elucidar que a ênfase dada, nesse relato
arltiano, podia reforçar a antiga visão de um chaco santiagueño que vivia sob a
mancha da barbárie versus a ausência do mundo civilizado. Logo, Arlt não
conseguia, nas suas colocações, desvencilhar-se do olhar de estranhamento do
cronista da capital em meio àquelas cenas.
Vale ressaltar que quando o cronista criticava o governo local por não
resolver essa “desordem”, acabava por amenizar, assim, um possível lugar que
Buenos Aires podia ocupar para solucionar e investir nessa questão. Vejamos
que, no caso brasileiro, na década de 1930, quem deveria resolver os
problemas dos sertões era o próprio Nordeste. Podemos pensar, assim, que há
uma semelhança de narrativa com o caso santiagueño. A província, para Arlt,
é que devia dar conta das mazelas da seca e da falta de água. Mesmo que o
próprio jornal, mais tarde, venha a pedir a caridade de seus correligionários da
capital para ajudar a região, esse fato se deu muito mais pelo cunho
assistencialista e filantrópico do que com o propósito de repensar a política em
âmbito nacional, principalmente relacionando-a às regiões do interior. Tema,
inclusive, que, como vimos, estava em pauta também na Argentina dos anos
1930.
Desejo destacar, por fim, que o Correio da Manhã também deu ênfase aos
assaltos aos trens e aos comércios locais pela população do semiárido
cearense. Ambos os jornais, ressaltavam, cada um a seu modo, o quadro de
caos em meio à seca. Tais discursos acabavam por reforçar imagens
depreciativas sobre as populações do interior.
As ideias mostradas aqui nas narrativas do Correio, na apropriação de temas
tratados por Euclides da Cunha, Gustavo Barroso, Rachel de Queiroz, José
Américo de Almeida, Afonso Celso e Phocion Serpa, mostram um sertão que
ora exprimia luta, bravura e resiliência, ora tristeza, melancolia; permanência
de um estado de pobreza, caos e incertezas, ao passo que El Mundo e as
crônicas de Arlt revelavam uma região pouco falada e pensada para uma vida
porteña em pleno processo de tentativas de saídas de uma crise econômica por
via de uma modernidade urbana. A natureza como problema, o drama do
espaço, assim como também a tristeza, a melancolia, o caos da ausência do
“precioso líquido” e o encontro do litoral com o interior, colocaram em
questão o tema do esgotamento rural argentino. Conforme ressaltam Ballent e
Gorelik, se na Argentina, no início dos anos 1930, pensava-se a chave estatal
tendo como necessidade homogenizar o território por meio da modernização
urbana; nos fins da década passava-se a buscá-la, pelo que eles chamam de
diferentes modulações rurais634.
Assim, desejo evidenciar que El Mundo e o Correio da Manhã, cada um a seu
modo, colocaram em voga o tema da seca e das regiões semiáridas dos seus
países. Vimos que isso se deu, por vezes, de maneira distinta. Porém, isso não
significou que a forma de entender essas regiões não fosse semelhante. Pelo
contrário, os pontos de similitude das narrativas desses periódicos nos revelam
que, pensar nos sertões e no chaco santiagueño, era re etir sobre o outro, o
distante das capitais, o desconhecido. Por mais que, por diversas vezes, em
1930, se tenha uma clara tentativa de reconhecer a autenticidade dessas áreas,
isso não apagava a antiga forma de entendê-las ainda como incivilizadas, ou
distantes de uma vida moderna. Isso corroborava ainda com um discurso que
naturalizava o fato dessas populações viverem migrando, porque a seca, a
semiaridez, eram as principais culpadas de tal intento. Junto com esse fator
ainda havia o medo dessas populações que acabavam por invadir as cidades. O
que fazer com elas? Como agir para controlá-las? Vejamos como o Correio e El
Mundo construíram seus discursos neste sentido.
Pode-se re etir, por fim, os discursos aqui analisados de maneira mais
específica. Mikhail Bakhtin nos convida a considerar que “todas as esferas da
atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a
utilização da língua”635. Por isso, os modos dessa utilização são variados. “A
utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos),
concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou doutra esfera da
atividade humana”636. Por isso, é possível analisar os discursos do Correio da
Manhã e de El Mundo dentro do uso da língua como uma ferramenta
importante na compreensão do mundo social. “O enunciado re ete as
condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por
seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal [...] mas também, e sobretudo,
por sua construção composicional”637.
Logo, pensar o uso da língua é lidar “inevitavelmente com enunciados
concretos (escritos e orais), que se relacionam com as diferentes esferas da
atividade e da comunicação: crônicas, contratos, textos legislativos,
documentos oficiais e outros, escritos literários, científicos e ideológicos,
cartas oficiais ou pessoais, réplicas do diálogo cotidiano em toda a sua
diversidade formal, etc.”638
Sabe-se da necessidade de entender as particularidades dos gêneros
discursivos, a natureza do enunciado dos periódicos estudados. Bakhtin
explica que “a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na
língua”639. Portanto, essa dialética do discurso é um ponto importante que
desejo evidenciar em nossa análise.

2.2 Terra que expulsa: o discurso da migração no Correio da


Manhã e em El Mundo
Os periódicos não só se utilizaram de intelectuais para relatar a seca como
também buscaram, em suas reportagens, reforçar como estavam vivendo os
semiáridos naquele contexto. Assim, alguns pontos também foram comuns
entre o Correio e El Mundo. A “terra que expulsa” se fazia dentro de uma lógica
que já foi visto no item anterior: os jornais acabavam por legitimar discursos
em que a natureza, de forma direta ou indireta, era a detentora das mazelas
sociais da região e a população devia ser controlada nesse processo. El Mundo e
o Correio vão, portanto, nessa lógica imagética, relatando mais uma vez as
secas, reforçando as falas dos intelectuais que já mencionados e perpetuando
diversos estereótipos sobre essas regiões; a velha dicotomia continuava
separando essas populações: o litoral versus o interior. Sabemos que esse
binômio, em realidade, não é suficiente para tratar das relações existentes
entre o interior e a capital; é preciso problematizá-lo. Mas reitero que, nas
narrativas desses periódicos, o encontro com o tema da seca e desse universo
“desconhecido”, que é o semiárido, está presente. Era uma terra que
“expulsava” os seus e, por vezes, não lhes dava a segurança em um futuro
melhor.
Vejamos a continuação do trecho já citado de Afonso de Carvalho no Correio
da Manhã, no qual ele trata desta temática:

Quanto de heroísmo anônimo há nesse perseguido pela seca! Quanta bravura, a desse
desterrado […] o da Amazônia – infecta no coração da zona tórrida; esgargalada pelas
tributações de governos vandálicos […] esses “titãs da seca” realizaram, de fato, uma das
maiores conquistas brasileiras, e de que maneira! – Exilados do torrão natal, o corpo estiolado
pela seca, a alma murcha pela saudade […] Emigram de um território […] para criar outro […]
Essa qualidade de emigrar é inata do cearense […] Emigrar é a sua sina […] Um dia a seca
implacável dá início ao longo martírio do Ceará. A “Terra do Sol”, como a denominou
lindamente o brilhante historiador de sua terra e da sua gente, o Sr. Gustavo Barroso, começa a
definir sob o látego de fogo do astro insaciável do amor. […] Então o cearense emigra640.

O cearense era um herói perseguido pela seca, tinha bravura, era um “titã”.
O Ceará tornava-se sinônimo da própria estiagem e o cearense tinha seu
“corpo estiolado pela seca”, tornando-se um eterno migrante, condição inata
a essa população. “Emigrar é sua sina”, dizia Carvalho reafirmando esse olhar
sobre o semiárido e sobre o sertanejo. Migravam de um território para criar
outro. Nessa fala, Carvalho ainda citava Gustavo Barroso e sua obra Terra do
sol era a seca implacável que dava início ao longo martírio da vida do êxodo
sertanejo.
Devemos pensar, nesse aspecto, que falar do problema da população
cearense fazia parte do próprio discurso e da busca de um passado histórico
que desse conta de uma nação autenticamente brasileira. Isso passava, muitas
vezes, por legitimar visões, como: o cearense era um povo forte, que apesar de
sofrer as intempéries da natureza dura resistia, desbravava o país, colonizava
terras alheias, tornava-se um verdadeiro “titã da seca”.
Quando Carvalho falava de um heroísmo histórico de um povo atingido pela
seca, retratando o cearense como eterno migrante, acabava por consolidar o
estigma nômade que colocava (e ainda coloca) o cearense em situação de
eterno retirante em terras alheias. Como explicam Maria Yedda Linhares e
Francisco Carlos Teixeira, no contexto da década de 1930 “a ideia de aventura
e desbravamento deveria mobilizar os sonhos de milhares de brasileiros,
abrindo os sertões à civilização”641 e a Amazônia se encontrava nesse conceito
de sertão como o lugar de ausência de civilização.
Retratar o martírio do povo cearense, o povo “puro”, insere-se também no
que Angela de Castro Gomes coloca como uma “recuperação do passado
brasileiro” nesse contexto, dentro do conceito de “cultura histórica”,
caracterizado pela autora como a “relação que uma sociedade mantém com
seu passado, ou seja, para entender melhor o que os homens especificamente
consideram seu passado e que lugar (espaço e valor) lhe destinam em um
momento histórico”642.
Na reportagem do Correio da Manhã em 21 de setembro de 1930, sobre a
região do Jaguaribe, no Ceará, ressalta-se:

O inverno de 1930 foi escasso em diversas zonas do território cearense como na região
atravessada pelo Jaguaribe, onde as chuvas foram realmente diminutas […] Em diversas
localidades do vale do Jaguaribe é já grande a a uência de pedintes, mulheres e crianças
andrajosas e emagrecidas que imploram a caridade pública […] já se verificam mortos pela
fome. Em muitas fazendas os rebanhos esqueléticos estão sendo racionados, o que aliás
representa um recurso penoso para os fazendeiros, devido aos altos preços da forragem. Nas
estradas encontram-se frequentes famílias de retirantes que abandonaram os seus lares do
agelo da fome. Esses famintos dirigem-se para os centros populosos, sendo muitos os que já
se encaminham para esta capital643.

Nessa fala do correspondente do Correio, a cena do Jaguaribe, sem chuvas,


onde a população de pedintes, mulheres, crianças andrajosas e emagrecidas
implorava a caridade pública, onde havia mortos de fome, rebanhos
esqueléticos e famílias que pela fome invadiam as capitais, representa um
cenário de caos devido à seca. A partir de discursos como esse, o próprio
Nordeste passava a ser sinônimo de desordem. Tratava-se, mais uma vez, de
um tipo de olhar sobre a região que imprimiu no imaginário de diversas
capitais uma certa visão sobre a seca e sobre o próprio sertão relacionada ao
abandono, à pobreza e ao atraso. Isso é parte do que Albuquerque Júnior trata
como “a invenção do nordeste”644. O autor afirma que “o próprio
desenvolvimento da imprensa e a curiosidade nacionalista de conhecer
‘realmente’ o país faz com o que os jornais encham-se de notas de viagem a
uma ou outra área do país, desde a década de vinte até a de quarenta”645.
Albuquerque Júnior ainda ressalta que essas narrativas acabaram por fundar
uma tradição, ou seja, tomar seus “‘costumes’ como os nacionais e os
costumes de outras áreas como regionais, estranhos”646. Ele defende, portanto,
que as diferenças das outras regiões “são tomadas como o rótulo do atraso, do
arcaico”647.
Vejamos outra nota de viagem de um correspondente do Correio:

Fortaleza, 19 (A.B) – Continua verdadeiramente angustiosa a situação em toda zona do sertão


cearense. Nada pode dar uma ideia do que, na realidade, se vem passando no sertão brasileiro.
Sexagenários, homens quase macróbios, experimentados na vida do sertão, afirmam que
jamais o Ceará atravessou época tão dolorosa. A fome já bateu a todas as portas dos lares
sertanejos, expulsando dali seus habitantes. E assim que eles emigram, dispondo-se a
caminhadas intermináveis, pelas caatingas e pelas estradas ardentes que o sol inclemente
transformou num brazeiro. Com a debandada começa a morrer gente pelos caminhos. Já não
surpreende o quadro que se depara aos olhos do viajante: cadáveres de velhos e crianças
estirados à margem das estradas. Tudo o que se possa imaginar de tenebroso está ainda aquém
da calamidade que devasta o sertão cearense. Não será com paliativos que se pode amenizar o
que aí está. A situação exige esforços excepcionais, compreensão mais calma do que tem a
fazer648.

Mais uma vez, na imagem apresentada ao leitor, saltava aos olhos um


quadro de pavor. Os “sexagenários, homens quase macróbios”, a fome que
batia em todas as portas dos lares, do migrante que caminhava
interminavelmente pelas caatingas e pelas estradas ardentes, morrendo gente
pelo caminho, os “cadáveres de velhos e crianças à margem das estradas”� O
quadro era tenebroso e a situação exigia esforços excepcionais. Essa narrativa,
corroborada por uma visão, muitas vezes, da elite local cearense e dos jornais
locais que temiam a chegada cada vez maior de sertanejos, re etia aquilo que
Kenia Rios analisa: “[…] instaurado o pânico, a pauta principal passa a ser
outra: o que fazer com os retirantes”649. Nessa trama, a fome, e seu quadro de
horrores, tomava conta da narrativa do jornal, era mais um elemento
importante para dar visibilidade a um tipo de olhar sobre o semiárido
cearense. Em razão da fome, as pessoas podiam passar a roubar comércios em
busca de alimento, o horror podia se instalar e se espalhar por toda a capital
Fortaleza e esse era mais um elemento que levava à morte e aguçava um
instinto de barbárie nessas localidades. Em outas reportagens, isso fica ainda
mais claro.
Em trecho de artigo do dia 21 de setembro de 1930, o correspondente do
Correio no Jaguaribe, dizia:

O Correio do Ceará noticia a chegada de uma família de retirantes, composta de 4 pessoas vindas
de Passagem de Pedras, que narram cenas tristíssimas dos sertões do Jaguaribe, onde a fome
impera. Dizem os informantes que o êxodo se acentua, estando as estradas que trazem a
Fortaleza, cheias de famintos. O jornal pergunta onde estão as providencias do governo para
socorrer os desgraçados sertanejos a braços com essa calamidade650.

No fragmento, fica explícito como o êxodo dos sertanejos era tratado com
um tom de pavor quando os mesmos “desgraçados sertanejos” iam para a
capital Fortaleza “cheios de fome”. Era necessário que esse quadro fosse
resolvido pelo Estado. De acordo com Frederico Neves, “a presença da
multidão exigindo proteção, vinha forçar essas autoridades a intervir, já que
colocava em questão a ‘segurança’ social e ameaçava a ordem instituída”651.
Tratar os sertanejos como famintos, desgraçados em um sertão de tristeza
onde a fome imperava, faz parte de um discurso fatalista em torno das cenas
“tristíssimas” dos semiáridos.
Quando o Correio narrava esse quadro da seca, com famílias de retirantes
“invadindo” as capitais “cheias de famintos”, por mais que culpabilizasse o
governo por esse estado de coisas, impunha a figura do sertanejo relacionada
diretamente à seca. Ou seja, como se seu estado natural, aquele que o
colocava como o autenticamente nacional, fosse desconfigurado devido à forte
estiagem. Passamos a olhar com tristeza, penúria, desordem, os sertões da
seca. Do mesmo modo, em outra reportagem de um correspondente do
Ceará, agora em 1932, o quadro de miséria e pessoas famintas que invadiam as
capitais é descrito:

Fortaleza 25 (A.B) – Continuam a chegar noticias do sertão que informam os horrores da seca.
Centenas de pessoas ameaçadas de morrer à fome e à sede. A desolação reina em varias zonas
não somente do estado, mas também da Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco. São
poucos os pontos em que o inverno ainda pode ser promissor. As lavouras já foram
horrivelmente prejudicadas. E o gado morre. Os retirantes já invadem as cidades. De todos os
pontos as noticias continuam desanimadoras652.

Outro exemplo emblemático do discurso proferido pelo Correio nessa


mesma perspectiva de relatar um estado de caos, consta em reportagem de
abril de 1932:

[…] Mas, telegramas de ontem, informam que a estiagem prossegue alarmante. Continuam a
emigrar os tristes retirantes na cadência monótona de seus passos. As plantações morrem antes
de medrar. Os ataques as fazendas e povoados se repetem com mais frequência. E o agelo. O
agelo prossegue em sua marcha fúnebre pelos campos ressequidos. E em face disso, o
ministro da Viação acaba de tomar novas providências e dar novas instruções para um mais
eficiente ataque ao grande agelo do nordeste653.

O trecho pode ser relacionado diretamente às disputas pelo poder naquele


contexto, pois as elites locais encontravam-se descontentes com a retirada dos
sertanejos para as capitais. Fortaleza vivia, bem como as demais capitais, a
tentativa de modernização e ordenamento da cidade. Era necessário, para que
a cidade progredisse, que a ordem, o embelezamento, a higienização fossem
postos em prática. Quando “desordeiramente” os sertanejos – que migravam
conscientemente para as capitais, posto que entendo essa migração como um
ato de resistência, e não de abandono de sua terra – entravam nas cidades com
suas famílias, desestabilizavam a elite local que não desejava solucionar o
problema dos sertões nem mesmo receber esse contingente que trazia
doenças e estimulava a mendicidade.
Analiso, a partir dessa perspectiva, duas falas do jornalista Costa Rego que
também são emblemáticas, visto que ele atuava nesse contexto como uma voz
importante do jornal. A primeira datada de 16 de abril de 1932, quando a seca
no semiárido nordestino tinha chegado ao seu auge e a segunda de 20 de abril
de 1932, quando critica Getúlio Vargas e a intervenção nos sertões nordestinos.
Suas re exões encontram-se sempre na página dois, no canto esquerdo do
jornal, e eram dedicadas “principalmente aos artigos de opinião,
aproximavam-se da crônica, pois rememoravam fatos corriqueiros do
passado, como pistas que poderiam conduzi-lo ao centro do debate
político”654.
Vejamos a primeira fala de Costa Rego, sob o título “Suprimir o sertão”:

A ideia de despovoar o sertão do Nordeste para evitar as vitimas das secas revela que ainda há
quem pense que a melhor forma de resolver os problemas é suprimi-los. Mas trata-se de uma
ideia sincera. Por isso mesmo convém esclarecê-la. O que se imagina geralmente é que o
sertão do Nordeste é uma zona infernal, povoada por teimosos. Não havendo como torná-lo
acessível ao homem, impõe-se retirar de lá os teimosos e deixar o sertão entregue a aridez e ao
abandono. Este remédio cura, evidentemente, demais. Faz lembrar a hipótese de uma
prescrição medica para as enxaquecas que consiste em cortar a cabeça ao doente. A verdade é
que o sertão não é uma zona infernal. É a zona por excelência, da abundancia. Do mesmo
modo que seria impossível inferir de um país que é inabitável porque sujeito as chuvas, não se
deve desprezar o sertão porque sujeito as secas. O que se dá é que só pensamos nele quando ele
sofre. Por um defeito de generalização que existe em todo o homem, logo nos inclinamos a
imaginar que a seca é um fenômeno permanente e perene. O problema da seca não existiria
como não existe o problema do Saara655.

Costa Rego se posiciona como um homem do Nordeste que olhava para o


interior como lugar passível de civilização. Faz a defesa dos semiáridos como
lugar de abundância, onde podia haver fartura e prosperidade, e mais ainda
onde a seca não devia ser pensada como determinante da vida dos sertanejos.
Não fazia sentido despovoar os sertões por conta da seca, assim como não
havia sentido despovoar uma área acometida por chuvas.
Nesse aspecto, vale esmiuçar um pouco mais sua trajetória para o
entendimento de sua fala. Costa Rego nasceu em Alagoas em 1889, atuou no
Correio da Manhã desde 1906 e concomitante à carreira jornalística e por conta
dela ascendeu no mundo da política e “ocupou posições de destaque na
política alagoana como secretário de Estado (1912), deputado federal (1915-
1917, 1918-1920, 1921-1923) e governador (1924-1928). A Revolução de 1930
interrompeu sua carreira política no senado (1929-1930)”656. Em 1931, ele
retornou ao Correio da Manhã e passou a escrever sua coluna de opinião,
travando um debate em torno da Constituinte e do governo Vargas.
Costa Rego era uma voz importante e de credibilidade tanto para o jornal
quanto no meio político e jornalístico. Sua escrita mostra-nos a opinião do
periódico naquele contexto, visto que, em 1934 ele tornou-se redator-chefe do
Correio permanecendo no cargo até 1954, ano de seu falecimento, sendo o
grande aliado e braço direito de Paulo Bittencourt e zelando pela “ortografia
da casa”. A carreira no jornalismo e na política fez com que ele entrasse para
uma terceira atividade, a de escritor, “certamente motivado pelo convívio
com os literatos que circulavam pelo cenário do Correio da Manhã, o que
incentivou Costa Rego a publicar três livros – Na Terra Natal (1924-1928); Como
foi que persegui a imprensa; Águas Passadas”657. Vale mencionar que em 1940, por
exemplo, na cúpula do Correio “pontificava uma ‘República das Alagoas’,
chefiada por Costa Rego, e integrada por Aurelio Buarque de Holanda,
Graciliano Ramos e Rodolfo Mota Lima”658.
No trecho citado, Rego ressaltava a abundância dos sertões em períodos de
chuva: “é a zona por excelência, da abundância”, não deve ser lembrada só em
períodos de seca. Outro fator, e o ponto principal desse texto, é a questão da
migração para outras áreas. Havia a crítica a esse despovoamento dos sertões
que acabava não re etindo os problemas reais da falta de um olhar atento
para os semiáridos em períodos não secos; os governos local e nacional não
estavam preparados para as estiagens, nem mesmo a Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas (IFOCS) conseguia amenizar suas consequências na
vida da população. A seca tratava-se, portanto, de uma questão política, na
qual Rego sempre esteve imerso e presente, principalmente nas suas críticas
ao governo Vargas e na sua atuação anterior em Alagoas.
A re exão em torno da migração de sertanejos em massa para a Amazônia
ou mesmo para o sudeste (Sul) ou para o litoral de algumas capitais do
Nordeste era uma questão antiga nos sertões. Celso Furtado659 explica que a
expansão da comercialização da borracha na Amazônia era estritamente uma
questão de suprimento de mão de obra. Para o autor, a imigração de europeus
para as regiões do café deixou disponíveis para o Norte a mão de obra dos
nordestinos para a expansão da borracha, devido à crise do açúcar e à
concorrência estrangeira em torno do algodão.
Celso Furtado analisa que, desde o século XIX, pós-seca de 1877, a mão de
obra do norte passou a ser orientada para a Amazônia. A concentração da
população sertaneja nas cidades devido à estiagem facilitou o seu
recrutamento, mesmo assim a maioria dominante da região se opunha a tal
migração, pois via nela a perda de sua fonte de riqueza. Tal discurso se
estendeu em todo o século XX: estimular ou não a migração desses sertanejos
a procura de ajuda nos centros urbanos para outros estados? No entanto, “o
grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu
basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o
problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão
de obra”660.
Podemos re etir também sobre aquilo que Maria Verónica Secreto explica
em relação à historicidade das migrações cearenses. De acordo com a autora,
no período imperial as viagens eram subsidiadas. Logo, não havia uma
migração espontânea; na realidade, a população era chamada a migrar para
outras áreas. A autora analisa que “no final do século XIX, – em 1877-1879 e
1888-1889 – para mitigar o horror que causava a essa classe dominante a
presença dos agelados, esfarrapados, famintos, sujos e doentes, foi
organizado um sistema de migração com passagens subvencionadas pelo
Império”661.
No contexto de 1930, percebe-se o que Secreto explica: era necessário que
cada um tivesse um lugar no Brasil de Getúlio Vargas. Para isso, o mesmo se
utilizou de uma metáfora espacial, “o Brasil em que cada um tinha seu lugar
contrapunha aquele do passado em que nem todos os tinham. O Brasil da
unidade era um somatório de lugares. O lugar do sertanejo era no sertão”662.
Por isso, da mesma maneira que estimulava-se a ida para a Amazônia, em
1930, era necessário que se resolvesse os problemas dos sertões sem incentivar
a migração do sertanejo para as capitais dos estados nordestinos ou mesmo
para o Sudeste. Era necessário evitar a evasão dessa população. O migrar
podia ser posto em prática se fosse para ocupar o que Secreto chama de
“espaços vazios” como a Amazônia; ao contrário disso, era necessário que não
se estimulasse a ida de sertanejos para outras áreas. Era uma forte contradição
do contexto e dos diversos interesses que estavam por trás das retiradas e do
uso da mão de obra dos sertanejos.
Mesmo que Costa Rego não estivesse tratando necessariamente da migração
para a Amazônia, em seu texto ele re etia sobre o sentido de esvaziamento
que as migrações ocasionavam. Com isso, ver-se-á adiante que o próprio
Correio cobrará uma posição do governo federal em relação a essa população.
Pode-se perguntar, também, o que era necessário para que a população não
migrasse? Havia um caminho: que lhe dessem trabalho. Nesse sentido, as
campanhas para que fossem realizadas obras públicas e que elas empregassem
os sertanejos se estenderam em todo o jornal no período aqui proposto. Sua
narrativa aponta para isso: o sertão é passível de civilização, era necessário
que isso ocorresse e a seca não era um impeditivo. Isso nos ajuda a entender
por que Rego conduzia este debate. Segundo Noé Sandes, o seu estilo
interpretativo “reforçava a credibilidade do articulista, porém, exigia certo
afastamento do tom de ‘conversa fiada’ característico da crônica, visto que sua
pretensão era convencer o leitor da veracidade de seus argumentos”663.
Costa Rego desejava “resistir ao desejo de anulação do passado como
pretendiam os reformadores do mundo […] o novo supõe sempre um pouco
do velho”664. Aqui, o jornalista alagoano apresenta clara oposição, de acordo
com Sandes, à Revolução de 1930. Seguramente, a re exão sobre o Nordeste
estava imersa nessa visão de mundo que Costa Rego tanto pregava em sua
coluna de opinião, na tentativa de oferecer ao leitor “a partilha da sua
experiência, sugerindo um volver de olhos para o passado como forma de
entender o presente”665. Além disso, Costa Rego acreditava, nos dizeres de
Melo, que a função do jornalismo estava inserida no compromisso com o bem
comum, “das aspirações coletivas […] capaz de perceber todos os fatos, ainda
que eles possam parecer vulgares, interpretando-os pela ótica do interesse
público”666.
Em outro trecho do mesmo texto do jornalista, ele dizia:

O caso é, porém, que o sertão possui grandes e velhas seduções. A terra é boa para atrair e fixar
o homem. O homem sente-se feliz, no meio do gado, que prospera, e na oração dos campos,
dando-lhe de tudo para existência e para o comercio. Aquele que vem de fora e entra em
contato com o ambiente sertanejo experimenta a sensação da fartura, acentuada na própria
amenidade do clima, criador das famosas noites de onde nasce a opulenta poesia popular do
Brasil, que é o indicio da tranquilidade em que ali se vive. O homem luta é certo. Nada lhe cai
do céu. Mas esta dá-lhe, em compensações largas, o gosto do trabalho e assim o aferra à
escravidão deliciosa de suas serras. Súbito vem o acidente na desconcertante irregularidade
com que aparece. Não se refazendo pelas precipitações pluviométricas, a terra nega ao homem
a vida. Estacam-se os cursos d’água, ainda ontem tão caudalosos pelos que lhe davam as
vertentes, e já hoje extintos, expondo ao viandante desesperado o leito onde se
desempenhavam e onde, aqui e ali, poças esverdeadas, últimos vestígios do rio que
desapareceu, tentam a sede dos bovinos, em sua emigração pelas caatingas. As plantas, ainda
tão oridas semanas antes, murcham e suas hastes sob o fogo do sol. As arvores mirram. Uma
tristeza de morte envolve todas as coisas. O homem abala […] Mas cai sobre este espetáculo de
dor o consolo da chuva. Toda a terra engalana-se, de novo, e seus atrativos voltam a seduzir o
homem. Assim, o mal do sertão não está na miséria de sua vida, mas precisamente na vastidão
de seus recursos. Ele é como a lâmpada elétrica de que se interrompe a corrente. Na ausência
da luz, pode-se utilizar a da antiga vela de estearina; mas, reestabelecida a corrente, não há
quem pense em destruir a usina geradora de energia […] Se o sertão do nordeste fosse ingrato,
ninguém o amaria667.

Aqui, mais uma vez, a questão da natureza é posta. No entanto, Costa Rego
acabava por não conseguir desvencilhar-se do reducionismo e do
determinismo geográfico, porque ao mesmo tempo em que a seca não devia
ser pensada como o problema dos sertões, ou definidora do que é o semiárido,
ou seja, o clima não seria determinante na vida dos sertanejos, a natureza
acabava apresentada como definidora da tristeza ou da alegria da população
dos sertões. O homem sentia-se feliz quando a terra lhe dava tudo que
necessitava. Afinal, o sertão era uma terra boa para fixar o homem e podia lhe
oferecer fartura, mas quando a seca vinha – a que ele se referia como de
“súbito vem o acidente” –, apesar de lutar contra ela, a terra negava ao
“homem a vida”.
O quadro de tristeza também aparecia em Costa Rego: “as árvores mirram.
Uma tristeza de morte envolve todas as coisas. O homem abala”. Rego
colocava na natureza o impositivo da vida do sertanejo, principalmente
quando dizia: “se o sertão do nordeste fosse ingrato, ninguém o amaria”. Ao
mesmo tempo que desejava que não vissem os sertões pelos olhos das
estiagens, o jornalista, ao fazer a analogia seca-tristeza e pobreza/chuva-
fartura e alegria, acabava por corroborar com o discurso que via na natureza o
problema do possível despovoamento dos sertões (assim ele inicia o texto que
descrito anteriormente e assim é o seu título: “Suprimir os sertões”). Podemos
pensar nas narrativas arltianas, mencionadas no tópico anterior, como via de
aproximação com que analiso aqui: a natureza que provê é a mesma que
expulsa sua população.
Ao final do texto, Rego conclui:

Todo o problema das secas resume-se, afinal, na fertilidade do sertão. O que essas massas de
retirantes, tangidas a espaços de seus lares, veem fazer no litoral não é tanto reclamar dos
governos pão para boca, mas defesa para fertilidade das terras que abandonaram por instantes e
a que não há força que as impeça de regressar. O plano que consiste no abandono do sertão
pelos sertanejos estaria voltado ao insucesso. Também um eminente homem de estudos e,
aliás, sertanista, o general Rondon, foi adepto dessa medida. Bastou-lhe, porém, que visse os
sertões do Nordeste, bem diversos daqueles outros, ribeirinhos, de seu anterior
conhecimento, para compreender porque atinge uma zona de considerável valor, impossível
de suprimir do mapa econômico, do mesmo modo que ninguém suprime os rebanhos por
causa das epizootias668.

De certo que Costa Rego olhava a natureza como definidora da dinâmica da


vida sertaneja, mas não se deve negar a crítica política desenvolvida por ele.
Havia uma visão de intelectuais nordestinos do litoral em relação ao sertão na
qual “embora o sertão fosse um lugar feliz para se viver, nos anos de seca uma
das alternativas que restava aos sertanejos era se retirarem para o Litoral”669.
Na dicotomia que já analisada aqui prevalece o Nordeste do açúcar versus o
Nordeste da pecuária, ou mais, o litoral versus o sertão. Se pode inserir Rego no
conjunto de intelectuais nordestinos que tinha um outro olhar e que via nos
sertões o autenticamente nacional e a possibilidade de prosperidade e
progresso, sem que o passado e a tradição fossem quebrados.
É possível analisar também outra questão em relação à fala de Costa Rego.
Se naquele contexto havia um estímulo às migrações principalmente para a
Amazônia pelo governo Vargas, com propagandas, cartazes e campanhas para
o desbravamento do oeste, principalmente pelas mãos dos sertanejos
cearenses, também existia uma re exão – principalmente de uma elite local –
de que as migrações geravam perdas de braços. Costa Rego, como um homem
do Nordeste, que pensava sobre os sertões, se colocava na condição de criticar
e analisar essa falta de planejamento político que exigia que a população
acabasse por migrar. Logo, quando ele narrava: “O que essas massas de
retirantes, tangidas a espaços de seus lares, veem fazer no litoral não é tanto
reclamar dos governos pão para boca, mas defesa para fertilidade das terras”,
também estava questionando o poder econômico da região. Eram necessárias
soluções para enfrentar a seca e não apenas “pão”. O sertanejo pedia trabalho,
não esmola, e isso era um fator importante nesse contexto. Discursos como os
de Rego foram in amados pelo próprio Correio da Manhã, por alguns
engenheiros da IFOCS em seus relatórios, e também por jornais locais.
Pode-se observar também no contexto de 1930 e na seca de 1932 que
“diversas alternativas apontadas por políticos, comerciantes e latifundiários da
região como ‘solução’ para o ‘problema’ das secas do Semiárido, são
carregadas de conotações negativas sobre o espaço do Sertão”670. A
ambiguidade no trato com os sertões é notória nos discursos da época. Tratar
o sertanejo como uma “massa de retirantes” dava uma ideia de multidão
amorfa, desorganizada, sempre em retirada.
No caso santiagueño, vejamos como isso se deu. Na continuação da crônica
já citada de Arlt, ele dizia:

- “Antes de irnos a dormir cerramos el aljibe con candado – me dice una señora, que a
continuación agrega refiriéndose a otra persona. – “A esa pobre viejita, le damos de caridad,
todos los días, un balde de agua para ella y sus hijos.” Y un balde de agua aunque a ustedes les
parezca mentira, es caridad. Sobre todo en este país de sesenta grados de temperatura al sol. Y
digo: Felices de aquéllos que viven en el suburbio gaucho del pueblo. Felices de aquéllos cuya
casa está a un kilómetro de la estación. ¿Qué diré de aquellas mujeres que vienen de tres y
cuatro kilómetros de distancia a buscar agua? ¿Qué diré de esta vía crucis cotidiana que viven
las pobres mujeres y los desdichados niños de todos los montes próximos a las poblaciones de
Santiago del Estero? ¿Pueden imaginarse ustedes lo que es “caminar a pie” en picadas de tierra
ardiente, una legua, dos leguas, cargando sobre la cabeza una lata de agua que pesa quince
kilos? – No; yo creo que ustedes no pueden imaginárselo. En cambio si pueden imaginarse
este drama, las mujeres árabes que yo he visto en Tanger y Tetuán, caminar leguas y leguas
cargadas de pilas de carbón.¡Oh! Qué claro lo recuerdo! Entonces creía que ese espectáculo
sólo podía encontrarse en Africa. Y me admiraba grandemente. Ingenuamente. No sabía que
en la Argentina, las campesinas santiagueñas vivían unas penurias semejante671.

Trata-se da história de uma senhora que contava seu ato de caridade para
com uma velhinha, quando dava um balde de água para ela e seus filhos.
Especialmente neste país de sessenta graus de temperatura ao sol, dizia ela,
onde mulheres vinham andando três e quatro quilômetros em busca de água,
numa via crucis cotidiana. Compara-se a vida da população rural santiagueña
ao martírio bíblico das caminhadas sedentas e redentoras de uma gente,
principalmente, das mulheres, que se deslocavam a pé em uma terra ardente,
léguas e léguas, carregando sobre a cabeça uma lata de água que pesava 15
quilos. A ideia quase “maculada”, “mítica”, de uma população sedenta, é
muito presente nos imaginários sobre os sertões cearenses também.
Novamente, encontra-se aqui uma leitura sobre a seca e sobre Santiago
bastante semelhante à brasileira. As retiradas em busca de água e as mulheres
que carregam lata d’água na cabeça são cenários similares para pensar o
sertão. Quantas vezes se vê em fotografias sobre os semiáridos nordestinos
esse tipo de imagem que destaca mulheres e suas latas de água? E como isso
perpetuou uma visão unívoca de que onde há sertão há sede? Tais visões se
consolidaram independentemente de uma seca, tornaram-se marca da região
e, como vimos analisando, passaram a ser sinônimo de Nordeste.
No caso santiagueño, o que impera, na narrativa sobre esse território, é o
drama da natureza e do binômio ausência/presença de água, delineado pelo
controle desse elemento. No Brasil, seca/sertão/Nordeste configuraram a
ideia que se tem sobre a região, fazem parte do imaginário, estão na ordem do
dia, alimentam visões sobre as populações semiáridas e colocam, no problema
ambiental, o espaço de domínio e de permanência das relações sociais
existentes ao longo da história. Isso quer dizer que o sertão configurou-se na
relação existente entre o grande latifundiário e o pequeno produtor,
estabelecendo-se uma dependência. O controle da terra e da água tornou-se
elemento constitutivo para pensar o semiárido cearense e nordestino. Em
Santiago del Estero, há o que Alberto Tasso chama de mercado de terra e de
água, como falado. Nesse território, também se formaram vínculos de
dependência em que o camponês santiagueño vive à mercê de quem domina
esses elementos naturais. Daí encontra-se o tema também das migrações,
fossem elas em busca de água, ou mesmo em busca de oportunidades em
outas regiões.
Em outra crônica de Arlt, intitulada “El in erno santiagueño. Ante el avance de
la sequía se ha quebrado el aguante gaucho”, ele dizia:

Nos acercamos a un pueblo. Mi acompañante, don Luis Manzione, me señala lo que él llama
“el suburbio gaucho”. El suburbio gaucho ha sido abandonado por sus pobladores. Las puertas
de los ranchos se han caído, las ventanas desfondadas. Sin temor a exagerar puede afirmarse
que el 70 por ciento del cordón silvestre de los pueblos santiagueños ha emigrado perseguido
por el hambre y la sequía. Los ranchos donde en otros tiempos cultivaban verduras y criaban
gallinas que sus pobladores llevaban a mercar por el pueblo, han sido invadidos por el monte
salvaje. Tres años de ausencia y estos arbustos incomestibles, salitrosos, de talles espinosos y
hojas amargas, han avanzado estúpidamente [...] Así están paralizadas millares y millares de
hectáreas destinadas al cultivo del algodón. La despoblación llega a tal punto que en la zona de
Colonia Dora de 2.000 colonos quedan 400. Y éstos porque no encuentran a quien vender sus
tierras, sus casas, sus máquinas [...] Don Manuel Feijóo es el pastor de quinientos metros de
ranchos abandonados. Nubes de tierra envuelven la iglesia y casa rectoral. Don Manuel
reconsidera el paisaje quemado por el sol, el viento que levanta rojizas nubes de polvo y luego
nos dice: -¡Las cosas se están poniendo malas por aquí! En Lugones ya se está muriendo el
ganado mular, que es el más resistente. ¿Se darán cuenta en la capital de lo que ocurre aquí?
Nos despedimos de don Manuel. Cruzamos por zonas donde mi acompañante dice: – Aquí
cruzaba el Rio Dulce... Aquí cruzaba el Rio Salado... Desierto. Monte672.

Arlt narra, novamente, o problema do despovoamento rural – discurso e


preocupação que também se encontravam na ordem do dia na capital
argentina. Arlt fala que 70% da população santiagueña já havia imigrado pela
fome e pela sede: o subúrbio gaúcho foi abandonado por seus habitantes. As
portas da fazenda caíram, as janelas estavam vazias. Descrevia o autor um
certo tipo de planta que em três anos de ausência seus arbustos salgados e
comestíveis, de esculturas espinhosas e folhas amargas, avançavam
rapidamente.
De acordo com Alberto Tasso, a estiagem de 1935-1937 ocasionou
consequências catastróficas para a sociedade que dependia da produção para
sobreviver e acabou por mostrar como as políticas públicas estatais foram
dispersas e tardias, e não conseguiram diminuir os problemas de milhares de
famílias que enfrentaram a fome, o desamparo social, as misérias, acarretando
nas grandes migrações; o êxodo em cadeia que se iniciou no departamento de
Loreto em direção às novas regiões fabris de Buenos Aires como Berisso e
Ensenada 673. Tasso aponta que a partir daí se iniciou uma onda migratória de
milhares de santiagueños para as áreas urbanas da grande Buenos Aires e da
grande La Plata674.
A perda no setor agropecuário por departamento foi latente no contexto. Na
narrativa, o padre D. Manuel questionava se na capital se sabia o que estava
ocorrendo em Santiago del Estero e Arlt afirmava que o despovoamento havia
chegado a tal ponto que, na área de Colonia Dora, de 2.000 colonos restaram
400, isso porque eles não encontram para quem vender suas terras, casas,
máquinas. Ao mesmo tempo, quando o cronista dizia que Don Manuel
reconsiderava a paisagem queimada pelo sol, o vento que levanta nuvens
avermelhadas de poeira e depois diz: “-¡As coisas estão ficando ruins por
aqui!”, ressaltava mais uma vez que a natureza era o problema. A seca, a
questão ambiental e climática era o que colocava a região naquele estado de
coisas. Mas, veremos, no próximo capítulo, ainda mais minuciosamente, que o
problema migratório é inerente à crise pela qual passava Santiago nesse
contexto; ela é parte constitutiva da construção desse espaço.
Em outra notícia de El Mundo, outro correspondente do periódico dizia:

Santiago del Estero, 19. – Informaciones que llegan del interior de la provincia dan cuenta que
en Pozo Hondo, Laprida, Nueva Francia, Loreto, Suncho Corral, Villa Nueva y Arriaga la
población carece de lo más elemental, ofreciéndose espectáculos conmovedores, pues
mujeres, hombres y niños emigran en largas caravanas, mientras otros se dedican a pedir
limosna. Continúan los asaltos a los almacenes y negocios siendo esto ya un hecho común
que no llama la atención. La protesta de la población de todos estos pueblos es general, pues
aún no han llegado los auxilios prometidos por las autoridades provinciales y nacionales. En
esta capital hay enorme cantidad de personas que duerme a la intemperie, que han llegado a las
localidades del interior675.

O medo das invasões da população faminta e sedenta do interior não ocorria


apenas em Buenos Aires; a capital de Santiago del Estero que possui o mesmo
nome da província, além de cidades vizinhas, temiam a invasão desses
imigrantes da seca. Era um espetáculo comovente, como apontava a
reportagem. Mulheres, homens e crianças emigravam em caravanas e outros
viviam a pedir esmolas. Os assaltos aos comércios nas cidades eram comuns e
faziam com que as populações reclamassem uma postura das autoridades
provinciais e nacionais. Na capital Santiago del Estero, pessoas que chegavam
do interior dormiam ao relento, nas ruas. Este quadro narrado por El Mundo
remete de imediato ao caso brasileiro: as caravanas migratórias em busca das
cidades, o assalto aos comércios, a população da capital Fortaleza que temia a
chegada do contingente de retirantes do semiárido cearense. Todo esse quadro
remonta à mesma postura da imprensa brasileira e do Correio da Manhã que
acabava por reforçar cenas de incivilidade e insegurança em relação às
populações do campo. Por isso, medidas de controle social e disciplinares
foram postas em prática nesses dois países.
As cenas narradas pelos jornais acabavam por aumentar o pavor da
população das cidades em relação aos imigrantes do campo advindos da seca,
como aponta Frederico de Castro Neves, no caso do Ceará, e Noemí Girbal-
Blacha, no que se refere à Argentina e à população rural. Ambos afirmam que,
no contexto da década de 1930, utilizaram-se de medidas de controle para
conter essa população que invadia as capitais, com ajuda de autoridades locais.
Medidas de racionalização da imigração, ações institucionais capazes de
garantir a contenção necessária para os desprotegidos e desempregados,
educação agrícola para jovens e mulheres, promoção da colonização e
organização do trabalho para combater o desemprego e seus “delírios”
(vagabundagem e mendicância, como aponta Girbal-Blacha676) foram políticas
implementadas na Argentina.
Essas propostas foram também conduzidas pelo Estado brasileiro,
principalmente o investimento em se repensar o uso da mão de obra nacional
em detrimento da estrangeira e o lugar do trabalhador rural nesse processo.
Na Argentina, foram os defensores do controle social, empresários do setor
agrícola ou latifundiários que passavam a intervir e a desempenhar um papel
organizador e orientador dos problemas da sociedade677. Portanto, os
discursos da imprensa argentina estavam em acordo com esse panorama e
essa visão sobre como se deveria agir no interior e, neste caso específico nos
semiáridos, fundamentalmente em períodos de seca.

2.3 O clamor dos semiáridos deve ser ouvido: miséria,


desemprego, caridade e controle social
Há no periódico El Mundo uma entrevista realizada com um professor de
uma escola próxima a uma estação de trem da província de Santiago del
Estero. O professor contava ao jornal a situação das pessoas da região em
meio à estiagem. Destaco um trecho dessa reportagem em que se dizia:

Y para terminar – nos dijo nuestro entrevistado – dejen que les diga que la tragedia del hambre
y de la sed que asola a Santiago, hay convertido a hombres que antes eran honrados
trabajadores en cuatreros capaces de llegar a cualquier extremo para comer. Los pocos vecinos
que por un milagro conservan algunos animales vivos deben guardarlos noche y día, revólver
en mano. “A cada momento se registran robos de animales, aun perros. Todo es bueno para no
morirse de hambre. “En los últimos días de clase, mi escuela dejó de enseñar para convertirse
en comedor. Les daba a los indiocitos cuando tenía, hasta donde mi escaso sueldo permitía.
Algunos vecinos que los supieron, intentaron por dos veces asaltar mi pequeña despensa. Las
dos veces, mi mujer y yo repelimos la agresión asustándolos con tiros al aire. “Esta situación,
cuyo recuerdo perdurará en mí mientras viva, no puede prolongarse ni quince días más. Si la
ayuda llega a tiempo, en Santiago del Estero, junto a la osamenta de los animales muertos,
empezarán a aparecer la de los niños y mujeres...”Griten que hay que llevarles agua y
alimentos. Es inútil esperar lluvias. Y es tarde, Santiago, ni aun en el supuesto caso de que
llovieran 300 milímetros esta misma noche, está muerta por más de un año678.

A narrativa do “medo das multidões” atrelada à miséria é um elemento


comum pertencente aos discursos dos jornais, como também do Correio da
Manhã. Tal intento justificava certas atitudes dos sertanejos cearenses e
também era uma via de controle social. Era a fome que fazia com que eles
saíssem do seu estado “natural” para invadir as capitais e assaltar comércios da
região. Essa hipótese retirava dos sertanejos, bem como dos santiagueños, o
lugar de consciência, de reivindicação e de fala dentro desse contexto.
Frederico Neves apontou os saques das multidões sertanejas em período de
seca no Ceará como um ato de demonstração reivindicatória para as
autoridades do seu lugar, dentro da trama de descaso de um período da seca.
Acredito que os santiagueños também devem ser entendidos por esse viés.
Logo, o discurso da água, da sede e o da fome eram comuns para delinear o
quadro em que vivem as populações do Noroeste argentino a fim de justificar
visões sobre essa população.
No trecho citado, “homens honrados” se tornavam pessoas que praticavam,
principalmente, roubo de animais por causa da fome e as pessoas que ainda
tinham animais deviam guardá-los para que não fossem roubados por esses
“cuatreros capaces de llegar a cualquier extremo para comer”. Alguns deles
tentavam assaltar a pequena despensa da testemunha que acabava de narrar
estas cenas ao correspondente do jornal em Santiago del Estero. Era urgente
uma intervenção ou ajuda de Buenos Aires, porque não se podia esperar as
chuvas. A imagem transmitida era que a população santiagueña, em um ato
de barbárie, em razão da fome, fazia tudo o que era possível para comer. Ou
seja, a fome justificava tal intento.
Voltemos à perspectiva arltiana. Ela pode nos ajudar a entender, também,
essas falas. Em outro trecho da crônica “El in erno santiagueño”, datada de 10
de dezembro de 1937:

Pero el espectáculo no era el. Si no una vieja. Sobre una cama de tientos, cruzada de piernas al
modo musulmán, había una vieja bien parecida. La cabeza envuelta en un pañuelo de cuadros,
los ojos ciegos rodeados de nubes de moscas. Mi acompañante habló en quichua con los
ancianos. Entonces la vieja, llorando hablando en su idioma enigmático, toma la mano de mi
amigo y comienza a besársela sollozando. Hablan un rato. Mi acompañante me indica: – Vaya y
mire qué es lo que hierve en ese caldero. Salgado del rancho y me acerco a caldero, del que
sale un hueso descomunal. Es un trozo de pata de caballo, de un caballo que ha muerto de sed.
De un caballo que pertenecía a estos pobres viejos. Miran la magnitud de este drama: Hace tres
años tuvieron 400 ovejas, 23 yeguas y caballos, 8 vacas. La sequía les hay matado las ovejas, las
yeguas y las vacas. La sequía les ha matado el último caballo que tenían. El último caballo con
el cual el viejo iba hasta el pueblo de Herrera a mendigar un poco de agua. ¿ Comprenden la
magnitud de este drama que ellos le explican en quichua a mi acompañante? Si alguien no va a
socorrerles, ellos se morirán de hambre en su rancho. A menos que resuelvan largase a
mendigar a la ventura por los caminos [...] La vieja ciega, con las piernas cruzadas sobre la
cama, retiene por una mano a mi acompañante y llora besándole las manos. El viejo,
desesperado, detenido en la puerta del rancho me mira sobriamente. Y estos viejos no son
mendigos. No son haraganes. Son criadores, es decir, pertenecen a la calidad de hombres de
campo que en número de sesenta mil familias han quedado en Santiago en la más absoluta
indigencia [...] Esta gente, día a día, demora la partida, es decir, la terrible aventura de la
lanzarse al azar por los caminos. Día a día esperanza la ansiadísima lluvia que no llega. Mientras
el último caballo se mantenga en pie, podrán ellos también ampararse en el monte. No
mendigar? De qué viven esos desdichados? 679

Nesse trecho, percebe-se a entrada da descrição de uma figura humana, que


também passava por uma narrativa do exótico, do estranho, do não belo. A
descrição de uma “velha” cega, na qual rodeavam nuvens de moscas, falando
em quíchua, que ele mesmo descreve como um “idioma enigmático”, revela
uma cena em que pairava, mais uma vez, o “estranhamento” para com a
população dessa província. A língua quíchua era falada, principalmente, em
Santiago del Estero desde o período de sua formação territorial. Para Arlt, ela
já era pouco usada nesse contexto, ou seja, uma “língua obsoleta”, o que
demonstrava o distanciamento existente entre o interlocutor da capital e a
senhora santiagueña. Tal cena parece demonstrar a total ausência de ordem,
de civilidade. Assim, o extremo abandono em que vivia a população
santiagueña estava posto, então, aos seus leitores. Novamente, ao ler o jornal
é possível se deparar com uma visão fatalista acerca da seca e da própria
região.
Outra questão que deve ser analisada refere-se à visão de Arlt em torno dos
“velhos” que não eram mendigos, preguiçosos, mas sim homens do campo
que viviam na pobreza absoluta. Vale re etir sobre o contexto social do
trabalhador rural argentino. Antes mesmo dos anos 1930, seus salários caíram
substancialmente, somando-se a isso o aumento do desemprego que levou a
piores condições de vida para os trabalhadores. Deve ser considerado também
que a situação jurídica do mundo do trabalho no campo era bastante precária,
não havia normas legais que gerissem a vida do trabalhador e lhes garantissem
direitos. Esses fatores geraram nos anos 1930 uma onda de migração interna
ainda mais agravada pela crise de 1929 que afetou o país.
A crítica de Arlt pode estar atrelada a esse panorama em que já vivia a
população das províncias rurais, principalmente quando ele diz: “A menos que
resuelvan largarse a mendigar a la ventura por los caminos”. Esse mendigar pelos
caminhos se encontrava, portanto, de acordo com que Cattaruzza analisa: o
despovoamento rural ao longo dos anos 1930 chegou a converter-se em uma
séria preocupação nacional e das próprias províncias, e, nesse caso específico,
a seca santiagueña se tornava um fator-chave para o agravamento da questão.
A seca tornou-se mais um elemento desta trama, que levou a população do
Noroeste a migrar para as capitais, como ocorreu no Ceará na seca de 1932.
Como ilustra Arlt, havia um discurso de que as pessoas do campo que
migravam, na realidade, pediam trabalho e não esmola e, por isso, segundo
ele, não seriam preguiçosas, mas sim trabalhadoras. Esse tema, novamente,
assemelha-se aos discursos brasileiros para com o sertão cearense.
É importante salientar, também, que, na década de 1930, de acordo com
Noemí Girbal-Blacha, os mecanismos de controle social se associavam à
necessidade de conhecer e conter o desemprego, considerado o impulsionador
da mendicância e da vadiagem. Logo, tais discursos em torno da mendicância
estavam na ordem do dia680. Não era de se estranhar a narrativa de Arlt,
portanto, em um contexto de combate à vadiagem. Esse discurso justificou
intervenções da mesma ordem no semiárido brasileiro, em nome do combate
à mendicidade em período de seca. No Brasil, o governo desse período
disseminou uma narrativa que colocava no trabalho a salvação da população
pobre em meio ao sofrimento da fome e da sede.
Vejamos outro artigo de Costa Rego no Correio da Manhã, intitulado “A luta
contra a seca”, de 14 de abril de 1932, onde ele ressalta a importância das
obras públicas de combate às secas:
A intensificação das obras públicas que se puderam continuar no Nordeste pode não ser a única
medida de emergência a tomar em favor das vitimas da seca atual; mas é sem dúvida a primeira
de todas as medidas. Folgamos em reconhecer que ela está sendo considerada desta forma e,
ainda, que o governo manifesta o propósito de evitar as subscrições e outros socorros da
caridade, além de humilhantes, ineficientes e, quando eficientes, tardios. O retirante tangido
pela seca não é um invalido; é apenas um individuo que deixou de trabalhar. O que há a fazer
não é mitigar-lhe a fome com uma esmola e sim proporcionar-lhes os meios de trabalho.
Assim, as verbas de socorros públicos de que os governos estaduais e o da União possam dispor,
acrescidas das verbas dos serviços normais e previstos, devem ser empregadas em incentivar as
obras em andamento e de preferência as próprias obras de irrigação e açudagem681.

Alguns pontos são importantes, nesse artigo, em relação ao discurso em


torno da seca de 1932: primeiro, era necessário dar trabalho aos sertanejos, e
não esmolas, para que não se incentivasse a caridade pública que poderia
acostumar a população a uma vida de ociosidade. Era preciso construir, como
aponta Frederico de Castro Neves, “uma imagem do ‘trabalhismo’ como
expressão idônea de uma nação pacificada, unificada e corporativa”682. Ou
seja, era necessário que os sertanejos trabalhassem, e não esmolassem. A
discussão em torno do ócio e da mendicância ganha papel central no governo
Vargas em razão do culto ao trabalho. O homem trabalhador, em detrimento
do malandro, configurava diversas vertentes no discurso varguista em torno
do trabalho; o honesto cidadão trabalhava e não necessitava da caridade ou de
esmolas. Esse discurso estava na ordem do dia, bem como observou-se na fala
de Costa Rego. De certo, na década de 1930, “um novo relacionamento entre
retirantes, governantes e habitantes das cidades se tornava o centro de uma
série de atitudes com relação aos miseráveis em momentos de escassez”683.
Quando Costa Rego colocava também que “o retirante tangido pela seca
não é um invalido; é apenas um indivíduo que deixou de trabalhar”, ele se
inseria no discurso apontado por Angela de Castro Gomes, em relação ao
período Vargas: “a terra era rica e o homem era bom, mas nada disso tinha
significado quando abandonado e inexplorado”684. Isso se dava por um ato de
uma verdadeira restauração da nação, como analisa Gomes, reconstruindo a
terra (explorando-a) e o homem (formando-o). É nesse sentido que havia a
necessidade de reverter um discurso que via “o trabalho como apanágio da
pobreza”685. Logo, a questão social passaria a ser o centro dos debates no
período pós-30. A dignidade da população se dava por meio do trabalho.
Gomes ressalta que, nesse contexto, esse novo trabalhador era “dotado de
ânimo, interesse e capacidade. Já se fora o tempo em que o brasileiro sofrera o
estigma de ser um mau trabalhador”686 e era esse homem o responsável pela
grandeza da nação.
Costa Rego complementa seu texto, dizendo:

O sertanejo não se deslocará de seu meio e, sendo uma energia viva, ao serviço da grandeza
econômica de sua região, deixa apenas os trabalhos da lavoura, pelo impedimento natural da
falta de chuvas, para tomar outros, análogos, orientados pelo governo e custeados com
reservas do governo. Toda a questão está em racionalizar tanto quanto possível os serviços. Era
da moda atribuir à cupidez da política o empenho de disseminar esses serviços […] O problema
das secas deve ser abordado em seu duplo aspecto de combate sistemático e de socorros
emergentes. No combate sistemático falem os técnicos; falem, na construção das obras
permanentes que incube realizar, cada uma dentro das necessidades locais. Quanto aos
socorros emergentes, organizem-se os governos de forma a que, chegada a seca, o trabalhador
que largou a enxada em sua roça a retome mais para o litoral, na abertura de estradas, e na
intensificação das obras de caráter permanente já iniciadas pelo poder público. Assentado o
plano de socorros emergenciais, não haverá necessidade de deslocar o sertanejo de seus estados
para meios que se não adapte, onde as condições do trabalho diferem, onde os salários são mais
altos, sendo também a vida mais cara, e onde o próprio clima o afugenta, agravando-lhe a
lembrança do rincão abandonado e, estimulando-lhe, a cada hora, o desejo de voltar687.

Algumas re exões podem ser feitas a partir dessa fala. De acordo com
Frederico de Castro Neves, no governo Vargas foram criados organismos, de
maioria estatal, para organizar o plano de combate às secas. Em períodos
anteriores, a caridade particular era acionada de maneira sistemática quando a
seca ocorria. Isso aconteceu na seca de 1915, quando doações eram recebidas
tanto das próprias elites do Ceará quanto do Sudeste, em especial do Rio de
Janeiro. Havia o “Circo Flor da Praça”, o “Comitê Central Pro-Flagelados”,
associações comerciais, irmandades religiosas, todos com objetivo de
arrecadar dinheiro em razão da seca. O autor ressalta que tal caridade acabava
por naturalizar a pobreza e, desse modo, reafirmava “princípios de
manutenção da ordem política tradicional e, ao mesmo tempo, a
despolitização do empobrecimento por meio da privatização da assistência
social e/ou sua vinculação aos valores cristãos defendidos pela Igreja
Católica”688.
A mudança se deu, sobretudo, na seca de 1932. O verdadeiro problema dos
sertões era a falta de trabalho para os sertanejos. Nos jornais, saía de cena o
agelado para entrar o que se passou a chamar de “sem-trabalho”. Os jornais
acabavam por categorizar o sertanejo ou como operário ou “sem-trabalho”,
correlacionando a seca diretamente à ausência ou à presença de trabalho nas
obras públicas de combate à seca.
Logo, a escrita de Costa Rego estava inserida nos discursos desse período:
“falem, na construção das obras permanentes que incube realizar, cada uma
dentro das necessidades locais”. Outro ponto importante da sua fala também
fazia parte desse contexto: o discurso dos grandes centros urbanos para com os
sertanejos. Como Costa Rego colocou: “Assentado o plano de socorros
emergenciais, não haverá necessidade de deslocar o sertanejo de seus estados
para meios que se não adapte”. Havia, assim, uma necessidade de racionalizar
e higienizar os espaços e, para isso, era preciso “disciplinar o uxo e segregar
as populações”.
Para o sertanejo, nesse sentido, de acordo com Buriti e Aguiar, não havia
lugar nas capitais dos estados, “daí o fato de terem sido incentivados a
manterem-se nos campos – e as frentes de emergência constituem-se como
uma dessas tentativas – ou, se acaso, ‘invadissem’ as cidades, eram expulsos
para as periferias ou instigados a buscarem outras paragens”689.
Também é percebido na fala de Rego outro ponto: o de que o sertanejo não
se adaptava a qualquer meio. Quando no texto ele dizia de “onde o próprio
clima o afugenta, agravando-lhe a lembrança do rincão abandonado e,
estimulando-lhe, a cada hora, o desejo de voltar”, caía mais uma vez no
discurso do determinismo geográfico e climático. O sertanejo não se adaptaria
tão bem ao clima do litoral, fazendo com que sentisse saudade dos sertões e
desejasse regressar. A ideia de que o lugar do sertanejo era no sertão fez-se
comum para uma elite local que não queria a aglomeração de multidões de
agelados nas capitais.
Kenia Rios destaca que, na seca de 1932, havia a tentativa de consolidar um
discurso do civilizado, para que não se permitisse que os agelados se
tornassem bandidos, e, por isso, era preciso manter corpos e mentes ocupados
no trabalho. Daí a importância de trabalharem nas obras públicas evitando o
ócio e a mendicância. O projeto procurava “disciplinar os retirantes, buscando
ser humanitário e civilizador, ou seja, moderno, em sintonia com o
progresso”690. Quando Costa Rego, na parte final do texto, diz: “Eles sabem
que o que há, congestionamento, não é um surto de mendigos, mas um oferta
excepcional de mão de obra, que urge aproveitar e que é transitória, porque o
sertanejo regressará a seu sertão” reafirma a ideia de que os sertanejos eram
trabalhadores e não mendigos. Era ele, também, uma boa oferta de mão de
obra transitória, já que o sertanejo voltaria para os sertões assim que a
calamidade acabasse – isso atesta, mais uma vez, que o lugar do sertanejo
devia ser em sua terra.
A narrativa em torno da ociosidade, da mendicância e da vagabundagem,
datada desde o período pós-abolição, responsabilizava ainda mais os
indivíduos pelas suas condições sociais preexistentes, ou mesmo por não
conseguirem trabalho, tornando-se vadios, vagabundos e mendigos. Com isso,
era necessário expulsar essa população ociosa dos centros urbanos. Logo, o
discurso do século XIX propunha que a vadiagem era causada pela falta de
trabalho que, consequentemente, arrastaria a população à criminalidade.
Segundo Sidney Chalhoub, toda pessoa ociosa era aquela que “se negava a
pagar sua dívida para comunidade por meio do trabalho honesto”691. De certo
que o discurso do trabalho como mola propulsora do progresso, no contexto
de Getúlio Vargas, tornou-se ainda mais evidente. Era preciso que a população
trabalhasse para que o país progredisse.
Posta a re exão sobre o sertanejo trabalhador e o discurso da literatura
sobre os sertões, é necessário compreender outra visão presente na imprensa:
a que trata a seca como um quadro de horror e de caos – isso relacionado ao
discurso do trabalho. O Correio da Manhã se posicionou também dessa forma,
com reportagens sobre como a partir das secas a multidão de sertanejos
invadia as capitais, gerando um quadro de desordem. O Correio passou a exigir
do Estado uma posição para que isso não ocorresse mais. Nesse sentido, é
preciso re etir sobre a qual público e a qual classe social o discurso do jornal
se dirigia.
Analiso essas falas a partir daquilo que Chartier propunha como apropriação
social dos discursos, levando em consideração as condições e os processos que
fundamentam as operações de produção do sentido. Nesse aspecto, busco
entender que os “bens simbólicos assim como as práticas culturais são sempre
objeto de lutas sociais que têm por risco sua classificação, sua hierarquização,
sua consagração”692. Ou seja, devemos compreender as estratégias discursivas
do Correio como produtoras de objetos, normas e modelos.
Outra reportagem datada de 15 de abril de 1932 falava sobre a visita do
então ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida, às
regiões ageladas. O trecho dizia:

[…] Os assaltos a trens e povoados já começaram. As notícias choviam umas atrás das outras
narrando o verdadeiro êxodo das populações que marcham para um lugar onde encontre a sua
farinha de mandioca e o seu copo d’água693.

Na reportagem, um dado deve ser destacado; dado este apontado por Neves
em diversos dos seus estudos: a consciência dos sertanejos e do lugar e o poder
de reivindicação que eles poderiam exercer na capital; a pressão que sabiam
que podiam fazer quando migravam para Fortaleza e passavam a exigir das
autoridades assistência e trabalho. Quando o Correio narrava que os ataques às
fazendas e aos povoados se repetiam com frequência, e que os assaltos aos
trens e povoados continuavam, acabava por mostrar uma visão e um discurso
muito comuns entre as elites locais: o medo da ação dos sertanejos, medo das
multidões e das reivindicações.
De acordo com Neves, os sertanejos aprenderam a manifestar-se e suas
reivindicações passaram a alcançar a praça pública para o protesto. Com isso,
negociavam “através da pressão direta, dos pedidos e exigências, dos saques e,
especialmente, da exposição pública de suas misérias, que a seca aguça e dá
visibilidade”694. Era preciso que o governo resolvesse esse problema,
principalmente pelo medo dessas multidões, mantendo os sertanejos em suas
localidades, como mencionado nas análises anteriores.
Nesse aspecto, Chartier expressa o conceito de noção “oblíqua” que significa
entendermos que a cultura do maior número pode apropriar-se de modelos
impostos por poderes ou grupos dominantes “para inscrever aí sua própria
coerência”695. Para o autor, as mídias modernas tentam impor um
condicionamento homogeneizante às culturas populares; no entanto, “não
anulam jamais o espaço próprio de sua recepção, uso e interpretação”696. Daí o
papel do sertanejo que reivindica seu lugar nas capitais por meio dos saques e
das negociações. A imprensa era um espaço em que essas disputas ficavam
claras. Kenia Rios ressalta que “no momento em que a seca é declarada, a
cidade começa a tecer uma rede de relações com as quais se cria um cenário
de terror. Anúncios alarmantes pedem socorros, e comerciantes
amedrontados exigem medidas do governo”697.
O discurso de que o sertanejo, na realidade, era um bom trabalhador, em
consonância com uma narrativa do medo dos saques, das revoltas e da
ociosidade se faz presente novamente, como apontado. Neves explica que,
assim, os sertanejos eram utilizados como mão de obra barata na construção
das obras públicas. Tal ato era justificado, muitas vezes, porque ao dar
trabalho não se estimulariam as esmolas e o ócio. Quando o Correio tomava
para si esses discursos do sertanejo migrante, o relacionando a um quadro de
horror, ou o mostrando como um homem que desejava, em realidade,
trabalhar e não esmolar, buscava transmitir aos seus leitores a ideia de que a
questão principal a ser tratada era como controlar essa população que invadia
as capitais; era ela o cerne da questão. Kênia Rios diz que, assim, apesar dessa
trágica situação, os sertanejos mereciam “a caridade da burguesia
civilizada”698.
É como analisa Chartier: “o escrito é o instrumento de poderes temíveis e
temidos”699. O poder discursivo da imprensa, portanto, é muito importante
para o entendimento em torno dos sertões cearenses. Segundo Kenia Rios, os
jornais de 1932 pediam “em um só coro: trabalho para os agelados,
construção de açudes, estradas e obras na Capital”700.
Rios aponta que, desde 1877, começava a ocorrer o que ela chama de uma
“geografia da imigração”701. A partir da construção da estrada de ferro
Baturité, os sertanejos passavam a migrar para os locais onde as ferrovias
davam-lhes acesso, em busca da capital. A autora afirma que “os burgueses de
Fortaleza em intenso diálogo com os poderes públicos estaduais e federais
desenvolviam planos e práticas que procuravam controlar os agelados e
assim evitar desordens na cidade”702.
Partindo desses mesmos pressupostos sobre o Ceará, o debate em torno do
desemprego em Santiago del Estero e da campanha assistencial realizada pelo
periódico El Mundo, também acende a re exão em torno desse tipo específico
de discurso. Como dito, havia também uma narrativa em torno do
desemprego, bem como ocorreu no caso brasileiro, mesmo que tenha se dado
de maneira distinta. O medo de revoltas, o receio da entrada de um
contingente populacional nas capitais do Brasil e da Argentina, em busca de
emprego ou mesmo de assistência e de ajuda do governo, faziam com que a
imprensa também se posicionasse contra essa situação, com reportagens que
reforçavam cenas de caos e incivilidade.
Cabe uma digressão nesse sentido. De acordo com Bronislaw Geremek:

O interesse da literatura pela personagem do pobre e pelo mundo da miséria vem de longa data
e tem uma vasta documentação. A origem desse fenômeno é bastante complexa e não permite
uma interpretação unívoca. Em épocas diferentes muda a função principal da imagem do
pobre, altera-se a ordem dos valores em que ele está inscrito, modifica-se a avaliação ética e
estética dessa personagem. O pobre pode suscitar desprezo ou admiração, ser sinônimo de
sublime ou de baixeza, provocar compaixão ou escárnio703.

Gemerek está tratando da literatura, mas se pode re etir se esta análise não
se aplica também à forma como os periódicos retratam essa pobreza, essa
miserabilidade dos semiáridos cearenses e santiagueños. O autor
complementa dizendo que, nessas situações distintas, o pobre poderia ser
tratado como mendigo humilde “que encontra na renúncia a satisfação
moral”704 ou mesmo, “por vezes, o pobre é um miserável, vítima das relações
sociais, a quem a necessidade empurrou para práticas infames”705. Vejamos se
essa noção também não se encaixa no que já foi analisado até aqui sobre os
pobres das secas cearenses e santiagueñas.
Dentro desse panorama complexo, ocorreu a crise de 1929 e também a
necessidade de conter o desemprego e a crise econômica, como já analisado.
Na Argentina, as Juntas reguladoras de carne, algodão, açúcar, entre outros
produtos, foram criadas para regulação dos preços e essa intervenção, segundo
Romero, gerou diminuição nas fontes de trabalho no interior, começando a
produzir um grande uxo migratório, como já salientado nas re exões
anteriores706. De acordo com Alberto Tasso, foi nesse contexto que periódicos
passaram também a questionar o governo nacional e o modelo que os
inspirava707. Nesse sentido, em 14 de dezembro de 1937, El Mundo dizia:

El ingeniero Astigueta se trasladará también a la localidad de Loreto, para estudiar y solucionar


la situación planteada por la desocupación en esa zona y que se exteriorizó en las
manifestaciones públicas realizadas ayer por numerosos necesitados que recorrieron las calles
exigiendo pan y trabajo. A fin de que la ayuda llegue cuanto antes y también para favorecer al
desarrollo del comercio local, el delegado de la Junta adquirirá en Santiago del Estero víveres
para los damnificados por la sequía, mientras se terminan en esta capital las gestiones
necesarias para la adquisición de las grandes cantidades previstas, y para las cuales se está
realizando una licitación privada [...] En cuanto al plan general de trabajos que eliminen la
desocupación que la Junta tiene a estudio, se espera solamente que envíen a la misma los datos
pedido las provincias de Córdoba y Buenos Aires para poder terminar el estudio y elevarlo a
consideración del Poder Ejecutivo708.

No trecho da reportagem sobre o caso do departamento de Loreto em


Santiago del Estero, El Mundo conta que o engenheiro Asitigueta iria ao local
para estudar e solucionar o problema do desemprego que havia acarretado em
uma manifestação da população local que exigia pão e trabalho.
Alberto Tasso ressalta que, nas décadas de 1930 e 1940, roubos a
propriedades e crimes são pautas comuns nos jornais, mas havia também
outro tema antigo e que agora merecia destaque: a questão do controle social,
pois eram muitos os casos de funcionários despóticos que mandavam na
região, em nome de uma elite local709.
O controle social, portanto, deu-se também por meio do trabalho, visto que
muitas empresas procedentes do litoral explorariam as regiões santiagueñas
utilizando a mão de obra local para extração de madeira e de outras atividades
extrativistas. Isso fez com que, em tempos de crise como a seca de 1935-1937,
os setores rurais voltassem a dar amostras de sua preocupação com o controle
social. Era preciso que a população trabalhasse para não vadiar ou migrar para
a capital Buenos Aires.
O despovoamento, como explica Girbal-Blacha, era decorrente da
ignorância da população, e o Estado, em conjunto com uma elite local, devia
solucionar e combater esse mal710. Por isso, não é de se estranhar que El
Mundo, em consonância com a campanha assistencial, trate a questão do
desemprego na região como um mal a ser combatido. Vejamos outras
reportagens nesse mesmo sentido:
En un despacho procedente de Villa San Martin, en el departamento de Loreto, se informa
que los obreros que aún no han tenido ubicación en los trabajos que se realizan con fondos de
la ayuda nacional, recorren a diario las calles de la población pidiendo alimentos y recursos.
Agrega el despacho publicado por el citado diario que algunos muestran una actitud hostil711.
Otra información remitida por el corresponsal de “El Liberal” desde estación Robles, dice que
ese poblado y los de Taco Rolón, Mizi Pozo y Aspa Sinchi, así como otros centros vecinos se
encuentran en la mayor miseria por la falta de trabajo. El mismo despacho aboga porque el
gobernador de la provincia adopte medidas urgentes a fin de dar trabajo a los desocupados, que
pasan toda suerte de penurias712.
Informaciones llegadas de Santo Domingo, en el departamento de Pellegrini, hacen saber que
el vecindario ha elevado una nota al gobernador de la provincia pidiendo que, para conjurar la
dificílima situación creada en la zona, se les remitan víveres y se disponga la ejecución de
alguna obra pública que permita la ocupación de braceros713.

Observemos esses três fragmentos. No primeiro, os trabalhadores do


departamento de Loreto que não conseguiam ocupação passavam a ter uma
atitude hostil, sendo necessário que houvesse uma intervenção do governo. No
segundo trecho, ressaltava-se que a miséria de alguns departamentos de
Santiago del Estero se dava pela falta de trabalho, sendo necessárias medidas
urgentes nesse sentido. No terceiro e último, pedia-se que se construísse
alguma obra pública que permitisse a ocupação dos trabalhadores do campo.
É notória, então, a questão central do trabalho e um discurso no qual a
pobreza estava atrelada à ausência dele. Era preciso ocupar os braços ociosos a
qualquer custo em obras públicas, o que nos remete ao caso da seca cearense
de 1932.
Da mesma forma que no semiárido brasileiro, onde houve, na década de
1930, o problema dos sem-trabalho, como ressaltou Frederico de Castro
Neves, Girbal-Blacha salienta que o perfil nacionalista do contexto argentino
de 1930 devia encarar o controle social, a intensificação das obras públicas e a
racionalização das tarefas714. Por isso, o discurso do El Mundo estava inserido
neste debate em torno dos desocupados, dos sem-trabalho. Era preciso
controlar a população também do campo, ocupando os braços ociosos. O
trabalho dignificava o homem pobre do interior, que em busca de emprego
passava a esmolar pelas cidades. Em outra reportagem, esse olhar ficava mais
evidente:

El día 8, el diputado Ferreyra le dirige un telegrama al diputado Castro para que haga enviar de
una vez los 20.000 desocupados, que invaden la oficina del ingeniero Michaud. Para dar trabajo
a la gente del campo que se abalanza sobre la ciudad. Un mes para socorrer a la gente que se
muere de sed y todavía la plata está trancada en los acueductos del expediente715.

A cena de desordem ocasionada pelo desemprego e a necessidade de dar


trabalho a gente do campo para que não atacassem as cidades, reforçava tal
visão sobre a população do interior, semelhante, em alguns aspectos, aos
discursos do Correio da Manhã sobre a população sertaneja cearense.
Vale destacar que a atuação de Getúlio Vargas para com o Nordeste foi
distinta da de Justo para com NOA. Nesse sentido, a ideia dos sem-trabalho,
muito atacada por Vargas e pelo ministro da Viação e Obras Públicas José
Américo de Almeida – falarei da sua atuação enquanto ministro no capítulo
quarto –, não é a mesma ocorrida no caso argentino.
Existiu, de fato, como salientaram os autores os quais citei aqui, na
Argentina, a necessidade de atacar o problema do desemprego rural. A crise
de 1929 traz para o país esse olhar para o campo e suas condições de trabalho.
É também por meio dele que se podia controlar a população, tal como no
Brasil. No entanto, ao pensar em trabalho e nos sem-trabalho, de imediato se
pode pensar na implementação das leis trabalhistas, que, no caso brasileiro,
será a principal marca do governo de Getúlio. Porém, não é disso que trato
aqui, menos ainda quando se fala do meio rural, mas, sim, como no discurso a
ideia de dar trabalho à população rural – nesse caso dos semiáridos cearenses e
santiagueños – veio antes da implementação dessas leis no campo.
O trabalho aqui ganha contornos pedagógicos, não se refere a nenhuma lei
ou estabelecimento de direitos. Pelo contrário, ele serve como controle ou
mesmo como paliativo em um momento de crise como uma seca ou um
colapso econômico. Logo, não proponho uma análise comparativa nesse
sentido. O que interessa é tornar evidente que, apesar de a Argentina não
atacar o problema da seca como fez o Brasil, que tinha uma instituição criada
para isso (a IFOCS), alguns modos de agir e ver essas áreas eram semelhantes.
Nesse sentido, o tema dos sem-trabalho é comum para os dois países e torna-
se um discurso importante nesse contexto.
Bronislaw Geremek também pode nos ajudar nesse ponto. De acordo com o
autor, “numa atmosfera de grande expectativa, em que o clima tenso parecia
anunciar uma catástrofe para o sistema social vigente, as classes baixas
surgiam como algo ainda mais ameaçador”716. Pensamos se o caso analisado
por ele também não pode elucidar o medo que se tinha de que os cearenses e
santiagueños tomassem as rédeas dessa situação e se rebelassem. Ora, de
acordo com Geremek, devemos perceber a permanência de traços sobre esse
pobre na literatura europeia.
Aqui, transporto essas visões para os casos do Brasil e da Argentina. Ou seja,
também é possível pensar como o pobre foi retratado nesses países dentro do
campo que ele chama de código de normas e éticas. Isso significa que a
“inviolabilidade da propriedade, a proteção das instituições e da ordem
pública, a defesa de um determinado sistema de relações […]”717 fizeram com
que houvesse atitudes de “desconfiança e suspeita”718 sobre esse indivíduo
pobre. Daí reitero que as diversas falas do Correio da Manhã e de El Mundo se
assemelham com esse tipo de visão sobre populações pobres como as
semiáridas, pensadas por Geremek nas Idades Média e Moderna europeias. O
autor ainda ressalta que “no plano societário o pobre era tratado como alguém
que subvertia a ordem social e era socialmente perigoso”719.
Quando os periódicos falavam das secas e pediam soluções para elas, muitas
delas atreladas ao controle desse pobre, ao medo do desemprego, das
migrações, das revoltas, eles o viam como essa classe socialmente perigosa.
Uma noção que faz parte da história das populações pobres no Ocidente e
pode ser válida para pensar uma história mais local, como as do Ceará e
Santiago del Estero.
Nesse sentido, voltando para os periódicos, outro fator que desejo apontar
nos discursos sobre a seca, mas que tem maior ênfase no caso santiagueño, é o
lugar da caridade cristã católica nos escritos do Correio da Manhã e do periódico
El Mundo. De maneira recorrente, essa ideia se deu ao longo da história desses
países, principalmente nos períodos de calamidade nessas áreas periféricas.
Por vezes, o próprio Estado tutelou essa caridade, legitimou essa visão sobre a
pobreza, a miséria e a seca. Pediu ajuda e caridade para que as populações não
esmolassem, não mendigassem.
Em 5 de outubro de 1930, uma reportagem do Correio da Manhã dizia:

O grito de socorro que troa aos nossos ouvidos vem de mais alto. Responde das alturas para
que já apelaram, como derradeiro recurso, os desgraçados que sofrem os horrores da fome.
Para D. Manoel da Silva Gomes, arcebispo de Fortaleza, o pedido de misericórdia, em nome de
Deus, para os infelizes brasileiros do nordeste. Desde que começaram os primeiros sinais da
seca, que não enganam os sertanejos, o povo heroico e sofredor pediu a assistência, a quem
tem direito, por parte dos poderes constituídos. Pediu trabalho. Trabalho e não esmolas.
Trabalho que redime, prove e nobilita. E o trabalho não lhe foi dado. O apelo dos humildes
não teve eco. Nem sequer uma palavra de esperança lhe mandaram...720

Assim, a imprensa e os cristãos tomavam para si, muitas vezes unidos, uma
postura em relação à seca. Sérgio Miceli aponta que,, nos anos 1930 há um
“‘rearmamento’ institucional da Igreja Católica”721 que unida ao Estado e aos
principais órgãos de imprensa estavam “interessados em impor suas diretrizes
à produção cultural”722. Por isso, a questão da moralidade nos sertões, na vida
e nos hábitos dos sertanejos teve também ampla colaboração da Igreja
Católica.
Como analisa Helena Mueller, “a religião – melhor dizendo a Igreja, seu
braço institucional – tem importância significativa nessa disciplinarização das
tensões sociais”723. Logo, não era por meio da esmola, mas pela moral do
trabalho que o sertanejo sairia do estado de penúria. O sertanejo pedia
trabalho, porque é ele que “prove, redime e nobilita”. E só os céus, como se
percebe no Correio, somente a misericórdia divina e a ajuda de um pedido que
“responde das alturas” – como o do arcebispo D. Manoel da Silva Gomes –
poderia fazer com que os sertanejos fossem ouvidos.
Kenia Rios afirma que a caridade cristã católica procurava manter a ordem
social de uma cidade que se pretendia civilizada. Segundo a autora, “tudo
indica que o grupo dos católicos mais conservadores era um significativo
referencial de civilização que os ricos de Fortaleza buscavam naquele
momento: o controle dos retirantes, realizado por meio de práticas
humanitárias e religiosas”724.
Um exemplo importante é que na seca de 1915 Pompeu Sobrinho relatava,
por exemplo, que o êxodo e as aglomerações atraíam curiosos: “[…]
promiscuidade e imundície aos olhos de milhares de espectadores e também
de exploradores da miséria”725. A chegada do primeiro trem de famintos
enchia a cidade de pedintes “nus, maltrapilhos, com os ventres
entumecidos”726, atraindo o que ele chama de “compaixão dos que lhes não
sentiam imediatamente os males. Esmolas e abastecimentos de gêneros
alimentícios eram os recursos mais prontos, naturais e conhecidos dos
governos e autoridades eclesiásticas”727. Contudo, a ineficiência desse “método
rudimentar”, numa distribuição que Sobrinho chama de “viciosa de esmolas”,
com construções empreendidas por leigos para ajuda da população sertaneja,
não oferecia condições para tal empreitada. A caridade cristã era acionada em
maior número nas secas anteriores a 1932.
Miceli mostra que, no contexto do início dos anos 1920, a Igreja Católica
projeta ampliar sua zona de in uência política “através da criação de
organizações paralelas à hierarquia eclesiástica e geridas por intelectuais
leigos […] Ao mesmo tempo que procuravam reformar as obras tradicionais
de caridade e as associações leigas”728. A caridade associava-se aos interesses
da própria Igreja Católica em manter relações com uma elite citadina de
Fortaleza, ao passo que era uma forma de controle dessas massas sertanejas.
Essa questão deve ser apontada, considerando-se que não deseja-se aprofundar
a temática, porque faz parte da teia de relações sociais que permeiam os
sertões. A Igreja Católica sempre se fez presente nesse sentido, arrecadando
fundos, recebendo alimentos, conduzindo a moralidade cristã729 na vida da
população sertaneja. Esse paralelo nos remete ao caso da Argentina, onde
houve uma campanha assistencial realizada pelo jornal El Mundo e por
associações filantrópicas para arrecadação de donativos para os atingidos pela
seca santiagueña. Desse modo, apesar de não ter havido pelo Correio iniciativa
semelhante, a atuação da Igreja Católica era muito presente, entre outros
meios, nos sertões cearenses e no próprio contexto da década de 1930 no
Brasil.
No entanto, com a campanha assistencial vinda de Buenos Aires e noticiada
e promovida pelo periódico El Mundo, esse lugar da capital argentina em
relação ao resto do país estava sendo posto em prática, por meio de uma ação
filantrópica. Esse ponto é diferencial do caso brasileiro, pelo menos no que
tange à comparação com o Correio da Manhã. El Mundo fez uma ampla
campanha assistencial para a população atingida pela seca santiagueña.
Diversas notas apontavam os beneficiadores e pediam ajuda de Buenos Aires
para a seca de Santiago del Estero. O Correio da Manhã não agiu dessa forma,
mas nos cabe apresentar um panorama acerca do porquê dessa ação do jornal
El Mundo. Afinal, isso re ete uma visão sobre a Argentina naquele contexto
histórico e é parte importante sobre a seca santiagueña. Não cabe um
aprofundamento em relação ao tema da ação filantrópica na Argentina, mas
iremos mostrá-lo aqui como uma questão importante na relação entre uma
visão do centro de poder e as províncias mais pobres, muito relacionada a um
viés assistencial.
Nesse sentido, Alberto Tasso afirma que no periódico saíram notas que
davam conta das numerosas pessoas, instituições, empresários da indústria e
doadores anônimos que contribuíram para Santiago del Estero em meio à
campanha assistencial divulgada e promovida pelo jornal. O círculo de Damas
Santiagueñas, a Cruz Vermelha e a Junta Nacional para Combatir la Desocupación
foram as três maiores frentes de ajuda a Santiago del Estero em conjunto com
El Mundo.
De acordo com Cecilia Tossounian, apesar de nos anos 1930 a ação das
associações filantrópicas ter diminuído elas não cessaram e continuaram
atuando na Argentina em diversas frentes. A autora coloca que, entre os anos
1920 e 1940, subsidiadas pelo Estado, associações lideradas por damas da elite
promoveram importantes serviços de assistência social e tiveram uma forte
atuação nas políticas sociais730. Nesse aspecto, pode-se pensar também como o
Círculo de Damas Santiagueñas esteve à frente da recepção dos donativos para
Santiago del Estero junto com a Cruz Vermelha; era a união da ação do
particular com o público. Em 11 de dezembro, a reportagem intitulada
“Necesita de amplia ayuda Santiago del Estero pues no bastan las lluvias para
salvarlo. Intensi canse las gestiones en favor de los pobladores”, dizia:

[...] Por ello, las numerosas gestiones que vienen realizándose para dar ayuda a los habitantes
de Santiago del Estero deben contemplar no sólo la inmediata necesidad de alimentos y
recursos, sino que han de orientarse en el sentido de asegurar durante un largo tiempo la
subsistencia de los habitantes de aquella provincia. Los dirigentes de las distintas colectas y
gestiones en favor de los santiagueños, con quienes hemos conversado, nos han asegurado que
hacia ese fin se orientará la labor definitiva, aun cuando todos sus esfuerzos del momento
están encaminados a remitir artículos alimenticios y remedios a la mayor brevedad posible731.

Logo, o jornal fazia uma campanha para “salvar” a população atingida pela
seca. Os dirigentes em favor dos santiagueños asseguravam que todos os
esforços estavam sendo encaminhados para o envio de alimentos e remédios o
mais rápido possível para a província. A ação privada, então, tinha uma
função de cooperação732, o que nos faz entender a campanha do jornal em
conjunto com as instituições privadas, como é o caso do Círculo de Damas
Santiagueñas. El Mundo colocava em duas notas:
Por su parte el Circulo de Damas Santiagueñas de la Confederación de Beneficencia de la
República Argentina que tiene iniciada una colecta a favor de las víctimas de la sequía en esa
provincia ha continuado recibiendo adhesiones a la misma esperando poder realizar en plazo
breve el envío de socorros. Mientras tanto en su sede de la calle Ayacucho 1122, se siguen
recibiendo donaciones con ese destino733.
Conversamos ayer con la señora María Salomé Molina de Cordero presidenta del Círculo de
Damas Santiagueñas de la Confederación Nacional de Beneficencia, quien nos ha manifestado
que se halla en plena actividad la colecta que esa entidad realiza. “Ya hemos enviado – agregó la
señora de Cordero – mil pesos al señor obispo de Santiago del Estero, para que él que tiene
contacto directo con los afectados por la sequía, proceda a distribuirlos entre los más
necesitados734.

É nesse contexto, que, não por acaso, as damas santiagueñas se tornaram um


centro aglutinador dos víveres enviados a Santiago del Estero. Isso porque, na
Argentina, de acordo com Tossounian, associações filantrópicas privadas
dirigidas por mulheres da elite trabalhavam em conjunto com diversas
agências governamentais735.
Cabe salientar, novamente, que, nesse contexto do pós-crise de 1929, diante
do problema da questão social – com uma onda de meninos abandonados,
desemprego e a mendicância que atingiam a capital de Buenos Aires –,
políticos, intelectuais e a imprensa pensaram no papel do Estado no
desenvolvimento de programas de saúde e de assistência social expressando o
desejo de formar uma população sã e vigorosa, núcleo da pátria736. Mesmo
nessa conjuntura, o Estado ainda assegurava a essas damas737 um papel moral
importante na sociedade. No entanto, a assistência social seria uma obrigação
do Estado moderno que deveria racionalizar e direcionar essas ações. Em
reportagem do El Mundo, essa questão fica clara:

Durante el día de ayer las gestiones que se realizan en favor de los pobladores de Santiago del
Estero han tenido un ritmo más acelerado que en los días anteriores. Tanto la Junta Nacional
contra la Desocupación, como la Junta de Socorro al Poblador de Santiago del Estero, el
Círculo de Damas Santiagueñas de la Confederación Nacional de Beneficencia, así como las
demás entidades que tratan de contribuir a solucionar la situación de los pobladores
santiagueños prosiguieron sus gestiones habiéndose adelantado considerablemente en la
organización de los socorros. Comenzaron también ayer a concretarse los aportes de casas
comerciales, empleados de reparticiones y particulares, quienes han hecho llegar a los tres
organismos mencionados víveres y dinero o llevado a su conocimiento que realizan colectas
parciales738.

De acordo com as análises de Tossounian739, as mulheres que organizavam as


associações femininas pertenciam à elite portenha e estavam fortemente
identificadas com a religiosidade cristã, sendo esposas, filhas ou irmãs de
importantes figuras políticas da cidade740. Nesse sentido, essas associações
acabavam sendo provedoras de serviços sociais para o governo, bem como o
fizeram as Damas Santiagueñas na coleta de alimentos, remédios e roupas para
os santiagueños.
Eduardo Ciafardo analisa que a engrenagem mais importante para o bom
funcionamento da estratégia montada em torno da caridade, foram as
chamadas “damas de beneficência”. O autor aponta que de 1880 em diante o
recrutamento de mulheres para a causa da beneficência se expandiu, levando-
se em consideração que no século XIX diversos códigos sociais estabeleciam
como as mulheres deviam comportar-se diante da vida, sendo a única forma
de participação pública a vinculada ao exercício da beneficência. Portanto, as
Damas de Beneficência – como o caso das Damas Santiagueñas – passavam a ser
vistas nas revistas semanais com dezenas de notas, contendo também um
grande acervo fotográfico de suas ações, como ressalta Ciafardo741. Isso pode
ser notado nas reportagens referentes à ajuda a Santiago del Estero em que –
em sua maioria – aparecem fotos das damas em reuniões ou ao lado dos
donativos para os santiagueños.
É importante salientar, nesse aspecto, que a beneficência que se desenvolveu
em Buenos Aires tinha como principal função, como analisa Ciafardo,
executar tarefas de moralização e de disciplinamento social entre os setores
populares. Tal fator se vinculava à necessidade dos setores dominantes de
obter mecanismos de controle para uma população utuante e cada vez mais
numerosa742. É o que o autor chama de “organizaciones de disciplinamiento”743
com objetivos religiosos (moralização católica cristã), econômicos (incentivo
ao trabalho) e políticos (luta contra a agitação anarquista ou socialista). Nesse
aspecto, ao se pensar na ação das Damas Santiagueñas na seca, pode-se inferir
que elas estavam – por meio da caridade – colaborando com a engrenagem de
controle social dos santiagueños, se levarmos em consideração que essa
caridade acalmava os ânimos e possibilitava também conter revoltas,
manifestações ou até mesmo as migrações para as cidades.
Vale mencionar ainda que El Mundo passou a listar os nomes dos benfeitores
que enviavam donativos ou dinheiro para os atingidos pela seca, como os
organismos particulares: La Asociación Italiana de Mutualidad e Instrucción, a
firma The River Plate Dairy Cº Ltda S.A, a Asociación de Farmacias, a Comisión
administrativa de la Unión General de Obreros del Tabaco, El Centro de Industrias
Panaderas de Buenos Aires. Isso mostrava que ações efetivadas por Buenos Aires
para as populações do interior estavam mais estabelecidas na caridade, no
dever “cívico” e “moral” em busca da ordem e da paz nacional, do que no
cumprimento de políticas estatais efetivas no combate à pobreza. Reduzia-se,
assim, a desigualdade existente entre a capital e o interior.
Como explica Tossounian, essas associações acabavam se tornando a face
maternal do Estado, promovendo uma mensagem moral por meio de sua ação
social744. Nesse aspecto, o discurso maternal que marcava a ação da caridade
passava não apenas pelo âmbito das instituições privadas, mas pelo Estado, já
que trabalhavam juntos para minorar a situação de calamidade em que vivia a
população santiagueña, justificada pela seca. Era a estiagem que levava a esse
estado de coisas e a caridade amenizaria tal crise.
Como já apontado, essas narrativas colocavam, principalmente, na natureza
o problema do desequilíbrio social existente na província; no entanto,
sabemos que isso se dava independentemente da questão geográfica existente
ou mesmo de uma crise climática. É como analisa Andrés Thompson, nas
sociedades latino-americanas – ao menos nos casos concretos da Argentina e
do Brasil –, a tradição política liberal e as relações de horizontalidade que esta
supõe tiveram de conviver com uma história marcada por sistemas
clientelistas, lealdades verticais, patrocínios e caudilhismos. Além disso, não é
possível deixar de lado o forte peso da Igreja Católica, que não se encontrava
divorciada completamente do Estado745.
Desse modo, ao sistematizar essas análises, alguns pontos podem ser
considerados importantes em torno do discurso da imprensa. Em primeiro
lugar, o jornal El Mundo, ao passo que denunciava a seca de 1937, acabava
também mostrando um Noroeste permeado por visões fatalistas, tanto quanto
a imprensa brasileira ao narrar os semiáridos cearenses. Andermann afirma
também que devemos olhar para a escrita de Arlt como o cronista da capital
que orientava seus leitores a decifrarem passo a passo os enigmas da terra
assolada. Era o olhar do estranhamento desse homem da capital em relação à
realidade do interior que passava a ser vista como o exótico, como vimos
também no caso dos artigos do Correio da Manhã, considerando-se ser um
jornal do Sudeste e da capital do país pensando e re etindo os sertões. Em
segundo lugar, destaca-se o determinismo geográfico como fator-chave do
discurso em torno dessas áreas. O problema da água, do clima seco, da
natureza como justificativa para a pobreza dessas regiões re etia a mesma
questão que no período de Getúlio Vargas no Brasil era pensada para os
semiáridos: “a natureza era aquela de um território imenso e povoado de
riquezas naturais. Porém, era também a natureza desconhecida e
inaproveitada”746. Em terceiro lugar, o medo das multidões, dos saques, o
receio de receber essas populações atingidas pela seca foi notório nesses dois
países e cada periódico – ao seu modo – trouxe essa problemática à tona. Isso
re etiu como Buenos Aires e o Rio de Janeiro e as principais cidades de
Santiago del Estero e do Ceará fizeram o possível para manter essas
populações em seus lugares, para que a migração não ocorresse e para que
essas regiões, de forma direta ou indireta, passassem a resolver suas questões.
Pediam também que se ocorresse a migração que o governo a organizasse.
Com isso, Buenos Aires fomentou a campanha assistencial em conjunto com a
atuação da Junta Nacional para Combatir la Desocupación ( JUNALD), mantendo
os santiagueños em suas áreas. Já o Rio de Janeiro pedia para que a Inspetoria
Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) fizesse sua parte mantendo os
sertanejos nos trabalhos das obras púbicas, evitando a migração em massa
(pensamento este também contido na elite local cearense).
Portanto, os jornais de ambos os países acabaram afirmando esses discursos
sobre os semiáridos em períodos de seca, ou seja, a estiagem passava a ser
vista, mais uma vez, como um momento de reafirmação de visões sobre
territórios, sobretudo baseados no medo dos horrores de uma população que,
em meio à fome e à sede, podia agir de maneira incivilizada ou mesmo como
era difícil a relação do litoral com o interior, pensando naquelas velhas
dicotomias que norteavam a ideia que se tinha sobre essas regiões: a
civilização versus a barbárie, a modernidade versus o atraso, o progresso versus
a tradição. Reforçava-se, assim, a natureza como problema, e não a seca como
uma questão social que perpassava a vida dessas populações,
independentemente de um forte período de estiagem.
A seca como fator social já era encarada como tal pelos governos e pela
intelectualidade da época; no entanto, nem sempre isso ficava evidente ou era
exposto de maneira clara. Por isso, a natureza, em diversos momentos, era
revisitada como justificativa para os desequilíbrios sociais ou regionais que
acometiam esses semiáridos ao longo das suas histórias.
Pode-se re etir, assim, como a imprensa, segundo as re exões de Chartier, é
também um fator importante da relação entre os homens e os modos de
exercício de poder. Compreende-se, por fim, que existe, como analisa o autor,
uma história da construção da significação que reside na tensão dos indivíduos
ou comunidades com as normas que limitam, segundo suas posições na
relação de dominação747. Dentro disso, busquei compreender como El Mundo e
o Correio da Manhã foram construtores de sentido no que se refere à imagem
construída em torno dos semiáridos santiagueños e cearenses. Ou seja, re eti
suas falas como uma história das práticas, que são “invenções de sentido
delimitadas por determinações múltiplas que definem para cada comunidade
os comportamentos legítimos e as normas a incorporar”748.
Logo, esses jornais legitimaram visões sobre essas regiões, muitas das quais
viam os semiáridos como detentores de costumes considerados atrasados e
incivilizados. Esses tipos de narrativas corroboraram com uma representação
e com uma coerência simbólica dentro do contexto histórico de um Brasil e
uma Argentina que buscavam a afirmação de uma identidade nacional coesa.
Bakhtin aponta, nesse aspecto, a importância de se entender os discursos
considerando que:

Todo enunciado – desde a breve réplica […] até o romance ou o tratado científico – comporta
um começo absoluto e um fim absoluto […] O locutor termina seu enunciado para passar a
palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro. O enunciado não
é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância
dos sujeitos falantes […]749.

Entende-se, com isso, que, quando um periódico se propõe a um tipo de


enunciado, ele deseja obter do seu público leitor uma resposta, mostrar uma
ideia, relatar uma visão de mundo. Isso se insere em um contexto específico de
fala que dá sentido ao tipo de enunciado que se quer ter. Por isso, ao falar dos
discursos que analisei aqui, no contexto específico da seca, El Mundo e o Correio
da Manhã propõem um tipo de significado concreto aos diversos temas aqui
propostos, que faz sentido somente nesse todo do enunciado por eles
proferidos.
Assim, é partindo desses pressupostos que irei re etir, no próximo capítulo,
como a imprensa regional olhou para o fenômeno da seca nos dois países e
que tipo de discurso tinham sobre si e sobre sua população.
472. LUCA, Tânia Regina de. Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY,
Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, pp. 111-153; p. 130.
473. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa como fonte e objeto de estudo para o historiador. In:
VILLAÇA, Mariana; PRADO, Maria Ligia Coelho (org.). História das Américas: fontes e abordagens
historiográ cas. São Paulo: Humanitas, 2015, v. 1, pp. 114-136; p. 115
474. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 2002, p. 17
475. Ibidem, p. 17
476. LUCA, Tânia Regina de. Op.cit, p. 138
477. Ibidem, p. 140
478. CAPELATO, Maria Helena Rolim. Op.cit, p.118
479. Ibidem, p. 119
480. Ibidem, p, 121
481. Ibidem, p. 122
482. CADERNOS DE COMUNICAÇÃO, Série Memória. Correio da Manhã compromisso com a verdade. Rio
de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio. Secretaria Especial de Comunicação Social, 2001, p. 22
483. Ibidem, p. 31
484. CAMPOS, Raquel Discini de. A educação do corpo feminino no Correio da Manhã (1901-1974):
magreza, bom gosto e envelhecimento. Cadernos Pagu (45), julho-dezembro de 2015, pp.457-478. p.460.
485. FREITAS, Ana Paula Saraiva. A presença feminina no cangaço: práticas e representações (1930-1940).
Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Faculdade de Ciências e
Letras de Assis, 2005, p.72.
486. Ibidem, p. 73 e p. 74
487. CAMPOS, Raquel Discini de. Floriano de Lemos no Correio da Manhã, 1906-1965. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, nov. 2013, pp.1333-1352, p. 1334.
488. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4. ed (atualizada). Rio de Janeiro: Mauad,
1999, pp.287-288.
489. CAMPOS, Raquel Discini de. Floriano de Lemos no Correio da Manhã, 1906-1965...Op.cit, p. 1335
490. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p.81
491. CHARTIER, Roger. O mundo como representação� Op.cit, p. 178
492. Ibidem, p. 188.
493. De acordo com Noemí María Girbal–Blacha: “Los efectos de la crisis de 1930 se dejan sentir
particularmente en el empleo y el Estado nacional es consciente de la situación. Se moviliza entonces – desde 1932 –
para llevar adelante un censo de desocupados que le permita aproximarse a un diagnóstico – aunque sea parcial –
de la cuestión y crear la Junta Nacional para Combatir la Desocupación; un organismo que desde 1935 emprende la
tarea de redistribuir a los desempleados y clasi carlos, entendiendo – como parte de sus funciones atentas a ejercer
el control social – que en Argentina no hay realmente desocupación sino mala distribución de los trabajadores,
especialmente en el campo, y hacia allí dirige su acción, con resultados ambiguos y diversos.” GIRBAL-BLACHA,
Noemí María. Entre la información y el control social. El algodón en los medios gráficos especializados.
Argentina, 1920-1940. Secuencia, n. 85, enero-abril 2013, pp. 14-44; p. 15
494. CHARTIER, Roger. Formas e sentido... Op.cit, p. 153
495. ROMERO, Luis Alberto. Sociedad democrática y política democrática en la Argentina del siglo XX. Buenos
Aires: Editorial Universidad Nacional de Quilmes, 2004, pp. 87-121.
496. Ibidem, p.183 e p.184
497. SEL, Susana. Modernidad e industria cultural en Buenos Aires. La prensa entre los años ‘30 y los
‘40. Revista Studium 30, Unicamp, São Paulo, 2010, pp. 83-92; p.87
498. AMARAL, Amanda Leticia Oliveira Nascimento do. O olhar do cronista- âneur Roberto Arlt sobre a
cidade de Buenos Aires nas Aguafuertes Porteñas. Tese de Doutorado em Literaturas Hispânicas. Pós-
Graduação Faculdade de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2011 p.42-43.
499. CATTARUZZA, Alejandro. Historia de la Argentina (1916-1955). Buenos Aires: Siglo Veintinuo
Editores, 2009, p. 83-84.
500. SARLO, Beatriz. Modernidad periferica: Buenos Aires 1920-1930. Buenos Aires: Nueva Visón, 2003,
p.20.
501. SAÍTTA, Sylvia. El periodismo popular en los años veinte. In: FALCÓN, Ricardo (org.). Democracia,
con icto social y renovación de ideas (1916-1930). Tomo VI de la Nueva Historia Argentina. Sudamerica:
Buenos Aires, 2000. pp. 435-471; p. 438
502. Ibidem, p. 446 e p. 447
503. MICELI, Sérgio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil ... Op.cit, p. 31
504. CATTARUZZA, Alejandro. Op.cit, p.84
505. Ver: SARLO, Beatriz. Op.cit, p.28-32
506. CATTARUZZA, Alejandro. Op.cit, p. 88
507. MONTEIRO, Vitor José da Rocha. Do “exército de sombras” ao “soldado-cidadão”: saúde, recrutamento
militar e identidade nacional na revista Nação Armada (1939-1947). Dissertação (Mestrado em História das
Ciências e da Saúde) Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2010, p. 12
508. MONTEIRO, Vitor José da Rocha. Op.cit, p. 12
509. Ibidem, p. 53
510. Ibidem, p.44
511. Ibidem, p. 55
512. Uma primeira re exão, mais sumária, sobre esse texto do Correio da Manhã, encontra-se em:
MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit.
513. CARVALHO, A onso de. Typos Regionaes, Cearense. Correio da Manhã, Año XXIX, n. 1084, Rio de
Janeiro, 04 de maio de 1930, p.2
514. Segundo o verbete “Integralismo” do DHBB, “A Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de
inspiração fascista mais importante organizado no Brasil, fundado por Plínio Salgado em 1932, tornou-se
o primeiro partido nacional com uma organização de massa implantada em todo o país, cuja força
política foi estimada, em 1936, entre seiscentos mil e um milhão de adeptos. Embora a primeira
manifestação de fascismo nativo tivesse ocorrido em 1922, com a fundação da Legião Cruzeiro do Sul
(imitando provavelmente o fascio italiano de 1919 e o Partido Nacional Fascista de Mussolini,
estruturado em 1921), a expansão dos movimentos de tipo fascista no Brasil eclodiu sobretudo na década
de 1930, com a formação de pequenos partidos e movimentos regionais tais como a Ação Social
Brasileira (Partido Nacional Fascista), a Legião Cearense do Trabalho e o Partido Nacional Sindicalista. A
Ação Integralista nasceu numa fase de ascensão das ideias autoritárias de direita, a partir do marco
político estabelecido pela Revolução de 1930, radicalizando em direção do discurso ideológico-fascista as
tendências antiliberais difundidas entre amplos setores políticos e intelectuais no contexto pós-
revolucionário. A compreensão das condições em que surgiu e implantou-se nacionalmente o
integralismo a partir de 1932, ampliando de tal modo suas bases políticas que se tornou uma ameaça
eleitoral à sucessão do presidente Getúlio Vargas e o único movimento organizado após a instauração do
Estado Novo em 1937 (o que provocaria sua dissolução um mês depois do golpe de novembro e em
resposta o fracassado putsch integralista de março de 1938), supõe uma incursão histórica no período
entre as duas guerras mundiais que permita inserir o referido movimento na transição da sociedade
brasileira da década de 1920 à década de 1940”. TRINDADE, Hélgio. Integralismo. In: ABREU, Alzira
Alves de [et.al.] (Coord). Dicionário Histórico-Biográ co Brasileiro (DHBB). Rio de Janeiro: Editora FGV:
FGV CPDOC, 2001.
515. NETA, Amélia Saback Alves. Os verdes às portas do sertão: doutrina e ação política dos integralistas na
Bahia (1932-1945). Salvador: Sagga, 2018, p. 26
516. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo... Op.cit, p. 136.
517. CHARTIER, Roger. Formas e sentido... Op.cit, p. 89
518. GOMES, Angela de Castro. A “Cultura Histórica” do Estado Novo. Mesa Redonda apresentada no
XIX Simpósio Nacional da ANPUH, História e Cidadania, Minas Gerais - julho de 1997. In: Proj. História,
São Paulo (16), fev. 1998, pp.121-141, p.124.
519. Ibidem, p. 125.
520. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo...Op.cit, p. 194
521. LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 118
522. “D’ “Os Sertões” de Euclides da Cunha”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXX, n.1078,1930,
p. 9
523. Uma primeira re exão, mais sumária e introdutória, sobre esse texto e sobre o Correio da Manhã
encontra-se em: MELO, Leda Agnes Simões. Op,cit.
524. STARLING, Maria Heloisa Murgel. Op.cit,
525. OLIVEIRA, Ricardo. Euclides da Cunha, Os Sertões e a invenção de um Brasil profundo. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 22, n 44, 2002, pp. 511-537, p.511.
526. Ibidem, p. 512
527. Ibidem, p. 512
528. VENTURA, Roberto. Canudos como cidade iletrada: Euclides da Cunha na urbs monstruosa.
Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 1997, v.40 n1, pp. 165- 182, p.170.
529. Ibidem, p. 170
530. VENTURA, Roberto. Canudos como cidade iletrada: Euclides da Cunha na urbs monstruosa...
Op.cit, p. 520.
531. CUNHA, Euclides da. Op.cit, p. 86
532. LINHARES, Maria Yedda Linhares; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Op.cit, p.111
533. Ibidem, p. 112
534. Ibidem, p. 113
535. Ventura explica que Euclides da Cunha ao retratar a saga da Guerra de Canudos, em Os Sertões e, por
conseguinte, a história de Antônio Conselheiro projetou “muitas de suas obsessões pessoais, como o
temor da irracionalidade, da sexualidade, do caos e da anarquia, para construir um personagem trágico,
guiado por forças obscuras e ancestrais e por maldições hereditárias, que o levaram à insanidade e ao
con ito com a ordem. Viu Canudos como desvio histórico capaz de ameaçar a linha reta que ele,
Euclides, se impusera desde a juventude. Recorria, nas cartas aos amigos e familiares, à imagem da linha
reta para expressar sua fidelidade aos princípios éticos aprendidos com o pai, ancorados na crença no
progresso da humanidade e no caráter redentor da República”. VENTURA, Roberto. Canudos como
cidade iletrada… Op.cit, p. 166
536. Idem. Euclides da Cunha e a República... Op.cit, p. 277
537. OLIVEIRA, Ricardo. Op.cit, p. 522
538. Ibidem, p. 522
539. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 67
540. VELLOSO, Mônica Pimenta. A literatura como espelho da nação...Op.cit, p. 242
541. Ibidem, p. 242
542. Ibidem, p. 242
543. MYERS, Jorge. Op.cit, p. 33
544. VELLOSO, Mônica Pimenta. A literatura como espelho da nação...Op.cit, p. 244
545. Ibidem, p. 255
546. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 67
547. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a República� Op.cit, p. 284
548. Idem. Euclides da Cunha no vale da morte. Op.cit, 29
549. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 67
550. Terra de Sol. Gustavo Barroso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXX, n.10.978, 1930, p.9.
551. MOREIRA, Afonsina Maria Augusto. No Norte da saudade: Esquecimento e Memória em Gustavo Barro.
(Tese de Doutorado) – São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos
Pós-Graduados em História, 2006, p. 11
552. Ibidem, p. 12 e p. 13
553. Ibidem, p. 17
554. Ibidem, p. 17
555. MAGALHÃES, Aline Montenegro. Tecendo memórias. Gustavo Barroso e as escritas de si. Anais da
III Jornada de Estudos Históricos do PPGHIS. Tecendo memórias: Programa de Pós-Graduação em
História Social da UFRJ, 2007 p.1-16, p.5.
556. Ibidem, p. 13
557. BARROSO, Gustavo ( João do Norte). Terra de Sol (Natureza e costumes do Norte). Rio de Janeiro:
Livraria São José, 1956, p. 103
558. Ibidem, p. 162
559. Ibidem, p, 167
560. MOREIRA, Afonsina Maria Augusto. Op.cit, p. 18
561. MOREIRA, Afonsina Maria Augusto. Op.cit, p. 48
562. Ibidem, p. 48
563. Trecho do romance O Quinze de Rachel de Queiroz. Correio da Manhã (Suplemento). Rio de
Janeiro, Ano XXX, n. 10979, 5 de outubro de 1930, p.25.
564. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste ... Op.cit, p. 161.
565. Ibidem, p. 161
566. QUEIROZ, Rachel. O Quinze. Rio de Janeiro: Ed José Olympio, 2013, p. 63.
567. Vale destacar que os campos de concentração do Ceará perpassaram a história da seca de 1932 e são
um marco importante na intervenção dos sertões neste contexto. Eles também mostram como as
políticas públicas para essas áreas estiveram inseridas nas diversas correntes que viam essas regiões pela
via do “atraso”, do “arcaico”, do “medo”, do “outro” que necessitava ser “civilizado”. Nesse sentido,
“para isolarem o sertanejo, as Inspetorias de Obras criaram os campos de concentração que serviriam
como centro aglutinador para o trabalho nas obras públicas. O primeiro de 1915 foi chamado de campo do
Alagadiço, criado pelo governador do Ceará Benjamim Barroso. O Alagadiço era um terreno arborizado e
cercado, de propriedade do Sr. João de Pontes Medeiros, cedido para se tornar o local onde se colocaram
os sertanejos para receberem ajuda do governo e obterem trabalho por meio da Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS). Os retirantes acabaram ficando expostos a esmo em “abarracamentos”, debaixo
dos cajueiros deste terreno, de modo que, concentrados, não perambulavam pelas cidades e poderiam
ser enviados para as obras públicas. Em 1932, sob a gestão da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS) e aval do ministro da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida e do então presidente do
Governo Provisório Getúlio Vargas foram criados sete campos de concentração espalhados por diversas
áreas do Ceará: Crato chamado campo do Burity, Senador Pompeu chamado campo do Patú,
Quixeramobim, Cariús, Ipú e dois no centro de Fortaleza, chamados Urubu (ou Pirambú) e Tauape
(antiga feira do Matadouro Modelo). De modo que contemplassem sertanejos de diversos locais, não
permitindo também que pudessem migrar para a capital e ficassem a esmo pelas cidades do litoral
cearense. Estes sete campos foram mais organizados do que o campo de concentração do Alagadiço, os
retirantes eram alistados e deveriam permanecer neles para se deslocarem, principalmente, para as obras
públicas para obterem trabalho”. MELO, Leda Agnes Simões de. Op, cit, p.7.
568. SANTANA, Joyce Maria dos Reis. Narrativas do sertão e percursos mnemônicos em O Quinze, de Rachel
de Queiroz. (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Feira de Santana. Departamento de
Letras. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultura, Feira de Santana, BA, 2013,
p.26
569. Ibidem p. 49
570. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 98
571. Ibidem, p. 161
572. Ibidem, p. 123
573. SANTANA, Joyce Maria dos Reis. Op.cit, p. 29
574. ALBUQUERQUE JÚNIOR., Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 164
575. Ibidem, p. 164
576. Ibidem, p. 164
577. Ibidem, p. 165
578. Ibidem, p. 165
579. Ibidem, p. 128
580. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 134
581. Uma história que se repete, A Bagaceira. J.A de Almeida. Correio da Manhã (Suplemento). Rio de
Janeiro, Ano XXX, n. 10979, 5 de outubro de 1930, p.9.
582. PANTOJA, Sílvia. José Américo de Almeida. In: ABREU, Alzira Alves de [et al.] (coord.). Dicionário
Histórico Biográ co Brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/jose_americo_almeida>. Acesso
em: 18 jul. 2018.
583. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste..Op.cit, p, 157
584. Ibidem, p. 157
585. Ibidem, p. 158
586. Ibidem, p. 158
587. Ibidem, p. 159
588. SERPA, Phocion. A Revolução e o saneamento. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n.
11.395, 04 de fevereiro de 1932, p.4.
589. CASA OSWALDO CRUZ, Phócion Serpa. Base Arch, FIOCRUZ, Departamento de Arquivo e
Documentação da Casa de Oswaldo Cruz. Disponível em:
<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/phocion-serpa>. Acesso em: 30 jan. 2018.
590. RODRIGUES, Marly. O Brasil na década de 1920. 3ª Ed. Revisada e ampliada para download. São
Paulo: Memorias, 2010, pp.65-66.
591. MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit.
592. LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Op. cit, p.112.
593. SERPA, Phocion. Op.cit, p. 4
594. OLIVEIRA, Daiane de Jesus. “Da arte de curar à prisão de um ocultista”: Ocultismo, Magia e Ciência em
Aracaju, SE (1923-1928). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, 2014, p.32
595. Braga foi advogado, nascido em São Paulo, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo,
iniciando sua carreira política após o início da República, onde foi deputado da Constituinte de 1891.
Elegeu-se deputado federal em São Paulo entre os anos de 1894, 1897 e 1900. Participou também das
comissões de Constituição e Justiça e Tratados e Finanças. Reelegeu-se deputado federal em 1906 (até
1908) e 1909 (até 1911), sendo um dos líderes da Campanha Civilista que promoveu a candidatura de Rui
Barbosa à presidência da República. Em janeiro de 1923, foi nomeado pelo presidente Artur Bernardes
(1922-1926) presidente do Banco do Brasil. Em 1930 fez oposição a Getúlio Vargas. Em 1934, tornou a se
eleger deputado federal por São Paulo. Em maio de 1937 apoiou a candidatura de José Américo de
Almeida à presidência da República. Concomitante à carreira política, foi historiador e economista,
pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, à Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Foi
sócio-fundador do Instituto Histórico de São Paulo. Colaborou ainda em O Estado de S. Paulo e no
Jornal do Comércio do Rio de Janeiro. Destaco como importante, por exemplo, o seu livro As secas do
Nordeste e a reorganização econômica (1919). ABREU, Alzira Alves de [et al.] (coord..). Cincinato Braga.
Dicionário histórico – biográ co da Primeira República 1889-1930. FGV, editora CPDOC, 2015. Disponível
em: <http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/BRAGA,%20Cincinato.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018.
596. Afonso Celso nasceu em Minas Gerais, cursou Direito na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi
quatro vezes deputado por Minas Gerais. Posteriormente, dedicou-se ao jornalismo e a dar aulas,
colaborou mais de 30 anos com o Jornal do Brasil e também fez parte de A Tribuna Liberal, A Semana,
Renascença e do Correio da Manhã. Foi sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e seu
presidente perpétuo de 1912 a 1938. Destaca-se em sua obra, o livro Oito anos de Parlamento, por que me
ufano de meu país. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Biografia Afonso Celso. Academia Brasileira
de Letras. Afonso Celso. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/afonso-
celso/biografia>. Acesso em: 31 jan. 2018.
597. BURITI, Catarina de Oliveira; AGUIAR, José Otávio. Secas, migrações e representações do semi-
árido na literatura regional: por uma História Ambiental dos sertões do nordeste brasileiro. Textos e
Debates (UFRR), v. 1, 2008, pp. 7-31; p. 8
598. LIMA, Eli Napoleão de Lima. História e narrativa: Euclides da Cunha na Amazônia. Tese de
Doutorado-Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2002,
p. 305
599. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo... Op,cit, p. 194
600. KULIKOWSKI, María Zulma M. Roberto Arlt: a experiência radical da escrita. Tradução de Maria
Paula Gurgel Ribeiro. Revista USP, São Paulo, n.47, set./nov. 2000, pp.105-111; p.106.
601. JORGE, Janete Elenice. Roberto Arlt, um escritor torturado? Revista Estação Literária. Londrina, v.
12 jan. 2014, p.537-559; p.539.
602. Ibidem, p. 539
603. SARLO, Beatriz. Escritos sobre literatura Argentina. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2007.
pp. 232-235
604. Ibidem, p. 234
605. JORGE, Janete Elenice. Op.cit, p. 543
606. MICELI, Sergio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil… Op.cit, p. 28
607. Ibidem, p. 28
608. SAÍTTA, Sylvia. Rumo ao Brasil em primeira classe: Roberto Arlt no Rio de Janeiro. Tradução de
Maria Paula Gurgel Ribeiro. Revista USP, São Paulo, n.47, setembro/novembro 2000, pp.116-120;
609. JUARÉZ, Laura. Literatura y crónica de los hechos en “tiempos presentes” y “al margen del cable”,
de Roberto Arlt. Revista Iberoamericana, Vol. LXXVII, Núms. 236-237, Julio-Diciembre 2011, pp.789-811;
p.793.
610. SAÍTTA, Sylvia. El periodismo popular en los años veinte, Op.cit, p. 458
611. ARLT, Roberto. El infierno santiagueño. El Mundo. Buenos Aires: Año X- n.3476, 07 de diciembre
de 1937, p.6.
612. ARLT, Roberto, Op.cit, 07 de diciembre de 1937, p.6.
613. ANDERMANN, Jens. El infierno santiagueño... Op.cit
614. BALLENT, Anahi e GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 185
615. ANDERMANN, Jens. El infierno santiagueño... Op.cit, p.3
616. ARLT, Roberto. El infierno santiagueño. Agonía de Bestias. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n.
3478, 9 de diciembre de 1937, p. 6.
617. KULIKOWSKI, María Zulma M. Op.cit, p. 107
618. Ibidem, p.107
619. ARLT, Roberto. Op.cit, p. 6
620. ANDERMANN, Jens. El infierno santiagueño... p. 25
621. BALLENT, Anahi e GORELIK, Adrián. Op,cit, p. 187
622. ARLT, Roberto. El infierno santiagueño. !Agua!Agua!. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n. 3477, 8 de
diciembre de 1937, p. 6.
623. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria capitalista seguido por depresión. Op.cit, p. 112
624. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 311 e p. 312
625. Ibidem, p. 312
626. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria capitalista seguido por depresión...Op.cit, p. 112-119
627. ARLT, Roberto. En infierno santiagueño. La angustiosa búsqueda del agua. El Mundo. Buenos Aires,
Año X, n. 3483, 14 de diciembre de 1937, p. 6.
628. No han dicho nada nuevo. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n. 3492, 23 de diciembre de 1937, p. 5.
629. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero...Op.cit, p. 26
630. Idem. Un caso de expansión agraria... Op.cit, p. 126
631. ARLT, Roberto. Op,cit, 14 de diciembre de 1937, p. 6.
632. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero… Op.cit, p. 19
633. ARLT, Roberto. Op.cit, 14 de diciembre de 1937, p. 6.
634. BALLENT, Anahi; e GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 193
635. BAKHTIN, Mikhail. Op,cit, p. 280
636. Ibidem, p. 280
637. Ibidem, p. 280
638. Ibidem, p. 280
639. Ibidem, p. 280
640. CARVALHO, A onso de. T ypos Regionaes, Cearense. Op.cit, p.2
641. LINHARES, Maria Yedda Linhares; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Op.cit, p. 115
642. GOMES, Angela de Castro. A “Cultura Histórica” do Estado Novo. Op.cit, p. 121
643. A seca na região cearense do Jaguaribe. O terrível agelo já se apresenta com o seu cortejo de
misérias. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXX, n. 10966, 21 de setembro de 1930, p.11
644. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste… Op.cit, p. 54
645. Ibidem, p.54
646. Ibidem, p.54
647. Ibidem, p.54
648. Aspectos dantescos do agelo. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n. 11458, 20 de abril de
1932, p. 2
649. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. Fortaleza:
Imprensa Universitária, 2014, p. 69
650. A dolorosa retirada das infelizes famílias sertanejas para a capital do Estado. Correio da Manhã. Rio de
Janeiro, Ano XXX, n. 10966, 21 de setembro de 1930, p.11
651. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 40,2001, pp. 107-131, p. 123
652. Outro telegrama desolador. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, n. 11437, Ano XXXI, 26 de março de
1932, p.2.
653. Agrava-se a seca. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n. 11442, 1 de abril de 1932, p 4.
654. SANDES, Noé Freire. O jornalista Costa Rego e o tempo revolucionário (1930). Revista Brasileira de
História. São Paulo, v. 28, n. 55, 2008, pp. 41-62; p. 43
655. REGO, Costa. Suprimir o sertão. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n. 11455, 16 de abril
de 1932, p.2
656. DINIZ, Lidiane. Costa Rego e o Curso Pioneiro de Jornalismo da Universidade do Distrito Federal.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXXIII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010, pp. 1-15; p. 2,
657. Ibidem, p. 3
658. MELO, José Marques. Costa Rego, o primeiro catedrático de jornalismo do Brasil. Revista Brasileira
de Ciências da Comunicação, v. XXIII, n.1, janeiro/junho de 2000, pp. 79-117; p. 92,
659. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
660. Ibidem p. 137
661. SECRETO, Maria Verónica. Ceará, a fábrica de trabalhadores: emigração subsidiada no final do
século XIX. Trajetos, v. 2, n. 4, 2003, pp.1-18; p.3.
662. SECRETO, Maria Verónica. Soldados da Borracha. Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no Governo
Vargas. SP: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2007. p.75 e p. 76
663. SANDES, Noé Freire. Op.cit, p. 43
664. Ibidem, p. 45
665. Ibidem, p. 45
666. MELO, José Marques. Op.cit, p. 100
667. REGO, Costa. Op.cit, p. 2
668. REGO, Costa. Op.cit, p. 2
669. BURITI, Catarina de Oliveira; AGUIAR, José Otávio. Op.cit, p. 12
670. BURITI, Catarina de Oliveira; AGUIAR, José Otávio. Op.cit, 12
671. ARLT, Roberto. Op.cit, 14 de diciembre de 1937, p. 6
672. ARLT, Roberto. El infierno santiagueño. Ante el avance de la sequía se ha quebrado el aguante
gaucho. El Mundo. Buenos Aires, año X, n. 34890, 11 de diciembre de 1937, p. 5.
673. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero… Op.cit, p.19
674. Ibidem, p. 25
675. Asaltan los comercios en varias poblaciones de Santiago del Estero. El Mundo. Buenos Aires, Año X,
n. 3489, 20 de diciembre 1937, p. 5
676. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control social. Acerca de las estrategias
empresariales agrarias en la Argentina (1900-1950). Anuario IEHS, n 18, Tandil, UNCPBA, 2003, pp. 367-
395; p. 395.
677. Ibidem, p. 395
678. La gente honrada se vuelve cuatrera. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n. 3482, 13 de diciembre de
1937, p.5.
679. ARLT, Roberto. El infierno santiagueño, Un hueso de caballo como alimentos. El Mundo. Año X,
n.3479, Buenos Aires, 10 de diciembre de 1937, p. 6.
680. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control social…. Op.cit, p. 371
681. REGO, Costa. A luta contra sêcca. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n 11.453, 14 de abril
de 1932, p. 2.
682. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas, Op.cit, p. 108
683. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca: políticas emergenciais na era Vargas, Op.cit, p. 109
684. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo...Op.cit, p. 195
685. Ibidem, p. 197
686. Ibidem, p. 222
687. REGO, Costa. A luta contra sêcca. Op.cit,14 de abril de 1932, p. 2.
688. NEVES, Frederico de Castro. Caridade e controle social na Primeira República (Fortaleza, 1915).
Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 27, n53, janeiro-junho de 2014, pp. 115-133; p.117.
689. BURITI, Catarina de Oliveira; AGUIAR, José Otávio. Op.cit, p.20
690. RIOS, Kenia Sousa. Campos de concentração do Ceará: isolamento e poder na seca de 1932. Fortaleza:
Museu do Ceará / Secretária de Cultura e Desporto do Ceará, 2001, p. 37.
691. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
Époque. São Paulo: Ed Brasiliense, 1986, p.74
692. CHARTIER, Roger. Formas e sentido... Op.cit, p. 153
693. Agravou-se horrivelmente a crise climatérica do nordeste. O ministro da viação partiu ontem de
avião para zona agelada. Porque o ministro José Américo evitou a divulgação da sua inesperada viagem.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n. 11.454, 15 de abril de 1932, p. 3
694. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: Saques e outras ações de massa no Ceará. Tese de
doutoramento. Niterói,- Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense (UFF), 1998, p.7
695. CHARTIER, Roger. Formas e sentido...Op.cit, p. 155
696. Ibidem, p. 155
697. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 67
698. Ibidem, p. 67
699. CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos... Op,cit, p.23 e p. 24
700. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 35.
701. Ibidem, p, 20
702. Ibidem, p.35
703. GEREMEK, Bronislaw. Os lhos de Caim. Vagabundos e miseráveis na literatura europeia 1400-1700.
Tradução do polonês Henryk Siewierski – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 7.
704. Ibidem, p. 7.
705. Ibidem, p. 8
706. ROMERO, Luis Alberto. Sociedad democrática y política democrática en la Argentina del siglo XX. ...
Op.cit, pp. 87-121.
707. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero... Op.cit, p.24
708. El caso de Loreto. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n. 34833, 14 de diciembre de 1937, p. 6.
709. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero... Op.cit
710. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control social… Op.cit, pp. 379-381
711. Manifestaciones hostiles. El Mundo. Buenos Aires, Año X, – n. 3490 21 de diciembre de 1937, p. 5
712. Taco Rolon, Mizi Pozo y Aspa Sinchi estan asoladas por la miseria. El Mundo. Buenos Aires, Año X, –
n.3490, Buenos Aires, 21 de diciembre de 1937,p. 5
713. Es dificil la situacion en Santo Domingo. El Mundo. Buenos Aires, Año X, – n. 3490, 21 de
diciembre de 1937, p. 5.
714. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control social… Op.cit, p. 381
715. Ayuda que no llega. El Mundo. Buenos Aires, Año X, n. 3491, 22 de diciembre de 1937, p. 5.
716. GEREMEK, Bronislaw. Op.cit, p. 9
717. Ibidem, p. 9
718. Ibidem, p. 9
719. Ibidem, p. 10
720. A seca do nordeste. Correio da Manhã (Suplemento). Rio de Janeiro, Ano XXX, n. 10979, 05 de
outubro de 1930,p. 2
721. MICELI, Sérgio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil... Op.cit, p, 17
722. Ibidem, p. 18.
723. MUELLER, Isabel Helena. Os ativos intelectuais católicos no Brasil dos anos 1930. Revista Brasileira
de História. São Paulo, v. 35, n.69, 2015, pp. 259-278; p.2
724. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder...Op.cit, p. 41
725. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit, p, 20
726. Ibidem, p. 21
727. Ibidem, p. 21
728. MICELI, Sérgio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil... Op.cit, p. 51
729. Sobre essa moralidade cristã católica na seca de 1932 temos a análise de Kenia Rios em relação à
atuação da Igreja nos campos de concentração do Ceará. A autora aponta que em todos os campos havia
assistência da Igreja Católica, aliando disciplina à moralidade cristã. Rios descreve que, desta forma, se
congregava a higienização e a disciplina em conjunto com o discurso da própria Igreja Católica,
principalmente no que se refere ao sagrado e ao profano. Um exemplo disso, era que os sertanejos não
viam no matrimônio a mesma importância que os clérigos. Como muitos viviam em localidades que a
Igreja não alcançava, estavam acostumados às suas próprias experiências religiosas, sem levar em conta os
sacramentos. Ver: RIOS, Kenia Sousa. Campos de concentração...Op.cit. Destaco também que, ao
construírem os campos de concentração, os padres passaram a visitá-los e a realizarem casamentos, por
exemplo. José Américo disse em suas narrativas que chegou a dar enxovais aos casais, o que muito
impedia as grandes retiradas.
730. TOSSOUNIAN, Cecilia. Las Asociaciones Femeninas y la Estudios Sociales del Estado. Emergencia
de un Estado Social: La Protección a la Maternidad y a la Infancia (Buenos Aires 1920-1940). Estudios
Sociales del Estado, v.1, número 2, segundo semestre de 2015, pp.58-93; p. 58.
731. Necesita de amplia ayuda Santiago del Estero pues no bastan las lluvias para salvarlo. Intensificanse
las gestiones en favor de los pobladores. El Mundo. Buenos Aires: Año X, n. 3480, 11 de diciembre de
1937, p. 5
732. TOSSOUNIAN, Cecilia. Op.cit, p. 59
733. La colecta del circulo de damas santiagueñas. El Mundo. Buenos Aires: Año X, n. 3480 11 de
diciembre de 1937, p.5
734. Se han enviado fondos al Obispado para los santiagueños que sufren. El Mundo. Buenos Aires: Año X
n. 3482, 13 de diciembre de 1937, p. 5
735. TOSSOUNIAN, Cecilia. Op.cit, p. 59
736. Ibidem, p. 62
737. De acordo com Andrés Thompson, os vínculos entre o Estado e associações beneficentes
transitaram por várias situações. Sua origem está claramente identificada com um impulso estatal para
colocar as tarefas de beneficência a cargo da Igreja Católica e outras ordens religiosas. Dada a
incapacidade do Estado de encarregar-se dessa atividade, ela é delegada a uma instituição administrada de
forma privada e autônoma, com fundos para sua operação. THOMPSON, Andrés. El tercer sector en la
historia argentina. Argentina: Biblioteca Virtual Universal, Editorial de cardo, 2006, p. p. 1-41; p.15.
738. Activanse las gestiones para reunir fondos y víveres para los pobladores santiagueños. El Mundo.
Buenos Aires: Año X, n.3483, 14 de diciembre de 1937 p. 5.
739. Em seu trabalho, a autora analisa o exemplo das Conferencias de San Vicente de Paul na Argentina.
Ver: TOSSOUNIAN, Cecilia. Op.cit
740. Ibidem, p. 65.
741. CIAFARDO, Eduardo O. Las Damas de Beneficencia y la participación social de la mujer en la ciudad
de Buenos Aires, 1880-1920. Anuario del IEHS, V, Tandil, 1990, pp. 161-170; pp.163-166
742. CIAFARDO, Eduardo O. Op.cit, p. 161
743. Ibidem, p.161
744. TOSSOUNIAN, Cecilia. Op,cit, p. 82
745. THOMPSON, Andrés. Op.cit, p. 3
746. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo... Op.cit,,p.193
747. CHARTIER, Roger. Formas e sentindo... Op.cit, p. 166
748. Ibidem, p. 166
749. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 295
C 3
O olhar regional sobre as secas do
Ceará e de Santiago del Estero: O
discurso sobre si nos periódicos a Ordem e
La Hora

Neste capítulo, analisarei a partir de quais olhares e perspectivas os periódicos


cearenses e santiagueños A Ordem e La Hora, respectivamente, narraram o
problema das secas nas suas regiões. Busco compreender a importância de se
re etir que tipo de discurso era propagado sobre essa temática no contexto
aqui proposto a partir de um olhar sobre si. Por meio dessa propositiva,
acredito que é possível vislumbrar até que medida o que se tinha como um
discurso que chamamos de “nacional” sobre a seca passava também a ser
propagado no âmbito local, ou mesmo se as re exões que chegavam nas
capitais, Rio de Janeiro e Buenos Aires, sobre essas regiões eram in uenciadas
também por um olhar da própria elite ou intelectualidade interioranas. Falo
de elite local e intelectual, porque compreendo que esses jornais pertenciam a
grandes famílias e/ou grupos, podiam estar vinculados a partidos políticos ou
mesmo eram palco de divulgação de ideias de uma parte privilegiada da
sociedade. Não contempla-se, por conseguinte, a visão de um todo da
população. Essa limitação é posta e é a partir dela que mostrarei como o
discurso dos periódicos perpassa uma questão de poder, ou, mesmo quando se
tem uma narrativa de oposição, cai-se nas armadilhas reducionistas sobre os
problemas enfrentados dentro das suas localidades. Sustentam-se, assim,
muitas vezes, as relações de dominação preestabelecidas. Pode haver, nesse
sentido, também uma retroalimentação entre o discurso “nacional” e o
“regional”. Ou seja, pode existir uma linha tênue entre o que é dito pelos
periódicos regionais – aqui nossa fonte principal de análise – e pelos jornais
das capitais nacionais, dentre eles os já trabalhados no capítulo anterior.
O que proponho, a partir dessas re exões e proposições, é considerar que
certas visões estigmatizaram, minimizaram problemáticas políticas,
econômicas e sociais e reforçaram estereótipos, em relação ao Ceará e a
Santiago del Estero, também estavam contidas nos discursos regionais. Em
contrapartida, a importância de dar voz a essas áreas, de entender o lugar
desse discurso sobre si para além de um ponto de vista dos centros de poder
coloca em questão às relações existentes entre o litoral e o sertão, para o caso
brasileiro, e entre o litoral e o chaco, para o caso argentino. Sabe-se que uma
periferia nunca é amorfa, como ressalta Ginzburg, e é a partir dessa
proposição que farei essa análise regional.
Nesse sentido, parto do pressuposto que o “Occidente es una política imperial
de la identidad”750, como aponta Walter Mignolo no livro de Facundo Giuliano.
Isso quer dizer que devemos, também, ao analisar as narrativas propostas
aqui, considerar o “padrão colonial de poder” e que estamos inevitavelmente
inseridos nele.
Mais uma dificuldade pode haver nesse caminho, em razão de um olhar
eurocêntrico ou mesmo por uma visão que marca os processos históricos na
América Latina: a tentativa de ser igual ao que era externo à própria
realidade. Considero, principalmente, os discursos da modernidade e do
progresso que in uenciaram os modos de ver e agir sobre as áreas periféricas
do Brasil e da Argentina. Pensamos a partir disso naquilo que Mignolo
considera primordial quando se trata do estudo de países colonizados: a
universalização do local por meio do processo de ocidentalização que é
imposto em diversos momentos da história751. Isso se deu não apenas nas
esferas econômica, política e religiosa, mas também na educacional e
intelectual, tendo à frente em um primeiro momento a Europa e depois os
Estados Unidos752.
Desse modo, disponho-me a compreender essas formas narrativas como
legitimadoras de um status quo de uma elite local atuante e mandatária no
cotidiano dessas regiões. Refiro-me, de modo particular, ao uso dos
enunciados para a compreensão dos contextos. É fundamental re etir a
aplicabilidade de certas expressões na construção de olhares diversos sobre os
semiáridos.
Em A Ordem e La Hora, poucas foram as reportagens assinadas ao final de
cada uma delas e não se vê o uso de intelectuais ligados à literatura como
forma de narrativa sobre os semiáridos brasileiros e argentinos. Logo, a
maneira de retratar a seca é diversa dos periódicos das capitais, neste aspecto
específico.
Nesse sentido, Bakhtin ressalta o lugar do enunciado e de sua composição
dentro do gênero discursivo. Quer dizer, há vários tipos deles e nos cabe
entender a natureza linguística dos enunciados neles contidos. Para o autor, há
diversos gêneros secundários que ele classifica como científico, ideológico e
cultural, por exemplo. Neles, estão contidos os gêneros mais simples,
cotidianos, os primários. Para este trabalho, interessa o gênero do enunciado
secundário mais complexo. Considero, portanto, os postulados de Bakhtin em
que os modelos de gênero secundário e primário se complementam. Para o
autor, esse modelo esclarece a natureza do enunciado “e acima de tudo, o
difícil problema entre língua, ideologias e visões de mundo”753. Essa é,
portanto, a questão central para análise dos periódicos deste capítulo.
Entende-se também a importância da relação que Bakhtin chama de
“responsiva ativa”754 entre o locutor e o ouvinte no processo de comunicação.
Ou seja, o leitor pode discordar, complementar, adaptar os discursos.
Não espero também que haja uma compreensão passiva entre o leitor dos
periódicos aqui apresentados e os discursos por eles emitidos. Não
compreendo por esse aspecto, o que caberia evidentemente em uma outra
análise mais complexa e extensa que é a da recepção dos discursos. Mas, cabe-
nos reafirmar aquilo que Bakhtin analisa: “a variedade dos gêneros do discurso
pressupõe a variedade dos escopos intencionais daquele que fala ou escreve. O
desejo de tornar seu discurso inteligível é apenas um elemento da intenção
discursiva em seu todo [grifos do autor]”755. É necessário entender, portanto, as
intenções desses periódicos para o seu público leitor e nelas me aproprio a fim
de compreender os diversos imaginários construídos em torno das regiões
acometidas por fortes estiagens, como Ceará e Santiago del Estero.
É essencial também pensarmos que “as pessoas estão continuamente
construindo mapas cognitivos do mundo ao redor delas”756 e que há uma
conexão simbólica de pertencimento entre o ser humano e o meio ambiente,
que segundo Paul E. Little cria uma territorialidade. Little conceitua a
territorialidade utilizando Taussig, que a denomina como uma “paisagem
moral”, que cria “lugares sagrados”757.
Werther Holzer, ao utilizar a análise de Bonnemaison, explica que “a
territorialidade não pode ser reduzida ao estudo do sistema territorial, ela é
expressão dos comportamentos vividos […] da constituição dos mundos
pessoal e intersubjetivo”758. Ou seja, não é possível desvincular-se da noção de
que a população do campo tem uma relação intrínseca com o meio ambiente
onde vive e, por isso, quando a dita noção de modernidade intervém nesses
espaços, não considera essa vinculação e, por conseguinte, desrespeita os
modelos de vida locais.
De acordo com Rogério Haesbaert, o território não está apenas relacionado
à questão do poder, o tradicional “poder político”, mas refere-se “tanto ao
poder no sentindo mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido
mais simbólico de apropriação”759. Para Haesbaert, o território está imerso em
relações de dominação e/ou apropriação, que vão desde uma dominação
político-econômica para outra mais subjetiva cultural-simbólica e também
deve ser entendido por meio dos sujeitos que exercem o poder sobre ele e que
o controlam.
O território tem por função tanto servir como recurso – como abrigo ou
como um recurso natural – como exercer uma função simbólica. Logo, todo
território tem esses dois caráteres importantes: o funcional e o simbólico, sem
um prevalecer sobre o outro. E é justamente no século XIX, no que Haesbaert
chama de sociedade disciplinar moderna, que o território passa a ser
modificado por uma via de disciplinarização ou controle por meio do
espaço760.
Esse controle do espaço e disciplinamento ainda tiveram ressonâncias na
década de 1930, evidentemente com diferenças oriundas do século XIX. Nesse
sentido, cabe uma questão introdutória: até que ponto os jornais La Hora e A
Ordem conseguiram ir além das dicotomias civilização e barbárie, centro e
periferia, progresso e atraso761?
Refiro-me, como já mencionado nos capítulos anteriores, ao contexto
posterior à crise de 1929. As ideias de progresso nacional e de modernização
incidiram sobre áreas ditas atrasadas reafirmando – como apontado até aqui –
discursos que desqualificavam as regiões afastadas dos grandes centros de
poder. Não afirmo que o Ceará e Santiago del Estero não tinham seu lugar na
política e na economia brasileira e argentina. Isso reduziria a importância do
Nordeste e do Noroeste no âmbito nacional e diminuiria, inclusive, o fato de
haver uma elite local que exerce um grande poder sobre essas áreas, não só
economicamente e politicamente, mas também simbolicamente.
Já foi analisado, no primeiro capítulo, as possibilidades que a própria
natureza semiárida pode proporcionar e também a importância dessas regiões
ao longo da história como grandes produtoras de gêneros alimentícios ou
como criadoras de gado, entre outras semelhanças e diferenças nos processos
políticos e econômicos entre ambas que marcam seu importante papel na
história desses países. O que busco re etir é como essas regiões tentaram se
afirmar mediante ao contexto de 1930 em suas relações com as capitais Rio de
Janeiro e Buenos Aires por meio do discurso sobre si.
Para o caso brasileiro, Luciano Martins explica ainda a dificuldade de se
entender o Brasil por meio de uma “modernização” apenas urbana e industrial
em detrimento da atuação das oligarquias, nos anos 1930. A modernidade à
brasileira deve ser entendida dentro de outros pressupostos. Isso porque “os
mesmos homens que consumiam e reproduziam as ideias europeias e norte-
americanas de progresso, que se preocupavam com a industrialização […]
eram os mesmos homens que se faziam eleger pelos coronéis do interior e que
zelavam atentamente pela manutenção de suas bases oligárquicas locais”762.
Dulce Pandolfi e Mario Grynszpan afirmam que o que garantiu a adesão das
oligarquias ao projeto de modernização adotado neste contexto foi justamente
“a inexistência de deslocamentos traumáticos de classes e a manutenção dos
segmentos inferiores da sociedade dentro de rígidos limites”763. No entanto, os
autores ressaltam que se deve dar importância aos inúmeros con itos e
entrechoques que marcam a inauguração da Revolução de 1930 entre os
diversos grupos existentes.
Desse modo, O jornal A Ordem foi editado na cidade de Sobral no Ceará e
fundado em 1916 por José Saboya de Albuquerque, que era juiz daquela
comarca764. “Sua publicação foi colocada a cargo do Dr. Plínio Pompeu
(diretor), Craveiro Filho (gerente) e Newton Craveiro (redator) e mais um
grupo de colaboradores. Circulou até inícios da década de 1940”765. O contexto
da década de 1910 marcou, como aponta Jorge Lima, uma configuração
importante onde o campo intelectual passava a ter na imprensa um lugar de
“exercício da escrita e instância de consagração”766. A Ordem passou a ocupar o
lugar de órgão do Partido Republicano Conservador (PRC) de Sobral767.
Lima analisa que o jornal assumiu um papel de defensor da moral e da
religião católica, postulando o que ele chama de uma “verdadeira cruzada
contra a impiedade, o ateísmo e o anticlericalismo”768, representados pelo
jornal de oposição A Lucta. Segundo o autor, enquanto nas grandes capitais,
como Rio de Janeiro e São Paulo, os periódicos se consolidavam tornando-se
diários, matutinos e vespertinos, “na zona norte do Ceará era o momento do
jornal semanal de quatro páginas, comandado por redatores proprietários que
viviam ainda a fase heroica da imprensa”769.
Jorge Lima explica uma questão importante nesse contexto: havia as colunas
que noticiavam publicações vindas de grandes diários do Sul do Brasil,
“traduzindo para os leitores locais, por meio de artigos de opinião, as
estratégias políticas postas por mandatários da nação”770.
Vale destacar, que Newton Craveiro, o redator de A Ordem, “fora alvo de
constantes críticas dos jornais oposicionistas, já ocupando cargos
administrativos do serviço público, como também em seus artigos defendia
diversos ‘interesses’ do governo”771. Dentro desse panorama, e re etindo essas
relações existentes no jornal, será analisado onde a seca se encontra no
discurso sobre o semiárido.
José Castiglione, ao analisar a constituição do periodismo em Santiago del
Estero, ressalta que locais menores como o interior, onde todos se conheciam,
não eram iguais aos grandes centros urbanos no que diz respeito à recepção
das notícias. Cada diário tinha seus leitores, era escrito para seus
simpatizantes e correligionários, para não perder o seu público ou para mantê-
los sempre alerta. Por isso, havia várias formas de convencer o público e julgar
os sucessos políticos, sociais e culturais772 e estavam ligados às questões
políticas da região773.
O periodismo santiagueño nasceu a partir de 1888, com a fundação da
Sociedade Sarmiento, e tinha um ambiente “cargado de pasiones y enconos
políticos; era violento, polémico, personal [...] Por eso cada gobierno, cada caudillo,
tenía ‘su diario’”774. Havia dois tipos de diários, de acordo com Castiglione, um
diário que ele chama de oficial ligado ao governo ou um caudilho dominante;
e outro de hoja popular, que eram os periódicos de oposição. Aqui,
encontramos um ponto comum entre as trajetórias dos jornais no Ceará: a
ligação intrínseca entre a elite política local e os periódicos, sejam eles ligados
diretamente a quem estava no poder em um dado momento ou à oposição.
Castiglone dividiu o jornalismo de Santiago del Estero em três etapas: de
1859 a 1896, com folhas que apareciam uma ou três vezes por semana; a
segunda, de 1896 a 1932, com os jornais diários que apareciam todos os dias,
menos aos domingos e feriados, e a terceira etapa, de 1932 em diante, quando
apareceram os jornais diários incluindo os feriados775. Houve um momento
também de maior crescimento desses periódicos, por meio da proliferação dos
clubes cívicos que passaram a sustentá-los juntamente com os partidos
políticos776.
La Hora passou a circular no ano de 1927, cujo fundador foi Locadio R.
Tissera. Depois de sua morte seus filhos, José Edmundo e José Augustín
Tissera passaram a manter o jornal que circulou até março de 1977. La Hora
teve, portanto, 49 anos de existência777. De acordo com Ernesto Picco, os
jornais El Liberal, fundado em 1888, e o vespertino La Hora, em 1927, foram os
que gozaram de vida mais longa778. La Hora, portanto, tornou-se o segundo
jornal de maior circulação, sendo o primeiro El Liberal que vigora até os dias
atuais. Segundo Picco, sua estrutura era de poucas páginas e tiragem curta. As
notas do jornal não eram assinadas e não figurava nele nenhum editor
responsável. Em 1928, o nome de Tissera aparece pela primeira vez como
diretor-proprietário779. De acordo com Marcela Arce, foi neste mesmo ano
também que apareceu um subtítulo que explicava a tendência do jornal:
“sostiene principios de la Unión Cívica Personalista”780. No ano de 1930, a direção
do diário passa para o Dr. Vítor Alcorta, que foi deputado do Partido Radical
Unificado (PRU), passando a ser “Diario independiente de la mañana”, e, em
1935, “Diario independiente de la noche”, afirmando ser a tribuna dos direitos do
povo, desvinculando-se, assim, da Unión Cívica Personalista, como explica Acre.
Para Picco, analisar os periódicos santiagueños é colocá-los na condição de
empresas e de ferramentas e espaços importantes da política. Isso faz com que
passemos a analisar sobre que temas eles debateram e quais preferiram
evitar781. Isso porque, segundo o autor, Santiago del Estero era uma província
onde a maior parte da atividade econômica girava em torno do Estado e de
poucos grupos empresariais que dominavam alguns negócios importantes,
“siendo los medios de comunicación parte de ellas, los proyectos periodísticos han
quedado casi siempre supeditados a las necesidades e intereses”782. De acordo com o
autor, era a partir dos meios de comunicação que a população de cidades
periféricas como Santiago conhecia os temas públicos e os debates políticos.
Logo, esses mesmos meios estavam atrelados a grupos que controlavam a
economia, a política e a comunicação a nível das suas localidades.
Aproximo essas re exões da nossa análise dos discursos dos periódicos do
Ceará e de Santiago, buscando os pontos de similitude em suas trajetórias.
Compreendo, portanto, que nas cidades periféricas essas articulações estão
fortemente presentes e devem ser levadas em consideração de maneira
fundamental, quando se trata de entendermos os discursos que essas regiões
faziam sobre si mesmas. Entende-se que, por meio desses periódicos, é
possível situar noções que estavam na ordem do dia das elites locais que
dominavam, em grande parte, esses territórios. Assim, busco estabelecer até
que ponto esses periódicos foram propagadores das visões dessas elites desse
contexto.

3.1 A Ordem e La Hora: a miséria como espetáculo


Parto do pressuposto de que a imprensa e os meios de comunicação
“garantem a conservação, a elaboração e a difusão de determinados discursos
de memória”783. Fernando Sánchez Costa salienta que é necessário que
estudemos o que é interpretado, transmitido e objetivado nos discursos
históricos de memória, partindo do pressuposto primordial que “nenhuma
cultura histórica784 é determinada por uma única narrativa” e que há
“múltiplos criadores de discurso de memória”, com “multiplicidade de
intenções e discursos, que as vezes se opõem abertamente”785. É necessário
nessa análise estudar os contextos, as intenções dos emissores dos meios e dos
receptores. Com isso, “a análise dos conteúdos deve procurar encontrar a
estrutura narrativa básica que subjaz a todo relato histórico”786.
Começo, a partir desse olhar de Sánchez, com três fragmentos de A Ordem
que afirmam:

Sob a impressão desconsoladora que me produziram as narrativas comoventes do que se está


passando na região de Aracati-assú, relatadas pelo meu amigo Flavio Saboia, diante de
documentos autenticos vindos do teatro da fome, andamos a manhã de ontem rua acima, rua
abaixo à procura de uma consolação787.
Em nome de muitas famílias ageladas quasi morrendo à fome […] socorrendo assim a
população faminta deste infeliz distrito, presentemente exposta à perspectiva de maiores
calamidades e que jamais obteve o menor favor publico, nem mesmo no regime Imperial788.
A fome continua impiedosa. Pedimos ao distincto amigo clamar no vosso jornal, implorando
dos poderes publicos, socorros para esta população a itissima. Agradecendo as vossas
atenções...789

Vemos, aqui, o olhar sobre a fome como primeira possibilidade de análise.


Pensamos, nessa perspectiva, como se produz uma escrita repleta de
significados. Significados estes que já vimos nos capítulos anteriores quando
trato da imprensa das capitais e agora nos deparamos com um quadro similar
no discurso regional.
Não se observa uma narrativa tão incisiva quanto as do Correio da Manhã ao
se tratar da fome nos trechos citados e esse é um ponto importante. O número
de reportagens com a palavra fome é menor que o do Correio. No entanto, o
discurso – apesar de “menos sensacionalista” – acabava por reforçar o mesmo
estigma de um sertão que vivia sempre nessa condição. Isso porque o uso das
palavras “desconsoladora”, “comoventes”, “consolação”, “ agelo”, “famintas”,
“infeliz”, “impiedosa”, “calamidade” e expressões como “teatro da fome” e
“fome impiedosa” configuram um tipo de narrativa comum sobre o nordeste
seco: a fome e a seca como discursos permanentes sobre ele, e sobretudo,
sobre o Ceará. A seca tida como um assombro que pairava sobre esse teatro
desolador.
Mesmo que, de fato, a seca seja um fator de desordem do espaço social,
provoque a morte de parcela da população e dos amimais, sabemos que a
mesma é um problema político-social e não apenas ambiental. Não proponho
aqui diminuir os efeitos da seca na vida dessas populações, mas devemos
problematizar como ela vem sendo usada historicamente. Logo, esse tipo de
escrita reafirmava uma perspectiva que corroborava com uma visão quase
que piedosa para com uma “pobre população” que necessitava de ajuda
pública. O clamor do povo – pede uma carta ao jornal – deve ser escutado. A
linha tênue está posta entre estas falas de A Ordem e uma narrativa das capitais
nacionais. As redes estavam entrelaçadas nesse sentido. Logo, o centro e a
periferia, no sentido de Ginzburg, não são antagônicos. Portanto, é preciso
pensar o efeito dos discursos sobre o semiárido, com o uso destas palavras
imbuídas de significações, e que ressaltam estereótipos.
A fome como elemento salutar na história dos sertões nordestinos foi tratada
por Josué de Castro em seu livro Geogra a da Fome, já citado em algumas
re exões no primeiro capítulo. O autor analisa questões importantes para o
problema da fome no semiárido: primeiro, ela vinha em surtos epidêmicos
surgidos com as secas, “intercalando ciclicamente com os períodos de relativa
abundância que caracterizam a vida do sertanejo nas épocas de
normalidade”790; segundo, com ela há extremos de desnutrição e inanição
aguda atingindo do mais pobre ao mais rico fazendeiro791. No entanto, ressalta
que a alimentação da população sertaneja baseada no milho a diferencia das
demais áreas do mundo que vivem desse tipo de alimento: os sertões do milho
não figuram uma miséria alimentar e isso configura-se uma exceção, porque
todas as áreas de milho são regiões de fome e deficiências alimentares. O que
existe nos sertões são condições naturais, hábitos tradicionais de vida que
permitiam uma riqueza alimentar mais complexa792.
Desejo apontar com essa re exão de Josué de Castro que o problema da
fome ocasionado pela seca, retratado em A Ordem, não revela que nos sertões
só exista fome, no sentido de miséria, com crianças desnutridas, como nas
célebres imagens que nos vêm a memória quando pensamos no sertão
nordestino. Nos jornais passou a ser comum desde o século XIX,
principalmente, fotografar crianças de barriga inchada, ou cadavéricas,
esqueletos e ossadas pelo chão. Muitas das imagens dos sertanejos eram
preparadas até mesmo em estúdios e, de fato, passavam a generalizar e apelar
à caridade para com os miseráveis das secas. Essa imagem passou a
representar não apenas os sertões, enquanto espaço geográfico, mas também
todo o Nordeste, em certa medida.
Vale ressaltar que não encontramos esse tipo de imagem nos periódicos da
década de 1930 selecionados para esta análise. O contexto já era outro, as
políticas públicas voltadas para os semiáridos também. As intervenções
científicas, ou mesmo como alguns intelectuais passaram a pensar essa região
havia mudado. Não se pretendia olhar essas áreas apenas pelo viés da caridade
ou do apelo ao sofrimento, mesmo que isso ainda tenha sido usado com
frequência.
Essas falas contraditórias ainda legitimaram uma escrita que nos faz pensar
como se estivéssemos olhando uma fotografia de miserabilidade sobre a seca.
A mesma – praticamente – que no século XIX legitimou um sertão triste e de
miséria. Esses olhares são muito comuns no caso brasileiro e se perpetuam no
século XX, como maneira de conseguir verbas para o combate à seca. Em
contrapartida, esse imaginário construído não condiz com a possibilidade que
os períodos de abundância de chuva podem proporcionar a um solo
semiárido. Apesar de não tão rico quanto o da zona da mata ou do litoral do
Nordeste, evidentemente a terra semiárida pode garantir a sobrevivência de
sua população. De acordo com Catarina Buriti e José Aguiar, o Brasil:

[…] quase nunca reservou para um quadro de privilégio as paisagens do semiárido nordestino.
Isso talvez, porque elas não corroborassem as representações do verde, como o que figura em
nossa bandeira, tão caras, no Império, ao “nacionalismo orestal” de um José Bonifácio de
Andrada e Silva, ou, mais tarde, na República, ao patriotismo naturalista de propaganda de um
conde republicano como Afonso Celso793.

Também é importante não deixar de lado o fato de que existe uma grande
desigualdade social no semiárido que não é ocasionada pelo fenômeno das
estiagens, e sim pelas relações com um latifúndio imperante, com as redes
patriarcais que perpassam a história dos sertões. Na década de 1930, com o
governo de Getúlio Vargas, apesar de tratar aqui do governo provisório, há
nesse momento a tentativa de um Estado centralizado. Por meio dos
interventores estaduais, Vargas buscou entrar nesses territórios mais distantes
que viviam sob o jugo das relações patriarcais e coronelistas. Essa intervenção
sobre todo o território passa a ocorrer, mas a relação com o coronelismo794 não
foi rompida. Esse quadro de dependência que o latifúndio opera sobre o
pequeno produtor sertanejo é o que legitima as diferenças sociais latentes, a
pobreza, e a miserabilidade de uma parte dos sertões.
No entanto, a fome, ao ser vista e narrada como um espetáculo teatralizado,
põe em questão o mesmo problema de um olhar do litoral, ou das capitais
nacionais, sobre os semiáridos: sertão sinônimo de atraso,
subdesenvolvimento, ausência do progresso, permeados pelo discurso do
avanço do capitalismo sobre o campo. E foi esse olhar que atestou a entrada na
suposta modernidade para superação da incivilidade. Legitimava, também,
políticas públicas paliativas que, por vezes, não mudaram a estrutura de
dependência política e econômica que acomete essas áreas.
Nesse panorama, o que é encontrado com maior ênfase é o discurso da
miserabilidade:

Enquanto a miseria lavra como um incendio as nossas terras agelando as nossas gentes, eles,
lá, os que estão assistindo a este espetáculo dantesco, mantêm-se indiferentes às nossas
suplicas e à nossa sorte795.

Um trecho do poeta e historiador Nicodemos Araújo da região de Acaraú,


no Ceará, publicado no jornal em 1932, revela o mesmo tipo de discurso.
Vejamos:

E a nossa pobre terra, – a Terra de Iracema. Entoa tristemente o seu triste poema. De miserias
e dores. Meio dia. O Sol a pino, os raios chamejantes. Dardeja sobre a terra, horriveis,
escaldantes, com barbaro furor. Deudeja o vento, alem na despida oresta. Onde outrora
entoava a passarada em festa, seus trinados de amor. Nas vastas áreas dos torridos sertões
rodopia a soalheira em negro aluviões pela campina adusta. E o sol é um azorrague […] que
atira vergastadas de fogo à terra que delira e agonisa combusta [...] É bem negra e cruel essa
calamidade que às vezes, sobre nós, como a Fatalidade, pesa, com tais horrores! E a nossa pobre
terra, – a Terra de Iracema, entoa tristemente o seu triste poema de miserias e dores!796

Em outra reportagem do A Ordem, há mais um texto do mesmo autor, no


qual ele diz:

A cada passo tropeçando nas escarpas do calvario da miseria o Ceará vai rastejando um caminho
alastrado […], e o ponto final de sua ma adada jornada será bem lugubre, talvez fatal. Pobre
terra para quem o destino tem determinismo tão rude, tão fatídico […] O Ceará fora, talvez,
um paraiso se a calamidade climatica, de perto em perto, não lhe visitasse com o seu sequito
sinistro de miseria e pernice. Desgraçadamente, entretanto, a Terra de Iracema tem a sua “asa
negra”!797

A miséria como espetáculo dantesco, a pobre e triste terra de Iracema, um


poema de miséria e dores, como escreve Araújo, ou o calvário da miséria do
Ceará que vai pelo caminho, em um “determinismo rude, tão fatídico”, com
seu “sequito sinistro de miséria”, como coloca o mesmo autor, revela mais
uma vez a intencionalidade de um tipo de escrita que gerava uma narrativa do
medo. A mesma que in uenciava o leitor das grandes capitais, ou mesmo do
interior, a temer a seca e a população sertaneja.
Pode-se pensar se A Ordem não defendia também os interesses de uma classe
dirigente que muito se beneficiava com essa visão de sertão. Estamos na seca
de 1932, quando o envio de verbas para as populações atingidas pela seca
obteve seu auge, comparado aos anos anteriores, com o Ministério da Viação e
Obras Públicas dirigido por José Américo de Almeida. Isso justifica o discurso
regional também dotado de um tom fatalista, porque, assim, poder-se-ia obter
verbas para minorar a seca, o que era vantajoso para as elites.
Em Santiago del Estero não foi diferente. Apesar de encontrar-se maneiras
de dizer e ênfases distintas, o viés narrativo legitimador de um olhar “piedoso”
sobre o semiárido santigueño é similar. Nesse aspecto, La Hora também falou
da fome. No entanto, encontramos a palavra “hambre” citada em três
narrativas apenas do ano 1937. Escolho esse ano, porque foi o de maior ênfase
na questão da seca, assim como fiz em relação ao periódico El Mundo. Isso se
deu, como já analisado, porque a seca santiagueña não encontra-se no centro
das discussões sobre a região, tal como sabemos em relação ao Ceará. Sobre o
tema da miserabilidade da região, vejamos como isso foi colocado pelo
periódico:

En la División, Sayago hizo un relato impresionante. Confesó que había robado por primera
vez en su vida porque se hallaba sin trabajo y sus hijos, todos chicos sufrían hambre798.
Este llamado de auxilio lo hacemos extensivo en especial a nuestro gobernador, de quien
esperamos una urgente ayuda para salvar a numerosas familias seriamente amenazadas de un
terrible mal, el hambre799.
¿Cual ha sido el resultado inmediato de la campaña rorista de la prensa? El que muchas casas de
comercio de la Capital Federal hayan cancelado sus compromisos con comercios [...] en tal
forma que hoy se considera a Santiago del Estero como una provincia paupérrima con la que
no vale la pena de comerciar por la sencilla razón de que no se puede en un pueblo en el que la
gente se muere literalmente de hambre. ¿Las declaraciones del gobernador doctor Pio
Montenegro constituyen una patriótica reacción contra la leyenda de nuestra miseria? ¿Vale,
acaso, la pena de trocar nuestro concepto de pueblo rico y trabajador que hemos[...] hasta
ahora, por un plato de lentejas? 800
Há duas falas distintas que nos cabe analisar criteriosamente, porque são
distintas e apresentam pontos de similitude com o caso brasileiro. Ao mesmo
tempo em que há o primeiro fragmento que descreve a história de um pai que
passou a roubar porque os filhos estavam sofrendo de fome e o segundo que
pedia ajuda ao governo para salvar famílias que estavam ameaçadas desse
“terrível mal”, há o terceiro trecho que aponta que a imprensa exagerava em
relação às notícias da seca, o que levou os comerciantes da capital federal a
cancelarem acordos com Santiago. A província não merecia esse estigma e
muito menos necessitava de esmolas. A reportagem passava a se perguntar, o
que ganhavam certos discursos quando enfatizavam que a população de
Santiago morria literalmente de fome? Cabia mesmo trocar a concepção de
uma população rica e trabalhadora por um prato de lentilha? Nesse sentido,
devemos re etir também a partir desses trechos, sobre essas ambiguidades
discursivas que acabam legitimando poderes.
Em primeiro lugar, analisemos os dois fragmentos em que a narrativa da
fome aparece de maneira mais alarmante. É possível pensar que ela está
atrelada a uma visão de pobreza e pode nos fazer remeter à ausência de uma
re exão sobre as potencialidades possíveis da própria zona santiagueña.
Evidentemente, em meio a uma calamidade o que é ressaltado nos discursos
são os sofrimentos inerentes a ela. Mas até que ponto esses olhares não se
perpetuam e geram ausências de políticas públicas efetivas para essas áreas?
Podemos pensar do mesmo modo para o caso do Brasil nos discursos que
analisei acima e nos demais que re etiremos a seguir.
Cintia Zirino aponta que o imaginário nacional Santiago del Estero
representa condições de pobreza e marginalidade devido ao seu espaço
geográfico e às características ambientais que não são favorecidas pela
abundância de água801. Porém, ressalta que a província é composta de uma
vegetação mais pobre e outra de grandes potencialidades.
Vale uma menção nesse sentido, Alejandro Gacendo, na Memoria Descriptiva
de la Provincia de Santiago del Estero, datada do século XIX, apresentava a
geografia da província. Apesar de ser uma escrita voltada para uma
notoriedade em relação a Santiago, ele explica detalhadamente áreas
existentes dentro do território. Houve, nesse contexto, a proposta do
Departamento de Agricultura para que se publicassem informes ou descrições
dos produtos naturais e elaborados pelas províncias, para que se estimulassem
estudos para o fomento da imigração e da indústria nas diversas regiões. Com
isso, foram abertos concursos para que as províncias elegessem quem
escreveria, do ponto de vista agrícola e industrial, a redação das Memórias
descritivas.
Assim, nesse contexto, Alejandro Gancedo, agrimensor e professor do
Colegio Nacional, redigiu as Memórias. Dizia ele, em trecho deste documento,
que havia uma parte de semibosques formados por arbustos espinhosos e
raquíticos, com a água bastante escassa. Na parte sul da serra de Guasayan,
tinha vales com uma boa vegetação. As Serras de Sumampa e Ambargasta
eram prolongamentos das serras de Córdoba. Havia uma serra que corria
pouca água que era usada para o gado, contendo abundantes pastos. Existiam,
ainda, vales que formavam serras que continham uma capa de terra vegetal
onde se plantavam cereais, legumes e alfafa para o gado. Entre os rios Salado e
Dulce alternava-se o bosque comum de quebrachos, algarrobos, mistoles, brea e
campos de pasteaderos e jumilaes. Na banda oriental e ocidental do rio Salado,
havia campos que o autor dizia serem dignos de serem notados porque eram
propícios para o gado. Às margens do Rio Dulce, predominavam os melhores
pastos para o gado vacuno. No solo, em geral, prosperavam muito bem uva,
cana-de-açúcar, trigo, milho, arroz e outros vegetais, classificando, assim,
como bom o tipo de terreno da província santiagueña. Ainda existia uma
colheita abundante de milho e trigo nas costas dos rios Dulce e Salado e um
bom tipo de arroz802.
De acordo com Zirino, ainda podemos destacar uma área “forestal ganadera
de cría, agrícola secano y orestal, agrícola seco y ganadera de cría, minera y ganadera
caprina, agrícola de riego, ganadera caprina y lanar, ganadera de cría y de lechera”803.
Segundo a autora, é possível encontrar: “[…] El jume junto al tártago […] para
obtener una especie de jabón”804. A algarroba, que no Brasil chama-se alfarroba,
rica em vitaminas e em propriedades nutritivas para saúde, é caracterizada
em Santiago “como el alimento de los pobres, es un árbol que en sus vainas contiene
una sustancia carnosa y granos […] el mistol, que es una fruta pequeña de color rojizo
[…] su sabor es dulce […] complementa a dieta campesina para valiar la
alimentación. El chañar, proporciona una fruta símil a la aceituna […]805.
Desejo evidenciar, com esse panorama, que a convivência com o semiárido
foi possível na história dessas áreas e que, do mesmo modo que no Ceará, é
possível uma dieta qualitativa na vida da população santiagueña. Assim, em
Santiago del Estero também existe – dentro da lógica local – uma geografia
onde a população pode viver sem o estigma da fome e da miséria. Por que,
então, essas regiões continuam a viver à margem do sistema dentro dos seus
países?
Por outro lado, quando o jornal ressaltava que havia exageros na narrativa
da miserabilidade de Santiago, podemos supor elites locais que tinham medo
de não receberem investimentos dos comerciantes da capital federal, o que
prejudicaria principalmente os poderes dirigentes. Aqui, por conseguinte,
quando se tratava de não rotular a região em relação à pobreza, ligava-se tal
fato mais ao sentimento de uma classe dirigente local que dependia dessas
relações financeiras com Buenos Aires, do que necessariamente porque a
população mais pobre não “merecia” esse estigma, ou estava morrendo de
fome e sede.
Como salientado, os dois tipos de narrativa – tanto a que enfatizava a fome,
quanto a que queria diminuir esse tipo de olhar sobre Santiago del Estero –
não colocavam em xeque as questões que estão para além dos episódios da
seca e que não apenas politicamente, mas simbolicamente oprimem e
reafirmam determinismos que perpassam a história desses territórios.
Assim, escreveu Bernardo Canal Feijóo dizendo que para além dos Pampas
existia a região Norte, das grandes selvas, das montanhas, “pero la impresión
nal es que las letras argentinas, lo mismo que ‘la civilización’, se han apoderado de las
pampas mejor que de las selvas y montañas”806. Sendo claro que havia uma
“división del trabajo de la emoción geográ ca en la función intelectual del país”807. E
essa selva e esse bosque esquecidos por Buenos Aires apareciam ainda mais
evidentes dentro dessa lógica do esquecimento em períodos de seca, já que a
mesma reverbera tanto na cidade como no campo. Nesse sentido, sobre a
miséria enquanto fator discursivo, também encontramos algumas reportagens
no periódico La Hora que objetivamos problematizar:

La nota dice que bien es cierto el P.E se apresuró importante suma para realización de obras de
extensión de la miseria y la continuación de recursos son insuficientes y, además, solo llegan
las próximas a las estaciones de ferrocarril y las de comunicación….Termina dicha nota
recordando que en tiempos casi normales, cuando el general Justo visitó la provincia, pudo ver
miseria en que vivían las criaturas, pudiéndose en idea exacta de lo que sucederá ahora808.
Se han reunido los pequeños agricultores de las zonas del Zanjón, Maquito, Yanda y La Vuelta,
a fin de llevar por medio de las columnas de la prensa local, y como anticipado y en vista que
en estos lugares no ha llovido y signe siendo víctima por la gran sequía y la miseria reinante
que es del dominio público809.
Reconociendo pues se vive un momento angustioso [...] numerosas familias obreras se ven en
la más completa miseria, sin tener medios de movilidad, por haberse quedado a pié sin
disponer de un solo animalito en que levantar el apero a fin de buscar la vida810.

Busquemos as expressões importantes desses fragmentos e que estão


dotadas de significações: “la extensión de la miseria”, “miseria en que vivian las
criaturas”, “miseria reinante”, “victimas de la grand sequía”, “momento angustioso”,
“completa miséria”. Essas expressões definem, mais uma vez, um tipo de escrita
que corrobora com as re exões até aqui feitas: a descrição regional também
reafirmava estereótipos. Atesta-se esse fator, principalmente, com a
reportagem citada, que diz que o presidente Justo esteve na região antes da
seca e viu a miséria em que viviam as criaturas.
Novamente, compreendo que o estado de coisas que um fenômeno como a
seca pode ocasionar em uma determinada área é catastrófico. No entanto,
quando o periódico noticia a seca desta maneira torna-se menos denunciativo
e muito mais uma apologia à precariedade da região (mesmo que tenhamos
visto que, em certos momentos, isso não era a vontade do jornal). O que
novamente não problematizava a conjuntura de desigualdade existente,
independentemente do período de estiagens.
As pessoas eram, então, vítimas da seca, viviam miseravelmente aquelas
criaturas, dizia o jornal, porque era a miséria que reinava neste momento
angustioso de uma dor tétrica. O discurso, mais uma vez, colocava na seca o
problema das péssimas condições que estavam passando a população. Não se
fugia, assim, do senso comum. Eram o clima e a geografia determinantes das
vítimas da grande seca de 1937.
Lembramos, nesse aspecto, como a capital olhava para o interior. Canal
Feijóo assinalava em 1942 que havia uma narrativa da capital que somente
mirava para NOA como “la parte di cil y no poseída de la patria811“ e que
seguiam demonstrando sua impotência imaginativa quando se tratava de
representar o panorama da realidade ultrapampeana. Contava Canal Feijóo
que alguém, em certo ano de seca e de epidemias, disse que nenhum motivo
legitimava a existência de uma ou duas províncias do Norte, precisamente as
mais antigas no mapa político do país. Outra pessoa havia também
caracterizado a parte do Noroeste com os adjetivos “subtropical, cálida y
árida”812 e que isso, sem dúvida, deixava as grandes árvores de quebrachos e
outas espécies gigantes, bem como os grandes estabelecimentos de gado,
estupefatos com essa caracterização, e o que então faltava à alma argentina
era “imaginación nacional”813. A crítica principal do autor santiagueño é a
mesma a que me refiro de certo modo aqui: a inspiração totalizante do
pensamento argentino minimizava e eliminava as diversidades regionais.
As falas dos jornais também não deixavam de legitimar essa visão de uma
região cálida e árida. A miséria devia ser vista, para La Hora, relacionada ao
problema da seca, da geografia da região, e não porque a população não era
trabalhadora, ou porque Santiago não tinha possibilidades de
engrandecimento. As duas questões postas pelo periódico são de extrema
importância discursiva, porque, de fato, La Hora desejava reafirmar a
importância da região na esfera nacional. No entanto, fazia isso colocando a
natureza e o clima como principais problemas. Por isso, devemos re etir o
que está para além do texto em si e que pode estar repleto de significações,
silenciamentos e ausências.
Bakhtin diz que “a relação existente entre a oração e o contexto transversal
da realidade (a situação, as circunstâncias, a pré-história), e os enunciados de
outros locutores não é uma relação direta ou pessoal, é intermediada por todo
o contexto que a rodeia, ou seja, pelo enunciado em seu todo814”. A oração,
então, encontra-se em relação direta com a realidade. Nesse aspecto, o autor
ressalta que as pessoas trocam, em realidade, não orações estritamente, mas
sim “enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua – palavras,
combinações de palavras”815.
Nesse sentido, um enunciado neutro é impossível. Retomemos os discursos
dos periódicos mencionados para re etir sobre como eles elegeram um dado
gênero de discurso, uma forma de escrever e narrar a seca, já que a “relação
valorativa com o objeto do discurso (seja qual for esse objeto) também
determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do
enunciado. O estilo individual do enunciado se define acima de tudo por seus
aspectos expressivos”816. Ou seja, para Bakhtin, cada escolha enunciada dispõe
de recursos linguísticos que devem ser considerados na hora de analisarmos
um discurso. As palavras e expressões usadas pelos jornais para tratar das
conjunturas cearense e santiagueña são dotadas de significação, sendo o
locutor que confere “um juízo de valor a respeito da realidade, que ele
realizará mediante um enunciado concreto”817.

3.2 O discurso do êxodo: uma população com “vocação” para


migrar
Outro ponto comum entre o Ceará e Santiago del Estero é o discurso das
migrações, como referido em toda nossa análise. Em um discurso local, esse
também é um marco importante dessas regiões. No segundo capítulo, vimos
que era recorrente esse olhar, principalmente do litoral para com o Ceará e
Santiago del Estero. Quando o santiagueño e o cearense falavam sobre si, o
“ser migrante”, a migração, estavam também em pauta. No Ceará, a questão
do cearense desbravador de terras é um olhar caro a essa população no
decorrer da história. Em Santiago del Estero percebe-se que o caminho desta
narrativa é semelhante. Naturalizava-se essa condição de migrar em busca de
trabalho como fator condicionante da vida dessa área. É como se esse “ser
migrante” fosse um traço “natural” de um território que não permite muitas
possibilidades de enriquecimento e prosperidade.
Começo com as reportagens do jornal A Ordem, em que as palavras
migração e êxodo aparecem e como estão dispostas nesses discursos:

Encontra-se o distrito de Iboassú na mais a itiva situação em consequencia de terrivel agelo


da seca que […] está declarada […] A população pobre já não suportando o rigor da fome emigra
para diversos pontos do litoral, sem destino a procura de recursos. Diversos trabalhadores deste
e de outros distritos circunvisinhos perambulam pelas fazendas implorando a caridade dos
fazendeiros que também já se acham exaustos818.
Chegam de quasi todos os municipios da zona os clamores da fome que está assolando nos
sertões, forçando a emigração aos bandos, em demanda dos logares onde ha noticia ou
promessa de serviços do governo. Sobral recebe, diariamente, novas levas de emigrantes que se
estão localizando nos arrabaldes da cidade, apesar de não haver nesta cidade nem um serviço
publico de vulto, presentemente819.
Os jornais do Brasil inteiro continuam a descrever diariamente, as cenas horrorosas que se vão
passando em todo o vasto e enxuto sertão nordestino. Chovem telegramas da Bahia ao Piauí
descrevendo o exodo das populações e a escassez de agua, a mortandade dos gados, a fome e a
peste. A estatística, por outro lado, atesta de forma inexoravel que a estiada secou todas as
fontes economicas de tão vasto e populoso rincão nacional820.

Os primeiros três fragmentos ressaltam alguns aspectos que tornaram a


população sertaneja detentora de uma mácula que se estende, em certos
aspectos, até os dias atuais: todo nordestino, todo sertanejo por consequência,
é um desbravador de terras, um migrante nato a procura de uma vida digna.
As expressões “população pobre já não suporta o rigor da fome e emigra”,
“sem destino”, “perambulam pelas fazendas”, “implorando caridade”,
“fazendeiros exaustos”; ou mesmo “os clamores da fome”, “forçando a
emigração aos bandos”, “cenas de horrores”, “chovem telegramas”, “a
mortandade dos gados, a fome e a peste” nos fazem deparar com a mesma
narrativa referente ao Correio da Manhã, quando o jornal trata da questão das
migrações. Reforçava-se a natureza e o estado de coisas que uma seca
proporcionava como fator principal das migrações.
A Ordem também não deixava de atestar a ideia de que o sertanejo, com
medo da seca, se tornava um ser humano a vagar pelas cidades, a pedir a
caridade ou trabalho. Sem destino, ele rumava a qualquer futuro incerto, ele
que era forçado a migrar por causa da falta de chuvas, por culpa da natureza.
A expressão “em bando” era ainda mais emblemática: o sertanejo não tinha
rosto, não tinha gênero, não sabemos quem é, torna-se uma “massa amorfa”,
fadado a um destino preestabelecido e incerto; a terra o expulsava e ele
migrava.
O que se vê – nesse tipo de discurso – é, mais uma vez, a vida do sertanejo
condenada à desordem por causa de uma seca. Falar de cenas de horror, morte
de animais, pestes que se alastram, o clamor da fome, é o mesmo que a visão
que o litoral tinha do sertão em períodos de calamidade e até mesmo fora
dele, ao passo que também devemos considerar os contextos e o uso dessas
palavras. Já tratou-se das migrações no capítulo anterior e se viu como se
deram em uma visão nacional. Vimos como o Governo Provisório lidou com
isso e como uma elite local também não desejava perder braços, tanto para o
trabalho na terra, como para a própria construção de obras públicas que eram
realizadas com a mão de obra barata dessa população sertaneja. Contudo,
havia, também, a migração para outras áreas do país, como São Paulo e
Amazonas, um discurso utilizado pelas elites desejosas em manter os
agelados cada vez mais afastados das capitais.
Logo, havia duas questões a se pensar: primeiro, uma elite local que não
queria que a mão de obra sertaneja fosse perdida para outras capitais, ou seja,
o medo do vazio demográfico e da perda de braços era latente. Como salienta
Albuquerque Júnior, “o agregado, a mão de obra, o jagunço e, às vezes, o
‘eleitor de cabresto’ do coronel”821 saindo desse sertão, desorganizava as
relações tradicionais de produção e de poder. A outra questão se refere ao
governo que não conseguia conter a massa que esvaziava os semiáridos.
Para frear qualquer tipo de tensão social, passava a subsidiar passagens para
o Sul e – principalmente – para a Amazônia, onde os sertanejos cearenses se
tornavam mão de obra para o mercado em ascensão da borracha ou mesmo
passavam a trabalhar nas capitais nacionais. Nesse aspecto, podemos
considerar o medo de uma elite citadina do êxodo dos sertanejos para a capital
Fortaleza e o medo dos grandes proprietários de terra de perdas de braços em
períodos de seca. Vejamos, no fragmento seguinte, o tom mais dramático
aparece mais evidente quando se tratava desse deslocamento de sertanejos:

O Ministro da Viação forneceu uma nota à imprensa, explicando na mesma qual foi o criterio
adotado para o deslocamento dos agelados. O ministro José Americo está em desacordo com
o deslocamento para S.Paulo, mais deante das grandes aglomerações que estão se
concentrando, em procura de trabalho, concordou, finalmente, na transferencia de mil
famintos para S.Paulo, com fim mesmo de evitar um surto epidemico. O Ministro da Viação
estabeleceu que até dois anos o Estado terá obrigação de promover o regresso daqueles que
não quiserem permanecer em S.Paulo […]822
O exodo macabro
Rio, 13 – O dr. José Americo, ministro da Viação, telegrafou ao interventor do Ceará
comunicado que o vapor “Itapagé” demorará em Fortaleza durante tres dias para receber 140
agelados destinados a São Paulo823.

Aqui, o sertanejo é tratado como sinônimo de “aglomerações”, “famintos”,


ligados também a doenças. Certa imprensa, tanto da capital do país como a
regional, também via com pânico a invasão de retirantes nas capitais. Essa
construção de uma narrativa do medo dos sertanejos fez parte do
entendimento em torno dos sertões e da própria população que aos poucos foi
sendo isolada e afastada dos centros urbanos para que não conseguissem
ocupar os espaços das cidades. A pobreza que a própria cena das retiradas
trazia passou a ser camu ada. Além disso, a elite latifundiária não desejava
perder mão de obra para outras localidades, como analisado até aqui. As
estradas de ferro, por exemplo, foram também pensadas nesse sentido, para
que os socorros fossem levados para os sertões em momentos de crise, de
modo a se evitar as migrações. Assim, quando o jornal dizia que era preciso
evitar a concentração dos cearenses para não haver “surtos epidêmicos”,
passava a tratar os sertanejos como doentes. Logo, o agelo revelava uma
população enferma824.
Já foi assinalado como Kenia Rios destacou o olhar vigilante que chegou aos
sertões e aos corpos dos sertanejos no contexto de 1932. Por isso, ao mesmo
tempo que não se queria deixar que o sertanejo migrasse, desejava-se,
também, que fosse para as capitais, como São Paulo. Era preciso dar solução
às multidões aglomeradas que passavam a pedir trabalho. Eram soluções
contrastantes, grosso modo, mas que desejam conter a chegada de sertanejos,
dos indesejados da fome. Por vezes, Fortaleza viu a população do sertão dessa
forma. Não se queria uma cidade suja e feia, com pessoas maltrapilhas a pedir
esmolas. É evidente que uma visão de que o sertanejo era praticamente, mais
uma vez, uma massa que se juntava ao redor de obras públicas e assim
desordenava a própria lógica social, fazia-se evidente no próprio discurso
regional. O título mesmo de um dos fragmentos chamava-se “O êxodo
macabro”. Como a persistência e reafirmação desse tipo de narrativa do
“terror” poderia levar à legitimação da conjuntura de desigualdade
preexistente? A população, assim, continuava a ser vista como bárbara,
incivilizada, rude; ao mesmo tempo, sabemos que havia um olhar que
desejava mostrar que esse mesmo sertanejo era o homem trabalhador,
desbravador de terras.
Considero, em toda a análise, dois fatores fundamentais: primeiro, que os
semiáridos – tanto no Brasil quanto na Argentina – são passíveis de grandes
possibilidades de proporcionar uma vida estável para suas populações. E,
segundo, que a pobreza de certos grupos sociais existe independente dos
períodos de forte estiagem, considerando-se, por conseguinte, que o clima e a
natureza da região não são determinantes das desigualdades sociais, do fosso
existente entre o litoral e o interior, ou mesmo são fatores que levem
necessariamente às migrações.
Partindo dessas considerações, partilho da hipótese de Catarina Buriti e José
Aguiar: a história dos movimentos migratórios de nordestinos para o Sul e
para Amazônia na década de 1930 deve ser pensada como uma “alternativa
encontrada para fugir não necessariamente a essas ‘adversidades’ naturais,
mas aos (des)mandos político e econômico locais, intensificados nos
momentos das secas prolongadas”825. Isso para que possamos desconstruir a
ideia de “uma natureza ‘hostil’, ‘adversa’, ‘imutável’ e responsável pelos
maiores problemas dessa sociedade”826. Os autores apontam, nesse sentido,
como os sertanejos eram explorados por uma oligarquia local que
monopolizava recursos naturais como a água, terras de cultivo e pecuária.
Vejamos como se configurava esse tipo de lógica nos sertões nordestinos e
como consideraremos, a partir desta análise, a migração como estratégia e
não como uma condicionante da vida de uma região cujas mudanças
climáticas são latentes.
De acordo com Francisco de Oliveira, nota-se no Nordeste uma questão
central para a vida do semiárido: O “Nordeste açucareiro” e o “Nordeste
algodoeiro-pecuário”. Foi no final do século XIX e com a Primeira República
que o controle político da nação começava a sair das mãos dessa burguesia
açucareira e passava para as “mãos da classe latifundiária que comandava o
processo produtivo algodoeiro-pecuário”827. Aponta Oliveira, portanto, que
aquela imagem do Nordeste da cana-de-açúcar, tão celebrada por Gilberto
Freyre, “começou a ser substituída pela imagem do Nordeste dos
latifundiários do sertão, dos ‘coronéis’, imagem rústica, pobre, contrastando
com as dos salões e saraus do Nordeste ‘açucareiro’. Nesse rastro é que surge o
Nordeste das secas”828.
Francisco de Oliveira afirma que a configuração de uma economia extensiva
deu lugar “a uma estrutura social pobre”, e que nos sertões, a princípio, a terra
não teria sido apropriada “senão nos limites das fazendas, sendo o resto um
espaço livre”829, onde o gado podia pastar livremente. O que redefine então
esse espaço do sertão da pecuária – assinalado no primeiro capítulo, como o
fator da ocupação dessa área – é a entrada do algodão, como ressalta Oliveira.
O autor analisa que o fazendeiro passava a se apropriar de parte do valor do
lucro do algodão que ele partilhava com o meeiro830, como forma do que ele
chama de sobretrabalho. “O proprietário quase nunca exige um pagamento do
meeiro para utilização da terra. O fazendeiro, em sua ideologia, ‘dá’ a terra de
graça para seus moradores”831. Assim, o algodão se une à antiga pecuária e à
cultura de subsistência, formando a estrutura que Oliveira conceitua como
“latifúndio-minifúndio”832. É também a partir desses mecanismos que o grande
proprietário do semiárido passou a financiar mercadorias que o meeiro não
produzia como o sal, a roupa, o calçado. Para tanto, o fazendeiro descontava
da colheita, cobrando altos preços sobre os produtos. Então, “no fim, restará
ao meeiro tão somente sua própria força-de-trabalho e a de sua família, como
a qual recomeçará o círculo infernal de sua submissão”833.
Victor Nunes Leal explica que, em um dado momento da história, o que se
tornou mais comum foi a figura do fazendeiro que possuía propriedades e
negócios, mas não necessariamente tinha dinheiro. O que se via pelo interior
do país era o coronel sem grandes confortos de vida. Às vezes, podia ter água
encanada, luz elétrica e instalações sanitárias, o que fazia com que a
população que vivia da roça sempre visse essa figura do grande latifundiário
como um homem rico, ainda que não o fosse; rico em comparação a sua
pobreza. Nesse aspecto, era também esse proprietário de terra ou gado que
conseguia os financiamentos bancários devido ao seu prestígio político. Então,
era para ele que o sertanejo apelava “nos momentos de apertura, comprando
fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas
mesmas condições, para outras necessidades.”834
Foi essa figura da oligarquia algodoeira-pecuária que dominou o discurso da
seca, a partir do momento em que percebeu que através dele ela podia se
beneficiar com o envio de verbas para o seu combate. Em 1932,
especificamente, falo da relação dessa oligarquia com o envio de recursos pela
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) como já mencionado nos
capítulos anteriores e no qual aprofundaremos no próximo capítulo. Por isso,
quando A Ordem também ratificava um discurso em que a natureza era o
problema do êxodo e da fome, ao mesmo tempo naturalizava que a população
sertaneja era passível de migrar por isso, reforçando o que Rafael Ribeiro
analisa em suas re exões: “a necessidade de dar à região uma ‘compensação’
por seus azares climáticos de um autodesenvolvimento em função da natureza
hostil é o pano de fundo dessa tragédia”835.
Pode-se pensar um pouco mais essa configuração dos sertões para que se
possa compreender o seu lugar na narrativa tanto local quanto dos ditos
centros de poder. Com a cultura pecuária, originou-se também um novo
elemento social: o vaqueiro. Darcy Ribeiro descreve que a economia do
pastoreio – em tempos da sua formação no período colonial e posteriormente
na sua consolidação – nasce não a partir de um regime de escravidão, mas sim
“num sistema peculiar em que o soldo se pagava em fornecimento de gêneros
de manutenção, sobretudo de sal, e em crias do rebanho”836. Esse vaqueiro
vivia nos currais com sua família, ali plantavam suas roças, tinham suas vacas
para o leite, a coalhada e os queijos. Afirma, como analisado até aqui, que as
relações estabelecidas com os donos das terras e do rebanho eram
hierárquicas, apesar de menos desiguais do que a estrutura do nordeste
açucareiro e seus engenhos com o regime de escravidão. O que se tinha era
uma relação de compadrio e apadrinhamento, respeito entre esse senhor e
seus homens, apesar das relações de dependência inerentes ao latifúndio.
Ribeiro faz a seguinte analogia: “o criador e seus vaqueiros se relacionavam
como um amo e seus servidores. Enquanto dono e senhor, o proprietário tinha
autoridade indiscutida sobre os bens e, às vezes, pretendia tê-la também sobre
as vidas”837.
Darcy Ribeiro expõe em suas re exões, portanto, que com o aumento da
população essas zonas de pastoreio transformaram-se em “criatórios de gente,
dos quais saem os contingentes de mão de obra requeridos pelas demais
regiões do país”838. O autor apresenta uma assertiva importante: “Assim,
formaram-se os grupos pioneiros que penetraram na oresta amazônica a fim
de explorar a seringueira nativa e outras espécies gomíferas. Assim ocorreu
para a abertura de novas frentes agrícolas no Sul. Assim, também,
engrossaram as populações urbanas”839. Afirma ainda que a partir dessas
relações, os sertões se tornaram “um vasto reservatório de força de trabalho
barata, passando a viver, em parte, das contribuições remetidas pelos
sertanejos emigrados para sustento de suas famílias”840. O autor observa o que
é fundamental nesta análise, que certos tipos de discursos que legitimam que
os sertanejos possuem uma “vocação” inata para migrar, desconsidera
justamente essa correlação de forças que governava o sertão.
Assim, quando A Ordem afirmava esse tipo de visão (fosse intencionalmente
ou não) pode ser um caminho para se re etir sobre que tipo de manutenção de
poder se dá quando se opta por esse discurso em um jornal. Não é apenas a
seca propriamente enquanto problema da natureza que expulsa a população.
É necessário ir além desse fator, porque a seca é uma questão social e,
certamente, com ela, revelava-se, de maneira mais dramática, as levas de
agelados “que emergem do sertão esturricado pela seca […] enchendo,
primeiro, as estradas, depois as vilas e cidades sertanejas”841.
O que estava entre a população e o governo federal era a figura senhorial dos
coronéis: “monopolizando não só as terras e o gado, mas as posições de
mando e as oportunidades de trabalho que enseja a máquina
governamental”842. E eram eles, por conseguinte, donos de terras, gentes e
gados, como analisa o Darcy Ribeiro, que por conta da perda de gado
passavam a agir durante as secas, apropriando-se da ajuda do governo e
fazendo da seca um negócio.
Nesse sentido, pensando nos pontos de similitude e respeitando as
diferenças, Santiago del Estero também é conhecida historicamente por ter
uma população acostumada a migrar e ser força braçal em outras terras,
principalmente a que vive nas áreas mais agrícolas da província. Esse discurso,
e esse poder que pode legitimar na sociedade santiagueña e mesmo argentina,
é, como considero aqui, ponto-chave para determinismos e estigmatizações
diversas. Podemos, então, encontrar pontos em comum com o caso brasileiro
e re etir sobre os contextos nos quais se inseria esse tipo de visão. Vejamos
como La Hora colocou essa questão em voga em suas reportagens:

Una persona que con motivo del levantamiento del censo ganadero reciente, ha tenido
ocasión de andar por un departamento del Noreste de la provincia, nos ha referido en una
conversación de las que habitualmente se hace para cambiar datos, que ha podido notar la
despoblación en esa zona, pudiendo decir que la mayoría de los ranchos y casa se hallan
abandonados. No hace mucho comentamos también el caso de agricultores que han tenido
que desamparar la zona de cerca de Colonia Dora, debido al fracaso de las cosechas, lo cual
unido a la falta de organización de un sistema conveniente de estímulo para los trabajadores de
la tierra, los había llevado a verse en el más completo desamparo y por tanto forzados a
defender la propia vida con la inmigración a otros puntos menos hostiles [...]
En efecto, quiere decir que la sequía prolongada en algunas zonas ha vencido la tradicional
resistencia del criollo para con las condiciones desfavorables del medio ambiente. Y eso es
grave. Donde el criollo no puede vivir de la ganadería, para la cual se necesita nada más que el
agua como elemento indispensable, entonces será imposible radicar otra población sin acudir a
la ejecución de obras costosas [...] Nuestra población comenzará a llevar una vida nómade
primero en su propia tierra y luego, quien sabe, tal vez tendrá que irse definitivamente donde
no se le ofrezca el abandono como única perspectiva y la falta de solidaridad social como efecto
del egoísmo y de la incomprensión843.
Noticias llegadas de Colonia Dora expresan que debido a la sequía y a la escasez de agua del
canal que deriva del Salado, se ha producido en esa zona un éxodo de agricultores corridos por
el fracaso en que los ha sumido la naturaleza aunada en esa tarea perjudicial [...] Esos
agricultores en éxodo debieron ser ayudados en alguna forma por los poderes públicos para
que rehagan su suerte en esta misma zona a la que han consagrado sus esfuerzos en una forma
que sin culpa de ello ha resultado estéril. Quizá la experiencia les haya aleccionado en forma
fecunda. Pero es esa la consecuencia de la falta de solidaridad844.
Buenos Aires, 27 – En la presidencia de la Nación se ha recibido una nota de los vecinos de
Villa Robles, en la que en nombre del comercio y la industria agrícola ganadera solicitan la
realización de trabajos en la zona, para socorrer a los numerosos pobladores perjudicados por la
sequía. Agrega la nota que el éxodo de familias hacia lugares más beneficiados por la naturaleza
es constante y amenaza con dejar despoblado un extenso territorio845.

Encontra-se três fragmentos, nesse periódico, em que a questão das


migrações é colocada em pauta no ano de 1937. As expressões usadas se
referem a “despoblación de la zona”, “ranchos y casas abandonados”, “más completo
desamparo”, “forzados a defender la propia vida con la inmigración” ou mesmo que
a seca prolongada “ha vencido la tradicional resistencia del criollo” e, por isso,
relatava o jornal, “nuestra población comenzará a llevar una vida nómade” ou
mesmo diziam que por causa da forte estiagem se “ha producido en esa zona un
éxodo de agricultores” devido ao fracasso da própria natureza. Esses agricultores
“en éxodo debieron ser ayudados”. Por fim, na última nota relativa a Buenos Aires
o jornal indicava, mais uma vez, que a seca estava prejudicando numerosos
povoados e, por isso, o “éxodo de famílias hacia lugares más bene ciados por la
naturaleza es constante y amenaza con dejar despoblado un extenso territorio”.
O que mostram esses trechos? Como eles se aproximam do caso brasileiro?
Parto de dois pressupostos de similitude com a ideia de migração adotada
para o caso cearense: Primeiro, a natureza posta como o problema para o
êxodo ou mesmo para o abandono e o despovoamento do território. Logo, a
seca como o fator dessa expulsão ou mesmo a semiaridez como causadora da
seca. E, segundo, a migração como forma de sobrevivência e não como uma
virtude inata aos santiagueños. É importante re etir, do mesmo modo, como
a conjuntura política e econômica adversa e não apenas a natureza hostil que
tirava a resistência desse genericamente chamado criollo; esse deve ser o ponto
nevrálgico para a migração. Migrar não é uma sina, o que deve ficar evidente.
No entanto, os santiagueños também são conhecidos como a população que é
mão de obra para outras áreas e vejamos como isso acontece dentro da lógica
social rural argentina.
Na mesma perspectiva, as grandes retiradas das populações de Santiago del
Estero também eram uma questão antiga da província e compunham o
discurso em torno da região. A população santiagueña vista como mão de
obra que povoa outras áreas ou mesmo aquelas pessoas que migram, mas
detém sempre um apego à terra e um desejo de retornar, também são casos
vistos em Santiago del Estero. O êxodo é uma construção que faz parte de
uma trama econômica, social e política, mas também que se consolida no
imaginário.
De acordo com Alberto Tasso e Reinaldo Ledesma, as migrações cruzaram,
muitas vezes, a planície de Santiago del Estero, desde a região arborizada do
leste até Tucumán, motivadas pelo acesso a recursos naturais e especialmente
a água dos rios846. Logo, a seca também é um fator determinante em relação às
retiradas em períodos de calamidade. De acordo com os autores, parece claro
que já no século XVIII se havia configurado em Santiago um espaço
reprodutivo de mão de obra assalariada que, com a migração, deslocou-se
para outras regiões de maior demanda, como a Pampeana847.
No documento Memorias Descriptivas, escrito por Lorenzo Fazio em 1889, um
periodista da região que foi convidado pelo governador da província
santiagueña da época, seu cunhado, Absalón Rojas, para escrevê-la, também
nos oferece dados importantes. Fazio dizia:

Aunque amantes de su provincia y característicamente apegados a su suelo, los hijos de


Santiago mantienen la tradición de sus emigraciones periódicas; y, pasada la estación en que se
dedican a la formación y cultivo de su rastrojo, los más pobres se recomiendan a la buena
voluntad de su caballo, se procuran toda la provisión de algarroba seca que puede llevarse
juntamente con un pequeño atado de ponchos, mantas, frazadas y jergas tejidas por sus
mujeres, cruzan los montes santiagueños las llanuras y sierras de Córdoba, las soledades de las
salinas y la pampa y llegan hasta Buenos Aires, sin perder el rumbo de la estancia de encontrar
siempre con la mejor voluntad para ellos el patrón conocido, que llaman con el nombre
acariciador de patrón viejo. Se quedan tranquilamente un año más o menos, y en general
regresan a su provincia en los meses de la cosecha de la algarroba, época en que la nostalgia del
monte natal, se apodera de su animo, y el recuerdo, más vivo que nunca, de su tierra les señala
otra vez el camino de Santiago. La nostalgia se hace irresistible y nuestro buen hombre
campea su caballo de confianza, liquida sus haberes, invierte los ahorras de un año de trabajo
en la compra de una manada de yeguas y se pone en marcha arreando su pequeño capital848.

Tal como a Memoria escrita por Gancedo, este documento tinha por
finalidade promover a região de Santiago, para que, assim, conseguissem
atrair capital para a província. Com isso, ele expunha os costumes, os recursos
naturais, informava sobre a população e sobre o comércio. Pensando neste
aspecto, observa-se aqui que o discurso de uma população que historicamente
emigra, mas é apegada a sua terra já existia em Santiago desde o século XIX. A
tradição de uma população migrante pode ser pensada como um discurso
legitimador da ordem.
Podemos analisar, ainda referindo-se ao trecho citado, a eterna vontade de
regressar que tinha esse migrante santiagueño, e no período de colheita ele
regressava, pois sentia saudade de sua terra natal. Porém, migrar era como
uma “condição inata” e o “bom homem” investia toda sua economia de um
ano de trabalho na compra de um rebanho de éguas e iniciava sua jornada
levando seu pequeno capital. Fazio ainda narrava que o fato de esse homem
mudar para outra província correspondia à conservação de um costume, um
certo espírito de aventura que é encontrado no caráter moral dos
santiaguenõs.
Evidenciava-se um discurso que via a população de Santiago como
naturalmente imigrante, estando no caráter aventureiro da população e,
consequentemente, eram mão de obra para outras províncias. Ainda nesta
Memória Descriptiva, Fazio dizia que seu livro foi escrito em favor da causa de
Santiago aos centros da propaganda nacional, tão necessária para uma
província com a qual a natureza foi pródiga e o homem ávido por possuir
riquezas849. Ou seja, se desejava mostrar quem era essa população
santiagueña, como forma de considerá-la como propícia e importante no todo
nacional. Assim, o ser migrante, nesta fala, não era uma imagem negativa,
mas sim positiva da região.
É válido uma digressão sobre a historicidade dessas migrações como um
todo. Alberto Tasso e Calos Zurita analisam que os censos argentinos não
conseguem mensurar precisamente muitas das migrações da população de
Santiago del Estero. Isso porque existem as referentes aqueles que transladam
a outras províncias para as colheitas de milho, por exemplo, e porque há os
que migram dentro da própria província, sem atravessar as fronteiras. Esse
grupo, essa força de trabalho estacional, que por séculos existe na região, é
quase invisível. Os autores então problematizam essa naturalização do que
eles chamam de “viaje migratorio” dos santiagueños. Para eles, abandonar essa
impressão permite captar as dimensões econômicas, sociais e políticas de
Santiago. É um fenômeno que os mesmos classificam como de longa duração
na história Argentina850. Nesse aspecto, encontramos a similitude com o caso
brasileiro, destacando e percebendo suas singularidades próprias no processo
migratório.
Floreal Forni, Roberto Benencia e Guilhermo Neiman apontam que ao
longo da história a província é conhecida como “expulsadora de población851”.
Ressaltam que dois eram os condicionantes para que, desde o começo do
século XIX, essa “característica” existisse: as razões ecológicas e o modelo de
desenvolvimento que se impusera a partir do domínio imposto desde Buenos
Aires. Parto da premissa do modelo econômico para justificar as migrações e
não o da natureza como problema. Segundo os autores, os viajantes ingleses
também já relatavam a mobilidade dos trabalhadores santiagueños no século
XVIII. Tasso exemplifica que chefes militares conduziram, por volta de 1920,
as comunidades indígenas de Formosa e Chaco aos engenhos de Salta e
Tucuman. Qual era a configuração social e política que atestaria essas
migrações?
Tasso e Zurita explicam que por trás dessa pressão da migração há uma
história de “disciplinamento imperial”852. O que ocorria era que a instituição
incaica da chamada “mita” foi adotada pela economia espanhola como um
meio de dispor de força de trabalho no contexto colonial. A mita estabelecia
que um homem de 15 a 50 anos estava obrigado a durante certo tempo do ano
prestar serviços indicados pelo Estado. Unido a isso, o governo colonial
estabeleceu a “encomienda”, instituição de vassalagem. Os autores colocam
que essa ordem estamental e essa transformação formal das identidades não
foi suficiente para apagar a distância cultural e a forte marca da
subalternidade, dada pela aculturação e violência prolongadas que ela
implicava853 e isso perpassou a história da região santiagueña.
Outro fator importante que faz parte dessa lógica de dependências está
atrelado à base econômica “agrícola”, complementando, assim, as re exões
de Tasso e Zurita sobre a origem mesma de um sistema que vem desde uma
marca do período colonial. Falo do fato de que Santiago del Estero foi
conhecida historicamente pela coleta de frutos silvestres e dentro dela há
também relações sociais estruturantes fundamentais para o entendimento da
região.
Desde os tempos pré-hispânicos até fins do século XIX, o monte chaqueño
soube viver de uma economia baseada em “recursos compartidos”854, como nos
mostram as re exões de Judith Farberman. A autora salienta que a tradicional
coleta de mel, frutos e “plantas tintóreas” somou-se ao incentivo da
mercantilização do mel, da cera e da “cochinilla”, típicos da cultura nativa.
Teria sido com a entrada do que ela chama “arrasadora ‘del obraje’” que se
sepultou todo um mundo de relações entre a sociedade e a natureza que por
séculos contribuiu para a reprodução material das comunidades campesinas
santiagueñas. Farberman deixa evidente a importância desses recursos
silvestres e dessa coleta na produção indígena e campesina e no calendário das
famílias rurais. Nessa trama, o que existiam eram as relações de serviço
pessoal, a própria cultura indígena e a figura do agregado. Todas marcaram as
diferentes formas de laços de dependência em longo prazo nessa região. Junto
a isso somava-se, portanto, o recurso das migrações temporárias – que se
tornou, segundo a autora, uma estratégia importante ao longo dos séculos.
Em conjunto com essa configuração social, existiam as mudanças climáticas,
que condicionavam a oferta dos recursos e mostravam as estratégias adotadas
pela população santiagueña para sobreviver855.
Posteriormente e até mesmo concomitante a essa atividade, existia em
Santiago a exploração orestal do quebracho e de bosques que detinham
grande número de madeiras. A partir delas surgiram as redes ferroviárias e os
centros urbanos, como apontam Forni, Benencia e Neiman, e eram, segundo
os autores, atividades puramente extrativistas e que levavam a uma baixa
qualidade de vida.
Em um dado momento, de acordo com Guillermo Banzato e María Cecilia
Rossi, essas explorações entraram em colapso, o que levou a um uxo de
retirada da população. Isso se deu porque, em meados de 1850, o processo de
vinculação ao capitalismo e as políticas de modernização em Santiago del
Estero operaram como um divisor de águas que reorientou a importância dos
territórios fronteiriços do rio Salado do Norte ao assinar o valor de mercado
ao principal recurso econômico que tinha a fronteira: as madeiras de seus
bosques856. Havia ainda a atividade ganadeira extensiva em minifúndios que
passavam a existir em conjunto com essa atividade orestal. O gado vacuno, o
milho, o algodão e a alfafa eram também outras atividades produtivas
agrícolas da região857, como já salientado.
Forni, Benencia e Neiman explicam que a história da Argentina moderna
decorreu de dois processos: a colonização espanhola que teve como epicentro
o Noroeste, com uma importante participação da população indígena com
experiência agrícola, sendo Santiago del Estero um dos mais nítidos exemplos
desse processo. E o segundo grande movimento populacional originou-se em
finais do século XIX, ao redor de Buenos Aires e da região Pampeana, e
implicou a incorporação de uma numerosa imigração europeia. Foi nessa
conjuntura, portanto, que na região Noroeste a província de Tucumán passou
a incorporar a mão de obra santiagueña na colheita de cana-de-açúcar e o
Chaco na de algodão. A população santiagueña passava a ser reconhecida
como uma mão de obra não qualificada para regiões mais desenvolvidas do
país, justificando uma conduta demográfica migratória858.
Dando um panorama mais geral sobre Santiago del Estero, Tasso e Zurita
também nos mostram que o cenário das comunidades rurais as quais
pertenciam esses trabalhadores (e ainda pertencem) constituem um local
clássico onde a ruralidade, a pobreza, a migração estacional e a exploração
operam como fatores estruturais. Como exemplo, citam as microrregiões de
Santiago del Estero como Atamisqui, Loreto, San Martín e Figueroa que
protagonizaram o ciclo orestal (1880-1960) e algodoeiro (1920-1980) e detém
altos índices de pobreza. Os autores apontam que sobrevivem – até os dias
atuais – as mesmas relações de dominação que ele chama “el patronazgo y al
peonazgo, unidos por el lazo clientelar” nessas áreas859. Essas relações são
importantes também para o entendimento das migrações em 1937, porque
são elas que estabelecem as desigualdades inerentes às comunidades
santiagueñas ao longo da história.
A partir dos aspectos destacados, pode-se mencionar a análise de José
Andrés Rivas quando re ete sobre a história do livro Skunko de Jorge
Washigton Ábalos860, um educador que viveu em Santiago del Estero entre
1934 e 1942. Ela complementa as re exões sobre essa configuração social
santiagueña que teria levado às migrações (tirando apenas da natureza o
problema das retiradas). Rivas preocupa-se, em seu artigo, em explicar como
na obra de Ábalos se pode entender o contexto provincial santiagueño na
década de 1930. Não tratarei aqui da obra de Ábalos, mas ela se insere e
aponta dentro das análises de Rivas as relações sociais que interessa-me como
ponto-chave para o entendimento das migrações e da própria desigualdade
regional que se estabelece independente das secas santiagueñas, ou mesmo da
natureza semiárida.
Rivas afirma que a crise de 1929 repercutiu com mais força nas áreas do
Noroeste argentino. A incapacidade para manejar as condições de irrigação, o
endividamento dos proprietários, o aumento dos custos ferroviários, foram
fatores decisivos desse contexto. Assim, diminuiu-se a produção agrícola e a
quantidade de hectares por habitante861. O problema mais evidente, como já
assinalado, na estrutura socioeconômica da província, era justamente a
devastação da atividade orestal. Essa atividade alterava as relações
campesinas, como aponta Rivas, porque deslocava os trabalhadores para o
interior dessa “Obraje”, e as atividades pastorais e agrícolas ficavam nas mãos
de mulheres e crianças. Somava-se a isso, portanto, a tradicional imigração de
populações rurais fora dos limites de Santiago del Estero, a maioria
temporárias, mas de longo período, e essas ausências geravam rompimentos
na vida familiar local e desestruturavam a organização agrícola. Os destinos
dessas migrações eram, segundo o autor, Buenos Aires, Córdoba e Rosário ou
províncias vizinhas como salientado: Chaco e Tucumán862.
Tasso e Zurita apontam que existem referências de migrações desde 1770 e
se mantiveram como uma prática presente durante os séculos XIX e XX. Para
os autores, o ciclo capitalista iniciado em 1870-80 provocou mudanças nos
itinerários dos primeiros engenhos de açúcar, no tipo de produção e nos
ofícios. Depois, quando chegou a ferrovia a Tucumán em 1876, foram
instalados os primeiros engenhos açucareiros movidos a vapor. Ao mesmo
tempo, surgiam os “‘obrajes’ forestales” dedicados à extração de madeira para a
via-férrea, extração de lenha e carvão, como apontado brevemente. Até 1920,
difunde-se o cultivo de algodão, especialmente no Chaco e em Santiago del
Estero. Foram, nesse sentido, essas atividades agroindustriais que
mobilizaram os milhares de santiagueños durante várias gerações: “macheteros
de la caña de azúcar, hacheros en el obraje forestal, cosecheros de capullos de
algodón”863. O engenho, “el obraje” e o algodão representavam organizações
semelhantes, com mecanismos de controle próprios de uma “economia de
plantación”, ou seja, os patrões cobram grandes taxas para o trabalhador rural,
tornando-o sempre endividado864.
Além desses fatores estruturais, existia em Santiago del Estero uma
semelhança com o caso cearense no que tange às relações sociais: o sistema de
patronato que imperava na região, como salientado. José Rivas, ao apontar o
contexto da província em relação ao livro Skunko do autor Ábalos, explica que
o sistema de poderes que se impunha na vida dos habitantes gerava a pobreza
e o atraso da província. O que configurava a área rural de Santiago del Estero,
portanto, bem como no caso do Ceará, eram as relações de lealdades. O autor
analisa que havia um plano de “amizade formalizada”, em que podia haver,
dentro do grupo, pessoas que brindavam maior autoridade ou proteção sobre
as outras. Era a figura do compadre, tida, muitas vezes, como sagrada. Essa
“amizade” se estabelecia por meio de um contrato entre os indivíduos e os
grupos, porque esse “padrinho” sendo a pessoa que detinha o poder encarnava
a proteção ou a segurança dos indivíduos que estavam sob sua “proteção”865.
Essas relações geram dependência e são elas também promotoras das
desigualdades.
Nessa estrutura havia, de acordo com Rivas, uma divisão social do trabalho
e da propriedade. O comércio ficava a cargo dos imigrantes árabes que se
enriqueceram com o usufruto da “ingenuidade” camponesa ou da especulação
e havia ainda parte de agricultura nas mãos de ucranianos. O que o autor
desejava evidenciar era que o comércio, a agricultura e o trabalho
especializado ficavam em geral nas mãos de “forasteiros”, porque a população
nativa sobrevivia com o seu pequeno número de cabras. O que justificaria
para Rivas, em sua análise sobre as obras de Ábalo, que a população em idade
ativa preferisse, portanto, migrar866. Assim, a comunidade se encontrava
desamparada e dependia completamente dos agentes, dos aportes, das
mercadorias ou das ordens que chegavam também das cidades, como salienta
Rivas. Era a cidade o lugar onde se concentrava o poder e o campesinato
acabava por deter pouca autonomia867.
Outra noção que justificava – nos discursos locais – a ideia de um
paternalismo assistencial era uma possível situação de inferioridade
encontrada nas áreas rurais. Rivas, ao analisar a figura principal da obra de
Ábalos, que era professor de uma escola rural, salienta exatamente esse tipo
de narrativa. Conjugava-se a isso outro fator: o vínculo existente entre as
pessoas e sua “tierra madre”, como aponta o autor. Mesmo que migrassem,
desejavam sempre voltar a terra que o havia expulsado868. O que Rivas aponta
é que dentro da lógica da modernidade, os campesinos santiagueños não
desejavam romper com seus vínculos tradicionais com a natureza, o que
justificaria ser um território de antigas migrações e êxodos seria a necessidade
de preservar sua existência e de sua sobrevivência869.
A análise de Rivas sobre o contexto rural santiagueño, atesta que as relações
de dependência que se estabeleciam na região geravam ausência de maior
desenvolvimento da área rural da Argentina. Nesse sentido, os discursos que
impunham a natureza como causadora da pobreza, das migrações, da miséria
ou de qualquer tipo de atraso dessas regiões, são legitimadores das relações
estabelecidas e do status quo vigente nesses territórios distantes. Além disso, as
populações se reinventam e conseguem a partir disso estabelecer suas
tradições, que não são algo que se estabeleça em um passado remoto, mas sim
no presente, no cotidiano de suas vidas, e não devem ser entendidas como
imutáveis ou de difícil adaptação à realidade.
Quando La Hora afirmava que o fracasso da natureza gerava o êxodo ou
mesmo que nem a população santiagueña que era “forte” e “resistente”
conseguia se manter na região por causa da seca, legitimava o poder dos
discursos que acabavam por estabelecer, ao longo da história, essa área como
“expulsadora” da população local. Naturalizava-se essa condição e tornava-se o
trabalhador santiagueño uma mão de obra vulnerável e barata que
engrandece outras províncias. O caso da população sertaneja cearense é
semelhante e os discursos que incidiram ao longo do processo histórico
brasileiro também colocaram o cearense como um eterno imigrante,
desbravador e construtor de outros territórios. Mais uma vez, vemos a figura
do camponês, do nativo, do sertanejo, como uma “massa amorfa”, “sem vida”
e “sem resistência” às conjunturas. Acredito que as migrações são fruto
justamente de estratégias de sobrevivência da população do interior ligada
estritamente à terra, mesmo que as relações de poder desejem tirar dessas
diversas categorias seu direito à propriedade e à mobilização social870.
Parto do pressuposto de que esse discurso também está atrelado ao que
Mignolo chama de “legados coloniales”, que são como “espacio de acumulación de
furia que no se articula teóricamente, porque la teoría ha estado siempre del lado de los
legados coloniales, nunca de la fuerza dividida entre la civilización y la barbarie”871. O
autor analisa, nesse aspecto, a necessidade de uma epistemologia fronteiriça
em contrapartida a um discurso que defenda uma unidade do idioma, da
pureza de sangue e da razão. Os padrões de vida fundamentados em um
modelo ocidental moldaram, por conseguinte, o conhecimento produzido nas
colônias – como Brasil e Argentina. Assim nasce a necessidade de um novo
paradigma a partir da emergência do local. Desse modo, podemos re etir
como esses discursos foram naturalizados ao longo dos processos históricos
nesses dois países e como chegaram ao interior. Entendo que analisar essas
visões de mundo torna-se uma tomada de consciência. É como analisa
Mignolo:

[...] la cuestión, no es por cierto, que los subalternos no pueden hablar, sino que al tomar
conciencia de que los subalternos no pueden hablar, es necesario hablar constantemente para
incrustar la voz en la espesura hegemónica y crear las necesarias fisuras mediante la inserción
de lo local, desde abajo, en lo global, desde arriba del promontorio.872.

Chartier ainda nos diz que, ao se explicar o papel do discurso em uma dada
sociedade, deve-se pensar nas “classificações, divisões e delimitações que
organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais e de
apreciação do real”873. Considero pensar as narrativas de La Hora e A Ordem,
entendendo-as como uma apreensão do mundo social, uma apreciação do
real, e isso significa, para Chartier, que as classes sociais ou os meios
intelectuais são produzidos pelas disposições próprias do grupo. E esses
esquemas intelectuais, para o autor, criam figuras “às quais o presente pode
adquirir sentido”874 e o “outro torna-se inteligível e o espaço a ser decifrado”875.
Pode-se pensar se as narrativas dos jornais não são essa tentativa de
compreensão de um espaço a ser decifrado. Mesmo que se trate de um olhar
regional, interno, sobre o Ceará e Santiago del Estero, esses periódicos, como
representação de uma classe, ou fração de classe, tem no tema da seca o
inteligível. Nesse aspecto, “as representações do mundo social assim
construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na
razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam”876, e
é justamente esse ponto que desejo evidenciar. Entende-se que, de fato, muitos
dos discursos aqui analisados podem ser compreendidos por meio da ideia de
aspiração do universal, mas que é uma aspiração que está inserida em um
dado grupo e está ligada aos seus interesses. Os periódicos devem ser
re etidos como construtores de representações, por vezes, forjadas do mundo
dos semiáridos cearenses e santiagueños. E estão intimamente relacionados
com ideias de poder e de dominação. Como explica Chartier: “[...] as lutas de
representações têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a
sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio”877.
Vejamos se essa re exão de Chartier não se relaciona diretamente com o que
entende-se aqui sobre os discursos em relação ao Ceará e a Santiago del
Estero.
Retomemos nossas análises sobre as migrações para melhor entendermos a
conjuntura santiagueña. Farberman aponta que existiram dois tipos de
migração: a da estação seca e que se concluía em dezembro em Santiago del
Estero, sendo quase sempre anual e tendo como objetivo o “conchabo”, um tipo
de trabalho rural temporário em outras estâncias para complementar as
tarefas e a renda; e outro ciclo migratório que se iniciava em fins da primavera
ou início do verão – seria o que ela chama de “trabalhador da colheita”. Em
ambos os casos, segundo a autora, o que se pretendia era voltar
principalmente de Buenos Aires com algum dinheiro “en el bolsillo” e não
precisamente escapando da seca. Logo, La Hora, bem como o caso cearense,
não problematizava a questão do porquê a migração ocorria, o que acabava
por reforçar um discurso que “naturalizava”, mais uma vez, as retiradas como
se fossem por uma só motivação, ou mesmo, como se fossem uma atitude
impensada.
Não suponho, neste trabalho, que La Hora, ou mesmo A Ordem, detinham
informações precisas ou dados sobre essas migrações, tal como mostrado
detalhadamente neste trabalho. O que desejo entender é que, ao não
problematizar, ao menos, os fatores possíveis de entendimento sobre as
migrações, esses periódicos entravam no senso comum sobre esse tema.
Reforçavam, assim, a ideia de que essas populações vivem sob o jugo do
êxodo; como se fossem fadadas a essa condição. Mesmo havendo uma crítica a
essas migrações, enfatizo que os jornais se posicionaram neste sentido, a
forma como os discursos eram elaborados, as palavras usadas, os termos
escolhidos, ainda recaíam em estereótipos sobre essas populações migrantes,
que reafirmavam esse lugar-comum sobre elas.
Era certo, como pode-se pensar sobre o caso dos migrantes cearenses, que
uma parte da população santiagueña, de fato, costumava ficar deserta em
certos períodos do ano porque migrantes e coletores de alfarroba
abandonavam essa área. Isso também acontecia em anos estéreis, quando
aumentava-se o êxodo. Contudo, não se pode deixar de considerar, como
aponta Farberman, que a migração é uma estratégia habitual e ainda
modeladora da estratificação desta sociedade rural santiagueña878. Aponto
aqui essa mesma re exão para o caso dos sertanejos cearenses (Santiago del
Estero dentro da sua lógica rural, que não só se restringe ao âmbito do
semiárido, tem uma história semelhante, nesse sentido). Acredito nessa
estratégia como forma de sobrevivência e como uma lógica própria dessas
populações para o seu sustento familiar. Por isso, a ideia de regressar a sua
terra é um ponto importante e que encontra-se na ordem do dia nessas
regiões. Mesmo que, no final, principalmente no caso do Ceará, muitos desses
migrantes não consigam retornar de imediato ou mesmo voltar das capitais
com o dinheiro necessário para sobrevivência da sua família (considerando-se
que são mão de obra, por vezes, mal remunerada), migrar não é uma sina.
Não se pode olhar para a seca como condicionante natural do ato de se retirar
dessas sociedades ou mesmo considerar que todo santiagueño e todo cearense
tenha uma fi bra singular, sendo um povo diferente por saber migrar. O que
ocorre é que essa atitude é uma tática socialmente constitutiva destas regiões
ao longo dos seus processos históricos. Logo, é possível afirmar que as
migrações são uma tática e não condição natural de uma população
diferenciada de qualquer outra, como se esse aspecto fosse uma modulação do
seu caráter.
Bakhtin propõe, nesse sentido, e para este livro torna-se importante para a
compreensão dos discursos dos dois jornais sobre a migração e os demais
temas a que recorri, que devemos analisar qualquer tipo de oração não de
maneira isolada, porque toda informação é dirigida a alguém e “é provocada
por algo, persegue uma finalidade qualquer, ou seja, é um elo real na cadeia da
comunicação”879.
Alberto Tasso nos convida a pensar, portanto, como Santiago del Estero foi
vista habitualmente como uma província tradicional, relacionada diretamente
à sobrevivência de um mundo colonial, caracterizada por sua heterogeneidade
étnica e pela segmentação social, cruzadas por relações de dominação
permeadas pelos processos migratórios880. Essa visão, esse tipo discurso, esse
elo real, acaba por rotular a região como problema, e não as relações sociais
que conjugam forças distintas de poderes diversos em Santiago del Estero e no
Ceará. Os sertões do Ceará também eram vistos ora como tradicional, por
isso avesso à modernidade, ora o resgatavam como a autenticidade da nação.
De qualquer maneira, foi esse modelo tradicional de vida que, por vezes,
caracterizou todo o Nordeste e o colocou aquém no cenário nacional. Por isso,
não devemos naturalizar os discursos que estão enraizados em nossos modos
de ver essas áreas. Necessitamos re etir se essas supostas resistências aos
modelos econômicos modernos não são, na realidade, estratégias conscientes
de sociedades como as rurais, que em meio à própria realidade imposta pelo
modelo produção capitalista, reinventam-se e mantêm seus costumes dentro
da própria lógica vigente.

3.3 A água como elemento da narrativa e as soluções para a


obtenção do “precioso líquido”
Um quadro aterra a Terra por água,
por um córrego, um chovisco
Nações entrarão em guerra
Quede água?
[...]
Quando minguar o Pantanal e entrar em pane
A Mata Atlântica tão rara
E o mar tomar toda cidade litorânea
E o sertão virar Saara
E todo grande rio virar areia
Sem verão, virar outono
E a água for commoditie alheia
Com seu ônus e seu dono
E a tragédia da seca, da escassez
Cair sobre todos nós
Mas sobretudo sobre os pobres outra vez
Sem terra, teto, nem voz
Quede água?
(Quedê água? Carlos Rennó / Lenine Pimentel)881

Falar de migração leva a outra temática muito retratada tanto no âmbito


nacional como em escala regional: a escassez dos recursos hídricos. O tema da
água está associado, em regiões de clima seco, à semiaridez e às diversas
soluções que foram postas em prática para resolver essa questão. A sua
escassez, ao longo da história de Santiago del Estero e do Ceará não só se
tornou um problema central como também foi um elemento de uma narrativa
importante sobre as regiões, convertendo-se em parte do imaginário nacional
sobre NOA e sobre o Nordeste brasileiro.
Analisei como o Correio da Manhã e o El Mundo se apropriaram desse tema
nas secas aqui estudadas na década de 1930 e como tratar do sertão e do bosque
santiagueño também era falar de uma natureza em que água era pouca.
Percebemos que a água se tornou um fator associado às emoções, tragédias e
apelos diversos à caridade e a uma situação – praticamente – condicionante
dessas áreas. Pouco se problematizou, nesse contexto, de maneira mais
precisa a trama social existente dentro de um latifúndio ou de uma elite local
que detém o poder nessas áreas. Novamente, o cenário das relações de
dependência se repete e somente a partir dele podemos compreender em que
lugar a questão da água se coloca.
Nos discursos de A Ordem, ainda se evidenciava um tom fatalista sobre a
seca. Também encontravam-se reportagens que tratavam do roubo a fazendas
e ao comércio devido à estiagem. A similitude com a visão do litoral sobre os
sertões é evidente e, por vezes, é reforçada. No entanto, ainda era menor e
menos aparente se compararmos com a forma como o Correio da Manhã
retratou os sertões cearenses. A ênfase maior encontrada nas reportagens foi,
apesar do tom trágico que encontramos na escrita do jornal, em como as
construções de açudes poderiam solucionar o problema da falta de água.
Em La Hora, percebe-se uma semelhança também com a narrativa do
periódico El Mundo, mesmo que a seca não tenha sido retratada, como Arlt o
fez em suas crônicas, em que o assunto da escassez de água era quase
“místico”, apelando a um quadro de incivilidade que a mesma poderia causar
à população de Santiago. Levando-se em consideração que o discurso do
litoral associava a seca, a escassez hídrica e a ausência de chuvas, ao
comportamento da população santiagueña com os roubos aos trens, aos
comércios, às fazendas, ou seja, a uma possível barbárie (assim como o foi no
Brasil), La Hora não desejava imprimir esse olhar.
De qualquer modo, ver-se-á que ainda assim reforçou estereótipos e
mencionou esses tipos de discursos em algumas de suas reportagens. Logo, o
periódico expôs a questão da água também, por vezes, de maneira apelativa,
ora mostrando uma escrita do caos, revelando o estado de fome e miséria
ocorridos pela seca, ora de forma menos impositiva, re etindo politicamente
essa questão. Assim, as cenas referidas nas reportagens atrelavam-se ao antigo
binômio que faz parte da vida dos semiáridos: água/desenvolvimento,
seca/atraso. Isso significava que resolver o problema da água era solucionar
um possível subdesenvolvimento santiagueño (como acontecia no Ceará).
Também há um ponto de diferença com o caso brasileiro e que devemos
analisar: as obras públicas eram menos mencionadas. Destacaram-se mais as
consequências causadas pela escassez de água do que as soluções para ela.
Pode-se re etir, neste aspecto, dois pontos que podem explicar tal fator. Em
primeiro lugar, no caso brasileiro a elite local muito se beneficiou com as
verbas enviadas para as obras públicas, marca esta que não pode ser
comparada horizontalmente com Santiago del Estero. Deixando claro que
havia, sim, em Santiago, uma fala voltada para a construção de diques, poços e
a irrigação, mas que no Nordeste isso se tornou um fator político impresso
fortemente na região. Em segundo lugar, a ausência de falas mais claras sobre
as políticas públicas em Santiago no periódico La Hora pode apontar os
possíveis silenciamentos sobre essa realidade, o que pode estar atrelado ao
pensamento de uma elite local que concentrava o domínio sobre a água. É
importante trazer para re exão que mesmo que regionalmente seja notório o
apelo para que os governantes olhassem para a região, até que ponto
considerava-se resolver essa questão de maneira efetiva pensando na
população mais pobre? No entanto, em ambos os periódicos a seca ainda era
exposta dentro de uma visão determinista sobre a natureza. Tal fator perpassa
todas as análises deste livro e não se pode fugir dele, é um ponto fundamental.
O determinismo geográfico é o que legitima todas as ações de uma elite local
e do pensamento de uma elite também mais urbana e das capitais.
Outra questão importante é que esses jornais não enfatizavam tão
veementemente em como as secas in uenciavam o caráter das populações
locais, como o fez o Correio da Manhã e o El Mundo. Nesses periódicos das
capitais, as diversas narrativas de cenas em que ficava evidente que a seca fazia
com que a população roubasse, saqueasse fazendas, trens e comércios foram
maiores do que nesses jornais locais. Para A Ordem e La Hora, o principal a ser
relatado era como os cearenses e santiagueños foram afetados pela ausência
da água, ou seja, havia um “povo resistente”, “trabalhador,” que sofria com
esse problema. Esse discurso não estava condicionado, necessariamente, a
como a seca podia ocasionar algum distúrbio no caráter de suas populações, o
que não significava, em contrapartida, que esses jornais colocassem em
evidência o controle do uso da água de uma maneira mais evidente e clara
para os seus leitores; questão cara e importante em regiões semiáridas e ponto
principal das re exões deste livro sobre esses discursos. Houve sim críticas ao
sistema e a situação vivida pelas regiões, mas isso se dava de maneira a ainda
estereotipar essa temática.
A água como um fator político é um problema merecedor de um lugar
importante na historiografia dos semiáridos da América Latina. No Ceará, isso
é claro durante toda sua história. Em Santiago, também existe uma elite local
que é detentora do seu controle, como apontam as re exões de Alberto Tasso:
são os donos de terras e de água, e é com eles que nasce um verdadeiro
mercado em torno dessa questão. Por isso, destaco que a água é um fator
primordial dentro da narrativa semiárida, para que se possa entender como
essas regiões são vistas praticamente como sinônimo da seca (no Brasil isso é
notório) ou como sua ausência determina a miserabilidade desses territórios
(na Argentina a ausência de água como narrativa também é evidente).
Também se pode re etir como por meio dela muitas das obras públicas foram
realizadas ou mesmo por meio dela esses semiáridos foram conhecidos nas
capitais: atrelados a uma visão de eterna pobreza, atraso,
subdesenvolvimento, frutos de uma natureza agreste e hostil (seca/atraso,
água/desenvolvimento).
Logo, permanece hoje no imaginário nacional uma ideia de inexistência de
água, como se não fosse possível obtê-la em áreas onde o semiárido existe. A
pergunta é: como essa visão foi construída historicamente? No Brasil a elite
local adotou um discurso voltado para as obras públicas como solução para o
problema hídrico. Esse olhar foi também utilizado pelo jornal que proponho a
analisar aqui. Em Santiago, tratava-se da água com um tema central da vida,
dos problemas, das mazelas da região. O número de reportagens em que a
palavra água aparece é maior do que no caso brasileiro. O que significava, em
certa medida, que se apropriavam mais da palavra água do que da palavra
seca. Isso é um ponto da narrativa importante e que merece seu lugar nesta
re exão, se pensarmos que no Brasil para tratar de sertão a palavra seca é
bastante evocada. No caso argentino, portanto, o tom mais dramático, dotado
de críticas ao governo, às vezes foi mais evidente do que uma narrativa
voltada para a construção de obras públicas como diques e poços – mais
comuns em Santiago del Estero. A água, nesse sentido, é um fator importante
nesses dois territórios e cada um à sua maneira destacou essa questão.
Neste aspecto, Chartier propõe que possamos entender os discursos por
meio de uma história cultural do social que considere a compreensão das
formas e dos motivos. Assim, são as “representações do mundo social – que, à
revelia dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses
objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal
como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse”882. Os periódicos não
deixam de ser agentes sociais inseridos em uma trama social. Logo, quando
escolhem um conteúdo a ser tratado, mesmo que aqui saibamos que a seca
traz consigo uma narrativa específica, eles estão, de fato, inseridos em
posições e em interesses diversos. Os discursos não são neutros, como analisa
Chartier. O conceito de representação de Chartier pode ser uma possibilidade
de entendimento em relação aos discursos sobre a água, como um exemplo
desse forjar da representação.
Tanto La Hora quanto A Ordem construíram imagens sobre esse tema e,
assim, ao fazê-las, criaram uma certa representação sobre os semiáridos.
Como explica Chartier, “a relação de representação é assim confundida pela
ação da imaginação [...] que faz tomar o logro pela verdade, que ostenta os
signos visíveis como provas de uma realidade que não o é”883.
Isso não significa pensar que a água, por exemplo, não era uma questão a ser
tratada nesses periódicos, pelo contrário, sabemos que existe um real
problema em relação à precipitação das chuvas nessas regiões. Logo, havia
uma intenção importante a ser mostrada pelos jornais em relação a esse
assunto. No entanto, em toda análise, desejo evidenciar que existiram
representações em torno dessa temática, que criaram, a partir de certas
imagens, re exões sobre esse tema. Como analisa Chartier: “assim deturpada,
a representação transforma-se em máquina de fabrico de respeito e de
submissão, num instrumento que produz constrangimento interiorizado”884.
Ou seja, devemos considerar a luta pelas representações como constitutivas
dessas sociedades e da visão que se queria mostrar sobre os semiáridos
cearenses e santiagueños. A água, neste aspecto, torna-se discurso e
representação fundamental em meio à trama de uma seca.
Voltemos às narrativas sobre esse assunto. No caso cearense, principalmente
em A Ordem, o discurso hídrico estava atrelado à construção de obras públicas
ou mesmo ligado à improdutividade agrícola que a sua escassez provocava.
Vejamos os casos a seguir em que o jornal abordava esse tema:

Certo de que a agua é o problema primordial das culturas e da criação, a construcção de


reservatorios e a sua larga distribuição através os vastos sertões do norte cearense virá
modificar, num futuro próximo, o grande problema da secca. Este assumpto deve interessar
sobremaneira os senhores proprietarios, porque fala bem alto às suas próprias conveniencias885.
Lembramos que seria de muito proveito e de grande melhoramento para esta povoação a
tapagem de uma barragem que já foi feita pelos socorros do governo em 1888 e cuja barragem
está com o sangrador muito cavado. Uma vez concertada ficará um bom deposito d’agua ao pé
desta povoação. O referido concerto será feito com a importância de trinta e cinco contos de
reis. Em primeiro lugar está a construção do açude publico de Santo Antonio do Aracatí-Assú,
a qual já se acha estudada e iniciada, tendo uma das hombreiras já feita até quasi ao leito do rio.
O sangrador está também muito adeantado e tem uma casa de escriptorio bem construída.
Devido a grande crise que ora atravessamos, estão se dando diversos roubos, tendo-se
verificado um no estabelecimento comercial do nosso amigo Gabriel Porfirio Cavalcante886.
O sr. José Americo faz uma pausa e prossegue:
- Mas, a própria natureza do Ceará indica a solução dos seus novos destinos: basta fechar os
boqueirões. O seu problema é o problema da Água. Basta deter as caudais que nos anos
copiosos se escapam pelo solo impermeavel e declivoso dos sertões. E acima de todas as
possibilidades, vai dispor, para a cultura irrigada, das incomparaveis reservas que Orós lhe
proporcionará.
[...] O “Lima Campos” vai ser o padrão no Ceará de utilização d’água. O “Cedro” não é pelas
deficiências de sua bacia hidrográfica, como pela inaptidão agricola das suas terras, não exercia
propriamente essa função. Pude observar, na ultima seca, que os açudes construídos tiveram
uma intervenção na redução dos efeitos da estiagem. Porque o que havia, eram tanque d’agua,
ou mais propriamente aguadas, que para o abastecimento das populações não precisavam de
maior capacidade. O que é preciso realizar no Ceará é a transformação economica que a
irrigação produzirá. Os açudes complementares que estão sendo construídos, como o “Choró”
e o “General Sampaio”, terão uma extraordinaria in uencia nas terras semi-aridas. O “Jaibara”,
no conjunto do seu sistema, manifestará ainda maiores vantagens887.

Os fragmentos citados apontam as primeiras re exões possíveis sobre o


discurso da seca: a água e as obras públicas e a água como sinônimo de
progresso. O primeiro deles já é claro nesse sentido: “certo de que a água é o
problema primordial das culturas e da criação” e a ideia de que deveriam ser
construídos reservatórios para modificar o futuro problema da seca. Em
seguida, demandava-se o melhoramento de uma barragem que havia sido
iniciada em 1888 (a preocupação com o combate às secas era bastante
antiga888) para um bom reservatório de água. Logo, a crise da seca (que era a
crise da água, neste tipo de discurso) tinha levado os sertanejos a roubarem
estabelecimentos comerciais.
Aqui, destaco um apontamento de que era essa ausência de água que levava
o sertanejo a um estado de barbárie. Uma fala pontual, no entanto,
significativa. Era a expressão do sofrimento físico e moral do retirante, como
diz Fernanda Lucchesi, que fazia parte da construção discursiva sobre essas
áreas, era esse o quadro pintado pelo periódico e era esse um argumento-
chave para os investimentos nas obras. Logo, A Ordem, cumpria o lugar de
disseminador desse discurso. “Ao sentimento de pena, liga-se o temor da
invasão de ‘hordas’ que poderiam, a qualquer momento, invadir as áreas mais
abastadas, cometendo todo tipo de crimes, desde saques até a antropofagia,
ameaçando a saúde e a moral das famílias com seus corpos ‘nus’”889. Tal visão
fatídica criou todo um imaginário em torno da seca no qual a escassez de água
ocupava espaço central.
Lucchesi expressa suas re exões, principalmente, em torno do atual
DNOCS (antigo IFOCS) e do pensamento de José Américo de Almeida. O
mesmo que como ministro da Viação e Obras Públicas, neste contexto da seca
de 1932, dizia na entrevista: o problema do Ceará é o problema da água. Era o
reservatório do açude de Orós e a irrigação que solucionariam o problema dos
seus sertões. O jornal complementa dizendo que o outro açude, o de Lima
Campos, “vai ser o padrão no Ceará de utilização d’água”. Os açudes
passavam a ser destacados nos discursos, a irrigação acabaria com os efeitos da
seca e o problema da água estaria solucionado.
Nos capítulos anteriores, analisei como desde a seca de 1877 passou-se a
olhar a seca como problema, e não como obra de um castigo divino. Nesse
contexto, deve ser inserida a questão das ferrovias. Com elas, os sertões seriam
mais bem abastecidos com os víveres necessários em períodos de seca,
abrindo os caminhos da modernidade e levando também a água. Ao mesmo
tempo, os sertanejos seriam empregados quando da sua implementação,
passando a existir, ao seu redor, núcleos de povoamento. Era o primeiro passo
para o progresso. No mesmo sentido, era com a açudagem, as barragens e a
irrigação que a civilização poderia existir.
Para Josué de Castro, é importante analisar a falta e a inconstância da água
que marcam a vida de toda população da região semiárida, como geradora de
condições aliadas ao atraso ou ao desenvolvimento arraigada nas dicotomias
seca/atraso, água/progresso. Pinto Aguiar ressaltava: “[...] se aqui existe água,
subterrânea, uvial e atmosférica, a questão crucial reside em atingi-la e
canalizá-la”890.
Pompeu Brasil já dizia que a calamidade da seca afetava o que era mais
importante para a população: o gado e a lavoura. Todavia, ressaltava outro
fator importante ao afirmar que perecem quase todas as culturas, mas não por
falta de água, “porque esta sempre se encontra”891, mas pela falta de forragem
para o gado. Desde o século XIX, já era sabido que, cavando o leito dos rios, a
água era vista. Logo, acreditava-se que era possível encontrá-la nesse contexto.
Cabe, desse modo, pensar quando a mesma se tornou um discurso político.
Nesse sentido, a questão da água tornou-se um problema importante para o
Governo Federal na seca de 1932. Como analisado, o ministro da Viação e
Obras Públicas, José Américo de Almeida, que era responsável pela Inspetoria
Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), tratou a seca também com o que
ele chamou de “política hidráulica”. Ou seja, uma via hidráulica para tratar o
problema das fortes estiagens que consistia, de acordo com Pompeu Sobrinho
(engenheiro do qual mencionei no primeiro capítulo), na criação de uma
Comissão de Serviços Complementares da Inspetoria de Secas em 1933, que
tinha como objetivo dedicar-se precisamente à irrigação.
Sobrinho colocava a importância de se solucionar o problema das secas pelo
que ele chamava de duas vias: uma que apresentasse soluções aos problemas
físicos “relacionados com a criação de elementos essenciais como a água para
os usos agrícolas e domésticos” e outro de ordem humana, “relacionados com
as atividades sociais e biológicas”892. O engenheiro salientava que o problema
da água tinha a maior importância no que se referia às secas nordestinas,
porque era usada para agricultura, com fins caseiros, como bebida, para uso
higiênico e para a criação de animais. É desse modo que o discurso da água se
fazia presente e a pergunta era: como obtê-la? Segundo Sobrinho, os métodos
deveriam ser: construção de açudes, para reserva de águas superficiais;
construção de barragens subterrâneas para certas reservas no subsolo;
construção de cisternas, de poços uviais, abertura de poços profundos,
derivação de rios perenes ou fontes jorrantes permanentes”893. Dizia ainda
que, para José Américo de Almeida, os açudes e a irrigação deveriam ser
prioridades, porque limitavam-se ao “problema da água que era o problema
do Nordeste”894, como mesmo apontou Almeida para o jornal A Ordem.
Em outra reportagem, agora do agrônomo Pimentel Gomes895 ao jornal A
Ordem, vê-se uma crítica à utilização apenas da açudagem como método de
combate à seca:

De fato, desapareceu a exportação de Algodão – o grande produto daquela zona. Avulta a


importação de cereais que, partidos do norte e do sul do país para la ocorrem aos milhares e
milhares de sacos, que abarrotam os portos e atopetam os trens de penetração. Os prejuízos
são incalculaveis. O sofrimento da população é indescritível, malgrado os imensos sacrificios
feitos pelo governo provisorio. Calamidades semelhantes a esta verificaram-se em vários
outros países. Sem ir até o Egito e a Judeia podemos lembrar as catastróficas estiadas da Índia,
da Argentina e da Russia. Na India, onde a população é densíssima, a fome, a produzida pela
seca, vitimava dezenas de milhares de criaturas periodicamente. Na Argentina a falta de chuvas
despovoava, vez por outra, as pastagens das provincias interiores […] E conclui: o brasileiro do
nordeste é uma vítima da própria ignorancia e dos maus governos provinciais, que foram quase
todos os da República Velha; e o ministerio da Viação tem procurado resolver pela engenharia,
e só pela engenharia um problema agricola que requer obras darte. Enquanto por toda parte se
pensa em irrigação e “dry farning” e para isto se fazem os trabalhos tecnicos necessarios ou se
criam as estações experimentais indispensaveis, no Brasil as obras contra as secas constam de
estradas de rodagem, que por si só não resolvem o problema agricola e a seca é um problema
agricola – e de açudes que em sua quase totalidade não irrigam [...] Só o Quixadá possui canais
de irrigação – e não se compreende açudes que se destinam a irrigação sem canais de
distribuidores do liquido precioso. Pelo menos é assim no mundo inteiro […] Felizmente
outra era se abre as regiões semi-aridas e sub úmidas do Brasil. O sr. José Americo, ministro da
Viação, deu as obras contra as secas um efeito novo mais em harmonia com as necessidades da
região e com senso comum. Criou o Serviço Florestal e os Campos Agrícolas. Rumou
francamente para o bom senso896.

Pimentel Gomes aponta que existiam várias regiões no mundo que sofriam
com áreas mais secas, citando inclusive a Argentina, principalmente Tucumán.
Em contrapartida, para ele, só o Brasil não conseguia resolver essa convivência
com a semiaridez porque insistia em usar um método da engenharia para um
problema que era agrícola. Apropriou-se, na fala citada, do termo técnico
norte-americano “dry farming” (que seria um cultivo sem a utilização de
irrigação), método que, em conjunto com a irrigação, poderia solucionar o
problema do sertanejo em período de seca. Chamava atenção que as péssimas
gestões governamentais que o sertão sofreu aconteceram na Primeira
República, fazendo-nos pressupor que no Governo Vargas a situação havia
mudado. Isso fica claro, principalmente, quando diz ao final que o ministro
José Américo de Almeida conseguiu ter bom senso para harmonizar as
necessidades da região com o Serviço Florestal e os campos agrícolas. Isso
porque a açudagem, sem a irrigação, para Pimentel, não solucionava o
problema da obtenção do “precioso líquido” – termo usado também pelos
jornais das capitais e regionais da Argentina para falar da água.
Cabe analisar alguns pontos desta narrativa: no caso da Argentina, em
especial Santiago del Estero, a escassez hídrica ainda não havia sido
solucionada na década de 1930 e não se vivia harmonicamente com ela (nem
ao menos anos depois). Em 1937, Santiago viveu uma das piores estiagens da
sua história, como analisado. A seca de 1932, no Brasil, ainda gerou uma onda
de morte, migrações e efeitos negativos diversos para a vida do sertanejo
cearense e a gestão de Américo de Almeida não resolveu a gravidade das
secas, inclusive, as posteriores à de 1932. Ou seja, as soluções técnicas – sejam
elas de cunho mais agrícola ou voltadas para as obras públicas – não foram
suficientes para amenizar o estado de calamidade que essas áreas sofriam
quando uma seca era anunciada. Além disso, o problema hídrico que acomete
essas regiões – por vezes – independe da estiagem. Logo, está para além da
natureza e do clima.
Isso se deu porque quando a água era pensada como o problema do
Nordeste desconsiderava-se, assim, as questões políticas do seu uso,
principalmente, por uma elite local ou mesmo porque essas soluções estavam
imbricadas nas redes inerentes a uma região em que a concentração da terra e
de poderes é bastante significativa e marcava, por vezes, as possibilidades de
ação dos órgãos públicos, entrelaçadas nas teias estabelecidas pelos grandes
proprietários rurais. Ademais, quando se buscava uma solução para as
estiagens, importava-se modelos fora da realidade brasileira (ou mesmo
argentina), desprezava-se, assim, as nuances e as particularidades de cada
população. Reafirmo que a seca, portanto, não é apenas um fenômeno
climático e sim físico-social, ou seja, político. Pensar só tecnicamente a
questão da água não resolve o problema público que existe em torno dela.
Com isso, é possível fazer aqui uma re exão também epistemológica e
sumária; um pequeno adendo para o entendimento das análises propostas.
Refiro-me, mais uma vez, àquilo que Walter Mignolo chama de uma
epistemologia fronteiriça, que pense de uma forma diferente nossa própria
existência enquanto sociedade. Nesse sentido, as periferias da América Latina
também podem ser pensadas como centro. Para isso, é necessário desarticular
a crença de uma imagem própria que não era mais que um re exo da maneira
como o discurso colonial produzia agentes subalternos897.
Esses agentes subalternos – nesta análise as populações dos semiáridos
cearenses e santiagueños e até mesmo os países Brasil e Argentina – eram
vistos como bárbaros ou primitivos e essa atribuição acabou por ser aceita por
essas nações. Naturaliza-se essa condição. Esse tipo de discurso fica claro na
fala do agrônomo Pimentel Gomes. É a aceitação de que só um modelo vindo
de outra realidade supostamente mais avançada e moderna como a norte-
americana poderia ser a solução para os problemas locais hídricos do sertão
cearense. Nesse aspecto, o discurso tornava-se uma reafirmação de
estereótipos, principalmente aqueles em que reafirmavam a nossa condição
de colonialidade e que não considerava necessário entender a sociedade por
ela mesma, para assim buscar alternativas dentro das tramas sociais
particulares de cada região.
Isso significava que tratar a água apenas como um fator atrelado à natureza
ou como um problema que poderia ser solucionado por um viés técnico não
considerava as relações sociais e políticas em torno dela, além de também não
deixar de ser uma visão dotada de ausências e silenciamentos. Ademais,
quando Pimentel chamava a população sertaneja de “vítima da própria
ignorância”, atestava a reafirmação de um discurso subalterno, excludente e
que legitimava as ideias dicotômicas de civilização e barbárie, modernidade e
atraso, que configuraram aquilo que Anne-Marie Thiesse conceitua como
“produção das diferenças”898. Mesmo que na década de 1930 já tenha havido
mudanças no que diz respeito à visão sobre os sertanejos e o sertão, muitas
delas que questionavam justamente essas dicotomias, ainda se viam diversas
narrativas que inferiorizavam esse território e suas populações.
Rafael Ribeiro salienta que essa comparação da pobreza dos sertões com a
escassez de água está relacionada diretamente a questões políticas e “a
permanência desse discurso está ligada às estratégias da elite regional
conservadora para conseguir maior participação na divisão das verbas
federais”899. Como o autor mesmo coloca, utilizavam-se do determinismo
geográfico – a semiaridez e a seca como causadoras da dificuldade da vida do
sertanejo – para conseguirem as compensações necessárias do governo
federal, já que os sertões estariam fadados à natureza agreste que impedia o
seu desenvolvimento. Eram necessários, portanto, investimentos, e os grandes
proprietários se enriqueceram com as medidas de combate à seca, na
construção principalmente dos açudes.
Suely Chacon afirma que a discussão em torno do problema da água é muito
maior, porque se ela é um elemento vital “no Sertão ela se torna o elemento
aglutinador ou desagregador das relações sociais, dada a sua relativa escassez
e o histórico uso político dessa realidade”900. Logo, o discurso da água estava na
ordem do dia, muitas vezes independentemente das fortes estiagens. As
re exões de Chacon remete-se, de imediato, ao caso santiagueño, no qual a
água é o elemento vital, aglutinador e desagregador.
Nesse aspecto, tornou-se consensual, nos discursos de então, que a tríade
seca, água, açude solucionaria o problema dos sertões. O pensar regional
abraçava também essa ideia. Fecho o elo do fio condutor dessa narrativa. O
sertão e o litoral, o centro e a periferia, dialogavam e compartilhavam desse
olhar. São visões que se alimentavam e reforçavam o poder de uma elite
mandatária.
José Campos explica que existiram algumas fases no combate à seca, entre
elas, destacaremos duas e nos atentaremos à segunda etapa. A primeira fase é
humanitária, referida “à comiseração às vítimas das secas”901, e a segunda foi “a
fase da intervenção, também denominada fase hidráulica, inicia-se com a
criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas em 1909. Nessa fase
construíram-se açudes e sistematiza-se a rede de dados meteorológicos e
hidrológicos”902, e ainda vigorava na seca de 1932, a qual A Ordem está se
referindo. Por isso, o jornal destacava nas reportagens a construção de açudes,
porque estava na ordem do dia que essa era a melhor solução para as secas.
Saliento que em 1930 refiro-me a atuação da IFOCS, e que, por isso, quando
A Ordem se propõe a colocar em pauta a açudagem, certamente direcionava
sua fala a esse órgão competente. Uma elite local já sabia dos benefícios dessas
obras, muitas das quais eram construídas em terras de particulares. O
sertanejo, aquele dependente dos donos da terra e dos poderes, tinha que
passar pelos meandros de uma elite local para conseguir uma água que era
pública, mas tornava-se, no final das contas, privada.
A máxima “sem água não há civilização”, como analisa José Campos, levou
o Brasil a adotar o discurso da fase hidráulica. Segundo o autor, isso significava
“uma política de aumento da oferta de água”903. Mas, essa política de solução
hidráulica, de acordo com Campos, tornou-se no discurso político a única
solução para os problemas das secas e do atraso regional, justificando a
construção das barragens904. Em termos técnicos, como de alguns engenheiros
da IFOCS, essa não podia ser a única alternativa para a questão das secas
nordestinas, daí re etirmos que essa visão se dava muito mais para angariar
verbas para essas obras e o jornal reforçava essa ideia. Outra questão, que se
pode pensar, é que essa visão se dava também porque se pensava de maneira
tecnicista um problema que é estrutural na vida dessas regiões: a concentração
de água nas mãos de uma elite local. Logo, o discurso legitimava práticas e
poderes.
Pinto de Aguiar apontava em suas re exões que para além da açudagem905
deveria haver a irrigação, a perenização de rios transitórios, os desvios das
águas excedentes das grandes correntes uviais e a adequação botânica das
culturas agrícolas. Além do re orestamento, captação de mananciais
subterrâneos, combate à erosão, piscicultura, artesanato, dentre outros
fatores906. Essa re exão ainda está atrelada a um pensar tecnicista, porém já
ampliava a ideia de obtenção da água.
Suely Chacon diz: “Se a história do Nordeste se confunde com a história da
seca, a história do Ceará é própria história da seca [...] A água no Sertão é o
bem mais precioso”907. Isso significa que desde tempos remotos tratar da
história cearense é falar da seca, confundindo esse vasto território, composto
também pelo litoral, com a ausência de chuvas e a semiaridez. As análises de
Albuquerque Júnior, as quais me referi nos capítulos anteriores, já nos dão esse
caminho da narrativa. Chacon também analisa que as políticas de
desenvolvimento do Nordeste tiveram dois princípios básicos ligados ao
discurso da ausência de água ao longo da história: o primeiro que utilizou esse
fator como elemento discursivo para a pobreza da população e o segundo que
era possível garantir, por meio dele, os recursos financeiros necessários para a
seca. Verbas estas que, por diversas vezes, foram desviadas por quem detinha
o poder908.
Nesse sentido, a seca atrelada a um discurso-problema era “um argumento
político quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses que
seriam monopolizadas pelas elites dominantes locais”909. As re exões de
Ab’Sáber elucidam sobre os problemas dos sertões: “Isoladamente, o
conhecimento de suas bases físicas e ecológicas não tem força para explicar as
razões do grande drama dos grupos humanos que ali habitam”910. Ou seja, a
natureza por si só não explica a desigualdade social e regional que acomete
essas áreas.
Falar de açudagem, apenas, não colocava em xeque o quadro da própria
concentração fundiária e das demais relações sociais de dependência aponto
neste trabalho. É pensando nesse aspecto que reforço o lugar do discurso da
imprensa neste contexto. As palavras em seus enunciados não são neutras.
Falar da água não pode ser viso apenas como um tema solto dentro de um
enunciado qualquer, sem relacionarmos a um contexto específico importante
que é a própria seca e que é a década de 1930 em si. E não podemos vê-la
apenas como um fator natural a ser obtido para benefício da população dos
sertões, mas sim como um discurso legitimador de um status quo: a barganha
política que a água provoca, por exemplo, em um período eleitoral é evidente
nos sertões nordestinos. Assim, é possível apontar um caminho de
entendimento das dependências diversas existentes entre o senhor da terra e o
sertanejo mais pobre. Foi esse olhar sobre a seca que deu origem a todo esse
aparelhamento montado estrategicamente para combatê-la, e que podemos
chamar, posteriormente, de indústria da seca.
Roberto Marinho da Silva ressalta que o combate à estiagem caracterizou-se
também pelo caráter emergencial. Podemos destacar aqui um certo tom de
apelo dos periódicos da época, como A Ordem, para a construção de açudes.
Isso se deu pela lógica da açudagem como solução para ausência de água e
porque era uma obra pública, e uma obra significava empregar os braços dos
sertanejos que, muitas vezes, viviam em suas caravanas migratórias em busca
de trabalho. Daí a emergência de se construir também açudes e barragens nos
contextos de crise, de forma rápida. Ainda de acordo com o autor, essas
mesmas ações alimentaram a já mencionada indústria da seca911. Nesse
sentido, menciono algumas publicações de A Ordem em que a questão do
emprego nas obras ficava mais evidente:
Já começaram mortes zona jaguaribe, sobretudo União, maior victima secca. Não vindo
urgente auxilio trabalho, morrerá muita gente. Victimas innocentes secca não esmolam,
pedem trabalho. Nome humanidade, patriotismo, imploro obtenham urgentes serviços.
Enquanto papeis se arrastam repartições, brasileiros abandonados morrem fome dentro Patria.
Impeçam crueldade deshumana, anti-patrictica. Ahi ninguém imagina horrores passa povo
laborioso viu inutilizados secca seus esforços. Trabalharam, perderam tudo. Pedem trabalho
obras redundarão beneficios Nação. Fiz quanto pude minorar desgraça. Impossibilidade, clamo
socorro. Depressa, salvem brasileiros morte. Arcebispo Fortaleza912.
A sociedade de Operarios e artistas “União Trabalhista” desta cidade, por meu intermedio,
como seu presidente dirige a este grande órgão da Imprensa Brasileira um apelo angustioso em
pról de seus irmãos cearenses açoitados pelo agelo da seca, enxotados de seus lares, aos
bandos, em peregrinação de cidade em cidade e, guiados, pelo instinto de conservação de suas
existencias, procuram trabalho, inutilmente, para escaparem à morte. Esta cidade está repleta
de agelados aguardando providencias do governo e não há esperanças dessas providencias para
esta zona do norte cearense, a pretexto de que sob o ponto de vista climaterico, fomos
favorecidos, quando a verdade incontestavel do contrario está no deslocamento em massa dos
trabalhadores dos campos e dos povoados [...] Todavia, duas grandes obras, dessas que fazem
parte do programa traçado pelo governo para solucionar o Problema do Nordeste, podem ser
imediatamente atacadas: – a construção do açude “Jaibara”, neste municipio e a construção da
estrada de ferro ligando Sobral a Fortaleza.
[…]
José Pedro Alcantara
Presid. União Trabalhista
Apelamos, pois, para este grande órgão de publicidade no sentido de, orientando o governo da
União no valor economico destas duas obras atenda, igualmente as necessidades de um povo
que não pede esmola mas reclama, perseguido pela calamidade climaterica, a execução de
obras que, de futuro, promoverão a segurança de sua tranquilidade e o fomento economico da
própria nação. Rogo a publicação da presidente.
Patricio.
Att Obr(a). José Pedro de Alcantara. Presid. “União Trabalhista”913.
[...] recorremos à patriotica Imprensa de Sobral, no sentido de clamar providencias junto ao
distinto Tenente Floriano Machado, benemerito Interventor da zona Norte do Estado afim de
conseguir a construção de estrada carroçavel que liga a referida povoação à estrada de rodagem
Granja – Viçosa, num trecho de cerca de 23 kilometros apenas, e que tem a insignificante
verba de quinze contos de reis e relevantes beneficios à laboriosa classe de agricultores de toda
zona914.

A fala do Arcebispo de Fortaleza pede trabalho para a população não


morrer. Os sertanejos “não queriam esmola”, dizia ele; desejavam trabalho.
Eram “vítimas inocentes” da seca. Ninguém imaginava “o horror que passava
o povo laborioso” que pedia emprego nas obras. Não havia mais possibilidade
de ajuda de sua parte, contava o Arcebispo. Terminava pedindo para salvarem
depressa os brasileiros da morte. Era preciso que fossem patrióticos,
impedissem a crueldade desumana dos que morriam de fome dentro da
pátria. Nesse trecho fica clara a atuação da Igreja Católica915 e dos círculos
operários como porta-vozes da população sertaneja. Não trataremos desse
tema especificamente, mas é importante entender, como já apontado no
capítulo anterior, que a Igreja Católica fez parte da construção de uma
narrativa também sobre os sertões e atuava nele como um ator importante em
meio ao controle social.
Em outro fragmento, a sociedade operária pedia trabalho para os agelados
escaparem da morte. Dizia o apelo: “enxotados de seus lares, aos bandos, em
peregrinação de cidade em cidade e, guiados, pelo instinto de conservação de
suas existências”, fazia com que a cidade estivesse “cheia de agelados” que
migravam do campo. A reportagem dizia que duas obras já podiam ter sido
iniciadas para resolver o “problema do Norte”: o açude “Jaibara” e a
construção da estrada de ferro ligando Sobral a Fortaleza. Em outra carta ao
jornal, o presidente da União dos Trabalhadores apelava para que o governo
da União desse trabalho ao povo, que “não queria esmolas”, reclamava a
execução de obras para àqueles que eram “perseguidos pela calamidade
climática”. Por fim, pediam, mais uma vez, que a patriótica imprensa de
Sobral divulgasse o apelo para a construção, junto ao Interventor do Norte, da
estrada carroçável que ligaria Sobral à estrada de rodagem Granja-Viçosa.
Essas obras iam favorecer “a laboriosa classe de agricultores” desta zona,
socorrendo, assim, “a infeliz população faminta deste distrito”.
Nesse sentido, entende-se que o trabalho era usado como forma de controle
social e era, ao mesmo tempo, a maneira de mostrar que a população do
sertão não era preguiçosa, ou ociosa, mas que era por excelência trabalhadora;
era ela que pedia trabalho nas obras para não morrer. Esse é um contexto em
que, de acordo com Frederico de Castro Neves, pela primeira vez houve uma
organização coordenada e centralizada em relação à intervenção do Estado no
período de seca. O que havia antes eram “respostas localizadas às invasões dos
retirantes que assolavam as cidades, reivindicando trabalho e comida”916.
Criaram-se não apenas vagas artificiais de trabalho nas obras públicas como
também intervinha-se no mercado de alimento, “regulando os preços e o
abastecimento de produtos de primeira necessidade”917. Ponto de similitude –
em certa medida – com o caso das Juntas Reguladoras implementadas na
Argentina, que também atuaram no Noroeste argentino e em Santiago del
Estero.
Como analisa Neves, essa visão autoritária do governo provisório de Getúlio
Vargas estabelecia que o mercado tinha uma função de segurança pública. O
Estado agia, agora, segundo o autor, não mais como função de polícia, mas
sim a favor da “justiça social”. A “questão social”, como ressalta Neves, estava
posta em prática, em meio a um contexto de reivindicações das multidões,
com saques e invasão às cidades em 1932. Aqui, explica-se o porquê do clamor
do jornal para que os sertanejos tivessem trabalho. Este clamor em favor do
seu povo não estava, necessariamente, ligado à necessidade de ajuda a essa
população laboriosa que podia morrer sem trabalho e sem as condições
básicas de sobrevivência. O discurso estava, para além disso, pensando no
contexto que Neves trata como de controle social das pessoas, do próprio
mercado de alimentos e de uma ordem moral que devia ser posta em prática
para conter essa multidão agelada. Todos esses pontos se relacionavam à
necessidade de uma possível “ameaça à ordem política, ao regime, à
segurança nacional”918. Por isso, ao analisar a narrativa piedosa das cartas
escritas ao jornal, não podemos deixar de entender o contexto ao qual refiro-
me.
A desordem da seca, que revelava na verdade o estado de coisas que vivia a
sociedade sertaneja para além do fenômeno climático, assegurava as relações
de dependência existentes na formação da sociedade sertaneja, como já
apontado em outras falas. Por isso, em todos os discursos que lemos aqui é
notória a culpabilização do clima e da natureza. A população infeliz, como
descreve o jornal, estava exposta às intempéries dessa calamidade. Logo, o
trabalho, nesse sentido, era via necessária para não desarticular as relações
vigentes, ou mesmo para estabelecer a ordem em meio às soluções
autoritárias estabelecidas pelo governo provisório, seus interventores
estaduais e a própria elite latifundiária local. O medo das multidões era
latente, fazia parte da conjuntura e dos discursos da seca. O modelo
econômico de intervenção estatal, deslocado da visão liberal, desejava regular
o mercado e a própria sociedade, em nome da modernidade, do progresso e
da ordem.
Vale finalizar esta análise destacando aquilo que analisa Albuquerque Júnior:
desde o século XIX “a imprensa contribuiu, portanto, para demonstrar à
própria elite nortista que a seca era um tema capaz de mobilizar a opinião
pública não só das províncias por ela diretamente afetada, como de todo o país
[...] transformarão o ‘discurso da seca’ numa das armas mais poderosas a
serviço dessa elite decadente”919. Se a reportagem mencionada pedia trabalho
aos sertanejos, ela podia estar também se valendo do “discurso da seca” para
mobilizar a opinião pública, tornando-se essa “arma poderosa” que
beneficiava a elite local. Isso porque, muitas das obras públicas beneficiavam
muito mais o grande proprietário do que o “pobre trabalhador” “açoitado pelo
agelo” que, por isso, necessitava de trabalho, como aponta o jornal. O que se
tinha como pano de fundo era “um discurso político da miséria e do
subdesenvolvimento como decorrência direta das secas”920. As obras públicas,
bem como o desemprego, o agelado, a pobreza, eram apropriados em
benefício da elite local. A seca perpetuava-se como uma questão política no
semiárido cearense, e não meramente um problema climático.
No caso argentino, há semelhanças em relação a estes aspectos, apesar de
suas singularidades e diferenças também no que se refere ao tema. Tasso abre
uma perspectiva de entendimento da história local santiagueña por meio das
relações estabelecidas entre o controle da terra e da água, as alianças
horizontais e verticais existentes e as migrações como reguladoras do sistema
socioprodutivo921. Ele ainda fala sobre a importância de entender a forma
como a seca foi analisada pela imprensa da época, porque nos ajuda a
compreender o clima de ideias e sensibilidades em um contexto internacional
e nacional que se expressava em desemprego, seca, fome e migração do
campo para a cidade922. Tais são os fatores que destacando-se tem destacado
em todo este livro. São também os principais temas dos discursos que me
deparo nessas análises. Nesse sentido, vejamos como La Hora utilizou o
discurso da água em suas reportagens sobre a seca santiagueña de 1937:

Noticias llegadas de Colonia Dora [...] La región a que se refiere esta noticia es una de las más
favorecidas por la cercanía del sistema de canales […] Por allá se oye cantar cerca, en ciertos
períodos al agua prometedora de abundantes cosechas. Si en zona han debido los agricultores
fracasar por la sequía y la falta de riego, cómo estarán otras regiones en que el líquido
elemento tiene menos de dónde venir. Pero quizá no. Por fortuna, el hombre tiene sus
recursos y a veces la misma desgracia de carecer de canales suele ser una salvación. Donde no
hay agua para riego se práctica la ganadería y la agricultura con otro concepto923.
Firmando por numerosos vecinos de estación Monte Quemado, progresista población situada
en el departamento Copo, sobre la línea de Metan a Barranquereras, se ha dirigido al P.E de la
Provincia una nota, urgiendo del mismo, pronta solución al problema originado por la falta de
agua.
Entre las referencias arguidas por los peticionantes, se hace notar que no obstante tener dicha
población un pozo semi surgente con instalación completa y agua buena y abundante, sin
embargo, se carece del líquido elemento por encontrarse en abandono el referido pozo, lo que
hace de urgente necesidad arbitrar fondos para su inmediata habilitación. Manifiestan asi
mismo los firmantes, que la ayuda que solicitan, pueda hacerla el P.E en cuotas mensuales,
aunque fueran de poca monta, ya que el resto, lo pondría la población, que está dispuesta a
realizar cualquier sacrifico a fin de solucionar este a igente problema924.
Nos hallamos ante un suceso extraordinario, y las medidas a adoptarse deben ser, también
extraordinarias [...] Ante el peligro inminente de que perezcan miles de personas; que mueran
de sed y de inanición, urge adoptar severas medidas, tan severas como en caso de guerra o de
epidemia. Es necesario llegar al sacrificio de lo super uo para que alcance para todos […]
Estamos en estado de guerra en la naturaleza, guerra contra y sin cuartel en la que todos los
medios si justifican, porque por encima de todas las consideraciones, de cualquier orden que
sean, está el sagrado derecho de vivir. El gobierno y la opinión pública han de pensar como
nosotros. Ha de haber, naturalmente, algunos que se opongan925.
Han concurrido comisiones ante los poderes públicos para solicitar mejoras de esta situación,
pero los peticionantes sin antes armonizar una idea de las necesidades más indispensables y
como si no conocieron, porque quizá no les llegó en carnes vivas estos dolores, han aceptado
sin consultar a estos q’ se realicen trabajos en canal de San Martín todo por cuenta de los
mismos que retribuyan así los canón de riego que les corresponda; sin contemplar que estos
pequeños agricultores que en verdad así lo son, no tienen medios de sostén alguno, porque
nada han cosechado y ni esperanza hay para ello, por esto el clamoreo de q’ quieren agua y
agua926.

Nesse trecho, La Hora culpabilizava a natureza, ou seja, a falta de água para a


irrigação como fator principal para o fracasso dos agricultores. Também dizia
que sem a água a população morreria de sede, de fome e de inanição, sendo
necessário que se travasse então uma verdadeira luta contra a natureza. E
ainda ressaltava que, devido a isso, os agricultores viviam agora sem
esperança, sem colheita, clamando por água… Novamente, vê-se como esse
tipo de discurso colaborava com uma visão fatalista sobre o meio ambiente
santiagueño e sua população. Quando se dizia que era necessário travar uma
luta contra a natureza, em realidade, afirmava-se que ela era a culpada pelos
males existentes na região.
Encontra-se, mais uma vez, a narrativa do determinismo geográfico como
marca para pensar essas áreas semiáridas. Natureza e clima, sempre passíveis
de serem os maiores causadores da vida pobre, sem esperança, da população
que vivia na província santiagueña. Em outro trecho, La Hora, ainda dizia que
podia ser positivo o fato de não terem água para irrigação, porque podiam
pensar em outras soluções para a pecuária e para a agricultura. Assim, o
próprio homem se reinventava “felizmente”, como apontava o jornal e era
também essa mesma população que estava disposta a fazer qualquer sacrifício
para sair dessa condição a itiva.
Devemos pensar o que essas falas de La Hora podiam reafirmar? Certamente,
o estabelecimento da ordem de dependências entre o pequeno produtor e os
donos de terra e de comércios, a que tanto refiro-me como fator-chave dessas
regiões semiáridas, tanto quanto o mercado de água, que era controlado por
uma elite local santiagueña. Como Tasso explica, em Santiago del Estero se
observa uma forte sensibilidade em relação à presença ou ausência de água.
Abundante, normal, ou escassa, a água encarna, segundo o autor, o nó da
sobrevivência. Definida por muitas gerações como um problema, a água e as
formas de manejá-la estão presentes na economia e na cultura da região; por
conseguinte, nos discursos locais927. Aqui, mais um ponto forte de similitude
em relação ao Ceará.
A exemplo dessa visão sobre o território, na Memoria Descriptiva escrita por
Lorenzo Fazio, observa-se como era vista essa questão de uma maneira
simbólica, uma construção imagética que tornava as águas do rio Dulce a base
de toda a sociedade de Santiago:

Estará de más hacer el elogio de la bondad, que ninguno pone en duda, de las aguas del Dulce.
Su nombre es la constatacion de su mérito y cualquier análisis de sus aguas daria un resultado
apologético. Preferible para todos los usos domésticos, el agua del rio que pasa al lado
izquierdo de la capital, es à la vez una base segura para toda empresa agrícola, pudiendo
tambien aplicarse como fuerza motriz, mediante la formacion de cascadas artificiales o
procurando descensos que aumenten su fuerza impulsiva con un mayor empuje928.

Jens Andermann analisa que a paisagem é um dos principais nós através dos
quais podemos pensar a interseção entre práticas políticas e estéticas da
modernidade. Andermann se pergunta quais foram, na América Latina do
século XX, as práticas políticas e estéticas do espaço, poder e resistência que se
incidiram na história. Lorenzo, no século XIX, colocava que não era demais
fazer um elogio da bondade das águas do Rio Dulce, e que seu nome já era a
constatação de seu mérito e qualquer análise de suas águas um resultado
apologético, aponta um discurso que via na natureza um elemento próprio
que tinha, praticamente, sentimentos, emoções, adjetivações. Era essa
natureza que podia dar o sustento ao homem e era ela que podia tirá-lo. A
paisagem, neste aspecto, torna-se a representação do que Lorenzo desejava
evidenciar. E a água, novamente, pode ser entendida como um fator
importante da narrativa dentro dessa paisagem, dessa representação da
natureza santiagueña.
Pode-se pensar, nesse sentido, como Tasso explica, que o controle da água
dos rios Dulce e Salado teve uma remota origem no período colonial. Elas
eram conduzidas em períodos de cheias a terras agricultáveis. A primeira rede
de irrigação privada foi construída entre 1870 e 1890. As redes ferroviárias
também passaram a transportar água e a formar estabelecimentos humanos
artificiais ao redor delas. Eram as ferrovias que passavam pelas áreas onde não
havia água. De acordo com o autor, à medida que se expandia a irrigação e a
população, o manejo de água foi ganhando cada vez mais espaço no discurso
político929. Assim, como no caso cearense a lógica das ferrovias, da expansão
dos povoados, da irrigação e da concentração da água formaram a trama
mesmo dos sertões. Por isso, não era de se estranhar que nas Memorias
Descriptivas de Santiago del Estero se vangloriassem do poder da água dos seus
rios. Nesse aspecto, passou-se a discutir o seu monopólio pelos grandes
fazendeiros e a proteção que o estado provincial lhes dava. Também era no
período de seca que a população cercava os trens, lutando para obtê-la. A
longa estação seca e com invernos breves permite compreender a importância
que a mesma tem como determinante do povoamento e da produção, como
nos mostra Tasso.
Novamente, um exemplo de como desde o século XIX já se falava em uma
lei sobre o domínio e aproveitamento da água é que em Memoria Descriptiva
Lorenzo Fazio já colocava:

El dominio, el régimen y aprovechamiento de las aguas representan algunos derechos fiscales


y particulares, y han dado lugar a serios trabajos de reglamentación, cuyo perfeccionamiento
está en proporción directa con el adelanto de los países que se han preocupado del asunto con
la preferencia que reclama930.

Reitero, que quando Lorenzo fala sobre o domínio da água, ele está tratando
da própria história da região santiagueña. Como Tasso explica, a água faz
parte da cultura, pode ter conotações religiosas, econômicas ou políticas. E a
busca por sua obtenção esteve atrelada, semelhante ao Ceará, ao
desenvolvimento de tecnologias para sua obtenção, conservação ou
distribuição para irrigação. Como exemplo, destacam-se os poços escavados
ou de balde, as represas e os canais que conduzem água (acequias), que foram
usados desde o primeiro momento da presença espanhola931.
La Hora, mais uma vez, aponta como a água é definidora dos problemas
agrícolas, tendo como necessidade solucionar o problema da sua escassez.
Certamente, aqui, a seca se torna o fator discursivo primordial para tratar da
questão hídrica. Com ela se torna mais evidente o uso da água como discurso
público. Vejamos:

La Dirección General de Estadística de la Provincia ha dado a la publicidad un calculo


aproximado que hace sobre la disminución del ganado, por efectos de la sequía que azota a
Santiago en estos momentos. Este cálculo nos da una idea de la situación de angustia que se
vive en la campaña, donde el pasto y el agua representan un problema difícil y grave932.
Nuestro corresponsal en Villa Matoque, departamento Copo, nos escribe poniéndonos de
manifiesto la situación angustiosa por la que están atravesando los habitantes del mismo,
debido principalmente a la falta de agua, ya que las últimas precipitaciones, solo alcanzaron a
beneficiar una mínima parte y en forma aislada, algunas zonas, habiendo llovido un poco en
los puestos de afuera; vale decir, en las estancias construidas en pleno desierto. Como
consecuencia de esta falta de pastos naturales, los ganados caballar y vacuno han quedado
reducidos a una mínima expresión, tanto, que en la costa del Salado, la mayoría de la gente
anda a pie y se alimenta exclusivamente de la casa y tan de cerca del monte. Para peor de los
males, ahora la peste estaría entrando a las majadas, con lo que el ya serio problema de la
subsistencia se viene a agravar de una manea espantosa933.
Si tal como se asegura, somos un pueblo que marcha a pasos gigantescos de progreso y
engrandecimiento, no se ve como es que es progreso, no ha llegado hasta el grado de inspirar
nos los medios de previsión y defensa contra los males que en atacan, como la sequía actual y
sus estragos. Un ligero examen de las estadísticas publicadas, nos permite comprobar que las
zonas afectadas, son las colocadas bajo la in uencia de los ríos que atraviesan la provincia. La
explicación es muy sencilla. Se trata de campos que en épocas de crecidas, se inundan,
convirtiéndose después de ellas, en praderas exuberantes, donde el ganado se multiplica con
gran facilidad, especialmente los lanares, utilizándose como único abrevadero el agua de los
ríos, arroyos y lagunas alimentadas por esas mismas crecidas. Agotados esos abrevadores, esas
poblaciones como los ganados quedan en el mayor desamparo y a merecer del capricho de los
fenómenos meteorológicos. De allí que esas regiones de mayor abundancia ganadera, acusen
un mayor porcentaje de pérdidas contrariamente a los lugares alejados de los ríos, donde el
recurso de los pozos y represas, ponen a las poblaciones a cubierto del peligro de las sequías en
cierta medida. Los hombres de campo saben muy bien que allí donde no falta agua y existen
bosques el ganado resiste con mayor ventaja la acción devastadora de una sequía prolongada934.

O que há em comum nestes discursos de La Hora, precisamente, são a


relação entre a diminuição do gado, dos pastos e a seca. Como aponta o
jornal, era a falta de água que teria atingido, então, esse gado cavalar e vacuno
e, por conseguinte, trazido as pestes. E o povo, tal como o gado, estaria
desamparado e à mercê dos caprichos meteorológicos. A partir disso, uma
solução é posta: os poços e as represas minorariam, em certa medida, a
situação vivida pela população coberta pelo perigo das secas. O gado também
crescia quando tinha água dos rios, riachos e lagos.
Três são, portanto, as proposições que se unem nessas falas: o problema
hídrico ligado não só à vida da população no sentido literal, mas a criação
vacuna. E esses dois últimos estariam necessariamente relacionados à
natureza, principalmente quando o jornal falava sobre os caprichos
meteorológicos a que eram submetidos os santiagueños. Nesse trecho, fica
evidente como a natureza era vista como empecilho a uma população em
“franco desenvolvimento e progresso”, palavras usadas pelo jornal em uma
das reportagens citadas. Assim, sem ela afetava-se a economia, a sobrevivência
e a saúde da população (com as pestes). A água perpassava todas as
adversidades de Santiago del Estero, atravessava as histórias da província. E
era a sua ausência que impediria o desenvolvimento da região.
É importante salientar, que o jornal mencionou o descaso político em
algumas de suas reportagens. Mas, ao mesmo tempo, deixava claro,
novamente, seu determinismo geográfico, e este existia em maior número nos
discursos aqui apresentados por La Hora, e cabe-nos perguntar o porquê da
utilização desse olhar pelo periódico. Nesse aspecto, Tasso explica o que ele
define como uma “possível maneira hiperbólica” que poderia ser gerada a
partir de uma indispensabilidade de controlar o clima. Daí a necessidade de
uma política pública que viesse assegurar que a água existiria, para quem ela
iria e em que quantidade ela chegaria até a população. Ele mesmo aponta o
que desejo evidenciar neste trabalho: a questão hídrica, por conseguinte o
acesso à água, re ete as desigualdades na distribuição dos recursos, porque ela
está diretamente relacionada aos que detém terras.935.
Aqui, encontro uma forte similitude com o caso brasileiro: a concentração da
água pelos proprietários de terra. Do mesmo modo que o jornal A Ordem, La
Hora, novamente não problematiza essa questão para além da natureza, ou
mesmo quando mencionava o governo ou as políticas públicas para sua
obtenção, deixava de lado um fator central dessas áreas: o controle dos
recursos naturais por uma elite mandatária. Assim, corroborava com o
discurso em que a natureza é a condicionante da ausência de progresso, ou
seja, da pobreza da região. Mais uma vez, trata-se de um olhar que legitima os
domínios existentes.
Portanto, desejo deixar claro que a irrigação está atrelada aos detentores da
água ou mesmo a quem podia aplicar essa prática em suas terras. Da mesma
forma, no Brasil, os açudes estavam associados a quem detinha o poder, ou
seja, aos grandes proprietários rurais, nos seus latifúndios. Nesse sentido, há
uma trama por trás dos açudes e da irrigação que quero destacar. Há uma
escolha discursiva que culpabiliza o clima, a seca e a desigualdade social
nessas regiões. Não se nega o fato de serem regiões com grandes secas e que,
para obter uma agricultura minimamente ativa, é preciso optar pela irrigação,
porque a chuva é escassa. No entanto, procuro evidenciar a necessidade de
ampliar nossa visão para além do fator meteorológico e/ou geográfico. E
pensar os discursos dos periódicos fora narrativa, propriamente dita, se faz
também fundamental.
Assim, com a seca de 1935-1937, passou-se a perceber a insuficiência do
sistema de irrigação e os atrasos do Estado em enfrentar as obras de
canalização e distribuição de água936, previstas há tempos. Com elas,
aumentou-se a produção agrícola, mas, segundo Tasso, criou-se um mercado
da água, delineado entre posições diferentes de in uência social e poder
econômico, entre o proprietário e aquele ocupante sem títulos, aquele que
obteve o direito de residência na terra de seu empregador em troca de
eventual emprego937.
Vejamos mais algumas reportagens de La Hora em que podemos analisar
essas temáticas:

La impresionante noticia llegada desde Cerro Rico y que comentamos en nuestra edición de
ayer, no es única, no constituye un caso aislado. Es el grito de toda la campaña santiagueña. Sin
agua, sin nada para comer, porque todo se ha acabado, sin esperanza de ninguna especie, en los
apartados rincones de nuestra provincia, alli donde no llega la obra progresista del riel, miles
de personas van debilitándose y pereciendo de sed. Relatos de las heroicas maestras que en
cumplimiento de su deber compartieron durante muchos meses las penurias y miserias de las
poblaciones campesinas y las cartas que nos llegan de diversos puntos, no dan lugar a dudas
sobre el terrible espectáculo que ofrecen esas sencillas poblaciones. Se muere literalmente y
los recursos que se prestan son insuficientes 938.
Las consecuencias de una mala política será la ganancia que los pobres tendrán al concurrir a
solicitar asistencia médica. Agregado a esto tenemos que ni agua hay ya para los pobres que
concurren a los consultorios, los cuales tienen que ambular por las casas vecinas en procura del
preciado liquido. Esto es desastroso939.
No manifestó que vivimos en el mejor de los mundos y que la vida económica de esta
provincia se desarrolla en forma normal, sino que no se ha llegado al estado de pauperismo que
ciertos diarios se han empeñado en decir. Ni para el primer mandatario ni para nadie es un
secreto el estado altamente desequilibrado en que vivimos a causa de la persistencia sequía,
pero con sobrada razón ha declarado que con limosnas esporádicas nada se conseguirá, pues lo
que hace falta no es, precisamente el dar de comer hoy a la población, sino el impedir que toda
la provincia sufra periódicamente estos estragos por la falta de agua. Santa María es una
población ubicada en el Departamento Ojo de Agua, y que hoy está sufriendo como ningún
año los efectos de la terrible sequía. Los campos están en la más completa desolación, limpios;
sin tener una planta de pasto, carentes de agua. Como consecuencia de ello ha entrado toda
clase de peste en la hacienda que diariamente se muere en primer lugar por falta de pasto y
segundo por la peste. No se dispone de agua suficiente; los pazos existentes se van agotados y
los vecinos deben esperar hasta el día siguiente o sea esperar que la aguita se reúna en la noche
para poder dar de beber a los pocos animalitos que todavía resisten a pesar de todos los males.
La agricultura, lo poco que se ha podido sembrar está ya perdida por la falta absoluta de lluvias.
De modo que al perderse la cosecha y la hacienda que son el único sostén y la única esperanza
de la mayor parte de esta población y otras vecinas, numerosas familias obreras se ven en la más
completa miseria, sin tener medios de movilidad, por haberse quedado a pié sin disponer de un
solo animalito en que levantar el apero a fin de buscar la vida940.

Sem água, não havia esperança de nenhuma espécie, não existia o que
comer. Pessoas ficavam doentes e pereciam de sede. Não havia dúvidas, então,
do terrível espetáculo imposto a essas simples populações. Morria-se
literalmente e as pessoas tinham que perambular em busca do “precioso
líquido”. O sofrimento era maior do que em secas anteriores e os campos
estavam desolados. As pessoas davam água para os seus animais como podiam
e eles resistiam apesar de todos os males. Perdiam-se a colheita e a fazenda,
seu sustento, sua única esperança. Famílias trabalhadoras se viam, assim, na
mais completa miséria. Em contrapartida, La Hora dizia que não era também
dessa maneira que devia-se falar sobre Santiago, como faziam certos diários
que enalteciam o pauperismo da região. Não era com esmolas esporádicas
(podemos pensar assim na campanha assistencial realizada pelo periódico El
Mundo, que enviava víveres a Santiago) que se conseguiria mudar essa
situação, porque não era dar o que comer à população que devia ser feito, mas
sim impedir que toda a província sofresse periodicamente os estragos da falta
de água. Nesse contexto de sofrimento, estavam as professoras que
compartilharam, durante anos, as penúrias e as misérias dos campesinos.
Quando La Hora dizia que não existia esperança, vida, sem o “precioso
líquido” – termo que vimos também no período A Ordem (no Brasil) –
novamente deixava evidente que a água era um elemento do discurso atrelado
ao desenvolvimento ou ao atraso. Era um condicionante da vida santiagueña,
ou seja, se existia água havia como prosperar. Tipificar esse elemento como
precioso, também era um olhar importante: desejava mostrar que era raro ou
mesmo praticamente inacessível. Percebemos nestes argumentos, por vezes,
um tom nostálgico, de lamentação e piedade, e essa fala revelava novamente a
culpabilização da natureza em relação ao estado em que vivia a população
santiagueña. A isso, atrelava-se a miséria como pano de fundo dessa escassez
hídrica. Havia fome e doenças por causa da seca, era um espetáculo o que
ocorria na região. Havia sofrimento, penúria, gente perambulando pelas
cidades, desolamento dos campos. Mais uma vez, o olhar concentrava-se na
natureza, o caos instalava-se por isso. A palavra “desolar” deixa mais evidente
um tom de tristeza e permanência. Essas tipificações e visões soam, muitas
vezes, como se o território fosse um cenário fixo e imutável. Em contrapartida,
nos discursos de La Hora, a província podia ser, em tempos de chuva, próspera;
mas como prosseguir se desenvolvendo se a seca assolava os campos?
Ler esses fragmentos sem pensar nas conjunturas e nas configurações sociais
cristaliza a compreensão sobre essas áreas, pois é convincentemente real
pensar na seca como condicionante da pobreza dessas regiões. É comum,
assim, naturalizar a desigualdade social do semiárido apenas pelo fator
climático, no entanto, essa já é um tema estudado e analisado por muitas
décadas, tanto no Brasil como na Argentina. A pergunta que deve ser feita é
porque, na atualidade, ainda vemos esses territórios como se a água não
existisse e como se não fosse possível conviver harmonicamente com a
natureza. Esse é um ponto central para uma re exão mais profunda sobre o
tema. O discurso construído ao longo dos séculos também faz com que essa
visão prevaleça. Há todo um histórico de criação imagética, simbólica, e de
disputas políticas, que se perpetuaram, ao longo dos processos formativos
desses países, no que diz respeito às áreas semiáridas, ou mesmo distantes da
capital. Logo, já é sabido que há quem detenha o controle da água e que há
uma má distribuição da mesma.
Outro exemplo importante dessa construção do discurso da seca torna-se
mais claro quando La Hora conta a história dos “animaizinhos” que
sobreviviam apesar dos pesares. Ao colocar essa palavra no diminutivo, acaba
por criar uma escrita da piedade, da compaixão, da dor; todas essas formas
enunciativas, cada palavra usada em seus contextos, de uma forma específica,
faz parte de toda a trama discursiva em que acentuava-se muito mais uma
escrita que podemos chamar “do caos”, do que questionava outras
possibilidades para o semiárido. Ainda que, como vimos, o mesmo periódico
enfatizasse que outros jornais exageravam sobre a situação da província e que
havia um estado de penúria, mas não era com esmolas e sim com soluções
efetivas que a situação da população santiagueña melhoraria, não se conseguia
ir além dessas evidências.
Tal ambiguidade em torno deste tema pode ser esclarecida se pensarmos
que ao mesmo tempo em que se desejava mostrar que a região era próspera e
necessária para a economia argentina como um todo, se queria deixar claro
que Santiago estava nessa condição de miséria por culpa da natureza e não
porque não havia uma possibilidade de prosperidade para a região. Assim,
enaltecia-se o fato de existirem professoras heroínas que não deixaram de
exercer o seu ofício em meio à miséria da população campesina. Podemos
pensar em uma certa mistificação em torno de uma população que era vista
como forte e resistente às penúrias da natureza. Ao mesmo tempo que os
santiagueños eram vistos como trabalhadores, também eram vistos, em
diversas narrativas, como tradicionais, com hábitos de vida considerados
rudimentares, e que eram impeditivos para o progresso do território.
Aqui, cabe mostrar brevemente como também estava em voga, então,
ressaltar a figura do bom trabalhador de Santiago del Estero, prejudicado pela
seca. A exemplo disso, podemos pensar como o periódico chama – em
algumas ocasiões – o santiagueño de “trabalhador do campo” ou “los obreros de
las obrajes”. Essas palavras não são meramente ilustrativas, tornaram-se
praticamente um adjetivo de conduta moral dessa população. Vejamos
algumas reportagens nesse sentido:
Hay tantos obreros que se ven obligados de recorrer a pié enormes distancias en busca de
trabajo en los obrajes instalados por Estación Sumampa, de donde regresan nuevamente a pie
con una insignificante platita con la que no les es posible alimentar a la familia que los esperan
impacientes. Es por ello que hacemos llegar por intermedio de LA HORA, este formal y
angustioso llamado a nuestros representantes, ante la Honorable Cámara, quienes deben
auxiliar a esos trabajadores. Debemos hacer presente que disponíamos de represas que aunque
particulares siempre que tenian agua, todo el vecindario disponía de ellas. Ahora esas represas
están enlamadas y su propietario lógicamente necesita cooperación para hacer los trabajos de
desenlame en el que bien pueden trabajar numerosos obreros siempre que se disponga de
medios para llevar a cabo dichos trabajos, los cuales para esta población se los considera
sumamente importantes por cuanto beneficiarían enormemente a esta zona941.
Y de eso ha venido el desastre. Con todo, en verdad resulta doloroso pensar que a los
trabajadores de la tierra, como a los trabajadores de los obrajes, no les queda nada más que el
éxodo cuando el fracaso llama a sus puertas. Toda una equivocación del sistema de distribuir las
fuerzas sociales que mueven la actividad [...] Quizá la experiencia les haya aleccionado en
forma fecunda. Pero es esa la consecuencia de la falta de solidaridad. Habrá carteles para atraer a
los trabajadores, pero no hay fuerzas que se vuelvan a su favor cuando la mala suerte ha caído
en las sementeras. Triste indiferencia, en verdad, resultado de la falta de puntos de vistas
prácticos, de tal manera que la fuerza más segura, el trabajo, queda sometido a la condición de
juego de la suerte. Y el trabajador no es partidario del juego bajo ninguna forma. Por eso
prefiere irse942.
Además, para que este lamentable estado de cosas concluya, es necesario preocuparse no
solamente de los enfermos [...] pero en realidad la población toda, sus sectores de trabajadores
y obreros de la ciudad y del campo, necesitan la ayuda de los poderes públicos para que una vez
que sus exigencias materiales sean satisfechas, para que una vez que está bien alimentados
todos los habitantes, contemplando su problema del habitante, completando su problema del
trabajo y de la vivienda y de la higiene, deje esa población de producir esos enfermos que van a
ser abandonados en los hospitales y de producir también esa niñez que asiste desnutrida a las
escuelas943.
La propagada sequía, afectando a los trabajadores del campo, a los agricultores y ganadores, ha
dado ocasión al Gobierno del doctor Pio Montenegro para ejercitar su amplia comprensión
acerca del problema económico tal como en el caso ha quedado planteado. A raíz de ese
planteamiento de la situación, el P.E, ha distribuido semilla a los agricultores y por medio de
sus técnicos ha tratado de que la orientación de los cultivos sea lo más provechosa posible,
incitando a la siembra del algodón en procura de que los agricultores se rehagan en su crédito
afectado por la depresión en que los ha sumido la carencia del líquido elemento944.

Os trechos deixam claro que La Hora desejava evidenciar o lugar do


trabalhador santigueño em meio à seca. Começava, então, dizendo que
trabalhadores buscavam emprego, caminhavam a pé longas distâncias nessa
procura; queriam trabalho nas obras. Regressavam, por vezes, com uma
mísera prata que não era suficiente nem para alimentar sua família. La Hora
fazia, assim, um pedido angustiado em nome dessa população trabalhadora.
Contava, em um dos trechos, que havia uma represa que estava com lama e
era necessário retirá-la. Com a oferta de trabalho nessa obra, seria possível
empregar “los obreros santiagueños”, e isso não só os beneficiaria, como também
a toda a região. Em razão dessa situação desastrosa, só restaria aos
trabalhadores do campo e das obras migrarem.
O jornal dizia ainda que havia cartazes feitos para atrair os trabalhadores,
mas a sorte não estava com eles quando se tratava de semear. Essa força mais
segura que era o trabalho estava sendo submetida à condição desse jogo da
sorte. Era por isso que eles optavam por sair de suas terras. O que faltava era
solidariedade para com essa população e só restava a indiferença. Pedia o
periódico que pensassem nesses trabalhadores do campo e da cidade, na
ausência de trabalho e também de higiene (La Hora remetia-se à situação de
pessoas enfermas na cidade). Terminava o último fragmento mostrando que
era a seca que afetava os trabalhadores, os agricultores e os criadores de gado.
Era preciso distribuir sementes, porque a depressão causada pela falta do
“líquido elemento”, a água, assolava a população. Novamente, vemos a
natureza, a ausência de água, como fatores condicionantes da situação de
miserabilidade da região.
O que estes discursos sobre os santiagueños, na verdade, podem nos
mostrar, para além da narrativa em si? Todo o país estava afetado pela crise de
1929, tendo que reformular-se economicamente e, principalmente, expor o
seu lugar de importância nessa reestrutura, como salientado em todo livro. As
áreas do interior, como mais dependentes ainda de Buenos Aires, foram mais
afetadas. Porém, de acordo com Noemi Girbal-Blacha e María Silva Ospital,
foram essas mesmas áreas tradicionais como a açucareira, a vinicultora, a
produtora de algodão e de frutas que lideraram o processo de consolidação do
consumo de produtos nacionais para superar os efeitos da crise internacional.
Ou seja, foram elas que, de imediato, promoveram e incentivaram o mercado
interno. Para isso, se utilizaram fortemente do uso de propagandas como
recurso estratégico para tal intento. E a ela se somaram, nessa iniciativa, o
próprio Estado argentino. As propagandas do Ministério da Agricultura da
Nação, como salienta Girbal-Blacha e Ospital, juntamente à criação das Juntas
Reguladoras, já mencionadas, configuraram-se em estratégias decisivas para o
consenso a favor do consumo dos produtos argentinos945.
Entretanto, o que isso significava, precisamente, nessa conjuntura? Que para
colocar esse desejo em prática foram realizadas constantes apelações ao
patriotismo, utilizando slogans do nacionalismo econômico. Assim, consumir
era uma ação também patriótica946, e esse consumo estava relacionado
diretamente ao consumo dos produtos nacionais. Nesses aspectos, pensar que
Santiago del Estero “por causa de uma seca” poderia não ser uma província
boa para os investimentos nacionais, não era um bom argumento para a
província. Era necessário mostrar, que apesar dessa “natureza”, a população
santiagueña tinha força e braços para o trabalho. Podia-se também, com o
incentivo do governo, evitar a migração da população para outras áreas,
fortalecendo a agricultura local, ou mesmo incentivando as áreas de extração
da madeira (“quebracho”, as famosas “obrajes forestales”, já mencionadas).
Atraia-se, assim, os grandes empresários para que aplicassem seus bens na
região.
Girbal-Blacha e Ospital afirmam que as apelações se dirigiam, portanto, ao
“argentino consciente”, aos valores relacionados com o nacionalismo e à
proteção da produção nacional, com o trabalho nativo e a utilização das
matérias-primas provenientes do solo natal947. Daí, mais uma vez, inferirmos
que La Hora estava preocupado com a visão que Buenos Aires podia ter da
província, caso ela não fosse um lugar desejado para esse “consumo patriótico”,
conforme apontam Girbal-Blacha e Ospital.
Também é importante entender que, em tempos de migrações internas do
campo para cidade, o governo nacional não poupou qualquer instrumento que
fosse eficaz para enraizar as populações no campo, tratando de evitar
distúrbios e manter o controle social, sem modificar estruturalmente o sistema
de posse de terra. Isso atesta, mais uma vez, que o discurso do periódico está
voltado para a defesa da região, apesar de não se desvencilhar dos
estereótipos, do determinismo geográfico, da estigmatização dos seus
próprios correligionários locais948. Por isso, a população era colocada na lógica
do sistema, em um tom passivo, mórbido, como se não houvesse consciência
do lugar que ocupavam na sociedade. Porém, Girbal-Blacha e Ospital
explicam que o que ocorria era um controle social por meio desses discursos,
era isso que fazia com que a população parecesse uma “massa de manobra”
em meio à necessidade de progresso nacional.
Como exemplo de continuidade desta fala, vemos o intelectual santiagueño
Bernardo Canal Feijóo, que atribuía à população local um diferencial em
relação às demais: o trabalho. Dizia ele:

En esta pobre provincia, más que en cualquier otra, el trabajo está en honor se encuentran
aquí pocos ociosos. Los hombres que, por falta de grandes empresas, no encuentran en el
suelo natal empleo para sus brazos, se van, al aproximarse el invierno, a buscar un salario en las
provincias vecinas, y son allí los mejores peones. Las mujeres hilan la lana y el algodón [...] No
hay un rancho que no posea un telar, máquina primitiva, si se quiere, pero que es raro ver
ociosa949.

Essa fala de Canal Feijóo, concomitante a de La Hora, em 1937, reforçava


essa imagem do santiagueño como uma população trabalhadora por
excelência e por vocação natural, como vimos nos trechos mencionados, o que
era, portanto, um privilégio e uma virtude dessa região. Era o trabalho que
honrava o homem, que apenas migrava porque necessitava de emprego e não
desejava cair nos vícios de uma vida de indolência. Era o santiagueño o
melhor peão, o melhor braço nas províncias vizinhas. As mulheres também
não ficavam “paradas” quando a situação estava calamitosa. Estavam elas
imersas na lida, no rancho do algodão, no telar. Raro era ver qualquer vida
ociosa em Santiago.
Em outra reportagem de La Hora, esse discurso é notório:

En efecto, quiere decir que la sequía prolongada en algunas zonas ha vencido la tradicional
resistencia del criollo para con las condiciones desfavorables del medio ambiente. Y eso es
grave. Donde el criollo no puede vivir de la ganadería, para la cual se necesita nada más que el
agua como elemento indispensable, entonces será imposible radicar otra población sin acudir a
la ejecución de obras costosas950.

Duas questões devem ser destacadas: a primeira é esse olhar sobre o “criollo”
(sabe-se que essa tipificação é generalizante) como homem resistente. A
segunda é que a natureza seria responsável pela perda da tradicional força
dessa população, o que poderia ser resolvido apenas com a presença da água,
que era o elemento indispensável para criação do gado. Mais uma vez, La Hora
cria um estereótipo em torno dos santiagueños (caso semelhante foi analisado
com os sertanejos cearenses), e esse discurso está atrelado inequivocamente à
natureza. Ser humano e natureza se confundem neste aspecto. Parece que seu
ser “tradicionalmente” “rústico” e “resistente” é moldado pelo seu contato
com a terra “hostil”, a mesma que lhe dava ou tirava o sustento diário. Outro
ponto tratado nessa fala é a execução das obras custosas; só elas poderiam
solucionar esse problema hídrico da região.
Até que ponto escrever desta forma não legitimava um lugar-comum e
reforçava condições de dependência típicas destas sociedades rurais? Essa
pergunta perpassa toda nossa análise. Já foi analisado, anteriormente, o lugar
da escrita e seus poderes. É preciso re etir sobre a possibilidade e o lugar dos
silenciamentos também nos discursos, em uma sociedade em que as múltiplas
relações sociais existentes estão atreladas a grandes proprietários que
dominam terras, políticas, gentes.
Nesse aspecto, considero, tal como explica Andermann, que a antiga escrita
sarmientiana, onde a letra circunscreve um espaço e funda um território,
permanece no imaginário e na vida desse “desierto”, desse chaco ou monte
santigueño. Uma escrita que gravou, como descreve Andermann, na superfície
do solo e inscreveu no espaço inimigo a marca de uma legalidade letrada que
permitia reclamá-lo de novo como cenário de uma história cujos sentidos o
sujeito que escrevia sabia manejar e transcrever,951. Desse modo, concordo que
a literatura, como diz Andermann, é um ato político e social de caráter
fundacional952.
Não desejo, com isso, afirmar uma possível passividade dessa população do
campo, pelo contrário. Para este trabalho, reitero, que não caberá uma análise
sobre a questão, mas entendo a importância do lugar dos sujeitos desprovidos
de fala e que se reinventavam em meio ao que lhes era imposto. Mas, são essas
mesmas relações que, por vezes, violentamente impedem que essas
populações manifestem seus descontentamentos.
Tasso explica que a estrutura santiagueña deve ser entendida dentro das
relações de convivência entre os grandes proprietários e os campesinos sem
terras, com um regime de dominação social de acentuada rigidez. Nessa
configuração estabeleceram-se durante três séculos as chamadas estâncias e as
zonas campesinas, que eram resíduos das antigas “encomiendas” e “pueblos de
indios”. Assim, viviam brancos donos de terra de um lado e, do outro,
camponeses e assalariados índios e mestiços. É nesse contexto que surge a
agricultura de irrigação e com ela novos padrões de distribuição de terra,
novos sistemas produtivos e consequentemente novos tipos sociais953. Por isso,
é necessário pensar nestas configurações sociais quando se analisa o discurso
da seca, logo o da água ou sua possível escassez. Aparecem, então, em
Santiago “las ncas grandes organizadas con concepto empresarial, los colonos
inmigrantes y sus pequeñas chacras y los campesinos como fuerza de trabajo, residente
en los intersticios o aún dentro de la gran propiedad bajo la antigua institución del
‘agregado’”954. Isso revela um sistema social no qual existia um alto grau de
dominação dos grandes proprietários sobre os pequenos, com alianças e
mecanismos de legitimação de dependência, os quais silenciam as tensões
sociais existentes entre interesses diversos e distintos, como analisa Tasso.
Quando falo de donos de terras e de água, como apontam Guillermo
Benzato e María Cecilia Rossi, considero o contexto de Santiago del Estero em
que desde o século XIX prolongando-se fortemente até a década de 1930,
regiões santiagueñas foram afetadas pelos processos modernizadores, como as
áreas do Salado e do Chaco. O avanço de um Estado de perfil oligárquico e
apoiado em redes sociofamiliares de origem colonial, que haviam feito da
posse das terras a base de seu capital social, começaram a constituir-se como
uma elite latifundiária. Tornaram-se, assim, setores capazes de controlar a
produção e a comercialização dos bens em que se baseou a expansão
econômica santiagueña. As terras públicas localizadas em territórios que iam
até o Chaco foram sendo entregues a uma elite em nome de uma possibilidade
de desenvolvimento agrícola-ganadeiro955.
A compra das terras fronteiriças do Salado e do Chaco cruzaram interesses
entre a terra pública e os negócios privados. Com a própria conjuntura, os
sucessivos governos decidiram recorrer à exploração da maior riqueza
disponível do território: dez milhões de hectares de bosques, como já
salientado anteriormente. A expansão da fronteira agrícola exigiu, devido às
peculiaridades de antigas terras orestais que foram cortadas sem controle, o
fornecimento de água de forma mais permanente do que a fornecida pela
estação de verão. Aqui, encontra-se uma questão importante relacionada ao
controle da água e que nos faz re etir para além do problema das fortes
estiagens.
Nesse sentido, os dados preliminares disponíveis analisados por Benzato e
Rossi indicam que houve uma transferência maciça de terras do Estado para
cobrir despesas administrativas e realizar obras públicas, praticamente todas
localizadas na fronteira do Salado onde a província estava ampliando seus
limites. Assim, vão criando-se os latifúndios que serão a marca do registro do
liberalismo santiagueño oriundo do contexto do século XIX e que se combina
com as pequenas e médias propriedades que ficavam localizadas nos restos
dos terrenos que as “obrajes” (extração de madeira) deixavam “sobrar” na
região956.
Foi dessa forma que configurou-se um mercado de terras em Santiago, e para
promover o desenvolvimento da agricultura, de acordo com os parâmetros
modernos, dirigiram-se para estabelecimentos agrícolas próximos ao rio
Dulce, porque era preciso um abastecimento de água mais regular957.
Aqui, mais uma vez, a política, a economia e o desenvolvimento agrícola
conjugam-se em torno dos rios, ou seja, do controle das águas santiagueñas.
Justificava-se, assim, o seu monopólio e com isso pode-se inferir que nasce
todo o simbolismo que a mesma possui até os dias atuais em toda a província.
É válido, portanto, destacar a diferença com o caso cearense que delimita o
semiárido como o local ausente de água, e em Santiago, a província e áreas
para além do semiárido são contornas pela questão da ausência/presença de
água. Acredito, nesse sentido, que haja sim uma diferença, mas que unem
essas histórias e suas complexidades no que tange ao ambiente rural.
Por fim, mais alguns fragmentos de La Hora esclarecem como em Santiago o
problema hídrico é um discurso crucial para entender a região:

Gramilla 19,
Hacen varios meses que el servicio regular del agua en esta población está resentido
seriamente; con el consiguiente perjuicio y molestias para el vecindario, que ahora se suerte
de ella merced a la buena voluntad de la empresa del F. C.C.A que ha puesto dos tanques con
agua a disposición del vecindario, debido a las activas gestiones que en ese sentido efectuó el
Intendente Municipal señor Herrera. Si bien es cierto que este servicio es normal, porque no
se carece de ella, también es verdad que esta forma de distribución levantaría de los tanques,
tiene sus bemoles, ya que pone en peligro la vida de quienes tienen que pasar casi a saltos los
rieles para conseguir llenar sus vasijas, baldes o tarros. Y decir que Gramilla posee una extensa
y bien construida red de cañerías que antes solían llevar el agua hacia todas las casas de la
población, aún hasta en las más humildes, con gran contentamiento de la gente menesterosa
de estas últimas, a las que se les deba el agua, sin cobrarles un solo centavo por retribución de
servicios. Este grave y serio inconveniente podría obviarse nada mas con que el P. E acelere las
reparaciones que se dicen están efectuándose en el motor con que antes se sacaba el agua del
pozo semi surgente que surte de este líquido a la población y que se descompuso hace más de
un año, sin que hasta la fecha se haya podido conseguir que se lo habilite nuevamente 958.
Ahora va a tener que intentar un nuevo esfuerzo o dar al asunto un plan de mayor enjundia
que tienda a su solución y va a tener que abarcar también la provisión de agua a las poblaciones
que carecen de ella. Ya ha iniciado esta parte de su nueva tarea consiguiendo que los
Ferrocarriles del Estado lleven mayor cantidad de tanques para que las poblaciones del chacho
santiagueño no tengan que asaltar los trenes como suelen hacerlo en los momentos en que
carecen por completo de agua. En fin, mayor buena voluntad no se puede dar que esta queda
exteriorizada por una completa vigilancia sobre los contratiempos que pasan las poblaciones
de campaña959.

Os argumentos em torno do problema da distribuição de água e como as


ferrovias eram um acesso importante para a obtenção desse elemento são os
principais pontos do jornal nestes fragmentos. No entanto, o periódico
contestava a forma como os tanques eram levados, porque colocava em risco a
vida dos que quase saltavam os trilhos para encher seus vasos, baldes ou
jarros. Dizia que em Gramilla havia uma extensa rede de canais que servia até
populações mais humildes e carentes, sem lhes cobrar taxas de serviço. Seria
grave a situação dos santigueños, porque era preciso acelerar os reparos no
poço que havia quebrado há mais de um ano e era ele que abastecia a
população com esse líquido. Pedia no outro fragmento que houvesse um
maior esforço ou um plano maior que atendesse e cobrisse o fornecimento de
água para as populações que não a possuíam. Dizia que já se havia iniciado
essa nova tarefa, conseguindo que as ferrovias levassem maior quantidade de
tanques para os santiagueños do chaco, para que não atacassem os trens como
costumavam fazer nos momentos em que estavam completamente sem água.
Era preciso, assim, uma vigilância completa sobre os contratempos que
passavam as populações da campanha.
Nesses trechos, fica notório que a água não poderia ser pensada apenas sobre
o tema da irrigação, devido à relação indispensável entre os seres humanos e
os animais. Tasso considera importante entender sua incorporação na cultura
da sociedade santiagueña. Isso excede apenas a uma solução técnica,
projetando-se para disposições e sentimentos individuais e coletivos. É
necessário situar a questão da água no contexto sociocultural das formas de
vida e o problema requer, não menos que uma análise de suas implicações
agronômicas, sociais e econômicas, uma consideração antropológica960.
Quando La Hora narrava as cenas de pessoas que roubavam ou atacavam os
trens para obter a água e dizia que populações mais pobres a recebiam de um
poço da cidade sem que lhes cobrassem taxas, fica claro que devemos pensar
esta conjuntura a partir também de considerações antropológicas. São
discursos que no campo da prática estão sempre ligados a um cenário caótico e
bárbaro e estritamente relacionados às relações sociais diversas que compõem
as dependências entre os grandes proprietários e os pequenos produtores (os
mais atingidos com uma seca, ou mesmo fora dela).
Alberto Tasso explica que foram construídos entre 1870 e 1895 mais de cem
canais privados e multiplicaram-se os casos de produtores que construíram
“acequias” (canal pequeno que conduz água para irrigação) por conta própria,
habilitando para cultivo terras distantes. Esses proprietários tinham duas
origens: metade deles em famílias tradicionais santiagueñas, que até o final do
século XIX conservavam extensas propriedades dedicadas ao gado no interior
e a agricultura de irrigação; o outro grupo mais reduzido, era de estrangeiros.
O Estado provincial se converteu em distribuidor de água para irrigação em
1878, quando se escavou uma zona de La Cuarteada com o propósito de
desviar as águas do Rio Dulce até o Salado, para proteger a cidade das
inundações. Mesmo assim, segundo Tasso, a inundação não parou961,
demonstrando a ineficiência do método. O autor salienta que a partir desses
fatores, por volta de 1920, a agricultura santiagueña na zona de irrigação tinha
uma forte presença de capital privado envolvido com o Estado provincial; este
capital subsidiava os custos da irrigação. Os canais do Estado beneficiavam os
produtores medianos que, em sua maioria, eram imigrantes espanhóis e
italianos. As obras públicas relacionadas a isso tinham grandes limitações
administrativas962; além da carência de um número maior de obras. Assim, fica
claro que em um período de seca a água era evocada como a única que poderia
solucionar o problema da população que não conseguia obtê-la, sendo
evidente, na análise de Tasso, que o controle do “precioso líquido” ficava a
cargo dos grandes produtores ou dos grupos imigrantes. Vê-se também que
tratar da água, e ir além da área semiárida em Santiago, ela está na ordem do
dia como uma questão que toma a própria história da província.
Nesse aspecto, La Hora ao mesmo tempo que colocava em voga o problema
da distribuição de água, o fazia atrelado a como as ferrovias podiam fazer sua
distribuição ou mesmo a como a sua ausência fazia com que a população
saqueasse os tanques de água. O discurso por si só não revelava as tramas
existentes do uso e da concentração hídrica existente na região. Parece-nos,
consequentemente, que não apenas a província devia fornecer políticas
públicas necessárias a sua obtenção, bem como controlar a população, que em
tempos de crise tinha certos comportamentos, arriscando sua própria vida. O
cenário relacionava-se novamente a uma narrativa do caos. Ao ler essas
notícias, o todo do enunciado provoca angústia e sofrimento, e essa escrita é
uma tomada de posição do jornal mediante ao fato mostrado. Bakhtin ressalta
que:

[...] a emoção, o juízo de valor, a expressão são coisas alheias à palavra dentro da língua, e só
nascem graças ao processo de sua utilização ativa no enunciado concreto. A signi cação da
palavra, por si só (quando não está relacionada com a realidade), como já dissemos, é extra-
emocional [...] O colorido expressivo lhes vem unicamente do enunciado, e tal colorido não
depende da significação delas considerada isoladamente963. [grifo do autor]

O que desejo inferir com essas proposições é que há uma lógica enunciativa
no periódico La Hora ao tratar o tema da água, da irrigação, dos assaltos aos
trens. Tais acepções independem do significado mesmo das palavras de forma
isoladas; elas têm o “colorido” ou revelam emoções dentro de um todo do
enunciado proposto. A seca como reveladora de uma situação-limite em que é
posta a população semiárida, e a própria província, ao ser narrada, expressa
posições, poderes, relações políticas, sociais, mas também todo um
simbolismo que pode mascarar o que de fato recai sobre Santiago del Estero
e/ou o Ceará, quando uma estiagem prolongada acomete essas áreas.
A in uência que um dado enunciado pode ter em seu público leitor
(considerando-se que esse público no caso santiagueño podia ser uma elite
citadina local ou mesmo criolla numa vertente mais nacional) é o fator
primordial de uma análise crítica dos discursos. Levando-se em consideração
aquilo que Tasso nos convida a pensar, por trás da irrigação se revelava a
estrutura de dominação surgida desde o começo da expansão agrária. Os
grandes proprietários que haviam construído suas próprias “acequias”,
estabeleceram, simultaneamente, uma fonte de poder perdurável, baseada no
controle de um recurso natural muito mais importante que a terra, dadas as
condições ecológicas em que se desenvolvia a agricultura santiagueña964.
O que busco compreender nesta análise regional/local foi de que modo o
interior ainda encontrava-se condicionado a um discurso que não contemplava
a população local como um todo. O Ceará e Santiago del Estero, imersos
ainda em conjunturas nas quais havia uma necessidade de reafirmação dos
seus espaços no âmbito nacional, ou mesmo desejavam que o Rio de Janeiro e
Buenos Aires olhassem para eles, principalmente no contexto das secas,
levaram a cabo ideias de vigilância e controle que perpetuaram a
desigualdade social. A miséria, a fome, a água (pensada como um problema
geográfico), as migrações e o desemprego, são os temas centrais de todo este
trabalho, porque são eles os fios condutores dos discursos que formaram
diversas visões sobre esses territórios. Estão eles ainda intimamente ligados à
perpetuação de vozes de mando que se beneficiaram de uma população que,
apesar de resistir em diversos momentos, ainda se estabelecia fincada em
relações de dependência de difícil desvinculação. Além disso, a imprensa
corroborava e passava a ser um veículo de manutenção de todas essas visões e
certificação desses poderes locais.
Era preciso se afirmar como uma sociedade passível de modernizar-se, nesse
contexto. Ao mesmo tempo, era necessário mostrar que se isso não ocorria, a
natureza, ou mesmo a falta de um olhar mais geral do governo federal, logo,
de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, era que faziam com que a sociedade não
progredisse. Porém, como vimos neste capítulo, o que acomete essas áreas, de
maneira mais concreta, é a concentração de poderes que se dão no âmbito
econômico, político e também simbólico. São “os donos” das terras e de
gentes. Toda essa conjuntura demonstra, assim, que as ideias de civilização e
barbárie ainda eram temas em voga no contexto de início do século XX,
mesmo que saibamos que elas se apresentam e são apropriadas de outras
formas. Levar a modernidade a uma população “tradicional”, requeria uma
série de políticas públicas e visões que, em sua ampla maioria, estavam fora da
realidade da população local cearense e santiagueña. A modernidade se
perpetuava pela eliminação das particularidades.
Pensemos de uma maneira mais ampla, como aponta Mignolo, que a
América foi, de fato, uma invenção forjada durante o processo colonial
europeu e a consolidação e expansão das ideias e instituições ocidentais965. No
século XX, o progresso devia avançar em áreas onde se mantinham formas
“arcaicas de produção”. Essas ideias, advindas ainda de um modelo
eurocêntrico ou ocidental de sociedade, e mesmo norte-americano, não
consideravam legítimos os modelos de vida das populações do campo.
Por fim, para continuação das re exões, considero fundamental entender
que:

La configuración geopolitica de los instrumentos con que se media la naturaleza de los seres
humanos en base a una idea de la historia que los cristianos occidentales consideraban la única
idea verdadera y aplicable a todos los habitantes de1 planeta llevo al establecimiento de una
matriz colonial de poder, a dejar a determinados pueblos fuera de la historia para justificar la
violencia en nombre de la evangelización, la civilización y, más recientemente, del desarrollo
y de la democracia de mercado966.

É re etindo sobre as ideias de Mignolo que parto para o quarto e último


capítulo. Essa tentativa de estabelecer o desenvolvimento e a democracia de
mercado, como o autor explica, é a chave de entendimento também de como
certas políticas públicas foram colocadas em prática nessas regiões no
contexto das secas aqui propostas.

750. MIGNOLO, Walter D. Educación y decolonialidad: aprender a desaprender para poder re-aprender.
En: GIULIANO, Facundo. Rebeliones éticas, palabras comunes. Conversaciones (Filosó cas, Políticas,
Educativas). Buenos Aires: Colección Educación: Otros Lenguajes. Miño y Dávila. Editores, 2017, pp.
131-160; p. 137,
751. Ibidem, p. 148
752. MIGNOLO, Walter. Habitar la frontera... Op.cit, p. 120
753. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 283
754. Ibidem, p. 291
755. Ibidem, p. 292
756. WORSTER, Donald. Transformações da terra: para uma perspectiva agroecológica na História.
Ambiente & Sociedade [online], Volume 5 (2), 2003, pp.23-44; p. 26 e p. 23;
757. E. Little, P. (2011). Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. T.E.X.T.O.S
DE H.I.S.T.Ó.R.I.A. Revista Do Programa De Pós-graduação Em História Da UnB., 2(4), 5–25. 1994
758. HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar,
território e meio ambiente. Revista TERRITÓRIO, ano II, n3, jul./dez. 1997 pp. 77-85; p. 84
759. HAESBAERT, Rogério. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. Seminário Internacional
sobre Múltiplas Territorialidades. Porto Alegre: UFRGS, 23 set. 2004, p.1. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/petgea/Artigo/rh.pdf, Acesso em: 20 abril. 2019
760. Ibidem, pp. 2-5
761. Pode-se considerar, nesse aspecto, aquilo que Arturo Escobar convida a re etir: Devemos entender
que a colonização não termina com a emancipação dos países ditos dependentes, mas sim que a
colonialidade se recria em diferentes épocas de forma a legitimar a dominação capitalista sobre diversos
povos e nações. A crítica da visão da modernidade/colonialidade, neste sentido, quer trazer à tona temas
esquecidos pelas Ciências Sociais. O autor refere-se, assim, ao entendimento que se tem em relação ao
que é modernidade. Escobar coloca que devemos sair da velha defesa de formas de vida eurocêntricas que
tem privilegiado historicamente uma história dos brancos que deixa de lado populações inteiras como
os povos nativos e os negros, por exemplo. É necessário abarcar os processos de apropriação e
silenciamento dos saberes das populações (coloniais), os impactos que isso gerou dentro dos seus
saberes, da legitimação do poder e das diversas lutas que foram travadas. ESCOBAR, Arturo. Más allá del
Tercer Mundo: globalidad imperial, colonialidad global y movimientos sociales anti-globalización, en una minga
para el postdesarrollo: lugar, medio ambiente y movimientos sociales en las transformaciones globales. Facultad de
Ciencias Sociales, Universidad Nacional Mayor de San Marcos/Programa Democracia y Transformacion
Global, Lima, 2010, pp.71-73
762. MARTINS, Luciano. Op.cit, p. 675
763. PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. Da Revolução de 1930 ao Golpe de 37: a
depuração das elites. Dossiê Estado Novo 60 anos. Revista de Sociologia e Política, n. 9, 1997, pp. 7-23; p. 8
764. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Gabinetes na região norte do Ceará: questões em torno de um
esquecimento (1877-1919). Revista EMBORNAL, Associação Nacional de História – secção Ceará
(ANPUH-CE), v.1, n.1 (2010), pp.1-22.
765. Idem. Espectros de lutadores: história, memória e imprensa em Sobral/CE no início do século.
Outros Tempos, v. 13, n. 21, 2015 pp. 65-83; p. 69.
766. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Cultura letrada e caminhos da memória: intelectuais, leitura, imprensa e
memória na zona norte do Ceará (1870-1890, 1920-1932, 1984-2003). Tese de Doutorado (UFC), Ceará, 2018, p.
183
767. Vale mencionar que, de acordo com Eduardo Amaral: “Com o advento da chamada ‘Política das
Salvações’ do governo do presidente Hermes da Fonseca (1908-1912), inicia-se uma nova fase na vida
partidária cearense. Até então, havia somente um partido, o da situação, Partido Republicano. Depois,
com o crescimento da tensão política e da disputa entre várias facções em jogo, surgem outros partidos.
Dentre E quais, o mais relevante foi o Partido Republicano Democrático. Seus apelidos ‘marreta’ e
‘rabelista’ têm origem nas rixas e dissensões políticas da época. ‘Marreta’ é quem bate sem dó; ‘Rabelista’
é quem era partidário do presidente Marco Franco Rabelo”. MARAL, Eduardo Lúcio Guilherme. As
‘Cartas a Cunceição’ e o humorismo político cearense (1919-1930). ANTÍTESES, v.10, n19, pp. 521-542,
jan/jun/,2017, pp. 535-536.
768. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Cultura letrada e caminhos da memória: intelectuais, leitura, imprensa e
memória na zona norte do Ceará (1870-1890, 1920-1932, 1984-2003). Op.cit, p. 169
769. Ibidem, p. 184
770. Ibidem, p. 195
771. Aline Alves e Francisco Alencar Mota salientam ainda uma posição ambígua de Craveiro: “Craveiro
foi redator de dois jornais de circulação regional, A Ordem (1916), jornal ligado ao Partido Republicano
Conservador - PRC, como também O Nortista (1913). O posicionamento político do autor é claro no
primeiro jornal, onde em todos os seus artigos, defende ou protege a Igreja, apoiando as suas ações ou
posicionamentos, por mais que as suas concepções sobre ela sejam opostas, sobretudo no que diz
respeito à educação. O estranhamento é tanto que o outro jornal da região, O Rebate (1916), ligado ao
partido dos democratas, questiona se o jornal (A Ordem) é dos Craveiros – já que seu irmão Craveiro
Filho é o editor-chefe do mesmo – ou da Igreja. Já em O Nortista, a posição de Newton é mais liberal.
Nesse folhetim, ele tece críticas ao governo, prega um novo modelo de educação, que é fundamentada
na escola nova, uma educação técnica e laica”. ALVES, Aline Monteiro; MOTA, Francisco Alencar.
Newton Craveiro e o Movimento da Escola Nova em Sobral/CE. Revista Homem, Espaço e Tempo. Revista
do Centro de Ciências Humanas, UVA, v. 4, n. 1, 2010, pp.77-88; p. 82.
772. CASTIGLIONE, José F. L. El periodismo en Santiago del Estero. Santiago del Estero: Fundación
Castiglione, 2. ed., 1983, p. 32
773. Ibidem, p. 36
774. Ibidem, p. 36
775. Ibidem, p. 43
776. Ibidem, p. 45
777. Ibidem, p. 108
778. PICCO, Ernesto. Medios, política y poder (1859-2012). Santiago del Estero: el autor, 2012, p.16
779. ARCE, Marcela. La Hora: Memorias del olvido. Revista Segundo. Santiago del Estero, 20 de junho de
2018. Disponível em: <http://ww.revistasegundo.unse.edu.ar/la-hora-memorias-del-olvido/>. Acesso
em: 27 mar. 2019.
780. Ibidem.
781. PICCO, Ernesto. Op.cit, p. 17
782. Ibidem, p. 19
783. COSTA, Fernando Sánchez. La cultura histórica. Una aproximación diferente a la memoria
colectiva. Revista de Historia Contemporánea, núm. 8, 2009, pp. 267-286; p. 279.
784. Entende-se por cultura histórica, aquilo que o próprio autor Fernando Sánchez Costa analisa como
consciência histórica dos cidadãos e como essa consciência é encarnada e objetivada no espaço público.
Costa explica que é graças a essa consciência que o sujeito pode descobrir a consistência de sua
identidade. A consciência histórica é a apreensão da temporalidade e seu motor é a memória, mas não
uma temporalidade vazia, e sim o conhecimento daquilo que se tem sucedido no tempo que nos
permite saber sobre a realidade; realidade esta que é fruto de um processo histórico. Por meio dela,
conseguimos encontrar o sentido histórico do desenvolvimento da humanidade e da nossa comunidade.
Deste modo, a consciência histórica se faz cultura. A cultura é o modo como a sociedade interpreta,
transmite e transforma a realidade. A cultura histórica é o modo concreto como esta sociedade se
relaciona com o passado e este é, portanto, o conjunto de recursos e práticas sociais por meio dos quais
os membros de uma comunidade interpretam, transmitem, objetivam e transformam o passado. Ver:
COSTA, Fernando Sánchez. Op.cit, pp. 274-277
785. Ibidem, p. 283
786. Ibidem, p, 283
787. Preocupações ageladas. João Hidrófilo entrevistado pela “A ORDEM” diz que ainda poderemos ter
dez chuvas boas até o fim de junho. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n9920, 30 de março de 1932, p.3
788. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 996, 13 de abril de 1932, p.1
789. “Santo Antonio”, 6 de abril de 1932. Ilamo. Sr.Craveiro Filho. D. Director da ‘A Ordem’”. SOBRAL.
Roubo. Construção de obras. A Ordem, Sobral-Ceará. Ano XVI, n. 997, 16 de abril de 1932, p. 4.
790. CASTRO, Josué. Op,cit, p. 165
791. Ibidem, p. 165
792. Ibidem, p. 177
793. BURITI, Catarina de Oliveira; & AGUIAR José Otávio. Op.cit, p. 8
794. O conceito de coronelismo que utilizaremos neste livro está contido nas análises de Victor Nunes
Leal: “O ‘coronelismo’ como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime
representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder
privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma
peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do
nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa
base representativa. Por isso mesmo, o “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de
proveitos entre poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente in uência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores de terra. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem
referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder
privado ainda tão visíveis no interior do Brasil. Paradoxalmente, entretanto, esses remanescentes de
privatismo são alimentados pelo poder público, e isso se explica justamente em função do regime
representativo, com sufrágio amplo, pois o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja
situação de dependência ainda é incontestável. Desse compromisso fundamental, resultam as
características secundárias do sistema “coronelista”, como sejam, o mandonismo, o filhotismo, o
falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais.” LEAL, Victor Nunes. Coronelismo,
Enxada e Voto. O município e o regime representativo no Brasil. 7.ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2012, p.23. Gostaria de enfatizar a complexidade desse conceito com uma breve explicação de José
Murilo de Carvalho sobre como Nunes Leal fez suas análises e como não podemos deixar de frisar
algumas questões: “Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de
relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. O
coronelismo, além disso, é datado historicamente. Na visão de Leal, ele surge na con uência de um fato
político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em
substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o
governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de
confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha
condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo,
podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador. O governador republicano, ao
contrário, era eleito pelas máquinas dos partidos únicos estaduais, era o chefe da política estadual. Em
torno dele, se arregimentavam-se as oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais
representantes. Seu poder consolidou-se após a política dos estados implantada por Campos Sales em
1898, quando este decidiu apoiar os candidatos eleitos ‘pela política dominante no respectivo estado’”.
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual.
Dados [online]. 1997, v. 40, n. 2. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S0011-
52581997000200003&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0011-5258. <http://dx.doi.org/10.1590/S0011-
52581997000200003>. Acesso em: 09 fev. 2020.
795. O agelo. O eminente Bispo de Sobral e as associações de classes apelam para o ministro José
Américo. Ministro José Américo. Baía. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n1002,4 de maio de 1932, p.1.
796. A seca no Ceará. Ao Paixão Filho. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n1006, 21 de maio de 1932, p.2.
797. A seca e o Acaraú. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 1020,16 de julho de 1932, p.2.
798. Veía que sus hijos sentían hambre y robó alambre para lograr dinero. La Hora, Santiago del Estero,
Año XI, nº3558, 4 de diciembre de 1937, p.3.
799. Santa Maria, 19 – Diciembre 12 de 1937. La Hora, Santiago del Estero, Año XI nº3573, Santiago del
Estero, 23 de diciembre de 1937, p.3.
800. El hambre y la miseria azoratarían a O. De Agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, nº3573, 23
de diciembre de 1937, p.3.
801. ZIRINO, Cintia Romina. Características de la estructura agraria en Santiago del Estero durante la década
de 1940: Hacia una historia social del campesinado. Tesis en Licenciatura en Historia de la Facultad de
Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires (UBA), 2008, p. 1
802. GANCEDO, Alejandro. Memoria Descriptiva de Santiago del Estero. Buenos Aires: Imprenta,
Litografía de Stiller & LAASS – SAN MARTIN, 1885, pp. 40-53
803. ZIRINO, Cintia Romania. Op.cit, p. 9
804. Ibidem, p. 13
805. Ibidem, p. 13
806. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. El Norte. Colección Buen Aire. Buenos Aires: Emecé Editores S.A, 1942
p.7.
807. Ibidem, p. 7
808. Miseria de S. del Estero preocupa a todo el pais. De R. Santiagueños elevo una nota al Pte. de la
Nación. La Hora, Santiago del Estero, Año XI n 3561, 9 de diciembre de 1937, p.1.
809. Pequeños agricultores de la zona sud quieren se les de agua para riego. La Hora, Santiago del Estero,
Año XI, n3566, 14 de diciembre de 1937, p.3.
810. Las cosas en su lugar. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n 3573, 23 de diciembre de 1937, p.3.
811. CANAL-FEIJÓO, Bernardo Canal. El Norte... Op.cit, p. 8
812. Ibidem, p. 5
813. Ibidem, p. 5
814. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 297
815. Ibidem, p. 298
816. Ibidem, p. 309
817. Ibidem, p. 309
818. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem, Sobral-Ceará, n996,13 de abril de 1932, p.1.
819. A seca agelando os sertões. A hora em que vivemos. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n997, 16 de
abril de 1932, p.1.
820. O Problema do Nordeste. Pimentel Gomes (Agronomo, cathedratico do Gymnasio do Estado, em
Tatuhy). (Especial para “A ORDEM”). A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVII, n1081, 10 de maio de 1933, p.4.
821. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p.114
822. Passagem para São Paulo. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 997, 16 de abril de 1932, p. 4.
823. O exodo macabro. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, nº997, 16 de abril de 1932, p.4.
824. Analiso, nos capítulos anteriores, como o país foi visto por uma corrente sanitarista como um
imenso hospital, discurso recorrente na década de 1920/1930. Para os sertões, vale mencionar também
que pensava-se na noção de “Interiorização dos serviços de saúde”. De acordo Carlos Paiva, essa
interiorização estava “no discurso dos médicos, advogados, engenheiros e intelectuais do início do
século XX, sob tom marcadamente missionário, sustentava-se em um vocabulário que orbitava em torno
de expressões como ‘construção nacional’, ‘formação da nacionalidade’, ‘formação do povo brasileiro’,
em um movimento que dialogava e se opunha diretamente às teses do determinismo biológico e racial
médicos, proveniente de figuras como Nina Rodrigues”. Sobre essa questão ver: PAIVA, Carlos Henrique
Assunção. O sertão na saúde e na formação de trabalhadores setoriais: contextos, atores e ideologias
(1920-1970). Saúde Debate. Rio de Janeiro, v. 40, n. 110, p. 224-233, Jul-Set 2016, pp.224-233; p.225.
825. BURITI, Catarina; & AGUIAR José Otávio. Op.cit, p. 8
826. Ibidem.,p. 8
827. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Pla-nejamento e con ito de
classes. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. (Estudos sobre o Nordeste, v. 1), p. 35.
828. Ibidem, p. 35
829. Ibidem, p. 46
830. Darcy Ribeiro exemplifica a figura do meeiro com os cultivadores de algodão que ingressaram no
latifúndio pastoril. Era o lavrador de mocó – um tipo de algodão arbóreo que adapta-se a secura do
sertão, contendo fi bras longas e de boa aceitação no mercado. O meeiro, portanto, recebia “uma quadra
de terra para cultivar o alimento que comeriam e outros para produzir colheitas de mocó, de que
deveriam entregar metade ao proprietário”. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do
Brasil. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.346
831. OLIVEIRA, Francisco de. Op.cit, p. 48
832. Ibidem, p. 48
833. Ibidem, p. 49
834. LEAL. Vitor Nunes. Op.cit, p. 24
835. RIBEIRO, Rafael Winter. Op,cit, p. 75.
836. RIBEIRO, Darcy. Op.cit, p. 342
837. RIBEIRO, Darcy. Op.cit, p. 343
838. Ibidem, p. 347
839. Ibidem, p. 348
840. Ibidem, p. 348
841. Ibidem, p. 349
842. Ibidem, p. 349
843. Despoblación de la Campaña. La Hora, Santiago del Estero, n3443, 16 de julio de 1937, p.3.
844. Agricultores en Exodo. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n3432, 2 de julio de 1937, p. 3.
845. Se pide a la J.N de Desocupación que remita a Sgo. Las provisiones adquiridas. La Hora, Santiago del
Estero, Año XI, n3575, 27 de diciembre de 1937, p.1.
846. LEDESMA, Reinaldo; TASSO, Alberto. Empleo rural migrante y estacional en Santiago del Estero.
In: LEDESMA, Reinaldo; PAZ, Jorge; TASSO, Alberto (org.). Trabajo rural estacional en Santiago del
Estero. OIT. Programa CEA ARGENTINA. Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social (MTEySS)
Buenos Aires: OIT, 2011, pp.39-99; p.45.
847. Ibidem, p. 46
848. FAZIO, Lorenzo. Memoria Descriptiva de la provincia de Santiago del Estero. Buenos Aires: Compañia
Sud-Americana de Billetes de Banco, 1889, p.251.
849. FAZIO, Lorenzo.Op.cit, p. 2
850. TASSO, Alberto & ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 34
851. FORNI, F.; BENENCIA, R.; NEIMAN, G., Empleo, Estrategias de vida y reproducción. hogares rurales en
Santiago del Estero. Buenos Aires: CEAL, 1991, p.21
852. TASSO, Alberto; & ZURITA Carlos. Op.cit, p, 37
853. Ibidem, p. 37
854. Ver: FARBERMAN, Judith. Recolección, economía campesina y representaciones los montaraces
en Santiago del Estero, siglos XVI a XIX. Prohistoria, año X, número 10, Rosario, Argentina, 2006, pp.11-
26; p.13.
855. FARBERMAN, Judith. Recolección, economía campesina, Op.cit, p. 13 e p. 14
856. BANZATO, Guillermo; ROSSI, María Cecilia. El mercado de tierras en las fronteras interiores
argentinas. La expansión territorial de Buenos Aires y Santiago del Estero en la segunda mitad del siglo
XX. América Latina en la Historia Económica (34) 7-34. En Memoria Académica, 2010, p.9.
857. FORNI, F.; BENENCIA, R.; NEIMAN, G. Op.cit, p.22-25
858. Ibidem, p. 63-65
859. TASSO, Alberto y ZURITA, Carlos. Op.cit, p.41
860. José Andrés Rivas, em seu artigo “El mundo rural santiagueño en los relatos de Jorge Wáshington
Ábalo”, analisou o livro Skunko, do autor Wáshington Ábalo que re etiu a situação do mundo rural
santiagueño da metade do século XX. Segundo Rivas, “Ábalos describió con profunda autenticidad en sus
páginas el mundo rural que lo había rodeado en los años de su experiencia como maestro de las escuelas del monte.
En esas páginas re ejó las condiciones de vida de una comunidad de pastores de cabra que hablaban otra lengua,
tenía otras creencias, vivían rodeados de alimañas, pestes y hambres, y pasaban sus días en medio de ríos secos y
tierras desérticas, bajo la maldición de la pobreza y de los soles de espanto...”. RIVAS, José Andrés. El mundo
rural santiagueño en los relatos de Jorge Washington Ábalos. Población & Sociedad, nº8/9, 2000-2001,
pp.269-296; p. 294. Cabe salientar que não é o intuito deste livro analisar a obra de Ábalo ou mesmo
explicá-la aqui por meio do artigo de José Rivas. O que desejo é apropriar-me, no entanto, das re exões
conjunturais que Rivas consegue abarcar por meio da obra de Ábalo para que, assim, possamos
compreender esse mundo rural santiagueño, que se re ete também em nossas proposições sobre
Santiago del Estero de forma mais ampla.
861. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 271.
862. Ibidem, p. 272 e p. 273.
863. TASSO, Alberto y ZURITA, Carlos.Op.cit, p. 36
864. Ibidem, p. 36.
865. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 275 e p. 276.
866. É válido salientar que, de acordo Tasso e Zurita, “todos los años cerca de 40.000 trabajadores de Santiago
del Estero se trasladan a otras provincias de Argentina para realizar tareas agrícolas temporarias”. TASSO,
Alberto y ZURITA, Carlos. Op.cit, pp.33-47
867. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 276 e p. 277
868. Ibidem, p. 280
869. Ibidem, p. 281
870. Os casos brasileiros e argentinos e as reivindicações sociais no interior do Ceará e de Santiago del
Estero foram apontadas no segundo capítulo. Frederico de Castro Neves e Alberto Tasso analisam como
nessas regiões o sertanejo e o santigueño também souberam, respectivamente, na década de 1920-1930,
se mobilizar mediante as injustiças sociais e ao descaso do poder público. Sobre isso, ver, para caso o
brasileiro: NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História, Op.cit. Para Santiago del Estero: TASSO,
Alberto. La protesta del agua... Op.cit
871. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera... Op.cit, p. 122
872. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera... Op.cit. p.122
873. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 17
874. Ibidem, p. 17
875. Ibidem, p. 17
876. Ibidem, p. 17
877. Ibidem, p. 17
878. Re exões retiradas de: FARBERMAN, Judith. Op.cit, p.22-24
879. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 307
880. TASSO, Alberto. Un caso de expasión agraria... Op.cit, p. 110
881. RENNÓ, Carlos; PIMENTEL, Lenine. Quedê água?. Originalmente em: PIMENTEL, Lenine.
Carbono. Casa 9/Universal Music, 2015. Long Play (5 min. 30 seg.).
882. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Op.cit, p.19
883. Ibidem, p. 22
884. Ibidem, p. 22
885. Varias. Açudes particulares. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XIV, n. 841, 30 de agosto de 1930, p 1.
886. Santo Antonio. A Ordem, Op.cit, p.4
887. O ministro José Américo fala sobre o problema do Nordeste. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVII, n.
1100, 19 de julho de 1933, p.2
888. “Desde o Império houve a primeira manifestação no que diz respeito ao problema da seca. Foi assim
que se criou uma Comissão Científica de acordo com a Lei 884, em 1856, composta de Engenheiros e
Naturalistas para pensar como resolver essa questão. Entre 1870-1880, o Clube de Engenharia nomeou
também comissões de estudos e debateu os efeitos das secas [...] O engenheiro André Rebouças em 1877
no Jornal do Comércio, relatava a situação global das secas e falava sobre o Ceará, fazendo uma análise
comparativa com a Índia, que em 1876 estava passando por uma grave seca [...] Numa Ata da sessão
extraordinária do Instituto Politécnico do Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1877, debatia-se que no
Ceará deveriam se construir açudes como se construiu diques na Holanda, já que o Brasil era abundante
em chuva. Sendo a seca no Ceará causada não somente por questões naturais, pois havia no subsolo uma
corrente d’água que permitia que ‘rasgando’ a terra se jorrasse água”. MELO, Leda Agnes Simões de.
Op.cit, p.33 e p. 34
889. LUCCHESI, Fernanda. As obras contra as secas e a interiorização da burocracia: A ação dos DNOCS
no sertão da Paraíba. REA , n. 2, Junio de 2016 - – Dossiê Antropología del Derecho en Brasil’, pp. 51-59; p..
53
890. AGUIAR, Pinto de. Nordeste: o drama das secas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 28.
891. BRASIL, Thomaz Pompeu de Souza. Op.cit, p. 15
892. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit, p.130
893. Ibidem, p. 137
894. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit p. 141.
895. Raymundo Pimentel Gomes nasceu em Sobral e foi “engenheiro agrônomo, jornalista, escritor,
professor. Diplomou-se em agronomia em 1922. Quando estudante, fez parte da redação da Gazeta de
Piracicaba e foi colaborador da imprensa local, notadamente do Jornal de Piracicaba e do Diário de
Piracicaba [...] Na sua longa carreira de engenheiro agrônomo, atuou no Ceará, São Paulo, Paraíba, Rio
de Janeiro e Acre. Durante muitos anos, militou na imprensa carioca, principalmente no jornal Correio
da Manhã, e colaborou assiduamente em periódicos do Ceará, Bahia, Paraíba e Pernambuco e na
imprensa de Angola (África). Teve seus estudos publicados na Revista de Agricultura e O Solo, em Piracicaba
e em outras revistas do país. Foi professor do ginásio estadual de Tatuí e também da Escola de
Agronomia do Nordeste, em Areia, Paraíba. Dirigiu os Departamentos de Produção do estado da Paraíba
e do Acre. Foi diretor-geral do Serviço Florestal (posteriormente Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal) e livre-docente de geografia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Deixou
uma dúzia de livros publicados, entre os quais: O Brasil entre as cinco maiores potências no m deste século
(1964), Por que não somos uma grande potência?, Fruticultura brasileira, A soja, Forragens fartas na seca, Adubos
e adubações, O coqueiro-da-Bahia, China uma nova civilização e o romance histórico A conquista do Acre (F. P.
Gomes, Jornal de Piracicaba, 10.5.1986).” Disponível em: PFROMM NETTO, Samuel, 1932-2012.
Dicionário de Piracicabanos — 1. ed. — São Paulo: PNA, 2013. Instituto Geográfico de Piracicaba –
https://www.ihgp.org.br/, Acesso em 27 de maio de 2019.
896. O Problema do Nordeste. Pimentel Gomes. A Ordem, Op.cit, p. 4 e p. 5
897. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera… Op.cit, p. 125
898. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit.
899. RIBEIRO. Rafael Winter. Op.cit, p. 61
900. CHACON, Suely Salgueiro. Op.cit, p. 47
901. CAMPOS, José B. Secas e políticas públicas: ideias, pensadores e períodos. Estudos avançados, 28
(82), 2014, pp. 65-88; p. 65.
902. Ibidem, p. 65.
903. CAMPOS, José B. Op.cit, p. 78
904. Ibidem, p. 78.
905. “A açudagem, com irrigação, no Brasil nordestino, data dos últimos dias do Império, com a decisão
de construir o açude de Cedro, que iniciado em 1891 e previsto para acumular 126 milhões de m³, ficou
concluído em 1906, 15 anos depois, com 50 km de canais, mas que somente sangrou uma vez, em 1924,
pois fora superdimensionado em virtude de não dispor o projeto primitivo de dados hidrológicos
suficientes. Em 1932/33, como re exo da seca, começaram os trabalhos de construção dos canais em Icó
e Joaquim Távora, no Ceará, no Rio Grande do Norte, Lima Campos e Russas, no Ceará. Até 1942, os
progressos foram lentos [...]” AGUIAR, Pinto. Op.cit., p. 47.
906. Ibidem, p. 45 e p. 46
907. CHACON, Suely. Op.cit, p. 176.
908. Ibidem, p. 176
909. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre dois paradigmas: combate à seca e convivência com o semi-
árido, Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p. p. 361-385, jan./dez. 2003, p. 362.
910. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 7.
911. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Op.cit, p. 369.
912. A seca no Jaguaribe. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XV, n. 848, 27 de setembro de 1930, p. 3.
913. Flagelado da seca. A União Trabalhista presta a sua cooperação à causa comum. A Ordem, Sobral-
Ceará, Ano XVI, n. 1001. 30 de abril de 1932, p. 1
914. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem. Op.cit, p.4
915. Cabe destacar que, de acordo com Joselina Santos: “ [...] a posição assumida pela Igreja Católica
frente aos problemas oriundos das novas relações no mundo trabalho”, significava que era necessário a
construção de um projeto que pudesse refrear os ímpetos de uma massa que achava-se despossuída,
estatuindo mecanismos para sua disciplina e meios adequados ao seu controle [...] A Igreja Católica
empenha-se na construção de propostas que façam frente aos problemas do mundo moderno e os
Círculos Operários apresentavam um potencial canalizador das perspectivas da Igreja em seu propósito
de ordenamento social [...] Os Círculos Operários devem, portanto, ser apreendidos também, em sua
dimensão cultural, sem que sejam negligenciadas as disputas políticas na organização do operariado, nas
quais os Círculos Operários foram instrumentalizados pela Igreja Católica para, principalmente, servir
como anteparo às infiltrações das ideias e propostas socialistas em um sentido, e noutro, tomando o caso
brasileiro como exemplo, como canal de interlocução entre a Igreja e o Estado, especialmente, mas não
exclusivamente, no pós-30, durante o governo de Getúlio Vargas”. SANTOS, Joselina Silva. Círculos
Operários no Ceará: “Instruindo, educando, orientando, moralizando” (1915-1963). Dissertação Mestrado em
História Social. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2004, p. 17 e p. 20
916. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p. 108.
917. Ibidem, p. 112.
918. Ibidem., p. 114.
919. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam... Op.cit, p. 117
920. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Op.cit, p. 369.
921. TASSO, Alberto Un caso de expansión agraria seguido por depresión. Santiago del Estero, 1870-
1940... Op.cit, p. 112
922. Idem. La sequía de 1937... Op.cit, p. 19
923. Agricultores en Exodo. La Hora, Op.cit, p. 3
924. De M. Quemado solicitan la solución del problema del agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI
n. 3550, 25 de noviembre de 1937, p. 3.
925. Un grito de angustia llega desde la campaña. Peligran de perecer miles de seres humanos. La Hora,
Santiago del Estero, 2 de diciembre de 1937, p. 3.
926. Pequeños agricultores de la zona sud quieren se les de agua para riego. La Hora..Op.cit, p. 3
927. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero... Op.cit, p. 18.
928. FAZIO, Lorenzo. Op.cit, p. 150
929. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero...Op.cit, p. 19
930. FAZIO, Lorenzo. Op.cit, p. 189
931. TASSO, Alberto. La protesta del agua….Op.cit, p, 145
932. Es considerable la pérdida de animales por la sequía. La Hora, Santiago del Estero, Año X, n. 3529,
29 de octubre de 1937, p.p. 3.
933. Es critica la situación del Dpto. Copo por falta de agua y gran mortandad de haciendas. La Hora,
Santiago del Estero, 10 de noviembre, 1937, p.p. 1.
934. La actual sequía y nuestra desidia criolla. La Hora, Santiago del Estero, 15 de noviembre de 1937, p.
3.
935. TASSO, Alberto. La protesta del agua….Op.cit, p.146
936. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit, p.121
937. Ibidem, p. 119.
938. Un grito de angustia llega desde la campaña. Peligran de perecer miles de seres humanos. La Hora,
Santiago del Estero, 2 de diciembre de 1937, p. 1.
939. Los servicios de nuestro hospital. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3566, 14 de diciembre de
1937, p.3.
940. El hambre y la miseria azoratarían a O. De Agua. La Hora. Op.cit, p.3
941. Santa Maria, 19 – Diciembre 12 de 1937, La Hora, Op.cit p.3
942. Agricultores en Exodo. La Hora. Op. p. cit, p.3
943. Ninõs enfermos. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3.384, 29 de abril de 1937, p. 3.
944. El Gobierno y el problema de la sequía. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, ºn. 3494,16 de
septiembre de 1937, p. 3.
945. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí M; OSPITAL, María Silvia. ‘Vivir con lo nuestro’: Publicidad y
política en la Argentina de los años 1930. Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe 78, abril
de 2005, p.p. 49-56, p. 50.
946. Ibidem, p. 50.
947. Ibidem, p. 51
948. GIRBAL-BLACHA, Noemí M; OSPITAL, María Silvia, Op.cit, p. 53
949. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. El Norte. Op.cit, p. 35
950. Despoblación de la Campaña. La Hora, Santiago del Estero, n. 3443, 16 de julio de 1937, p. 3.
951. Ideia retirada de: ANDERMANN, Jens. Mapas de poder. Una arqueologia literaria del espacio argentino.
Rosario: Beatriz Vitiberto Editora, 2000, p. 27.
952. Ibidem, p. 51.
953. TASSO, Alberto. La protesta del agua... Op.cit, p. 147.
954. Ibidem, p. 147.
955. BENZATO, Guillermo Benzato y ROSSI, María Cecilia. Op.cit, p. 11
956. Ibidem, p. 13 e p. 14
957. TASSO, Alberto. La protesta del agua... Op.cit, p. 158.
958. El problema del agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3446, 20 de julio de 1937, p. 3.
959. El Gobierno y el problema de la sequía. La Hora, Año XI, n. 3494, Santiago del Estero, 16 de
septiembre de 1937, p. 3.
960. TASSO, Alberto. La protesta del agua...Op.cit, p. 146
961. Ibidem, p. 152.
962. Ibidem, p. 155.
963. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 312.
964. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua….OP.cit, p. 156
965. MIGNOLO, Walter D. La idea de America Latina. La herida colonial y la opción decolonial. Barcelona
(Espanha): Editorial Gedisa, S.A, 2007. p. 28.
966. Ibidem, p. 30.
C 4
O discurso institucional sobre os
semiáridos: as narrativas das políticas
federal e estadual a respeito das secas
cearenses e santiagueñas

Analisei, até aqui, alguns pontos principais, que foram desde a compreensão
de como os conceitos de sertão e deserto estavam inseridos no Brasil e na
Argentina até a forma como as imprensas da capital e do interior entendiam e
apresentavam os espaços geográficos acometidos por fortes estiagens. Foi
visto, ainda, como isso se re etiu em diversas narrativas sobre o Ceará e
Santiago del Estero, dentro das quais as velhas dicotomias litoral/interior,
modernidade/atraso, civilização/barbárie, ainda na década de 1930, podiam
ser percebidas como ideias herdadas, em certos aspectos, do final do século
XIX.
Nesse sentido, tendo como fio condutor o que já foi re etido até aqui,
construirei este capítulo a partir de dois pressupostos importantes: a) como os
órgãos que estavam a frente do combate ou de algum tipo de auxílio nos
períodos de secas pensaram os problemas dessas regiões; b) como as falas de
figuras políticas de âmbito federal e estadual mostram, na prática, o
estabelecimento dos discursos que estavam em voga na fala dos periódicos e
de intelectuais da época. Assim, se verá como suas ideias encontravam-se na
ordem do dia também em um olhar mais institucionalizado, ou mesmo mais
oficial. Proponho, a partir disso, tratar, neste capítulo, o papel do Estado como
ator central em relação às sociedades rurais santiagueñas e cearenses.
Tal re exão se dará a partir da análise dos discursos e das políticas públicas
realizadas no Brasil pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS)
e, por meio das falas do ministro de Viação e Obras Públicas José Américo de
Almeida. Na Argentina, trabalharemos a Junta Nacional para Combatir la
Desocupación ( JUNALD), e as narrativas do governador santiagueño Pio
Montenegro para sua região. Entendo que esses atores e esses organismos são
parte representativa do Estado e do seu papel em relação a essas sociedades.
Re etirei sobre essas questões considerando, como aponta Noemí Girbal-
Blacha, a importância de se compreender o espaço rural definindo as suas
políticas públicas. É necessário levar em conta a autoridade pública, a
intervenção pública e os atores nelas envolvidos para poder classificá-las,
como diz a autora. Ao partir desse ponto de vista, os problemas – que devem
ser definidos – induzem a raiz dessas políticas, com a sua retórica e seus
marcos interpretativos. Também o fazem com suas estratégias discursivas
capazes de permitir aos atores políticos conferirem legitimidade aos seus
argumentos. A autora afirma que, assim, os assuntos políticos passam a ser
assuntos técnicos, tendo na ciência e nos especialistas os principais argumentos
necessários para a legitimação de certas demandas políticas967.
Este é o ponto central que desejo mostrar neste capítulo. Como o discurso
institucional legitimou visões sobre o sertão cearense e o chaco santiagueño
que demandaram políticas públicas. Aqui, de fato, os argumentos técnicos
embasam tal demanda. Girbal-Blacha coloca que a centralidade das políticas
públicas, se não contempla as identidades regionais, gera ao menos uma
relação quase simbiótica entre o governo central e as elites dessas localidades,
outorgando consistência aos vínculos de poder verticais que podem ser
obstáculos ao desenvolvimento econômico. Ou seja, o espaço/território, para
a autora, é uma construção social e responde ao modo desigual que os sujeitos
sociais têm de capturar os recursos que são gerados pela sociedade. Constrói-
se, assim, a legitimidade dos governos como parte do exercício do poder. O
Estado, nesse sentido, de acordo com Girbal-Blacha, ainda que não seja o
único, é o principal responsável em manter a governabilidade e a
territorialidade como expressões das múltiplas dimensões do poder968.
Isso instiga a pensar como em um espaço semiárido e em meio a uma
calamidade como a seca existe e se legitima um momento político por
excelência. Nesse sentido, como os governos argentinos e brasileiros lidaram
com os problemas das regiões mais afastadas dos ditos centros de poder,
revelando a distância existente na formulação de uma política que considera
geografias, climas e culturas distintas das do litoral, ou mesmo das cidades.
Como salienta Girbal-Blacha, as políticas públicas e de gestão pública utilizam
variados instrumentos como objeto político, logo, não são neutras, pelo
contrário, expressam uma certa visão política e moldam também a própria
política969.
Considero, assim, fundamental como primeiro passo para esta análise,
aquilo que Pierre Bourdieu assinala: devemos ter cuidado com o “modo de
pensar substancialista”, que é aquilo que ele chama do pensar do senso
comum e do racismo e “que leva a tratar as atividades ou preferências próprias
a certos indivíduos ou a certos grupos de uma certa sociedade, em um
determinado momento, como propriedades substanciais, inscritas, de uma
vez por todas, em uma espécie de essência biológica ou – o que não é melhor –
cultural”970. Bourdieu, nesse sentido, afirma também que todo espaço social é
também uma resposta das lutas de classes; logo, acaba por ser “um ponto de
vista, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço
social”971. Torna-se fundamental compreendê-lo, portanto, como campo de
disputa. Nos casos cearense e santiagueño, esses espaços sociais foram
permeados historicamente por con itos, negações, omissões e correlações de
forças que desejavam manter o pequeno produtor, o camponês, o sitiante,
posseiro, o índio, submetidos a um status quo.
Pode-se dizer, como analisa Girbal-Blacha, que pensar o território desde a
perspectiva rural implica ponderar o papel desempenhado pelo Estado, os
principais atores sociais envolvidos em sua configuração e as potencialidades
diversas do espaço regional com suas especificidades culturais, sabendo que o
setor agropecuário tem um significativo papel na economia, na política e na
sociedade972. A autora está se referindo ao papel do espaço rural no universo
argentino, no entanto, podemos utilizar essa mesma linha de raciocínio para
analisar o caso brasileiro.
A ação do Estado está situada naquilo que Nicos Poulantzas coloca: “o
Estado é uma condensação de forças” e de lutas, e essas lutas “detêm sempre o
primado sobre os aparelhos”, porque “o poder é uma relação entre lutas e
práticas (exploradores-explorados, dominantes-dominados)”973. Objetivo, com
isso, entender o que está no cerne de toda a discussão sobre a seca, os
semiáridos, as populações do interior: que tipo de modelo de sociedade os
Estados brasileiras e argentinas desejavam alcançar? Como isso fazia parte de
uma luta pelo domínio dos espaços? Como isso reverberava na maneira e no
modo de pensar a atuação nesses territórios?
A seca, mais uma vez, pode nos revelar tal intento. Em nome da
modernidade e do progresso desses países, como anteriormente maioria das
narrativas já analisadas, desejava-se justificar ações ou mesmo a ausência delas
em áreas mais pobres, como os semiáridos cearenses e santigueños. Assim,
esse Estado nacional capitalista almejava a homogeneização e a assimilação
no deslocar de suas fronteiras. Isso significava a supressão e a eliminação das
nacionalidades nesse processo, o que resultava em uma “constituição-limpeza
do território nacional que se homogeniza quando se delimita”974. Nicos
Poulantzas ressalta que se estabeleciam, portanto, “balizas para
homogeneizar, individualizar, para suprimir as alteridades e diferenças”975.
Concebo o Estado a partir, também, do conceito de Bourdieu. O Estado
como administração, forma de governo, conjunto de instituições burocráticas,
que ele chama de Estado 1, e o “Estado 2 (território nacional, conjunto de
cidadãos unidos por relações de reconhecimento, que falam a mesma língua,
portanto, aquilo que se põe sob a noção de nação). Portanto, o Estado 1 se faz
fazendo-se o Estado 2”976. Ou seja, o Estado 1 exerce “um poder de
centralização da força física e da força simbólica, é constituído assim em
objeto de lutas, está inseparavelmente acompanhado pela construção do
espaço social unificado que é de sua alçada”977.
Poulantzas salienta que houve, nesses contextos, a “dessacralização da
história para englobá-la”978. Ou seja, “o Estado capitalista estabelece as
fronteiras ao constituir o que está dentro, o povo nação, quando homogeneíza
o antes e o depois do conteúdo desse enclave”979. Logo, quando o Estado
pensava o semiárido como um espaço estático, ligado à ideia de um universo
rural arcaico, que não se encaixava na velocidade de uma sociedade em
expansão rumo à civilização, acabava por tentar “homogeneizar o povo-nação
ao forjar e ao apagar seus próprios passados”980.
Outro ponto importante é a chamada racionalidade territorial, que foi base
também do imperialismo981 nos séculos XIX e XX982. A ideia de civilização
assegurava, desse modo, a superioridade humana na terra sobre os outros
animais. Esse modelo vinculado, muitas vezes, aos escritos enciclopédicos
franceses, um francocentrismo cultural, como classifica Germán Palacio,
entendia que os climas com zonas temperadas eram considerados mais
propícios para a civilização que as zonas tropicais ou quentes983. Por isso,
pensar em Brasil e Argentina é também entender que essa ideia de América
vista como trópico ainda configurou nosso imaginário de inferioridade em
relação a Europa. Ou seja, esse conceito de civilização se manteve carregado,
como aponta Palacio, de uma série de conotações negativas para os países dos
trópicos, de caráter eurocêntrico, racista e antiecológico984.
Pode-se analisar, ao mesmo tempo, como o conceito de lugar pode nos
ajudar a desenvolver este caminho re exivo. Arturo Escobar diz que quando
quase toda teoria social convencional retirou “a ênfase da construção cultural
do lugar a serviço do processo abstrato e aparentemente universal da
formação do capital e do Estado”985 tornou quase que “invisíveis formas
subalternas de pensar e modalidades locais e regionais de configurar o
mundo”986. Ou seja, “o desaparecimento do lugar está claramente vinculado à
invisibilidade dos modelos culturalmente específicos da natureza e da
construção dos ecossistemas”987. A ideia moderna de sociedade em que existiu
uma separação entre o mundo biofísico, o humano e o supranatural, como
explica Escobar, é diferente em contextos não ocidentais “concebidos como
sustentados sobre vínculos de continuidade entre essas três esferas”988. Nesse
sentido, interessa-nos destacar que, ao analisar os semiáridos cearenses e
santiagueños, podemos delinear uma via de re exão priorizando o
conhecimento do lugar (por conseguinte, localizado) como espaço de práticas
que são distintas de um modelo universal de sociedade.
Girbal-Blacha alerta que se deve valorizar as identidades territoriais como
um conceito dinâmico que envolve os atores com o território. Isto se faz
necessário quando se trata de compreender os processos históricos que
definem ou in uenciam a construção social do espaço. As identidades nascem
e se vinculam, além disso, com os valores, com a cultura específica do lugar e
com o patrimônio histórico que estão ligados às estratégias políticas
implementadas para concretizar esse processo989. Diante disso, a natureza não
pode mais ser vista apenas considerando a relação produção-consumo das
necessidades de manutenção do capitalismo. Pelo contrário, deve ser
relacionada com a geração de saberes e tradições que estão intimamente
articuladas com o ser humano.
Como analisa William Cronon, “a natureza é coautora de nossas
histórias”990. Essa afirmação corrobora com as re exões deste livro, porque o
semiárido do Ceará e precisamente o interior do Nordeste brasileiro, como já
apontado, foi marcado por uma ocupação territorial de índios, portugueses,
negros, mestiços em estreita relação com a terra. Processo que também
ocorreu em Santiago del Estero, marcadamente permeado pelas tradições dos
povos originários, mestiços, criollos e também estrangeiros.
Logo, essas duas regiões são permeadas por um conhecimento localizado,
que está estreitamente relacionado com os vínculos dessa população com o
meio ambiente. Com isso, não podemos olhar para os discursos institucionais
sem sairmos das ideias (pre)estabelecidas por uma visão, por vezes ainda
ocidentalizada, que via a população do campo pela via do atraso, do arcaico,
do outro. Certamente, este tipo idealizado de sociedade estendeu-se a toda
população brasileira e argentina, não só para a população do interior.
Ana Paula Barcelos coloca o desafio de pensarmos a realidade latino-
americana sem o sentimento de inferioridade e impotência diante dos padrões
tidos como civilizados. Na América Latina, “em nome de uma autoimagem
idealizada, boa parte da população latino-americana composta por indígenas,
afrodescendentes e imigrantes, que trazem marcas da origem, da classe social
e da cor, acaba propositalmente esquecida”991. É, em grande parte, nesse
aspecto que a autora diz que se constroem e se produzem a história desses
países, a partir de uma imagem que ela chama fantasiosa, “mas que produz
efeitos políticos e ideológicos concretos”992. Logo, analisar o Brasil e a
Argentina, colocando uma lente de aproximação ainda maior para re etir
uma história mais local do Ceará e de Santiago del Estero, ou seja, do lugar, é
considerar o “tema da (des)qualificação moral e ideológica”993 que perpetuou-
se na história desses países.
Destaco, mais uma vez, que em meio às contradições políticas do Governo
Provisório de Getúlio Vargas se tinha o interior do Nordeste brasileiro
acometido por uma forte estiagem. E esta seca estava diretamente envolvida
com os desmandos de uma elite latifundiária dirigida pelos coronéis. Isto em
um país que desejava se reestruturar em uma dinâmica pós-crise de 1929 e por
meio de um processo de centralização política que ainda manteve a oligarquia
cearense em um poder de mando, mesmo que Vargas tenha adotado o sistema
de interventores estaduais.
Reitero que esse sistema, segundo Pandolfi e Grynspan, foi considerado “um
dos principais mecanismos de centralização” e um “importante sistema de
controle e uma cunha do poder central na política local”994. Atento ao fato de
que Vargas ingressou no poder articulando esses interesses rurais aos da
burguesia industrial, dos militares e dos trabalhadores, como aponta Maria
Celina D’Araújo. Ao mesmo tempo, realizou a centralização administrativa
que “obrigou à construção de novas instituições do Estado, fundamentais para
planejar a vida e dar vida às mudanças que o país viria a experimentar”995. Isso
é o que a autora chama de um programa de reconstrução nacional, objetivado
pelo presidente no contexto de sua posse e que tinha como eixos principais:
“aumento da produção, organização do trabalho, representação por classe,
saneamento e educação”996.O que se deu, portanto, foi que “pressionado tanto
pelos ‘tenentes’ quanto pelas oligarquias estaduais, insatisfeitas nos seus
respectivos estados com seus governantes, o Governo Provisório promoveu
diversas substituições, ora conciliando com as oligarquias, ora com as facções
‘tenentistas’”997.
Isto se deu também no Nordeste brasileiro. A política de combate à seca que
analisaremos neste capítulo encontrava-se envolvida neste contexto de
tentativa de conciliar diversos interesses políticos do próprio Governo
Provisório. Ao mesmo tempo, é por meio dela que podemos entender os
discursos que já vinham sendo construídos para os sertões nordestinos e como
isso se aplicou na seca de 1932. O governo Vargas nos serve de aparato para o
entendimento de que existiram certas dificuldades e disputas entre diversas
forças para a implementação de políticas públicas em um contexto de crise
climática. Como analisa Martins, a solidez da dominação oligárquica, neste
período, permitiu também que “as mudanças fossem promovidas de ‘cima
para baixo’”, ou seja, “qualquer mudança devia ser contida nos limites da
manutenção da estrutura da propriedade da terra”998. E Verónica Secreto
explica que “o campo deveria atender às necessidades que a nova regulação
econômica exigia. Planejou-se a consolidação de uma ampla base urbana e
fabril. A partir das cidades, se conquistaria o campo. O litoral marcharia para
o sertão”999.
Cabe destacar um fato importante para o Nordeste. É nesse contexto que
Vargas se depara com a oposição dos paulistas na Revolução Constitucionalista
de 1932. No con ito Vargas contou com o forte apoio do Nordeste, sobretudo
nos batalhões provisórios conformados pela população cearense. Esses
batalhões foram enviados para a linha de frente ao lado dos aliados de Vargas.
De acordo com Raimundo Lopes1000, a seca surgiu como elemento que
legitimava a luta contra São Paulo e o antigo sistema político de governo. O
discurso era o de que o Governo Provisório estava tentando levar adiante as
medidas que solucionariam o problema da estiagem, mas o con ito
protagonizado por São Paulo impedia que o plano de combate à seca fosse
posto em prática e, por isso, o Ceará devia entrar em cena. Logo, como o
Nordeste apoiou Vargas contra as investidas de São Paulo, passou-se a
desenvolver, nesse contexto, uma ação coordenada de combate à seca em
conjunto com o governo federal, apesar da permanência de antigas forças
oriundas das relações paternalistas1001.
No Ceará acreditava-se que o governo Vargas seria a porta para sua entrada
novamente no campo da política e da economia e a seca passou a ser um fator
primordial no discurso para mobilizar a população. Ou seja, se Vargas não
tivesse condições de enviar verbas, era devido à guerra declarada por São
Paulo; os sertanejos seriam prejudicados. Esses mesmos sertanejos foram
utilizados nas batalhas e eram eles a maioria dos “voluntários” que se
alistavam, vindos de diversos lugares dos sertões cearenses1002. Por isso, não é
estranho que Vargas, em seu discurso de 1953, rememore como o
desenvolvimento do Nordeste “sempre” esteve em pauta desde a Revolução:
Brasileiros,
O desenvolvimento da economia do Nordeste e a realização de obras destinadas a prevenir e
mitigar os efeitos das secas, que periodicamente assolam essa vasta região do nosso território,
vêm sendo um objetivo constante do meu Governo. A história das providências e medidas
tomadas no sentido de assegurar assistência à região nordestina remonta aos dias do Governo
que a Revolução de 1930 levou ao poder. Os meus esforços pela independência econômica do
Nordeste jamais esmoreceram. Apesar de todos os tropeços e dificuldades com que o Governo
se tem defrontado, apesar da adversidade da natureza e do rigor sem par de que se tem revestido
ultimamente o agelo das secas, apesar dos sombrios vaticínios daqueles a quem interessa
fomentar a miséria e a revolta entre as populações vitimadas pela estiagem – colhemos hoje os
primeiros frutos da nossa tenacidade e da nossa perseverança1003.

Pode-se inferir, nesse sentido, que o Nordeste e os sertões “entraram em


cena” nesse contexto, havendo seu lugar nesse nacional que se abria com a
Revolução. Da mesma forma, o discurso do novo homem brasileiro, dotado de
capacidades múltiplas, foi também direcionado ao trabalhador sertanejo das
obras de combate às secas. Alguns intelectuais, a imprensa e uma parte da
elite local, se apropriaram desse discurso para falar dos sertões – como tratado
nos capítulos anteriores. Esses fatores estão inseridos na construção de um
nacionalismo que, de acordo com Lippi, “supõe a identificação de todos os
membros de uma sociedade com um destino comum, destino cujos traços se
originam no passado, são identificáveis no presente e asseguram um futuro
comum”1004. Foi, por conseguinte, a Revolução que trouxe o Nordeste “de
volta” à cena política e econômica da nação, que “uniu” o sertão e o litoral.
Vargas, assim, apontava o caminho da sua centralidade política. Esses pontos
são importantes, portanto, para que possamos compreender como o Nordeste
e, por conseguinte, a seca de 1932 no Ceará, foram tratados em um período
em que a unidade nacional e a modernização conservadora de Vargas
começavam a encontrar espaço no país.
No que tange às concepções de que Vargas havia iniciado um período que
“livrou” o país do modelo de sociedade baseado na Europa, elas podem ser
questionadas quando analisadas pela via das intervenções nos semiáridos
cearenses. As ideias que viam nessa região o Brasil “puro”, “profundo”, não
deixavam de se basear em visões deterministas e fatalistas sobre o meio
ambiente e o ser humano. A modernidade conservadora ditada pelo governo
centralizador de Getúlio Vargas tomou contornos específicos na seca de 1932.
Contornos esses baseados em ideias sobre o sertão e o sertanejo que, apesar
de se reconhecer nesse espaço a “autenticidade” do Brasil, ainda os concebiam
pela via do “atraso” e do “outro” a ser “civilizado”.
Logo, já que Vargas obteve apoio do Nordeste as obras contra as secas foram
retomadas de maneira mais intensa. Isso foi resultado da in uência que a
região “passou a ter na administração nacional e com as interventorias
tenentistas nos Estados da região”1005. De acordo com Aguiar, após a
nomeação dos interventores conduziu-se novos andamentos para a construção
de açudes, canais de irrigação, perfuração de poços, realização de linhas
rodoviárias, para “por fim atenuar os efeitos do regime irregular dos cursos de
água”1006. Essas questões são pontos centrais para o entendimento do que aqui
re etiremos como a ação estatal para os sertões na seca de 1932.
A Argentina do contexto de 1930, em contrapartida, passava pelo que se
habituou chamar de “Década Infame”, como já mencionado. O golpe de 1930
ministrado por Félix Uriburu contou com o apoio de grupos civis nacionalistas
e conservadores radicais, bem como de setores militares1007. A crise de 1929,
para os argentinos, significou, de acordo com Terán, um brusco despertar de
um sonho de grandeza que parecia estar garantido para o futuro país. No
contexto anterior, os salários dos trabalhadores eram equivalentes aos dos
países europeus mais desenvolvidos. O modelo econômico também havia
colocado a Argentina nos primeiros postos da economia mundial. A
mobilidade social havia gerado uma das sociedades mais equitativas da
América. A crise de 1929 teria alterado esse quadro, em conjunto com a crise
política1008. O contexto de 1930, fixou-se para a população argentina como
símbolo da injustiça social e da entrega do país ao imperialismo inglês1009.
Segundo Leandro Losada, após a derrubada de Hipólito Yrigoyen em 1930,
encerrou-se, na história argentina, um ciclo aberto em 1916 com um governo
surgido do sufrágio secreto, compulsório e universal, estabelecido em 1912
pela Lei Sáenz Peña. Logo, a crise e a distorção institucional marcaram os
quinze anos pós-1930. A ditadura de José Félix Uriburu foi sucedida pela
presidência de Agustín Justo, com o controle do governo por meio da fraude
eleitoral, uma experiência que acabaria com o golpe de 19431010.
Assim, em 6 de setembro de 1930 o movimento militar levou ao poder José
F. Uriburu e uma nova onda conservadora foi instaurada no país. A velha
oligarquia que havia perdido o poder em 1916, volta para retomá-lo em sua
totalidade, como analisa José Luis Romero. No governo autoritário de Uriburu
predominava um nacionalismo baseado na ideia de que o Estado constituía o
único mecanismo capaz de agir rapidamente frente a acentuação dos
fenômenos de hibridação espiritual, derivados da a uência de imigrantes de
distintas origens. De acordo com o autor, era necessário conservar a tradição
“hispanocriolla”, ameaçada por tantas in uências estrangeiras1011. O golpe de
Uriburu, de acordo com Beired, “significou a vitória dos setores antiliberais e
nacionalistas das forças armadas, inaugurando um ciclo de participação dos
militares na vida pública do país”1012. A aliança entre militares e nacionalistas
perdurou ao longo dos anos 1930. Ocuparam altos cargos, portanto, grupos
civis ultranacionalistas e conservadores radicais, e os militares tornaram-se
uma peça fundamental do governo de Uriburu1013, como analisa Cattaruzza.
Torcuato Di Tella mostra que, depois de Uriburu, o general Justo vence as
eleições com “uma boa dose de fraude”1014. O que se deu nesse contexto,
segundo o autor, foi a união de um nacionalismo que havia se decepcionado
com Uriburu e uma política econômica, por outro lado, alinhada e
cooperando com os interesses britânicos e norte-americanos1015. Em suma,
como analisa Di Tella, “quase todo o período do retorno conservador, entre
1930 e 1943, caracterizou-se pela tergiversação da vontade popular por meio
da fraude, realizada em quase todos os distritos”1016.
De acordo com Romero, Justo ingressava no poder em 1932, iniciando uma
era de “ficção democrática”, na qual a organização econômica do país tinha
intenção – na realidade – de colocar-se a serviço da velha oligarquia
agropecuária. Essa ficção fica clara nessa fala de Justo:

[...]Tengo la obligación de situarme en un plano superior al de los intereses políticos en juego


y así lo haré. Desde él, presidiré, sin excepciones o preferencias, la lucha libre de las fuerzas
políticas, pero sin renunciar, si llega el caso, a señalar el rumbo a que deben converger sus
actividades. Seré siempre para todos, lo que todos aspiran que sea, aun cuando con ello deba
contrariar el reconocimiento y la amistad a que mi lealtad y mi temperamento me obligan,
con la imposición de un culto, cuando no están en juego los altos intereses de la patria que
solemnemente he jurado defender. Esto no significa que olvide, y no tendría el derecho de
hacerlo, los acontecimientos que impulsaron a la democracia argentina a salvar las
instituciones y la dignidad misma de la Nación1017.

Logo, o que se deu nesse governo, em realidade, foi a junção de interesses de


uma classe média e de um grupo conservador que em nome da ordem o
apoiaram; tendo como maior suporte o exército e a Igreja Católica. Uma
tradição autoritária conservadora constituiu o nacionalismo vigente nesse
contexto, configurando uma economia baseada na formação de Juntas como
as de carne, açúcar, erva mate, grãos que regulavam os preços e as vendas
desses produtos. O Estado, portanto, aparecia regulando o mercado. Além
disso, abriu-se às empresas inglesas ferroviárias a obtenção de um tratamento
preferencial e tarifas especiais para alguns produtos que exportavam para a
Argentina.
Assim, de acordo com Girbal-Blacha, o golpe de Estado foi uma resposta à
frustração de expectativas1018. Tratou-se, também, de se proteger, nesse
contexto, a ganância dos produtores empresários. Assim, o governo formou
essas Juntas Reguladoras, porque o país tinha acumulado mercadorias que não
podia vender. As Juntas limitavam a produção, controlavam a comercialização
dos produtos, e eliminavam o excedente das colheitas. Para colocar isto em
prática, impuseram um imposto especial sobre a venda dos produtos através
do qual o consumidor era obrigado a pagar a parte que era destruída. Ou seja,
de acordo com Eggers-Bras, em um momento em que havia grande número
de desempregados, sem pão e sem trabalho, priorizava-se subsidiar os
empresários para que não tivessem perdas, destruindo os alimentos que
faltavam para os pobres. Em meio a isto, aumentou-se ainda mais o processo
de desertificação de algumas regiões1019, como Santiago del Estero. Essa
conjuntura, mencionei nos capítulos anteriores e desejo reforçar aqui, como
fatores importantes para as políticas públicas santiagueñas e também do
Noroeste como um todo.
Refiro-me, de acordo com Anahi Ballent e Adrián Gorelik, que no campo
estatal também se viu um impulso à modernização do interior; um impulso
que buscava a “‘urbanização do país’”1020. Por isso, alguns técnicos e
intelectuais viam na substituição das importações uma via possível de política
pública, com objetivo de propiciar o progresso metropolitano. As cidades do
interior se industrializariam, as técnicas rurais e os sistemas de posse de terra
se modernizariam, a produção se diversificaria e os hábitos regionais se
interconectariam. A ideia de uma Argentina “europeia”, como analisam os
autores, não seria mais possível. Era necessário que Buenos Aires se
“‘argentinizasse’”1021 e o interior do país se renovasse, oferecendo as reservas
para saída da crise. Deu-se, assim, uma modernização radical liderada pelo
Estado. Mas, como analisam Ballent e Gorelik, o período foi rodeado de
contradições: restauração agropecuária ou impulso industrializador;
liberalismo doutrinário ou intervenção estatal; conservadorismo ou
modernização; defesa dos interesses britânicos ou nacionalismo1022. A elite que
havia se instalado no poder para restaurar os tempos da sociedade oligárquica,
como ressaltam os autores, foi a mesma que impulsionou a modernização
urbana e industrial1023.
Com Justo no poder, portanto, houve uma política econômica orientada
para o intervencionismo estatal. Seu ministro Federico Pinedo, de acordo com
Di Tella, acreditava que esta era a melhor maneira do país sair da aguda crise
de desemprego. Na pasta da Agricultura, com De Tomaso, fundou-se as, já
mencionadas, Juntas Nacionais de Carne, Reguladoras de Cereais, do
Algodão, do Açúcar, de Vinhos e de Erva Mate. Eram elas que “garantiam um
preço mínimo ao produtor e mantinham reservas em seus depósitos para, em
seguida, exportar”1024. Impulsionou-se a rede de estradas, passando a ser um
complemento das ferrovias, enfrentando a negativa dos ingleses que as
comandavam. Em contrapartida, alinhavam-se aos interesses norte-
americanos e de suas empresas automotoras1025. Sendo assim, neste contexto,
o pequeno produtor, os agricultores familiares, os camponeses, são os mais
prejudicados em nome de um interesse internacional ou mesmo das grandes
elites empresariais que comandavam as demandas agroexportadoras. Essa
camada interessa-me particularmente, ainda mais tratando-se de um contexto
em que a seca fez parte da vida da população rural santiagueña, em meio
ainda à onda de desemprego e intervenção estatal.
Diante destas questões, deve-se re etir como o Brasil e a Argentina, imersos
nesses contextos autoritários e centralizadores, cada um à sua maneira e com
suas particularidades, pensaram em como deviam atuar nas áreas do sertão
cearense e do bosque santiagueño em momentos de crise climática. Isso
implica que ambos os países tiveram projetos políticos para essas regiões que
também independiam das secas que as acometiam.
Com isso, analisarei nos próximos itens como políticos e instituições
tentaram intervir e controlar esses espaços. Como esses projetos faziam parte
de toda a conjuntura que analisada até aqui, bem como a forma pela qual
esses políticos e essas instituições colocaram em prática muitos dos discursos e
visões sobre o Ceará e Santiago del Estero. Isso significa que as políticas
públicas que foram pensadas para essas áreas estavam, muitas delas,
estabelecidas nas ideias já concebidas sobre esses semiáridos. Busco entender,
portanto, como o discurso pode legitimar ações concretas para esses
territórios.

4.1 A Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas e a Junta


Nacional para Combatir la Desocupación: seca, desemprego e
controle social
[...] cada forma de controle do trabalho esteve articulada com uma raça particular.
Consequentemente, o controle de uma forma específica de trabalho podia ser ao mesmo
tempo um controle de um grupo específico de gente dominada1026.

A epígrafe escrita por Aníbal Quijano, será um dos nortes das re exões deste
item. Pergunto-me como dois organismos institucionais pensaram o controle
do trabalho e como estiveram articulados a uma concepção racial sobre a
divisão do trabalho a qual o autor está se referindo. Pensar o desemprego nas
regiões do interior do Brasil e da Argentina, especificamente os semiáridos
cearenses e santiagueños, é re etir também sobre a colonialidade das antigas
formas de controle sobre as raças (as ditas superiores sobre as inferiores) e
como isso in uenciou os tipos de trabalho que cada grupo podia exercer, e
estabeleceu, por conseguinte, as desigualdades regionais existentes. O
sertanejo que podia ser o caboclo, índio, negro, vaqueiro, posseiro, sitiante,
camponês, e o santiagueño que era o índio, negro, mestiço, criollo, camponês,
pequeno produtor rural, foram historicamente concebidos a partir de uma
ideia de nação perpassada pelo conceito de racialidades. Assim, que tipo de
trabalho cabia a essas populações? E como se buscou que a mesma se
encaixasse em um modelo de civilidade que tinha como base o controle moral
por meio do trabalho? Como isso aponta para a questão levantada por
Quijano para a colonialidade do poder nas Américas? Aqui, analisaremos
como o trabalho se convertia também no controle “de um grupo específico de
gente dominada”1027.
Outro ponto importante é pensar o papel do Estado nesse processo. Re ito,
assim, sobre a dificuldade que se tem em pensar nele como agente importante
das configurações sociais. Isso porque, de acordo com Bourdieu, o Estado tem
quase que um papel impensável, justamente porque se é fácil dizer coisas
sobre ele, é porque, “de certa forma, somos penetrados”1028 pelo Estado. O
autor afirma que “devemos furar uma série de telas, de representações, sendo
o Estado – se é que ele tem uma existência – um princípio de produção, de
representação legítima do mundo social”1029.
Buscou-se tratar de dois organismos estatais como a Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas (IFOCS) e a Junta Nacional para Combatir la Desocupación
(JUNALD), estou falando do papel do Estado. Esse Estado que é “o setor do
campo do poder, que se pode chamar de ‘campo administrativo’ ou ‘campo de
função pública’”1030 e que é possível definir, de acordo com Bourdieu, como
uma “possessão do monopólio da violência física e simbólica legítima”1031. Ou
seja, ele é a “posse do exercício do monopólio da própria violência
simbólica”1032. Portanto, se a IFOCS e a JUNALD vão implementar políticas
públicas para as secas por meio do Estado, é fundamental que se situe, ao
longo dessa re exão, o que se entende por esse conceito.
Nesse sentido, a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) foi criada em
1909, e em 1919 tornou-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS). Tinha como base, sumariamente, combater os problemas do
semiárido e da seca no Nordeste brasileiro. Foi a mesma, inclusive, que
instituiu a delimitação também geográfica deste Nordeste seco, como já
mencionado nos capítulos anteriores.
Como analisa Ab’Sáber, “quando os engenheiros da antiga Inspetoria de
Obras contra as Secas introduziram a noção de polígono das secas [grifo do
autor], estavam realizando a própria delimitação grosseira da área nuclear do
domínio morfoclimático, fitogeográfico, hidrológico e geoecológico dos
sertões secos”1033. O autor analisa essa questão, porque geograficamente
“existem, no entanto, várias exceções locais que ocupam menor espaço e
representam variações em torno do modelo”1034. Ab’Sáber elucida, nesse
sentido: “Os fazendeiros residentes em serras úmidas e possuidores de terras
de pecuária nos sertões secos costumam referir-se a estas últimas, numa
acepção topográfica: ‘Amanhã eu vou descer para o sertão’. É real. A partir do
ambiente de uma serra úmida sempre se desce para atingir o ambiente
quente, seco e abafado dos sertões”1035. Ou seja, existem nesses territórios o
que ele chama de ilhas de umidade e quando a IFOCS delimitou o espaço do
sertão como se todo ele fosse acometido pela seca, desconsiderou assim as
particularidades geográficas existentes. Inclusive, criou-se a partir daí um
espaço, inventou-se um território e criaram-se visões sobre ele, assim como,
também, foram pensadas muitas políticas públicas para os sertões. Isso
significa que as demandas para essas áreas foram feitas dentro dessa lógica da
semiaridez e da seca, e, por vezes, não se considerou outras possibilidades que
o seu solo podia gerar como fonte de recursos para suas populações.
Assim, voltando um pouco a narrativa para a compreensão da criação da
IFOCS. De acordo com Claudia Penha dos Santos, foi a partir da seca de 1877
que o Brasil buscou soluções mais efetivas para os problemas das estiagens,
como “as Comissões Imperial (1877), do Açude Quixadá (1884), as Comissões
de Açudes e Irrigação (1904), a Comissão de Estudos e Obras Contra os Efeitos
da Seca (1904) e a Comissão de Perfuração de Poços (1904)”1036, que deram
origem a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) instituída para aglutinar
os projetos que minorassem o problema dos sertões1037. Na estiagem de 1932, a
IOCS já se chamava IFOCS e estava vinculada ao Ministério de Viação e
Obras Públicas. O Governo Federal comandava, então, as ações nos estados
atingidos pela seca, em conjunto com uma elite local.
Sob o Decreto nº 19.726, de 20 de fevereiro de 19311038 destacavam-se os art
5º ao 7º que estabeleciam que a IFOCS poderia atuar nas chamadas “medidas
de emergência”. Constam nesses artigos que seriam realizados outros
trabalhos, além dos elaborados pela Inspetoria, caso fossem necessários para o
socorro imediato dos atingidos pelas secas. Além disso, durante as secas
prolongadas seriam instaladas hospedarias para retirantes em locais não
sujeitos por elas e de lá os retirantes seriam encaminhados para as colônias de
trabalho. Após as estiagens seriam disponibilizadas passagens para os que
quisessem retornar ao seu lugar de origem. Nos artigos 31 e 33 constavam que
a IFOCS continuaria com sede administrativa no Rio de Janeiro, porém seria
dividida em dois distritos: um distrito em Fortaleza, outro em João Pessoa e
um subdistrito em Salvador, competindo ao 1º distrito as obras dos estados do
Piauí e do Ceará; e ao segundo dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco; ao subdistrito a dos estados de Sergipe, Alagoas e Bahia1039.
Não entrarei aqui em outros pormenores da criação efetiva da Inspetoria. O
que interessa em particular é compreender como os discursos promovidos por
meio dos seus boletins inspetoriais, portanto, de muitas dessas ditas ações
emergenciais, elucidam, mais uma vez, uma maneira e uma fonte de
construção de visões sobre o espaço do semiárido. Proponho entender a voz
da Inspetoria dentro daquilo que Girbal-Blacha nos convoca a pensar para o
caso argentino e ampliamos essa re exão também para o Brasil: as políticas
públicas fazem parte da rede que sustenta um acentuado desequilíbrio
regional, embora por ação ou omissão essas políticas tenham ausente a
diversidade territorial1040.
A atuação da Inspetoria é condição primordial para entender muito do que
ocorre e ocorreu nos sertões nordestinos desde sua criação, e desejo evidenciar
este acontecimento histórico. No entanto, para as análises propostas neste
livro a criação dos discursos e a percepção destes como legitimadores de
visões de sociedade, ou mesmo de nação, é uma maneira possível de se
analisar o vínculo existente entre a IFOCS e a trajetória da Junta Nacional para
Combatir la Desocupación na Argentina ( JUNALD). Essa escolha não se deu em
vão. Na Argentina não existiu um organismo criado para combater as secas do
Noroeste, tal como criado no Brasil. O que se viu foram ideias e ações
paliativas no momento de crise climática. Como exemplo disto, analisei a
atuação do periódico El Mundo em conjunto com a própria Junta para angariar
verbas, fundos e suplementos alimentícios para a seca santiagueña em 1937.
No entanto, é possível por meio também do olhar desta Junta re etir sobre
como se construíram e como era pensado o espaço do semiárido do Noroeste
argentino, tal como também o fez a IFOCS. Assim, podemos ir além dos
silenciamentos em torno deste tema, quando se trata da questão da seca nas
províncias de NOA comparando aos muitos estudos conhecidos e às diversas
falas sobre a seca do Nordeste brasileiro (que é parte da identidade regional do
país em relação ao Nordeste; existe, de fato, uma construção identitária da
seca).
Uma demanda regional do Nordeste brasileiro fez parte desse esforço de
trazer a seca do semiárido nordestino para um âmbito nacional. Uma elite
local muito discursou e se apropriou dos momentos de crise para conseguir
verbas do governo federal. A seca no Brasil é um tema revisitado
constantemente nas falas da política regional e nacional e com ela se
conseguiu muitas verbas para a construção de obras públicas e se desviou
muitas delas na mesma proporção. Daí, por vezes, a pouca efetividade da ação
da Inspetoria. Por isso, desejo compreender os pontos de similitude discursiva
entre ambos os órgãos federais e não somente sua função. Isso se dá porque,
como colocado, um dos maiores exemplos de atuação em relação à seca do
Noroeste foi a JUNALD. Assim, mais uma vez, se pode, por meio dos
discursos, analisar as demandas, con itos e ações que fizeram e fazem com
que os semiáridos do Brasil e da Argentina sejam áreas ainda empobrecidas e
relegadas a uma ideia de fracasso como modelo estrutural de sociedade.
Voltamos, assim, a pensar o poder do Estado por meio da ação desses
organismos. Estado, como analisa Bourdieu, é “o nome que damos aos
princípios ocultos, invisíveis – para designar uma espécie de deus obsconditus –
da ordem social, ao mesmo tempo da dominação tanto física como simbólica
assim como da violência física e simbólica”1041. Se re etirmos os discursos da
IFOCS e da JUNALD dentro desse papel simbólico estatal, compreenderemos
como as políticas públicas são também um campo de relação de força, logo, de
dominação. Principalmente, porque, como visto, trata-se de um contexto em
que os países buscavam soluções tanto para a crise econômica como para as
demandas dos diversos interesses políticos existentes. Isso permeava o papel
do Estado para solucionar essas questões. O desemprego e a pobreza em que
se encontravam regiões como as dos semiáridos cearenses e santiagueños
eram pauta latente a ser resolvida. Os Estados centralizadores do Brasil e da
Argentina se colocavam atuantes nesse processo. E mais, podemos re eti-los
também a partir da definição de Bourdieu de um Estado que “tem efeitos no
mundo social”1042. Ou seja, “há uma política reconhecida como legítima,
quando nada porque ninguém questiona a possibilidade de fazer de outra
maneira, e porque não é questionada. Esses atos políticos legítimos devem sua
eficácia à legitimidade e à crença na existência do princípio que os
fundamenta”1043.
Considero, assim, como alguns atos políticos geridos pela IFOCS e pela
JUNALD se naturalizavam como possíveis para pensar a atuação no Ceará e
em Santiago del Estero. Isso se dava justamente por essa legitimidade
reconhecida, que tanto se aplica ao papel estatal, e que tem efeitos concretos
no mundo social. A exemplo disso, analisaremos as falas desses organismos
sobre o desemprego rural. E como o trabalho foi visto como uma via de
controle legítima e um discurso importante relacionado às políticas públicas
para esses territórios. A seca, o desemprego e o controle social fizeram parte
de uma tríade sobre as políticas públicas para essas áreas. E se pode pensar se
o controle por meio do trabalho não fazia parte de uma certa “eficácia” que o
poder simbólico garantia também às ações estatais.
Nesse sentido, no Brasil, a narrativa do trabalho vinculava-se às obras
públicas como a construção de açudes, estradas de ferro e pequenas obras em
geral. Na Argentina, isso se deu por meio da ação da Junta com o envio de
víveres e com a tentativa de organizar os desempregados em áreas que
tivessem como receber a população atingida pela seca, como a santiagueña.
Houve a tentativa de utilização de braços em obras públicas, mas não tanto
quanto a longa e grande sistematização desse tipo de alternativa utilizada nos
sertões do Nordeste brasileiro pela ação da IFOCS, principalmente nas
chamadas obras emergenciais. A JUNALD apresentava-se desta maneira:

Entiende el organismo que con medidas de la naturaleza de las enunciadas se permitirá facilitar
trabajo a muchos desocupados, ya sea mediante el aumento de actividades como consecuencia
de la realización de obras públicas autorizadas, o como resultado de la mejor y más equitativa
distribución del trabajo en las fábricas y en los campos1044.

No mesmo documento, ressaltava a questão dizendo:

Conviene insistir sobre esta última calificación porque se trata, sobre todo, de propiciar la
ejecución de obras convenientes, muchas de ellas indispensables, y en su totalidad reclamadas
por las exigencias del progreso constante del país y por las necesidades de su población. Se trata
en suma de ejecutar o estimular la ejecución de obras públicas que crean trabajo en el presente
y riqueza potencial para el porvenir1045.

As obras públicas criariam trabalho e estimulariam o progresso do país e a


riqueza potencial para o futuro. Tal fala foi justamente usada pela IFOCS
como justificativa para as obras onde seria usado o braço sertanejo. No
entanto, a JUNALD está se referindo a obras em todo país. Diferentemente da
IFOCS que desejava que as obras públicas fossem realizadas, principalmente,
nos sertões, com a construção de estradas e açudes, por exemplo, para que se
organizassem os retirantes que pediam trabalho e para que assim se
solucionasse o problema da seca. A função é mais pontual, no caso da
JUNALD, em relação ao interior do país. Percebe-se muito mais uma relação
com o deslocamento da população de NOA e, claramente, santiagueña para
outras áreas no contexto de seca e desemprego, do que um apelo a
construções de obras internas que minorassem o problema da seca.
Nesse sentido, A Junta Nacional para Combatir la Desocupación foi criada de
acordo com a Lei nº11.896 de 1934:

Constituida el cinco de noviembre de mil novecientos y treinta y cuatro, de acuerdo con las
disposiciones de Ley número 11.896, que la creara, la Junta Nacional para combatir la
Desocupación ( JUNALD), ha realizado su labor dentro de las prescripciones contenidas en esa
Ley, a cuyo espíritu y letra se han ajustado siempre las disposiciones tomadas para encarar y
tratar de resolver el importante problema que motivara su existencia […] De este modo, y sin
dejar de ceñirse a las disposiciones expresas de la Ley número 11.896, la Junta ha llevado a cabo
su labor humanitaria y urgente de asistencia social [...]1046.

No artigo primeiro da sua criação, se estabelecia que a mesma:

[…] tendrá a su cargo organizar la asistencia inmediata de los desocupados, proyectar un plan
de acción racional para afrontar la resolución de ese problema, organizar y fomentar el
desarrollo del trabajo y proporcionarlo a los desocupados, bien sea en los lugares donde se
encuentran, o trasladándolos a los distintos centros en que su labor sea necesario y realizar los
servicios de asistencia y auxilio1047.

Foi formada por membros da Sociedad Rural Argentina, da Cámara de la Bolsa


de Comercio, da Confederación General de Trabajo, da Unión Industrial Argentina, da
Asociación de Cooperativas Argentinas e da Junta de Ayuda Social. A JUNALD
também podia, de acordo com o artigo 5º da dita lei, coordenar a ação de
pessoas ou associações privadas com a ação pública, podendo receber doações
em dinheiro ou em espécie e devendo dar conta desta movimentação
mensalmente ao Poder Executivo. A mesma ainda podia transladar os
estrangeiros, que assim desejassem, a seus países de origem, sem prejuízo das
suas próprias funções, especialmente as de organizar alojamentos, a
alimentação e a assistência dos desempregados. Por fim, estava a Junta
autorizada a ocupar locais que estivessem em desuso para instalação de
albergues temporários para famílias desses desempregados “en absoluta
indigencia, que acepten la reglamentación que se establezca con propósitos de orden,
disciplina y utilidad social”1048.
Nesses trechos, retirados da própria Lei de criação da JUNALD, já se tem a
ideia do que se almejava e principalmente justifica-se o fato de ela ter sido
acionada para auxiliar Santiago del Estero no momento do auge da seca de
1937. Isso porque ela podia receber doações para auxiliar as ações públicas
(vide a campanha assistencial para Santiago del Estero na seca). E,
provavelmente, atuou nas províncias de NOA, porque dela participavam
representantes da Sociedade Rural Argentina.
Porém, cabe re etir, porque, para além desses fatores, a JUNALD foi
acionada para intervir em Santiago del Estero neste contexto. Acredito que, de
imediato, não havia uma organização para o enfrentamento das fortes
estiagens, pensando também na negação histórica do fenômeno como fator
importante para se pensar a própria região. Por isso a JUNALD, que foi criada
para combater o desemprego em todo o país, foi usada para pensar soluções
para a seca. Talvez, porque a preocupação maior se desse na tentativa de
ocupar os braços ociosos em tempos de crise e fora deles também. O
desemprego era a pauta principal para se pensar Santiago del Estero, mesmo
que a crise climática tenha acometido a região. E isso, em certa medida, é um
ponto de similitude com o caso brasileiro.
A IFOCS, por mais que tenha sido criada como um plano maior e mais
sistemático para combater os problemas do semiárido, principalmente em
relação à seca de 1932, atuou também com medidas pontuais com o intuito de
manter os sertanejos ocupados em períodos de secas extensas. A seca já era
pensada como problema real de áreas semiáridas do Nordeste mas, no final
das contas, a IFOCS nunca estava preparada para ela. Por isso, devemos
estudar tanto a estiagem santiagueña como a cearense como um fenômeno
político, que demanda contextos, correlações de força e, principalmente,
controle sobre esses territórios e suas populações.
Reitero que é claramente distinta a ideia da criação de uma Junta para atuar
em âmbito nacional contra o desemprego em todo o país de uma Inspetoria
criada a partir das demandas dos problemas locais causadas pelas fortes secas
no Nordeste brasileiro, e especificamente cearense. No entanto, apesar de
ambas terem funções distintas, acabaram por atuar de maneira similar em
alguns pontos, neste contexto ao qual refiro-me. Principalmente em relação ao
discurso proferido por ambas para se pensar o controle desses espaços nas
secas e nas demandas de organização nacional com o impacto do desemprego
e dos desígnios do mundo do trabalho também no meio rural.
No regulamento da Inspetoria, no entanto, já existia o planejamento para os
semiáridos. Ficava a seu cargo: “a) construção de açudes e canais de irrigação;
b) a perfuração de poços; c) a construção das estradas de rodagem que
constituam as linhas tronco do nordeste; d) a execução de quaisquer serviços
que tenham por fim atenuar os efeitos do regime irregular dos cursos da água,
bem como as que forem necessárias ao conhecimento científico e econômico
da região semi-árida”1049. Sobre a criação de açudes e no contexto emergencial:
“a) no caso de calamidade pública, a Inspetoria poderá ocupar dois terços das
terras da bacia hidráulica, para localizar ‘retirantes’, com a redução
correspondente nas quotas do arrendamento e indenização das culturas; b)
também nos casos de seca prolongada será facultada aos agelados a pesca a
linha ou a caniço; c) utilização gratuita das águas do açude pelas populações
circunvizinhas”1050.
Já estava na ordem do dia e já era sabido que períodos de secas prolongadas
existiam, tinham drásticas consequências nos sertões e estava a cargo da
Inspetoria solucionar tal problema. Daí as políticas emergenciais, que foram
também paliativas. Tentavam minorar a situação do sertanejo, mas não
conseguiram abreviar sua condição a longo prazo. Esse ponto também nos faz
pensar no caso da atuação da Junta nas províncias do Noroeste. Muitas são as
correlações de força que estão por trás da ação desses órgãos, ou mesmo, da
ausência de uma política pública efetiva para essas áreas, já que a seca faz
parte da própria geografia do lugar (mesmo que, de fato, seja agravada pela
ação do ser humano como a exploração orestal que é clara no caso dos
bosques santiagueños e a extração do quebracho).
Girbal-Blacha analisa que, no caso argentino, a agricultura se converteu,
desde o nascimento da Argentina moderna, no comum denominador da
construção do território, indo além das diferenças e especificidades regionais
como parte das exigências do modelo vigente e produto, portanto, da ausência
de políticas públicas que preservassem os recursos naturais e buscassem a
diversidade econômica1051. A Argentina, portanto, se utilizou da Junta para
minorar a situação em que viviam as províncias do Noroeste atingidas pela
seca. Era ela a própria “política emergencial” neste aspecto.
No entanto, havia também a ideia de se construir diques, realizar obras de
desvio de curso de rios, ou mesmo de se pensar como aproveitar sua
navegação e a utilização de águas de rios intraprovinciais. Encontra-se tais
discussões para pensar o problema da “ausência” de água em algumas regiões
do Noroeste. No entanto, não competia a Junta tal execução de forma tão
efetiva com a IFOCS. Aqui encontramos outra diferença entre os órgãos
brasileiro e argentino. O que estava em jogo era solucionar a questão da mão
de obra desocupada na Argentina e, por conseguinte, agravada pela seca no
caso das províncias de NOA. Visto que, segundo Girbal-Blacha, se vinculava
no país (bem como no Brasil) o desemprego ao mal-estar social1052.
A JUNALD instituiu, portanto, que alguns de seus membros viajassem ao
interior do país para conhecer “in loco” suas necessidades e vissem o
desemprego forçado, temporário e permanente. Os resultados então obtidos
nas observações realizadas confirmavam, de acordo com a Junta, que dada a
extensão do território argentino, sua escassa população e a riqueza de seu
solo, existia uma má coordenação do trabalho e não verdadeiramente
desemprego1053. O que preocupava, portanto, era a ausência de trabalho para
essa população. De imediato, para solucionar este problema, a Junta propunha
que:

[...] contemplado ya en otras naciones – como lo hizo con los de las provincias de Santiago del
Estero, San Luis y La Rioja, socorriendo a más de 20.000 familias caídas en indigencia por la
seca persistente de entonces y por la pérdida de sus cosechas –, la Junta ha aceptado la
sugestión del Gobierno de Santa Fe, emitida por su ex Ministro doctor Pío Pandolfo, hoy
Diputado Nacional, de celebrar una conferencia en esta Capital, de todos Ministros de
Gobierno de las Provincias y representantes de los Territorios y de sus Jefes de Departamentos
de Trabajo, la que se integraría con un delegado de Departamento Nacional del Trabajo y de
los del Ministerio de Agricultura informados de todo lo atinente con la inmigración,
colonización, industria y comercio, ya que para la buena organización de una Asamblea de al
índole es indispensable la cooperación de todos esos peritos, que han de estructurar la ley
básica del trabajo coordinado en la República1054.

A ideia seria articular esses membros para pensar as medidas de combate ao


desemprego e suas causas. Dentro disso, se ajudaria, como apontado no
trecho, as províncias atingidas pela seca: socorrendo 20.000 famílias em
indigência pela perda de suas colheitas. Aqui uma questão se faz importante,
de acordo com Girbal-Blacha, na Argentina, a terra em grandes extensões e
concentrada em mãos de poucos atuava não só como recurso econômico para
a produção de matérias-primas agrárias, mas também com um símbolo de
prestígio social e fundamento do poder político na Argentina desde finais do
século XIX e grande parte do século XX1055.
Girbal-Blacha salienta que é neste contexto que o controle social segue
formando parte das preocupações mais importantes da diligência nacional e
atuava em consonância com os novos tempos. Este Estado intervencionista se
consolidou e somou suas decisões à ação dos grandes empresários, criadores
de gado e exportadores. A autora ressalta que a medida mais importante
adotada pelo governo foi, portanto, justamente colocar em funcionamento,
em 1935, a JUNALD, porque foi ela que desenvolveu o trabalho de controle e
ajuda social1056. Girbal-Blacha analisa que a Junta devia ser entendida também
dentro das suas ações em relação ao desemprego como expressão e demanda
também do meio rural, não somente urbano. Havia filiais da Junta, segundo a
autora, em Corrientes, Chaco, Buenos Aires, Mendoza, San Luis, La Rioja e
Santiago del Estero. Isso se deu, porque o que estava em jogo eram as
estratégias empresariais e estatais, devia-se atender às características
agropecuárias da economia argentina também nesse processo.
Parto da premissa, para toda nossa narrativa, que a história do que Arturo
Escobar chama de “capitalcentrismo” não considerou as potencialidades dos
modelos de vida locais, e isto é visto na forma como os discursos institucionais
se impuseram. Ou seja, ao homogeneizar o predomínio das formas
capitalistas de produção “todas as outras realidades (economias de
subsistência, economias biodiversificadas, formas de resistência do Terceiro
Mundo, cooperativas e iniciativas locais menores) são vistas como opostas,
subordinadas ao capitalismo ou complementares a ele, nunca como fontes de
uma diferença econômica significativa”1057. Escobar trata principalmente da
consolidação da globalização nos âmbitos mais locais, no entanto, podemos
pensar essa correlação também neste contexto do século XX.
O desafio é entender a questão rural, como analisa Girbal-Blacha para o caso
argentino, sem definir a diversidade regional apenas a partir do que ela chama
de região central, mas sim desde os próprios espaços regionais que desenham
a fisionomia do território, em estreita relação com o meio ambiente. Tal
escolha também pode e deve ser pensada para o caso do Nordeste brasileiro.
Nesse aspecto, a análise dos espaços santiagueños e cearenses vincula-se às
diversas correlações existentes, às mudanças dos contextos, às diversas
dinâmicas que o próprio ambiente rural proporciona e à intrínseca relação da
população com a natureza. Assim, é possível sair de re exões dicotômicas que
olham o campo em oposição ao litoral, como se não existissem entre eles
relações diretas e indiretas e mutáveis. Ou mesmo, é necessário entender o
ambiente rural desvinculado das leituras que o percebem como atrelado à
permanência de “tradições” e de um passado remoto, sem perspectiva de
mudanças ou resiliências, sejam elas quais forem.
Nesse aspecto, uma fala emblemática contida em um dos relatórios da
JUNALD elucida o que se pensava sobre áreas como Santiago del Estero, seu
desemprego e sobre como a sua atuação deveria ser realizada:

[…] No es su existencia misma sino su relativa virulencia la que convierte al fenómeno en un


problema de proyecciones económicas y sociales extremadamente serias. Ya en las épocas
lejanas en que la actividad argentina o criolla se desarrollaba sobre un plano exclusivamente
pastoral, la desocupación existía con variable intensidad en los distritos rurales, debiéndose en
la mayor parte de las veces a las consecuencias de los fenómenos del clima: las prolongadas
sequías, por ejemplo1058.

Pode-se analisar como a Junta alegava que existia uma atitude pastoral para
com os problemas do desemprego no ambiente rural e que isso se dava,
principalmente, em consequência dos fenômenos climáticos como as
prolongadas secas. Logo, a natureza era vista como o problema a ser
combatido. Trata-se de um contexto em que pensar políticas públicas de
maneira racional, justificando-se cientificamente as ações em certos
territórios, se fazia notório. A ciência, os técnicos, engenheiros, médicos, mais
uma vez, são acionados como uma maneira legítima de se afirmar gestões
públicas.
Assim, o discurso de uma natureza-problema era posto em pauta como
consequência do estado de coisas que viviam essas áreas, e principalmente
como argumento para intervenção sistemática nos territórios como Santiago
del Estero. Não cabia mais uma ajuda “pastoral” nesse sentido. Mais uma vez,
a desordem causada pelo desemprego era causada pela natureza e por uma
atitude voltada mais para caridade do que para uma organização estatal
efetiva para a resolução desses problemas; cabia a JUNALD intervir
sistematicamente nesse caso.
Novamente elucido o determinismo geográfico presente na fala da Junta que
escondia uma questão importante da década de 1930: uma crescente
intervenção do Estado na economia e na sociedade expressa por meio das
instituições orientadas a subsidiar o agro, exibilizar o sistema financeiro e
regular o trabalho, e exercer mecanismos de controle social1059. Ponto no qual,
como afirma Girbal-Blacha, se encontra a ação da JUNALD. Considero o que a
autora analisa na Argentina e que, de fato, tem sua posição clara e evidente em
locais como Santiago del Estero: nos anos 1930 os mecanismos de controle
social se associam à necessidade de conhecer e conter o desemprego,
considerado impulsionador da mendicidade e da vadiagem. A organização do
trabalho passa a ser o cerne das discussões que auspiciam medidas
distributivas e de contenção dos trabalhadores sem trabalho1060. Isso significa
que culpabilizar a natureza, neste sentido, como propulsora do desemprego
em regiões de seca não alteraria as estruturas sociais existentes nestas áreas
que independiam da crise climática, e ainda justificaria o controle social nesses
espaços. A seca, por conseguinte, como no Brasil, é um momento político,
fazia parte do discurso e legitimava ações, interferia nas demandas e nas
políticas públicas e silenciava outras questões que estavam por trás da
desigualdade territorial existente nesses países; muitas das quais analisei,
principalmente, no capítulo dois.
No Brasil, Frederico de Castro Neves afirma que “em 1932, pela primeira vez
a intervenção do Estado brasileiro em período de seca no semiárido cearense
ocorreu de forma coordenada e centralizada”1061. Semelhante ao caso
argentino, mas de maneira diferente de atuação, de acordo com o autor, o
governo colocou em prática um programa de assistência aos sertanejos
interferindo não só no âmbito do trabalho, criando, como ele mesmo coloca,
vagas artificiais de trabalho nas obras públicas para manter controlada a mão
de obra sertaneja, bem como interferindo no mercado local diretamente
“regulando o preço e o abastecimento de produtos de primeira
necessidade”1062. Pensamos, assim, que, neste aspecto, é possível desenvolver
uma analogia da IFOCS com a JUNALD e sua atuação em combate ao
desemprego, em conjunto com a criação das Juntas Reguladoras de diversos
produtos. Neste sentido, a IFOCS se pronunciava de forma semelhante a
JUNALD:

Não obstante tamanhas dificuldades, enviaram-se todos os esforços no sentido de minorar os


tristes efeitos da seca que mais uma vez se desencadeava impiedosamente sobre o nordeste
brasileiro – eterna vitima de alternativas climáticas [...] Em Outubro do mesmo, foi instalado o
Serviço de Assistência aos Flagelados de Secas, com a obrigação de estender sua atividade junto
aos núcleos operários da mesma, ante a avalanche assustadora de doenças contagiosas que,
mais a mais, combaliam as energias do Nordeste, no que ele tinha de mais indispensável à sua
autonomia – o braço operário1063.

Dois pontos interessam mais especificamente neste trecho: como a natureza


ainda era vista como causa-efeito, o sertão era “eterna vítima de alternativas
climáticas”. Os esforços da IFOCS deviam ser feitos nesse sentido, contra a
natureza implacável. Outro ponto é que, em que pese toda a geografia do
lugar, os sertanejos eram chamados pela Inspetoria de operários. Dado
importante que denota um novo olhar sobre o retirante: agora o trabalhador
das obras contra as secas. Utilizar os sertanejos em obras não era a novidade
do contexto, mas sim a intervenção sistemática da Inspetoria no controle
social por meio do trabalho. Racionalmente e por meio de um corpo técnico
que justificava tais demandas, se podia controlar o nordestino e mantê-lo sob
as rédeas não só do Estado como também da elite local. A IFOCS, por mais
que tenha querido, não conseguiu se desvencilhar da relação com a oligarquia
regional. Nesse sentido, era o braço operário a “indispensável autonomia” do
Nordeste.
É possível re etir também que foi no contexto dos anos 1930, com
consolidação nos anos 1940, que a imigração estrangeira e a crença no
branqueamento foram questionadas. A ideia de que o imigrante traria ao
Brasil o crescimento, e de que era ele quem tinha o “éthos do trabalho e uma
preocupação com o futuro que os nacionais não possuíam”1064, não se
sustentava mais. A mestiçagem passava a ser a solução. Seríamos um território
de um “‘povo mestiço’”1065. Não necessitava-se mais usar a mão de obra
imigrante, mas sim do próprio nacional. “O Brasil realizava um grande
esforço de valorização do homem e da terra”1066. É nessa perspectiva que se
buscava também revelar os sertões. Nas primeiras três décadas do século XX
se afirmava essa necessidade do encontro entre cientistas e as populações do
interior1067. Por isso, o lugar desse trabalhador sertanejo como importante
operário dos sertões.
Voltando ao relatório da IFOCS citado, como já visto, era comum pensar
toda a região do Nordeste pelo fenômeno da seca, como se a mesma fosse o
próprio sinônimo de sertão (Nordeste/seca/sertão), e isso implicava reafirmar
visões fatalistas sobre a região. No Governo Provisório, com a política de
intervenção estatal, que não se deu apenas no campo econômico, isso se fazia
ainda mais forte. O momento de crise climática era a porta aberta para sua
atuação.
Como analisa Castro Neves, “a escassez proporcionava ao regime uma rica
oportunidade para exercitar essa capacidade de controlar o mercado e de
impor uma ampla regulamentação no sentido de garantir ‘o ideal de respeito
ao trabalho e aos frutos do trabalho’’’1068. O mercado de trabalho e o de
alimentos deviam ser, portanto, controlados. Assim, como consequência se
mantinha a população sob o jugo das demandas das elites (aqui o
paternalismo se une às políticas de intervenção estatal). O discurso, portanto,
legitimava o antigo poder que atua nos sertões nordestinos e, por conseguinte,
cearenses (a região mais atingida pela seca): o latifúndio1069. Logo, a estrutura
não mudava, por mais que direcionassem esforços para as obras, a realidade
dos sertões cearenses continuava relegada aos desmandos políticos.
Em relação a fala sobre um discurso moralizante que colocava o trabalho
como salvação da sociedade argentina (assim veremos também no Brasil),
constava no relatório da Junta:

[…] La Junta entendió también de inmediato se les proporciona se conseguiría infundir en los
desocupados la saludable convicción de que no son parásitos reducidos a vivir de la limosna
oficial, por muy respetables que sean las razones que obligan a dar esta última, sino
trabajadores que retribuyen con su labor, su buena voluntad y su espíritu de disciplina la ayuda
que se les presta. En todos los casos, el resultado de estas experiencias ha sido satisfactorio y ha
confirmado las previsiones y las esperanzas con que se puso en práctica la asistencia prevista en
el primer punto del plan1070.

O discurso da JUNALD evidencia o que Girbal-Blacha classificou como o


momento de controle social por meio do trabalho contra a mendicância. Os
argentinos não deviam se achar “parasitas reduzidos a pedir esmolas”, mas
sim trabalhadores que retribuíam à nação “com o seu labor”, “seu espírito de
disciplina”. A repressão à vadiagem e à mendicidade – entendidas como
derivadas do desemprego1071, eram a pauta da JUNALD, como analisa Girbal-
Blacha, e como já afirmado. Evidencia-se nestes tipos de discursos aquilo que
Bourdieu conceituou como “violência simbólica”. São os sistemas simbólicos
enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e
conhecimento “que cumprem sua função política de instrumento de
imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre outra”1072. Ou seja, em meio ao discurso da
“desocupación” estava também o de dominação dos corpos. O trabalho que é
um direito passa a ser uma mola propulsora de moralidade, controle, e um
projeto de expressão de um modelo de sociedade. Nos relatórios a JUNALD,
sempre que necessário, enfatizava tal postura:

Se trata en suma de ejecutar o estimular la ejecución de obras públicas que crean trabajo en el
presente y riqueza potencial para el porvenir […] Y este modo se evitan, asimismo, los peligros
que resultan, como ya se ha dicho, de la distribución de subsidios y pensiones a los
desocupados, política errónea en su origen y peligrosa en sus efectos, a juicio de esta Junta;
pero hacia cuya adopción se inclinan generalmente los que prefieren las soluciones fáciles y
aparentemente humanitarias1073.
A execução de obras públicas, portanto, criaria trabalho e riqueza e evitaria
os perigos que resultassem no que o documento das memórias da JUNALD
chama de “distribuição de subsídios e pensões aos desempregados”. Essa era a
melhor maneira de solucionar os problemas do país, e não às “soluções fáceis e
aparentemente humanitárias”, que certamente levariam uma população
viciosa a pedir a caridade. Mais uma vez, o trabalho aqui relaciona-se à
moralidade e ao controle social. Por isso, as principais funções da Junta eram:

1º Procurar asistencia inmediata y practica a los desocupados indigentes;


2º facilitar la traslación de obreros, jornaleros o peones sin trabajo desde las zonas donde existe
oferta de brazos a las que carecen de los mismos;
3º adiestrar a los desocupados sin profesión, impartiéndoles nociones o rudimentos capaces de
permitirles el desempeño de oficios mecánicos o rurales;
4º auspiciar la adopción de medidas de gobierno que se traduzcan en mayor demanda de
trabajo;
5º estudiar la manera práctica de establecer colonias agrícolas
6º concentrar en campos especiales a los desocupados sin aptitudes ni deseos de trabajar1074.

Fica claro, nestes aspectos, que a questão da desocupação era a principal


causa a ser combatida: “desocupados indigentes”, “oferta de brazos”, “adiestar a los
desocupados”; “concentrar a los desocupados”, são expressões que deixam
novamente evidente que desemprego e mal-estar social estavam estritamente
correlacionados, como analisa Girbal-Blacha. Considera-se que a criação da
Junta realmente só poderia expressar este tipo de narrativa. Mas, o que se
deseja re etir é: quais são os efeitos desse discurso na vida da população
argentina e, mais especificamente, santiagueña? Ora quando se queria
concentrar a população “sem atitude, nem desejo de trabalhar”, se tornava
evidente que o controle da população era a pauta também principal da
intervenção da Junta. Pensamos em que tipo de critérios se baseou a Junta para
tal separação moral dessas pessoas? Do mesmo modo que se pensou em
albergues para trabalhadores, em campos especiais para os sem hábitos de
trabalho, se re etiu sobre o desemprego rural. Dentro dessas mesmas
perspectivas de controle que se deram no meio urbano, as práticas de colônias
agrícolas ou mesmo de deslocamento de trabalhadores para outras zonas
(tema que trataremos a seguir) fizeram parte de um modelo imposto para o
país de dominação das pessoas e de seus territórios.
Nesse sentido, a JUNALD classificou a desocupação em: o desemprego
periódico, o de indústrias de estação que depende das condições climáticas, ou
seja, aquele em que em cada indústria existe uma estação que eles chamam de
morta, e que tende a criar uma reserva de mão de obra; trabalhos ocasionais,
que são aqueles que não são contínuos; e por fim, os relacionados a
modificações na indústria, ou seja, como a introdução de novos maquinários
pode-se colocar um certo grupo em situação de desemprego.
Para além disso, a Junta considerou os desocupados em quatro categorias: 1º
aqueles que desejam trabalhar de imediato e que não encontram trabalho; 2º
os que por haver estado um tempo sem trabalho perderam o hábito do
mesmo, convertendo-se em verdadeiros abúlicos, sem ânimo de trabalho, e
que deveriam ser reeducados, por isso; 3º aqueles que eram desocupados
mendigos e vadios, e para esses, o governo devia tomar medidas a fim de
reformá-los e vigiá-los, por serem indivíduos em verdadeiro estado de
periculosidade; e, por fim, o 4º grupo, que contemplava os anciãos e enfermos.
Nesse mesmo trecho, a Junta enfatizava as medidas a serem tomadas em
relação ao grupo três, expressando o seguinte: “Consideraba, también, que el
modo de vivir de esa gente entrañaba un ataque a las buenas costumbres y al orden
público, y estimaba, en consecuencia, que cabe cali car como delito la vagancia y la
mendicidad, cuya sanción debe caer dentro del Código Penal”1075.
Este último ponto é central para o entendimento do que foi analisado até
aqui: o vínculo entre desemprego, controle e moralidade da vida dos pobres.
Entende-se que a classificação como vadios e mendigos, colocando-os como
pessoas que não desejavam trabalhar, assegurava assim que os mesmos fossem
enquadrados no Código Penal. Tal narrativa pode elucidar que a JUNALD foi
criada também para vigilância da população trabalhadora, seja urbana ou
rural. O discurso dos sem trabalho, nesse aspecto, justificava tais ações em
nome da ordem pública. Se Santiago del Estero se enquadrava naquilo que a
Junta chamou de questão mais importante, por sua magnitude e
transcendência, que era o desemprego rural, pode-se dizer que a mesma ao
praticar o deslocamento de trabalhadores santiagueños a outras províncias, o
fazia dentro dessas normativas: o medo do ócio, da mendicidade, da
vadiagem. Certamente correlacionadas ao “medo das multidões”, termo que
Frederico de Castro Neves utiliza para tratar da vigilância aos sertanejos
cearenses em tempos de seca contra suas reivindicações e protestos, e a IFOCS
se enquadrava também nas medidas de controle da vida dos sertanejos.
A Junta colocava o tema dos desempregados rurais da seguinte forma:

[…] La cuestión más importante por su magnitud y trascendencia, en cuanto a los desocupados
rurales, está íntimamente vinculada a una obra de gobierno que no ha sido abordada todavía en
sus diversos aspectos, ni considerada en conjunto como expresión de un estado social que
debe ser substituido por un sistema político-económico destinado a crear una clase de
productores autónomos, propietarios de sus tierras, que quedarían vinculados así por un
motivo poderoso a los intereses y a la suerte del país1076.

Logo, independente da seca, havia uma preocupação geral com o que a


JUNALD chamava de “estado social” em que vivia a população rural. E isso se
aplicava, claramente, ao caso santiagueño, onde havia, como visto, inclusive,
uma das sedes da Junta. Nesta narrativa, se colocava a necessidade de um
sistema político-econômico destinado a criar uma classe de produtores
autônomos, proprietários de suas terras. Trata-se especificamente de uma
região onde desde o século XIX, de acordo com Alberto Tasso, o sistema
patronal favorecia as relações de dominação e o modo de vida e produção
campesina que se articulava e se completava com ele. É o que o autor chama
de combinação entre agricultura comercial e economia popular campesina1077.
Vale ressaltar que, de acordo com Girbal-Blacha, o Noroeste argentino foi
historicamente marcado pela consolidação da chegada das ferrovias em 1876,
tendo como epicentro Tucumán. A ferrovia passava a ter o aporte do crédito
oficial barato e estava associada ao poder político e à modernização da
economia açucareira que eliminou cultivos tradicionais como o milho,
produzido, então, para exportar-se nas áreas circundantes ao porto de Buenos
Aires e Rosário. A modernização trouxe consigo a concentração empresarial.
Quem não pôde adaptar-se às mudanças, como aponta a autora, teve que se
tornar cultivador ou mudar de ramo. Ou seja, para Girbal-Blacha, a
concentração regional e empresarial foi o corolário da crise e da ação do
Estado em favor dos agroindustriais monoprodutores que, por sua vez,
transformaram e deram identidade a esses territórios1078.
Tasso re ete que devemos pensar o problema do porquê um certo processo
de expansão (crescimento, desenvolvimento, evolução ou progresso)
comprometia muito mais questões para além das camadas superiores da
sociedade e de sua economia em um dado tempo. Também comprometia o
ambiente, as camadas inferiores, o passado, os costumes e as barreiras étnicas.
Pensemos, nesse sentido, que em Santiago as ferrovias e a irrigação
permitiram novos cultivos e ampliaram o território produtivo no século XIX.
E, neste contexto que estudamos, ela já estava atrelada ao mercado nacional.
Com isso, a força de trabalho foi conduzida a novas ocupações1079. Ou seja, em
Santiago del Estero essa expansão, a qual Tasso se refere, mudou às
concepções e formas de trabalho dos santiagueños.
Como analisam Guillermo Banzato e María Cecilia Rossi, a partir de
meados do século XIX, a elite liberal-capitalista santiagueña se alinhou com as
políticas centrais e com suas elites. Iniciaram-se, assim, processos tendentes a
incorporar a província ao sistema capitalista. Redefiniram-se, portanto, seus
espaços lançando áreas economicamente periféricas e gerando uma forte
expansão de terras mais aptas para produção de certas matérias-primas. De
acordo com os autores, áreas como Salado e terras do Chaco sofreram o
avanço do Estado de perfil oligárquico e apoiado em redes sociofamiliares de
origem colonial que se valendo da posse da terra como seu capital social,
passaram a constituir uma elite de terra e um setor capaz de controlar a
produção e comercialização de bens1080. E aqui está o cerne dos problemas
relativos às demandas do trabalho rural em Santiago del Estero, indo além do
“problema” da geografia do lugar. O mesmo ocorria com a conjuntura do
Ceará: seca/latifúndio eram parte constitutiva da região e moldavam,
inclusive, como e a quem as políticas públicas interessariam.
No Brasil, o ministro da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida
dizia sobre o caso dos sertões:

Só em 1932 a Inspetoria de Secas tinha em trabalho 220.000 operários que computada a média
de quatro pessoas por família, representavam 880.00 pessoas, sem contar outros tantos
empregados em construções, ferrovias, açudes particulares em cooperação com o Governo,
prédio para correios e telégrafos, colônias agrícolas ou recolhidos aos campos de
concentração[...] Mas respondo que, nessa tarefa de assistência social, utilizando a diminuta
capacidade de trabalho dos agelados, o emprego pouco produtivo de mulheres e menores,
arcando com a superpopulação prejudicial do operariado socorrido, em vez do trabalho
mecânico, muito mais econômico, dando-se, por isso, preferência às barragens de terra, com
surtos epidêmicos perturbando às atividades e com dificuldades de transporte e de falta de
d’água, foi realizada a maior obra que se enquadra na solução do problema das secas.1081

Em outro trecho do Boletim da IFOCS, colocava-se essa questão da seguinte


forma:

Como sabe V.Excia, procurei executar de preferência obras onde o socorro fosse conseguido
de uma maneira ampla a essa multidão bisonha de sertanejos depauperados e famintos. Não
poderia pensar em obras de alvenaria nas quais o respectivo operariado se confinaria dentro do
âmbito das especializações e donde o bisonho teria que ser afastado ou utilizado em escala
muito pequena1082.

Nos dois trechos percebe-se que as políticas públicas também vinculavam-se


à questão do trabalho nas obras para o que eles chamavam de “ agelados”,
“retirantes”, “multidão bisonha”, “superpopulação prejudicial”,
“depauperados”, “famintos”. O enfrentamento do problema das grandes
estiagens passava também, tal como re etido para o caso argentino, pelo
controle e pela moralização da vida da população dos sertões do Nordeste
brasileiro; uma população depauperada, de famintos, devia ser empregada em
obras para não se tornar vadia. Da mesma forma que se albergavam os
argentinos para que fossem enviados para futuras vagas de trabalho, se fazia
com o cearense, mas aqui a atuação era regional e localizada; era para os
sertões e sua população. Era, principalmente, para o momento de crise
climática; já fala-se de uma instituição criada para pensar a convivência com a
semiaridez.
Como ressalta Kenia Rios, “[...] o trabalho não aparecia somente como meio
de efetivação das obras, mas também como valor moral. Nas astúcias dos
discursos das classes dominantes, buscava-se livrar o sertanejo do humilhante
ato de pedir esmola”1083. O que de fato há de similitude entre os discursos da
IFOCS e da JUNALD é a aplicação do discurso da moralidade através do
trabalho. Seria por meio da ocupação dos desocupados, ou dos sem trabalho,
que em meio a uma crise climática e econômica e à reorganização dos países,
o Brasil e a Argentina atuariam no campo.
Lembramos do que Bourdieu chama de atos de Estado. Isso significa que
existem “atos autorizados, dotados de uma autoridade que, gradualmente,
por uma série de delegações em cadeia, remete a um lugar último, como o é o
deus de Aristóteles: o Estado”1084. Para o caso deste trabalho, podemos re etir
os papéis da JUNALD e da IFOCS dentro desses atos autorizados. Esses atos,
aqui especificamente podemos chamar de suas políticas públicas, podem ser
entendidos dentro de “atos de categorização”1085. O autor explica que “a
etimologia da palavra ‘categoria’ – de categorein – é ‘acusar publicamente’, e
mesmo ‘insultar’; o categorein de Estado acusa publicamente, com a autoridade
pública”1086. Ou seja, o Estado sanciona sua autoridade, autorizando e
legitimando as ações desses organismos, por conseguinte, suas possíveis
categorizações. Logo, a JUNALD e a IFOCS podem ser vistas dentro de uma
espécie de autoridade também simbólica que gera efeitos práticos nas vidas
dessas populações do Ceará e de Santiago del Estero. O que Bourdieu propõe
é que pensemos que os atos do Estado “têm em comum ser ações feitas por
agentes dotados de uma autoridade simbólica, e seguidas de efeitos”1087.
Voltamos às análises e vejamos que novamente passava-se a tratar o
sertanejo dentro da categoria de operário. Mais uma vez ressaltamos que tal
categoria o distanciava, talvez, da sua relação intrínseca com o meio
ambiente. Era da terra que o sertanejo retirava o seu próprio sustento, fruto do
seu trabalho. Ao tratar esse retirante como operário, o desvinculava assim das
categorias que o formavam: o camponês, o posseiro, o meeiro, o sitiante, o
vaqueiro, o agricultor. E todas essas classificações estão vinculadas com a
natureza e como, de fato, se relacionava o sertanejo com o mundo do
trabalho.
Dizia o ministro da Viação:

As sêcas criavam uma criminalidade específica. Com o alastramento da miséria, improvizavam-


se grupos de bandos que assaltavam as últimas reservas dos proprietários que remanesciam nas
suas fazendas [...]1088.

Frederico de Castro Neves aponta que neste contexto havia um crescente


volume da multidão de sertanejos que constituía “uma pressão irresistível, que
precisava ser naturalizada”1089. Isso significava que a população passava a ser
criminalizada, e era a seca que criava esses tipos de grupos que “assaltavam”
em bando. A elite local, de acordo com o autor, transformava o direito aos
socorros em instrumento de coerção ao trabalho e em disciplina social em
nome progresso. Evitava-se, assim, a ociosidade, em favor de uma
tranquilidade pública. Logo, o trabalho cumpria, nesse aspecto, sua função
moralizante1090. Neves ainda ressalta que o merecimento à assistência social foi
sendo delineado por “meio do trabalho regular, disciplinado, árduo e mal
remunerado. Numa pedagogia pouco sutil em que a aprendizagem está
condicionada pela necessidade e pela fome”1091. O mais importante, como
analisa o autor, era ocupar o retirante para que ele não mendigasse, nem
cobrasse seus direitos, nem protestasse. Era a defesa da civilização contra a
barbárie; tema que podemos correlacionar diretamente ao caso argentino.
Nessa fala do ministro apresentada, a seca era determinante da
criminalidade. Tal visão corroborava com alguns pontos que são foco das
dessas análises deste livro. Primeiro que a seca era um momento crucial de
disputas políticas. Logo, a natureza se tornava cenário de discursos que a
colocavam sempre no cerne dos problemas sociais dos sertões. Segundo,
tendo o clima e o meio ambiente como causadores da criminalidade, buscava-
se aí um determinismo causa-efeito e, assim, deslegitimava-se a própria ação
reivindicatória dos sertanejos (por meio dos saques) e justificava-se as ações
repressivas do governo. Por fim, pensar a seca como causadora das “mazelas
dos sertões” escamoteava a desigualdade regional que independe, como
analisado até aqui, dos problemas climáticos. Em suma, o que estava em jogo
neste contexto, por trás de toda esta narrativa, como analisa Neves, era a
preservação da defesa da propriedade1092. Ou seja, a atuação da Inspetoria
limitava-se e, por vezes, ao poder de mando das elites locais. Logo, o controle
dos retirantes e, por conseguinte, do espaço do sertão é um tema recorrente na
seca de 1932. Novamente o discurso da Inspetoria estava estritamente
relacionado às demais falas dos capítulos aqui já analisados. Mais uma vez,
eram construídas visões sobre o universo do sertão que implicavam esses tipos
de políticas públicas que controlavam, estigmatizavam e não minoravam o
problema das secas.
Pierre Bourdieu ressalta que “as diferentes classes e frações de classes estão
envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do
mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das
tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o
campo das posições sociais”1093. Isso significa, para os casos argentino e
brasileiro, que as políticas públicas para o Ceará e Santiago del Estero foram
pensadas de acordo com as demandas de uma classe dirigente. Esta relação
está estritamente ligada a uma visão do mundo social, de acordo com os
interesses relacionados a JUNALD e a IFOCS, ao governo federal, aos
empresários e a elite local. Re etimos, nesse sentido, como o trabalhador
rural era visto de acordo com estes aspectos, daí a necessidade de controle do
mesmo e do seu território.
Podemos re etir também aquilo que Bourdieu explica para o caso
relacionado aos membros de uma dada comissão que pertence ao Estado.
Para ele, “toda vez que uma comissão se reúne a alquimia da qual o Estado é o
produto se reproduz, utilizando, aliás, recursos de Estado”1094. Analisemos,
neste aspecto, se a IFOCS e a JUNALD não fazem parte também desse tipo de
alquimia de interesses entre essas instituições e o próprio Estado. Bourdieu
explica que assim o particular se torna universal. Para o autor, essas comissões
oficiais produzem “um discurso cuja autoridade é fundada na referência
oficial”1095. A IFOCS e a JUNALD, portanto, vinculam-se a essa lógica que
Bourdieu entende para comissões, que têm seus discursos legitimados pelo
oficial.
Assim, no relatório JUNALD constava a seguinte narrativa em relação à seca
santiagueña:

[…] La pérdida de las cosechas ocasionadas por las sequías prolongadas o por las devastaciones
de la langosta, origina, a su turno, la desocupación campesina, dejando en el más completo
desamparo a decenas de millares de familias, pues dado nuestro régimen extensivo de
producción, ellas carecen de elementos y recursos para crear o poner en marcha pequeñas
industrias que en otros países y aun en algunas zonas suburbanas del nuestro se desenvuelven
con éxito. La Junta ha debido socorrer de urgencia, por ese motivo, a más de veinte mil
pobladores de las provincias de Santiago del Estero, La Rioja y San Luis, a los que envió sendos
cajones de víveres, pero ese aporte ocasional de sus fondos – legalmente limitados – no tiene
la menor in uencia sobre las causas del verdadero problema humano y social que la situación
revela1096.
Neste documento das memórias da Junta fica claro que sua ajuda a Santiago
e outras províncias atingidas pela seca, com o envio de víveres, não
in uenciava nas verdadeiras causas do problema humano e social que a
situação revelava. Apesar dessa conscientização dos membros da Junta, a
justificativa da JUNALD para tal problema eram a seca, as pragas de
langosta1097, e uma população que não tinha elementos para criarem pequenas
indústrias que podiam ter êxito. Do mesmo modo, no caso brasileiro, política
assistencial e intervenção estatal andavam juntas. O Estado tomava para si as
rédeas dessa assistência e, assim, podia também, como no caso da IFOCS,
intervir nesses espaços.
É válido destacar que a história de Santiago revela que, particularmente,
desde o século XIX, o cultivo da cana-de-açúcar em grande escala foi seu
disparador de expansão agroindustrial, como analisa Alberto Tasso. O autor
explica que o cultivo se converteu em um paradigma da economia que os
políticos e empresários da época desejavam estimular. No final do século XIX
e início do século XX a maioria dos engenhos santiagueños fecharam por conta
da crise de superprodução.
Os engenhos de Tucumán, como já analisado, em contrapartida, eram mais
organizados e favorecidos por uma estratégia política que beneficiou sua
província. Tal panorama levou, mais tarde, a que terras antes dedicadas ao
gado fossem parceladas e vendidas, formando-se um mercado dinâmico e
altamente especulativo, com a consequente alta dos preços, como analisa
Tasso. Houve um declínio da produção artesanal, pós-crise do açúcar, e a
expansão da produção de cereais e alfafa. Essa dinâmica mudou as relações de
trabalho do campesinato, e voltado para o grupo doméstico, com forte
protagonismo feminino, para o trabalho assalariado dos homens nas fazendas
e nas obrajes. O crescimento de Santiago atrelava-se ao que Tasso, como já
apontado, chama de mercado de terras e de água, com uma forte intervenção
do Estado a favor de uma classe média rural. A população ocupada pela
economia doméstica campesina vai se tornando força de trabalho “livre”, isto
é, em peões que alugavam seu trabalho em obrajes e fazendas, segundo
Tasso1098. Esse era o panorama no qual a Junta passou a atuar. Evidentemente,
seus discursos não entravam em choque com a própria conjuntura existente.
Justificavam-se, portanto, na natureza e no pequeno produtor as mazelas
existentes na região.
Em outro trecho do documento da JUNALD constava:

Los directores de esta Junta han visitado en oportunidad reciente las provincias de Santa Fe,
Córdoba, Entre Ríos, Corrientes, Santiago del Estero, La Rioja, Salta, Jujuy, Tucumán y San
Luis y el territorio federal del Chaco, habiendo comprobado que, en muchos casos, la
desocupación se mantiene por ausencia de organismos oficiales encargados de dirigir los
núcleos de gente sin trabajo, que se congregan en determinadas zonas, hacia lugares donde se
requieren brazos, o bien, cuando esos organismos por falta de vinculación entre ellos […] E tal
sentido, esta Junta cree que sus funciones deben ser completadas y sus facultades extendidas,
cambiando su propia nominación actual por la más adecuada de Junta Nacional Reguladora del
Trabajo [...]1099

Neste aspecto, Girbal-Blacha coloca que a Junta acreditava haver uma


necessidade imperiosa de conhecer as causas do desemprego que manifestara
a organização em suas origens. Como aponta o texto, a JUNALD julgava que
isso se dava pela ausência de organismos oficiais encarregados de dirigir os
núcleos de gentes sem trabalho, e que por isso sua atuação devia se
encaminhar neste sentido1100, daí a justificativa para que seu nome mudasse
para Junta Reguladora de Trabalho. Deveria haver, para a JUNALD, a
organização de um sistema coordenado de informação mediante a ação do
governo central e dos provinciais para se corrigir o mal do desemprego, como
analisa Girbal-Blacha1101. Nesse sentido, se fez um questionário nacional sobre
a desocupação (censo de desocupados da Argentina). Isso se deu também,
como aponta a autora, por uma pressão do empresariado rural sobre o Estado,
que dava mostras de uma velha prática, ainda que fosse renovada em suas
formas alternativas de expressão1102. Por isso, a região de NOA e, por
conseguinte, santiagueña, passa a ser pensada em relação a uma política
pública mais efetiva para essas áreas.
A IFOCS em seus boletins e relatórios inspetoriais também se colocava
como a melhor solução para os semiáridos. Solução essa racional, sistemática
e com um corpo técnico e científico preparado para tal feito:

[...] Nesta cruzada verdadeiramente redentora vem ela, pois, legando ao Nordeste as garantias
indispensáveis à sua estabilidade política, social e econômica. Armazenando a água copiosa,
traçando as linhas tronco, na região semi-árida do Nordeste, vem, ao mesmo tempo,
armazenando no cérebro do homem do sertão as precisas noções de defesa sanitária
apontando-lhe, deste jeito, uma estrada melhor para o seu futuro que é o futuro mesmo da
nossa terra. Ministrando-lhe os medicamentos necessários ao seu vigor físico, preservando-o
das doenças, faz sadia obra de patriotismo, uma vez que do braço forte do campônio depende o
equilíbrio das rendas públicas1103.

Tal como a JUNALD, a IFOCS defendia sua missão para os sertões


nordestinos. Neste caso uma “verdadeira cruzada redentora”. Cumpria assim
seu dever para a estabilidade apolítica, social e econômica do Nordeste; uma
verdadeira obra de patriotismo, porque era do “braço forte” do camponês que
dependia o “equilíbrio das rendas públicas”. Neste trecho fica evidente aquilo
que Lara Castro pontua sobre suas re exões em relação a toda documentação
do DNOCS e à criação da Inspetoria: “Esses documentos que foram
arquivados são resultados de atuações que foram entendidas como parte de
um projeto, e, re etindo a ideia de que a ciência poderia resolver os mais
diversos problemas do semiárido, desejam mostrar um processo de progresso
social e econômico”1104.
É possível considerar, neste sentido, para o caso da IFOCS e da JUNALD, e
suas medidas de controle e assistência em meio às secas e à própria conjuntura
da vida dos semiáridos cearenses e santiagueños, respectivamente, é aquilo
que Bourdieu explica, como já apontado anteriormente, o poder simbólico é o
que se faz “ver e fazer crer”1105, se confirma e se pode transformar a visão do
mundo porque é, por vezes, arbitrário.
Estas instituições se colocavam como salvadoras dessas áreas e, assim,
justificavam ações arbitrárias em nome do desenvolvimento, e em nome das
populações. Logo, elas também exercem esse poder simbólico. Embora não
tenham necessitado usar, a chamada força física, se valeram muito mais do
discurso técnico-científico, de diversos especialistas e do próprio governo, para
colocar em prática um projeto de poder. Bourdieu ainda salienta que “o poder
simbólico não reside nos ‘sistemas simbólicos’ [...], mas que se define numa
relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os
que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em
que se produz”1106. Entende-se, assim, que:

[...] o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a
subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja
produção não é a da competência das palavras […] que garante uma verdadeira
transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas
encerram e transformando-as em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais1107.

Em nenhum momento, isso significa que não haja contestação e


confrontação. Apesar do poder simbólico existir, ser assumido e legitimado,
ele também é contestado. Novamente, reitero que os movimentos de protesto
da água em Santiago del Estero e os saques cearenses são provas dos con itos
de classe. Passo por essas questões, mas sem assumir aqui a verdadeira
importância a que se deve. E, em que pese tal escolha, encaro que esta
re exão deve ser entendida como prova de que as populações do campo
souberam, dentro dos limites que lhes foram impostos, colocar-se frente às
imposições de certos modelos de sociedade.
Bourdieu ainda nos convida a pensar sobre os efeitos da autoridade
simbólica. Ele diz que “essa autoridade simbólica, pouco a pouco, remete a
uma espécie de comunidade ilusória, de consenso último”1108. Ou seja:

[...] se as pessoas se inclinam – ainda que se revoltem, sua revolta supõe um consentimento – é
que no fundo participam consciente ou inconscientemente de uma espécie de “comunidade
ilusória” […] que é a comunidade de pertencimento a uma comunidade que chamaremos de
nação ou Estado1109.

Indo um pouco mais além, o autor ainda aponta para um conceito de


Spinoza, chamado o obsequium; que seria como um respeito ao Estado ou à
ordem social. Bourdieu diz que quando se obedecem às regras oficiais, se
obtêm as vantagens do oficial, seus benefícios, e isso é o que ele chama de atos
obsequiosos, “um respeito puro pela ordem simbólica, e que os agentes sociais
de uma sociedade, mesmo os mais críticos [...] demonstram, e isso tanto mais
que o fazem sem sabê-lo, diante da ordem estabelecida”1110. Pensemos se a
IFOCS e a JUNALD não se configuraram nessa relação obsequiosa com o
Estado e que, em certos aspectos, se re ete com a população local. Ou
mesmo, se tal relação não fez parte de uma trama de correlações de força
entre esses organismos e uma elite pertencente a essas regiões, e que acabava
por manter a ordem vigente.
Nesse sentido, desejo re etir também que o contexto do capitalismo como
estrutura de controle do trabalho, como analisa Quijano, está constituído na
história da América por meio “da relação capital-salário (de agora em diante
capital) e do mercado mundial. Incluíram-se a escravidão, a servidão, a
pequena produção mercantil, a reciprocidade e o salário”1111. Tal estrutura está
inserida no que o autor chama de “colonialidade do poder”. Podemos pensá-
la, dentro das mudanças inerentes aos contextos, ainda no século XX. Ou seja,
re ito essa característica dentro daquilo que Quijano analisa como
fundamental para o entendimento da sociedade latino-americana: a ideia de
raça ligada às novas concepções de controle do trabalho.
Ainda que o sertanejo não seja obviamente uma raça, ele está pensado
dentro desta categoria, bem como os santiagueños. Isso implica que pensar o
mundo do trabalho dentro do que Quijano re ete como raça e divisão do
trabalho estruturalmente associados e reforçados mutuamente, coloca em
questão o uso da mão de obra sertaneja e santiagueña em determinadas
funções, em detrimento de pensá-los a partir das suas lógicas de relações com
o próprio ambiente rural. O autor está tratando de conceber esses conceitos
desde o período colonial, mas pensamos se essa estrutura de
dominação/exploração, raça/trabalho1112, como ele mesmo aponta, não é a
gênese das estruturas com as quais nos deparamos no contexto do século XX, e
aqui especificamente na década de 1930. Quijano analisa que historicamente
tivemos:

[...] a classificação racial da população e a velha associação das novas identidades raciais dos
colonizados com as formas de controle não pago, não assalariado, do trabalho, desenvolveu
entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos
brancos [...] Não é muito difícil encontrar, ainda hoje, essa mesma atitude entre os
terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo. E o menor salário das raças inferiores pelo
mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas, não poderia ser, tampouco,
explicado sem recorrer-se à classificação social racista da população do mundo. Em outras
palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial1113.

Tal historicidade sobre o controle do trabalho liga-se ao que foi analisado


aqui para os casos sertanejo e santiagueño. Trabalhos ditos inferiores, com
salários baixos, exploração da mão de obra por uma elite local (certamente
oriunda do vestígio de branqueamento histórico do Brasil e da Argentina)
colocaram essas populações dentro da velha lógica do “controle não pago, não
assalariado”. Tais fatores, como aponta Quijano, perpassam a consolidação da
colonialidade do poder capitalista mundial. Isto não se re ete apenas no
espaço urbano, está concomitantemente relacionado ao ambiente rural e
implica uma tentativa de se intervir nesses territórios e, por vezes, tentar
mudar sua própria estrutura e lógica de trabalho.
Quijano ressalta que “no processo de constituição histórica da América,
todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da
produção-apropriação-distribuição de produtos foram articuladas em torno da
relação capital-salário”1114. Tal controle pode explicar, por fim, porque, para a
IFOCS e para a JUNALD o problema rural brasileiro e argentino passava pela
ausência/presença de trabalho. Essas instituições fizeram parte, portanto,
dessa reprodução de um pensamento sobre o mundo social e que estava em
vigor no Brasil e na Argentina nos anos 1930.

4.2 Uma “geogra a das migrações”: o êxodo cearense e


santiagueño nos relatórios da IFOCS e da JUNALD
— Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. — É de
bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe neste latifúndio1115.

Primeiramente, o conceito “geografia das migrações” foi utilizado por Kenia


Rios para tratar das migrações sertanejas desde o século XIX, como
mencionado anteriormente. Apropriamos dele para pensar também o caso
santiagueño, bem como já o citei em relação a como a imprensa pensava o
êxodo dos cearenses. A IFOCS e a JUNALD, portanto, justificavam as
migrações em seus relatórios como uma política pública possível para essas
áreas em tempos de crise, assim como também pensavam como manter os
sertanejos e os santiagueños, respectivamente, em seus lugares, evitando as
retiradas. Essas duas narrativas fizeram parte de como essas instituições
pensaram o êxodo rural desses territórios. Em segundo lugar, as migrações
re etiam também a própria concentração de terras que fazia parte da vida
dessas populações, como analisado neste livro.
A epígrafe que inicia esse item, retirada do poema de João Cabral de Melo
Neto, Morte e Vida Severina, representa o caminho que percorrei a partir de
agora. Neto nos convida a pensar qual era a parte do latifúndio que cabia ao
sertanejo: “é de bom tamanho, nem largo, nem fundo”. Pensemos, assim,
também na população rural santiagueña, no que cabia a ela da terra em que
viviam e como isso se re etia nas grandes retiradas.
A questão do êxodo perpassa as vidas da população cearense e da
santiagueña, tema inclusive que vai além dos semiáridos. Como já analisado
nos capítulos anteriores, ela é marca, inclusive, dessas regiões. O sertanejo e o
santiagueño são vistos como mão de obra possível de ser usada em outras
áreas. Ora isso é bem-aceito, ora é questionado como consequência das
estruturas existentes. Coloca-se também na natureza o problema desse
possível despovoamento, tendo na seca um dos fatores cruciais neste tipo de
discurso. A JUNALD e a IFOCS também trataram desse tema. A narrativa de
ambos os órgãos mostra como uma ideia concebida e disseminada é colocada
em prática enquanto política pública, e como o discurso cria imaginário e
intervém em uma dada sociedade de maneira bastante concreta.
Reitero que no Brasil, de acordo com Verónica Secreto, “o governo Vargas
tinha planos para os habitantes do campo. O principal deles: que eles ficassem
onde estavam. Os trabalhadores rurais seriam mantidos no seu ‘habitat’ e as
leis trabalhistas não os atingiriam se não num futuro que não podia ser
determinado”1116. Em um Boletim da IFOCS, isso fica claro:

Por essas palavras expressivas e verdadeiras, é possível fazer-se uma ideia aproximada das
dificuldades com que tiveram de lutar as autoridades federais incumbidas do socorro às
populações ageladas do Nordeste, com o fim não só de lhes salvar a vida, como de mantê-las
nos próprios lugares de residência, evitando o êxodo sempre inconveniente e prejudicial1117.

Nos sertões nordestinos como visto na fala da IFOCS, no Brasil de Vargas, o


lugar do sertanejo era no sertão, como analisa Secreto. Mesmo com essa
perspectiva, a IFOCS não conseguiu impedir “o êxodo sempre inconveniente e
prejudicial” e, inclusive, teve que subsidiar e organizar alguns deles. O impasse
se colocava neste sentido: ora manter o sertanejo em seu próprio lugar, ora
incentivar a migração “sistematizada”. Aqui, interessa-me entender como esse
discurso se dispôs e como isso mostra uma ideia específica que se tinha sobre
os sertões e os sertanejos.
José Américo de Almeida colocou no seu relatório de 1931, contido no livro
intitulado Ciclo Revolucionário do Ministério da Viação, o seguinte:
Como porém, o nordeste não poderá ficar, em breve trecho, a salvo das crises do seu clima
incerto, porque o plano geral das obras da Inspetoria depende, para uma solução integral, de
vultosos recursos, cumpre também delinear o programa de socorros imediatos aos agelados,
poupando-se aos descaminhos e aos desastres da “retirada” a esmo, que são as maiores causas
do seu martírio1118.

Vejamos que neste trecho em primeiro plano Américo de Almeida


relacionava a crise do clima incerto do Nordeste (mais uma vez aqui Nordeste
é naturalizado como sertão/seca) às “desastrosas retiradas a esmo”. Pensando
nesse discurso, cabe acrescentar aquilo que diz Ab’Sáber: o que restou sobre o
Nordeste seco foram “observações pontuais e desconexas sobre o universo
físico e ecológico”, apresentado como terra “dotada de solos pobres [...]
habitada por agrupamentos humanos improdutivos, populações seminômades
corridas pelas secas, permanentemente maltratadas pelas forças de uma
natureza perversa”1119. O autor afirma ainda que muitas dessas narrativas, em
realidade, “são inverídicas e, sobretudo, fora de escala, constituindo o
enunciado de fatos heterogêneos e desconexos, por um processo de
aproximações incompletas”1120.
Nesse sentido, a IFOCS só constata e coloca em prática esse tipo de discurso
que Ab’Sáber analisa. As narrativas tão perigosas sobre os sertões nordestinos
fizeram com que, instituições como a IFOCS, ao aplicar suas políticas públicas
para esse espaço, os vissem a partir dessas visões preestabelecidas e
configuradas historicamente sobre esse território e suas populações. O Ceará
nesse sentido ganha destaque por ser uma área fortemente marcada pela seca
e por grandes retiradas. E também por ter uma população vista como
acostumada a migrar e a servir de mão de obra para outros estados, como já
analisado neste livro. Assim, Frederico Castro Neves salienta que as migrações
acompanhavam as obras contra as secas. Técnicos, intelectuais e políticos
afirmavam que eram esses serviços públicos que minorariam a situação1121.
Américo de Almeida mais uma vez dizia:
Uma das soluções indicadas para o problema das secas, é o deslocamento da população
nordestina para São Paulo. Cumpre, entretanto, acentuar que cada um dos Estados do Ceará,
Rio Grande do Norte e Paraíba, para não mencionar outros menos atingidos pelos acidentes
do clima, dispõe de zonas tão vantajosamente favorecidas pela natureza, como São Paulo. Para
esses pontos é que deve ser encaminhada, sistematicamente, a população faminta nos anos
escassos. São verdadeiros oasis para onde convergem, desde as primeiras irrupções do mal, as
levas de retirantes. Desde que organize um transporte que evite a extenuação das longas
caminhadas, os agelados chegarão em condições de poderem ser, depois dos primeiros
socorros, localizados nas colônias de trabalhadores [...] Dessa organização cogita o novo
regulamento com a instalação de hospedarias de retirantes, durante as secas prolongadas.
Assim, ficarão evitados o extravio das populações sertanejas e a prática humilhante da
mendicidade, como único meio de subsistência, na incidência da calamidade1122.

Nesse contexto, estavam em voga diversas re exões sobre o que fazer com
os retirantes dos sertões nordestinos em períodos de seca. Uma delas tinha
como premissa ocupar os braços dos sertanejos nas obras, para que não
migrassem, bem como concentrá-los nos campos de concentração, o que já
vimos no controle por meio do trabalho. Assim seriam impedidas as grandes
retiradas, criticadas pelo próprio ministro da Viação e também pela oligarquia
local que temia perda de braços nas lavouras ao findar das secas.
Kenia Rios afirma que “a emigração era apresentada, em grande medida,
como perdas e prejuízos para o Ceará. Muitas obras que acelerariam o
desenvolvimento do Estado necessitavam dessa força de trabalho. Em
contrapartida, os retirantes precisavam das obras para sobreviver”1123. A
IFOCS era também quem organizaria os socorros e não deixaria que a
população invadisse as cidades. Uma elite local citadina temia a “invasão de
retirantes”. Havia o medo do sertão, do sertanejo, das doenças, das esmolas,
dos seus “costumes”. O controle social, nesse sentido, se fazia notório e
natural neste contexto. E era consensual que se devia evitar as migrações. Em
outro relatório da IFOCS, no trecho relativo ao ano de 1932, constava:

A extensão, intensidade e progresso impressionante do agelo, com todo o seu cortejo de


misérias, foi resolvido imediatamente o socorro intensivo às populações castigadas, com a
organização rápida de novos serviços, assistência direta, transportes, concentrações, enfim
todas as medidas prontas e decisivas para impedir o êxodo em massa, o aniquilamento pela
fome ou a invasão das cidades pela multidão agelada, com os perigos das epidemias mortais,
do banditismo, de todas as misérias já verificadas em épocas anteriores1124.

No subtítulo do livro de Kenia Rios sobre os campos de concentração do


Ceará, Os Retirantes estão chegando, a autora problematiza justamente a
chegada da população dos sertões analisando que havia um pavor da chegada
dos retirantes anunciados de forma incisiva na imprensa da capital. A autora
afirma:

Exigiam-se do Governo medidas extremadas para conter as levas cada vez maiores de
agelados, que se lançavam às estradas, trazendo esperança de encontrar na Capital algum
modo de sobrevivência. Chegar até Fortaleza ou emigrar para outros Estados era a vontade de
quase todas as famílias de miseráveis que procuravam escapar da falta de chuva pelos Sertões1125.

No trecho acima, tal postura fica evidente também na fala da própria


Inspetoria. Tudo deveria ser feito para impedir o “êxodo em massa” ou a
“invasão das cidades pela multidão agelada” com suas doenças, seu
banditismo, suas misérias. A IFOCS mesmo colocava novamente: “O êxodo
para o litoral se iniciou no Ceará e generalizou-se rapidamente, surgindo com
ele os assaltos e depredações inevitáveis”1126. É notório e claro que o pavor
como discurso não estava só na fala da imprensa, logo, o medo das multidões
também não. Isto mostra que as migrações, acima de tudo, estavam inseridas
no contexto do controle social dos sertões, justificada pela noção de que os
sertanejos, inevitavelmente, praticariam roubos e depredações.
No entanto, por mais que se desejasse manter o sertanejo no sertão, a
desorganização de tal medida fazia com que a IFOCS enviasse retirantes para
outros estados do Sudeste ou Norte do país. Neste trecho, Américo de
Almeida falava da importância de um deslocamento sistematizado dos
retirantes para São Paulo: “verdadeiro oásis” para “a irrupção do mal” que
eram as levas de retirantes. Kenia Rios ainda assinala que “enviar agelados
para outros Estados fora um recurso largamente utilizado pelas
administrações públicas nas secas anteriores”1127.
Sueli de Castro Gomes explica que dentro dessa perspectiva, “a
representação do Nordeste associada ao atraso, à pobreza, à miséria, e na
outra ponta, o Sudeste, que representava o motor da economia, a imagem da
modernidade, camu ou a dinâmica regional que permite a compreensão da
mobilidade dos nordestinos para São Paulo”1128. Isto significa, de acordo com a
autora, que no Nordeste houve, portanto:

[...] uma concentração fundiária, concomitante à modernização do campo somada às mudanças


nas relações de trabalho e de poder, provocam uma grande expropriação e estimulam a grande
emigração, agravadas nos ciclos das secas. Nesse mesmo tempo, o Centro-Sul se transforma
em um grande polo de atração pela dinâmica de sua economia1129.

Vale destacar um fato importante sobre essa chegada dos retirantes. No


Correio da Manhã de 14 de abril de 1932, em uma reportagem intitulada “À
procura de uma solução para o problema das secas”, havia um telegrama do
interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, em resposta a um pedido de
Américo de Almeida para o encaminhamento de trabalhadores nordestinos à
São Paulo. No telegrama, o estado impunha duas condições para a migração
dos sertanejos: aptidão para o trabalho agrícola, verificados diretamente pelo
Departamento de Trabalho Agrícola Paulista; e que o estado não faria outra
despesa senão alojar os sertanejos. As despesas com deslocamento de ida e de
volta e fiscalização dos portos ficaria a cargo do governo federal. Ao mesmo
tempo, os trabalhadores que embarcassem em Santos deveriam vir em
número de 120 pessoas, com intervalo de, pelo menos, quatro dias. Caso
precisassem enviar levas maiores que os mandassem para a Hospedaria da
Ilha das Flores no Rio de Janeiro. O interventor paulista ainda colocou no
telegrama que seria difícil a adaptação do sertanejo ao clima local. Em
resposta, Américo de Almeida disse que o governo federal mandou suspender,
devido as tais imposições, o transporte de sertanejos para o sul. Como a
situação era emergencial não caberiam tais regras1130. Ou seja, São Paulo, por
exemplo, não desejava receber também um grande número de trabalhos
sertanejos. Havia um impasse nesse sentido, por vezes, justificado por uma
visão determinista sobre essa população que podia não se adaptar à região, ou
mesmo por questões políticas e econômicos para o uso dessa mão de obra.
Neste aspecto, podemos pensar que clima, meio, raça, novamente,
configuravam ainda neste contexto a forma como se pensava o sertão e sua
população.
Sobre o que fazer com essa população, no relatório da IFOCS, ainda
mencionava-se:

Art6º – Durante as seccas prolongadas, a Inspectoria installará hospedarias de “retirantes” em


zonas de cada Estado não sujeitas aos e eitos da calamidade, de onde, após os primeiros
socorros, os encaminhará para as colônias de trabalhadores, de que trata o art 4º do decreto
n.19.726, de 11 de fevereiro corrente, e para outros serviços públicos e particulares.
Art 7º – Serão fornecidos transportes aos “retirantes” que desejarem installar-se nas
hospedarias e colônias agrícolas, bem como os que, depois de passada a calamidade, queiram
voltar aos logares de origem1131.

Trata-se, nesse sentido, de compreender que existiu também uma lógica de


pensar e reafirmar outro tipo de dominação sobre o sertanejo por meio das
migrações subsidiadas ou mesmo dentro das Hospedarias citadas no art 6º da
IFOCS. Podemos re etir que ao dar trabalho em outras áreas, como São
Paulo, se podia com essa medida controlar a população para que não se
rebelasse contra a situação de miserabilidade. Ao mesmo tempo, também era
uma forma de agradar um empresariado paulistano, os cafeicultores mais
especificamente, que podiam obter uma mão de obra barata a ser explorada
sem grandes preocupações. Assim como, colocá-los nas Hospedarias em
regiões não afetadas pela seca também os manteria sob controle, e como dito,
quando chegavam em São Paulo ainda eram deslocados para as Hospedarias
de Imigrantes: “Na Hospedaria, os nordestinos pernoitavam por um ou dois
dias, eram submetidos a uma triagem que consistia em verificar seus
documentos, suas condições de saúde e o local de destino”1132. Ou seja, mais
uma vez, o sertanejo era explorado pelo processo de urbanização que ocorria
em diversas capitais do sudeste e também de Fortaleza, sendo mão de obra
explorada e controlada em tempos de crise. Porém, cabe salientar que:

[...] alguns sertanejos resistiam à ideia da emigração para outros estados. Preferiam permanecer
na Capital, pois, desse modo, o retorno para o Sertão tornava-se mais viável. Por outro lado, é
preciso lembrar que a emigração fazia parte das estratégias de sobrevivência. Muitas vezes, os
retirantes percebiam que não havia outra saída e aceitavam as passagens do Governo para
outros Estados1133.

Além disso, destaco a própria resistência sertaneja às migrações forçadas,


sendo ela um sujeito não passivo nesse processo. Por isso, Américo de
Almeida continuava também com a estratégia de enviá-los para a Amazônia,
mas e, principalmente, concentrá-los em seus lugares.
O engenheiro civil Piquete Carneiro, em um dos seus relatórios da IFOCS,
dizia:

[...] Si, porem, chegado ao termo desse período, as chuvas falham e as reservas escasseiam,
então o bravo sertanejo, por natureza resignado, torna-se aprehensivo; e a, cada noticia de
rezes cahidas, ou mortas de fome, presente, com tristeza, o próximo abandono da choupana e
a dolorosa “Retirada”, em busca de um socorro publico sempre tardio e falho, pois não evita
atrozes so rimentos sobretudo às crianças, nem previne futuras calamidades1134.

A crítica do engenheiro, que se dá às retiradas e aos socorros tardios, vem


acompanhada de termos fatalistas e dramáticos para com a figura do
sertanejo: “bravo sertanejo por natureza resignado”, vê a natureza animais
mortos ou mortos de fome; e era com tristeza que, assim, ele abandona sua
choupana. Ora, também interessa aqui a forma como se dispõe o discurso, que
justificava as próprias intervenções no período de seca. Era a IFOCS que
organizaria a desordem do atroz sofrimento em que viviam as populações,
sobretudo as crianças, como coloca o engenheiro.
Já foi visto como era comum a imagem de crianças barrigudas, famélicas e
esqueléticas para retratar os sertões do século XIX. Isso se fixou no imaginário
do semiárido e das retiradas das populações e suas famílias, homens, mulheres
e crianças vistas como andrajosos a caminhar a esmo em um futuro “que não
previne as calamidades”. Kenia Rios, mais uma vez, analisa que esse contexto
estava fortemente marcado por esse deslocamento de inúmeros sertanejos
para as cidades que levava “o pânico dos ricos diante do agelo que se
aproximava; as medidas do Governo para conter ou amparar o agelado; as
obras em andamento na cidade; o emprego dos agelados nessas obras; os
diferentes discursos sobre a necessidade de controle dos pobres”1135. Sobre isso
colocava o Boletim da IFOCS:

Mais cedo e por menor custo vos daria o açude “Choró”, Sr. Inspetor, se ele não começasse
numa ocasião em que a população proletária do Nordeste, faminta, esquelética, sedenta e
doente, fazia longas caminhadas, implorando a caridade de um pão, desorientada pela
irreverência de um céu absolutamente escampo e desenganador; desesperada a olhar e a pisar
uma terra ressequida – vestida de gravetos, cinzenta e quase morta – sem nada lhe poder dar1136.

No trecho citado, fica clara a ideia de um discurso fatalista e que colocava na


população sertaneja diversas adjetivações. Isso revela que o olhar sobre a vida
no sertão legitimava como a IFOCS aplicaria suas demandas e suas políticas
públicas. Diante de um país que tinha no semiárido nordestino ora a
autenticidade da nação, ora a visão do atraso, re etir sobre como um discurso
se pautava em certos enunciados é de suma importância. Estes enunciados
geram ações, o que elucida, então, a compreensão da história do próprio
Nordeste enquanto invenção do espaço.
Interessa-me entender como o discurso coloca no poder uma classe e põe em
ação uma ideia, uma visão de mundo, uma noção específica sobre uma dada
sociedade. Aqui o discurso sobre o espaço torna-se um campo de disputa pelo
poder e pelo domínio do mesmo. O controle social do território e dos corpos
que o habitam é constitutivo de uma visão que reduzia o Nordeste ao espaço
da semiaridez; tendo um significado negativo e pejorativo sobre a região. Com
essas noções, se via no semiárido um lugar impossível de se conviver com a
natureza e seus recursos próprios.
Quando a IFOCS reverberava palavras como população “faminta”,
“esquelética”, “sedenta”, “doente”; e expressões como: “longas caminhadas”,
“implorando caridade”, “desorientada irreverência de um céu absolutamente
escampo e desenganador”; “a pisar uma terra ressequida”, “quase morta – sem
nada lhe poder dar”, mais uma vez colocava na população e na natureza as
consequências do êxodo e de sua própria condição de vida. São formas de
dispor as palavras em um dado discurso imbuídas de significado e de
intenções. É como se visse, novamente, as narrativas dos jornais os quais
analisei neste livro. Ou mesmo, a narrativa de alguns intelectuais que, de
alguma maneira, ainda estavam envolvidos em visões deterministas e
fatalistas sobre os sertões (mesmo que em 1930 os valorizasse enquanto o
lugar da autenticidade brasileira).
No trecho assinalado, o sertanejo novamente é chamado de proletário.
Reitero mostrar como essa mudança de nome é importante para evidenciar
uma tentativa de diferenciação em relação a sua própria atuação e modelo de
vida de trabalhador rural. Esse é um dado que se deve ressaltar e ressignificar
neste tipo de discurso. Assim como, a narrativa de pessoas doentes,
depauperadas migrando a esmo é também importante para se entender o que
ressalto aqui: o que se tinha, na realidade, era “o medo das multidões”.
Kenia Rios coloca duas questões importantes: “Diante do pânico, as classes
dominantes discutiam os planos para o controle sistemático dos retirantes”1137.
E dentre eles está também a emigração para outros Estados. “Essas estratégias
de controle e isolamento estão abordadas a partir dos embates e con itos
entre as classes dominantes e os agelados ou polêmicas entre os próprios
ricos”1138. Por isso, regular as migrações para outros estados, conceder obras
públicas, criar hospedarias e campos de concentração, faziam parte da luta
pelo controle dos sertanejos e do sertão. Isto perpassa a narrativa da IFOCS,
cria noções errôneas sobre a seca e não coloca em questão as verdadeiras
causas do semiárido viver sob essa condição. Assim, quando a IFOCS
consolida esse tipo de narrativa, coloca em questão como o discurso legitima
um dado poder.
Bakhtin nos convoca a pensar a relação entre o locutor e o outro que recebe
o enunciado. Pensemos, nesse sentido, que a IFOCS ao escrever seus relatórios
estava dialogando com seus pares. Desejava fazer valer sua fala a fim de
colocar em prática seus projetos. A maneira como são escritas as discussões
que a Inspetoria descrevia em todo seu funcionamento não pode ser entendida
fora de um âmbito também simbólico-discursivo. O que se pretende
compreender é que a IFOCS como um locutor dentro de um diálogo, aqui
posto de forma dissertativa, queria obter uma resposta do seu ouvinte, ou
seja, de quem a lê (certamente o ministro da Viação ou o Presidente da
República). E a maneira como dispõe sua narrativa desejava atingir de
maneira específica o outro para quem ela falava.
Bakhtin explica que dentro de um processo de diálogo: “O locutor termina
seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão
responsiva ativa do outro. O enunciado não é uma unidade convencional, mas
uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos
falantes, e que termina por uma transferência da palavra ao outro”1139. Isso
significa analisar o boletim da IFOCS dentro dessa necessidade dialógica. Ou
seja, a IFOCS escrevia para os seus pares, desejava obter respostas, fazendo-se
valer de recursos discursivos específicos para tal intento. Por isso, “nos limites
de um enunciado, o locutor (ou o escritor) formula perguntas, responde-as,
opõe objeções que ele mesmo refuta, etc.”1140.
Nesse sentido, é necessário entender que os enunciados da IFOCS têm ação
efetiva e concreta, gera respostas e formas de ver e agir nos sertões. O mesmo
se passou em NOA e em Santiago del Estero. A JUNALD também considerava
em seus relatórios mostrar uma conjuntura e colocar em prática, a partir de
um tipo de narrativa, políticas públicas para o interior e para o semiárido
argentino. A ação da Junta se deu principalmente no deslocamento dos
santiagueños para outras áreas, “el traslado de obreros”. Aqui, efetivamente, se
acreditou que essa era a melhor forma de conter quaisquer vícios de
mendicidade ou mesmo de ocupar os braços da população do interior de NOA
em áreas onde obtivessem trabalho. A JUNALD dizia:

El segundo de esos puntos se llevó a la práctica, en primer lugar, con el traslado de braceros
que se hallaban sin trabajo en la provincia de Santiago del Estero, que fueron conducidos a la
de Santa Fe para trabajar en la cosecha. Estos traslados se hicieron a pedido del señor
Gobernador de Santiago del Estero y después de haberse comprobado que el particular interés
este capítulo, ya que se advierte en él posibilidad de encauzar con provecho las corrientes de
trabajo, facilitando a determinadas provincias o territorios el obrero que mejor puede
contribuir, por su origen o por sus conocimientos, al progreso de las actividades propias de la
región a que se le destina1141.

Antes de tudo, pensemos, mais uma vez, na própria questão construída na


Argentina em relação ao desemprego. Em 1930, como analisa Claudia Daniel,
consagrou-se outras ferramentas e construíram-se novas representações sobre
o desemprego. Para ela, nesse sentido, parece haver certa concomitância entre
as crises, como as de 1929, e os momentos chaves na construção de
representações estatísticas sobre o desemprego1142. O que de fato relacionava-
se também com a forma de se repensar o lugar da mão de obra rural, ainda
mais em período de crise. Daniel analisa que em 1930 o emprego é visto como
questão social. O interesse político recaía, fundamentalmente, em estabelecer
a distribuição geográfica do desemprego porque o que se reclamava ao Estado
era uma política integral de luta contra a falta de trabalho1143. Isto se deu,
portanto, no deslocamento de santiagueños. Daniel explica que isso se deveu
porque a crise se combinava com o ressurgimento da direita nacionalista na
Argentina1144. Eram forjadas, então, categorias de representação necessárias
para a formulação de políticas públicas mediante as classificações do
desemprego.
Assim colocava a JUNALD no trecho acima, evidenciando a importância de
levar os trabalhadores santiagueños a outras regiões como Santa Fe, para
trabalhar na colheita. Havia, portanto, como descreve o fragmento, a
possibilidade de canalizar uxo de trabalho, facilitando para determinadas
províncias ou territórios o trabalhador que podia contribuir quer por sua
origem ou quer pelo seu conhecimento, para o progresso das atividades da
região a que ele se destinava. Ora, com esse tipo de narrativa se amenizava a
própria seca enquanto problema social (vide que neste contexto a seca já
estava ocorrendo) e, além disso, se minimizava as próprias questões internas,
que faziam com que os santiagueños migrassem antes mesmo das
consequências da crise de 1929 no país.
Como aponta Alberto Tasso, a grande seca de 1937 mudou diversas questões
no país. Inaugurou a “adiada consciência do interior”, em um estágio em que
Buenos Aires havia crescido às custas da migração interna1145. O autor mesmo
coloca que as migrações são reguladoras do sistema socioprodutivo. Assim
também, tal como ocorreu no Ceará, entendo as migrações santiagueñas
dentro da própria lógica do capital-trabalho. Ou mesmo, como analisa
Quijano, nas relações entre raça/trabalho.
Em outro trecho do mesmo documento datado de 1936, a JUNALD
agradecia a colaboração da empresa Ferrocarril Central Argentino:

[...] a su cargo un tren especial de Santiago del Estero a Santa Fe, transportando braceros para la
cosecha de maíz, y ortogó fuertes rebajas en la traslación de desocupados enviados para sus
líneas desde Buenos Aires a Santa Fe, con destino al Chaco. Debe destacarse especialmente el
espíritu de colaboración de esta Empresa, que ya había tenido ocasión de demostrarlo al
efectuar donaciones de durmientes para ser utilizados como combustible en el Albergue
Oficial Nº11146.
Ou seja, diversos interesses estão por trás das migrações internas de braços
santiagueños. Desde as empresas ferroviárias que, certamente, lucravam e
estavam em colaboração direta com o Estado nesse contexto, bem como as
províncias que se beneficiavam com a mão de obra de Santiago. Pode-se
pensar, nesse aspecto, aquilo que Alberto Tasso está re etindo sobre a região
quando diz que houve uma combinação de uma agricultura familiar com uma
economia popular. Girbal-Blacha explica que o translado de braceros, que são
trabalhadores do campo que emprestam seus braços e sua força de trabalho a
outra pessoa em troca de dinheiro, era uma das atividades mais frequentes da
Junta. Ela buscava especialmente a realocação no Norte do país daqueles que
estavam sem trabalho1147.
Em resposta ao questionário da JUNALD, o diretor do Departamento
Provincial del Trabajo (DPT), Amalio Olmos Castro1148, colocava em seu
relatório:

Trata, después, de los trabajos rurales, señalando que no menos de 50.000 obreros son
peregrinos de brazos para las faenas agrícolas y forestales de Santa Fe y Chaco y cosechas de
Córdoba y Buenos Aires y para las zafras de Tucumán, Salta y Jujuy. “Así ocurre anualmente –
se agrega – como en las escenas bíblicas, el éxodo de las primeras poblaciones de la tierra.
Grandes caravanas compuestas de familias de trabajadores, confundidos hombres, mujeres,
niños y animales, que se orientan hacia los lugares de trabajo. Este movimiento de fuga, en
dirección a supuestos terrenos de labor, origina un cúmulo de trastornos de todo índole. Basta
mencionar los quebrantos de carácter económico; los de lamentable contenido social y
humano, tal es el retroceso en la cultura por la falta de instrucción escolar de los numerosos
niños que integran esas masas nómades; en fin, todos los problemas negativos que crea una
súbita despoblación1149.

Olmos Castro criticava a peregrinação de braços santiagueños para outras


localidades. Assemelhava tal ocorrido às cenas bíblicas do êxodo: grandes
caravanas compostas de famílias de trabalhadores homens, mulheres e
crianças em um movimento de fuga, narrava Castro na citação acima. O que
originava, assim, transtornos de toda índole, e criava o súbito despovoamento
de massas nômades.
Girbal-Blacha analisa que desde o século XIX a exploração orestal existe
em Santiago del Estero, bem como em outas áreas de NOA. “The Forestal
Land, Timber, Railways and Co. Ltd.”, dominava a exploração e
comercialização da madeira quebracho com destino a Europa (Alemanha) e
para os EUA. Isto ocorria no chaco santiagueño, onde se extraía dos seus
bosques – penetrados pela ferrovia e por meio da “obraje” – “leñas, postes y
durmientes” para o mercado interno, com a participação de investidores da
pampa úmida, que aproveitaram da ausência de uma burguesia preexistente
para avançar sobre as regiões marginais1150.
Também refiro-me a um contexto em que, de acordo com Girbal-Blacha , o
Estado subsidiava cada vez mais e agora institucionalmente o agro. Os
produtores se amparavam nos alcances dessa política que os beneficiava para
continuar em suas explorações sem fazer uso alternativo da diversificação
produtiva1151. Deixa-se evidente, portanto, que se deve pensar a migração
dentro de outro âmbito para além de uma via crucis de uma população em que
resta apenas, para sobrevir, a migração para outras áreas. Tal narrativa
diminui o real problema da exploração aos pequenos produtores e suas
famílias. Naturaliza-se tal condição por meio de um discurso de vitimização da
sociedade santiagueña, tal como vimos inúmeras vezes para o caso cearense.
A conjuntura social, política, econômica deve ser pensada quando analisamos
uma narrativa com essas expressões e o uso de certas palavras em detrimento
de outras.
Em outro trecho da resposta do diretor a JUNALD que vamos analisar aqui,
ele alega justamente o fato da terra estar nas mãos de poucos, o que seria a
razão da vida nômade.
Bakhtin ao fazer a análise de uma obra, e aqui nos apropriamos de suas
ideias para compreender este relatório feito para a JUNALD, expõe a seguinte
questão: “A obra, assim como a réplica do diálogo, visa a resposta do outro
(dos outros), uma compreensão responsiva ativa, e para tanto adota todas as
espécies de formas: busca exercer uma in uência didática sobre o leitor,
convencê-lo, suscitar sua apreciação crítica, in uir sobre êmulos e
continuadores, etc.”1152. A justificativa para a intervenção da JUNALD ou do
Estado argentino para a província santiagueña se fazia notória. Se houvesse o
deslocamento, que fosse realizado com uma medida de ordem, controle e
sistematização, para que não ocorresse a promiscuidade de uma debandada a
esmo.
Judith Farberman elucida a questão das migrações com um exemplo: em
1786 e em 1807 as migrações santiagueñas já existiam, bem como ao longo de
toda história da província. De um lado havia a história dos migrantes que iam
para Buenos Aires e outros pontos do espaço rio-platense, e, do outro, como
coloca a autora, de suas famílias que esperavam ali o retorno do seu familiar.
Farberman salienta que esse tipo de migração existe desde a conquista
espanhola e se prolonga até os dias atuais (como vimos na década de 1930, na
seca de 1937), tratando-se de um processo de longuíssima duração. Farberman
está preocupada em analisar a região de Santiago conhecida como pueblos de
indios1153, especificamente Soconcho e Matara, nos dois anos mencionados
acima, analisando as diferenças e permanências existentes em 1786 e 1807, as
condições que levavam essa região a ser uma área que expulsa e, assim,
descobrir as estratégias migratórias adotadas e as redes de parentesco1154. A
autora aponta também que o uxo de tipo estacional já existia e era
exclusivamente masculino, ligado ao clico agrário, e muito dele ainda era
visto neste contexto de 1930.
Aqui interessa-me particularmente entender, a exemplo da análise de
Farberman, que a migração no território santiagueño é um dado que perpassa
sua formação enquanto região e é marca da sua população. Ou seja, uma
relação que existe não só no campo do discurso (se justificava de diversas
maneiras essas migrações e, por vezes, como analisado neste trabalho, tal
fator parecia uma condição natural da população santiagueña), mas que se
efetivava na prática com a política pública dos deslocamentos sistemáticos
pela Junta. A JUNALD tomava para si as rédeas das migrações. Em
contrapartida, poupava qualquer crítica maior a Buenos Aires com o fato de
Santiago del Estero não conseguir, dentro das suas diversas potencialidades,
manter o santiagueño mais pobre, o pequeno produtor, em sua região.
Logo, independente da crise de 1929 ter afetado a Argentina, o camponês
santiagueño vive o dilema de sair de sua terra para trabalhar nos engenhos de
açúcar de Tucumán, por exemplo, para voltar depois da colheita. Da mesma
forma ocorre nas retiradas dos sertanejos cearenses. Apesar da seca tornar-se
um dado impulsionador das migrações (principalmente, quando ela dura dois
a três anos), os cearenses também migram pelas péssimas condições de vida.
Não é natural da personalidade dos cearenses e santiagueños migrarem. O
deslocar-se faz parte de uma conjuntura social, política e econômica que deve
sempre ser problematizada. Olmos Castro dizia, ainda:

Estos hombres de campo, con la tragedia de su pobreza, y no pocas veces con las angustias del
hambre y de la sed, sin cultura, carentes de hábitos de ahorro e indolentes por naturaleza,
malgastan el producto de sus energías en las proveedurías y en una vida de orgía y de
promiscuidad a que se les condena, a vista y paciencia de las autoridades. Y no paran aquí las
cosas. Cuando las faenas terminan y llega el momento de regresar a sus lares, estos
trabajadores, no sólo no traen parte alguna del fruto de su trabajo, sino que retornan al seno
de los suyos, abandonados por largos meses de ausencia, con la tara de un paludismo contraído
en el medio insalubre donde trabajan, cuando no, con síntomas evidentes de tuberculosis de
origen alcohólico o de enfermedades de carácter específico. Dada la idiosincrasia de nuestros
obreros, los poderes públicos deben tomar medidas para salvarlos y defenderlos,
contribuyendo así a formar una raza fuerte y una población digna 1155.

A fala do diretor é emblemática, porque apesar de ser um grande defensor


da causa do trabalhador rural santiagueño, algumas de suas palavras podem
levar a reafirmar certas estigmatizações em relação a população, mesmo que
tenha feito uma crítica as migrações. Disse ele no trecho acima: Esses homens
do campo, com a tragédia de sua pobreza, e não poucas vezes com as
angústias da fome e da sede, sem cultura, indolentes por natureza, viviam
uma vida de orgia ou de promiscuidade. Ainda dizia ele: Quando retornavam
das migrações traziam consigo um defeito físico como o paludismo contraído
no meio insalubre onde trabalhavam, ou mesmo com sintomas de tuberculose
de origem alcoólica. Deviam os poderes públicos, então, para Olmos Castro,
tomar medidas para salvá-los e defendê-los, contribuindo para formar uma
raça forte e uma população digna.
Não proponho dizer que a luta promovida por Olmos Castro não tenha de
fato ocorrido, o que interessa também é pensar como a partir dela algumas
visões sobre o rural acabavam por estereotipar a população. Olmos Castro
defende que haja uma postura para que população rural seja assistida, mas o
uso de algumas palavras parece carecer de uma visão menos estereotipada
sobre os santiagueños.
Bakhtin ressalta a importância de analisar qualquer tipo de enunciado:

Em qualquer enunciado, desde a réplica cotidiana monolexemática até as grandes obras


complexas científicas ou literárias, captamos, compreendemos, sentimos o intuito discursivo ou
o querer-dizer do locutor que determina o todo do enunciado: sua amplitude, suas fronteiras.
Esse intuito determina a escolha, enquanto tal, do objeto, com suas fronteiras [...] e o
tratamento exaustivo do objeto do sentido que lhe é próprio1156. [grifo do autor]

Isso quer dizer, considerando a teoria de Bakhtin, que a IFOCS e a JUNALD


apresentam uma especificidade em seus discursos, um “intuito discursivo”, um
“querer-dizer”. Significa, também, que a resposta de Olmos Castro está
intimamente inserida nessa escolha enunciativa. A forma com que as palavras
são postas, no trecho mencionado, está carregada de um querer-dizer do
locutor. Tratar em uma narrativa um tipo de olhar sobre a população
santiagueña faz parte do intuito discurso, sobretudo e inclusive, o fato do
governador ter se valido do tema da migração, caro à região, faz parte de uma
escolha do objeto e da amplitude e do tratamento exaustivo que é dado ao
mesmo dentro do discurso. Isto não só é parte da narrativa do governador,
mas também do próprio contexto em que a JUNALD está inserida e que
analiso aqui.
Considero, novamente, o papel do Estado nestes aspectos mencionados.
Bourdieu fala de um “alongamento das cadeias de autoridade”1157, que para ele
pode descrever a gênese de algo como um público, “isto é, uma força de poder
em que cada detentor de poder é controlador e controlado”1158. Isto porque, “o
exercício do poder é dividido entre pessoas interconectadas e unidas por
relações de controle mútuo”1159. Mais ainda, a gênese do Estado moderno,
fundamenta-se justamente nos conjuntos de campos: o jurídico,
administrativo, intelectual, político e que “cada um desses é o lugar de lutas
específicas”1160.
Busco evidenciar que as falas desses organismos vinculam-se, certamente, a
um campo de forças, que constitui, inclusive, o próprio Estado. Entender seus
discursos, é colocar em questão a centralidade estatal e também como essas
instituições se colocam frente a ele. Devemos pensar, então, que a IFOCS, a
JUNALD e até mesmo Olmos Castro fazem parte de um campo intelectual,
político, administrativo e que esses campos podem concorrer uns com os
outros. Quer dizer, a partir disso, se cria “uma espécie de poder ‘metacampo’
encarnado pelo Estado”1161. A IFOCS e a JUNALD se configuram, de fato,
como um metacampo. Porque podem se caracterizar dentro daquilo que
Bourdieu explica como um “um espaço de poder diferenciado”1162 e que ele
chama de “campo do poder”.
Ora, se esses dois organismos estatais, dentro dos seus campos, aplicam
políticas públicas, delegam demandas, intervém nos espaços do Ceará e de
Santiago del Estero, eles também fazem parte da estrutura da gênese do
campo de poder da qual fala Bourdieu. Mesmo que não tenhamos tratado
aqui, a IFOCS e a JUNALD foram formadas por um corpo técnico que
pensava essas regiões e seus próprios países. Logo, essas pessoas que
corporificavam essas instituições pertenciam a um campo de poder, “isto é,
um espaço diferenciado dentro do qual os detentores de poderes diferentes
lutam para que seu poder seja o poder legítimo”1163. Dentro disso, o Estado é o
metapoder “capaz de agir sobre os diferentes campos”1164. Se proponho
entender onde se colocaram a IFOCS e a JUNALD como formuladoras de
visões sobre os semiáridos cearenses e santiagueños, também se faz necessária
essa re exão sobre o poder que as mesmas exerceram, de certo modo, sobre
essas regiões, dentro desse metacampo apontado por Bourdieu, e que é
fundamento da gênese estatal.
Retomo o caso argentino. Girbal-Blacha analisa, que a trajetória percorrida
desde os tempos da Argentina Moderna de finais do século XIX mostra as
curvas e a heterogeneidade do processo de identidade nacional, como parte da
organização do território com base rural e agroindustrial. A autora chama a
Argentina de “país embudo”1165 (embudo significa um funil), que convergia em
direção à cidade de Buenos Aires e manteve transcendendo os aportes da
burocracia técnica que tiveram especial significado nos anos de 1930. Nesse
sentido, para Girbal-Blacha, as desigualdades regionais, que aqui neste tópico
se expressam nas migrações e não em um modo da população santiagueña se
comportar ou viver, mostravam uma forma de organização territorial
dominada pelo modelo agroexportador. Suas consequências, para além das
ações do Estado e das políticas públicas implementas, re etiram as decisões
adotadas desde a cúpula do poder1166.
Trata-se de reafirmar que na Argentina desse contexto o Estado amplia suas
funções e cria outras novas para responder a uma realidade em processo de
mudança. Os atores políticos deviam adaptar-se e o fizeram apelando a novas
ideias, ainda que na Argentina persistissem os velhos atores políticos como
seus introdutores e executores. O novo e velho conviviam; uniam-se, assim, ao
intervencionismo estatal, como analisa Luis Ernesto Blacha1167.
Logo, é importante pensar no discurso de Olmos Castro e da JUNALD,
considerando quem estava à frente nessa Argentina dos anos 1930 e a quem
interessava pensar as províncias como a santiagueña a partir dessa
perspectiva. Como assinala Blacha, a sociedade argentina dos anos 1930 se
move ao impulso das migrações internas do campo para as cidades1168.
Assim, Olmos Castro prosseguia:

La pequeña propriedad rural no tiene en Santiago del Estero el arraigo que merece; las zonas
agrícolas están en manos de unos cuantos centenares de personas y los campos en la de un
cenar de terratenientes. Diez propietarios posen extensiones mayores de 50.000 hectáreas y
cien, mayores de 20.000, que sólo especulan en la valorización de la tierra, y esto es lo que
constituye el principal motivo por el que poblaciones enteras por falta de tierras y elementos
necesarios para sus actividades, llevan una vida nómada [...] El pequeño propietario agrícola,
dueño de extensiones hasta de 30 hectáreas, que es en todos los ambientes principal factor de
progreso y de arraigo, brilla por su ausencia en esta tierra de promisión1169.

Como analisado, o diretor pedia ajuda a JUNALD para as migrações,


mesmo reconhecendo nelas um problema. Nesse fragmento, o diretor critica o
fato de as zonas agrícolas estarem em mãos de algumas pessoas: dez
proprietários possuíam extensão maior que 50.000 hectares e cem maiores que
20.000, e esse é o fator que faz com que a população, por falta de terras e
elementos necessários para suas atividades, leve uma vida nômade. Esse
pequeno produtor que poderia ser fator de progresso é que se ausenta desta
terra de promessas (de prosperidade). Viu-se que, ao contrário, ao menos nos
relatórios aqui analisados, a JUNALD pouco questionou a grande propriedade
ou a concentração de terras. Logo, não tornou-se um tema crucial para
políticas públicas, tal como as migrações subsidiadas.
Ressalto aqui que a oligarquia retoma seu lugar na política e é o
empresariado agroexportador que detém grande vínculo com o Estado
intervencionista de Justo. Como apresentava Olmos Castro:

Colocar la propriedad rural al alcance de la clase trabajadora, es elevar su condición y difundir


su bienestar, a la vez que se procura la estabilidad del obrero campesino y el éxodo de la ciudad
a la campaña, pues sólo pueden ocuparse en mejorarlo aquellos que saben que es suyo y será
suyo el pedazo de tierra que trabajan afanosamente1170.
Girbal-Blacha analisa que em relação à desocupação no meio rural, a Junta
acreditava que o governo não estava em dívida com aqueles que poderiam se
orientar como produtores através da colonização. A mesma, então, pensava a
colonização agrícola por meio dos desocupados. Foi aí, de acordo com a
autora, que Santiago del Estero acordou uma extensão de terra de 20.000
hectares para serem usados com essa finalidade1171. Sobre isso, o relatório da
JUNALD dizia em 1936:

La provincia de Santiago del Estero, por intermedio de su Honorable Legislatura y pedido del
señor Gobernador, doctor Castro, es la única que ha colaborado en forma positiva, acordando
la Junta una extensión de tierra de 20.000 hectáreas, que todavía no ha sido debidamente
ubicada a los efectos del deslinde, mensura y amojonamiento. En cuanto se pueda disponer de
la tierra donada, la Junta realizará los estudios necesarios para llevar a cabo su proyector de
colonización1172.

Vê-se, portanto, que a questão colocada por Castro sobre a propriedade rural
é a temática central sobre o desemprego e sobre o êxodo rural santiagueño. É
válido estender nossa análise ao relatório de 1939 para que possamos traçar
um panorama do que a JUNALD agregou a sua fala dos anos anteriores,
incluindo, a narrativa de Olmos Castro. Neste relatório, já se observa uma
crítica maior ao êxodo, de maneira mais contundente do que realizar o
translado da população do campo. Neste contexto, se juntariam esforços para
manter o trabalhador rural nos seus lugares. A Junta colocava, nesse aspecto,
as seguintes proposições:

a) Que el éxodo de la población rural, comprobado en la República Argentina como un


proceso constante, de acuerdo a los índices decrecientes que se observan periódicamente con
relación al crecimiento general de la población del país, plantea un grave problema que afecta a
la economía integral de la Nación y especialmente a las actividades agropecuarias, que no
mantienen un ritmo paralelo con el crecimiento general.
[...]
c)Que es imprescindible reaccionar contra este proceso que provoca un grave desequilibrio en
la evolución del país, en punto al desarrollo de sus características fundamentales y básicas con
relación a las riquezas y actividades agropecuarias, para lo cual es necesario coordinar el
proceso de crecimiento de la población con una justa distribución de sus habitantes, de modo
que se produzca una corriente normal demográfica, de acuerdo con las características del
territorio argentino y de las condiciones de su rendimiento económico1173.

O trecho trata do êxodo rural como um problema a ser combatido pela


Argentina, pois ocasionava um grave problema econômico para o país e um
grave processo de desequilíbrio; sendo necessária uma justa distribuição de
seus habitantes.
Tasso explica que em Santiago del Estero se via, no início dos anos 1940, por
exemplo, uma crise econômica que, conjugada às secas, fazia aparecer as
insuficiências do sistema de irrigação e as demoras do Estado em afrontar as
obras de melhoria e distribuição, que já eram necessárias em meados dos anos
19201174. Ou seja, devemos ir além do próprio fator do “mal do desemprego” e
do “mal do êxodo” como as demandas principais que colocavam a região em
um patamar de “pobreza” e desigualdade social.
Em Santiago del Estero, para se pensar as migrações e o próprio desemprego
de parte da população que vivia da terra, se faz necessário entender alguns
pontos que fazem parte da sua história: a) a entrada das ferrovias e o
empresariado que é atrelado a ela; b) a exploração da madeira (quebracho)
principalmente por empresas inglesas; c) a concentração de terras que faz com
que a população tradicional do campo passe a viver com uma elite
latifundiária, principalmente, após a entrada da modernidade; d) a própria
seca que faz parte da geografia do lugar, mas é pouco atacada pelos poderes
públicos; e) por fim, a insuficiência na distribuição da água e do sistema de
irrigação.
Logo, as visões simplistas e pontuais da sociedade argentina para com NOA,
ou mesmo às correlações de forças entre o governo e a elite local, não trazem
à tona tais conjunturas em que viviam boa parte do Noroeste, incluindo
Santiago, como ratificado em todo este trabalho. Em algumas falas se pontua o
problema da falta de terra para o trabalhador rural, mas isso não implicava
que as estruturas vigentes seriam mudadas. Em 1939, e como analisa Tasso
para 1940, ainda se discutia as questões de terra na região. Nesse sentido,
declarava mais uma vez a Junta:

1º Que es indispensable y de imperiosa necesidad que, de parte del Estado, se adopten las
medidas pertinentes para promover la radicación del trabajador rural y de su familia, en forma
que adquiera una constante estabilidad en la zona en que actúen, y se considere como un valor
positivo y permanente de la actividad agropecuaria respectiva.
[...]
4º Que el proceso de la radicación e intensificación de la población rural exige, por lógica
consecuencia, que se adopten todas las medidas que tiendan a asegurar al trabajador una
estabilidad, de modo que realice sus tareas sin que la contingencia de los riegos malogren sus
esfuerzos en forma definitiva, pues ésta es una de las causas principales del éxodo de la
población1175.

Era necessário para a Junta atacar as medidas pertinentes para promover a


radicação do trabalhador rural e de sua família. Medidas essas que
assegurassem estabilidade ao trabalhador. Mas é válido mencionar, como
aponta Girbal-Blacha que em matéria de desocupação rural, a entidade
acreditava que a mecanização das tarefas do campo, tanto quanto as pragas e
as variações climáticas, in uenciavam para que o desemprego crescesse.
Estimava ser necessário que o governo orientasse os produtores por meio da
colonização e, por essa razão, auspiciava que fosse criada uma Comissão
Nacional de Colonização1176. Em 1939, a Junta mudava de postura e dizia:

[...] apartado de la declaración establece como criterio general que el traslado sistemático y en
masa no es un sistema aconsejable como permanente, porque el hombre se desvincula del
hogar, pierde su arraigo, que es fuente de beneficios y de responsabilidad, y contribuye a
formar una masa uctuante, todo lo que es contrario a una buena organización de la sociedad.
El traslado continuo, por otra parte, da a las condiciones de empelo una falta de estabilidad
poco propicia para su mejoramiento y defensa del salario1177.

Logicamente que desde a criação da Junta, como vimos nos primeiros


documentos da mesma, até essa conjuntura, já era notório que o
deslocamento sistemático não contemplava das demandas internas do
desemprego rural. Tampouco podia ser pensado como forma de solucionar a
migração e, por conseguinte, “a massa utuante” que se dispersava em outras
regiões. Mesmo havendo diversos tipos de migrações internas, “permanentes”
e/ou temporárias, o problema geral da população, principalmente
santiagueña, como visto, estava articulado aos diversos outros fatores de causa
interna, conjuntural e histórica.
É possível re etir, mais uma vez, retomando às ideias dos capítulos segundo
e terceiro em que a população santiagueña em muito foi naturalizada como
migrante, que esse tipo de discurso também legitimou as políticas públicas. A
maneira como se pensava essa região ao longo de séculos consolidou uma
visão sobre os santiagueños, principalmente os do meio rural e do semiárido, e
as próprias instituições governamentais postularam assim medidas para
intervir nesses espaços.
Voltando aqui às principais metas da Junta desde sua criação até 1939, vemos
que pouco mudou: desemprego e migrações ainda passavam a ter o maior
enfoque para as áreas de NOA, como Santiago del Estero. A natureza e a
população local, ainda vistas como impeditivos para o progresso do território,
faziam com que a JUNALD reafirmasse seu papel de fomentadora de soluções
para a região. Como aponta Girbal-Blacha, com o transcurso do tempo as
evoluções realizadas acerca do controle social e seus nexos com o desemprego
não variaram. O desemprego conjugado à atividade agrária, como analisa a
autora, deve ser pensando dentro da função social da terra1178.
Refiro-me aqui, para a IFOCS e a JUNALD, a uma história de longa duração.
Por isso, podemos re etir, de acordo com German Palacio, que desde o modo
eurocentrista de conceber a América que se duvidava que nos trópicos
pudesse predicar-se história e civilização ou, se pudesse, seria inferior a
europeia1179. Esse fator geral sobre a história de países latino-americanos como
Brasil e Argentina é importante para se entender as conjunturas as quais me
propus a analisar neste trabalho. Estes países foram envolvidos pela ideia de
trópicos atrasados em relação a Europa ou aos EUA, como mencionado
anteriormente.
No século XIX, de acordo com Palacio, se entendia o trópico como uma
região doente com propagação de enfermidades e uma natureza infestada de
bichos, insetos e animais selvagens, pondo em perigo a saúde da
humanidade1180. Se a Europa via a América dessa forma, era necessário que a
mesma, aos olhos do outro, conseguisse mudar essa visão. Por isso, a
necessidade imperiosa de reinventar, a partir da visão europeia, a própria
sociedade brasileira ou argentina. Logo, a noção de civilização, para Palacio,
implicava uma espécie de condenação do trópico; e no século XX (após a
Segunda Guerra) surge a ideia de desenvolvimento que desafiava os trópicos
em sua aspiração transformadora1181.
Quijano, por fim, aponta, pensando em uma perspectiva global Europa,
América, Ásia e África, que houve uma colonialidade do controle do trabalho
“que determinou a distribuição geográfica de cada uma das formas integradas
no capitalismo mundial. Em outras palavras, determinou a geografia social do
capitalismo”1182. O autor refere-se a um nível maior da geografia social do
capitalismo na esfera da formação dessas regiões no mapa do mundo, e aqui,
uso esse conceito de Quijano, de uma geografia social do capitalismo, para
pensar áreas menores, numa visão micro, como Santiago del Estero e o Ceará,
na construção das nações brasileira e argentina. Ou seja, a organização
geográfica do trabalho, foi um tema caro à desigualdade regional existente
entre o interior do Brasil e da Argentina e o litoral, e fez parte também da
própria lógica capitalista de produção.
Podemos re etir se o êxodo rural também não se configurou nessa geografia
do trabalho, ou geografia social do capitalismo, que demanda um
investimento de distribuição do trabalho em certas regiões em detrimento de
outras. Já que a população do campo migra, principalmente, em busca de
salário, emprego e estabilidade de vida, há, portanto, uma organização
geográfica do trabalho que leva, inclusive, as desigualdades sociais entre
territórios, e as retiradas da população do rural.
Por fim, voltemos ao papel dos discursos. Chartier nos convida a considerar
“os esquemas geradores das classificações e das percepções, próprias de cada
grupo ou meio, como verdadeiras instituições sociais, incorporando sob a
forma de categorias mentais e de representações coletivas as demarcações da
própria organização social”1183.
Proponho pensar que foram justamente esses esquemas de representação
que formaram um certo olhar sobre os semiáridos cearenses e santiagueños
também por meio da JUNALD e da IFOCS. Deste modo, devemos analisar
“estas representações como as matrizes de discursos e de práticas
diferenciadas [...] que têm por objetivo a construção do mundo social, e como
tal a definição contraditória das identidades – tanto a dos outros como a
sua”1184. Esses organismos, portanto, não podem ser analisados isentos do seu
lugar também como propagadores de discursos que constroem uma
representação do mundo social e que interferem diretamente nele.

4.3 As visões de José Américo de Almeida e Pio Montenegro


sobre o Ceará e sobre Santiago del Estero
O Nordeste brasileiro e o Noroeste argentino tiveram, cada um à sua
maneira, figuras importantes que pensaram a região e disseminaram discursos
e visões sobre essas áreas. Em seus relatórios, boletins, falas em congressos,
encontros, e no Legislativo, tentaram fazer valer a voz das suas regiões. O que
desejo entender, por meio desses sujeitos, é como política, identidade
nacional, cultura, economia e território são esferas que estão unidas para se
pensar políticas públicas. Vamos pontuar de maneira breve e sintética as
trajetórias dessas figuras.
Não cabe aqui um estudo biográfico sobre os mesmos. Pelo contrário, eles
servem de exemplo – entre tantos outros – para que se possa entender que a
construção de um discurso institucional está “in uenciado” por diversas ideias
que já analisadas aqui e que estavam em voga no âmbito nacional, na fala da
imprensa, de outros intelectuais, de uma elite local e das capitais nacionais.
Todos esses pontos fazem parte da invenção dos espaços, da ideia criada sobre
uma população, seus costumes, do seu ser/estar no mundo, de sua
(des)legitimidade.
Todo território é espaço de disputa, que pode se construir de diversas
formas. Nesse sentido, como analisa Palacio, o Estado pode ser entendido
como uma entidade territorial, o espaço do Estado nacional. E isso está
relacionado às disputas sobre o território controlado pelo Estado. Como
exemplo há a mobilização de fronteiras internas, ou as divisões
administrativas. O território é concebido como uma quantidade abstrata,
como analisa Palacio, mensurável e suscetível de transferir-se por negociação,
por meios diplomáticos e por guerras1185.
Como analisa Palacio para o caso de uma visão eurocêntrica sobre os
trópicos, além de uma visão cósmica da natureza tropical, ele transmitiu uma
versão complementar da natureza americana, desprovida de população, quase
intocada pela mão do ser humano1186. Porém, também é esse mesmo
eurocentrismo que via não só a natureza dos trópicos, mas sua população. De
acordo com Palacio, era para eles uma gente que teve dificuldades de produzir
elevadas formas de civilização. De um lado, para o autor, a população nativa
foi vista como o mito do “bom selvagem” vivendo harmoniosamente com a
natureza. E, embora essa visão tenha raízes remotas nas histórias de
Colombo, foi o francês Montaigne em sua viagem ao Brasil que a imortalizou.
Por outro lado, uma visão negativa do povo tropical foi criada no século
XIX1187.
Palacio se refere, claramente, a visão da Europa para com todo o trópico,
que era o outro, estranho a Europa, mas, essa visão geral in uenciou também
nos microespaços de países como Brasil e Argentina. De acordo com o autor,
ao mesmo tempo que viam que a gente do trópico tinha sido premiada por sua
natureza, era ela moralmente repreensível. E essa atitude moral teve uma
origem ambiental1188. Essa origem está intimamente relacionada a antigas
visões sobre os sertões e os bosques santiagueños também, grosso modo. Nesse
sentido, mais uma ideia macro, pode ser pensada para o micro como o Ceará e
Santiago del Estero.
O que desejo salientar é que, em ampla parte dos discursos que propus
analisar neste livro, essa atitude moral de origem ambiental está presente para
pensar esses espaços. Preconceitos e estigmatizações diversas fizeram parte
das diversas falas que pensaram o Brasil e a Argentina, no contexto de 1930,
como as que vamos re etir aqui como escopo de análise possível sobre o
problema das secas e de populações que têm que conviver com as poucas
efetivas políticas públicas de convivência com o semiárido.
Pensando nestes aspectos, re etirei, por meio do ministro da Viação e Obras
Públicas José Américo de Almeida e do governador Pio Montenegro, as
narrativas de duas figuras que atuavam no campo político e pertenciam às
regiões estudadas. A função de cada um enquanto ministro e governador não
é o enfoque deste tópico, mas sim seus discursos sobre seus territórios e como
eles re etiam o que já estava em voga sobre os espaços semiáridos e sobre
seus estados e províncias. Analisamos ainda como a partir de certas noções
sobre seus territórios, os dois pensaram políticas públicas possíveis, não
apenas em meio à seca, mas em meio às conjunturas nas quais atuaram.
Começamos a análise com as falas de José Américo de Almeida. Almeida,
como citado pontualmente neste capítulo e nos anteriores, foi ministro da
Viação e Obras Públicas (1930-1934) no contexto da entrada de Getúlio Vargas
no poder. Era quem estava à frente dos comandos da IFOCS na seca de 1932,
trabalhando junto aos engenheiros que chefiavam a Inspetoria. Como
mencionado, Américo de Almeida já re etia sobre a região em que nascera, a
Paraíba, seu livro regionalista A Bagaceira, e depois em O Boqueirão e em
Coiteiros antes mesmo de ser ministro. Tinha fortes in uências euclidianas em
seus trabalhos. No governo do presidente da Paraíba, João Pessoa, foi
Secretário do Interior e Justiça. Entrou para vida pública neste contexto. Mais
tarde, ele dizia:

Vitoriosa a Revolução de 4 de outubro, fui aclamado Interventor da Paraíba e Chefe do


Governo provisório do Norte, até a posse de Getúlio Vargas. Saí com Juarez Távora, Chefe
Militar do Movimento, pelos estados do Nordeste […] até o Pará, dando posse aos
interventores que nomeara [...] Fui compor o Ministério da Viação […] Quando assumi o
Ministério da Viação, em 1930, a seca ainda não estava declarada, mas já se manifestavam seus
prenúncios, anunciando-se por uma antecipação de anos precários1189.

Como um homem do Nordeste e que já re etia as questões dos sertões na


sua própria trajetória, Américo de Almeida deixou diversos relatos sobre sua
atuação à frente do Ministério. Por isso, a escolha em retratar sua narrativa
neste trabalho. Sua produção e atuação no Nordeste semiárido é volumosa e
dá conta de diversas questões que me interessam especificamente. Caberá
para esta análise, em particular, compreender o que Almeida levava consigo
no seu discurso e como isso re etiu nas políticas públicas para o sertão
cearense. O ministro foi um grande entusiasta que pensou sua região e
colocou em práticas políticas públicas de combate à seca. Com uma vasta
narrativa sobre o sertão, os discursos de Américo de Almeida contemplam
vasta visão sobre o Nordeste, e sobre o semiárido, fundamentais para esta
análise. Vejamos alguns exemplos das narrativas de Américo de Almeida, que
podem elucidar re exões importantes:

Tenho levado a minha vida na intimidade desse fenômeno, perscrutando-lhe os mistérios,


experimentando a sensação de suas devastadoras investidas e tentando sanar os danos que
produz. Fixei suas impressões em livros de ficção e de ensaios, reavivando as retiradas
primitivas dos sertões sem nenhum apoio organizado, sem qualquer proteção local, a
despejarem ondas humanas que infestavam centros urbanos, esgotando a caridade pública e
desequilibrando sistemas de vida com a super-população adventícia1190.
O ministro iniciava suas colocações sobre as secas do Nordeste com essa fala
emblemática. Utilizou a primeira pessoa em seu enunciado e falou da história
das “primitivas retiradas dos sertões”; que despejavam ondas humanas que
“infestavam centros urbanos”, “desequilibrando sistemas de vida”. Em
seguida, ele mesmo dizia: “Foi um supremo esforço de salvação do meio ainda
desaparelhado de qualquer instrumento de defesa, retendo suas próprias
energias na maior concentração de trabalho já registrado no Brasil”1191.
Esses trechos remontam e se confundem com os próprios relatos dos
boletins inspetoriais, alguns dos quais ele mesmo escreveu, e outros que foram
escritos por engenheiros que comandavam a IFOCS. Aqui, de imediato, ele
coloca em cena as migrações dos sertanejos. Era o primeiro ponto, porque era
o mais temido e se tornava, a partir do medo, uma política pública de controle
da população do sertão. Os retirantes enchiam os centros urbanos e essa
preocupação tornou-se o centro das questões sobre essas regiões. Em outro
trecho, Américo dizia:

A evasão do Nordeste é inevitável. O homem do interior naturalmente, prefere trocar a


enxada por outros instrumentos de trabalho. E o êxodo não é apenas uma consequência da
seca: é um fenômeno inelutável, devido várias causas, principalmente aos agenciadores, que
não foram, infelizmente, até agora, reprimidos nessa empresa de atração dos nossos elementos
de trabalho. O que nos cumpre fazer é racionalizar essa corrente, é organizar esse movimento
espontâneo, para que as migrações não se processem a esmo, com as consequências que todos
lamentamos1192.

Kenia Rios, em um dos títulos do seu trabalho sobre os campos de


concentração do Ceará, chama esse momento de: “A sombra do agelo: entre
o plano e o pânico”1193. Ela demonstra que a chegada dos retirantes nas capitais
levava o pânico à elite urbana e para isso era necessário que atacassem
socorros imediatos para acalmar o problema. No entanto, tal panorama se
baseava em discursos de pavor em relação à população sertaneja.
As narrativas passavam a ser cada vez mais alarmantes sobre a chegada da
população “ agelada”. Isso aparece nas colocações de Américo de Almeida
nos dois trechos. No primeiro deles isso fica claro quando ele usava certas
palavras que já estavam naturalizadas ao tratar do sertão, da seca, e da
população que migrava e que ele chamava de uma “super-população
adventícia”. No segundo fragmento, Almeida dizia que eram inevitáveis as
retiradas, que faziam parte da natureza sertaneja esse migrar, independente
da seca, que isso era culpa de agenciadores e cabia ao governo racionalizar
esse “movimento espontâneo” que tinha “consequências que todos
lamentamos”. É válido re etir que o sertanejo conhece o sertão, a seca, e sabe
das oportunidades que lhe são concedidas ou retiradas, e quando migra é
porque se esgotaram as possibilidades possíveis de viver na sua terra e não
porque prefira “trocar a enxada por outros instrumentos de trabalho”.
Outro fator importante ressaltado por Rios foram as pressões que se faziam
sobre o governo na seca de 1932. Quando o ministro colocava as ações da
IFOCS como “benfeitorias” para com os sertões, o fazia também pelo contexto
de diversas coerções de uma elite local, que desejava que o sertanejo
permanecesse em seu lugar. Em outro fragmento ele dizia:

Urgia uma estrutura, em caráter de campanha, capaz de acudir a toda área desprotegida, tanto
mais quanto, alegando a situação de famílias que não podiam desenraizar-se, clamavam todos
por soluções locais, o que se impunha para não criar outros problemas1194.

As soluções locais do ministro estão inseridas nesse contexto do discurso do


terror, do medo do agelo, das doenças, da população que habitava os sertões.
Algumas digressões podem ser feitas neste aspecto. Voltemos a Bourdieu e seu
estudo sobre o papel do Estado, ou sobre a gênese do campo de poder estatal.
Há uma re exão do autor que fala sobre as lutas de interesses no debate
político. Podemos analisar os discursos de Américo de Almeida, e
posteriormente de Pio Montenegro, considerando esses interesses.
Vejamos que Bourdieu está re etindo sobre o que ele chama de vested
intererests dos intelectuais em geral, mas que podemos analisar para essas
figuras políticas também. Ele diz que devemos perguntar-nos sempre: “qual é
o interesse que ele tem em dizer o que diz?”; “de onde se fala?”1195 Para
Bourdieu, quando ele diz “interesse”, “não é o interesse no sentido dos
utilitaristas, não é o interesse material direto; trata-se de interesses muito mais
complicados [...] ter interesse é estar associado a alguém”1196.
É importante re etir as falas de Américo e Montenegro dentro de uma
lógica de disputas e dos diversos interesses que estavam por trás da narrativa
sobre os semiáridos cearenses e santiagueños. Eles não são figuras isentas da
lógica social existente. Indo um pouco mais além desse interesse, Bourdieu
nos convida a pensar, portanto, que há uma parte do trabalho do Estado
orientada “para essas classes perigosas que é preciso domar, que é preciso
fazer entrar no jogo. Ao mesmo tempo, também é possível dizer que se trata
de assistir os dominados, arrancá-los do estado insuportável de miséria em que
estão”1197.
Se trato Américo de Almeida como uma figura pública, que se insere no
conceito que re eti no tópico anterior de um metacampo, ele está falando em
nome do Estado. Logo, ele é parte da trama desse Estado que deseja “dominar
os dominados”, e que entende os sertões e suas populações como essa “classe
perigosa” passível de se arrancar do estado de miséria. Deste modo, seus
relatórios podem ser analisados dentro dessas duas lógicas (assim farei para
Pio Montenegro): a do interesse e a do metacampo que constitui e legitima o
fazer estatal.
A partir disso, desse lugar de Américo de Almeida, retomemos o discurso do
papel da natureza, tantas vezes vista com penar, e também cenário, coautora
dessas narrativas sobre o semiárido cearense. Em outro fragmento diz ele:

Numa quinzena de outubro sobrevoei cerca de cinco mil quilômetros, passando de um avião
para outro, conforme os campos de pouso. E viajei de automóvel, andei a pé, corri tudo.
Olhava para baixo e reconhecia angustiado as caatingas desfeitas do planalto da Borborema; os
cenários do Seridó, ressêco e desolado; o chão do Ceará todo cinza e salpicado da verdura
perene que as gotas d’água acumuladas por seu povo laborioso iam regando; o ar de fogo do
Piauí; as solidões de Pernambuco. Tudo perdera o colorido. Não havia mais o que secar1198.

Américo de Almeida reconhecia, angustiado, as caatingas desfeitas, os


cenários ressequidos e desolados, o chão do Ceará em cinza, tudo perdera o
colorido. As palavras de Américo remetiam a dor, sofrimento e angústia, e a
terra fazia parte do discurso. A natureza ganhava vida quando “tudo perde a
cor”. Desde a ideia de modernidade concebida para a América, como já
analisado, os trópicos são vistos como uma natureza exótica e sua população
de difíceis características para civilizar-se.
Pedro Diniz Rocha afirma que o “o discurso geopolítico moderno/colonial
se constrói a partir do encontro ibérico com o que viria a ser as Américas no
início do século quinze e é fundante da colonialidade do poder e do saber e do
padrão de poder mundial que se cristaliza em um sistema-mundo em
formação”1199. Esse ponto interessa em particular, porque ele forma a
mentalidade latino-americana sobre seus próprios espaços e suas populações.
São visões ratificadas, em certas medidas, em falas como as de Américo de
Almeida. Trato da visão do ministro do Ministério da Viação e Obras Públicas
e isso significa que seu discurso, de alguma forma, seria posto em prática como
política pública, assim como podia fazer parte da racionalização dos espaços.
Ou seja, saía do campo do imaginário, do discurso, legitimado por uma visão
científica, para tornar-se uma obra pública, um açude, uma hospedaria. A
ciência nesse caso ganhava força e corroborava com as visões sobre as quais
re ito para os semiáridos argentinos e brasileiros, cearenses e santiagueños.
Um corpo técnico legitimava as ações de Américo de Almeida com a IFOCS.
Rocha evidencia que o discurso geopolítico moderno/colonial, mencionado
acima, “se torna conhecimento científico”1200. Aqui ele resultou em um
conhecimento localizado e cunhado a partir desse processo
moderno/colonial. O autor ainda ressalta que “fatores geográficos como o
clima e o solo oferecem condições para o progresso e a modernização da
sociedade humana, sendo o clima temperado superior ao tropical nesta
empreitada e definidor do destino de seus ocupantes. Isso fortaleceu e
justificou a dependência estrutural do sul global e a violência colonial”1201.
Trata-se de re etir, portanto, como esses fatores que disseminaram ideias em
relação à sociedade numa esfera global, in uenciaram esferas menores como
as regiões do Ceará e Santiago del Estero. À luz dessas teorias que
naturalizavam uma violência colonial e viam na natureza um possível
impeditivo ao progresso, elites brasileiras e argentinas pensavam a
constituição dos territórios a nível regional. Américo de Almeida continuava
dizendo:

A partir de setembro, terminada a colheita diminuta, viria uma nova fase de penúria e
desassossego. E via tudo além de minha imaginação. Um mundo ternamente a refazer-se,
consumido por três anos de infortúnio, de desgaste, surpreendia o observador familiarizado
com esses revezes, como um milagre de sobrevivência. É simples a definição. Deixando de
chover, cessa a produtividade da terra. Abandonadas as áreas agrícolas, sobrevém o desemprego
rural e apresenta-se a terrível alternativa: a emigração ou as obras públicas. Grande parte já
estava estabilizada, mas o uxo de desocupados força o incremento de serviços. E a seca é
niveladora. Os pequenos fazendeiros chegaram a um estado de exaustão que os obriga a
dispensar o pessoal e a pedir colocação. É uma agonia silenciosa. Só pedem o que fazer para
viver. Nós aqui, tendo tudo, sentimos falta de tudo. Eles só têm uma necessidade; só precisam
comer [...] Se ainda há céticos, podem ir até lá. Vamos ver a terra morta sustentando uma
gente semi-morta [...] Cidades inteiras estão sedentas e muitas, por falta de água, ameaçadas de
evacuação […] Foi o que eu vi. E o que mais comove é que ninguém desespera; sem exceção,
esperam melhores dias, têm fé no próximo inverno. É uma comunidade sacrificada com
direito a medidas protetoras e planos de recuperação1202.

Podemos observar alguns pontos desta narrativa. Primeiramente, a


natureza aqui vista como um infortúnio. A seca que chega e que torna a vida
um desgaste. A chuva não vem e, com isso, vêm o desemprego, o abandono
das áreas rurais, as migrações. Vêm o uxo dos desocupados que forçava
Américo de Almeida a pensar nas políticas emergenciais, já tratadas acima, e
nelas incluía principalmente o esforço em realizar obras públicas para ocupar
os braços desses “pequenos fazendeiros”. A seca é niveladora, aponta o
ministro. É uma agonia silenciosa. É exaustão para esse pequeno produtor que
tem que sair de sua terra para pedir trabalho.
Na mensagem de Américo de Almeida, a culpa central ficou em torno do
clima e da seca. É ela que expulsa, que esgota os mananciais. Falta água, logo
falta o necessário para essa gente sobreviver. Rafael Ribeiro analisa que, “o
determinismo da natureza, que buscava explicar os fatos geográficos a partir
de suas causas naturais, foi por longo tempo dominante [...] continua a
contaminar, na prática, o imaginário social e encontra-se subsumido em
numerosos escritos geográficos”1203. Essa contaminação do imaginário é
notória ainda na seca de 1932.
A fala de Américo de Almeida evidencia a dificuldade de desvincular o
problema social que vive a população semiárida nordestina, e cearense, da
natureza que é parte constitutiva dos diversos discursos sobre os sertões.
Drasticamente essa narrativa dominou, nesse contexto, o tipo de política
pública que se devia adotar para essas localidades. Pontuais e de pouca
expressão, pensando que ainda existe uma dificuldade real de se viver nos
sertões, as obras públicas e o “combate ao êxodo” ou sua “sistematização”
pouco adiantaram para a vida da população.
Como já apontado, Ribeiro elucida que havia uma vertente do
determinismo geográfico ligada ao darwinismo, que dizia que o meio
ambiente selecionava os seres humanos mais adaptados. Isso mostra que havia
um discurso que ora acreditava que faltava uma evolução da população
sertaneja rumo a uma vida civilizada, ora que esse sertanejo era totalmente
adaptável às intempéries da seca. Como coloca Américo de Almeida no trecho
acima: “E o que mais comove é que ninguém desespera; sem exceção,
esperam melhores dias, têm fé no próximo inverno”. Logo, o meio formou,
selecionou, esse ser humano apto a viver na seca. O sertanejo era forte e
resistente, tal como no pensamento euclidiano, que ainda dominava a
intelectualidade, inclusive o pensamento de Américo de Almeida. Era ele
“pacífico” e “passivo” mediante a natureza e o clima: “tinha fé no inverno”,
não se desesperava. Era a própria “vítima” das circunstâncias.
Por esta fala, o sertanejo remete a um ser apático, à revelia dos
acontecimentos, somente esperando “as medidas protetoras” que pudessem
salvá-lo da fome, da miséria; é a “natureza morta” e uma “gente semi-morta”.
A seca ocasionava isso. A seca determinava o ser humano e sua gênese
enquanto tal. A natureza virava discurso; apelava aos “corações” de quem lia a
narrativa.
Em outro ponto, Almeida dizia: “finda a jornada emocional [...] o nordeste
só se salva se antes, de as chuvas correrem, choverem rios de dinheiro”1204.
Essa frase final do ministro é crucial para entender o seu apelo “necessário”
para que o governo enviasse verbas. A narrativa comovente e fatalista de
Almeida faz parte do processo discursivo de quem detinha a palavra e
desejava transmiti-la a um dado grupo. Esperava-se uma resposta e o discurso
ganha sua expressão nas formas, nas expressões, na “emoção”. Como já
mencionado, de acordo Bakhtin, não podemos lidar como a palavra isolada
1205
, por isso, só há significado nas palavras de Almeida se as inserirmos em um
todo do enunciado. Aqui trata-se de pensá-las dentro do panorama da seca, do
envio de verbas para o Ministério e para a IFOCS. Não se trata de pensar as
palavras escolhidas pelo ministro fora do todo do enunciado e da enunciação.
Bakhtin diz ainda:

A entonação expressiva não pertence à palavra, mas ao enunciado [...] Ficamos tentados a
acreditar que, ao escolher as palavras de um enunciado, deixamo-nos justamente guiar pelo
tom emocional inerente à palavra considerada isoladamente: adotaríamos aquelas que, por seu
tom, correspondem à expressão do nosso enunciado, rejeitando as outras palavras [...]
Repetimos: apenas o contato entre a significação linguística e a realidade concreta, apenas o
contato entre a língua e a realidade — que se dá no enunciado — provoca o lampejo da
expressividade. Esta não está no sistema da língua e tampouco na realidade objetiva que
existiria fora de nós1206.
O contato com a realidade confere significado à língua. Por isso, expressa o
que Américo de Almeida deseja enunciar a seus pares que, certamente, leriam
suas indagações sobre o que ele vivenciou no Nordeste (seco). E esse todo do
discurso se torna, então, ação concreta na vida da população sertaneja.
Interessa-nos em particular como essa visão de sertão se torna açude,
emigração subsidiada, obra pública, irrigação; como dentro de uma ideia
específica sobre o semiárido se aplicam as políticas públicas. Como analisa
Ribeiro, no Brasil, “o debate sobre as vantagens e desvantagens da ação do
clima tropical e da estrutura do relevo sobre o povo é algo inerente ao
pensamento geográfico brasileiro do final do século XIX e início do século
XX”1207. Américo colocava:

É mais para matar a fome, como um movimento de salvação. Infelizmente, só se intensificam


as obras, sob a pressão da seca, quando o rendimento é mínimo […] O problema das terras secas
será sempre, logicamente, um problema d’água. É o elemento por excelência, de correção,
das vicissitudes do nordeste [...] A política hidráulica nos países organizados evolui para
realizações monumentais, é secundada no Brasil pela própria natureza […] A água é a chave
desse problema cruciante [...] O mais difícil é educar, é formar mentalidade. E todo homem do
sertão tem fé no açude particular. Todos desejam essa cooperação com um presente do céu1208.

As obras públicas, como coloca o ministro, só se intensificavam com a seca,


para matar a fome, como um movimento de salvação. Isso revela que pensar
os sertões era pensar nas secas. Logo, a IFOCS não tinha um plano a longo
prazo que assegurasse estratégias para o sertão em tempos de seca. Mesmo
que isso estivesse em pauta neste contexto, na prática ela não ocorria
efetivamente. Vivia-se sob o jugo de visões simplistas sobre essas áreas. Neste
trecho, Almeida falava que o problema dos sertões é hidráulico, que é
secundado no Brasil pela natureza. Ou seja, se existia problema, se
culpabilizava novamente o meio ambiente, mesmo que em outro momento
da sua narrativa ele cite Ildefonso Albano1209 em relação ao Ceará, quando ele
dizia: “‘Para que ir buscar água fora, quando a temos suficiente?’”1210.
Aldo Rebouças diz que o discurso sobre a natureza geográfica do sertão
brasileiro é totalmente contestável1211. Em suas análises ressalta que “outro
fator que tem gerado ideia errônea sobre as dificuldades de solução dos
problemas socioambientais atribuídos às secas está na imensidão da área
oficialmente definida como de incidência do fenômeno. Entretanto, como há
décadas já assinalam alguns estudiosos, o Sertão não é uma região
homogênea”1212. O autor ressalta o que ele chama de uma “variedade de
condições eda oclimáticas”, ou seja, há nos semiáridos as zonas úmidas ou
brejos. “Além disso, a região é percorrida por dois importantes rios perenes
(São Francisco e Parnaíba), cujas nascentes ficam fora do contexto semiárido e
tem descargas regularizadas de 2.060m³/s – Sobradinho – e 700 m³/s,
respectivamente”1213.
Contesta-se, assim, o fato do Ministério atribuir ao sertão a seca e a questão
hidráulica. Cabe re etir sobre o uso e a apropriação da água dentro do
semiárido, das grandes fazendas, já que, como ressalta Américo de Almeida, a
seca é niveladora e atinge o pequeno produtor. O estímulo a açudes tendo
como concepção a natureza enquanto problema, de fato, não minorava a
situação vigente.
Pode-se salientar um dado importante que explica a concentração da água
nos sertões. Havia financiamento para a construção de açudes particulares e os
donos das terras, inclusive, ganhavam prêmios para que fornecessem água às
populações vizinhas, “mas o que acontecia era que a água acabava sendo
distribuída apenas para os partidários de certo governo”1214. Como apontado
em outra ocasião:

Estima-se, segundo dados do Almanaque do Ceará de 1934, que foram construídos de 1907 a
1928 trinta e cinco (35) açudes públicos que totalizaram um gasto de 29.559:67$527, com o
total de capacidade de acumulação de água de 491.104.823. Em relação aos açudes particulares
criados até 1930, havia 23 açudes, com o prêmio dado aos proprietários no total de
1.017:101$532, e acumulação de 25.890.355. Após 1930, o incentivo aos açudes particulares
aumentou, 34 açudes estavam em andamento no período exposto pelo Almanaque, totalizando
34 açudes, com prêmio total de 3:708.566$915. Nove açudes particulares foram iniciados até
1930 e concluídos depois, e quatro iniciados e concluídos depois de 1930. Totalizando o
número exposto pelo Almanaque antes e até durante 1930 foram iniciados e concluídos, em
média, 70 açudes particulares, que acumulariam, então, muito mais de 25.890.355 m³ de água,
ressaltando e atestando o problema político de distribuição de açudes e de água que assolou os
sertões nordestinos1215.

Em contrapartida, o próprio ministro colocava em suas falas:

No meio da sequidão total destinguia eu, aqui e ali, na minha volta pelo nordeste, esse oásis de
vida própria, como um incentivo à sua propagação. Havia um pomar na “revença”, a vasante
exuberante, o peixe com reserva e o gado a matar a sede. Se a seca chega a esgotá-lo, fundo de
lama ou de areia ainda sustenta a cultura de subsistência, como único refrigério dos maus
tempos. Se for bem alimentado, com barragem de boa altura e bastante profundidade, poderá
atravessar mais de dois anos de estiagem1216.
Aqui toda área do nordeste é cultivada […] São verões que se prolongam, transformando as
duas estações regulares – seca e inverno – numa só […] O que importa é adaptar o homem a
estas condições de vida, e aparelhar o meio para enfrentar as crises periódicas decorrentes,
principalmente, da suspensão das atividades agrícolas. E criar uma organização que se ajuste a
esse ambiente traiçoeiro1217.
Só a intervenção do Estado terá condições de criar essa outra fisionomia do nordeste pelo
progresso agrícola, pela concessão do crédito e pelas lições de previdência. A energia produzida
nas barragens terá que ser aplicada nas indústrias que absorvem maior mão de obra1218.

Nos dois primeiros trechos Américo reconhecia que havia “oásis” nos sertões
e que era possível se cultivar na zona semiárida, cabendo instruir o homem a
viver nessas localidades. Para ele, só a intervenção do Estado daria condições
de criar essa nova fisionomia no Nordeste do progresso. Nessa narrativa,
apesar de reconhecer as possíveis potencialidades do solo do sertão, a fala
girava em torno muito mais da justificava da intervenção estatal sobre o meio
ambiente e sobre o sertanejo, do que necessariamente se via uma política
pública de aproveitamento desses espaços. Principalmente, porque existem
áreas do semiárido que não são tão atingidas pelo baixo índice pluviométrico.
Esses fatores atestam que a seca é um momento político por excelência. Em
toda a fala de Almeida, há a necessidade de afirmar o envio de verbas e, por
conseguinte, a ideia de que só o Estado daria condições ao sertanejo de
sobreviver em meio à crise climática1219. Atesta ainda o fato de atacarem as
obras, muito mais em momento de seca do que fora dela.
É oportuno re etir como, por diversos momentos desses discursos o
sertanejo é visto como massa de manobra, que depende sempre do aparato
estatal, do controle, da racionalidade, da “civilização” para prosperar e viver.
Nesse sentido, podemos pensar como Santiago del Estero foi vista pelo
governador Pio Montenegro e o que as narrativas do mesmo podem revelar
sobre a construção dos espaços.
De acordo com Ana Teresa Martínez e José Vicente Vezzosi, na década de
1930 Pio Montenegro tornou-se governador de Santiago del Estero. Era
membro de uma família santiagueña ligada à exploração de obrajes de madeira
desde o final do século XIX. Em um intento de superar as diversas crises de
governabilidade, provocadas pelo momento radical que vivia a província,
Montenegro buscou apoio em um setor político ligado ao catolicismo local1220.
Re etimos, dentro desses aspectos, como Montenegro pensou sua região
durante seu mandato. Em 1936, dizia o governador:

Abandonando los viejos y rutineros métodos de cultivo, vuelvese a la tierra en busca de los
productos que constituyeron tradicionalmente la fuente más considerable y permanente de la
riqueza provincial. Adaptanse las variedades seleccionadas de las distintas especies con un
rendimiento que compensa el esfuerzo. Implantase la explotación de nuevos cultivos, cuya
importancia cabe destacar especialmente por la extensión alcanzada en breve término.
Consolidadas estas explotaciones en la seguridad del éxito obtenido, a uyen fuertes capitales
que inician la industrialización de los productos. La apacible calma provinciana interrumpe su
letargo para incorporarse a la pujanza de la técnica moderna y en todos los extremos de su
vasto territorio, surgen fábricas que llevan el progreso, la civilización y el bienestar a las clases
obreras. Después de largos años de abandono en la ilusión de una riqueza fácil e inmediata que
brindaban los bosques vírgenes, estabilizase nuevamente la industria ganadera sobre bases más
duraderas y compensadoras, obteniéndose la productividad de extensas regiones donde la
carencia de riego o lluvias suficientes no permite los cultivos agrícolas1221.

A dificuldade do tema da seca e das políticas públicas voltadas para Santiago


del Estero acredito que são bastante significativas, visto que, como já
assinalado, Santiago dependia ainda da “boa vontade” de algum governador,
ministro, prefeito, para que se pensasse em uma política pública efetiva para
região.
No trato do contexto da seca que se agravou em 1937, vemos que ela é citada
também como causadora das mazelas da população santiagueña, no entanto,
não comparável à mobilização do Nordeste e do ministro José Américo ao
retratar os problemas dos sertões e de sua seca. É sabido que no Brasil a seca
tornou-se uma indústria para angariar fundos para as obras e uma elite local se
beneficiou com o discurso do “espaço-vítima”.
Na fala de Montenegro, que abre esse discurso de 1936 para o legislativo, já
ficava claro que a preocupação maior com a região era com seu
desenvolvimento pautado na pujança da técnica moderna, em detrimento dos
velhos e rotineiros hábitos de cultivo. A calma provinciana, ressaltava
Montenegro, daria lugar às fábricas que levariam ao progresso, à civilização,
ao bem-estar das classes trabalhadoras. Seria estabelecida a indústria de gado,
obtendo a produtividade de extensas regiões onde a carência de irrigação ou
de chuvas suficientes não permitia os cultivos agrícolas. Neste trecho do
governador, de pronto, percebe-se o enfoque dado às ideias de modernização,
progresso e civilização desvinculadas das velhas tradições do uso da terra.
Para Montenegro, eram as fábricas e a indústria do gado que dariam
condições da população viver. Em 1939, Montenegro não havia mudado de
opinião e colocava em seu discurso a seguinte afirmativa:

La sequía destructora, de modo implacable pronunciada durante todo lo que va del presente
período de gobierno [...] Ya se está en trámite acelerado para la implantación de una fábrica al
Sud, sobre la línea del Ferrocarril Central Argentino de Villa del Rosario a Forres.
Alimentarían a la fábrica, los bosques de los Departamentos Quebrachos y Ojo de Agua, y daría
ésta trabajo a quinientos obreros según el cálculo de la firma que la fundaría, propendiendo al
dinamismo económico en manes apreciable. Este gobierno en uso de facultades por ley
existentes dará todas las facilidades, y ya ha dictado un decreto declarándola a la fábrica acogida
a los beneficios de exención de gravámenes para su oportunidad y como fomento para la
implantación de tan importante fuente de riqueza, que hará accionar la productividad forestal
[...] Os di cuenta en mi precedente mensaje de poderoso factor económico industrial que en
base al empleo de fuertes capitales, había de implantarse1222.
Para Montenegro, o que solucionaria a questão da seca destruidora seria a
implementação de uma fábrica ao Sul, sobre a linha Ferrocarril Central
Argentina nos departamentos de Villa del Rosario a Forres. Alimentariam tal
Fábrica as orestas dos departamentos de Quebrachos y Ojo de Agua, e daria
trabalho a quinhentos “obreros”. Para ele, a Fábrica acionaria a produtividade
orestal e seria uma importante fonte de riqueza. Duas questões podem ser
analisadas: Primeiro, sobre a construção de narrativas em relação a Santiago e
sobre como isso se dá em meio a própria ideia de modernidade vinculada a
um antigo pensamento ocidental. Diniz ressalta que existiu um discurso
geopolítico “que se compõe de um duplo processo no qual as representações
espaciais são produzidas e posteriormente adotadas pela elite política de
modo a organizar o mundo em múltiplas áreas, compostas por distintos
grupos sociais e imersas em diferentes situações geográficas”1223. Segundo, se
Pio Montenegro pertencia a uma elite local baseada na exploração da
madeira, para ele, o progresso só poderia vir se fossem abandonadas, de fato,
as velhas formas de lidar com a terra, e que fosse colocado em foco o incentivo
às indústrias orestais. Certamente, Montenegro, apoiado nessa elite,
abordou o problema da seca também focando em medidas de controle e
beneficiando dos empresários. Na fala, ele aponta que assim se daria trabalho
aos santiagueños.
Como visto, esse “obrero” certamente era um pequeno produtor, que não
tendo alternativas, se via na condição de vender sua mão de obra a outros fins,
que não o trabalho no campo. Quijano, novamente, nos aponta um caminho
importante: a ideia concebida na Europa de raça vinculada a um certo tipo de
trabalho ainda se fazia evidente na concepção latino-americana de construir
seus espaços. Comungamos dessa ideia quando se trata de Santiago,
principalmente pela questão dos povos originários que é central e fez parte da
economia local ao longo da sua história. Nesse sentido, Pio Montenegro, teve
uma fala emblemática em 1939, que pode resumir o caráter de uma narrativa
que estava vinculada a uma elite industrial exploradora da oresta, seus
recursos, sua população.
Vale re etir sobre uma fala de Montenegro, que dizia:

Existía la propuesta de adquisición de trescientas mil hectáreas en los desiertos santiagueños,


ricos en bosques que se pierden año tras año devorados por los grandes incendios de notorio
conocimiento, que abarcan una enrome zona inculta y salvaje. Era la esperanza de convertir
ese factor hasta hoy negativo, en riqueza efectiva, de la estática improductiva en dinamismo
profícuo. La gran fábrica, habría creado fuentes de actividad, llevando la economía general a lo
incalculable y fundando la felicidad que esa riqueza en juego necesariamente produciría. El
progreso, la vida activa, debían implantarse en pleno desierto estéril. Con legítima
satisfacción, presenté el proyecto de ley ante vuestra honorabilidad, y con más satisfacción
aún, puse en cúmplase a la ley que se dictara. Era el éxito de un bien público que se alcanzaba.
Pero cuan lejos estábamos de tan hermosa realidad!1224

Os desertos santiagueños que passavam por grandes queimadas abarcavam


uma zona inculta e selvagem. Montenegro neste fragmento parece atribuir os
grandes incêndios à população que vivia no território. Por isso, ele fazia a
proposta de aquisição de trezentos mil hectares dos desertos que tinham uma
“estética improdutiva”. As terras deviam ir para a grande fábrica que criou
produtividade, dinamismo, fontes de atividade, levando a economia ao
incalculável. O progresso, colocava Montenegro, a vida ativa, deviam
implantar-se no deserto estéril, por meio das indústrias. Mas, colocava o
governador, como estavam longe dessa “hermosa realidad”.
Para entender a fala de Montenegro, deve-se voltar novamente à história da
colonialidade, principalmente, levando em consideração a parte em que ele
dizia: uma zona inculta e selvagem, para se referir ao que ele chama de desiertos.
Quijano analisa que o pensamento colonial europeu ao construir seus espaços
colonizados primeiro expropriou populações colonizadas “aqueles que
resultavam mais aptos para o desenvolvimento do capitalismo e em benefício
do centro europeu”1225. Depois, em um segundo momento, “reprimiram tanto
como puderam, ou seja, em variáveis medidas de acordo com os casos, as
formas de produção de conhecimento dos colonizados, seus padrões de
produção de sentidos, seu universo simbólico, seus padrões de expressão e de
objetivação da subjetividade”1226.
Por que essa questão deve ser remetida ainda aos finais dos anos 1930?
Porque a fala de Montenegro está enraizada nesse padrão de pensamento
sobre certas populações, como as populações que viviam nos bosques ou até
mesmo nas selvas santiagueñas. Certamente, in uenciado ainda por uma
noção de progresso e modernidade que via na população rural o “impeditivo”
para tal feito, e desconsiderando, logicamente, como re ete Quijano, a
própria produção do conhecimento local. Ou seja, “a repressão neste campo
foi reconhecidamente mais violenta, profunda e duradoura entre os índios da
América ibérica, a que condenaram a ser uma subcultura camponesa, iletrada,
despojando-os de sua herança intelectual objetivada”1227. Essa relação é
evidente na história dos povos originários santiagueños, que passaram a se
enquadrar no universo camponês. Consequentemente, a fala de Montenegro
vinculava-se a essa ideia sobre essas populações; à antiga noção de que lá
habitava gente incivilizada, logo era um “espacio vacio”. É uma história de
relações de poder e de força, que culminam em um suposto modelo de
civilidade.
Como se podia justificar esse discurso da civilização saindo das velhas
noções de que os países latino-americanos dependiam da Europa para
modernizar-se? Quijano afirma que no final do século XIX e durante o século
XX, a América Latina questionava essa noção de modernidade vinculada ao
ideal europeu. No entanto, o fazia sustentando a ideia de “que a
modernização não implica necessariamente a ocidentalização das sociedades
e das culturas não-europeias”1228. E “um dos argumentos mais usados foi o de
que a modernidade é um fenômeno de todas as culturas, não apenas da
europeia ou ocidental”1229. Contudo, como analisa o autor, pensar na América
Latina e na modernidade é referir-se a três elementos que ele aponta como
centrais: “a colonialidade do poder, o capitalismo, e o eurocentrismo”1230.
Logo, esses pontos fazem parte da construção dos espaços, principalmente
em se tratando do interior da Argentina e do Brasil, ainda vistos por esse olhar
da modernidade não alcançada e sempre almejada, com uma população vista
como incivilizada, inculta. Como afirma Girbal-Blacha, a nação argentina,
neste sentido, ao longo da sua história, como uma receptora de imigrantes e
com uma economia baseada no modelo agroexportador, construiu seu espaço
de maneira desigual e dando as costas ao passado indígena1231.
A partir dessa percepção acerca da população santiagueña, também se
pensou em obras para a melhoria da situação hidráulica na região:

La Dirección de Obras Públicas y Riego ha de encarar con toda contracción y por los medios
más eficaces, la solución del siempre palpitante problema del riego artificial con nuestro
incipiente sistema de canales. La construcción originaria de éstos y sus ampliaciones sucesivas
luego; hecho todo sin un estudio meditado y más con buena voluntad que eficiencia, han
constituido muchas veces el motivo de airadas protestas de los agricultores que se sirven de su
red. El régimen irregular de las aguas destinadas al riego, como consecuencia de la falta de
obras necesarias para asegurar su permanente servicio, es un factor que será difícil de subsanar
dentro de los actuales medios precarios en que se desarrolla el problema, y entonces la acción
oficial, ha de concretarse a aminorar en lo posible sus efectos, y sobre todo, a asegurar la
distribución proporcional y equitativa del agua a los empadronados. El Superior Gobierno de
la Nación terminó el año pasado los estudios para las obras de riego del Río Dulce, en nuestra
principal zona agrícola, y dictó la ley que dentro de la solución, contempla la obra del dique
derivador de Quiroga [...] Desde ya comprometo todos mis esfuerzos para obtener la
realización del proyecto, asegurando que he de agotar todos los medios para que sea un hecho;
y si por circunstancias que no entro a analizar, la Nación no lo hiciere, tocaré todos los
resortes necesarios para encararlo por cuenta de la Provincia, buscando una financiación
adecuada1232.

A fala de Montenegro ressalta a importância do problema da irrigação e do


sistema de canais. Coloca o regime irregular das águas destinadas à irrigação
como uma grande questão a ser pensada. Inclusive a causa do protesto de
agricultores. Pode-se pensar também em uma narrativa da questão hidráulica,
como era a principal discussão de Américo de Almeida. O governador dizia
que se comprometia com todos os esforços para obter a realização do projeto
das obras do Rio Dulce. Assegurar-se-ia, assim, a distribuição equitativa da
água.
Nesse sentido, para conter a crise que se agravava em 1937, de acordo com
Alberto Tasso, Pio Montenegro adota algumas medidas como a oferta de
trabalho em obras púbicas. Logo, a insuficiência de obras de irrigação mostra
que a solução pensada em 1936 por Montenegro não havia dado resultado. A
partir da seca de 1937 delineia-se um plano de obra hidráulica: a regulação das
águas do rio Dulce. Esse apontamento do autor Alberto Tasso mostra,
novamente, bem como o caso cearense, que a ausência de água como
consequência da pouca precipitação das chuvas, era o problema central a ser
combatido. No entanto, tal narrativa que via na natureza mais uma vez a
fonte dos problemas da região deve ser repensada. Tasso ainda coloca que a
solução encontrada para a seca de 1937 foi um esforço tardio, pois a população
já morria de fome e sede; assim como a cearense que, apesar de ter a IFOCS
em 1932, viveu um estado de calamidade pública.
Novamente, pode-se re etir o uso e a apropriação da palavra seca e da
palavra água. Vejamos que por mais que as duas regiões tenham o mesmo
problema de índices pluviométricos, o uso da seca como um discurso político
é mais evidente no Ceará e o uso da água como narrativa também política é
mais claro em Santiago, que convenciona a chamá-la de “o precioso líquido”.
Talvez vincular a região semiárida cearense à seca (secura, um ambiente sem
plantas, animais mortos, um quadro bem calamitoso que a própria palavra
remete...) pudesse interessar muito mais à elite cearense (como apontado). Já
a elite santiagueña, ao passo que discute o problema da água em sua região ao
longo da história, não quer vincular seu território a esse tipo de questão, ao
contrário do que fez boa parte das oligarquias nordestinas. Isto porque, como
aponta Alberto Tasso, o acesso a água re etia as desigualdades na distribuição
dos recursos, sendo proporcional à terra possuída, e re etia também o maior
poder e in uência social dos regantes. Isso gerou, de acordo com Tasso, em
muitos sistemas de irrigação, privilégios e inquietudes, fonte clássica de
con itos sociais em torno da água. Esse tema, para o autor, mostrava
articulação entre os interesses privados e a necessária arbitragem estatal1233.
Vejamos, em outra fala do governador Pio Montenegro, em 1938, como essa
questão fica evidente:

Con motivo de la conocida situación creada a la economía de la Provincia por la prolongada


sequía que dejó sentir sus efectos durante tres años, intensificándose en 1937 en forma de
calamidad pública, por la falta absoluta de lluvias en todo el territorio de este Estado, esta
repartición organizó una encuesta agropecuaria sobre las pérdidas sufridas, cuyo resultado lo
dio oportunamente a conocer en publicaciones que fueron comentadas1234.

O problema da falta de chuvas teria ocasionado a calamidade. Santiago,


evidentemente, não estava preparada para seca. A seca teria levado às perdas
agrícolas, justificando-se, assim, o problema das regiões semiáridas
santiagueñas pela ausência de chuva. Montenegro ainda ressaltava que a
construção de obras públicas, a fim de regular as águas da região, se fazia
necessária por conta do clima santiagueño. Agravava-se, logicamente, a vida
do camponês quando havia pouca chuva, mas cabe re etir se era apenas com
a seca que a situação de falta de água existia em alguns povoados da província.
Ora, o discurso que naturaliza e coloca no clima o problema estrutural da
região, nos faz re etir novamente sobre o uso das palavras em seus
enunciados – ou mesmo a ausência delas no discurso. Bakhtin nos provoca a
pensar como um discurso pode “moldar” a vida de uma população. Isso
interessa-me em particular. Segundo o autor:

[...] são obras científicas, literárias, ideológicas, nas quais as pessoas se apoiam e às quais se
referem, que são citadas, imitadas, servem de inspiração. Toda época, em cada uma das esferas
da vida e da realidade, tem tradições acatadas que se expressam e se preservam sob o invólucro
das palavras, das obras, dos enunciados, das locuções, etc. Há sempre certo número de ideias
diretrizes que emanam dos “luminares” da época, certo número de objetivos que se
perseguem, certo número de palavras de ordem, etc.1235.
Essas “ideias diretrizes” das quais trata Bakhtin fazem parte do pensar a
região, fortalecem demandas locais, mantém o poder nas mãos de um grupo,
reforçam estereótipos sobre o meio ambiente, desvinculam da realidade os
problemas enfrentados na região que independem da precipitação das chuvas.
Montenegro continuava, dizendo:

[…] Es bien conocida la situación de verdadera angustia que ha pasado la colonia agrícola en las
zonas servidas por los canales públicos, debido a la falta de agua para regadío, consecuencia de
la escasa precipitación pluvial registrada con carácter general en la Provincia. La Dirección de
Obras Públicas y Riego, compenetrada de la gravedad del problema, presentado con vistos de
continuidad extremó su atención en el cuidado de las obras accesorias construidas en el lecho
del Rio para la maxima captación de caudales y entregarlos al torrente circulatorio de los
canales. La insuficiencia de volúmenes impidió realizar un riego normal, habiendo épocas en
que la escasez de agua determinó la adopción de medidas de emergencia, ordenando la
provisión de agua para los cultivos de citrus y frutales y posteriormente, con la acentuada
sequía, la entrega del líquido exclusivamente para abastecimiento de poblaciones y
estanques1236.

O problema do aparato legal das terras públicas santiagueñas faz parte da


vida da população. Como analisa Alberto Tasso, re ete-se também no uso da
água. Quando se pensa uma crise de fome e sede, ou seja, na seca e na “escassa
precipitação pluvial”, deve-se analisar que, se um pequeno produtor não está
preparado para uma crise climática, quais são os fatores que impulsionam a
generalização do estado de calamidade.
O discurso da insuficiência de volumes de chuva, a escassez de água, a
adoção de medidas de emergência como a entrega do líquido exclusivamente
para o abastecimento de populações e tanques, a acentuada seca, como coloca
Montenegro, naturalizavam o problema da água que independia da seca,
conforme Tasso mesmo salienta.
Banzato e Rossi analisam que a consolidação dos poderes provinciais e a
promulgação de leis de terras públicas, possibilitou que os ocupantes desses
terrenos assegurassem juridicamente suas possessões, enquanto novos
investidores diversificavam seus capitais em espaços abertos à produção, às
custas dos habitantes originários1237. Ou seja, o tema da água não se relaciona
apenas à irrigação, porque desde que sua indispensabilidade para o consumo é
compartilhada por seres humanos e animais, sua incorporação à cultura da
sociedade excede aquele plano, projetando-se, para Tasso, até as disposições e
sentimentos individuais e coletivos. Ou seja, para o autor, é necessário
entender o contexto sociocultural das formas de vida também nesse caso1238.
Claramente, isso pode ser pensado para o caso do Ceará e a implicação
sociocultural da seca (ou seja, da presença/ausência de água enquanto
discurso).
Por fim, Montenegro dizia, em 1939:

El mundo necesita nuestro tanino y ello exigirá la implantación de la gran industria y se sacará
a Santiago de su proverbial pobreza, con solo usar su riqueza abandonada. Será su corolario el
gran valor de las otras tierras y empujará hacia la necesidad de apurar los trabajos de irrigación
por las aguas del Bermejo. Los espíritus malos del país han podido, por ahora, pero la verdad y
el bien se impondrán. ¡Adelante pueblo y gobierno de Santiago! El triunfo los aguarda. Con
propias fuerzas el sonríe el futuro. Y el concierto nacional ya os verá respetable y fuerte1239.

Esta fala de Montenegro deixa, por fim, evidente, que para ele a
industrialização era a única via possível para o desenvolvimento. Por ela seria
viável sair da pobreza e usar riqueza abandonada que havia na região. “Avante
povo santiagueño!”, narrava o governador. O triunfo os esperava. E a nação já
os veria responsáveis e fortes.
Ao analisar o caso brasileiro e o ministro José Américo de Almeida, também
se entendia a modernização dessas áreas a partir de obras públicas que
levariam ao progresso. Não se falava em indústria, tanto quanto Montenegro,
mas se pensava no progresso do campo com a capitalização do mesmo. Isso só
se daria, para Américo de Almeida, com a intervenção estatal, atacando não
apenas as políticas emergenciais para a terra seca, mas educando o produtor
para se adaptar ao meio em que vivia, ou mesmo tornando-o um operário das
obras públicas. Isso claramente associava-se a uma noção de modernidade. Da
mesma forma que Montenegro nela se baseava para pensar a população
santiagueña e também o seu meio rural e o semiárido. Angela de Castro
Gomes diz que para o Brasil:

Grande parte de sua população economicamente ativa, de seus trabalhadores, concentrava-se


no campo, sendo pobre ou miserável, além de analfabeta e doente. [...] Modernizar o Brasil era,
em síntese, conquistar o seu território e organizar o seu povo, entendendo-se que tais
“missões” implicavam um trabalho simultâneo, no espaço e no tempo, pois a integração do
território significava fazer avançar o povo em séculos, retirando-o de um passado
verdadeiramente colonial, para lançá-lo no futuro do mundo urbano-industrial, que se
apresentava como o presente, isto é, como um projeto factível e viável1240.

Fazer o povo avançar em séculos, como aponta Gomes, nos remete à própria
fala de Montenegro quando exclamava “Avante povo santiagueño!”. Avante
rumo à industrialização, ao progresso, à modernidade, tirando-os do passado
colonial. No Brasil, bem como vimos nas falas de Américo de Almeida, a
população do campo era vista como pobre, miserável, doente, como re ete
Gomes.
Pensar na intervenção desses espaços era parte da implantação de projetos
de modernização. Brasil e Argentina, como países latino-americanos, estavam
na década de 1930 envolvidos, a partir do que Gomes trata para o caso
brasileiro, mas também podemos pensar para o argentino, na missão de
organizar o seu povo e o seu território, e isto perpassava pela realização de
políticas públicas para o “progresso da nação”. Isto implicava romper com a
ideia de um espaço rural apegado a modelos atrasados, e rumar para ações
que modificassem o “marasmo” de uma vida “não civilizada”, logo, não
moderna. Afinal, era assim que essa elite via suas populações, desejando
intervir em seus espaços e almejando pôr em prática suas noções de políticas
públicas modernizadoras.
Pode-se ir um pouco mais além e pensar também outro ponto importante
por meio das figuras de Pio Montenegro e Américo de Almeida, o papel
novamente do Estado, mais especificamente, um Estado-providência como
coloca Bourdieu. Vejamos que, para o autor, é importante re etir que a
construção do Estado moderno se baseia, desde o século XIX, em relação a
“responsabilidade das faltas”1241. Perguntavam-se, naquele contexto, de quem
era culpa. Por isso, filósofos e sociólogos franceses “dissertavam sobre a
responsabilidade: será que a responsabilidade é um problema público? Será
que a responsabilidade cabe aos indivíduos ou será que incumbe a instâncias
públicas assumir as responsabilidades?”1242
O que Bourdieu está propondo, como exemplo, é considerar a “gênese de
uma filosofia da gestão das culpas e das misérias”1243. Ou seja, “será que
miséria é uma falta? Pergunta típica do século XIX, mas que volta à moda. A
miséria é imputável à liberdade dos indivíduos – anuncia-se o retorno do
indivíduo, do liberalismo e da liberdade – ou é passível de tratamento coletivo
por ser ligada a causas coletivas?”1244
Observemos se esta análise de Bourdieu não pode ser vinculada às ideias que
tratei neste capítulo sobre as visões não só de Américo de Almeida, Pio
Montenegro, mas também da JUNALD e da IFOCS. Será a miséria culpa das
populações semiáridas ou uma instância que deve ser pensada coletivamente
pelo Estado? Daí novamente reiterar-se o papel desse Estado. Bourdieu coloca
que, seguindo uma re exão do direito, “essa lógica de culpa [...] foi substituída
progressivamente por uma lógica do interesse público e do risco coletivo”1245.
Era de interesse público pensar as secas, dentro desse risco coletivo que
Bourdieu propõe pensar para outras categorias, e re eti aqui para os casos do
Ceará e Santiago del Estero. O autor analisa o papel de filantropos e juristas na
construção do Estado, e como suas teorias mudaram a realidade social, ou
seja, seus modos de pensar interferiram na vida social.
Aqui aproximo as teorias de Bourdieu das falas de Pio Montenegro e
Américo de Almeida. Busco entender se estes discursos não estavam
vinculados ora a culpabilizar os indivíduos pela forma como viviam, ora
colocavam no Estado a única via possível e coletiva de modificar a situação
dessas populações. Bourdieu re ete que o papel dos juristas e dos filantropos,
na construção do Estado, se faz fundamental. Desejo mostrar também que os
papéis desses atores políticos, como construtores do Estado brasileiro e
argentino, são de suma importância.
Faz-se necessário entender os discursos analisados aqui também dentro de
uma ideia de nomos, que, segundo Bourdieu, são os “princípios de visão e de
divisão [do mundo social]”. Ou seja, “na ideia de que o Estado repousaria num
determinado número de pressupostos relativos à maneira de construir a
realidade social”1246. Isto porque, para o autor, “segundo essa lógica, uma
nação é o conjunto de pessoas que têm as mesmas categorias de percepção de
Estado”1247. Um Estado que tem “condições de universalizar, nos limites de um
território, as categorias de percepção”1248. Ou seja, o Estado cria formas de
pensar o mundo social. Bourdieu dá como exemplo o papel das escolas nessa
disseminação de uma noção de “caráter nacional”, que estava em moda no
século XIX e que para ele “aparece na verdade como a simples ratificação de
estereótipos nacionais, de preconceitos nacionais”1249.
Portanto, existiu um trabalho de “inculcação de categorias de percepção”1250
e isso formou a nação do século XIX e consolidou o Estado moderno. Isso
pode ser re etido, em certa medida, também para os casos estudados em
relação aos discursos que examinamos aqui. Porque essas instituições e essas
figuras políticas fazem parte da manutenção do Estado, estão diretamente
ligadas a ele e pertencem aos diversos campos burocráticos de poder que
pensaram políticas públicas para essas regiões. Logo, também criaram em
suas falas concepções sobre o social, inculcaram estereótipos e preconceitos
nacionais. Isso mostra aquilo que Bourdieu nos convida a re etir: “essas
teorias do Estado que contribuem para a construção do Estado, e, portanto,
para a realidade do Estado tal como conhecemos, são o produto de agentes
sociais situados no espaço social”1251.
Neste aspecto, especificamente, Américo de Almeida e Pio Montenegro
podem ser vistos como esses agentes que fazem parte e constroem o Estado.
Isso porque, entende-se que “essas pessoas têm a ver com o Estado e que, para
fazer triunfar seus interesses, devem fazer triunfar o Estado: eles têm interesse
pelo público e pelo universal”1252.
Bourdieu explica, por exemplo, o papel dos juristas como produtores do
Estado-nação, um “Estado unificado contra as regiões e as províncias, mas
também contra as divisões de classe”1253. Esses juristas, para o autor, “fizeram
um trabalho de unificação a um só tempo transregional e ‘transclasses’, se
pode dizer, ‘transocial’”1254.
Podemos pensar se Américo de Almeida e Pio Montenegro, ao pensarem
modos de agir sobre seus territórios, não fizeram uma tentativa de pôr em
prática um Estado unificado, “transocial”, “transregional”. Isso me leva a
considerar que o espaço social é uma luta simbólica desenvolvida “nos
diferentes campos e nas quais está em jogo a própria representação do mundo
social e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os
diferentes campos”1255. O que significa, portanto, entender que os “agentes e
grupos de agentes são definidos pelas suas posições relativas [grifo do autor]
neste espaço”1256.
Logo, o espaço social é um campo de força, como explica Bourdieu, “quer
dizer, como um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os
que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou
mesmo às intenções [grifo do autor] diretas entre os agentes”1257. O autor
aponta a necessidade de entender a representação que os agentes têm do
mundo social compreendendo “a contribuição que eles dão para a construção
da visão desse mundo e assim, para a construção desse mundo, por meio do
trabalho de representação [grifo do autor] (em todos os sentidos do termo)”1258.
Se Pio Montenegro, Américo de Almeida, as instituições da JUNALD e da
IFOCS, operaram, de certo modo, como agentes desse mundo social, eles
fizeram parte da correlação de forças que operaram para legitimá-lo. Isso
significa que eles tendem também a reproduzir as visões do mundo social,
contribuindo para permanência das relações de força. Ou seja, o
conhecimento do mundo social, as categorias que o tornam possível, como
analisa Bourdieu, “são o que está, por excelência, em jogo na luta política, luta
ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou de transformar
o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção
desse mundo”1259.
Esses fatores interessaram em particular neste capítulo. Busquei entender
como esses agentes, em suma, também desejavam em seus discursos e nas
políticas públicas para essas áreas fazer valer, conservando ou transformando,
certa concepção do que eles tinham e entendiam sobre o espaço social
brasileiro e argentino. Os agentes acabam agindo no mundo social e no campo
de luta dentro desse mundo, “por meio de todas as formas do bem dizer e do
mal dizer, da bendição ou da maldição e da maledicência, elogios,
congratulações, louvores [...] críticas, acusações, calúnias, etc.”1260 O capital
simbólico, outro conceito de Bourdieu, se faz presente nestes aspectos. Ele
“não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando
percebido por um agente dotado de categorias de percepção”1261.
Buscou-se evidenciar, por fim, que pensar no papel do Estado e desses
agentes, seus discursos, suas noções de políticas públicas, é considerar que
existe uma “autoridade que fundamenta a eficácia performativa do discurso
sobre o mundo social, a força simbólica das visões e previsões que têm em
vista impor princípios de visão e de divisão desse mundo”1262. E isso pode ser
aplicado para analisar microespaços como os semiáridos cearenses e
santiagueños, os agentes e as instituições que interviram e pensaram esses
territórios.
Chartier também analisa o discurso político e sua aplicabilidade no fazer do
Estado. Para ele, isso implica pensar que:

[...] os próprios textos políticos ou administrativos fornecem uma representação, por vezes
explícita, na maioria dos casos implícita. Todos eles supõem um destinatário, uma leitura, uma
eficacia. Seria necessário relê-los sob esta perspectiva, detectando o modo como têm em conta
as capacidades supostas dos seus destinatários imaginados. Este material, tradicionalmente
explorado pela sua própria letra, pelo seu conteúdo documental e informativo, tem de ser
questionado de outra maneira, atendendo às formas de discurso codificadas e regulamentadas
que aí são empregues, aos procedimentos retóricos de persuasão e de justificação que aí
funcionam, aos dispositivos tipográficos — num sentido alargado que inclui a paginação e os
papeis desempenhados pela imagem — que dão a ler e a ver o texto1263.

Por isso, para o autor, se faz necessário compreender a formação dos agentes
que pertencem ao Estado moderno. Chartier está considerando, em suas
re exões, o papel do Estado na Europa, mas pensemos se esta análise também
não é possível para o caso deste trabalho. Isso porque o Estado se apoia, como
analisa o autor, em três registros diferentes: “a ordem dos discursos, a ordem
dos signos e a ordem das cerimônias”1264.
Aqui, o que interessam são os discursos e como eles legitimam poder. “Na
primeira destas ordens – onde o termo ‘discurso’ é entendido como de um
texto dito ou escrito – o fato mais importante é indubitavelmente a raridade
dos discursos utilizáveis para afirmar ou criticar o Estado”1265. Ou seja, “num
discurso que tem a sua função e as suas regras próprias, vêm inscrever-se
propostas sobre o Estado e a sua conduta que encontram aí fórmulas já
elaboradas, materiais já familiares”1266. Logo, o “Estado moderno legitima-se,
porque se define através de um conjunto restrito de referências”1267.
Pode-se pensar as falas dos agentes que citei neste capítulo também
considerando “o enraizamento cultural de quem escreve, ou daqueles para
quem escreve; e ao mesmo tempo investe o seu texto de intenção particular,
qualifica-o imediatamente pela língua que ele utiliza”1268. Por isso, Chartier
ressalta que podemos pensar as morfologias, ou conceitos usados e “as figuras
ou lugares-comuns que os explicitam”1269.
Esses pontos foram fundamentais na análise que propus tecer neste livro: o
papel dos discursos de alguns agentes como forma de consolidação de visões
que estavam na ordem do dia na formação identitária dos Estados brasileiro e
argentino, e foram parte concreta das ações e políticas públicas voltadas para o
interior seco do Ceará e de Santiago del Estero.

967. GIRBAL BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas. Re exiones históricas
sobre las desigualdades regionales en la Argentina hasta mediados del siglo XX. AREAS, Revista
Internacional de Ciencias Sociales, 38/2019, pp. 7-18; p. 9
968. Ibidem, p. 9.
969. Ibidem, p. 9.
970. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Op.cit, 17
971. Ibidem, p. 26 e p. 27
972. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 8
973. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 154.
974. POULANTZAS, Nicos. Op.cit, p. 106.
975. Ibidem, p. 107
976. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). [edição estabelecida por
Patrick Champagne… [et al.]; tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014,
p.235.
977. Ibidem, p. 235
978. POULANTZAS, Nicos. Op.cit, p. 114
979. Ibidem, p. 114
980. Ibidem, p. 114
981. Para o conceito de Imperialismo, utilizaremos Edward Said quando diz: “Usarei o termo
‘imperialismo’ para designar a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante
governando um território distante; o ‘colonialismo’, quase sempre uma consequência do imperialismo,
é a implantação de colônias em territórios distantes”. SAID, Edward. Op.cit, p. 29.
982. PALACIO, Germán. Historia Tropical: A reconsiderar las nociones de Espacio, Tiempo y Ciencia.
En: ULLOA, Astrid y PALACIO, Germán (eds.). Repensando la Naturaleza. Encuentros y desencuentros
disciplinarios en torno a lo Ambiental. Bogotá: UNAL y Colciencias, 2002, p. 67-98, p.75.
983. Ibidem, p. 76.
984. Ibidem, p. 96.
985. ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-
desenvolvimento? In: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina, 2005, p.p. 43-79, p.
64.
986. Ibidem, p. 64.
987. Ibidem, p. 64
988. Ibidem, p. 65.
989. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 8
990. CRONON, William. Un lugar para relatos: naturaleza, historia y narrativa. In: PALACIO, G;
ULLOA, A. Repensando la naturaleza: Encuentros y desencuentros disciplinarios en torno a lo ambiental. Bogotá,
Colombia: Universidad Nacional de Colombia-Sede Leticia; Instituto Amazónico de Investigaciones
Imani; Instituto Colombiano de Antropología e Historia; Colciencias, 2002, pp. 29-65; p. 61.
991. SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro da. Diálogos sobre a escrita da história: ibero-americanismo,
catolicismo, (des)quali cação e alteridade no Brasil e na Argentina (1910-1940). Tese (Doutorado) Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de História, 2011, p. 1.
992. Ibidem, p. 2
993. Ibidem, p. 2
994. PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. Op.cit, p. 9
995. D’ ARAÚJO, Maria Celina (org.). Vargas, Getúlio, 1883-1954. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara (Série perfis parlamentares; n. 62), 2011, p. 28.
996. Ibidem, p. 29.
997. Ibidem, p. 10.
998. MARTINS, Luciano. Op.cit, p. 675
999. SECRETO, Maria Verónica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do
rio Amazonas” à saga dos soldados da borracha. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n 40, julho-dezembro
de 2007, p. 115-135; p.117.
1000. Ideia retirada de: LOPES, Raimundo Helio. Os batalhões provisórios: legitimação, mobilização e
alistamento para uma Guerra Nacional (Ceará, 1932). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em História Social. Universidade Federal do Ceará (UFC), 2009, p. 25.
1001. Ibidem, p. 25
1002. Ibidem, p. 25.
1003. VARGAS, Getúlio. Discurso pronunciado pelo presidente Getúlio Vargas sobre o Nordeste. Presidência da
República. Casa Civil. Biblioteca da presidência da República, 1953, p. 13.
1004. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Op.cit, p.26.
1005. AGUIAR, Pinto. Op.cit, p. 89.
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1007. CATTARUZZA, Alejandro. Historia de la Argentina (1916-1955)... Op.cit, p.116 e p. 117.
1008. TERÁN, Oscar. Op.cit, p. 228
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1010. LOSADA, Leandro. Oligarquía, aristocracia y nación. La Argentina de los años treinta según
Marcelo T. de Alvear. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”, Tercera
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1011. ROMERO, José Luis. El desarrollo de las ideas en la sociedad argentina del siglo XX. Buenos Aires: A.Z
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1012. BEIRED, José Luis Bendicho. Op.cit, p. 307
1013. CATTARUZZA, Alejandro. Historia de Argentina 1916-1955... Op.cit, p. 116 e p.117
1014. TORCUATO, Di Tella. História social da Argentina contemporânea. – 2. ed. rev. - Brasília: FUNAG,
2017. p. 245.
1015. Ibidem, p. 249.
1016. Ibidem, p. 252.
1017. JUSTO, Agustín P. Mensaje a la Asamblea Legislativa (20-2-1932) (fragmentos). Cámara de
Senadores, Diario de Sesiones. In: DONGHI, Tulio Halperín. La República imposible (1930-1945).
Biblioteca del pensamiento argentino, Vol.5. Buenos Aires: Emecé, 2007, pp.89-91, pp.89-90.
1018. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 12.
1019. EGGERS-BRASS, Teresa. Op.cit, p. 473 e p. 474
1020. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 146
1021. Ibidem, p. 147.
1022. Ibidem, p. 147.
1023. Ibidem, p. 147.
1024. Ibidem, p. 256
1025. Ibidem, p. 256
1026. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 109
1027. Ibidem, p. 109
1028. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 33
1029. Ibidem, p. 33.
1030. Ibidem, p. 34.
1031. Ibidem, p. 34
1032. Ibidem, p. 34.
1033. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 15
1034. Ibidem, p. 15.
1035. Ibidem, p. 15.
1036. SANTOS, Claudia Penha dos. As Comissões Científicas da Inspetoria de Obras Contra as Secas na
gestão de Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa (1909-1912). Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2003, p. 13.
1037. Sobre esta re exão e outras análises acerca da Inspetoria de Obras Contra as Secas e sua atuação
nos anos de 1915 e 1932, ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit.
1038. Decreto n 19.726, de 20 de fevereiro de 1931. Câmara dos Deputados: Diário Oficial da União –
Seção 1 28 de fevereiro de 1931, p. 2969. Disponível
em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19726-20-fevereiro-1931-
518993 publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 10 dez. 2019.
1039. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 74
1040. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 9.
1041. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 39
1042. Ibidem, p. 36
1043. Ibidem, p. 46.
1044. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Ley 11896. Memoria elevada al
Ministerio del Interior. Buenos Aires, 1936, p. 22.
1045. Ibidem, p. 22 e p.23
1046. Ibidem, p. 9.
1047. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937, Buenos Aires, 1937,
p. 7.
1048. Ibidem, p. 8
1049. Decreto nº 19.726, de 20 de fevereiro de 1931. Op. cit, p. 2969.
1050. Ibidem, p. p. 2969
1051. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, 12
1052. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Tradición y
modernización socioeconómica en la Argentina de los años treinta. Estudios del Trabajo, enero-junio
2003, p.p. 25-53, p. 31.
1053. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria 1937. Op.cit, p. 11 e p.13
1054. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria 1937. Op.cit, p. 12
1055. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 10
1056. Idem. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación… Op.cit, p. 26
1057. ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-
desenvolvimento?... Op.cit, p. 68
1058. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria, 1936, Op.cit, p. 9.
1059. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control... Op.cit, p. 368
1060. Ibidem, p. 369.
1061. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca...Op.cit, p. 108.
1062. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca...Op.cit, p. 112 . 112.
1063. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Republica dos Estados Unidos do Brasil, Publicação Mensal. Volume 1, Num.4 Fortaleza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Abril de 1934, p. 169. Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional.
1064. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade... Op.cit, p. 51.
1065. Ibidem, p. 51.
1066. Ibidem, p. 52.
1067. LIMA, Nisia Trindade. Apresentação. In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. CASA DE OSWALDO
CRUZ. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao
interior do Brasil entre 1911 e 1913 [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1992, p. XV.
1068. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p.113
1069. Uma questão importante é posta por Roy Hora sobre a Argentina neste aspecto: “A diferencia de lo
sucedido en Gran Bretaña o Alemania, Rusia o el sur de los Estados Unidos, Brasil o Chile, en nuestro país el
latifundio nunca gozó de verdadera legitimidad histórica. Quizá porque en el período colonial el país no tuvo una
clase propietaria rural que fuese a la vez una clase dominante, o porque careció de un campesinado sometido al
poder terrateniente, la gran propriedad nunca fue concebida como parte del orden natural de las cosas. Su
justi cación siempre fue contextual, nunca sustantiva: en su momento fue defendida como el instrumento más
adecuado para expandir la frontera, para doblegar el desierto y someter a sus moradores más recalcitrantes, para
poner en producción áreas inexplotadas, o para volcar capitales en la actividad rural. Pero conforme estos objetivos
se alcanzaban, la gran estancia debía ceder lugar a una estructura de propriedad y un régimen de explotación
dominado por la empresa familiar”. HORA, Roy. Cómo pensaron el campo los argentinos. Ciudad Autónoma
de Buenos Aires: Siglo XX Editores Argentina, 2018, p.p. 19.
1070. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 17
1071. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Riqueza, poder y control social… Op.cit, p. 377
1072. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico… Op.cit, p. 11.
1073. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 23 e p. 24
1074. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 15.
1075. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 38.
1076. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937, Op.cit, p. 16
1077. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agrária… Op.cit, p. 113
1078. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 10
e p.11
1079. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agrária… Op.cit, p.113 e p. 114
1080. Ver: BENZATO, Guillermo e ROSSI, María Cecilia. Op.cit, p. 11.
1081. ALMEIDA, José Américo de. O ciclo revolucionário do Ministério da Viação. 2ªed, Fundação
Guimarães Duque e Fundação Casa de José Américo de Almeida, Coleção Mossoroense, Vol CLXXVIII,
1982, p. 161
1082. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933
apresentado ao Ministro José Américo de Almeida pelo Inspetor Luiz Augusto da Silva Vieira. Fortaleza:
Ministério da Viação e Obras Públicas. Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. (VOL I), 1934, p.24.
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
1083. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 75
1084. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 47.
1085. Ibidem, p. 47
1086. Ibidem, p. 47
1087. Ibidem, p. 48
1088. ALMEIDA, José Américo de. O ciclo revolucionário... Op.cit, p. 164
1089. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história... Op.cit, p.2
1090. Ibidem, p.2.
1091. Ibidem, p. 30
1092. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história... Op.cit, p. 30
1093. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 11.
1094. Ibidem, p. 85.
1095. Ibidem, p. 87.
1096. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937. Op.cit, p.17.
1097. Langosta, é um inseto que pode se tornar uma praga em plantações agrícolas.
1098. Ideia retirada de: TASSO, Alberto. Un caso de expansion agraria… Op.cit, p.115-119.
1099. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937... Op.cit, p.19.
1100. GIRBAL-BLACHA, Noemí. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación... Op.cit, p.36
1101. Ibidem, p. 36.
1102. Ibidem, p. 38
1103. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Republica dos Estados Unidos do Brasil, Publicação Mensal. Volume 1, Num.3. Fortaleza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Abril de 1934, p.129 Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional.
1104. CASTRO, Lara. Fontes Oficiais para a História Social: Documentos do DNOCS em questão.
XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos historiadores: velhos e novos desa os. Florianópolis – SC,
2015, pp. 1-15; p. 3.
1105. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ... Op.cit, p. 14
1106. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ... Op.cit, p. 14
1107. Ibidem p. 15.
1108. Idem, Sobre o Estado... Op.cit, p. 48
1109. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado...op.cit, 48
1110. Ibidem
1111. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 108
1112. Ibidem, p. 109
1113. Ibidem, p. 110
1114. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 108
1115. NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina. Biblioteca Digital, 2019, p. 13
1116. SECRETO, María Verónica. A ocupação dos “espaços vazios”... Op.cit, p. 116.
1117. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. v.1n.4. Op.cit, p. 176
1118. ALMEIDA, José Américo. O Ciclo Revolucionário... Op.cit, p. 380
1119. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 8.
1120. Ibidem, p. 8.
1121. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p, 118
1122. ALMEIDA, José Américo. O Ciclo Revolucionário... Op.cit, p. 380 e p. 381.
1123. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 72.
1124. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933. Op.cit, p.
42.
1125. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 57
1126. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933. Op.cit, p.
43
1127. Ibidem, p. 71.
1128. GOMES, Sueli de Castro. Uma inserção dos migrantes nordestinos em São Paulo: o comércio de
retalhos. Imaginário , USP, 2006,v. 12n 13, pp. 143-169; p. 143
1129. Ibidem, p. 144 e p. 145.
1130. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 74.
1131. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. República dos Estados Unidos do Brasil. Publicação Mensal. Volume 1, Num1.Foreza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra, 1934, p. 36. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
1132. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Op.cit, p. 36
1133. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 71
1134. CARNEIRO, B. Piquete. O Nordeste. Memorial justificativo de providencias complementares que
se acham em execução pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Por B. Piquete Carneiro,
engenheiro civil. Rio de Janeiro – Typ do Jornal do Commercio – Rodrigues & C- 1935, p. 3.
1135. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder… Op.cit, p.10
1136. BRASIL. BOLETIM da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas Ministério da Viação e Obras
Publicas Republica dos Estados Unidos do Brasil Publicação Mensal – Fevereiro de 1934, Vol 1, Num. 2.
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Ceará, p.p. 89 é p. 90.
1137. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder...Op.cit, p.12.
1138. Ibidem, p. 12.
1139. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 295.
1140. Ibidem, p. 396.
1141. ARGENTINA Junta Nacional para Combatir la Desocupación Ley 11896, Memoria 1936. Op.cit, p.
18 e p. 19
1142. DANIEL, Claudia. De crisis a crisis: la invención de la desocupación en la Argentina. Revista de
Indias, 2013,.v. LXXIII, n.º 257,pp. 193-218; p. 196.
1143. Ibidem, p. 211
1144. Ibidem, p. 211 e p. 212
1145. Ver: TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero… Op.cit,p. 27.
1146. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1936Op.cit, p50.
1147. GIRBAL-BLACHA, Noemí. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación… Op.cit, p. 29 e p.
30
1148. Vale destacar algumas palavras sobre a atuação de Olmos Castro, contidas em uma re exão feita
por Alberto Tasso: “En 1923, teniendo 38 años, se radica en Santiago del Estero. Cinco años después
presenta al gobierno de Santiago Maradona un cálculo de la tasa de natalidad basándose en cifras que ha
obtenido por su cuenta, y agrega que esa serie no se está llevando en la provincia. El sistema estadístico
provincial, que tuvo un período de notable desarrollo en la primera década del siglo, había decaído, y
Olmos Castro asumió la tarea de restaurarlo. En 1935, durante el gobierno de Juan B. Castro, fue
designado director General de Estadística, Registro Civil y Trabajo, cargo que desempeñó hasta 1946.
En esos 11 años de labor intensa realizó 49 publicaciones, que incluyen anuarios estadísticos,
recordaciones históricas, la vivienda obrera, investigaciones sobre ciegos, educación agropecuaria, y
especialmente una serie referida a las leyes de trabajo, desde la jornada de 8 horas al trabajo nocturno, el
trabajo de las mujeres, y en especial de las empleadas domésticas (…)[...] Ese mismo año de 1937 una
intensa sequía afectó a varios países del continente americano y a las provincias del noroeste argentino,
siendo muy intensa en Santiago del Estero. La pérdida de tres cosechas sucesivas y la mortandad de la
mayor parte del stock ganadero provocaron una hambruna generalizada en la numerosa población rural,
ya afectada por desnutrición y enfermedades endémicas. Olmos Castro realizó una prolija estimación de
la magnitud de las pérdidas provocadas en el sector agropecuario por departamento, y su valor
económico. Una de sus sugerentes comprobaciones se refiere al descenso de la natalidad ese año, un
signo de la gravedad de la crisis. En los años siguientes profundizó sus estudios sobre las condiciones de
vida y trabajo de hacheros y colonos. “El Trabajo” (1942) es un hito en la literatura local, rica por su base
empírica, y muy aguda en la interpretación del cuadro social de la provincia. En 1945, un año antes de su
alejamiento de la administración pública de la provincia, publica “Una vida al servicio del público”(…)
[...]” Sobre Olmos Castro ver: TASSO, Alberto. Amalio Olmos Castro, Disponível em:
http://acyase.com.ar/web/index.php/component/k2/item/372-amalio-olmos- castro-sitial-de-
alberto-tasso Acesso em: 10 jun. 2021.
1149. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1937. Op.cit, p.121
1150. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial…Op.cit, p.11 e p.12.
1151. Ibidem, p. 13.
1152. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 299
1153. De acordo com Farberman: “Desde Santiago del Estero los conquistadores organizaron las diversas
expediciones que dieron origen a las ciudades del noroeste argentino, así como el reparto de la población nativa a
través de la encomienda. Por estas razones, los asentamientos indígenas que se sucedan ‘a poca distancia los unos
de los otros’ a 10 largo de los ríos Dulce y Salado, se constituyeron en muy poco tiempo en pueblos de indios”.
FARBERMAN, Judith. Los que se van y los que se quedan: familia y migraciones en Santiago del Estero a
fines del periodo colonial. Quito Sol, n. 1, 1997, p. 7-40p.10
1154. Ibidem, p. 8 e p.9.
1155. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocpuación, MEMORIA, 1937. Op.cit, p. 121 e
p. 122
1156. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 295
1157. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p.554
1158. Ibidem., p. 554.
1159. Ibidem, p. 554.
1160. Ibidem, p. 556.
1161. Ibidem, p. 556.
1162. Ibidem, p. 556.
1163. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 566 e p. 557
1164. Ibidem, p.p. 557.
1165. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad Territorial…. Op.cit, p. 17
1166. Ibidem, p. 17.
1167. Ver: BLACHA, Luis Ernesto. Poder y sociabilidad en la Argentina de los años ‘30. Los gobiernos de
Uriburu y Justo. Anuario del Centro de Estudios Históricos «Prof. Carlos S. A. Segreti» Córdoba (Argentina),
año 8, n. 8, 2008, p.p. 361--386; p. 363.
1168. Ibidem, p. 366.
1169. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1937. OP.cit, p. 122.
1170. Ibidem, p. 123.
1171. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación... Op.cit, p. 35.
1172. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1936. Op.cit, p. 25 e p.
26
1173. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de coordinación
del trabajo. Reunida en Mendoza, 18-25 de marzo de 1939, Tomo II, Buenos Aires,1939, p. 51.
1174. TASSO, Alberto. Un caso de expación agraria… Op.cit, p. 141.
1175. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de
coordinacion del trabajo … Op.cit, p. 51.
1176. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupacion… Op.cit, p. 35.
1177. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de
coordinacion del trabajo… Op.cit, p. 280.
1178. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Riqueza, poder y control… Op.cit, p. 384.
1179. PALACIO, Castañeda G. Op.cit, p. 78
1180. Ibidem, p. 79.
1181. Ibidem, p. 80.
1182. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 110.
1183. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 18.
1184. Ibidem, p. 18.
1185. Ver: PALACIO, German. Historia Tropical: A reconsiderar las nociones de espacio, tiempo y
ciencia... Op.cit, p. 75
1186. Ibidem, p. 79.
1187. Ibidem, p. 79.
1188. Ibidem, p. 80.
1189. ALMEIDA, José Américo de. Eu e eles. Rio de Janeiro: Entrelivros Cultural Ltda., 1978, pp. 22-34.
1190. ALMEIDA, José Américo de. As secas do Nordeste. 2. ªed, Coedição Fundação Casa de José Américo
de Almeida e da Fundação Guimarães Duque, Coleção Mossoroense, Vol CLXXVII, 1981, p. 17.
1191. Ibidem, p. 68.
1192. Ibidem, p. 68.
1193. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 57.
1194. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 19.
1195. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado..Op.cit, p. 629.
1196. Ibidem, p. 629.
1197. Ibidem, p. 640.
1198. ALMEIDA, José Américo de. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 24.
1199. ROCHA, Pedro Diniz. O determinismo racial e geográfico no discurso geopolítico
moderno/colonial: por uma geopolítica decolonial. Conjuntura Global v. 7, n. 3 (2018), pp. 243-258, p.
244.
1200. ROCHA, Pedro Diniz, Op.cit, p. 245
1201. Ibidem, p. 244.
1202. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 24.
1203. RIBEIRO, Rafael Winter. Op.cit, p. 64.
1204. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 25
1205. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 311.
1206. Ibidem, p. 311 e p. 312.
1207. RIBEIRO, Rafael Winter. Op.cit, p.66
1208. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, pp. 25-28
1209. “Ildefonso Albano nasceu em Fortaleza, no dia 12 de fevereiro de 1885 [...] Estudou no Seminário
de Fortaleza, tendo completado sua formação escolar na Inglaterra e na Áustria. Ao voltar da Europa,
onde se dedicara ao estudo do algodão e da tecelagem, assumiu o cargo de gerente da firma Albano &
Irmão. Cursou até o terceiro ano da Faculdade de Direito do Ceará, mas não obteve o bacharelado.
Casado com uma filha do coronel Franco Rabelo, foi por este nomeado intendente (prefeito) de
Fortaleza, cargo que exerceu de 1912 a 1914. Após deixar a prefeitura, representou o Ceará na Câmara
dos Deputados nas legislaturas 1915-1917 e 1918-1920, destacando-se por defender firmemente o
combate às secas. Em 1921, foi novamente empossado como intendente de Fortaleza, mas deixou o
cargo para assumir a presidência do estado do Ceará, de 1923 a 1924, em substituição a Justiniano de
Serpa, falecido no meio do mandato [...] Publicou O secular problema da seca; Jeca-Tatu e Mané Xiquexique;
A URSS do deão.” MORAES, Kleiton de. “Ildefonso Albano”. ABREU, Alzira Alves [et.al.] (coord.).
Dicionário histórico – biográ co da Primeira República 1889-1930. FGV, editora CPDOC, 2015. Disponível
em: <https://epdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/ALBANO,%20Ildefonso.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2020.
1210. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 28
1211. Gostaríamos de destacar o avanço nos estudos da convivência do semiárido brasileiro, saindo um
pouco do enfoque deste trabalho, para mostrar que seca/semiárido/pobreza/água são temas que já
poderiam ter sido solucionados tendo um olhar voltado para própria natureza e o que ela oferece. De
acordo com Rebouças: “Os quase oito meses de ausência de chuvas que ocorrem anualmente, associados
à insolação de mais de três mil horas em alguns pontos dos semiáridos, podem representar
oportunidades não-convencionais de geração de energia como suporte fundamental ao seu
desenvolvimento sustentável. A partir da década de 80, projetos demonstrativos de energia solar
fotovoltáica vem sendo desenvolvidos para bombeamento de água, iluminação de residências e escolas
em vilas no interior dos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais”. REBOUÇAS, Aldo da C.
Água na região Nordeste: desperdício e escassez. Estudos Avançados 11 (29), 1997, pp. 127-154, p. 135.
1212. Ibidem, p. 134.
1213. Ibidem, p. 134.
1214. Ver: CAMPOS, José Nilson B.; STUDART, Ticiana. Op.cit, p. 7.
1215. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 45
1216. ALMEIDA, José Américo de. Seca no Nordeste... Op.cit, p. 30.
1217. Idem. Seca no Nordeste... Op.cit, p. 31 e p. 32.
1218. Ibidem, p. 33.
1219. Rebouças analisa os açudes construídos no sertão, da seguinte forma: “Não obstante essa oportuna
observação, os açudes foram sendo construídos tendo-se por base feições topográficas e/ou in uências
políticas locais, a tal ponto que açudes de bilhões de m3, como Orós (CE), afogam a maior extensão de
terras irrigáveis do vale do Jaguaribe e quase nada foi investido no capital humano para torná-lo apto a
usar e melhorar novas tecnologias de manejo adequado do binômio solo-água (Rebouças & Marinho,
1970). A açudagem pública apresenta um balanço de aproximadamente 1200 a 1500 reservatórios de
capacidade superior a 100 mil m3, com cerca de 450 barragens de mais de um milhão m3 e número
menor de açudes entre 2 e 4 bilhões de m3. Alguns açudes públicos foram construídos ao longo de
dezenas de anos, tal como o de Cedro, Quixadá (CE), cujo projeto datava de 1884 mas só concluído em
1906, ou seja, 22 anos depois”. REBOUÇAS, Aldo da C. Op.cit, p. 136 e p. 137
1220. Ver: MARTÍNEZ, Ana Teresa y VEZZOSI, José Vicente. Amalio Olmos Castro y la cuestión social
en Santiago del Estero. El Departamento Provincial del Trabajo entre límites estructurales y con ictos
ideológicos. Historia Regional. Sección Historia. ISP n. 3, Villa Constitución, Año XXXII, n. 40, enero-
junio 2019, p. 1-17; p. 5.
1221. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro, a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1939. Santiago del Estero: Talleres Graficos Accion, 1939, p. 7.
1222. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1939...
Op.cit, p. 7 e p. 8
1223. ROCHA, Pedro Diniz. Op.cit, p. 247
1224. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1939…
Op.cit, p. 8
1225. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 111
1226. Ibidem, p. 111.
1227. Ibidem, p. 111.
1228. Ibidem, p. 111
1229. Ibidem, p. 111.
1230. Ibidem, p.113.
1231. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad Territorial.. Op.cit, p. 9
1232. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1936Op.cit,
p. 36
1233. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua… Op.cit, p. 146.
1234. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1938, p. 16.
1235. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 314
1236. MONTENEGRO, Pio. La honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias,
correspondientes al año 1938... Op.cit, p. 34
1237. BANZATO, G.; ROSSI, M. C. Op.cit, p. 7.
1238. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua… Op.cit, p. 146
1239. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro, a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1939... Op.cit, p. 9
1240. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade: Em Marcha para o Oeste... Op.cit, p. 42 e p. 43
1241. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado...Op.cit, p. 646
1242. Ibidem, p. 646.
1243. Ibidem, p. 646.
1244. Ibidem, p. 645 e p. 646
1245. Ibidem, p 647.
1246. Ibidem, p. 621.
1247. Ibidem, p. 621.
1248. Ibidem, p. 621.
1249. Ibidem, p. 621.
1250. Ibidem, p. 621.
1251. Ibidem, p. 610.
1252. Ibidem, p. 610.
1253. Ibidem, p. 619.
1254. Ibidem, p. 619.
1255. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p.133.
1256. Ibidem, p. 134.
1257. Ibidem, p. 134.
1258. Ibidem, p. 139.
1259. Ibidem, p. 142.
1260. Ibidem, p. 143.
1261. Ibidem, p. 145
1262. Ibidem, p. 145.
1263. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, 224
1264. Ibidem, p. 224 e p. 225
1265. Ibidem, p. 224 e p. 225.
1266. Ibidem, p. 226.
1267. Ibidem, p. 226.
1268. Ibidem, p. 227.
1269. Ibidem, p. 227.
Considerações nais

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem.


Eu desestruturo a linguagem?
Vejamos: eu estou bem sentado num lugar.
Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim.
Tira o lugar em que eu estava sentado.
Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar [...]
Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem?
Fui eu ou foram as palavras?
E o lugar que retiraram de debaixo de mim?
Não era para terem retirado a mim do lugar?
Foram as palavras, pois que desestruturaram a linguagem.
E não eu.
(Palavras, Manoel de Barros)1270

Volto ao início das re exões que abriram este livro e que proponho, aos
moldes de Tunana, “vestir a linguagem”. Este trabalho tomou a narrativa, o
uso das palavras, da linguagem, como principal alicerce para pensarmos as
representações das secas no Ceará e em Santiago del Estero, além dos
contextos históricos que as atravessaram.
Nesse itinerário, o que prevaleceu foi uma re exão que priorizou analisar as
formas e os sentidos dos discursos, e como o papel da linguagem pode ser um
caminho de entendimento para analisar os períodos históricos do Brasil e da
Argentina nos anos 1930. Como Manoel de Barros escreve, na epígrafe desta
seção, “foram as palavras, pois que desestruturaram a linguagem” e não ele.
Eu me pus a desnaturalizar a linguagem em torno da seca e das regiões
acometidas por fortes estiagens, repensar as palavras usadas para se tratar
desse tema e o que elas podem ter de implicação na construção de ideias sobre
os espaços semiáridos, tanto quanto na concepção e aplicação de políticas
públicas sobre eles.
Muitas cenas são comuns no nosso imaginário quando pensamos as áreas
secas. No Brasil, os sertões são espaços ainda mais emblemáticos no que se
refere à construção de uma visão que brotava dia a dia nas cenas de secura,
fome, miséria e nas grandes retiradas, desde as narrativas da grande imprensa
ou dos periódicos locais até a literatura.
Na Argentina, já foi assinalado, o chaco santiagueño não é visto dessa forma.
Pelo que foi observado nas fontes e até mesmo na atualidade, a seca não
marca a vida da região. Em contrapartida, as narrativas que se seguiram em
1937 (e até mesmo em certos contextos anteriores) tiveram muitos pontos em
comum com o caso cearense e também mostram que a natureza vista como
problema, a ideia de um espaço-vítima, a fome, a pobreza, fazem parte e
formaram marcas para se pensar a província. A palavra reverbera e passa a se
somar ao campo de força político que faz parte dessas regiões. Sabemos que,
de fato, a seca existe, a desigualdade social também, mas cabe re etir como
isso se dá de maneira a desconstruir visões simplistas e reducionistas.
Isso me instigou a pensar, então: quais foram os discursos que sobressaíram,
em meio a uma forte crise climática, para pensar as áreas acometidas pela seca
no Brasil e na Argentina (que pesavam sobre elas a pobreza e a desigualdade
social)? Se essas narrativas priorizavam certas ideias, visões e modos de agir, e
pensar esses territórios, como isso se construiu? A partir de quem e como era
interessante afirmar-se percepções sobre o Ceará e sobre Santiago del Estero?
Por que não pensá-los como parte de uma narrativa política que desencadeou
e desencadeia, para essas populações, estigmatizações diversas? A seca, e as
narrativas sobre ela, como mostrado, podem revelar também as disputas em
torno desses territórios ao longo de diversos contextos históricos.
Nesse aspecto, o ponto-chave deste livro foi compreender quais discursos
foram construídos para essas áreas, tendo a seca como fio condutor, e que
diversas dessas narrativas já se encontravam no saber local, regional e
nacional sobre esses territórios. Por vezes, tais discursos acabaram se
constituindo como “naturais” para pensar os semiáridos cearenses e
santiagueños, e pouco problematizaram questões que estão para além da seca,
do clima, da geografia desses lugares.
Edward Said re ete sobre a invocação do passado como estratégia comum
para a interpretação do presente. Ele diz que dessa forma o que pode inspirar
esse anseio “não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o
que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o passado é de fato
passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob outras
formas”1271.
Por isso, não se tratou de compreender as narrativas sobre o Ceará e
Santiago del Estero como uma história linear, ou seja, “a ideia principal é que,
mesmo que se deva compreender inteiramente aquilo no passado que de fato
já passou, não há nenhuma maneira de isolar o passado do presente. Ambos se
modelam mutuamente, um inclui o outro”1272. Isso não significa idealizar ou
simplificar a relação entre passado e presente nem muito menos apresentar
aqui qualquer linearidade histórica, como já apontado. Buscou-se entender
que, como analisa Said: “Em nossos dias, não existe praticamente nenhum
norte-americano, africano, europeu, latino-americano, indiano, caribenho ou
australiano – a lista é bem grande – que não tenha sido afetado pelos impérios
do passado”1273.
O legado colonial representou, para o Ceará e para Santiago del Estero, que
suas populações fossem vistas, por diversos momentos, pelo espectro do
outro, de uma sociedade rural que vivia, por vezes, distante das capitais, e de
uma natureza rústica e de difícil acesso. Por outro lado, alguns intelectuais
destacados neste trabalho foram de suma importância para que as populações
desses “nortes” do Brasil e da Argentina fossem vistas, reconhecidas e
pensadas em um parâmetro nacional. O desafio, para eles, foi justamente
trazer à tona os dilemas da terra assolada. Assolada não somente pela seca,
mas pela própria desigualdade social que independe da estiagem. Junto a eles,
estiveram a imprensa tanto dos centros de poder quanto as regionais. Aqui,
talvez, o maior meio de difusão e disseminação de discursos. Essa imprensa se
fez presente na vida da população e foi um aporte de manutenção de poder, de
silenciamentos, de apagamentos. Foi ela que consolidou ideias, colocou em
xeque outras, falou para os seus e desejou, em certa medida, intervir
politicamente em diversas demandas desses localidades. A imprensa pode
garantir o status quo da elite dirigente ou pode deslegitimá-la, e a seca mostra
como isso se dá.
Nesse sentido, até que medida os muitos discursos analisados neste trabalho
estiveram vinculados a uma ideia de sociedade que não considerava os
modelos de vida da população rural? O que fica mais evidente nas narrativas,
principalmente da imprensa, é a concepção de que essa população, em meio
ao tema da seca, foi alvo de várias tentativas de controle. O controle aqui
permeou as re exões deste trabalho. Ele justificou as visões sobre esses
territórios e esteve intimamente relacionado à noção de medo. Medo das
multidões, o medo da seca, das doenças, das migrações, o medo dos saques,
dos roubos a armazéns, o medo da fome, da miséria, do cortejo de moléstias,
da falta de água, da “presença” dela, da miséria, do sertanejo, das gentes dos
bosques, dos seus costumes e crenças.
Podemos fazer uma analogia com aquilo que Bourdieu aplicou para re etir
o papel dos filantropos do século XIX. Ele diz que para eles havia sempre “as
classes perigosas, as classes dominadas, são objetivamente perigosas porque
portadoras de miséria, de contágio, de contaminação, etc.”1274 Bourdieu pensa,
portanto, “que no inconsciente coletivo essas coisas ainda estão presentes”1275.
Bastaria evocar alguns exemplos, e no caso deste trabalho a seca, a semiaridez
e a população sertaneja e do chaco santiagueño podem ser pensadas nessa
perspectiva. “As classes dominadas são objetivamente perigosas e o interesse
bem compreendido leva ao que se chamou de ‘coletivização dos riscos’: trata-
se de responder por medidas coletivas a perigos que atacam
universalmente”1276. Era preciso a manutenção da ordem econômica e
simbólica também nos casos analisados para o Ceará e Santiago del Estero.
Por isso, re eti acerca dessas regiões semiáridas considerando o que Bourdieu
chama de tentativa de se “domesticar os dominados”1277. Desde o século XIX,
em certos aspectos, no Brasil e na Argentina houve essa busca, e entende-se
que, na década de 1930, essa ideia não se modificou suficientemente.
Logo, em nome da modernidade, do progresso, da civilização, em nome da
melhoria da vida dessas populações justificava-se o controle sobre elas; talvez
para que saíssem do “limbo” em que se encontravam. Daí a necessidade de
que as políticas públicas dessem conta de mantê-las ocupadas: suas mentes,
seus corpos e suas ações. Os mesmos discursos de alguns intelectuais e da
imprensa fizeram eco na forma como o governo enfrentou os problemas dos
semiáridos, da seca, do desemprego rural, da pobreza do campo, da
desigualdade existente. O papel do discurso faz parte da disputa pelo espaço,
revela práticas pouco efetivas para esses territórios e deixa claro que as
relações locais que se perpetuam, muitas delas, até os dias atuais, não foram
desconstruídas totalmente.
Por isso, este livro não se propôs a analisar o papel das narrativas como uma
questão meramente simbólica que atua sobre as cabeças das populações do
Ceará e de Santiago del Estero, tirando delas seu papel de sujeito histórico.
Pelo contrário, sabe-se que não se pode explicar uma sociedade pelo discurso
apenas. No entanto, compreende-se claramente o papel de certos tipos de
narrativas no percurso histórico de um país, de uma população, porque elas se
tornam ações efetivas e modos de ver e intervir nelas. Quando se propôs
analisar os discursos em torno das secas do Ceará e de Santiago del Estero,
logo as representações desses espaços na década de 1930, desejou-se
evidenciar um percurso que mostrasse que as narrativas analisadas nos três
primeiros capítulos tiveram no quarto capítulo sua expressão real em políticas
públicas concretas para essas áreas. Ou seja, o discurso está imbricado na
prática política; é mais um elemento desta trama.
Nesse aspecto, Bourdieu também explica que para se estudar o Estado, deve-
se compreender as suas teorias ligando-as “às suas condições sociais de
produção”1278 e vinculando-as à realidade social. A produção do discurso, ou
seja, das ideias, é fundamental. O autor coloca:

[…] não tem o menor sentido estudar ideias como se elas passeassem numa espécie de céu
inteligível, sem referência aos agentes que as produzem nem, sobretudo, às condições em que
esses agentes as produzem, isto é, particularmente às relações de concorrência em que estão
entre si. Elas são, portanto, ligadas ao social por esse lado, e por outro lado são absolutamente
determinantes no sentido de que contribuem para construir as realidades sociais tais como as
conhecemos1279.

Por isso, re etiu-se sobre as fontes aqui analisadas considerando os agentes


que as compunham. Tais agentes construíram e interferiram no mundo social,
como analisado principalmente para os discursos do capítulo quatro. Isso
mostra como foi importante pensar o papel das narrativas dentro das
instituições como condições sociais e produtoras de realidades sociais, como
explica Bourdieu. É preciso compreender, também, que o Estado não se dá
apenas por meio do que Bourdieu chama de domesticação, mas que se
configura como assistência e filantropia, o que justificou, muitas vezes, os
diversos discursos analisados neste livro. Logo, buscou-se evidenciar que:

Construir a nação, construir o Estado, construir a nação a partir do Estado é favorecer a


“integração” dos dominados. Integração: eis mais uma dessas palavras que foi muito empregada
em contextos políticos diversos, e que hoje ressurge mas quer dizer duas coisas. É um
movimento para o centro, é uma participação no illusio (entrar no jogo)1280.

Dentro desse panorama, a elite local produz e se reproduz, por vezes, por
meio da relação de dependência que ela constrói e construiu com o pequeno
produtor rural. Ou mesmo, mantém seu poder por meio dela. E isso fica
evidente quando, nos dias de hoje, essas áreas ainda sofrem com o problema
da seca e da desigualdade regional, em um sentido de que ainda não
conseguem enfrentar as demandas geográficas sem o estigma da pobreza e da
escassez.
O Brasil, a Argentina e o Uruguai discutem, em diversos encontros atuais, os
problemas ambientais que assolam parte de seus países. Em 2018, o tema da
desertificação e da pobreza de regiões áridas e semiáridas foi debatido na
Conferência Sul-Americana sobre Combate à Deserti cação1281. O problema da
convivência com o semiárido faz parte da história dessas localidades ao longo
do tempo, e, mesmo assim, o Ceará e Santiago del Estero ainda sofrem com a
falta de planejamento em períodos de seca.
Em 2013, segundo as Confederaciones Rurales Argentinas1282, Santiago del Estero
havia tido a pior seca dos últimos dez anos e os produtores rurais estavam
ameaçados pela falta de chuvas. Em outubro de 2017, o Ceará estava tomado
pela seca em todo território, com maior ou menor grau em certas localidades.
Chuvas escassas e de pouca expressão afetavam o estado há cinco anos,
gerando forte impacto na vida do produtor rural1283.
Nesse sentido, as iniciativas de convivência e adaptação1284 ao semiárido se
propõem cada vez mais encadeadas. Outras maneiras de positivar a geografia
desses lugares ou, como coloca Maciel e Pontes, de ressignificá-la, têm feito
parte das políticas públicas para os semiáridos, bem como a articulação entre
iniciativas em prol do semiárido da América Latina. Não que isso não ocorra,
como explicam os autores, “sem contradições, respondendo a múltiplos
impasses”1285, mas de fato a diferença com os contextos anteriores analisados
neste livro existe em alguns aspectos, e deve ser esclarecida.
Dito isso, no ano de 2020 foi lançada a plataforma Daki Semiárido Vivo que
conta com uma rede de ações “realizada em três grandes regiões semiáridas
das Américas: duas delas na América do Sul, o Semiárido brasileiro e o Grande
Chaco na parte situada na Argentina, e outra na América Central, o Corredor
Seco no território de El Salvador. Apoiada pelo Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a iniciativa está pautada em dois grandes
focos temáticos: sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas.”1286
No entanto, como nos coloca Maciel e Pontes, no que se refere ao
imaginário sobre os sertões do Nordeste brasileiro, ainda há uma grande
dificuldade de entendimento sobre suas potencialidades, isso porque:

Ainda quanto ao caso brasileiro, bastaria considerar seus aspectos ímpares para classificar a
região semiárida do Nordeste como um espaço de interesse biogeográfico. Todavia, não
obstante sua biodiversidade e caráter singular – trata-se de “um ecossistema exclusivo do
Brasil”, como é constantemente lembrado nos documentos oficiais e produções acadêmicas –
até recentemente a Caatinga apresentava-se bastante estigmatizada no imaginário geográfico
nacional enquanto um ambiente inóspito e relacionado ao deserto e à miséria, talvez pelo
aspecto pouco opulento de sua paisagem vegetal, sobretudo em comparação à Amazônia ou às
orestas úmidas e sub-úmidas do litoral (Mara Atlântica).1287

Fora esse fator, a agricultura de sequeiro e a pecuária extensiva da região


ainda se fazem com base “numa estrutura fundiária concentrada que torna
precária a situação de milhões de pequenos produtores rurais.”1288 Ou seja,
como apontado nas análises deste livro e reiterado por Maciel e Pontes, “as
secas periódicas apenas agravam uma situação de fragilidade socioeconômica
estrutural no campo.”1289 Nesse sentido, em relação a esses aspectos em
particular, observa-se o fundo histórico de longa duração que recai sobre os
sertões do Ceará e do Nordeste brasileiro.
No caso da Argentina, mesmo que já se tenha notado que no caso do chaco
santiagueño a visão sobre o espaço não se dá da mesma forma que nos sertões
cearenses e sua caatinga nordestina, também há, em alguns aspectos, uma
dificuldade ou mesmo a falta de uma boa articulação para se pensar a
convivência com o semiárido, e a relação com os recursos naturais. Dados do
Daki Semiárido Vivo mostram que na Argentina a grande parte da população
que vive em estado de pobreza se encontra no Grande Chaco argentino1290
(Chaco, Santiago del Estero, Salta, Jujuy, Tucumán, Formosa, Córdoba).
Segundo os dados:

A pobreza afeta 32% das/os argentinas/os (14 milhões de pessoas) e 80% das/os moradoras/es
do Chaco, que padecem de insegurança alimentar e nutricional e de desnutrição. O Chaco
abriga a maior proporção de comunidades indígenas – nove grupos étnicos diferentes,
compostos principalmente por comunidades de caçadoras/es-coletoras/es – e a maior taxa de
desmatamento da Argentina. O Chaco é uma vasta área plana entrecortada por importantes
cursos de água e montanhas que possuem orestas adaptadas à seca. A mudança climática
projetada para o Gran Chaco prevê um aumento na temperatura média anual de mais de 1° C
até 2040, enquanto que, em algumas áreas, o aumento pode chegar a 1,75° C. Com a alteração
do calor, o regime de chuvas também é afetado e a tendência aponta para maior variação na
distribuição sazonal e espacial da chuva. Atualmente, a região tem uma capacidade limitada de
adaptação às mudanças climáticas devido à sua forte dependência da agricultura e falta de
infraestrutura para gerenciar recursos hídricos. O Chaco está sujeito a um processo severo de
degradação dos recursos naturais e da biodiversidade. 1291

Também observa-se que há um fundo histórico de longa duração no que diz


repeito tanto à pobreza do chaco santiagueño quanto à questão do
gerenciamento dos recursos hídricos (viu-se como o tema da água é caro à
província ao longo dos séculos), tanto quanto pela degradação ambiental (em
Santiago vimos o caso da exploração do quebracho), assim como o dilema em
torno de quem detém a posse da terra.
Apesar das diversas iniciativas existentes na atualidade, o que desejou-se
mostrar é que ainda há que se desnaturalizar e se reinventar positivamente
esses espaços, para que saiam da pobreza e para que gerem novos vínculos
com a terra e com o problema também da concentração dos recursos naturais.
Nesse sentido, voltando à década de 1930, observou-se que, ao longo do
tempo, populações inteiras do interior tiveram que se adaptar a um modelo de
sociedade em que dominar as gentes passava a ser o desafio da vida moderna.
Dominaram-se territórios, modificaram-se fronteiras, demarcaram-se espaços.
Aqui, o espaço urbano, o encontro do litoral e do interior, transformou as
relações sociais. Isso significou que, por vezes, as populações rurais do Ceará e
de Santiago del Estero, fossem vistas como atrasadas, com o outro diferente de
uma vida urbana, ou moderna.
Em nome da modernidade e do progresso, dois conceitos-chaves para pensar
os países latino-americanos, interveio-se nos sertões cearenses e nos bosques
santiagueños. A pobreza e a desigualdade social dessas áreas foram justificadas
por uma ausência do mundo moderno ou mesmo porque suas populações
viviam imersas em suas tradições. Aqui, novamente se pode pensar o
encontro do litoral e do interior, do urbano com o rural, que, quando baseado
nos modelos capitalistas de produção, viam nas formas de vida rurais
impeditivos para o avanço e para sua integração no mercado, fosse local ou
internacional, ao mesmo tempo que intervir nesses territórios era justamente
controlar sua produção, seus recursos naturais e assim explorar suas terras.
No Brasil, ora a população do sertão cearense foi vista de maneira
romantizada, idílica, ora podia ser percebida como o autenticamente nacional
e ou avessa à modernidade. Na Argentina, os santiagueños, atrelados aos
povos nativos, porque assim o eram em grande medida, podiam estar
relacionados a uma ideia mítica, folclorizada, ou mesmo submetidos a uma
elite criolla que buscava apagar as diferenças locais, sepultar as desigualdades,
em nome da grandeza da pátria1292. O bosque devia receber a “civilidade”.
Ao pensar nessas propositivas, devemos nos fazer as mesmas perguntas que
Honorat Aguessy, ao tratar das visões e percepções tradicionais da África: “O
que é tradicional na concepção do mundo de um povo? Aquilo que é relegado
para o passado muito antigo desse povo? Não será antes o que não deixa de
manifestar a marca particular do povo considerado e que, desprezado pelo
modernismo, vem sempre ao de cima?”1293 Ele mesmo responde e essa
re exão, que é fundamental:

[�] a cultura tradicional faz-se, desfaz-se e refaz-se. Não é um sinônimo de moda passageira
como o modernismo. Só ela caracteriza uma cultura e distingue de uma outra cultura […] A
tradição não é uma repetição das mesmas sequências em períodos diferentes, ou uma força de
inércia ou de conservadorismo arrastando os mesmos gestos físicos e intelectuais para um
imobilismo de espírito incapaz de se renovar1294.

Essa inspiração totalizante do pensamento moderno que se incidiu na


América Latina, por fim, minimizava e eliminava as diversidades regionais e
suas tradições em nome do progresso nacional, como re etido até aqui.
Nesse aspecto, podemos nos apropriar do pensamento de Rodolfo Kusch
para pensar a Argentina e também o Brasil. Para ele, a América só passou a ter
história quando tornou-se alienada. América, para ele, é Huarachi, ou seja,
sem história. Sua história não é mais que a de seu progresso, porém no sentido
colonial1295. Essa história se movimenta, portanto, sobre esse vazio da
América. E esse vazio não significa absolutamente um vazio no sentido literal,
mas aquele antigo “vazio de civilização” que a Europa impôs à América
Latina. Nesse sentido, pelo contrário, países como Brasil e Argentina, no
centro de seus muitos processos formativos resistiram e ressignificaram sua
existência.
Isso significa trazer para esta re exão final que, em nenhum momento, quis-
se dizer que a América Latina é causa e efeito de uma população que aceitou
passivamente imposições. No caso analisado neste livro, com os exemplos do
Ceará e de Santiago del Estero, a população local se reinventou diante dos
muitos discursos que tentaram desqualificá-las. Imigrou para as cidades,
“invadiu” as capitais, saqueou armazéns, fazendas, “roubou” tanques de água,
protestou nas praças públicas. Amotinou-se em frente às obras de combate à
seca, no caso brasileiro; pediu trabalho nos casos do Ceará e de Santiago del
Estero, reivindicou salário, protestou contra o mercado de água como o caso
das “protestas” em Santiago, se aglomerou ao redor dos locais onde as ferrovias
passavam e formou ali comunidades. Sabia fazer do seu espaço o lugar onde
podiam se colocar, se fazer ouvir.
Por vezes, morreram de fome e de sede, sem emprego, ou de doenças
causadas pela seca, pelas péssimas condições das migrações subsidiadas pelo
governo, nos trens sujos e abarrotados de gentes, pela falta de higiene em que
viviam, sem água e sem ajuda do governo. Não porque aceitassem apáticas a
situação em que viviam, mas porque se encontravam em relações clientelistas,
paternalistas, de difícil, mas não impossível, desvinculação.
Novamente reitero que não foi possível abarcar o lugar dessas reivindicações
ao longo deste livro. No entanto, nesse aspecto, acredita-se que foram elas
inclusive germes de movimentos sociais rurais que repercutem até os dias
atuais nessas áreas. Pode-se pensar no lugar das ligas camponesas no Nordeste
brasileiro em Pernambuco e na Paraíba, vindas justamente das reivindicações
de trabalhadores rurais das décadas de 1950 e 1960; frutos de demandas que já
existiam nos semiáridos, nas zonas da mata, nos engenhos açucareiros ao
longo da história do próprio Nordeste. Considero também o Movimento dos
Sem-Terra que reivindica seu lugar enquanto herdeiro das Ligas Camponesas,
e existe até os dias de hoje lutando pela posse da terra, contra o latifúndio. Do
mesmo modo, se pode re etir como a via campesina de NOA nasceu,
certamente, de descontamentos rurais já existentes, como os da província
santiagueña; o movimento social rural MOCASE que se formaliza somente na
década de 1990 e existe até os dias atuais, seguramente, é oriundo de um
passado “obrero”, “campesino” das populações rurais de Santiago. MOCASE
também tem lutado pela posse da terra e pela melhoria das vidas das famílias
campesinas da região, tendo como pauta de luta a reforma agrária.
A partir disso, é possível evidenciar, também, o que, segundo Bourdieu, faz
parte do jogo das hierarquias sociais:
Os dominados têm a opção entre sair, excluir-se, fazer dissidência, fazer secessão, ou protestar,
o que é uma maneira de estar no sistema. Essa alternativa esquece, porém, que os dominados
têm custos de secessão associados à perda dos benefícios da ordem; e os benefícios da ordem,
repito, jamais são nulos. De certo modo, os dominados forçam os dominantes a fazerem
concessões, e em grande parte essas concessões, associadas à ameaça de secessão, são sobre o
que se chama de social e de vantagens sociais1296.

Em que pese a lacuna sobre o papel reivindicatório dos sertanejos e dos


santiagueños neste livro, buscou-se analisar e considerar que os discursos
propagados na década de 1930, imersos nas discussões que apontadas sobre o
ser latino-americano desde o final do século XIX, empenharam-se em
consolidar a dominação das populações e seu modo de ser/estar no mundo.
Contudo, isso não significa que as correlações de forças, as lutas de classes, não
existiram. Pelo contrário, quando uma elite local se apropriou dos discursos
sobre essas áreas, no Ceará e em Santiago del Estero, salientou-se que apesar
de alguns caminhos distintos de se disseminar visões sobre elas, ambas
similarmente reforçaram o poder local, a exploração da terra e de seu povo.
Isso se deu ora nas capitais, Buenos Aires e Rio de Janeiro, que reafirmaram e
por vezes criaram concepções e imaginários sobre esses territórios, ora tinha
na própria classe dirigente local a manutenção e controle desses espaços.
Vimos que, na década de 1930, no Brasil de Vargas e na “Década Infame”, da
qual Justo fazia parte, as elites que comandavam esse afã de unidade nacional
eram diferentes. Uma classe média urbana, junto com os tenentes e uma elite
citadina se uniram à Vargas para situar esse novo Brasil da Revolução. Em
contrapartida, na Argentina, a oligarquia retomou seu lugar na política e
interveio assim no território e na ideia de unidade nacional. Todos os modelos
constituíram, cada um a seu modo, uma modernização conservadora, e se
impuseram dessa forma. Nesse sentido, sintetizando esse processo complexo,
ambas pretendiam trazer para o centro dos seus países o ambiente rural e
deslocá-los de um modelo passado de vida.
Portanto, ao pensar as histórias dos ambientes rurais do Santiago del Estero
e de Ceará pelo viés da modernidade, proponho-me a re etir tal como o faz
na atualidade o líder indígena brasileiro Ailton Krenak quando diz: “a ideia de
nós, humanos, nos deslocarmos da terra, vivendo numa abstração
civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das
formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o
mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo”1297.
Tal escolha “civilizatória” da América, mais uma vez, revela um processo
histórico que ressaltamos neste trabalho e culmina no que hoje Ailton Krenak
chama de uma “abstração civilizatória absurda”. Como é difícil, para os latino-
americanos, em especial, pensarem-se fora dos padrões outros que não os seus
mesmos. Daí, novamente, ter abarcado, neste livro, o espaço semiárido
também nessa perspectiva. Como noções cunhadas a partir da necessidade de
civilidade fazem com que, dentro de alguns aspectos, até os dias atuais, haja
dificuldades de se compreender as áreas rurais, como as cearenses e
santiagueñas, fora dos padrões que nivelam e tentam igualar culturas,
populações e territórios a um único modo de se conceber uma sociedade (se
possível urbana, industrial, moderna). Em nome dessa busca “incessante”, “se
oferece o mesmo cardápio”, padronizam-se formas de vida, como re ete
Krenak.
Outra re exão também pode ser feita, dentro dessa perspectiva de criação
de imaginários. Na reportagem de O Globo de 2017 dizia: “‘Asa Branca’ chega a
70 anos atual e imortalizada na voz de Luiz Gonzaga”1298. No mesmo ano Brasil
de Fato também noticiava: “Asa Branca, o hino nordestino, completa setenta
anos”1299. Vê-se como uma antiga noção de sertão, datada aqui nesta canção
lançada em 1947, é até hoje o “hino” que revela o Nordeste. Voltemos às
digressões que acompanharam este trabalho. Novamente nos deparamos
como uma visão que permeia a ideia de sertão como sinônimo de Nordeste. E,
assim, padroniza-se o que seria a pluralidade que o próprio ser nordestino
pode revelar. Sertão/Nordeste/Seca fizeram parte da construção de
imaginários em torno dessa região e foi a tentativa de análise deste livro.
Quantas vezes, no caso brasileiro, ouvindo uma música de Luiz Gonzaga,
deparamo-nos com uma ideia de um sertão triste, pobre, penoso? Que padrão
de vida pode revelar um tipo de canção como a de Gonzaga? Talvez por
idealizar o sertão e o sertanejo, Gonzaga acabe por afirmar e consagrar um
espaço-vítima, como nos colocam as análises de Albuquerque Júnior para
pensar o sertão ou mesmo, por mais que se revele o desejo de Gonzaga de
mostrar seu amor à terra, de revelar o desejo de todo migrante de retornar ao
sertão depois da seca, ou mesmo a ideia de que o espaço do sertão é “o melhor
de se viver”, Gonzaga acabe por consagrar estereótipos sobre a vida rural em
um misto de “idealizações” e “romantizações”, mesmo que faça isso
denunciando a fome, a seca, a miséria.
Em trecho de Asa Branca, podemos pensar sobre essa visão que permeia
nosso imaginário até os dias atuais:

Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João, eu perguntei a Deus do céu, ai,
porque tamanha judiação [...] Que brazeio, que fornaia, nem um pé de prantação. Por falta
d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão [...] Espero a chuva cair de novo, pra mim
vortar pro meu sertão1300.

É possível perceber, nesse fragmento, uma visão geográfica que culminou na


construção desse Nordeste, no singular. Mesmo que tenha havido uma
tentativa de trazer o sertão como espaço da autenticidade brasileira,
principalmente no contexto de 1930, isso não afirmou que pensar no sertão é
imaginar vida, abundância, diversidade, riqueza. O espaço semiárido,
imortalizado aqui com o exemplo de uma canção de Luiz Gonzaga, é sempre
algo distante da realidade urbana. Exprime-se numa permanência de um
passado, por vezes, “colonial”, e chega ainda a ser visto como atual como
mesmo ressaltam os títulos das reportagens de O Globo e Brasil de fato.
Na Argentina, Santiago del Estero, em outro sentido, também acaba por
revelar uma idealização do ser provincial. Aqui, não necessariamente atrelado
à natureza semiárida, à seca, como é o caso cearense, mas sim vinculado ao
folclore. Adolfo Ábalos, compositor folclorista nascido em Buenos Aires em
1938, compôs Nostalgias santiagueñas, que passou a ser um dos hinos da região.
Em sua letra, a nostalgia do imigrante que desejava retornar à sua terra é o
ponto central dessa canção: “Pago donde nací, es la mejor querencia: Y más me lo
recuerda. Mi larga ausencia [...] Santiago que dejé, con mi rancho querido. Cuna de los
mistoles, charqui y quesillo [...] Forastero que va, siempre quiere quedarse”1301.
Em 2018, uma reportagem do periódico Página 12 vinha com o título:
“Nostalgias santiagueñas y cruces generacionales”1302. Podemos re etir por que
essa música, datada de 1938, cruzava gerações em 2018. Seria apenas pela
cultura local disseminada pelas chacareras1303 de Ábalos que cruzavam os
tempos com essa temática, de fato, singular? Ou por que pensar em Santiago
del Estero é remeter-se ao folclore, à população que migra, à ausência, ao
“rancho querido”, ao passado. A nostalgia, próprio título da canção, ainda
podia ser vista como possível de representar a província e talvez mesmo o
próprio Noroeste argentino ainda na atualidade?
Apesar das diferenciações com a forma de se pensar o Ceará e Santigo del
Estero, o tema rural ainda é marca constitutiva dessas áreas. Faz parte do
imaginário construído e consolidado até os dias de hoje. E nos faz re etir
como a invenção do espaço geográfico, está no bojo, em certos aspectos, do
que compreendo saber sobre territórios como as áreas rurais da província
santiagueña e o estado do Ceará.
Outra vez, o encontro do urbano com o rural se faz presente também na
narrativa de Santiago. A nostalgia bucólica do regressar desse forasteiro, como
diz a letra de Ábalos, revela o meio rural como algo, por vezes, estático,
parado nas tradições, nos costumes. Aí se dá novamente o encontro do litoral
com o interior. O espaço do “avançado” em contraposição ao “rancho”, “a
fazenda”, ou mesmo “la mejor querencia”.
Em contrapartida, é evidentemente notória a importância de Gonzaga e
Ábalos para a cultura local brasileira e argentina. A questão não se dá por essa
via, mas, sim, em compreender que ao se valerem, na atualidade, de certas
imagens sobre esses territórios, se pode consolidar certos estereótipos que
culminam em uma segregação dos espaços, das populações, e podem eliminar
as diferenças existentes. Para os sertanejos, e certamente para os santiagueños,
Gonzaga e Ábalos representam o sentimento de suas vivências e de suas
culturas locais. Novamente não coube aqui uma crítica neste aspecto. A ideia é
que possamos re etir sobre essas narrativas, para que se abram possibilidades
de entendimento diferentes sobre essas regiões e para que se analise como
algumas ideias são apropriadas pela sociedade e podem reverberar em uma
cristalização de estereótipos.
Chartier nos convida a pensar sobre “a problemática do ‘mundo como
representação’, moldado através das séries de discursos que o apreendem e o
estruturam, conduz obrigatoriamente a uma re exão sobre o modo como
uma figuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das
imagens) que dão a ver e a pensar o real”1304. Re etimos, neste sentido, se não
é necessário que voltemos nosso olhar de forma a questionar, sempre que
necessário, certos tipos de representação do mundo social. Daí o interesse,
como explica Chartier, em estudar o “processo por intermédio do qual é
historicamente produzido um sentido e diferenciadamente construída uma
significação”1305.
Por isso, a escrita que compôs esse livro foi uma tentativa de re exão em
torna da necessidade latente de se estudar a maneira como “os discursos
afetam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreensão de si
próprio e do mundo”1306. Ou seja, as diversas narrativas aqui propagadas por
intelectuais, pelos periódicos, por agentes políticos e pelas instituições
brasileiras e argentinas, devem ser analisadas considerando que elas
produzem visões sobre esses territórios que podem, inclusive, afetar a
maneira pela qual enxergamos essas regiões; daí “se constroem
representações aceitas ou impostas do mundo social”1307. Por isso, se buscou
entender as historicidades contidas nestes discursos.
Milton Santos explica que o território “é lugar em que desembocam todas as
ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas,
isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das
manifestações da sua existência”1308. É, ainda, o chão mais a identidade, no
sentido de pertencer; é o lugar de resistência, de trocas materiais e
espirituais1309. Por isso, o interesse deste livro, em particular, foi de entender os
semiáridos como esses lugares em que se criaram identidades, paixões,
reforçaram-se poderes. Fizeram parte do jogo político das representações, no
sentido que se buscou compreendê-los dentro da análise dos discursos. Como
analisa Ivaldo Lima: “é preciso que se diga que o uso político do território
implica relações de poder as quais se projetam nesse território por meio da
participação – controle direto – ou da representação política – controle
indireto. Isso vem a constituir exatamente a interface espaço-poder”1310.
A todo momento, procurou-se reiterar o papel que ocupa esse espaço-poder,
como explica Lima. O território, como participação e representação política,
faz parte da construção também imagética/identitária desse sertão cearense e
do bosque santiagueño. A partir de um jogo de poder de domínio sobre esses
territórios foram criadas imagens sobre eles e suas populações. Isso implica
pensar uma perspectiva político-geográfica, como analisa Lima para o caso
brasileiro, e ampliamos para o argentino.
Reconhece-se, assim, que os territórios cearenses e santiagueños fazem parte
também de um certo “forjar” de suas representações, pois essas regiões
implicaram e ainda implicam um campo de disputa nos diálogos políticos que
tem como base suas ações a partir do território. No momento que se desejava
intervir nesses espaços, se consolidava um certo tipo de visão, uma certa
narrativa, um certo olhar sobre eles, que estão e são base das disputas de
poder político que a própria região encarna em si mesma. Isso se deu tanto em
nível dos centros de poder, como esses países pensaram essas áreas, como em
nível local, como internamente se disputaram e fizeram valer noções sobre
esses territórios.
Aqui, o poder da representação do território, apropriando-se das análises de
Ivaldo Lima, foi também central deste trabalho. Por isso, a natureza ganhou
corpo como parte do discurso sobre essas áreas. Os elementos naturais: a
terra, a água, o sol, a chuva... compuseram as narrativas sobre o Ceará e
Santiago del Estero. Evocava-se a natureza-problema para pensar o porquê da
seca, da fome, da miséria desses locais. Podemos pensar mais uma vez na
geografia e no conceito de determinismo geográfico.
É lugar-comum também entender áreas acometidas por fenômenos
climáticos extremos como a seca, vinculando-as as condições em que vivem as
populações dessas áreas (geralmente pobres) com a natureza e seu clima, em
uma relação causa-efeito que não problematiza as conjunturas sociais
existentes. Em nome do progresso e da modernidade, me volto a eles
novamente, se utilizou de uma característica geográfica para se fazer valer o
“poder da representação territorial”, de seu domínio, da legitimação de um
“espaço-poder”, principalmente nos anos 1930.
Nesse sentido, reconhecendo a importância de se entender onde se
encontram esses territórios no quadro político, econômico, social e cultural do
Brasil e da Argentina na atualidade, este trabalho pretendeu contribuir com os
estudos voltados às regiões semiáridas latino-americanas. Não são realidades
próximas no que se refere ao mapa geográfico da América Latina, como já
mencionado, mas suas histórias se vinculam, fazem parte da própria narrativa
do ser latino-americano e estão na base de problemas conjunturais que
assolam essas regiões ainda atualmente, muitos dos quais gerados pelo
próprio desconhecimento do que é a história da América Latina e suas
pluralidades geográficas.
O desconhecimento das diversas semelhanças sociais, políticas, econômicas
que compõem espaços rurais como os da Argentina e do Brasil, faz parte de
um olhar voltado ao outro, supostamente distante de nós, e limita ações
efetivas para que locais como os semiáridos, em que a seca faz parte da
geografia da região, encontre reais soluções para convivência com a sua
natureza e seu clima e se superem erros históricos motivados “pela ignorância
e estereótipos relacionados àquele ambiente.”1311. Também para que se
possam reforçar as lutas dos movimentos sociais contra “negatividade do
imaginário geográfico prevalecente”1312 como nos instiga a pensar Caio Maciel
e Emílio Pontes para o caso dos semiáridos nordestinos, e atribuímos este
mesmo sentimento para os santiagueños.
Bourdieu nos convoca a re etir que a função maior da história “é fornecer
instrumentos para desbanalizar e desnaturalizar […]. O próprio de uma
socialização bem-sucedida é fazer esquecer a socialização, é dar a ilusão de
caráter inato ao que é adquirido”1313. Isso é o que ele chama de “amnésia da
gênese”1314. Ou seja, “tudo o que é natural, tudo o que está excluído da
discussão torna-se, abruptamente, uma questão: a questão das fronteiras, a
questão de saber quem é cidadão e quem não é, a questão das condições da
cidadania”1315. Também pode-se pensar na questão das secas aqui propostas
como fios condutores do próprio saber sobre as regiões semiáridas e o seu
lugar no todo nacional, dentro desse algo que foi naturalizado e excluído
historicamente, ou mesmo dessa amnésia da gênese a qual Bourdieu se refere.
Vale mencionar, por fim, uma pesquisa realizada por uma parceria entre o
Instituto de Relações Internacionais da USP e o Centro de Investigação e
Docência Econômica (CIDE), do México, para o projeto The Americas and
World (TAW). Tal estudo teve como um de seus objetivos “fazer uma análise da
medida em que os cidadãos de vários países latino-americanos reconhecem
uma identidade regional comum”1316. Os dados sobre o caso brasileiro são
relevantes em relação aos seis outros países entrevistados: Peru, México,
Equador, Argentina, Colômbia, Chile. Aponta-se que em 2016, 4% dos
brasileiros se consideram latino-americanos, e “em média 43% dos
entrevistados se consideram primeiramente latino-americanos, variando de
59% na Colômbia a 38% no Chile”1317. A Argentina, de acordo com o gráfico
trabalhado pelos autores Ricardo Bo e Aline Moreira, teve uma média 50%
da população que se considerava latino-americana.
Isso chama a atenção para a necessidade de estudos que integrem o Brasil à
América Latina enquanto identidade comum e por isso, como no caso da
análise dos autores Ricardo Bo e Aline Moreira, “esta pesquisa reforça o quão
afastados da própria região os brasileiros se sentem, apesar dos esforços de
integração regional empreendidos nas últimas décadas”1318.
Por isso, este livro foi um convite para que possamos desnaturalizar certas
visões e estereótipos sobre os semiáridos argentinos e brasileiros de modo a
unir nossas trajetórias comuns latino-americanas, ou mesmo, para
repensarmos as consequências da atribuição de uma única ideia sobre um
lugar e sua população, de igual maneira como faz Chimamanda Ngozi
Adichie, ao falar como o continente africano é visto, principalmente desde a
concepção ocidental, por muitas pessoas. É o que a autora chama de “o perigo
da história única”.
Foi assim que se coube re etir como podemos pensar os semiáridos para
além da história de pobreza, fome, miséria, seca e exploração da terra e do
trabalho. Ou mesmo como essas noções foram construídas historicamente de
modo a cristalizar a história dessas regiões apenas por esses elementos.
Quando Adichie diz que a África é vista, muitas vezes, apenas por uma
história de catástrofe, retira-se do continente “qualquer sentimento mais
complexo que pena.”1319 Dessa maneira, explica a autora: “é assim que se cria
uma história única: mostre um povo como uma coisa, uma coisa só, sem parar,
e é assim que esse povo se torna.”1320
Para Adichie, “é impossível falar sobre a história única sem falar sobre
poder.”1321 Isso significa que o poder, para ela, “é a habilidade não apenas de
contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história
definitiva.”1322 Assim, “a história única cria estereótipo, e o problema dos
esterótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem
com que uma história se torne a única história.”1323
Nesse sentido, este livro também quis trazer como espaço de compreensão o
perigo de vermos e pensarmos os semiáridos apenas por certas narrativas que
os formaram, em sua ampla maioria, ao longo de diversos contextos
históricos. Como nos convoca Chimamanda Adichie, outras histórias
importam e podem humanizar e emponderar pessoas. É do mesmo modo que
fez Emílio Pontes, no campo da disciplina da Geografia, quando disse:
“Passada a estiagem e com o retorno das chuvas, espera-se que o semiárido
sul-americano continue nos meios de comunicação não mais para mostrar
tragédias, calamidades e mortes e sim sua exuberância humano-
paisagística.”1324 Como re ete Adichie, “quando percebemos que nunca existe
uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso.”1325
Este trabalho foi, por fim, uma porta aberta para que outras histórias possíveis
sejam narradas sobre os semiáridos para além da dor e para que se possa
problematizar como a seca também é uma questão política.

1270. BARROS, Manoel. Palavras. In: Meu quintal é maior que o mundo. Antologia. Rio de Janeiro:
Objetiva: 2015, p. 120
1271. SAID, Edward. Op.cit, p.23
1272. Ibidem, p. 24.
1273. Ibidem, p. 25.
1274. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, 642
1275. Ibidem, p. 642.
1276. Ibidem, p. 642.
1277. Ibidem, p. 642.
1278. Ibidem, p. 607.
1279. Ibidem, p. 607.
1280. Ibidem, p. 640.
1281. Ministério do Meio Ambiente. Mais de 70 % do território argentino é árido ou semi-árido. 2004.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/informma/item/2059-mais-de- 70-do-territorio- argentino-
e -arido-ou-semiarido>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1282. Confederaciones Rurales Argentinas. La pior sequía de los últimos 10 años en Santiago del Estero,2014.
Disponível em: <http://www.cra.org.ar/nota/7218-la-peor- sequia-de-los- ultimos-10 -anos-en-
santiago-del-estero/>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1283. PORTAL G1, O GLOBO. Seca que afeta o Ceará há 5 anos deve se agravar até abril, diz ministério. 08 de
fevereiro de 2017. Disponível em: <http://g.globo.com/ceara/noticia/2017/02/seca-que-afeta- o-
ceara-ha- 5-anos -deve-se-agravar-ate-abril-diz-ministerio.html>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1284. Sobre esses dois conceitos ver: MACIEL, Caio e PONTES, Emilio Tarlis. Op.cit.
1285. Ibidem, p15.
1286. Sobre Daki Semiárido Vivo, ver: https://semiaridovivo.org/. Acesso em: 15 de jun. 2021.
1287. MACIEL, Caio e PONTES, Emilio Tarlis. Op.cit, p. 21.
1288. Ibidem, p. 21.
1289. Ibidem, p. 21.
1290. De acordo com a plataforma Semiáridos: “El Chaco Semiárido, con precipitaciones entre 750 y
500 milímetros anuales, comprende a Bolivia, la porción occidental de Paraguay, y la Argentina (mitad
occidental de las provincias de Formosa y Chaco; la oriental de Salta; casi todo Santiago del Estero;
norte, noreste y centro de Córdoba). Es una vasta planicie interrumpida por cursos de agua importantes
y por serranías que presenta bosques adaptados a la sequía. El clima es continental, cálido subtropical,
con áreas que presentan las temperaturas máximas del continente. El potencial productivo de la región
es muy alto. Sin embargo, esta región se encuentra sometida a un severo proceso de degradación de sus
recursos naturales y de su biodiversidad. Estas condiciones acentúan la marginalización social y
económica de las comunidades indígenas y familias campesinas que viven allí.” Disponível em:
https://www.semiaridos.org/regiones-semiaridas/ Acesso em: 16 de jun. 2021.
1291. Dados retirados de: Daki Semiárido Vivo. Disponível em: https://semiaridovivo.org/. Acesso em:
15 de jun. 2021.
1292. GROSSO, José Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit p. 23.
1293. AGUESSY, Honorat. Visões e percepções tradicionais. In: SOW, Alpha I et.al. Introdução à Cultura
Africana. Lisboa: Edições 70, 1980, pp. 95-136; p. 112.
1294. Ibidem, p. 112.
1295. KUSCH, Rodolfo. La negación en el pensamiento popular…Op.cit, p. 128.
1296. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, 643.
1297. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o m do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p.22 e
p. 23
1298. ‘Asa Branca’ chega a 70 anos atual e imortalizada na voz de Luiz Gonzaga. O Globo. 03 de maro de
2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2017/03/asa-branca-chega-
70-anos-atual- e-imortalizada -na-voz-de-luiz-gonzaga.html>. Acesso em: 24 jan. 2020.
1299. Asa Branca, o hino nordestino, completa setenta anos. Brasil de Fato. 22 de maio de 2017.
Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/05/22/asa-branca-o- hino-nordestino-
completa- setenta-anos />. Acesso em: 24 jan. 2020.
1300. GONZAGA, Luiz; e TEIXEIRA, Humberto. Asa-Branca, (RCA), 1947.
1301. ÁBALOS, Adolfo. Nostalgias santiagueñas, 1938. Cabe destacar a história de Adolfo Ábalos, que,
junto com seus irmãos, consolidou nacionalmente o folclore argentino: “Corría el año 1938 y al folklore
argentino todavía no había llegado el boom que lo popularizaría entre las capas medias, décadas después. Cinco
hermanos santiagueños –Napoleón Benjamín (Machingo), Adolfo, Roberto Wilson, Víctor Manuel (Vitillo) y
Marcelo Raúl (Machaco), “en orden de cigüeña”, como se presentaban ellos– comenzaban a escribir la historia de la
formación que dejó su sello en el folklore argentino. Fue en ese año que Adolfo, el pianista, compuso la zamba
Nostalgias santiagueñas, transformada en clásico del cancionero y en himno provincial[...]Cuando se les
preguntaba cómo era posible que siguieran juntos después de tanto tiempo respondían siempre lo mismo: “Porque
ninguno perdió su personalidad”. Y cuando agradecían a la vida por todos esos años juntos volvían a la
dedicatoria de su Primer álbum para piano, danzas y canciones regionales argentinas, editado en 1952: “A nuestros
padres, que nos enseñaron a querer las tradiciones santiagueñas. A Santiago del Estero, que nos enseñó a querer las
tradiciones argentinas”. MICHELETTO, Karina. Todos diferentes, todos necesarios. Página 12, 18 de
septiembre de 2004. Disponível em: <https://ww.pagina12.com.ar/diario/espectaculos/6-41166-2004-
09-18.html>. Acesso em: 04 mar. 220.
1302. Nostalgias santiagueñas y cruces generacionales. Página 12, 08 de junho de 2018. Disponível em:
<https://www.pagina12.com.ar/120096-nostalgias-santiaguenas-y-cruces-generacionales>. Acesso
em: 30 jan. 2020.
1303. Chacarera “pertenece al grupo de danzas picarescas, de ritmo ágil y carácter muy alegre y festivo, gozó de la
aceptación del ambiente rural y también de los salones cultos del interior hasta nes del siglo pasado, abarcando
todo el país excepto el litoral y la Patagonia. Es una de las pocas vigente, es decir que aun se baila especialmente en
Santiago del Estero - donde se arraigó con gran fuerza – y en Tucumnán, Salta, Jujuy, Catamarca, La Rioja y
Córdoba ; su difusión abarca por lo tanto, los ámbitos del noroeste, parte del chaqueño y casi todo el central [...] El
acompañamiento musical que se utiliza generalmente es de guitarra, violín, acordeón y por supuesto, el bombo, que
se luce con sus típicos repiques”. Sobre Chacareras ver: La chacarera. Disponível em:
<http://www.portaldesalta.gov.ar/chacarera.htm>. Acesso em: 24 jan. 2020.
1304. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 23 e p. 24
1305. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit p. 24
1306. Ibidem, p. 24.
1307. Ibidem, p. 24
1308. SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton; & BECKER Bertha Koi mann
(orgs.). Terrtório, territórios. Ensaios sobre o ordenamento territorial. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007,
pp. 13-21, p. 13.
1309. Ibidem, p. 14.
1310. LIMA, Ivaldo. Da representação do poder ao poder da representação: uma perspectiva geográfica.
In: Ibidem, pp. 109-121; p. 114.
1311. MACIEL, Caio; e PONTESEmílio Tarlis... Op.cit. p. 25.
1312. Ibidem, p. 25.
1313. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 652.
1314. Ibidem, p. 652
1315. Ibidem, p. 653.
1316. BOFF, Ricardo Bruno; MOREIRA, Aline de Souza. Op,cit, p. 329.
1317. Ibidem, p. 330.
1318. Ibidem, p. 330.
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1320. Ibidem, p. 22
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1322. Ibidem, p. 23.
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