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Daniel Chaves
Pesquisador do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente/CPTP;
Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas/OBFRON;
Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional - PPGMDR/Unifap.
Elione Guimarães
Professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora.
Rivail Rolim
Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História-UEM-PR.
A seca como questão política e social: os discursos em torno dos semiáridos do Brasil e da Argentina a partir dos
casos do Ceará e de Santiago del Estero (1932-1937)
M , Leda Agnes Simões de
ISBN: 978-85-518-3687-3
1ª edição, novembro de 2021.
Agradecimentos
Prefácio
I
“Salgo a caminar por la cintura cósmica del sur…”
C 1
Um panorama histórico sobre o Nordeste brasileiro e o Noroeste
argentino: uma re exão sobre as narrativas que zeram parte do Ceará e de
Santiago del Estero
C 2
Os jornais Correio da Manhã e El Mundo e a representação da seca
cearense e santiagueña
C 3
O olhar regional sobre as secas do Ceará e de Santiago del Estero:
O discurso sobre si nos periódicos a Ordem e La Hora
C 4
O discurso institucional sobre os semiáridos: as narrativas das
políticas federal e estadual a respeito das secas cearenses e santiagueñas
Considerações nais
Referências
À memória de minha mãe, nordestina,
migrante e desbravadora do mundo.
A dor da saudade nunca cessará.
Agradecimentos
O livro A seca como questão política e social: os discursos em torno dos semiáridos do
Brasil e da Argentina a partir dos casos do Ceará e de Santiago del Estero (1932-1937),
de Leda Agnes Simões de Melo, fruto de sua tese de doutorado, é um trabalho
que deve ser desfrutado pelo leitor pelas suas muitas qualidades. Inspirado em
sua história pessoal de nordestina, que viveu a infância mergulhada no
imaginário existente em torno das secas, leva adiante, com competência, a
tarefa de analisar, comparativamente, por meio de variadas fontes, os
discursos construídos sobre os territórios semiáridos do Ceará, no Nordeste do
Brasil, e de Santiago del Estero, no Noroeste da Argentina, no contexto dos
anos 1930, quando estes foram acometidos por graves secas.
As qualidades e a originalidade do texto encontram-se em diversos aspectos:
na abordagem do tema da seca, do sertão, do deserto, do vazio, em uma
perspectiva comparada e problematizada entre duas regiões da América
Latina; na ênfase na dimensão desses espaços pensados “para além do
fenômeno meramente climático”, entendidos como construções discursivas,
historicamente construídos e que, por isso, tornam-se campos de disputa e de
formação de identidades; no pressuposto de que esses discursos revelam
visões, percepções do social e preconceitos que provocam ações e intervenções
concretas nesses espaços; no trabalho com a diversidade e a multiplicidade de
olhares voltados para os semiáridos; na ampla, inédita e difícil pesquisa de
fontes históricas – a imprensa, escritos literários, documentos de órgãos
oficiais, textos de políticos e intelectuais; na aposta em uma história que recusa
os limites da tradicional história nacional e enfatiza o papel das regiões e
províncias na formação das nações; no cuidado em apresentar uma re exão
teórica que acompanha todos os passos do trabalho.
Mais do que tratar da referência à geografia semiárida ou ao clima dessas
regiões, o trabalho fala de suas populações – índios, negros, sertanejos,
caboclos. Revela percepções e visões do mundo social, que geram
significações, simbologias e estereótipos como os que acabam culpando a
natureza pelos males que a igem esses espaços e as pessoas que neles vivem.
Ao questionar dicotomias há muito consagradas como centro/periferia,
modernidade/atraso, litoral/interior, o texto põe em questão uma concepção
de tempo linear e uma percepção de temporalidade há muito arraigadas, que
pensa as regiões dos semiáridos cearense e santiagueño como atrasadas em
relação aos centros de poder na Argentina e no Brasil. Constantemente
evocadas como vivendo no passado, longe da modernidade e do progresso,
parecem enfrentar constantemente o desafio de inserir-se na linha do
progresso e da civilização.
A estrutura dos capítulos torna concreta a proposta de trabalhar com
diferentes olhares e perspectivas. Organizado em quatro capítulos, o primeiro
analisa a construção de narrativas sobre essas regiões a partir das noções de
sertão e deserto, civilização e barbárie nos discursos de letrados, intelectuais e
literatos, como Sarmiento, Alberdi, Euclides da Cunha, Rodolfo Teófilo,
Graciliano Ramos, Ricardo Rojas, Clementina Rosa Quenel, entre outros. Nos
segundo e terceiro capítulos, a autora analisa a linguagem utilizada pelos
jornais, tanto os de circulação nacional, por exemplo, o Correio da Manhã e El
Mundo, quanto aqueles mais regionais, como A Ordem e La Hora, para falar das
secas nessas regiões. No quarto capítulo, analisa discursos de políticos,
ministros, governadores e trabalha com instituições e órgãos oficiais, como a
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), no Brasil, e a Junta
Nacional para Combatir la Desocupación ( JUNALD), na Argentina, que
pensaram o problema da seca, da ausência de água, das migrações, do
desemprego e aplicaram políticas públicas nessas áreas.
A seca, fio condutor de todo o trabalho, aparece como problema/fenômeno
climático, espaço rural, sinônimo de semiárido, e como fator social e político,
sinônimo de perturbações, pobreza, miséria, êxodo, ausência de água,
ausência de progresso, atraso, barbárie. O caminho percorrido permite
destacar questões que norteiam todos os discursos analisados: a natureza vista
como problema e causadora de todos esses males; a questão dos êxodos e das
migrações como destino e sina; a necessidade de controle dessas populações e
dos seus territórios para evitar a fome, o desemprego e a miséria; a seca ou a
ausência de água como fatores de desqualificação social dessas regiões.
Entre as contribuições mais relevantes do trabalho estão a desconstrução
cuidadosa e bem-sucedida de estigmas e preconceitos, como a ideia de
natureza hostil, e a desnaturalização das possíveis consequências advindas das
condições geográficas e climáticas, como a pobreza, as migrações, a miséria, o
atraso, como legitimadoras das relações estabelecidas e do status quo vigentes
nesses territórios.
Como nos sugere a própria autora, este livro é um convite para percorrer a
“América seca” e sair caminhando pela “cintura cósmica do sul”, como na
famosa música Canción con todos, de Armando Tejada y César Isella,
imortalizada na bela voz de Mercedes Sosa. Sua leitura nos possibilita
compreender com mais clareza o papel que certas narrativas adquirem nos
percursos históricos de uma nação, de suas populações e como estas se
transformam em ações efetivas de intervenção e em modos estigmatizados de
ver essas sociedades. Só assim podemos desnaturalizar, desconstruir,
questionar, resistir e construir novas histórias.
M E N S
Professora de História da América da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)
I
“Salgo a caminar por la cintura
cósmica del sur…”
[...] y se deja investir por la lengua, acariciar por la lengua,
vestir por la lengua, esa madre que como
una gran osa lame a sus oseznos y los echa al mundo.
(Narrar después, Tunana Mercado)1
A ideia de hemisfério ocidental (que é mencionada cartograficamente pela primeira vez apenas
no final do século XVIII) estabelece já uma posição ambígua. A América é a diferença, mas, ao
mesmo tempo, é a mesmidade. É outro hemisfério, mas é ocidental. É diferente da Europa
(que por certo não é o Oriente), mas está ligada a ela. É diferente, no entanto, da África e da
Ásia, continentes e culturas que não formam parte da definição de hemisfério ocidental. No
entanto, quem define tal hemisfério? Para quem é importante e necessário definir um lugar de
pertencimento e de diferença? 32
É justamente por isso que me vali desse conceito de América Latina aqui
exposto, ou mesmo podemos pensar nesta ideia de “hemisfério ocidental”,
que, ao mesmo tempo, é diferente da Europa, mas é ligada a ela, como explica
Mignolo, para pensarmos o Brasil e a Argentina. Em que pesem as diferenças e
as mudanças ocorridas na própria concepção de América Latina ao longo dos
séculos XX e XXI, considera-se tratar o caso brasileiro e argentino a partir
dessa ideia expressa primeiramente pelos europeus e depois e,
principalmente, pelos norte-americanos. O “atraso”, a “incivilidade”, a
“instabilidade” dos latino-americanos são chave de entendimento dos
discursos que se consolidaram sobre países como o Brasil e a Argentina; logo,
sobre a América Latina. Mignolo afirma, nesse aspecto, que:
[…] o objeto fundamental de uma história ou de uma sociologia cultural, entendida com uma
história da construção da significação, reside na tensão que articula as capacidades inventivas
dos indivíduos ou das comunidades com as restrições, as normas, as convenções que limitam –
o que lhe é possível pensar, enunciar, fazer.93
O que proponho para iniciar as discussões deste capítulo servirá de aporte para
compreensão dos demais temas propostos neste livro. A ideia de começar pela
questão do sertão e do desierto, voltando os olhos para o final do século XIX, se
deu pela necessidade de analisar como certas visões sobre as áreas rurais de
Santiago del Estero e do Ceará estiveram vinculadas ao que se entendeu sobre
esses dois termos e suas complexidades. Por isso, irar-se-á além do semiárido,
neste momento, para que seja possível re etir mais amplamente sobre o sertão
e o desierto para as regiões “nortes” do Brasil e da Argentina.
Ao longo do século XIX, diversos projetos políticos existiram em ambos os
países, bem como em todo o século XX, como mencionado. Ao mesmo tempo,
falar de sertão e de desierto é compreender um amplo uso do termo nessas
regiões, que vai além do próprio conceito em si. Entende-se, assim, que os
discursos para essas áreas fazem parte de uma história de longa duração que
tem como um dos principais marcos as intervenções ocorridas nesses territórios
no final do século XIX e início do XX. Por isso, começo esse capítulo com elas e
percorreremos alguns projetos políticos existentes no percurso da narrativa
sobre essas áreas, até chegarmos à década de 1930.
O primeiro tópico tem como proposta trilhar a região do desierto chaqueño. A
autora Carla Lois nos explica como a Argentino olhou para esse espaço e me
valho de suas re exões. Por vezes, irei a este chaco e lá poderemos encontrar o
que é fundamental: o deserto do “norte” argentino visto como o outro, o hostil,
o espaço vazio, o diferente de um modelo de sociedade desejado do final do
século XIX. A partir da noção criada sobre o desierto, acredita-se que existiram
certas visões em relação a Santiago del Estero, por vezes, atreladas a
concepções sobre suas populações indígenas e percebemos que em meio às
estiagens, narrativas sobre a província ainda tinham em comum a ideia de um
território “outro”, “distante” da capital, mesmo que no século XX também
fosse conhecido como parte da chamada Argentina profunda.
Há de se considerar como a província de Santiago del Estero fez parte da
composição territorial da Argentina, o que a difere de muitas províncias que
estiveram no marco das conhecidas “Campanhas do Deserto”, inclusive, ela,
Santiago, intitula-se como “la madre del ciudad”. A que pese as inúmeras
particularidades que Santiago del Estero carrega, nela também houve uma falta
de imaginação narrativa como dizia, em outras palavras, o autor santiagueño
Bernardo Canal Feijóo quando se tratava de re etir seu lugar no todo nacional.
É isso que me coube como re exão e é neste ponto que este livro se concentra e
se conecta com a história dos sertões semiáridos do Ceará.
No Brasil, é possível perceber como o conceito de sertão muda ao longo do
tempo e como, especificamente, as áreas de seca se tornam sinônimo de
Nordeste no século XX (diferença fundamental em relação ao Noroeste e a
Santiago del Estero). Voltou-se também ao século XIX para compreender o
sertão como esse outro, ao qual pesava uma natureza dura e de difícil acesso. O
modelo de sociedade almejado, no caso brasileiro, também pensou o sertão
por vezes como espaço vazio e o sertão do “norte” como o outro, o diferente,
em oposição ao litoral. No entanto, ao mesmo tempo o sertão também foi visto
como o lugar da autenticidade e do “verdadeiro” Brasil no século XX.
Outra questão importante é que o próprio sertão do Nordeste foi uma
demarcação grosseira realizada a partir de uma ideia criada sobre esse espaço.
Há outras áreas que compõem os sertões, e a seca não pode ser a definidora do
recorte geográfico da região. Logo, a falada “falta de imaginação”, referida a
Santiago del Estero e ao Noroeste argentino como um todo, pode ser pensada
também para o caso dos sertões do Nordeste brasileiro e, em nosso caso
específico, o cearense. São em meio a esses aspectos paradoxais, dicotômicos,
que as narrativas sobre essas duas áreas se encontram, conectam-se, e fazem
parte da própria concepção e ideia de nação almejada para o Brasil e para a
Argentina.
Assim, não podemos nos deixar induzir buscando semelhanças nessas áreas
em certos pontos; o que se deseja é buscar o fundo histórico em que se
encontram discursos que vêm à tona em meio a uma crise climática, a uma
seca, a um momento limite que coloca em xeque as desigualdades sociais
existentes.
No tópico dois, trato sumariamente das geografias do Ceará e Santiago del
Estero e analiso as diferenças existentes nelas e algumas similitudes. A própria
composição geográfica mostra que, mesmo com as particularidades, a seca fez
parte da história dessas regiões e pode ser pensada com uma questão para além
de um “problema” ambiental.
Por fim, no terceiro tópico, foi realizado um panorama breve sobre as
populações que viviam no Ceará e em Santiago del Estero e, principalmente,
como devido a toda uma gama de concepções sobre elas, pensava-se, ainda na
década de 1930, essas áreas como o lugar do atraso e da necessidade de
modernização. Santiago marcadamente indígena (por isso mesmo não se pode
deixar de permear, aqui e ali, a selva santiagueña ou mesmo sua Mesopotâmia,
onde se localizam os rios Dulce e Salado, como parte importante da narrativa
sobre a província, bem como os limites da exploração orestal) e o Ceará, e
seus sertões, formados pela figura do sertanejo (que invisibiliza, inclusive, as
diversas categorias sociais existentes como as próprias populações indígenas, os
trabalhadores rurais, posseiros, homens e mulheres de distintas funções), têm
histórias e pontos comuns no trato com as suas populações e seus modos de
vida, fundamentais para que saiamos de visões simplistas que minimizam o
porquê de, ainda nos dias atuais, serem áreas marcadas pela pobreza e pela
desigualdade social.
A epígrafe que abre este tópico, do autor argentino Rodolfo Kusch, convida-
nos a pensar quem somos como latino-americanos. O domínio do ocidente, a
que ele se refere, é a chave para compreendermos as visões que pairam sobre o
nosso imaginário no que diz respeito à construção das “nações” brasileira e a
argentina, por conseguinte à ideia de América. Esse modo de pensar ocidental,
criou, inventou, interveio, moldou espaços e territórios; por isso, a necessidade,
apontada por Kusch, de analisarmos a história a partir desse domínio. Aqui, ele
será o ponto de partida das análises acerca dos discursos sobre os semiáridos
cearenses e santiagueños.
A ideia de nação criada no século XIX tornou-se um modelo que permeou,
em diversos aspectos, visões de mundo e, neste caso específico, de América,
ainda posteriormente no século XX. Por isso, os conceitos de sertão e desierto
também são caros para essa re exão. Foram eles que, no bojo da ideia de
Estado-nação, permeados por um padrão europeu de sociedade, formaram as
identidades dos semiáridos do Ceará e de Santiago del Estero ao longo da
história e designaram, em certos aspectos e em certos contextos, esses espaços
como “vazios de civilidade”. Nesses aspectos, a que “civilização”108 este Estado-
nação se referia?
É válido não deixar de compreender que ideias racialistas, cunhadas no final
do século XIX109, ainda faziam com que os discursos para áreas do interior
estivessem imersos em dicotomias, como: civilização versus barbárie, progresso
versus atraso e modernidade versus tradição. Assim, quando se olhava para os
semiáridos cearenses e santiagueños, por mais que se identificasse o desejo de
integração nacional, unidade, reconhecimento do território, o que estava em
voga era a ideia de levar a modernidade para essas áreas vistas como atrasadas
e pouco desenvolvidas.
Entende-se a ideia de modernidade dentro daquilo que Walter Mignolo
aponta como fundamental ao se estudar a América Latina: não podemos deixar
de entender que houve uma expansão colonial e imperial de um modelo
ocidental de vida110. Essa modernização vinculava-se a uma ideia de raça e
identidade racial. Isso significava que “a América constitui-se como o primeiro
espaço/tempo de um padrão de poder de vocação mundial e, desse modo e por
isso, como a primeira id-entidade da modernidade”111. Ligava-se, assim, a uma
“supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação
natural de inferioridade em relação a outros”112.
Refiro-me, também, como, no final do século XIX, a América Latina “passou
por um rápido processo de modernização […] levando à dependência do
capital estrangeiro e a crises e endividamentos. Ser moderno significava, em
linhas gerais, fazer parte do novo ambiente: estradas de ferro, máquinas
[…]”113. Ou seja, de acordo com Regiane Gouveia, nesse período de grande
euforia rumo ao progresso, “a dinâmica modernizadora gerava várias
transformações, mais visíveis no litoral e nas principais regiões produtoras”114,
e também passava a revelar as diferenças entre as áreas urbanas e as rurais.
Como explica a autora, é importante lembrar que as proposições racialistas
mais recorrentes foram organizadas “a partir do pensamento positivista do
início dos Novecentos”115. Assim, após a definição dos Estados no final do século
XIX, segundo Gouveia, “índios, negros e mestiços estavam associados à ideia
de crise e fracasso frente ao progresso”116 e, muitos dos positivistas “culparam o
povo pelo atraso do continente, acusando-o de incapaz de assimilar a ciência e a
técnica”117.
Considero fundamental re etir sobre essas noções, por analisar duas regiões
em que a população indígena, negra, mestiça, sertaneja, cabocla (para o caso
cearense) são parte constitutiva da formação desses territórios. Logo,
principalmente desde o contexto das racialidades na América, criaram-se
“identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços”118 e se
redefiniram outras. “Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde
europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de
origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades,
uma conotação racial.”119 A ideia de raça, portanto, “desde então demonstrou
ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal […] os
povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural de
inferioridade”120. Logo, o progresso e a modernidade avançaram sobre essas
regiões redefinindo seu cotidiano e modificando seus territórios. Todas essas
noções fizeram parte dessa construção das nações brasileira e argentina, e,
consequentemente, dos seus territórios rurais.
Cabe dizer que nação no contexto do século XIX era entendida como “a
transmissão, através das gerações, de uma herança coletiva e inalienável”121.
Era também, por conseguinte, a invenção de um patrimônio comum, como
aponta Anne-Marie Thiesse. Para isso, toda nação para ser como tal devia ter
ancestrais fundadores, uma história que estabelecesse a continuidade da nação
“uma galeria de heróis […] lugares de memória, uma paisagem típica, um
folclore”122. Isso resultou em um “modelo comum de produção das
diferenças”123.
Tzvetan Todorov assinala, em suas re exões, o que chama do lugar do
etnocentrismo e seu feito de elevar à categoria de universais os valores da
sociedade europeia. Seria ele uma caricatura natural do conceito de
universalismo. Isso significa o desejo de elevar ao universal parte de algo
particular, que de imediato se esforça, portanto, em generalizar. Um
etnocentrista, segundo Todorov, procede de maneira não crítica porque crê que
seus valores são os valores e isto basta124. Daí a ideia de que o outro é bárbaro
em relação aos que são superiores. Neste caso, a América Latina foi assim vista
pela Europa e ela mesma tomou para si esse discurso. Essa definição a persegue
e limita não apenas historicamente, como também epistemologicamente.
Quando se trata, então, de regiões periféricas dessa América Latina, a questão
se torna ainda mais complexa e evidente. As noções de civilização e barbárie,
de modernidade e atraso, são postas dentro das realidades locais para
fragmentar e segregar suas próprias populações, e o centro e a periferia são
colocados em lugares, por vezes, antagônicos.
Todorov exemplifica essa ideia ao tratar de um etnocentrismo próprio do
“espírito clássico”125 a partir do ideólogo Joseph-Marie de Gérando, em um dos
seus textos publicados em 1800. O autor diz que De Gérando parte de um
quadro universalista e racional para explicar suas teorias: sabe como é o
homem em geral e trata de averiguar como se situam os homens particulares
em relação ao que ele chama de tipo ideal. Ou seja, para Todorov o que De
Gérando faz é julgar “os selvagens” a partir de suas categorias mentais – que
não estavam tão distantes dos seus próprios costumes126.
Uma noção cara a uma visão universalista, segundo Todorov, é o
cientificismo, que, para ele, é uma figura não menos perversa e,
provavelmente, mais perigosa, já que pode se orgulhar de ser etnocentrista127.
Nesse aspecto, o autor afirma ser no contexto do século XVIII, com o
Iluminismo, que se intensificaram “os intercâmbios não só comerciais, mas
também espirituais, seja adotando a língua dos povos mais esclarecidos como
ingleses e franceses, como também criando uma língua universal”128. Assim, em
última análise, a humanidade iria constituir-se em uma sociedade única. O
positivismo teria ajudado os homens a avançarem nesse caminho, porque era
ele a única doutrina verdadeiramente universal, em que se configurava a ideia
de uma ciência irrefutável e inquestionável.
Assim, uma visão científica para tratar a população do interior e inclusive
justificar intervenções nessas localidades foi também utilizada na década de
1930, no Brasil e na Argentina. As ideias etnocentristas, universalistas e
cientificistas, consolidadas no século XIX, em certos aspectos, acabaram
deixando seu grande vestígio ainda no século XX. Por conseguinte, os discursos
existentes nesse contexto sobre como se pensavam os semiáridos e sua
população estavam imersos nessas noções. É possível entender, assim, a
própria trajetória histórica e imagética que se perpetua – com algumas ideias
que permanecem até os dias atuais – no imaginário em torno desses
semiáridos.
É importante pensar como o modelo europeu de sociedade (universalista) foi
essencial para a consolidação de um tipo de olhar sobre as áreas periféricas,
como as cearenses e santiagueños. Trata-se de compreender como essa antiga
ideia de nação in uenciou os modos de ver e agir sobre essas regiões ainda na
década de 1930, conforme apontado até aqui. Como reiterado, isso não
significou que houve um processo linear, sem mudanças de pensamentos e de
paradigmas. Pelo contrário, na década de 1930, pensar a nação, tanto no Brasil
quanto na Argentina, era reconhecer que certos aspectos do pensamento
europeu não se encaixavam mais na realidade desses países. No entanto, por
mais que essa ideia tenha sido questionada – e cabe dizer que desde os anos
1920 essa percepção já existia, a grosso modo – quando se pensava
principalmente o meio rural (muito visto como o “outro”, o “distante”) ainda se
concebia esse espaço dentro de certos antigos parâmetros de pensamento.
Nesse sentido, voltando ao final do século XIX, a construção das nações fez
parte da “organização espacial e hierárquica das representações”129. A partir
disso, traçavam-se “fronteiras em espaços contínuos ou de imbricação
identitária”130. Como analisa Thiesse, o que existiu foi “um grande esforço
pedagógico”131 para que as pessoas se sentissem pertencentes a sua nação, se
conhecessem e reconhecessem nas referências coletivas. A natureza fez parte
desse processo. A paisagem132 cria-se e recria-se no evocar da nação. Ou seja, a
autora assinala que se elabora a paisagem nacional de maneira coletiva: poetas,
pintores, romancistas determinaram uma estética dos recursos naturais
“carregada de sentido e portadoras de sentimento”133. Houve,
verdadeiramente, uma escolha para representação das nações a partir da
natureza. Existiu um princípio de diferenciação, nesse sentido, dentro das
gamas de possibilidades de escolha que podiam ser feitas entre o mar, a
montanha, a planície, o rio, ou um lago. O que eleger como paisagem nacional?
Nesse sentido, a natureza estava associada, em geral, a uma estação do ano,
inverno ou verão, por exemplo, bem como a um tipo de vegetação específica
devia representá-la.
Sabe-se que desde o século XVI a categoria “sertão” existe na história
brasileira. Foi usada desde os relatos dos viajantes estrangeiros até diversos
intelectuais nos séculos XIX e XX quando a ideia de sertão estava imersa no
entendimento do que era o Brasil, do que era a nação. Com isso, existiam
concepções em torno dos sertões desde o período colonial; posteriormente, a
literatura tomou para si essa categoria, como explica Janaína Amado134, com
narrativas místicas, personagens colossais e poderosos símbolos que permeiam
o imaginário social brasileiro.
Logo, o sertão foi construído de forma muito diversa ao longo da história. No
período colonial, referia-se ao interior, ao vazio, eram espaços vastos, áreas
“despovoadas” do Brasil, o espaço do desconhecido, enquanto o litoral
significava a civilização. Por isso, no contexto colonial, sertão poderia ser o
interior da capitania de São Vicente (SP) ou do Rio de Janeiro, por exemplo.
Muitas das áreas do interior ainda eram ocupadas por índios; logo, dizer que
havia, nesse aspecto, lugares vazios, era desconsiderar de pronto a questão
indígena.
Nesse sentido, o sertão sempre foi re etido sob uma perspectiva dual e no
século XIX essa categoria foi fundamental para o entendimento da almejada
nação brasileira. Heloisa Starling afirma que desde o século XVIII a palavra
sertão significava, de um lado, o interior e, de outro, traduzia “a configuração
de uma realidade política: a condição de desterro, a ausência de leis, a
precariedade dos direitos, a inexistência da ordem”135.
Nísia Trindade Lima salienta, em relação à etimologia da palavra, que ela
teria sido “oriunda de desertão. Seu sentido encontrava-se, segundo dicionários
da língua portuguesa dos séculos XVIII e XIX, em duas ideias: a especial, de
interior, e outra, de conteúdo social, indicando região desértica, pouco
povoada”136. Prevalecia, também, o que Rebeca Gontijo – ao estudar
Capistrano de Abreu – chama de paradoxo, porque ao mesmo tempo que o
sertão era o espaço da brasilidade, no que se referia à cidade, vista como espaço
do estrangeirismo, também era visto como um problema para a nacionalidade
devido ao suposto atraso, se comparado ao litoral, a um espaço urbano de
modernidade137.
Nísia Lima destaca que no século XIX também havia duas definições sobre os
sertões: “uma mais próxima que o associa à área semiárida do Nordeste
brasileiro e outra, também muito presente entre autores contemporâneos, que
prioriza a atividade econômica da sociabilidade, aproximando sertão à
civilização do couro”138. Nesse sentido, os sertões a que referido neste trabalho
são as áreas semiáridas do Nordeste brasileiro.
Janaína Amado coloca que “‘sertão’ é, também, uma referência
institucionalizada sobre o espaço no Brasil: para o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), designa oficialmente uma das subáreas
nordestinas, árida e pobre, situada a oeste das duas outras, a saber: ‘agreste’ e
‘zona da mata’”139. Também encontra-se naquilo que Andrea Roca, ao falar do
olhar do pintor Rugendas para o sertão no início do século XIX, relaciona “a um
espaço de uma natureza indomável que albergava tanto animais perigosos
quanto, principalmente, seres distintos, não brancos e não cristãos,
incompreensíveis e inclassificáveis: os índios bravos e selvagens”140.
Foi ao longo do processo histórico brasileiro que sertão e nordeste tornaram-
se praticamente sinônimos. Ou seja:
[…] a associação entre um termo tão rico de significados e uma parcela espacial do Nordeste
brasileiro caracterizada comumente pela semiaridez e pela economia pastoril reduziu a
abrangência do termo a um espaço físico geograficamente delimitado, e fez com que no senso
comum e no imaginário social os termos ‘sertão’ e ‘nordeste’ passassem a ser tomados
praticamente como sinônimos141.
É esse mesmo sertão que, ao longo de sua trajetória, ao ser re etido pela
intelectualidade brasileira, retratado pela imprensa, ou mesmo pelos órgãos de
combate à seca, como a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS/IFOCS)142,
foi visto como aquele sertão distante do poder público e dos projetos
modernizadores. Suely Chacon afirma que o semiárido teve sua história
particularmente “associada ao seu caráter de território onde se instalou uma
atividade acessória à outrora pujante economia açucareira da Zona da Mata.
Ali não foi a mão de obra escrava que serviu de base ao sistema produtivo – no
caso a pecuária – mas sim a unidade familiar atrelada ao que veio a ser o
latifúndio”143.
Nessa perspectiva, configurou-se um Nordeste como região-problema, noção
construída histórica e discursivamente. É nesse aspecto que Durval Muniz de
Albuquerque Júnior entende o conceito de região como “um grupo de
enunciados e imagens que se repetem, com certa regularidade, em diferentes
discursos, em diferentes épocas, com diferentes estilos”144. Por isso, o Nordeste
deve ser pensado dentro do que o autor chama de uma “invenção”, em razão de
uma “repetição regular de determinados enunciados, que são tidos como
definidores do caráter da região e de seu povo”145. É filho da ruína da antiga
geografia do país, segmentada entre “Norte” e “Sul”.
É importante também analisar a problemática em torno da região Nordeste
como discurso, a fim de que se possa entender os procedimentos pelos quais o
social foi, nesse sentido, construído146. Por isso é valido salientar, segundo Caio
Maciel, que o sertão é apenas uma parcela do interior do Nordeste e há,
portanto, outras áreas que o compõe. O sertão a que se refere aqui é aquele da
caatinga, onde o solo é arenoso e pouco espesso, e ainda assim o homem
consegue se adaptar ao rigor climático, “à extrema secura do ambiente”. Ainda
segundo Maciel é possível estudar a relação simbólica existente no que ele
chama de sertões, indo “além das dicotomias clássicas como litoral versus
interior, progresso e atraso, seca e irrigação. Assim, parece problemático falar
em ‘Nordeste’, sendo preferível referirmo-nos a ‘Nordestes’, tanto quanto a
‘Sertões’”147.
Logo, deseja-se evidenciar, como apontam as re exões de Angela Ferreira,
George Dantas e Yuri Simonini, que esse interior que é o desconhecido, o
desertão, deserto grande, sertão, é uma operação linguística que ganhou
contorno nos séculos XIX e XX. No entanto, uma parte em especial “seria
objeto de atenção específico: o sertão da porção setentrional do Brasil, o
interior assolado de tempos em tempos pelo fenômeno climático das secas”148,
como o caso do Ceará. A seca, assim, é um fator importante para entender esse
espaço vazio de civilização no caso semiárido do Nordeste.
Para o caso argentino, utilizou-se o conceito de “desierto”, referindo-se, nesta
análise, ao desierto da região do Norte argentina. Destaca-se, portanto, como
esse conceito também fez parte de NOA, tal como o sertão fez parte do
Nordeste brasileiro. Carla Lois apresenta os diversos usos vinculados às
práticas de apropriação territorial do Grande Chaco149 no período da
consolidação do Estado-nação argentino no século XIX. Foram, principalmente,
os militares que encabeçaram a intervenção sobre esses espaços, a partir da
Campanha do General B. Victorica, em conjunto com as instituições
geográficas que participaram dos debates intelectuais em torno da colonização
do Chaco. O que se tinha em primeiro plano no século XIX, de acordo com
Lois, era o uso do termo desierto para qualificar os territórios que se
encontravam sob domínio indígena, particularmente a região do Chaco e da
Patagônia. Esse processo discursivo em torno do Grande Chaco como deserto
legitimou ações governamentais destinadas à sua ocupação efetiva150.
Vale destacar que pensar em deserto é falar da ocupação da área do Pampa
que se deu pela chamada Conquista do Deserto iniciada no século XIX,
principalmente no sul da província de Buenos Aires. Essa campanha tinha por
intuito, em primeiro lugar, dinamizar a produção, mas o índio atravancava esse
processo e era necessário eliminá-lo. Segundo Verónica Secreto151, houve duas
“Campanhas ao Deserto” nesse período: a de Juan Manuel Rosas, em 1833, e a
de Julio Argentino Roca, em 1880. Mas é válido destacar também que, de
acordo com a autora:
[…] entre estas duas campanhas se produzem uma série de artigos, matérias em jornais, livros e
pesquisas empíricas, que tentaram dar conta do problema da fronteira e inclusive apontar
soluções, algumas das quais se distanciavam da dada por Roca, o extermínio do índio. Pensava-se
na resolução que eles chamavam do ‘tipo americano’, fazer povoados, levar ferrovias, atrair e
‘civilizar’ o índio152.
Entre março e outubro de 1912, a serviço da Inspetoria das Obras contra a Seca, três expedições
exploraram o Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Arthur Neiva e Belisário Penna percorreram o
norte da Bahia, o sudeste de Pernambuco, o sul do Piauí e Goiás de norte a sul. Para o Ceará e o
norte do Piauí, dirigiram-se João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria. Adolpho Lutz e
Astrogildo Machado desceram o rio São Francisco, de Pirapora a Juazeiro, visitando também
alguns de seus a uentes. A serviço da Superintendência da Defesa da Borracha, Carlos Chagas,
Pacheco Leão e João Pedro de Albuquerque inspecionaram boa parte da bacia amazônica, entre
outubro de 1912 e março de 1913211.
A diferença primordial entre essas expedições e as já realizadas em períodos
anteriores foi justamente o fato de percorrem grandes extensões e demorarem
mais tempo em suas andanças. Isso porque os trabalhos científicos visavam
“um minucioso registro das condições de vida da população interiorana, seus
hábitos, suas técnicas, sua mentalidade, associando às questões sanitárias os
aspectos socio-econômicos, culturais e ambientais das regiões percorridas”212.
Nessas expedições, os problemas do clima e da raça foram vistos como
centrais ao Brasil; e o mal do interior – dos sertões – foi também atribuído às
doenças. Logo, a questão do saneamento rural estava posta e era esse o fator
gerador de atraso. Mais uma vez, saliento que essas expedições ao interior
estavam relacionadas a uma instituição que brotara de uma “corrente
‘nacionalista’” de uma matriz em que “predominava o interesse de modernizar
o país à europeia, através do progresso da ciência, da arquitetura, do
urbanismo, etc.”213 Além disso, elas significaram para uma classe média urbana,
para os intelectuais da época, “a revelação sobre aquele Brasil caipira, doente,
explorado e inculto, que vivia à margem do cosmopolitismo e da civilização
que as cidades do litoral, em particular a capital da República, supunham
encarnar”214.
Ao considerar esses fatores que marcaram a formação do Brasil rumo ao
interior e da Argentina rumo ao deserto, entende-se que a região deve ser
analisada como explica Bourdieu:
Ninguém poderia hoje sustentar que existem critérios capazes de fundamentar classificações
“naturais” em regiões “naturais”, separadas por fronteiras “naturais”. A fronteira nunca é mais
do que o produto de uma divisão a que se atribuirá maior ou menor fundamento na “realidade”
segundo os elementos que ela reúne, tenham entre si semelhanças mais ou menos numerosas
e mais ou menos fortes [...]215.
[…] introduz por decreto uma descontinuidade decisória da continuidade natural […] A regio e as
suas fronteiras não passam de vestígio apagado do ato de autoridade que consiste em
circunscrever a região, o território, em impor a definição legítima [...] das fronteiras e do
território, em suma, o princípio de di-visão legítima do mundo social243.
Em suma, o que desejo evidenciar, ao falar sobre os conceitos de sertão e de
desierto, a própria constituição regional do Nordeste brasileiro e do Noroeste
argentino, e, ao assinalar suas construções discursivas, é que houve a afirmação
de uma visão científica para entender essas regiões que modificou e não
considerou os modelos locais desde o final do século XIX e, principalmente, no
século XX. As ideias de modernidade e de progresso, e a construção de uma
identidade nacional, resultaram no caráter civilizatório que certos grupos
sociais acreditavam exercer para que essas regiões saíssem de um possível
isolamento ou tradição. Bourdieu, nesse aspecto, fala das produções simbólicas
que são instrumentos de dominação. Isso significa que:
A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante […]; para integração
fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes
dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das
distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções […] a cultura que une
(intermediário de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e
que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a
definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante244.
[....] de um lado, os mecanismos da dominação simbólica que visam a fazer reconhecer pelos
próprios dominados as representações e as consumações que, justamente, qualificam (ou
melhor, desqualificam) sua cultura como inferior e ilegítima; de outro, as lógicas específicas à
obra nos empregos, usos, maneiras de fazer seu o que é imposto246.
Vale salientar o que aponta Suely Chacon: “[…] o fato de a imagem do Sertão
ter sido associada à seca, à pobreza e à dependência parece ter estabelecido
uma ‘concordância’ não discutível sobre esse estado de coisas.”247 A autora
salienta, assim, que o “meio ambiente considerado hostil é o principal
responsabilizado e isso justifica uma suposta relação consensual entre a
sociedade e seus governantes em torno desse ‘problema’”248. Perde-se,
portanto, o sertão como lugar de disputa, de luta e de negociações. Esse não é
nosso objetivo principal, mas é válido que se leve em consideração o sertão
plural, onde as correlações de forças sempre estiveram e estão na base do
discurso de dominação que paira nessa região.
Albuquerque Júnior afirma que foi a partir da seca de 1877 que o fenômeno
passou a ser discutido no âmbito nacional, atrelado a um apelo sensível à dor
da população sofredora pela seca. Alguns fatores são importantes para
entender esse marco: primeiro, não houve eleições em 1878, em algumas
províncias, por conta do número de votantes, o que não agradou as elites
locais; segundo, uma desnutrição epidêmica matou milhares de sertanejos e,
por conseguinte, houve um número insignificante de alistamento militar; por
fim, a concentração dos sertanejos que migravam para as cidades gerou o
“aumento da prostituição, dos furtos, dos saques, dos crimes de morte,
provocados pela situação de desespero”249. Isso justifica o fato de a seca de 1877
ter ficado conhecida como “a grande seca”, porque atingiu uma elite
latifundiária, que, mesmo recebendo um grande a uxo de dinheiro, após sua
divulgação na imprensa do Nordeste e em periódicos das capitais nacionais,
não deixou de entrar em uma grave crise econômica que desencadeou a
falência desses proprietários.
Nesse aspecto, não apenas o sertanejo foi afetado, mas também essa elite
rural e isso se tornou marco discursivo em torno da seca. O desencadeamento
de con itos, violências e ameaças à ordem rompeu o pacto tradicional de
lealdade e apadrinhamento, como aponta Albuquerque Júnior, “[…] os homens
pobres e os escravos foram abandonados pelos coronéis-pais-patrões”250. Logo,
a imagem discursiva em torno da seca também mudou, porque esses padrões
das relações de exploração foram postos em questão. Assim, o discurso das
secas, como aponta Albuquerque Júnior, passou a “produzir o esquecimento
desse momento histórico vivido pelas elites e esse passa a ser explicado pela
ocorrência da seca, deslocando, para o plano da natureza, explicações que se
encontravam no plano social”251.
Para o caso argentino, vale destacar essa construção de narrativas em torno
do “desierto” por meio de dois importantes intelectuais da época: Sarmiento e
Alberdi. No caso particular da Argentina, esses dois nomes foram fundamentais
para a consolidação de um projeto de nação no século XIX, como já apontado
no texto. Por isso, um espaço particular deve ser dedicado a eles, esmiuçando
um pouco mais suas ideias. Voltemos a esses autores para compreendermos o
lugar desse deserto na questão nacional.
Após a independência da Argentina, o progresso passa a ser pensado e
concebido em termos de um projeto de nação específico. Esse mesmo projeto
surge como aspiração de uma elite letrada hispano-americana, estabelecida
desde a chamada “Geração de 1837”; uma geração de jovens letrados de
Buenos Aires e do interior que estava disposta a rever os rumos da política
nacional até então nas mãos de Rosas e seus adeptos.
Juan Bautista Alberdi e Domingo Faustino Sarmiento foram dois exemplos de
propostas fundamentais na construção de uma Argentina pós-Rosista e,
consequentemente, nos discursos em relação às áreas do interior. Regiane
Gouveia afirma que intelectuais da América Latina, já em meados do século
XIX, “vinham chamando atenção para os problemas que o legado ibérico teria
conduzido [...] A ordem social e econômica herdada da metrópole ibérica era
um fardo muito pesado, que não poderia ter gerado outra realidade que não
aquela em que se encontravam”252; uma realidade que impedia a civilização e o
progresso.
Alberdi e Sarmiento são expoentes dessa intelectualidade e, neste trabalho,
atentar-nos-emos aos contextos em que Alberdi escreve Bases y puntos de partida
para la organización política de la República Argentina (1852), assim como, no caso
de Sarmiento, falaremos da sua fase subscrita em Facundo ou Civilização e
Barbárie (1845). Logo, para esta breve análise, interessa-nos como ambos
pensavam os projetos políticos para a Argentina no contexto em que
escreveram essas obras; onde se destacam, principalmente, por pensar a
Argentina e seus “desertos”. Entende-se, também, que ambos os autores
possuem trajetórias de pensamentos que se modificam ao longo das suas
narrativas sobre como entendiam a nação; particularidades estas que não
competem nesta re exão, mas que frisamos entendê-las e, proponho, com isso,
compreender essa fase específica de Alberdi e Sarmiento como ponto de
partida para as análises deste trabalho.
Nesse aspecto, Jorge Myers aponta a necessidade de considerarmos a
incidência sobre o lugar que ocupa um autor, sua condição de gênero, sua
identidade racial, sua etnicidade no interior do campo de produção para que
possamos reconstruir, assim, os processos de simbolização do passado253.
Vejamos, desse modo, como Alberdi pensava a Argentina e a in uência
europeia na formação nacional:
Nuestro régimen administrativo en hacienda, impuestos, rentas, etc., es casi hasta hoy la obra
de la Europa. ¿Y qué son nuestras constituciones políticas sino adopción de sistemas europeos
de gobierno? ¿Qué es nuestra gran revolución, en cuanto a ideas, sino una faz de la revolución
de Francia? Entrad en nuestras universidades y dadme ciencia que no sea europea; en nuestras
bibliotecas, y dadme un libro útil que no sea extranjero. Reparad en el traje que lleváis, de pies a
cabeza, y será raro que la suela de vuestro calzado sea americana. ¿Qué llamamos buen tono
sino lo que es europeo? ¿Quién lleva la soberanía de nuestras modas, usos elegantes y cómodos?
[...] En América todo lo que no es europeo es bárbaro: no hay más división que ésta: 1.o, el
indígena, es decir, el salvaje; 2.o, el europeo, es decir, nosotros los que hemos nacido en
América y hablamos español, los que creemos en Jesucristo y no en Pillán (dios de los
indígenas). No hay otra división del hombre americano [...] La única subdivisión que admite el
hombre americano español es en hombre del litoral y hombre de tierra adentro o
mediterráneo. Esta división es real y profunda. El primero es fruto de la acción civilizadora de la
Europa de este siglo, que se ejerce por el comercio y por la inmigración en los pueblos de la
costa. El otro es obra de la Europa del siglo XVI, de la Europa del tiempo de la conquista, que se
conserva intacto como en un recipiente, en los pueblos interiores de nuestro continente,
donde lo colocó España con el objeto de que se conservase así [...]Pero siempre es la Europa la
obrera de nuestra civilización. La prensa de iniciación y propaganda del verdadero espíritu de
progreso debe preguntar a los hombres de nuestro pueblo si se consideran de raza indígena, si se
tienen por Indios pampas o pehuenches de origen, si se creen descendientes de salvajes y
gentiles, y no de las razas extranjeras que trajeron la religión de Jesucristo y la civilización de la
Europa a este continente, en otro tiempo patria de gentiles254.
La cuestión argentina de hoy es la cuestión de la América del Sud, a saber: buscar un sistema de
organización conveniente para obtener la población de sus desiertos, con pobladores capaces de
industria y libertad, para educar sus pueblos, no en las ciencias, no en la astronomía – eso es
ridículo por anticipado y prematuro–, sino en la industria y en la libertad práctica [...] Pero si el
desierto, si la soledad, si la falta de población es el mal que en América representa y resume
todos los demás, ¿cuál es la política que conviene para concluir con el desierto? Para poblar el
desierto son necesarias dos cosas capitales: abrir las puertas de él para que todos entren, y
asegurar el bienestar de los que en él penetran: la libertad a la puerta y la libertad dentro259.
A imensa extensão de país que está em seus extremos é inteiramente despovoada, e possui rios
navegáveis jamais sulcados por nenhuma frágil canoa. O mal que a ige a República Argentina é
a extensão: o deserto a rodeia por todos os lados e se insinua por suas entranhas; a soledade, o
despovoado sem nenhuma habitação humana são, em geral, os limites inquestionáveis entre
umas e outras províncias […] Ao sul e ao norte, espreitam os selvagens, que aguardam as noites
de lua para cair, feito um bando de hienas, sobre os rebanhos que pastam nos campos e sobre as
povoações indefesas […] Nós, contudo, queríamos a unidade na civilização e na liberdade, e nos
tem sido dada a unidade na barbárie e na escravidão […]264.
[…] poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto, o mundo; poder
quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força […] só se exerce
se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário275.
Bourdieu coloca que esse poder simbólico só se impõe porque existe uma
relação entre os que exercem o poder e os que estão sujeitos a ele276. Assim, os
intelectuais exerciam e legitimavam símbolos sobre a ideia de nação, do que
seria o verdadeiramente nacional, a autenticidade argentina, bem como vimos
no caso brasileiro. Também são eles que constituem o que ele chama de uma
“fração dominada da classe dominante [grifo do autor], que, em virtude da
ambiguidade estrutural de sua posição na estrutura da classe dominante, vê-se
forçada a manter uma relação ambivalente tanto com as frações dominantes da
classe dominante (‘os burgueses’) como com as classes dominadas (‘o povo’)”277.
Outra questão importante para se re etir, em relação aos sertões e aos
desiertos, é a compreensão do lugar das ideias racialistas que dominaram os
projetos nacionais na América Latina como um todo, no final do século XIX e
em boa parte do século XX. Isso significava que o racismo se colocava como
uma “justificação biológica, que impunha a determinados grupos humanos
uma inferioridade inata e que, de acordo com algumas dessas ideias, jamais
seria redimida”278. Assim, essa relação biológica de superioridade de uma raça
sobre outra tornava-se um projeto político. A civilização seria alcançada
quando as raças inferiores fossem dominadas. Logo, o índio, o negro, a
população tradicional do campo estavam inseridos, em grande parte, nessas
noções. Para uma nação alcançar o progresso, era necessário dominar o
território onde viviam essas populações e, por conseguinte, civilizá-las. Nesse
aspecto, o território é campo de disputa e faz parte da tentativa de dominação
desses países rumo às áreas do interior. Logo, o Ceará e Santiago del Estero
fazem parte desse processo que se dá no campo político e também discursivo, e
tem, como apontado até aqui, uma historicidade que permeou o final do século
XIX, com seus traços no século XX. Vejamos, a partir desse panorama, como
essas regiões eram formadas.
Se agora examinarmos a in uência do meio sobre esses povos naturais, não se afigura a
indolência o seu principal característico. Indolente o indígena era sem dúvida, mas também
capaz de grandes esforços, podia dar e deu muito de si. O principal efeito dos fatores
antropogeográficos foi dispensar a cooperação […] A mesma ausência de cooperação, a mesma
incapacidade de ação incorporada e inteligente, limitada apenas pela divisão do trabalho e suas
consequências, parece terem os indígenas legado aos seus sucessores316.
[…] se desenvolveu fora do in uxo de outros elementos. E entregues à vida pastoril, a que por
índole se afeiçoavam, os curibocas ou cafusos trigueiros, antecedentes diretos dos vaqueiros
atuais, divorciados inteiramente das gentes do sul e da colonização intensa do litoral,
envolveram, adquirindo uma fisionomia original. Como que se criaram num país diverso329.
A figura do sertanejo em Euclides como um “tipo puro”, que, por não ter sido
submetido à civilização “evitou que descambassem para as aberrações e
vícios”, era um tipo físico constituído e forte, sempre visto como original pelo
autor. Mesmo que com características “selvagens” ele poderia alcançar – a seu
tempo – a civilidade. Essa visão sobre o sertanejo estava imersa na ideia de
uma República cujo futuro encontrava-se desacreditado pelo próprio autor.
Como analisa José Leonardo do Nascimento, os sertanejos “seriam as
subcategorias étnicas dos sertões, as ‘rochas vivas’ da nacionalidade, que mais
aptas estariam para constituir-se como nação”330. Albuquerque Júnior ressalta
que “a relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como
excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica,
tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional”331.
Assim, muitos intelectuais viam a população sertaneja dentro dos paradigmas
euclidianos, já que se baseavam nessa ideia de nação para entender o país;
muitos deles de origem nordestina, produtores também de bens simbólicos,
como o caso de Rodolfo Teófilo332. Nele, podemos ainda compreender algumas
imagens sobre os sertões e que nos fazem re etir sobre como, na década de
1930, essa região também era vista ainda a partir de certos discursos anteriores.
Em seu livro, A seca de 1915, encontramos alguns exemplos. Primeiro, quando
Teófilo re etia sobre a categoria “ agelado”. O farmacêutico, que viveu no
Ceará e ficou conhecido por escrever e atuar na vacinação em algumas
estiagens, dizia que essa nomenclatura surgiu com a seca de 1915. O significado
da palavra era emblemático, porque, além de estar referida à dor humana, ao
sofrimento e à tortura de vítimas de calamidades, pode ser atrelada a um
conceito biológico e, nesse conceito, os “ agelados” são parasitas causadores
de doenças.
Teófilo, em seu livro, narrava suas experiências nas secas de 1877 e 1915.
Contava que, em 1877, houve “um caso de um pai que matou o filho em
Quixadá para comer e, depois louco, furioso, morreu momentos depois em
horridas convulsões”333. Continuava dizendo que estava convencido de que
certos sertanejos que migravam antes mesmo de enfrentar o agelo eram
pessoas preguiçosas que vinham de estados como a Paraíba (região também
atingida pela forte estiagem). Em contrapartida, o farmacêutico dizia que havia
os sertanejos mais fracos – aqueles que emigravam – e os mais fortes que
ficavam “em seus domicílios, alimentando-se de raízes silvestres, esperando
pelo futuro inverno”334.
Outro exemplo desses olhares é quando o autor relata que, para ele,
agelados são todos aqueles que vivem durante a calamidade, porque muitos
cearenses “ficam sujeitos, como os retirantes, às moléstias, que se desenvolvem
durante as secas”335. Aqui, ele se referia à população da capital Fortaleza, que
recebia os sertanejos doentes na cidade, fato que não agradava a elite local.
Assim, ele dizia: “Não será um agelo ter-se a porta cheia de famintos, de
manhã à noite, pedindo esmola pelo amor de Deus? Haverá nada que mais
a ija a quem tem coração do que aquela triste e pungente súplica, feita em voz
sumida pela fome, com a fisionomia composta pelo rictus da miséria?”336
O sertanejo que come um filho pela fome, o preguiçoso ou o que permanece
na região porque é forte mostra-nos um olhar permanente dentro daquilo que
Pierre Bourdieu chama de “o poder simbólico” da representatividade. A ideia
de uma população sertaneja que em períodos de seca são pessoas desprovidas
de qualquer consciência, ou mesmo da construção de um sertão atrelado a um
“eterno atraso”, deve ser analisada dentro do que Bourdieu nomeia como
sistemas simbólicos, que “como instrumentos de conhecimento e comunicação,
só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder
simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma
ordem […] o sentido imediato do mundo”337. Ou seja, devemos pensar esse
sistema de símbolos dentro de uma função social, política, de integração social
“enquanto instrumento de conhecimento e de comunicação”338, porque assim
eles tornam possíveis o sentido em torno do mundo social. Re etir, então,
sobre essa caracterização do sertanejo descrita por Teófilo como uma narrativa
permeada de símbolos e que confere sentido e representação ao mundo social é
fundamental, principalmente no século XX, caracterizado pelas ideias de
civilização e progresso baseadas na ciência. Esse poder simbólico tem o papel
de mantenedor da ordem, da dominação e das correlações de forças existentes
nos sertões.
Quando Teófilo dizia que “o cearense, em razão das repetidas secas, tem um
pendor especial para esmolar”339 ou mesmo quando ressaltava que o cearense
tinha uma “resistência orgânica, que não se encontra em habitante algum dos
outros Estados da República”340, frisando que somente o caboclo cearense podia
ter povoado a Amazônia, porque seu “organismo resistia às moléstias daquela
insalubre região e cujo espírito, impregnado de grosseiro fatalismo, era
indiferente às constantes e numerosas perdas de vida”341, acabava por
caracterizar o sertanejo ao clima e à região. Teófilo se encaixava entre aqueles
que se baseavam nas re exões de Euclides da Cunha e que “construiriam
ambiências e personagens envolvidos no cotidiano de miséria, ignorância e
doenças. Representariam vidas secas, depauperadas pelas agruras do meio
físico e pela exploração do grande latifúndio”342. Um adendo é importante,
nesse aspecto: Ventura salienta, o mais importante, que Euclides “viu Canudos
como desvio histórico capaz de ameaçar a ‘linha reta’, que ele, Euclides, seguia
desde a juventude, entendida como a fidelidade aos princípios éticos e políticos
amparados na crença no progresso e na República”343.
Um sertão que, em meio à seca, vivia ainda sob o estigma do distanciamento
de uma República que o “esquecia”, corroborava para que Teófilo tivesse
também uma visão fatalista ao construir a imagem do sertanejo. Dizia ele: “o
retirante não perdia ocasião de furtar, mostrando o seu nenhum escrúpulo,
tratando-se do dinheiro da Nação. Usava de tanto ardil, que não parecia obra
de gente não ignorante; ignorante, porém de grande inteligência. O que falta
em nosso mestiço é cultura”344. Essa visão sobre a população dos sertões está
inserida, mais uma vez, na ideia de que a ciência também devia opinar e
intervir na formação do país, dar os rumos para que isso ocorresse. Proponho
pensar, neste trabalho, também sobre um contexto em que a eugenia, a
superioridade e inferioridade das raças faziam parte do pensamento de alguns
intelectuais e da elite dirigente do país.
Apesar de Teófilo reconhecer o importante papel desse mestiço quando dizia
que era um erro supor que fosse um espírito inferior, corroborava com essa
visão eugênica quando ressaltava: “[…] até o cabra, produto do africano com o
índio, o mais inferior dos produtos, pode cativar o espírito”345. Albuquerque
Júnior salienta que, na realidade, muito se desacreditava desses homens pobres
do interior “vistos como, por natureza, preguiçosos, indolentes, sem iniciativa.
Só uma vanguarda modernizadora podia recuperar o sertão para civilização.
Uma civilização nacional, não importada da Europa”346.
É no contexto também do pós-Primeira Guerra Mundial que, segundo
Mônica Velloso, o Brasil se vê frente aos seus problemas, fazendo-se questionar
que, na realidade, “se o Brasil tem território, não tem ainda o que se pode
chamar de nação”347. Ou seja, era preciso rever a questão da identidade
nacional, formadora dessa nacionalidade. O desafio seria “encontrar um tipo
étnico específico capaz de representar a nacionalidade”348. Segundo Velloso, o
intelectual – e podemos pensar em Teófilo também nesse sentido – se via
corresponsável direto por encontrar essa identidade nacional, pois era um
momento de luta, de rompimento com um passado de dependência cultural
com os europeus.
Re etir criticamente os problemas dos sertões era necessário; por isso,
Teófilo trazia à tona – conforme já visto – a importância também da busca
desse tipo ético que representasse nossa nacionalidade, motivado pelas
questões raciais, como assim o fez Euclides da Cunha, do qual o autor era
discípulo. Teófilo dizia: “O grande Euclides da Cunha horrorizou-se vendo a
seca através de uns versos de Guerra Junqueira […]”349. Logo, na escrita de
Teófilo vemos esse Brasil rural, no qual o Nordeste sertanejo representava a
força e a bravura. Encontramos outra filiação com o pensamento euclidiano
quando o autor dizia: “O Ceará é como a Fênix da Mitologia: vive a ressurgir
das suas próprias cinzas; é a erva de Jericó dos sertões combustos da terra das
secas”350.
Ao se re etir sobre esses contextos, não se pode deixar de compreender o
papel do movimento modernista351 e as próprias contradições em seu interior.
O movimento tinha como pauta a crítica a um Brasil romantizado,
considerando pensá-lo por uma via racional e crítica, com valores cientificistas.
Era preciso alcançar uma racionalidade capitalista, utilitária e pragmática; era
necessário conhecer o país e “considerar suas peculiaridades e propriedades”352,
em busca de uma verdadeira brasilidade. Havia um questionamento em
relação ao regionalismo como apenas uma coleção de paisagens, conforme
aponta Albuquerque Júnior. Com isso, o modernismo353 pretendia “tomar os
elementos regionais para poder posteriormente rearrumá-los numa nova
imagem, e um novo texto para o país”354.
O Nordeste, nesse contexto, de acordo com Velloso, registrou seu protesto,
contra a homogeneização e um modelo citadino de vida, em um manifesto
regionalista em 1926. A autora coloca que, no bojo do debate sobre a
brasilidade, a questão regional se tornou um tema importante dentro do
modernismo. Duas visões estavam em xeque: na primeira delas, “as diferenças
existentes entre as várias regiões brasileiras passam a ser vistas como partes de
uma totalidade corporificada pela nação”355, ou seja, na realidade, devia-se
achar a unidade relativa à identidade e pensar sempre no conjunto. Nesse novo
contexto da escrita regional, não se pensava mais o meio ambiente e o fator
especial, e sim o temporal e o histórico.
Outra visão era o regionalismo de cunho localista – os chamados verde-
amarelos – que tendiam “a identificar a sua região como núcleo da
nacionalidade”356, considerando, nesse sentido, “um retorno idílico às tradições
do país”357; uma nacionalidade isenta de con itos e sempre harmônica, tendo
São Paulo como modelo para o Brasil. Assim, por exemplo, o tupi tornou-se o
cerne da nossa nacionalidade, porque simbolizava a nação. Como analisa
Velloso, o que se tinha era uma visão universal e crítica versus a geográfica e
localista, onde o Brasil autêntico era o rural, e o que ocorreu foi “a fusão
homem-natureza-brasilidade”358. Nesse sentido, Euclides da Cunha foi resgatado
como modelo de intelectual brasileiro, “porque sua obra fala do país, que é
rural”359. Logo, essa nova nação não era urbana, era caipira e cabia, agora, o
encontro do litoral com o interior, sendo o sertão aquele que devia “dar a sua
alma à cidade, para em seguida receber os benefícios oriundos da
civilização”360.
O Nordeste do discurso localista toma para si a história como elemento
discursivo, ou seja, o passado para legitimar o presente. Segundo Albuquerque
Júnior, a história como o lugar da produção da memória e de discurso “faz dela
um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado, de
reconhecerem uma região já presente no passado, precisando apenas ser
anunciada”361. O apagamento das diferenças regionais em nome da integração
nacional, forte discurso proferido nesse contexto anterior a 1930, faz com que o
Nordeste, por medo de perder espaço e, como salienta Albuquerque Júnior, de
manter sua dominação – agora, ameaçada –, promova um discurso do que ele
chama de “memória especial” de um Nordeste regionalista e tradicionalista. O
passado de tradição era evocado para que não se perdesse o lugar do Nordeste
nesse Brasil.
Já, de acordo com Lúcia Lippi Oliveira, um Brasil voltado para sua história,
com uma elite “permeada do ideal salvacionista e que se auto-atribui um papel
messiânico na vida nacional”362 marcava o contexto pós-1930. A tradição e a
modernização formaram uma verdadeira trama complexa, como aponta Lippi,
em todo o governo Vargas. A autora lembra que houve a valorização da
história nacional, das especificidades de cada povo, o que colocou os
intelectuais daquele contexto imersos em re exões e com chances de
participarem do processo político de forma mais direta. Foi, então, com a
Revolução de 1930 que se abriram as portas para o debate de projetos políticos,
como explica Lippi, permeados por três grandes eixos: “o elitismo, o
conservadorismo e o autoritarismo”363. O elitismo, “ao se basear no fato natural
e demonstrável da desigualdade humana, contribuía para aumentar a
descrença na doutrina da sabedoria popular”364, ou seja, a existência da elite se
naturalizava como algo dado. O conservadorismo, que se referia “a uma
vertente específica de concepção do mundo onde a ordem, a hierarquia e a
tradição têm um papel preponderante”365. O autoritarismo era conjugado ao
nacionalismo.
Sérgio Miceli afirma que, nesse contexto, o Estado tornou-se árbitro em
assuntos culturais. Os intelectuais, por conseguinte, ao apoiarem o governo de
Vargas, fundamentaram-se em “álibis nacionalistas”366. Ou seja, “o fato de
serem servidores do Estado lhes concedia melhores condições para a feitura de
obras que tomassem o pulso da Nação”367, dando sequência às posturas dos
modernistas. Eles se “autodefiniam como porta-vozes do conjunto da
sociedade […] vendo-se a si próprios como responsáveis pela gestão do espólio
cultural da nação”368. É assim que a concepção de “cultura brasileira” toma
corpo mais efetivo.
De acordo com Miceli, as clivagens ideológicas, ao longo do processo de
expansão do aparelho estatal, contemplaram, praticamente, todos os matizes
de pensamento como “militantes em organizações de esquerda, quadros da
cúpula integralista, porta-vozes da reação católica, figuras pertencentes à
intelectualidade tradicional”369. Logo, a literatura, conforme aponta
Albuquerque Júnior, passou a “oferecer sentido as várias realidades do país; a
desvendar a essência do Brasil real”370. Temos, a partir disso, a literatura de
Graciliano Ramos371 e seu livro Vidas Secas (1938), que representa, mais uma
vez, os sertões e a saga da vida sertaneja. No entanto, trata-se de um Nordeste
não mais utópico ou um lugar de sonho, como diz Albuquerque Júnior
referindo-se a uma literatura freyreana, mas sim de um território de misérias e
injustiças. Agora, era preciso se preocupar com o trabalhador, com os
operários. Segundo Maria Arruda, “o chamado romance regionalista, diga-se
de passagem uma denominação bastante imprecisa, resultou da combinação
entre o modernismo, que se forjou na assimilação da nossa oralidade e se
legitimou no compromisso com a realidade brasileira”372. Dentro disso,
encontra-se, então, Graciliano, que fez parte do projeto literário da “geração de
30”, valendo-se da “arte para mostrar uma sociedade vincada de espoliação e
opressão”373. A história de uma família nordestina que, em meio ao sertão da
seca, tentava driblar a adversidade da fome e da sede, migrando para um futuro
incerto, corroborava com essa nova visão de um Nordeste não mais da
tradição, da saudade, mas sim um espaço de luta, que buscava um futuro
melhor em meio a pobreza. O Nordeste que não era apenas do engenho, mas
do sertão, da pecuária, esquecido pelos poderes públicos e que devia ser
conhecido para superação de suas mazelas.
Vejamos como Graciliano retratou esse sertão em Fabiano, o pai da família,
principal personagem do livro Vidas Secas, que, em certo momento da história,
dizia:
Era infeliz, era a criatura mais infeliz do mundo. Devia ter ferido naquela tarde o soldado
amarelo, devia tê-lo cortado o facão. Cabra ordinário, mofino, encolhera-se e ensinara o
caminho. Esfregou a testa suada e enrugada. Para que recordar vergonha? Pobre dele. Estava
então decidido que viveria sempre assim? Cabra safado, mole. Se não fosse tão fraco, teria
entrado no cangaço e feito misérias. Depois levaria um tiro de emboscada ou envelheceria na
cadeia, cumprindo sentença, mas isto era melhor que acabar-se numa beira de caminho, assando
no calor […] Talvez tivesse preso e respeitado, um homem respeitado, um homem. Assim
como estava ninguém podia respeitá-lo. Não era homem, não era nada. Aguentava zinco no
lombo e não se vingava385.
Vale re etir, a partir das premissas analisadas por Albuquerque Júnior, que se
vê, em Graciliano, uma abordagem sobre o cangaceirismo “reduzindo-os quase
sempre a mera explicação econômica”386. O cangaceiro é um indivíduo
marginalizado pela sociedade e visto como herói pelos marginalizados como
ele; era esse cangaço que poderia ser usado como exemplo de luta contra a
opressão.
Cabe citar, por fim, considerando essa mesma perspectiva, a narrativa do
engenheiro agrônomo pertencente ao quadro da DNOCS, Paulo de Brito
Guerra, em 1977, em seu livro Flashes das Secas. Nele, o mesmo relatou os
episódios de sua atuação nas obras contra as secas na década de 1930. Dizia
Brito Guerra que o agelado, ou retirante, era aquele sertanejo “que, se não
chove no devido tempo, sai pela estrada em busca de um meio que lhe garanta
a sobrevivência, já que sua única atividade – a Agricultura – não se torna
possível na terra sem umidade”387. Também chamava o sertanejo de Cassaco
que é o “nome de um pequeno marsupial, muito comum no Nordeste, o qual
exala cheiro desagradável, e conduz os filhotes na bolsa ventral”388. Fazia,
assim, analogia entre o Cassaco e o sertanejo que levava consigo mulher e
filhos nas retiradas; seria ele “o mais autêntico agelado”. Foram esses
sertanejos cassacos que construíram os primeiros açudes e estradas do
Nordeste, trabalharam duramente nos serviços de terra, eram “heróis
anônimos” que mereciam estátua de bronze, uma em cada estado, dizia Brito
Guerra. O olhar sobre esse sertanejo como agelado, comparando-o a um
animal do sertão, ou mesmo a um herói anônimo, aquele que resistia à seca e
que não migrava por ser o mais autêntico dos sertanejos estava inserido – mais
uma vez – nas diversas abordagens às quais refiro-me até aqui e que são a base
deste trabalho.
Para Albuquerque Júnior, no final das contas, os discursos em torno da seca
em diversos contextos históricos não levaram em consideração que ela era um
“produto histórico de práticas e discursos, como invenção histórica e social, o
que implicaria, ao se falar em ‘seca do Norte’ ou ‘seca do Nordeste’, não se está
falando de qualquer estiagem, mas de um objeto ‘imagético-discursivo’”389. Ou
seja, é preciso entender que as imagens em torno das secas foram construídas
ao longo dos séculos e estão inseridas no embate de forças “que a toma como
objeto de saber”390. É necessário, nesse aspecto, compreendermos “a história da
invenção da própria seca como problema regional”391.
No caso santiagueño, algumas semelhanças se evidenciam e outras trajetórias
aparecem. A relação com os povos originários é emblemática para pensar essa
região e para representá-la. De acordo com Miguel Bartolomé, durante quase
três séculos em que os espanhóis estiveram em terras argentinas não houve a
necessidade de adentrar as terras dos índios, nas extensas regiões da Patagônia
e do Grande Chaco, cuja população mantinha relações tensas baseadas em
efêmeros tratados, intentos missionários, ataques ocasionais e expedições
punitivas. Como o autor coloca, a colonização espanhola não necessitava
dessas terras392.
A região chaqueña, como explica Julio César Spota, no século XIX, era uma
área promissora de crescimento econômico para os segmentos capitalistas
agroexportadores, estimulando, em um primeiro momento, a produção
agropecuária e, depois, a extração de madeiras para a fabricação de durmientes
ferroviarios. Porém, o que o governo argentino precisava encarar era uma forte
resistência indígena, como analisa o autor.393
Se, de um lado, o desierto chaqueño, de forma imagético-discursiva, está
presente para dizer que essas áreas eram espaços vazios, ao mesmo tempo e
contraditoriamente, eram nelas, como explica Spota, que residiam populações
refratárias aos benefícios do impulso civilizatório e esse grupo era um
obstáculo ao avanço do progresso394.
Alberto Tasso afirma que a cultura santiagueña impressiona por sua
pluralidade de etnias: nelas, resistem a mescla do índio, do negro, do espanhol,
do mestiço395. De acordo com o autor, o que muito se assemelha ao caso
cearense, as relações patronais favoreciam a dominação, o modo de vida e de
produção do campesinato. Nesse sentido, como existe em todo o sertão
nordestino, em Santiago del Estero a figura do agregado estava presente, sendo
aquele que tinha o direito de ocupar a terra do patrão, mas devia lhe prestar
serviços. Assim, configurou-se uma agricultura comercial em conjunto com
uma economia popular campesina396.
José Grosso, ao tratar da questão da formação da população do Noroeste e
especificamente santiagueña, diz que, na configuração nacional a máxima era:
“Todos os índios estão mortos” e, logo, isso queria dizer: “Nós não somos
índios”. Era esse o discurso colonial. O autor coloca que, nesse sentido, durante
a construção da nação, depois de se servir em seus exércitos nas guerras de
independência e nas guerras federais, entre 1812 e 1850, dos negros “libertos”,
dos indígenas “já domesticados” e dos mestiços, puseram em prática, na década
de 1870, um programa de aniquilação dos índios ainda não vencidos, a
chamada “conquista del desierto”.
Desse modo, o autor nos remete a outra questão: se os índios estavam todos
mortos, os negros sequer eram mencionados. Mesmo quando se revelava nos
censos da cidade de Santiago del Estero, no século XVIII, que a maioria da
população era de escravos negros, eles foram “apagados” da história da região
e do próprio país. A invisibilidade também se fazia presente. A Argentina se
constituía, então, de índios mortos e negros invisíveis397. No entanto, Luis
Grosso assinala que o “índio” e o “negro” foram etnicidades protagonistas na
mesopotâmia santiagueña durante o período colonial. E que, em Santiago,
existe um grupo, onde se inserem as maiorias populares, rurais e urbanas, que
se percebem vinculadas com essas diferenças étnicas; em contrapartida, as
elites campesinas, das principais famílias da região, e do “centro” das cidades,
se autoconsideram de ascendência “espanhola”, vinculadas ao “progresso” e à
“civilização”. Elas rejeitam esses vínculos e tentam colocá-los e controlá-los sob
a categoria de folclore398.
A categoria índio, para Grosso, está situada em uma ampla e difusa rede de
significados, abarcando os paraguaios vencidos na guerra ocorrida de 1865 a
1870, e as numerosas milícias campesinas geradas nas campanhas provinciais
chamadas de “montoneras” (que viviam em bandos, sem uma disciplina militar,
a deslocar-se a esmo). Ou seja, o que o projeto liberal-burguês fez foi uni-los e
colocá-los junto aos guaranis, montoneros y pampas. Todos foram reconhecidos
como homens irracionais e inaptos. Assim, de acordo com o autor, o “índio”
visto como “outro” era um diferencial constitutivo da hegemonia nacional
argentina399.
Bernardo Canal Feijóo, importante autor santiagueño das décadas de 1930 e
1940, dizia que, na chegada dos europeus, a população indígena que habitava
Santiago del Estero falava diversos idiomas e, em sua maioria, permaneceu o
quíchua, o idioma do Império Inca. Essa língua, em meados do século XVII, já
podia ser considerada língua geral da população da região. Ele a via como um
idioma culto e refinado. Para Feijóo, o quíchua “se instauró como idioma del ‘otro
lado’: del colonizado, de la ruralidad, de los sectores desahuciados”400.
De acordo com José Grosso, a língua quíchua se tornou a identidade
santiagueña, ou mesmo o seu sinônimo “la identidad quichua”, com o desajuste
próprio de todo “sinônimo”401. Alberto Tasso e Zurita complementam tais
re exões quando analisam que as mudanças políticas ao longo da história logo
reprimiram o quíchua por motivações morais e políticas. De acordo com os
autores, o último estágio repressivo, que começou por volta de 1930 e 1942, foi
quando a restauração conservadora considerou necessário avançar sobre os
núcleos culturais dessa população nativa, assim como no final do século XIX se
havia avançado sobre suas terras e populações402.
Como Grosso explica, a identidade “santiagueña” se construiu juntamente às
outras identidades das províncias na Argentina, durante as guerras de
independência e as guerras federais da primeira metade do século XIX, como
apontado até aqui. A população santiagueña, frente à sociedade urbana porteña,
tornou-se a herdeira das desqualificações indígenas históricas, como vimos nas
falas de Sarmiento: “preguiçoso”, “atrasado”, “sujo”, “índio.”403 Desde seu uso
como mão de obra servil até a dispersão do seu pertencimento comunitário,
houve a tentativa de converter os “índios selvagens e domesticados” em
“cidadãos argentinos”. No século XIX, o índio se tornou um fator que
concentrava “la nueva identidad nacional”404.
Luis Grosso esclarece que a mentalidade civilizatória não tolerava os ritmos e
modalidades da vida social das províncias do “interior”; populações históricas
nas quais se evidenciam os rastros étnicos coloniais, do que ele chama de
“‘índios internos, sumados a ‘negros’ y sus mezclas”405. Assim, consolidou-se a
política de imigração europeia (“as raças superiores”) e o desprezo à cultura do
“índio” e dessas etnias (vistas como inferiores). A configuração do país se dava
da seguinte forma: no Pampa, na Patagônia e no Chaco, o que existiam eram os
resíduos interiores da alteridade indígena, ou seja, em estado bárbaro e sem
uma elite branca que reclamasse governo sobre eles. Nesse sentido, ou se devia
eliminá-la ou misturá-la, e as demais populações deviam ser europeizadas.
Logo, o que o autor chama de inimigo semi-iterno era o “‘índio del desierto’”406.
Santiago del Estero, especificamente, viu a entrada de italianos, espanhóis,
libaneses, judeus e dinamarqueses que colonizaram terras no Rio Dulce e
Salado. Dedicaram-se à exploração orestal e à agricultura, como analisado
por Alberto Tasso. Pouco a pouco, de acordo com Grosso, eles foram se
estabelecendo nas cidades santiagueñas. E, assim, uma Argentina branca e
europeia se fazia e se construía a partir dessa polarização valorativa da
identidade nacional sobre a região pampeana, tendo a cidade de Buenos Aires
como a cabeça. Isso se dava, principalmente, com o “(auto)ocultamiento de los
rostros oscuros que atravesaban las mayorías demográ cas y culturales del Norte hacia
el Sur”407.
Para Grosso, Santiago del Estero encontra-se nesses “rostros oscuros” da nação
argentina, que tinha seu modelo porteño-cêntrico como o primeiro a ser
seguido. Para o autor, a Argentina desejava, sim, reconhecer as singularidades
locais ou regionais internas, mas sem que esses particularismos se
transformassem em diferenças408. A nação era concebida em um modelo único
de apagamento do que se considerava o “outro”, o “diferente”. No entanto, em
Santiago del Estero, segundo suas análises, houve uma “(im)posibilidad
‘argentina’” e isso significava que Santiago foi habitada por essas “diferenças”409.
Ou seja, em meio à tentativa de homogeneização, houve um questionamento
do desenho estrutural que a Argentina tentava impor sobre o país. A exemplo
disso, Grosso mostra que o Censo de 1778 registrou que, em Santiago, havia
15% da população composta por espanhóis, 31% por índios, 50% por negros,
zambos (mistura de índio e negro) e mulatos livres (mistura de negro e
espanhol ou branco), mais 4% por escravos410, e havia uma população
majoritariamente rural.
Luis Grosso categorizou Santiago del Estero do período colonial da seguinte
forma: a) “La Parroquia de Santiago”, com sede na cidade de Santiago del Estero,
que continha 11% da população total. O resto da “parroquia, con sus villas,
pueblos de indios, fortines, estancias y chacras” somava 89% da população; b) A
área “del Salado”, que reunia “La Parroquia de Guañagasta” e “La Parroquia de
Salado” era a mais equilibrada etnicamente. “La Parroquia de Guañagasta” tinha
4% de espanhóis, 31% de índios, 65% de negros, zambos e mulatos livres e 3%
de escravos; “La Parroquia de Salado” 43% de espanhóis, 51% de índios, e 6% de
negros, zambos e mulatos livres e 10% de escravos. Na “Parroquia de Santiago”,
o autor destaca que havia, no total, 1.291 “negros” e suas misturas (somando as
classificações das quais ele se utiliza acima) e o resto eram espanhóis. Ou seja, o
que lhe chamava a atenção era justamente o fato de que a distribuição de
“negros” e “índios” foi mudando a ponto de não se encontrar registro de
nenhum “índio” no século XVIII411. No entanto, em realidade, existiam os
chamados “índios ausentes” que não viviam mais, por alguma motivação, no
“Pueblo de Indios”. Logo, para os censores, “índios” eram aqueles que viviam
nos chamados “Pueblos de Indios”, ou seja, somente os que residiam nesse
espaço podiam ser chamados de “índios”. Daí a não contabilização deles em
Santiago del Estero.
Portanto, ao menos em Santiago, podia-se categorizar a população da
seguinte forma: negros, índios, zambos y mulatos livres, e índios ausentes.
Logo, no Censo de 1778 se evidenciava uma maioria de “negros” e “índios”,
dentro de suas diversas categorias censais. Isso significou que, no Cabildo de
Santiago del Estero, 85% dos habitantes pertenciam a essas categorias. Nesse
contexto, segundo Grosso, “índio” e “negro” já eram camadas sociais bastantes
genéricas412. Essa estrutura é ponto-chave de entendimento das imagens
construídas sobre a província, ainda no contexto posterior da década de 1930,
em relação ao que se entende por ser santiagueño.
Em suma, o fundamental sobre a história dessa região é que a ideia de uma
Argentina branca e imigrante não se consolidou; no entanto, existiu a tentativa
de apagamento dessas categorias anteriormente citadas, pertencentes à
mesopotâmia santiagueña. No final do século XVIII e começo do XIX, os
Pueblos de Indios eram um mar de populações mestiças em movimento, com
forte predomínio de “negros” e suas misturas. Na Argentina, em particular, o
mestiço passou a ser uma categoria única para tratar dessa diversidade étnica,
como esclarece Grosso. Não se chamava mais essa população de mulata ou
zambo; todos eram mestiços e isso mostra que a ideia de homogeneização do
país desejava apagar o “negro”413 da história nacional.
Em relação ao “índio” como categoria, ainda se pode percebê-lo dentro de
Santiago del Estero, mas nunca relacionado à cidadania oficial. Ele é evocado
como um passado sepultado, como explica Grosso, na pré-história nacional e é
cultuado pelos setores mais baixos da população414.
Mesmo que o caso argentino de mestiçagem, para essa área em particular de
Santiago del Estero, tenha sido bastante semelhante ao caso brasileiro, que no
Brasil a mestiçagem se “afirmou” e não é essa comparação que desejo propor.
O que é importante salientar é que houve também a homogeneização e a
tentativa de apagamento do “negro” e do “índio” da história nacional
argentina, mas e o branqueamento foi mais estabelecido. No Brasil, quando se
trata do índio, como vimos no caso do Nordeste e do Ceará, especificamente, a
“mistura” foi mais emblemática e a invisibilidade conseguiu mascará-lo de
maneira mais perceptível que no caso santiagueño e de NOA. No entanto,
todos esses passados, do Brasil e da Argentina, configuraram os espaços
cearenses e santiagueños, fizeram parte da construção dessas regiões e
mostram que as políticas de cerceamento fizeram parte da incorporação das
teorias biológicas de inferioridade e superioridade das raças, e, portanto, nesses
países, consolidou-se o modelo de produção das diferenças, tratado por Anne-
Marie Thiesse415.
É fundamental salientar também, e é válido pontuar, que desde o final do
século XIX uma literatura médica, envolvida nos paradigmas das ciências
naturais para a análise social, ganhou espaço na América Latina em meio à
“instabilidade política; [à] dependência do capital estrangeiro […] e [aos]
problemas sociais, comuns à maioria dos países latino-americanos na época”.
Tais fatores fizeram com que “proliferassem conjecturas acerca da
incapacidade do continente de incorporar a modernização e alcançar o
progresso”416.
A América Latina como região enferma tomou conta dos estudos do século
XX. As ideias racistas europeias e o positivismo foram apropriados para a
realidade latino-americana. As políticas eugenistas que chegaram da Europa à
América Latina orientaram políticas de saneamento e buscaram incentivar a
imigração europeia, para que, em algumas décadas, a “população
‘branqueasse’”417. Em contrapartida, assim como ocorreu com certo grupo
intelectual no Brasil, na Argentina uma vertente intelectual passou a questionar
o criollismo pampeano. Como aponta Alejandra Mailhe, eles eram vinculados ao
antipositivismo modernista e passaram a ver, principalmente no Noroeste, a
“real” Argentina. Isso se dava em oposição a Buenos Aires, definida
negativamente por sua europeização. Como analisa a autora, vários discursos
que reivindicam a espiritualidade e a miscigenação indo-hispânica formavam
uma visão idealizante do passado colonial, pensado como o período em que
uma matriz de sociabilidade coesa é forjada, selando um ethos de identidade
duradouro, capaz de compensar o que ela caracteriza como “el impacto del
‘aluvión inmigratorio’”418.
Nesse sentido, pode-se citar Ricardo Rojas como um exemplo desse tipo de
intelectual para compreensão dessa conjuntura. Regiane Gouveia afirma que,
no contexto de Rojas, passou a haver um rechaço em relação à in uência norte-
americana e um sentimento de solidariedade para com a Espanha. Os Estados
Unidos seriam uma ameaça à soberania latino-americana. Muitos intelectuais
espanhóis vieram para a América Latina e muitos dos hispano-americanos,
como Rojas, se estabeleceram um período na Espanha. Era preciso olhar para
os norte-americanos não mais com o sentimento de inferioridade e
pessimismo419.
Mailhe qualifica Rojas como um autor regionalista. Esses autores podiam
estar atrelados a posições ideológicas diversas – o conservadorismo católico e o
nacionalismo populista, por exemplo. NOA e em particular Santiago del Estero
passaram a ser valorizados em função tanto do seu passado arqueológico
prestigioso quanto do peso do mundo colonial hispano-indígena, mais
autêntico do que em outras áreas do país420.
Como mostra Velloso, na América hispânica do início do século XX também
havia uma corrente que reconhecia e valorizava as heranças culturais maia,
asteca e inca, por exemplo. Isso significava que, “o resgate da diversidade
cultural constituiu-se em impulso decisivo para a modernização”421. Em seu
livro Blasón de Plata (1912), Rojas colocava:
[...] nuestra América precolombiana se nos aparece coronada por la misma gloria de las grandes
civilizaciones antiguas […] Las metrópolis de los reinos aztecas, mayas o quichuas, fueron
ciudades montañosas u occidentales por su vecindad al Pacífico […] Ha sido error asaz
generalizado entre nosotros de que el indio argentino fue totalmente exterminado por la saña
del conquistador, o pereció lentamente – mitayo, encomendado o yanacona – en los
padecimientos de la servidumbre colonial. Así habíamos llegado, con grave falseamiento de la
historia, a cernos un pueblo de pura raza europea, olvidando que la emancipación, salvo el
escaso número de los dirigentes, fue realizada por el cholo de las ciudades y el gaucho de los
campos, mestizos a quienes el nuevo dogma directamente beneficiaba422.
Nesse trecho, Rojas falava de uma herança indígena na história do país, sendo
um erro dizer que foram dizimados pelos colonizadores. Mais ainda, seria falso
dizer que a Argentina era uma população de pura raça europeia. Mailhe analisa
que Rojas era um intelectual importante do Estado que colaborou para um
discurso nacionalista. Esse Estado oligárquico, liberal e modernizador cooptou,
como aponta a autora, inúmeros intelectuais para elaborar discursos
identitários, a fim de criar um efeito inclusivo e homogeneizante, forjando
narrativas nacionais apelando a mitos históricos e políticos423, e era Rojas que
aspirava reforçar a dimensão americana – e inclusive indígena– da Argentina424.
Em outro trecho, Rojas dizia:
Al penetrar el conquistador en la tierra argentina, casi todos los pueblos nativos se plegaron a la
nueva civilización, según ya lo sabéis. Esto no impidió a algunos jefes, seguros de su fuerza y
sordos a los presagios de ruinda, levantarse contra el invasor. Encarnaban ellos la forma heroica
de la defensa patria, y su recuerdo ha de sernos venerando, porque su patriotismo, aunque
elemental, fincaba en el amor a la tierra indiana. Paramentados o desnudos, fuertes o débiles,
obscuros o ilustres, fueron lo según el grado de civilización aborigen que cada uno de ellos
representaba425.
El pueblo argentino, al cobrar conciencia de sí mismo durante el siglo XX, ha padecido un doble
extravío acerca de sus orígenes: en lo que tenía de americano creyó necesario el
antihispanismo, y en lo que tenía de español juzgó menester el antiindianismo. Semejante
posición espiritual era el resultado de una deficiente información histórica, o la deformación
del pasado a través de las pasiones políticas, o la prueba de que la propia conciencia nacional no
había llegado a su madurez. La nueva posición que ahora buscamos ha de consistir en el
equilibrio de todas las fuerzas progenitoras, dentro de la emoción territorial [...] Pero un
estudio más completo de la génesis patri comienza a rehabilitar al indígena que el europeísmo
proscribiera de la historia [...]426.
Nuestra concepción moderna y universalista del progreso quiere precipitarnos a la idea de que
todo lo que tiende a mostrarse demasiado igual a si mismo, está inevitablemente aquejado de
rezagamiento, de atraso. Si es posible hablar actualmente de una cultura popular argentina, no
creo que la del pueblo de la provincia de Santiago del Estero deba ceder un punto en el paragón
con la de los pueblos de las demás provincias hermanas. Y juzgo que la pequeña superioridad
asignable a aquélla, bajo algunos aspectos, dimana precisamente de cierta capacidad de
conservación y consecuencia que parece constituir el toque más definido de su carácter.
Mostrarse refractario a todo contagio o a toda in uencia exterior, no es por sí una prueba
satisfactoria de indemnidad en el orden espiritual del pueblo; pero sí puede serlo cuando el
pueblo incurre en esa condición defendiendo un patrimonio proprio448.
Ocho meses de sequía, habían hecho del monte y de la tierra un inmenso espasmo de sed. Ni
poleo ni malva iba quedando. En el monte, las noches y auroras se sucedían en silencios sin
pájaros. Cuando hacía que las cabras y las pocas vaquitas que restaban se engolosinaban en los
ucles cercanos. La novillada hermosa, que fue de vientre redondo, dejaba entrar un puño entre
costilla y costilla. Los hombres vivían como maniáticos mirando hacia arriba, con olfato ávido y
evidencias meteorológicas y prevenidas. Pero en vano. Ni los tinticaballos salían en presagio ni
los árboles dejaban caer su lloro. Si las nubes alegraban el impúdico delirio era inútilmente. Si la
luna tenia halo en su pupila, desfondaba las esperanzas. La tierra seguía desolada; el cielo,
ignorado, hosco457.
É possível perceber, com esse fragmento, como a história da seca que tomou
Santiago del Estero, é semelhante às narrativas escritas sobre as secas do Ceará.
O quadro de uma terra emanada pela sede, sem chover oito meses, onde o
gado era só costela e os homens viviam maníacos, olhando para o céu, em uma
terra desolada, sob um céu ranzinza, retrata um cenário de penúria e
sofrimento. A natureza como problema central da questão estava presente. No
entanto, a narrativa de Quenel está inserida – como no caso de Graciliano
Ramos – em um forte sentido social e político, mas que acabava também
afirmando visões fatalistas e pessimistas sobre a região. A natureza e o
sofrimento do espírito fazem parte de sua narrativa, na tentativa de que a
trama pudesse ser uma denúncia sobre como vivia a população santiagueña.
Mempo Giardinelli analisa que Quenel, ao voltar de Buenos Aires para viver na
província, passou a ver como a paisagem humana da terra onde havia nascido
era o encontro do temperamento fatalista de seus habitantes com o calor, a
seca, a aridez de uma geografia que já estava sendo devastada pela voracidade
madeireira que fez de Santiago del Estero um deserto458.
Era uma escrita inconfundível, que revelava um lugar dentro de muitos
lugares: a árvore, o bosque, a montanha santiagueña, como ressaltam as
re exões de Clelia Edith Ávila. Giardinelli ressalta que, em La luna negra,
Quenel demonstra ser uma das vozes mais originais do que ele chama de
Argentina profunda. Ela narrava a solidão e a marginalidade, a resignação e a
tristeza do campesinado santiagueño. Para o autor, seus contos são de forte
sentido lírico. Praticamente, não há esperança nos personagens, apenas existe
algum sonho que a própria realidade desmentirá e, em alguns casos, há uma
agonia trágica. Além disso, a paisagem selvagem é uma forte protagonista459.
O tom regional estava presente, mas ia além disso quando retratava a
problemática em termos do lugar da nação nesse contexto. Para Ávila, a
solidão, a frustração, o sofrimento se constituíam como signos de um destino
que não se podia modificar nos escritos de Quenel. Parece, aqui, mais uma vez,
que a narrativa de Quenel se assemelhava à de Graciliano: a sina de uma
população que vivia embrenhada em uma natureza rústica, que dependia dela
e das relações de poder que a constituíam460. No entanto, não podemos
comparar o tipo de escrita literária em si com a de Graciliano Ramos. Há
alguns pontos de contato, inclusive e principalmente pela conjuntura que
viviam os semiáridos do nordeste e a província de Santiago; no entanto, como
salienta Giardinelli: todos os contos de La luna negra narram um mundo que
hoje podemos chamar de literatura fantástica, ainda que em sua gesta tenham
querido ser regionalistas461. Como analisado até aqui, há claramente, em
Quenel, essa intenção socioantropológica nas suas narrativas, e uma prosa
complexa surge a partir disso, como analisa Giardinelli462.
Em outro trecho, fica evidente o fatalismo que há em Quenel. Era um estado
de coisas que parecia que jamais poderia ser modificado. As personagens
Damián e Lúcia conversam:
Damián la miró y al topar con los ojazos de ella, los vio distantes, casi duros.
–¿Que ha’sío Lucia?
–¿Que ha’sío Lucia? Que será de nosotros?
El campo parece pedernal seco...La lengua como lazo andan los animales…
– Ayer ha quedao un chivo en el pencal. El otro día la cabra baya y la tamberita barrosa. Se me
hace que la rosadita ya anda tristona. Ni chilicote va a quedar vivo…
–¿Y hasta cuando el maíz si sembrar?…
En la represa, ni agua pa’tomar va habiendo. Puro barro…
– Ha rigoriáu el cielo...463
É possível ver a fatalidade da seca, em uma terra de sede, onde a água era
barrenta e parecia que nada ia mudar, principalmente quando Demián
perguntava a Lúcia o que seria deles nessa situação. O espaço hostil, portanto,
fazia parte da vida dessas pessoas. Quenel ainda dizia:
Iban transcurriendo nueve meses sin el milagro de una lluvia, y ya el horizonte y la tierra se
confundían en una continuidad asoleada. Calcinando el suelo, no brotaban ni raíces. Cielos y
cielos azules que no derramaban una gota de agua, convertían los días en símbolos de muerte.
Los arbustales semejando falanges secas, daban lástima, y los campitos de invernada que eran
or verde, se veían en rajas, con hedentina de osamentas trágicas. Ya ni se “curaban” los
animales, que en tendal caían en los pastos ocres de la seca, o en los pencales desgarrados por la
lava sedienta que eran las bocas de las bestias ambulantes. Sólo los caranchos engordaban. La
angustia hacía pensar a los hombres, en iras celeste, en alturas de agua que llenaran
desbordantes cuencos de la tierra, en diluvios estallantes que deshicieran la pureza del cielo. Ni
al cerrarse al sueño, párpado sobre párpado, aquella gente cesaba el clamor abrasante. Clamor
que era de brazos caídos, en su acostumbrado permanecer de piedra:
– Algún día, Dios se hái acordar…
¡Aunque tal vez las lágrimas de esperanza se hacían lluvias de sangre en los rogatorios por una
“tormenta linda”…!464
Jens Andermann pode nos elucidar sobre o lugar desse tipo de narrativa onde
a natureza configurava as pessoas, as coisas e todos os seus sentimentos. A seca
era formadora da identidade da região, bem como era ela o cerne da
desesperança, da morte, do penar, da fatalidade da população, mas era por
meio dela também que se denunciava tal quadro. O autor afirma que se a
paisagem oferecia não só um modo de representação, e, assim, de capitalização
e controle territorial sobre a terra, era também ferramenta epistemológica,
ética e política para pensar as interações transformadoras entre sociedade e
meio ambiente465. A paisagem servia, de acordo com Andermann, como uma
(eco)crítica para intelectuais do século XX. Logo, podemos pensar na seca
como um tema da “paisagem em crise”466, como coloca o autor. Vejamos que,
no trecho citado, Quenel dizia que nove meses haviam se passado sem o
milagre de uma chuva e o horizonte e a terra já se confundiam em uma
continuidade ensolarada. Céus e céus azuis que não derramavam uma gota
d’água transformavam os dias em símbolos da morte. Os animais não se
“curavam” mais, caíam nos pastos ocres da terra seca. Por sua sensibilidade
diante da natureza, para Giardinelli, os contos da autora têm como
protagonistas o bosque, a árvore, a crescente desolação da paisagem. E seriam,
desse modo, quatro os mundos de Clementina: a geografia e o arrasamento dos
montes; a recuperação lexical e das onomatopeias de seus habitantes, seres
solitários e isolados; os sentimentos e em particular o amor como tema central;
a condição feminina. Em todos esses mundos, há a dor e a frustração perante
um destino que sempre é inalterável467.
Andermann analisa, nesse sentido, que, no caso da América Latina, tal
releitura sobre a paisagem, desde a colônia até a formação dos Estados
Nacionais, escondia a violência colonizadora e social por trás da frondosidade
de um continente “virgem”. Já com a crise do modelo agroexportador, o autor
ressalta que as devastações ambientais deixadas no bojo desse contexto
tornaram a paisagem um desafio estético importante tanto nas artes quanto na
literatura do século XX, como podemos perceber no caso de Quenel e da seca
santiagueña. O que passava a se fortalecer nesse contexto era um regionalismo
que tinha ânsia de construir uma fenomenologia do lugar a partir de sua
idiossincrasia paisagística e de tradições culturais e linguísticas468.
Por fim, pensando em todas as narrativas aqui analisadas e em todas as
trajetórias dos intelectuais brasileiros e argentinos, bem como na formação e
na construção dos imaginários e das representações sobre os cearenses e os
santigueños, é possível re etir aquilo que expõe Chartier e que é o norte deste
trabalho:
Tais representações não são simples imagens, verídicas ou enganosas, de uma realidade que lhes
fosse exterior. Elas possuem uma energia própria que convence de que o mundo, ou o passado,
é realmente aquilo que dizem que é. Produzidas em suas diferenças pelos distanciamentos que
fraturam as sociedades, as representações, por sua vez, as produzem e reproduzem […] é ligar o
poder dos textos escritos que as dão a ler, ou a ouvir, com as categorias mentais, socialmente
diferenciadas, que elas impõem e são as matrizes das classificações e dos julgamentos469.
107. KUSCH, Rodolfo. La negación en el pensamiento popular. Buenos Aires: Las cuarenta, 2008. p 16 .
108. De acordo com Maria Elisa Noronha de Sá: “A origem da palavra encontra-se no latim, civitas, e
refere-se às qualidades de uma alma nobre e espiritualmente elevada, pode também estar relacionada com
a arte de governar a cidade (...) O verbo ‘civilizar’, seu particípio ‘civilizado’, o adjetivo ‘civil’ e o
substantivo ‘civilidade’ datam antes do século XVI. No entanto, pela conotação que a palavra assumiu no
século XVIII, ocasião de seu surgimento, ela parece identificar-se mais com o adjetivo latino civilis, que,
pela sua proximidade com a congênere civilitas, indica um ser cultivado, polido, afável, cortês e refinado,
ou seja, oposto do rústico, do campesino. De forma mais ampla, ‘civilização’ está associada ao processo
ativo de ‘civilizar’ e traz consigo a ideia de autodomínio, policiamento […] Portanto, a civilização traduz
o movimento histórico de desenvolvimento progressivo dos povos, sobretudo dos povos europeus […]
para chegar à perfeição de uma civilização, uma sociedade deveria aprimorar ao longo dos tempos, sua
estrutura social e o nível intelectual de seus membros”. SÁ, Maria Elisa Noronha de. Civilização e barbárie:
a representação da Nação nos textos de Sarmiento e do Visconde do Uruguai. Tese (Doutorado) – Universidade
Federal Fluminense. Departamento de História, 2006, pp.37-40.
109. Entende-se essa questão como analisa Regiane Cristina Gouveia: “A ideia de raça ao longo do século
XIX esteve presente em muitos projetos nacionais na América Latina. As elites políticas e intelectuais,
ansiosas por alcançar os ideais de civilização e progresso europeus, inspiraram-se em teorias racialistas e
positivistas, desenvolvidas na Europa, para pensar esses projetos […] teorias racialistas que in uenciaram a
intelectualidade latino-americana, contribuindo para diagnósticos pessimistas a respeito do continente, e
destacam-se as estratégias que surgiram para a transformação da realidade da América Latina
fundamentadas nas ideias positivistas”. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e
positivismo no pensamento latino-americano em ns do século XIX e início do XX. Tese de Doutorado em
História das Ciências e da Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa Oswaldo Cruz, 2016, p.
14.
110. MIGNOLO, Walter. Habitar la frontera. Sentir y pensar la descolonialidad (antología, 1999-2004).
Barcelona: CIDOB y UACI, 2015, p. 120.p. 0.
111. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo
(org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur
Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, set. 2005. pp. 107-130, p. 107.
112. Ibidem, p. 107
113. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano (Alcides Arguedas e Francisco García Calderón). In: ASCENSO, João
Gabriel da Silva e CASTRO, Fernando Luiz Vale (org.). Op.cit., p. 17-38, p. 19.
114. Ibidem, p. 19
115. Ibidem, p. 19
116. Ibidem, p. 19
117. Ibidem, p.19
118. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina... In: Ibidem, p. 107
119. Ibidem, p. 107
120. Ibidem, p.108
121. THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: As identidades nacionais. Anos 90, Porto Alegre, n15,
2001/2002, pp. 7-23, p. 8
122. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p.8
123. Ibidem, p. 7
124. TODOROV, Tveztan. Nosotros y los otros. Re exión sobre la diversidad humana. México: Siglo XXI
editores S.A., 1991, p. 21.
125. Ibidem, p. 28
126. Ibidem, p. 29
127. Ibidem, p. 33
128. Ibidem, p. 45
129. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p. 8.
130. Ibidem, p. 8
131. Ibidem, p. 8
132. Sabe-se que o conceito de paisagem requer um amplo debate, porém não cabe aqui fazê-lo por que
não será tomado como re exão central deste trabalho. No entanto, a análise de Thiesse se faz importante
para que se possa compreender, também, o lugar da paisagem na narrativa da consolidação do Estado-
nação, no contexto proposto pela autora.
133. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit, p.14
134. AMADO, Janaína. Região, Sertão e Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, n.15, 1995,
pp.145-151.
135. STARLING, Maria Heloisa Murgel. A República e o Sertão. Imaginação literária e republicanismo no
Brasil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 82, set. 2008: pp.133-147., p. 134.
136. LIMA, Nísia Trindade. Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. História, Ciências,
Saúde. Manguinhos, v.V, 1998, pp.163-193, p. 165.
137. GONTIJO, Rebeca. Na trilha de Capistrano de Abreu (1853-1927): índios, história e formação do
Brasil. In: OLIVEIRA, João Pacheco (org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização,
modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011, pp.605-629, p. 609
138. LIMA, Nisia Trindade. Op.cit, p.165.
139. AMADO, Janaína. Op.cit, p.145.
140. ROCA, Andrea. Os sertões e o deserto. Imagens da “nacionalização” dos índios do Brasil e na Argentina, na
obra de J .M. Rugendas (1802-1858). Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2014, p. 219.
141. MACIEL, Caio Augusto Amorim. Sertões nordestinos: Cariri Cearense, Sertão do Pajeú e Cariri
Paraibano. In: Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras Sertões Brasileiros I., v.2, Rio de
Janeiro: IBGE, 2009, pp. 115-137, p. 122
142. Para controlar os problemas que as secas traziam para o Nordeste, criou-se em 1909 a Inspetoria de
Obras Contra as Secas (IOCS) que em 1919 tornou-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS), tendo como política básica a construção de açudes e estradas de ferro em todo Nordeste seco.
Logo na seca de 1932, me refiro à atuação da IFOCS, atualmente conhecida como DNOCS
(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
143. CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e
sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007, p.14
144. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. 5.ª ed.São Paulo:
Cortez, 2011, p. 35
145. Ibidem, p. 35
146. CHARTIER, Roger. Formas e sentido... Op.cit, p. 119.
147. MACIEL, Caio Augusto Amorim. Op.cit, pp. 116-117
148. FERREIRA, Angela Lúcia; DANTAS, George Alexandre Ferreira e SIMONINI, Yuri. Cartografia do
(De)Sertão do Brasil: notas sobre uma imagem em formação – séculos XIX e XX. Scripta Nova. Revista
Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de octubre de
2012, vol. XVI, n. 418 (69). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-69.htm>.
Acesso em: 14 jun. 2019.
149. De acordo com Ana María Giménez e Patricia Hernández, a Argentina apresenta uma grande
variedade de climas e uma complexa história geológica, geográfica e biológica, o que lhe proporciona
uma diversidade de ecossistemas. Os bosques argentinos conformam um mosaico único. Por exemplo,
no ano de 1914 eles ocupavam 39% da superfície do território argentino e hoje compõem
aproximadamente 14%. O chamado Grande Chaco Americano, é uma grande unidade fitogeográfica com
uma extensão de 800 mil kKm², caracterizada pelo bosque seco. Vale destacar que o Chaco não é
homogêneo, e se divide em: chaco úmido, chaco semiárido, chaco serrano e as savanas. Predomina-se um
tipo de clima variado, de tipo continental, com chuvas moderadas a escassas, invernos moderados e verões
quentes, caracterizados por períodos de chuva e de seca bem delimitados. GIMÉNEZ, Ana Maria y
HERNÁNDEZ, Patricia. Biodiversidad en ambientes naturales del Chaco Argentino. Vegetación del Chaco
Semiárido Província de Santiago del Estero. Fascículo 1 – Argentina: Lucrecia Editorial, 2008, pp. 21-24.
150. LOIS, Carla Mariana. Desierto y Territorio: imágenes decimonónicas del Gran Chaco Argentino.
MUNDO DE ANTES, n. 21. Instituto de Arqueología y Museo (UNT), 2011, pp.97-117, p. 98.
151. SECRETO, Maria Veronica. Fronteiras em movimento: o oeste paulista e o sudeste bonaerense na segunda
metade do século XIX. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia,
Campinas, SP, 2001, p. 66
152. Ibidem, p.66
153. GROSSO, José Luis. Indios muertos, negros invisibles: hegemonía, identidad y añoranza. Córdoba:
Encuentro Editor, 2008. p. 19.
154. Ibidem, p. 21.
155. Ibidem, p. 21
156. DI LULLO, Orestes. El Folklore de Santiago del Estero. Buenos Aires: Ministerio de Cultura y
Educación de la Nacion. Secretaria de Cultura de la Nacion. Coproducción FRATERNA, 1994, p. 20
157. CASTIGLIONE, Antonio Virgilio. Historia de Santiago del Estero. Muy noble ciudad (siglos XVI, XVII y
XVIII). Santiago del Estero: el autor, 2012, pp.27-36.
158. CHIARAMONTE, José Carlos, Op.cit, p. 80
159. Ibidem, p 80
160. Ibidem, p. 81
161. Ibidem, p. 81
162. Ibidem, p.85
163. Ibidem, p. 89
164. Ibidem, p. 89
165. Ibidem, p 95
166. Ibidem, p. 95
167. Ibidem, p 105
168. Ibidem, p. 105
169. Ibidem, p 106
170. Toda esta análise está contida em: GALLUCCI, Lisandro. Op.cit, p.704 e p. 705
171. Ibidem, p. 704 e p. 705
172. Ibidem, p. 704 e p. 705
173. Ibidem, p. 704 e p. 705
174. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño. Una aproximación a las formas de
apropiación simbólica de los Territorios del Chaco en los tiempos de la formación y consolidación del
Estado Nación Argentino. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de
Barcelona, n. 38, [En línea], 15 de abril de 1999.
175. De acordo com Luis Alen Lascano, Santiago del Estero vivia, desde o contexto da Lei nº 1532 de
1884, um problema limítrofe com o Chaco, que só foi solucionado anos depois. Segundo o autor,
convertido em território nacional organizado por esta dita lei, sob comando do presidente Julio Roca, a
linha divisória traçada desde Otumpa premiava o Chaco com os departamentos de Moreno, Copo e
Alberdi. Lascano dizia que Santiago sempre reclamou dessa divisão territorial, solucionada pela Lei nº
4147 de 7 de novembro de 1902. Para o autor, tal feito teria sido consequência de um maior
conhecimento científico e geográfico, que pode, assim, modificar os limites de Santiago del Estero e do
Chaco. Segundo o traçado definitivo do Congresso Nacional (Art. 67º, in. 14 da Constituição Argentina)
desde a interseção do paralelo 28 com a linha que forma o limite Oeste de Santa Fé fixado em 1895, uma
linha reta até o Norte, seguindo o meridiano que lhe corresponde até encontrar o paralelo que passa por
San Miguel sobre o rio Salado. Desde este meridiano até o Oeste, o paralelo que passa por San Miguel até
o lugar deste nome sobre o rio Salado, pertencem a Santiago del Estero as terras situadas ao Oeste e ao
Sul das linhas mencionadas, e ao Chaco as situadas a Leste e ao Norte. Assim, havia obtido Santiago
importantes zonas. LASCANO, Luis C. Alen. Historia de Santiago del Estero. Buenos Aires: Editora Plus
Ultra, 1991, pp. 467-468. Também de acordo com María Cacopardo, na dita lei de 1884, as mudanças de
limites territoriais mais significativas foram a do Chaco com Santiago del Estero, Catamarca com Salta e
Jujuy e Chubut e Santa Cruz. Santiago del Estero ganha, portanto, 40.000 km² em relação às terras do
Chaco. Não se formaram novos departamentos, mas sim, se ampliaram os departamentos existentes de
Copo, Figueroa e Matará e, assim, a parte do Chaco perdia o correspondente à zona de fronteira.
CACOPARDO, María Cristina. República Argentina, cambios en los límites nacionales, provinciales y
departamentales, a traves de los censos nacionales de población. Serie POBLACIÓN Y SOCIEDAD, nº47,
Buenos Aires, 1967, p. 10.
176. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño… Op.cit.
177. Ibidem.
178. Ver: DI LULLO, Orestes. Op.cit, p.21.
179. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Integración y desintegración indígena en el Chaco: los debates
en la Sociedad Geográfica Argentina (1881-1890). In: 1er Congreso Virtual de Antropología y Arqueología [En
línea], 1998. Disponível em: <http//www.naya.org.ar/congreso/relatorias>. Acessado: 24 maio 2019.
180. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño... Op.cit
181. Parto do conceito de determinismo corroborado pela ciência nos séculos XIX e XX que se baseou nas
teorias evolucionistas de Darwin para pensar o meio ambiente. “O Darwinismo deu ao ambiente um
papel determinante na evolução: não é o meio que modela os seres, mas é ele que o seleciona. Já que o
homem faz parte do mundo, sua evolução também deve se explicar pelos mesmos motivos”. Neste
aspecto, Ribeiro ressalta que, no Brasil, a entrada de um determinismo geográfico se deu no final do
século XIX e início do século XX, associado ao debate sobre raça. “O debate sobre as vantagens e
desvantagens da ação do clima tropical e da estrutura do relevo sobre o povo”. RIBEIRO, Rafael Winter.
Seca e Determinismo: a Gênese do Discurso do semi-árido Nordestino. Anuário do Instituto de Geociências -
UFRJ , v.22, / 1999, pp. 60-91, p.65 e p.66.
182. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Op.cit, p.2.
183. LOIS, Carla Mariana. La invención del desierto chaqueño...Op.cit.
184. LOIS, Carla; e TRONCOSO, Claudia. Op.cit, p.2
185. GROSSO, Jose Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit, p.22
186. Ibidem, p. 24
187. Ver: LOIS, Carla. La invención del desierto chaqueño... Op.cit
188. WRIGHT, Pablo G. Colonización del espacio, la palabra y el cuerpo en el Chaco argentino.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 19, julho 2003, pp. 137-152; p. 138.
189. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Correa - Campinas, SP:
Papirus, 1996, p. 26.
190. FLORIA, Pedro Navarro. El desierto y la cuestión del territorio en el discurso político argentino
sobre la frontera Sur. Revista Complutense de Historia de América, Vol. 28, 2002, pp. 139-168; p. 140.
191. Toda re exão em torno da invenção do desierto chaqueño, ver novamente: LIOS, Carla Mariana.
Op.cit, 2001.
192. GROSSO, Jose Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit, p. 23
193. MAIA, Janille Campos. Exilados da fome: seca e migração no Ceará oitocentista. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2015, p. 59.
194. Ibidem, p. 74.
195. SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. /Tradção Denise Bottmann. — São Paulo: Companhia das
Letras, 2011. p. 30
196. SILVA, Célia Nonato da; CARNEIRO, Mariana Fabiana L. O estranho sertão da Primeira República.
XII Simpósio Internacional. Processo Civilizador. Recife, 2009, pp. 1-10;p. 2
197. Ibidem, p. 2
198. VELLOSO, Mônica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; e
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Da
proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp.351-386, p.
355.
199. Ibidem, p. 355.
200. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Casa de Oswaldo Cruz. A ciência a caminho da roça: imagens das
expedições cientí cas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz,
1992, p. 5
201. Ibidem, p. 22
202. LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e a representação geográ ca da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Revan: IUPERJ, UCAM, 1999, p.8
203. Ibidem, p. 8
204. MORAES, Kleiton de Sousa. O sertão descoberto aos olhos do progresso: a Inspetoria de Obras Contra as
Secas (1909-1918). Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social.
Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
2010, p. 31
205. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.5
206. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX….Op.cit, p.22
207. Ibidem, p.22
208. Ibidem, p.22
209. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX….Op.cit, p.22
210. Ibidem, p. 23
211. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.7
212. Ibidem, p. 7
213. Ibidem, p. 4
214. Ibidem, p. 7
215. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 114
216. Ibidem, p. 115
217. BERNARDES, Denis de Mendonça. Notas sobre a formação social do Nordeste. Lua Nova, São
Paulo, 71, 2007, pp. 41-79; p.41
218. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional. São Paulo: Editora Ática S.A, 1988, p.
58
219. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional..Op.cit, p.5
220. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste.. Op.cit, p.81
221. FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos da In uência da Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do
Brasil. São Paulo: Global Editora, 2013, p. 39
222. Ibidem, p. 39.
223. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p.89.
224. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional... Op.cit , p.6
225. BERNARDES, Denis de Mendonça. Op.cit, p. 69
226. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Introdução. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta;
GOMES, Ângela Maria de Castro (orgs.). Estado Novo: ideologia e poder. Rio Janeiro: Zahar Ed.,1982, pp. 14-
30, p.16
227. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade: Em Marcha para o Oeste, o Brasil e a utopia da
conquista dos sertões. In: GOMES, Angela de Castro (coord.). História do Brasil nação: 1808-2010.
Olhando para dentro 1930-1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, v. 1, pp. 41-90. p. 42
228. Ibidem, p. 42.
229. Ibidem, p. 42.
230. Ibidem, p. 43.
231. Ibidem, p. 43.
232. Ibidem, p. 43.
233. Ibidem, p. 45.
234. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3.ª ed.Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005, p. 27
235. Ibidem, p. 192.
236. Ibidem, p. 193.
237. Ibidem, p. 195.
238. BERNARDES, Denis de Mendonça. Op.cit, p. 69.
239. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico...Op.cit, p. 108
240. Ibidem, p.112.
241. Ibidem, p. 112.
242. Ibidem, p.113
243. Ibidem, p. 113 e p. 114.
244. Ibidem, p. 10 e p. 11.
245. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam, palavras que dominam: a
invenção da seca do Nordeste. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, . 15, nº28,
1995, pp. 111-120; p. 111
246. CHARTIER, Roger. Formas e sentido...Op.cit, p.153.
247. CHACON, Suely Salgueiro. Op.cit, p. 32
248. Ibidem, p. 32
249. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam... Op.cit, p. 114
250. Ibidem, p. 118
251. Ibidem, p.118
252. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX… Op.cit, p. 35
253. MYERS, Jorge. Músicas distantes. Algumas notas sobre a história intelectual hoje: horizontes velhos
e novos, perspectivas que se abrem. In: SÁ, Maria Elisa Noronha de (org.). Historia intelectual latino-
americana: itinerários, debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016, pp. 23-56, p. 31
254. ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina
/ incluye prólogo de Matías Farías. Buenos Aires: Biblioteca del Congreso de la Nación, 2017, pp. 92-95.
255. DONGHI, Tulio Halperin. Una nación para el desierto argentino. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, (Série Biblioteca Básica Argentina), 1992, p. 14.
256. ALBA, María del Carmen Nícolas. Las primeras formas del Indigenismo en Argentina: la voz de sus
precursores. Anales de Literatura Hispanoamericana, v. 44, n. especial, pp. 95-107, 2015, p. 96.
257. ROCA, Andrea. Op.cit, p.294
258. Ibidem, p. 294
259. ALBERDI, Juan Bautista. Op.cit, pp. 203-205.
260. Ver: DONGHI, Tulio Halperin. Op.cit, p.8.
261. Ibidem, p. 17
262. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano... Op.cit, p. 24
263. Ibidem, p. 24
264. SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo ou civilização e barbárie. Tradução e notas Sérgio Alcides.
São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 68.
265. FLORIA, Pedro Navarro. Op.cit, 141.
266. SARMIENTO, Domingo Faustino. Op.cit, p. 83 e p. 84.
267. DONGHI, Tulio Halperin. Op.cit, pp.6-20.
268. FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Op.cit, p. 178.
269. Ibidem, p. 178.
270. GOUVEIA, Regiane. Enfermidade de um continente: a in uência do racismo científico no
pensamento político-americano... Op.cit, pp. 36-37
271. Ibidem, p. 38.
272. FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Op.cit, p. 178
273. É importante mostrar, brevemente, outra fase de Sarmiento, para que assim não caiamos em um
reducionismo sobre sua trajetória. De acordo com Alessandra Seixlack, quando Julio Roca, em 1880,
assume a presidência da República argentina e ordena as expedições militares na região pampeana, se dá
uma ampla penetração da teoria evolucionista de Darwin nos ambientes intelectuais. Foi então que
Sarmiento “publicou Con icto y armonías de las razas en América (1883), seu último e mais polêmico livro.
Este já não era o mesmo Sarmiento de Facundo o civilización y barbárie (1845), seu livro mais célebre, de
tom otimista e confiante no progresso. Distanciado do meio político para dedicar-se à produção literária,
esse Sarmiento era um indivíduo que havia vivenciado tentativas fracassadas de mudanças estruturais na
Argentina […] Portanto, se em 1845 seu objetivo era apresentar caminhos possíveis para a eliminação
e/ou transformação da barbárie em civilização em seu país, o que estava em jogo em 1883 era estabelecer
um diagnóstico para as deficiências do continente […] Sendo evidente a impossibilidade de atribuirmos
coerência e univocidade à postura intelectual de Sarmiento ao longo de sua vida […]” A autora explica
que, em Facundo, por exemplo, Sarmiento acreditava que o meio geográfico hostil e primitivo,
barbarizava os seus habitantes. Já em Con icto y armonías, não se podia mais explicar os males da América
Hispânica dessa forma, porque eles “ultrapassavam questões externas, remetendo a elementos intrínsecos
e estruturais, com raízes profundas de sua história e de seu processo de formação populacional”.
SEIXLACK, Alessandra Gonzalez de Carvalho. Discursos políticos sobre a raça indígena na Argentina:
Domingo Faustino Sarmiento e o con ito das raças na América. In: ASCENSO, João Gabriel da Silva; e
CASTRO, Fernando Luiz Vale, Op.cit, pp.55-73; p. 58 e p.59 e p. 60 e p. 61.
274. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ...Op.cit, p. 129
275. Ibidem, p. 14 e p.15
276. Ibidem, p.15
277. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas... Op.cit, 192.
278. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX... Op.cit, p. 20
279. ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a questão regional...Op.cit, p.6
280. Vale destacar que os mapas utilizados neste livro não se referem aos mapas correspondentes dos anos
aqui estudados. Eles valem como forma de situar o leitor de que regiões estou tratando para o caso
brasileiro e argentino.
281. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida...Op.cit, p. 165.
282. Ibidem, p.165
283. DUQUE, Guimarães. O Nordeste e as lavouras xeró las. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil. 2004,
p. 87
284. ANDRADE, Manuel Correia de. Paisagens e problemas do Brasil. (Aspectos da vida rural brasileira frente a
industrialização e ao crescimento econômico). 5ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977, p. 128.
285. CASTRO, Josué de. Geogra a da fome (Dilema brasileiro: pão ou aço). 10.ª Ed. Rio de Janeiro: Revista
Antares, 1984.
286. CASTRO, Josué de. Op.cit, p. 129.
287. ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Conselho Editorial do
Senado Federal, 1998, p. 20
288. Ibidem, p. 20
289. Ibidem, p. 20
290. ANDRADE, Manuel Correia de. Paisagens e problemas do Brasil... Op.cit, p.130
291. CAMPOS, José Nilson B.; STUDART, Ticiana. Secas no Nordeste do Brasil: Origens, causas e
soluções. In: XII Congresso Brasileiro de Meteorologia (CD-ROM). Foz do Iguaçu, PR, 2002, pp. 2-10; p.2
292. MELO, Leda Agnes Simões de. O trabalho em tempos de calamidade: a Inspetoria de Obras nos campos de
concentração do Ceará (1915 e 1932). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação de Ciências
Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2015, p. 42.
293. BRASIL, Thomaz Pompeu de Souza. O Clima e as Secas do Ceará. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1877. In: ROSADO, Vingt-Un (org.). O nono livro das secas. Mossoró: Guimarães Duque, 1983.
Coleção Mossoroense, v. 285, pp. 4-125; p. 14
294. Ibidem, p. 17
295. Foi um engenheiro e estudioso da seca, que pertenceu ao quadro de engenheiros da IOCS/IFOCS.
Nasceu em Fortaleza, Ceará, no ano de 1880. Formou-se em Engenharia pela Escola de Engenharia de
Ouro Preto. Em 1903, retornou ao Ceará e ingressou como engenheiro-ajudante da Comissão do Açude
de Quixadá, tornando-se, depois, engenheiro da IOCS, o que in uenciou, posteriormente, a sua maneira
de entender os sertões. Além da atuação de engenheiro, foi também um estudioso em diversas áreas,
como História, Antropologia e Geografia, tornando-se autor de diversos livros sobre o Nordeste e um
especialista da temática da seca. Em 1922, ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Em 1928,
ingressou, como sócio, no Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará. Dez anos depois,
em 1938, tornou-se diretor-geral do Instituto, permanecendo até o ano de 1967. Sobre Pompeu
Sobrinho, ver: VIEIRA. Maria Josiane. Itinerários no Acervo do Instituto de Antropologia da Universidade do
Ceará (1958-1968): a Coleção de Arthur Ramos como discurso. Programa de Pós-Graduação em Museologia e
Patrimônio – PPG-PMUS. Mestrado em Museologia e Patrimônio. UNIRIO/MAST -RJ, 2012, p. 20.
296. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. História das Secas (Século XX). 2. ed. Coleção Mossoroense, v.
CCXXVI, 1982, p. 15
297. BOBBA, María Elvira. Causas de las sequias de la región del NOA (Argentina). Revista Geográ ca de
América Central. Número Especial EGAL, 2011- Costa Rica II Semestre 2011, pp. 1-19; p. 3.
298. CORSO, Maria Laura; PIETRAGALLA, Vanina. La Lucha contra la Deserti cación en Argentina:
Degradación de la Tierra en Zonas Áridas e Identi cación de Prácticas de Manejo Sustentable de Tierras.
Argentina: FAO-LADA, 2010, p. 3
299. FREDIANI, Guido. Aspectos económicos en la zona semiárida de Santiago del Estero. Academia
Nacional de Agronomía y Veterinaria (ANAV). Trabajos del tomo XLVI. Anales de la ANAV, Santiago del Estero,
Argentina, 1992, p.p. 105-115; p. 112
300. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión. Santiago del Estero, 1870-
1940. POBLACIÓN Y SOCIEDAD, n. 10/11, 2003-2004, pp. 109-136; p. 112
301. TASSO, Alberto; & ZURITA, Carlos. Aves de paso. Los trabajadores estacionales de Santiago del
Estero. Trabajo y Sociedad, n.21, Invierno 2013, Santiago del Estero, Argentina, p.p. 33-47; p. 35
302. MINETTI, J. L.; VARGAS, W. M.; VEGA, B.; COSTA, M. C. Las sequías en la Pampa Húmeda:
impacto en la productividad del maíz. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 22, n. 2, p.p. 218-232, 2007, p.
224.
303. Ideia retirada de: TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit, pp.
115-118.
304. TASSO, Alberto; ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 35.
305. “A Guerra dos Bárbaros, em sentido amplo, se refere aos con itos entre grupos indígenas que
habitavam o sertão do território do atual nordeste brasileiro e as forças colonizadoras portuguesas que
tinham o objetivo de conquistar aquelas terras de forma a permitir a utilização produtiva da pecuária na
região. Estes con itos podem ser divididos em dois episódios: as guerras no recôncavo e a Guerra do Açu,
que juntas remetem a mais de 70 anos de duração, de 1650 a, pelo menos, 1720. Tais con itos eram
citados na documentação coesa como a ‘guerra aos bárbaros’ e referidos pela historiografia como a Guerra
dos Bárbaros. Em muitos casos esta nomenclatura é citada referindo-se unicamente à Guerra do Açu, em
outras englobando também as guerras do recôncavo baiano. A Guerra dos Bárbaros foi um con ito entre
vários grupos indígenas do grupo linguístico macro-jê unidos naquela que ficou conhecida como
Confederação Cariri e as forças colonizadoras portuguesas na América. Este con ito durou mais de meio
século e foi responsável pelo completo extermínio de algumas tribos indígenas e pelo completo
desmantelamento das demais envolvidas. Representou a conquista do sertão nordestino brasileiro para o
domínio português e o seu uso efetivo na criação de gado, de fundamental importância para a subsistência
da sociedade açucareira. Para a consolidação desta conquista foram manejados efetivos de caráter militar
de todo o nordeste brasileiro, além da ajuda de contingentes expressivos de outras regiões. Foram
formadas alianças com tribos tupis que permitiram multiplicar o efetivo da força de ataque portuguesa.”
DIAS, Leonardo Guimarães Vaz. A Guerra dos Bárbaros: manifestações das forças colonizadoras e da
resistência nativa na América Portuguesa. Revista Eletrônica de História do Brasil. UFJF, v. 5, n. 1, set. 2002.
pp.5-15; p. 5
306. MAIA, Lígio de Oliveira. A implantação do Diretório em vila Viçosa Real (CE): incerteza,
colaboração e negociações indígenas (c.1759-1762). In: OLIVEIRA, João Pacheco (org.). A presença
indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de
Janeiro: Contra Capa, 2011, pp. 21-67; p. 21
307. OLIVEIRA, João Pacheco de. Apresentação. In: Ibidem, p. 10
308. OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial,
territorialização e uxos culturais. MANA 4(1):47-77, 1998, p. 52
309. OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? ...Op.cit, p. 52
310. Ibidem, p. 53
311. Ibidem, p. 53
312. Ibidem, p. 53
313. Ibidem, p. 53
314. Ibidem, p. 57
315. Ibidem, p. 58
316. ABREU, J. Capistrano de. Op.cit, p. 23 e p. 24.
317. De acordo com Rebeca Gontijo: “Capistrano de Abreu chegou ao Rio de Janeiro no dia 25 de abril de
1875, aos 22 anos, vindo do interior da província do Ceará, onde nascera a 23 de outubro de 1853. No ano
de 1875 estreou na imprensa carioca, publicando conferências que pronunciara no Ceará, no ano anterior.
Em 1876, o jovem Abreu (como então gostava de ser chamado), de 24 anos, publicou artigos criticando
um texto de Romero, intitulado O caráter nacional e as origens do povo brasileiro, de acordo com o qual
o brasileiro seria distinto do português, não por causa da natureza ou da mistura com os indígenas, mas
pela presença dos negros. Alguns anos depois, em 1880, Capistrano teve nova oportunidade de atacar
Romero, pelos mesmos motivos apontados anteriormente. Ele publicou, na Gazeta de Notícias, três
artigos sob o título de ‘História Pátria’, criticando o livro A literatura brasileira e a crítica moderna. Em
1879, passou a integrar o corpo de redatores da Gazeta de Notícias, especializando-se na crítica literária, e
prestou concurso para a Biblioteca Pública da Corte, conquistando o primeiro lugar. Ao lado do Arquivo
Público e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Biblioteca era guardiã de um precioso
acervo documental”. GONTIJO, Rebeca. Capistrano de Abreu, viajante. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 30, n. 5, 2010, pp. 15-36; p. 17-22. Gontijo ainda analisa, que a obra de Capistrano está situada em
um movimento de “(re)descoberta do Brasil iniciado no século XIX que se prolongou até, ao menos, os
anos de 1950”, o que levou a um interesse dos intelectuais pelo interior do país, suas populações e suas
áreas desconhecidas. Ou seja, “os escritos sobre o sertão sustentaram a criação de uma consciência
nacional a partir de uma definição do Brasil e dos brasileiros” que permitiram fundamentar a construção
de um espaço que seria o sertão, e um tipo de homem do interior visto como autenticamente brasileiro.
GONTIJO, Rebeca. Na trilha de Capistrano de Abreu... Op.cit, p. 608.
318. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit, 217.
319. Ibidem, p. 217
320. Ibidem, p. 662 e p.663.
321. “Euclides ingressou em 1886 na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, centro de
irradiação de ideias positivistas e republicanas. Foi aluno de Benjamin Constant, professor de cálculo,
positivista não ortodoxo, um dos líderes do golpe da proclamação. Foi desligado da carreira militar em
dezembro de 1888 por ato de insubordinação durante a revista das tropas pelo ministro da Guerra […] O
ambiente na Escola Militar era de insatisfação e rebeldia, tanto por causa das simpatias republicanas dos
cadetes, quanto pela ausência de promoções para o posto de alferes-aluno desde 1885, devido aos cortes
no orçamento do Ministério da Guerra nos últimos anos da monarquia […] Com o atraso nas promoções,
o governo ignorava os direitos de três turmas de alunos, prejudicando sobretudo os que vinham de
famílias remediadas, como Euclides, sem recursos para frequentar as escolas preferidas pelos filhos das
elites, como a Escola Politécnica no Rio de Janeiro, ou as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife.
Euclides tinha se matriculado na Politécnica em 1885 e acabou se transferindo, por razões econômicas,
para a Escola Militar, já que esta oferecia soldo, além de alojamento, comida e parte dos uniformes […]
Sob o pretexto de incapacidade física, Euclides foi desligado do Exército, após seu pai ter interferido
junto ao Imperador para que não fosse aplicada apena de enforcamento prevista no código militar.
Contou, muitos anos mais tarde, ao político e diplomata Gastão da Cunha, que seu protesto fazia parte de
um plano de rebelião, estabelecido com outros colegas, para proclamar a República […] Foi convidado por
Júlio Mesquita, para escrever coluna política nas páginas de A Província de S. Paulo, que deu origem ao atual
O Estado de S. Paulo, então engajado na causa republicana”. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a
República. Estudos Avançados 10 (26), 1996, pp. 275-291; pp. 275- 277.
322. Ibidem, p. 284
323. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção, Sérgio
Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2007, pp. 184-186
324. Ibidem, p. 190
325. Ibidem, p. 191
326. MYERS, Jorge. Op.cit, p. 29
327. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a República… Op.cit, p. 275
328. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1968, p. 76
329. Ibidem, p. 69.
330. NASCIMENTO, José Leonardo do Nascimento. Os sertões e os olhares de sua época. In:
NASCIMENTO, José Leonardo do Nascimento; e FACIOLI, Valentim. Juízes críticos. Os sertões e os olhares
de sua época. São Paulo: Nankin Editorial: Editora Unesp, 2003, p. 7-22; p. 16.
331. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 68
332. Rodolfo Teófilo, filho do médico Marcos José Teófilo, foi um baiano nascido em 1853, que viveu e
atuou a maior parte de sua vida no Ceará, onde faleceu em 1932.Formou-se em Farmácia na Bahia em
1877, passando a atuar na capital como filantropo, farmacêutico e intelectual. É a partir de 1877 que inicia
sua atuação na área da saúde, depois que formou-se na Faculdade de Farmácia da Bahia no mesmo ano.
Participou das secas de 1862, de 1877 a 1890, 1900, 1915 e 1919. Escreveu uma diversidade de obras
literárias, como: A Fome em 1890, Violação em 1899, História da Seca no Ceará em 1922, Seca de 1915 em
1922, Varíola e Vacinação no Ceará (1905 e 1910) em 1910. Foi membro de agremiações, o Clube Literário, a
Padaria Espiritual, Centro Literário e Academia Cearense. De acordo com André Correia, “esses grupos
intelectuais, além de discutir o letramento e a literatura na cidade, também debatiam sobre temas como
abolição, república, sanitarismo e as intervenções urbanas engendradas pelo governo […] Apesar de todos
esses discursos e consideráveis mudanças que colocavam Fortaleza como uma cidade desenvolvida e
embelezada, Rodolfo Teófilo foi em sentido oposto a isso, retratando uma cidade que nem sempre era
vista nos jornais oficiais. Em suas obras, ele denunciava o descaso e a desigualdade social, a falta de
higiene e de profilaxia no local, a ‘tirania’ do governo através do uso da violência e a má gestão do Estado
cearense perante a população”. CORREIA, André Brayan Lima. “O Ceará é uma terra condenada mais pela
tirania dos governos do que pela inclemência da natureza”: Aspectos biopolíticos nas obras de Rodolfo Teó lo (1901-
1922). Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades,
Mestrado Acadêmico em História e Culturas, Fortaleza, 2016, pp.13-14.
333. TEÓFILO, Rodolfo. A Seca de 1915. Fortaleza: Edições UFC, 1980, p. 36
334. Ibidem, p. 52
335. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.55
336. Ibidem, p. 55
337. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 9
338. Ibidem, p. 10.
339. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.67
340. Ibidem, p. 72
341. Ibidem, p. 73
342. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Op.cit, p.5
343. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha no vale da morte. REVISTA USP, São Paulo, n.54,
junho/agosto 2002, pp. 16-29; p. 23.
344. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p. 76
345. Ibidem, p. 78
346. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 68
347. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n.11, 1993, pp.89-112; p. 91.
348. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela...Op.cit, p. 91
349. TEÓFILO, Rodolfo. Op.cit, p.62
350. Ibidem, p. 58
351. De acordo com Pedro Duarte: “Na vertente desse Modernismo que, apesar das diferenças, alinha-se
com Mário de Andrade e Oswald de Andrade, o Brasil perguntou pelo seu próprio ser em relação com o
mundo estrangeiro – sem copiá-lo de modo subserviente, mas sem se isolar dele. Tratava-se não só de
produzir arte e vida modernas no Brasil, mas de compor arte e vida modernas brasileiras. Não bastava ser
feito no Brasil, era preciso ser do Brasil – ‘o que não se deu sem alguma patriotice’ (ANDRADE, s. d., p.
243), de acordo com Mário”. DUARTE, Pedro. O Modernismo interdisciplinar do Brasil. Convergência
Lusíada, n. 34, julho – dezembro de 2015, pp.134-147; p.136.
352. VELLOSO, Monica Pimenta. A brasilidade verde-amarela... Op.cit, p. 96
353. Cabe um adendo importante sobre o que se entende como modernismo no Brasil antes da década de
1920. De acordo com Monica Velloso, é importante pensarmos “que já existia no Brasil um movimento
literário que foi denominado pelo crítico e historiador José Veríssimo de ‘modernismo’. Tobias Barreto,
Sílvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha destacaram-se como intelectuais
que compunham esse grupo, conhecido como ‘geração de 1870’”. Seguindo a Escola de Recife, sob
liderança de Tobias Barreto, “tentou-se definir a nacionalidade através da elaboração de uma crítica
literária que tomava como ponto de partida indagações de caráter crucial: quais os elementos que
definem o Brasil? No contexto internacional, o que configurava, enfim, a especificidade de ser brasileiro?
Predominava, até então, a visão pessimista da nacionalidade, caracterizada pelo ‘atraso cultural’ e pela
‘inferioridade étnica’[…] O período entre 1870 e 1914 deve ser compreendido como a preparação do
terreno para a modernização conservadora que marcaria a década de 1930”. VELLOSO, Mônica Pimenta.
O modernismo e a questão nacional...Op.cit, p. 352-356.
354. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste..Op.cit , p. 69
355. VELLOSO, Mônica Pimenta. A brasilidade verde-amarela...Op.cit, p. 97
356. Ibidem, p. 97
357. Ibidem, p. 97
358. Ibidem, p. 101
359. Ibidem, p. 103
360. Ibidem, p.104
361. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste...Op.cit, p. 93
362. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Apresentação. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta;
GOMES, Ângela Maria de Castro (org.). Estado Novo: ideologia e poder. Rio Janeiro: Zahar Ed., 1982, pp. 7-
13; p. 10
363. Ibidem, p. 15
364. Ibidem, p. 16
365. Ibidem, p. 16
366. MICELI, Sérgio. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil (1920-1945). Rio de Janeiro: DIFEL, 1979, p. 159
367. Ibidem, p. 159
368. Ibidem, p. 159
369. Ibidem, p. 162
370. Ibidem, p. 123
371. Graciliano Ramos nasceu em Alagoas em 1892. Mudou-se para Pernambuco em 1895 com os pais.
Seu primeiro conto foi Pequeno Pedinte em 1904. Redigiu o periódico quinzenal Echo Viçosense e, em 1909,
iniciou sua colaboração no Jornal de Alagoas e, em 1913, em O Malho. Desembarcou no Rio de Janeiro em
1914, trabalhando como revisor dos jornais Correio da Manhã e o jornal uminense Paraíba do Sul; ainda
atuava no Jornal de Alagoas. Foi prefeito de Palmeia dos Índios em Alagoas, em 1928. Publicou Comandante
dos Burros, Doutores e Mulheres, em 1933 e seu livro Caetés, no mesmo ano, pela Editora Schimidt – RJ. Em
1934 publicou seu romance São Bernardo. No ano de 1936 foi preso em Maceió e levado para o Rio de
Janeiro, publicando, em agosto, Angústia que recebeu o Prêmio Lima Barreto, pela Revista Acadêmica.
Em 1937 escreveu A Terra dos Meninos Pelados, livro infantil e, em 1938, Vidas Secas, seu quarto livro. Foi
Inspetor Federal de Ensino Secundário em 1939. Publicou crônicas intituladas Quadros e Costumes do
Nordeste em 1941. Em 1951 tornou-se presidente da Associação Brasileira de Escritores. Sobre a Graciliano
Ramos ver: Graciliano Ramos, site oficial. Biogra a. Grupo Editorial Record, 2018. Disponível em:
<http://graciliano.com.br/site/vida/biografia/>. Acesso em: 09 jul. 2018.
372. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Modernismo e regionalismo no Brasil: entre inovação e
tradição. Tempo Social. Revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2, 2011, pp. 191-212; p. 202.
373. PATTO, Maria Helena Souza. O mundo coberto de penas: família e utopia em Vidas secas. Estudos
avançados 26 (76), 2012, pp. 225-236; p. 225
374. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 19
375. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Op.cit, p. 201
376. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p.10 e p. 11.
377. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p. 216
378. ARRUDA, Maria Arminda Nascimento. Op.cit, p. 204
379. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 19
380. CANDIDO, Antônio. A Revolução de 30 e a cultura. NOVOS ESTUDOS, n. 4, 1984, pp. 27-35; p. 30
381. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 216
382. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 24
383. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste...Op.cit, p. 217
384. RAMOS, Graciliano. Op.cit, p. 37
385. Ibidem, p. 112
386. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste...Op.cit, p.221
387. GUERRA, Paulo de Brito. Flashes das secas. Coletânea de fatos e histórias reais. Fortaleza: Ministério do
Interior. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 1977, p. 3
388. Ibidem, p. 3
389. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Palavras que calcinam... Op.cit, p.111
390. Ibidem p. 111
391. Ibidem, p.111
392. Ideia contida e retirada de: BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. Los pobladores del “Desierto” genocidio,
etnocidio y etnogénesis en la Argentina. Cuadernos de Antropología Social n. 17, 2003, p. 162-189; p.164.
393. SPOTA, Julio César. Los Fortines en la frontera chaqueña (1862-1884). Un enfoque desde la
Antropología Histórica en relación con la teoría de las organizaciones. Memoria Americana 17 (1) - Año
2009, p.85-117; p.89.
394. Ibidem, p. 89
395. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit., p. 111
396. Ibidem, p. 112
397. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino). In: Comunicación representada en el
seminario A Invenção Social das Tradições Indígenas: Nordeste e Amazônia. Departamento de
Antropologia da Universidade de Brasília. Anuário Antropológico /96, p. 145-155. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997,p. 146
398. GROSSO, Jose Luis. Índios muertos, negros invisibles…Op.cit., p. 15
399. Ibidem, p. 21 e p. 22
400. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero. Santiago
del Estero: Subsecretaría de Cultura de la Provincia de Santiago del Estero, 2012. p. 33 e p. 34
401. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino)...Op.cit, p. 148
402. TASSO, Alberto; ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 42
403. GROSSO, José Luis. Los indios están todos muertos (Negación, ocultamiento y representación de
identidades étnicas em Santiago del Estero, noroeste argentino)...Op.cit, p. 152
404. GROSSO, José Luis. Indios Muertos, negros invisibles...Op.cit, p. 22 e p. 23
405. Ibidem, p. 25
406. Ibidem, p.25
407. Ibidem, p. 26 e p. 27
408. Ibidem, p. 27
409. Ibidem, p. 28
410. Ibidem, p. 29
411. Dados contidos no livro de José Luis Grosso. Indios Muertos, negros invisibles... Ibidem, p. 30
412. José Luis Grosso. Indios Muertos, negros invisibles...Op.cit, p. 33.
413. Uma questão é importante nesse aspecto. Segundo Luis Grosso: “En la mesopotamia santiagueña,
actualmente, a quienes tienen el rostro y la piel oscuros les llaman ‘morochos’[…], y, cuando el color es más intenso y
subido, se martillea sobre el nuevo término repetidas veces con el adverbio ‘muy’, evitando nombrar el grado sumo: es
común y cotidiano escuchar decir de alguien que es ‘muy muy muy morocho!!!...Más morocho que yo!’ Giro social que
cava por debajo de la naturalidad de lo ‘mestizo’ […] hacia la oscuridad sin nombre”. Ibidem, p.54.
414. Ibidem, p. 54
415. THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: As identidades Nacionais. Anos 90, Porto Alegre, nº15,
2001/2002, pp. 7-23; p. 8
416. GOUVEIA, Regiane Cristina, América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX...Op.cit, p. 4
417. Ibidem, p. 23
418. MAILHE, Alejandra. Ricardo Rojas: viaje al interior, la cultura popular y el inconsciente. Anclajes, v.
XXI, n1, enero-abril 2017, pp. 21-42; p. 22.
419. GOUVEIA, Regiane Cristina. América Latina enferma: racismo e positivismo no pensamento latino-
americano em ns do século XIX e início do XX...Op.cit, p. 58
420. MAILHE, Alejandra.Op.cit, p. 22 e p. 23
421. VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional...Op.cit, p. 357
422. ROJAS, Ricardo. Blasón de Plata. Tomo I. Buenos Aires: Librería La Facultad. Florida, 1922, p. 95 e p.
96
423. MAILHE, Alejandra. Op.cit, p. 23
424. Ibidem, p. 22
425. ROJAS, Ricardo. Op.cit, p. 147
426. Ibidem, p. 156 e p.157
427. MAILHE, Alejandra.Op.cit, p. 26
428. BEIRED, José Luis Bendicho. “A grande Argentina”: um sonho nacionalista para a construção de uma
potência na América Latina. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 42, 2001, pp. 303-322, p.304.
429. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Pais urbano o país rural: la modernización territorial y su
crisis. En: CATTARUZZA, Alejandro (Dirección de Tomo). Nueva Historia Argentina Tomo VII. Crisis
económica, avance del Estado e incertidumbre política(1930-1943). Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2001,
p.143-200; p.148.
430. Ibidem, p. 150
431. Ibidem, p. 177
432. Ibidem, p. 178
433. Ibidem, p. 181.
434. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 185
435. TERÁN, Oscar. Op.cit, p. 230
436. Ibidem, p. 230
437. Ibidem, p. 231
438. Ibidem, p. 237
439. Ibidem, p. 237
440. Ibidem, p. 240
441. Ibidem, p. 240
442. Ibidem, p. 243
443. Bernardo Canal Feijóo nasceu em Santiago del Estero em 1897. Doutorou-se na Universidade de
Buenos Aires em Jurisprudência e em Ciências Sociais. Voltou a Santiago del Estero, onde permaneceu
até seus cinquenta anos, quando foi viver definitivamente em Buenos Aires. Cumpriu algumas funções
diretivas como presidente da Academia Argentina de Letras, cargo que exercia no ano de sua morte em
1982. Também foi fundador do grupo santiagueño La Brasa, uma entidade empenhada em promover
atividades na província. Outro importante grupo foi chamado P.I.N.O.A (Planificación Integral del
Noroeste Argentino) que integrou profissionais de diversas áreas, também empanhados na promoção de
um projeto sistemático para a região. Sua trajetória vai desde poemas feitos em sua juventude, até sua
narrativa ensaística. Foi um autor singular por fazer justamente um ensaísmo de “tierra adentro”.
CORVALÁN, Octávio. Bernardo Canal-Feijóo. Una voz de avanzada. En: Bernardo Canal-Feijóo. Ensayos.
Buenos Aires: La Crujía, 2010, pp. 13-55.
444. GORELIK, Adrián. Mapas de identidad. La imaginación territorial en el ensayo de interpretación
nacional: de Ezequiel Martínez Estrada a Bernardo Canal-Feijóo. En: Prismas. Revista de historia intelectual,
Universidad Nacional de Quilmes, Buenos Aires año V, nº 5, 2001, pp.283-312; p.300.
445. MARTÍNEZ, Ana Teresa. Leer Bernardo Canal Feijóo. Trabajo y Sociedad, n. 19, 2012, pp.509-524;
p.510.
446. Vale também salientar aquilo que Marcela Croce delineia como exercício de análise comparada entre
Argentina e Brasil nesse contexto: “Un momento signi cativo corresponde a los respectivos centenarios (pese al
desfaje que implica la década que media entre 1910 y 1922) que, mientras en la Argentina produce las
manifestaciones más recalcitrantes de una cultura o cial (Ricardo Rojas con las propuestas pedagógicas de La
restauración nacionalista, Leopoldo Lugones con las Odas seculares entregadas a elogiar la condición
agroexportadora del ‘granero del mundo’), en Brasil se caracteriza por el apogeo de las vanguardias bajo la etiqueta
—ambigua en la nomenclatura hispanoamericana— de ‘Modernismo’, proclamando un nacionalismo amplio que en
lugar de erradicar al extranjero y de condenar al conquistador postula una antropofagia por la cual se absorba lo
mejor de ellos a n de diseñar una cultura propia. Los años 20 son también los de la vanguardia en la Argentina,
renuente a destacar al indio y concederle el valor inaugural que le reservaba la provocación ‘tupí or not tupí’ (el indio
había sido descartado ya desde el romanticismo, marcando una diferencia fundamental con Brasil, que admite el
‘indianismo’ como una de las vertientes románticas, especialmente a través de la épica de Gonçalves Dias y la
novelística de José de Alencar) y proclive a rescatar al gaucho otorgando el nombre Martín Fierro a la revista más
signi cativa de la renovación. En el mismo momento, Argentina y Brasil son conmovidas por una explosión revista A
Ordem y el Centro Dom Vital, plataformas habilitantes para la aparición de la Acción Integralista Brasileña (AIB)
con Plínio Salgado en los 30; en Buenos se articulan con la revista Criterio fundada en 1928 y continúan en los excesos
falangistas y franquistas (con coqueteos fascistas) de la revista Sol y Luna a nes de los 30 y comienzos de los 40”.
CROCE, Marcela. Literatura, cultura y política regionales: un ejercicio comparativo entre Argentina y
Brasil. In: Boletín de la Biblioteca del Congreso de la Nación. -- Año 1, n128, Buenos Aires: Biblioteca del
Congreso de la Nación, 2013, pp.11-22; p.15.
447. GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 301
448. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero...Op.cit,
p.11
449. GORELIK, Adrián.Op.cit, p. 303
450. Ibidem, p. 306
451. MARTINÉZ, Maria Teresa, Op.cit, p. 513
452. CANAL FEIJOO, Bernardo. Ensayo sobre la expresión popular artística en Santiago del Estero... Op.cit,
p.31
453. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero. Antecedentes y consecuencias de un
acontecimiento ambiental. Trabajo y Sociedad, Núm.17, Santiago del Estero, Argentina, 2011, pp.17-39; p.
20.
454. MARTINÉZ, Maria Teresa. Op.cit, p. 514
455. Clementina Rosa Quenel nasceu em 22 de agosto de 1901 em Santiago del Estero. De acordo com
Mempo Giardinelli, em prólogo da reedição das narrativas completas de Quenel, ela era descendente de
um veterano da Guerra Franco-Prussiana de 1870-71. Esse homem, de sobrenome Quainelle, viveu na
província mais central da Argentina por volta do ano de 1890 e, entre seus descendentes, está Clementina
Rosa, que, anos mais tarde, tornou seu sobrenome uma “variante” do castellano, por isso, Quenel.
Estudou Direito sem chegar a graduar-se, e passou alguns anos em Buenos Aires, onde teve alguns contos
publicados em revistas como: El Hogar, Mundo Argentino, dentre outras. Nos anos 1930, por problemas
econômicos, ela, então, volta a sua província. GIARDINELLI, Mempo. “Prólogo”. En: QUENEL,
Clementina Rosa. Narrativa Completa. 1ªed. Villa María: Eduvim, 2016, p.7-15. Ainda se pode destacar que
Quenel ingressou no cenário de La Brasa, uma Associação Cultural de Santiago importante no contexto
de 1930. É nesse período que tem contato com Bernardo Canal Feijóo. O conhecimento da realidade
campesina e seus contatos com a vida rural, levaram-na a voltar sua inspiração para a classe mais pobre da
sua terra, em sua obra La Luna Negra. Assim, projeta-se uma literatura regional. Em La Nuna Negra
apresenta-se, então, a dramática existência da população santiagueña. Retirado de: Clementina Rosa
Quenel. Santiago del Estero, NUEVO DIARIO WEB, 31 de janeiro de 2016. Disponível:
<http://www.nuevodiarioweb.com.ar/noticias/2016/01/31/5783-clementina-rosa-quenel>. Acesso
em: 10 jan. 2018.
456. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero..Op.cit, p. 27
457. QUENEL, Clemetina Rosa. La luna negra. Santiago del Estero: Subsecretaria de Cultura de la
Provincia de Santiago del Estero, 2008, p. 22
458. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 8
459. Ibidem, p.9
460. ÁVILA, Clelia Edith. La subjetividad, el cuerpo, la palabra: escritura de mujeres en Santiago del
Estero de los ´90 al siglo XXI. Jornaler@as, revista cientí ca de estudios literarios y linguísticos. Año 1, nº1,
2012, pp.1-11.
461. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 11
462. Ibidem, p. 12
463. QUENEL, Clemetina Rosa. Op.cit, p. 23
464. QUENEL, Clemetina Rosa. Op.cit, p. 26
465. Refiro-me a “ambiente”, neste trabalho, como um elemento que intervém decisivamente na vida de
toda a humanidade. Logo, ambiente aqui será usado como todo o conjunto dos fatores ecológicos que
exercem in uência direta e reguladora sobre os vários níveis de organização biológica, do simples
indivíduo à população. Isso porque compreende-se que a humanidade sempre estabelece relações com o
seu ambiente, e muitos fenômenos sociais não podem ser explicados sem uma referência a estas relações
dialéticas. BRUN, Bernard; LEMONNIER, Pierre; RAISON, Jean-Pierre; RONCAYOLO, Marcel.
Ambiente. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi (Região, v. 8). [Lisboa:] Imprensa Nacional
– Casa da Moeda, 1986, p. 11-36.
466. ANDERMANN, Jens. El infierno santiagueño: sequía, paisaje y escritura en el Noroeste argentino.
Iberoamericana, XII, 45, (2012),pp. 23-43; p. 24
467. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p. 15
468. GIARDINELLI, Mempo. Op.cit, p.23 e p. 34
469. CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos avançados 24 (69), SP, 2010, pp. 7-
30;p.27
470. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico… Op.cit, p.11
471. CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos...Op.cit, p. 23
C 2
Os jornais Correio da Manhã e El
Mundo e a representação da seca
cearense e santiagueña
Poderíamos falar do cearense matuto, descrito com tanta propriedade por Franklin Távora: o
cearense-retirante, cujo perfil se acha tão horrendamente gravado nos quadros dolorosos da
seca […] Mas preferimos falar do cearense exilado na Amazônia, o cearense vítima do monstro
tentacular dos seringais: o cearense criador de territórios, brasileiro colonizador do Brasil.
Porque aí está sua maior glória […] o terceiro, o cearense, tipo já liberto das ostensivas
in uências do cruzamento; tipo brasileiro, puramente brasileiro – sangue nosso […] E, no
entanto, tendo em vista seu esforço hercúleo, a projeção admirável da sua obra gigantesca,
quanto nos revolta o esquecimento em que vive!513
Aproxima-se a seca […] Entretanto não foge logo, abandonando a terra pouco a pouco invadida
pelo limbo cadente que irradia o Ceará […] o nosso sertanejo faz exceção a regra, a seca não o
apavora. É um complemento a sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos
[…] Apesar das dolorosas tradições, que conhece através de um sem número de terríveis
episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível […]522.
[…] existe uma íntima relação entre toda obra douta – de criação ou pensamento disciplinar –
e a condição humana, histórica, social, cultural, corpórea de seu autor. Dificilmente se pode
entender “a obra” caso não se parta de seu caráter corpóreo, “incorporado”, se quiserem, isto
é, de produto imanente a um ser humano de carne e osso543.
[…] todo sertão é duma grande tristeza, na cor, no silêncio, no aspecto; e essa tristeza em tudo
se infiltra e impregna tudo: um galho que range de encontro ao outro lembra um gemer de
moribundo; o estalar crepitante dos gravetos pisados por qualquer animal parece um soturno
falar avantesmas; um canto de pássaro, um alto pio d’ave de rapina […] tudo é triste, tudo é
melancólico550.
O sertão em Barroso inspirava tristeza, figurava-se, assim, do mesmo modo
que em Euclides da Cunha: um lugar que, apesar da melancolia, superava esse
aspecto, em contraposição a uma população heroica.
Para entender a apropriação do livro de Gustavo Barroso, é necessário
sabermos em que lugar ele se encontrava na escrita sobre o Ceará. Barroso
nasceu em Fortaleza, em 1888, ingressou na Faculdade de Direito do Ceará,
em 1907, e terminou o curso no Rio de Janeiro, em 1912. No Ceará, já atuava
desde 1906, em jornais, demarcando, em um dado momento, sua oposição à
oligarquia Accioly, que dominava a política cearense. Em paralelo a isso, em
1907, atuava também na Revista A Careta e Tico-Tico no Rio de Janeiro. Anos
mais tarde, quando foi residir no Rio de Janeiro, em 1910, fez parte da Revista
Fon-Fon e do Jornal do Comércio551. Foi membro do Partido Republicano
Conservador do Ceará (em 1915 e 1918), e, em 1931, presidente da Academia
Brasileira de Letras. Participou do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e
da Sociedade de História Argentina, e dirigiu o Museu Histórico Nacional a
partir de 1922, por 34 anos552. Em 1930, também passou a atuar no
Integralismo, “publicando uma bibliografia com forte teor anti-semita”553. Foi
no contexto de sua escrita voltada para o Ceará que ele escreveu o livro Terra
do Sol (1912) e passou a utilizar o pseudônimo João do Norte. O discurso
regionalista tornou-se uma linguagem também em Barroso, ou seja, de acordo
com Afonsina Moreira, “houve mesmo um desejo de João do Norte de ser
identificado como um intelectual que não esqueceu o Ceará, o norte de sua
escrita”554.
Nesse período, Aline Magalhães coloca, também, que tratar da história do
semiárido nordestino, por exemplo, era um tema que interessava ao Rio de
Janeiro “especialmente após a repercussão de Os Sertões de Euclides da Cunha.
Afinal, a realidade do nordeste estava sendo apropriada como marca da
autêntica nacionalidade”555. A autora mostra que quando Barroso fez parte do
SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), em 1937, por
exemplo, ele divergia dos modernistas de sua época porque fazia parte “de
uma ala mais conservadora, que se apegava aos vestígios do passado como
forma de cultuar os homens ilustres e os grandes feitos da nação”556.
Em um trecho do livro de Barroso, Terra de Sol, não reproduzido pelo
Correio, identificamos uma fala que enaltece a autenticidade do sertanejo
quando ele narrava:
Na sua marcha progressiva do litoral para o centro do Brasil, a pouco e pouco vai a civilização
eliminando os tipos tradicionais e apagando ou deturpando os velhos costumes. Raro,
também, é o vestígio que fica dessas cousas pelo quase despreso em que em geral tem o
brasileiro por tudo isso. Assim, não será descabido perpetuar os velhos tipos tradicionais que o
tempo vai matando. Muitos deles surgem no sertão em virtude de um movimento de
rebeldia557.
O ventre lhe inchara como um balão. O rosto intumescera, os lábios arroxeados, entre-
abertos, deixavam passar um sopro cansado e angustioso […] esde a véspera, o Josias adoecera
[…] A creança era só osso e pelle: o relevo do ventre inchado formava quasi un aleijão naquella
magreza, naquelle couro secco de defunto, empretecido e mal cheiroso563.
A figura aqui narrada em Queiroz é a do sertanejo que morria pela seca, pela
fome. O retrato da criança moribunda que comia uma raiz venenosa mostra-
nos o sofrimento ao pensarmos nos sertões, e até mesmo no Nordeste. No
período analisado, já apontei uma ressignificação positiva do interior pelos
intelectuais. No entanto, ainda se incluíam em uma visão fatalista ao re etir a
questão do semiárido nordestino, principalmente em meio à seca. Contudo,
percebemos uma diferença ao pensarmos em Queiroz também como forma
de narrar o semiárido cearense.
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1910 e era filha de
uma família tradicional. Foi in uenciada por romances regionalistas e, na
década de 1930, foi simpatizante do comunismo. Queiroz não adotava a “via
sociológica” para pensar os sertões, tão elogiada naquele contexto histórico.
Segundo Albuquerque Júnior, “sua visão de revolução se assentava muito mais
numa reação romântica à artificialidade do mundo moderno, à necessidade do
uso de máscaras sociais”564.
O Quinze narrava a história de um personagem em meio à seca de 1915. Sem
as características cientificistas até aqui abordadas, a autora faz uma denúncia
dos horrores ocorridos no campo de concentração do Alagadiço, criado na
seca de 1915 em Fortaleza. Esse local era chamado de “o campo santo”,
porque nele morreram muitas pessoas pelas péssimas condições de higiene.
Era um campo de isolamento de retirantes em período de seca, para que
fossem enviados para obras públicas realizadas pela Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS). Em outras partes do livro, não reproduzidas pelo
Correio, esse olhar é evidente. Pode-se inferir que ao escolher exatamente esse
fragmento de O Quinze, o jornal fez uma opção específica acerca de qual
retrato do sertão (ou mesmo do Nordeste brasileiro) se queria mostrar ou
reafirmar: apesar da tristeza, do sofrimento, da miséria, o sertanejo era um
lutador. Ou seja, corroborava com a visão do “mito do sertanejo, ao mesmo
tempo em que fala de ação e valentia”565.
Em uma parte de O Quinze, a personagem Conceição havia acabado de sair
do campo de concentração e retratava bem os aspectos do lugar. Conceição ia
todos os dias para ajudar na entrega dos socorros:
[…] o mau cheiro do campo parecia mais intenso […] Quando transpôs o portão do Campo, e
se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia!
Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem
fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros. Uns debaixo dum cajueiro, estirados
no chão, quase nus, conversavam. Outros absolutamente ao tempo, apenas com a vaga
proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola […]566.
[…] um elo entre as identidades tradicionais do Sertão – a religiosidade da avó e as leituras dos
fenômenos da natureza pela sabedoria popular – e os conhecimentos científicos do mundo
moderno. É com o auxílio das inferências feitas a partir de suas leituras que a personagem
Conceição tece uma visão crítica, bem peculiar, do seu contexto social: a modernidade569.
Para Albuquerque Júnior, portanto, em Rachel de Queiroz vê-se que “a
dimensão do tempo é a itiva para o homem […] razão por que o espaço é
repositório de memória, das marcas do tempo […] o espaço seria a dimensão
conservadora da vida”570. Nota-se, nesse contexto, um Nordeste que ora é
alegria, ora é tristeza, ora é seca (miséria), ora é inverno (fartura). Porque, de
acordo com o autor, a “idealização da sociedade sertaneja, da qual Rachel é
originária, vai encontrar somente na seca o grande obstáculo para atingir sua
perfeição”571.
A busca por uma identidade nacional, com os olhos voltados para o interior
do país – como já apontado – e suas mazelas justificava também o fato de o
Correio da Manhã relatar os problemas do semiárido nordestino citando
autores consagrados ou mesmo aqueles voltados para uma literatura
“destinada a oferecer sentido às várias realidades do país; a desvendar a
essência do Brasil real”572 e, como mostraremos adiante, escrever reportagens
em torno da seca de 1932.
Assim, é nesse momento que nomes como Rachel de Queiroz, José Lins do
Rêgo, Jorge Amado e Graciliano Ramos passam a se referir “às situações de
degradação vivenciadas pelo povo, no drama dos espoliados da seca no campo
em relação aos problemas das grandes cidades”573. Como afirma Albuquerque
Júnior, “a identidade brasileira é aí segmentada entre um espaço tradicional e
um espaço moderno”574. É em Rachel de Queiroz que o Nordeste é “um
espaço-natureza maculado pela cidade”575, ou seja, “o nordestino,
principalmente, o sertanejo, era a única esperança de reação a esta sociedade
moderna de massas, despersonalizada, dilacerada por con itos”576. Como
salienta, portanto, Albuquerque Júnior, ela vive o con ito da geração de 30,
entre o espaço do tradicional e “os vários projetos de reterritorialização”577.
Outro aspecto importante é a questão da construção do Nordeste pela via da
memória, como fez Rachel de Queiroz ao lembrar da seca de 1915, que ela
mesma vivenciou em sua infância, assim como Gustavo Barroso, que tratou
dos sertões a partir de sua memória infantil e da juventude no Ceará;
rememoração esta que fazia com que, no Nordeste, predominassem “formas
de relações sociais agora ameaçadas”578.
Há também de se considerar que esses autores se identificavam com a
paisagem que retratavam. Como analisa Albuquerque Júnior, na geração de
30, Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida, por exemplo, olharam o
Nordeste como o espaço da saudade e no sertão o “espaço tradicional por
excelência e aquele que dá originalidade ao Nordeste”579. Diferenciavam-se,
assim, de outro grupo de autores como Manuel Bandeira e Ascenso Ferreira,
que viam o Nordeste da cana-de-açúcar como o tradicional, seja na zona da
mata ou no litoral. É a partir da consagração de Euclides da Cunha, em seu
livro Os Sertões, e, posteriormente, dessa geração que tinha esse Nordeste
como questão, como o exemplo de Gustavo Barroso, Rachel de Queiroz e José
Américo de Almeida, que “só o Nordeste passa a ter sertão e este passa a ser o
coração do Nordeste, terra da seca, do cangaço, do coronel e do profeta”580.
O Correio, na mesma página em que citava Queiroz, apresentava um trecho
do livro, A Bagaceira, de José Américo de Almeida:
Sobreveio a seca de 1898. Só vendo. Como que o céo se con agra e pegara fogo no sertão
funesto. Os raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um painel
infernal. Um incendio estranho que ardia de cima para baixo. Nuvens vermelhas como chamas
que voassem. Uma ironia de ouro sobre azul. O sol que é para dar o beijo de fecundidade dava
um beijo de morte longo, caustico […] A poeira levantava e parecia ouro em pó […] Sombras
férvidas, como um cinzeiro em brasas. Noites tostadas. Um derrame de luz exaltada que
parecia o sol fulminante derretido nos seus ardores. Ventava. Não era o vento pontual da boca
da noite […] Era um sopro do inferno que, alteando-se, parecia querer rasgar as nuvens para
accender a fogueira […] Como era feia a natureza ressecada na sua nudez de pau e pedra; Os
rebanhos a ictos prostravam-se no chão esbraseado […] Valentim exprimiu todo esse horror
canicular […] E puxando um suspiro que reteve:
- Eu nunca que deixasse a minha terra. A gente teimava em ficar e o sol também teimava […] O
Acre é como o outro mundo: pode ser muito bom, masquem vae não volta mais. E diz que
dinheiro de borracha encurta quando ella estira […] Baldara-se-lhe todo o heroismo do
sertanejo. Ainda bem não só refazia de um cataclismo, depois de tantissima perda, sobrevinha-
lhe outro. Era a fatalidade das ruinarias. Horrendos desastres desorganizando a economia
renascente. O sertão victimado […] Um monstro clandestino resfolegava. Era o nordeste, no
seu advento pulveroso, aos remoinhos, querendo dançar a ciranda como os retirantes581.
A galeria apontada nos “Os Sertões”, para exemplo, poderia estar nas páginas de qualquer
médico que se intrometesse em Canudos ou desse a costa em qualquer rincão nordestino, e os
seus typos esparros pelos livros poderiam ser annotados na estatística de um curioso que
perlustrasse e recolhesse notícias desse genero, para uma demonstração de horrores […] O
filho do retirante romanceado, que desapparece no chão duro da estrada, no “O Quinze”,
comove muito mais que essa legião de creanças que, aqui dentro mesmo da nossa capital,
fenece, diariamente, devorada pela tuberculose, que é, por assim dizer, o rotulo da miséria. Os
retirantes deste livro, ou os seus irmãos da “A Bagaceira”, não so rem mais que os paludos do
Rio Grande do Norte, que os amarellos da baixada uminense, que os papudos de Minas, que
os boubaficos [?] do Ceará, que os trachomatosos de São Paulo ou os leprosos de todo o Brasil;
José Américo e Rachel de Queiroz, Mathias Olympio, Taunay Alcides Maya e Euclydes da
Cunha não precisavam vêr o nordeste ou o sul para recolher as caras e as physionomias dos
seus personagens desgraçados. Bastava um volume do Saneamento do Brasil e folheassem suas
paginas como quem varejasse, no lombo […] de um matungo comedor de semente de baga, o
vasto território de que só ufana a literatura do sr. A onso Celso! Não é muito certo que
tenhamos vivido, até agora, enganados pela riqueza e esplendor do Brasil. Quando se diz hoje,
como nos diziam hontem, nas escolas – “Que Brasil é o paiz mais rico do mundo, ou que a
terra é boa, na expressão ingenua e veraz do chronista primevo”…. não nos enganam, porque
os mestres de agora e de outrora repetiam e repetem uma verdade. Apenas, ao lado dos
escriptores que descrevem as maravilhas que possuimos, deveriam enfileirar, também, aquelles
outros que se batem com a verdade na ponta da penna, mostrando os males e as desgraças de
que não nos queremos aperceber ou resguardar. A Revolução, porém, trouxe para os seus
postos de commando, homens que vivem a vida livre dos não enredados na política de
gabinetes, que viram de perto a auscultaram por si mesmos os so rimentos da Nação, que
assistiram os seus males, que descreveram suas mazellas, que os romancearam nos livros e
recolheram estatísticas que nos intimidam quando não nos envergonham588.
O momento é, pois, propicio para uma nova forma de política que se não deixe embevecer
apenas diante da grandeza territorial do paiz, ou das conquistas realizadas nas capitaes. Temos
progredido alguma coisa, mas não tanto quanto deviamos progredir e nos civilizar. Os homens
viajados e de responsabilidade intellectual, como o sr. Humberto Campos, ou os homens
como o sr. Cincinato Braga, têm posto deante dos olhos do Brasil – o esplendor e a grandeza
dos povos do continente sul-americano. Não é necessario muita agudeza de espirito para
reparar, num confronto ligeiro, como estamos aquem e abaixo até de nós mesmos,
comparando-nos das épocas anteriores. Enquanto o Brasil não comprehender que o seu rumo
ascensional depende da saude e da instruccção, palmilharemos à margem ou à retaguarda dos
paizes do continente. Aproveitemos a opportunidade que a reacção política nos deparou;
enveredemos pelo caminho apontado pelo patriotismo dos homens que fizeram da
intelligencia e do amor ao Brasil a arma de combate que nos levará ao pinaculo da civilização e
ao fastigio da abastança economica que merecemos593.
Desperté a medianoche, bajo un cielo cuajado de estrellas, en medio del campo santiagueño
[...] Estaba afiebrado de sol y de las aguas fermentadas. Cerré los ojos y volví a abrirlos [...] Y
pensé que esa misma hora, a poca distancia de mi cuerpo, también en medio del campo, bajo
esa misma bóveda cuajada de estrellas titilantes, agonizaban centenares de bestias. Algunas ya
no agonizaban. Estaban muertas y el rápido viento de la noche traía el olor dulzón de sus
fermentaciones. Me acordé de todos los animales que vi agonizando bajo el sol; en las llanuras
requemadas por la sequía. Me acordé de las cabras alunadas, medio cegadas. Cuando escuchan
el paso de un caballo se desprenden de la espesura del monte como brujas enloquecidas,
girando sobre si mismas; me acordé de las vacas noblemente postradas en centro de los
salitrales, apoyadas sobre sus manos. La cabeza tiesa, fermentando vivas durante todo el día
bajo un sol de sesenta grados611.
No trecho citado, vê-se, em Arlt, uma natureza dura, o sol como elemento
de agonia e de sofrimento. A cena com vacas mortas e cabras praticamente
cegas, objetivava mostrar o que ele mesmo coloca mais à frente nessa crônica:
“es necesario narrar sin temor de horrorizar a la gente”. Era preciso falar daquilo
que ele chamava de “espectáculo que ofrece una vaca refugiándose moribunda en un
rancho abandonado, para terminar de morir allí”612. Jens Andermann afirma que
Arlt realizou um realismo visceral para dar conta da catástrofe climática613.
O que é possível encontrar, nessas crônicas, é exatamente o olhar realista de
Arlt – que salientado até aqui como característica de sua escrita – em conjunto
com o seu desejo de compreender esse lugar “exótico”, acometido pelo
fenômeno da estiagem. Além desse fator, Arlt passava a retratar a história de
um lugar que não estava no cenário da vida moderna, agitada e do desejo de
progresso, que era a Argentina dos anos 1930. A história da seca santiagueña
não deixava de estar inserida nos “atores anônimos” que os cronistas desse
contexto almejavam mostrar ao público leitor e para os seus leitores
“populares”. Podemos ainda perceber em “El in erno santigueño” um olhar
extremista sobre a seca de 1935-1937, percebido já no próprio título da
crônica.
Como analisam Ballent e Gorelik, há uma ambiguidade comum a esse
contexto: ao mesmo tempo que houve uma crescente presença da questão
rural e, sobretudo, das configurações rurais nos debates sobre o país e na
produção do imaginário social, era nessa mesma via que o país pouco
acreditava que o seu futuro estive ligado à produção rural614. Como apontado
nas análises anteriores, falo de uma Argentina que colocou de volta no centro
da política os setores agroexportadores e sua modernização conservadora. O
fracasso e ou mesmo avanço desse modelo fez com que se pensasse no tema
rural.
Voltando às crônicas de Arlt, segundo Andermann, elas ressaltavam o
impacto de cenas extremas de sofrimento e destruição sobre o espectador,
construindo a figura do que ele chama de um periodista de “corpo presente”615.
O autor afirma que é inegável a forte presença nos textos arltianos de uma
profunda angústia. Em 9 de dezembro, Arlt expunha essa “angústia” quando
dizia:
La muerte se ha emboscado tras de todo lo que aún sobrevive. De tanto en tanto, un rancho.
Un rancho vacío. Aquí, anteriormente hubo gente, ganado. Ahora no queda nadie. La sequía
ha matado el ganado y criadores de animales se han dispersado. O han muerto. Las puertas de
tablas de estos refugios están abiertas, se entra y en el suelo encontrarse nada. A veces, desde
trescientos aproximarse al rancho. Entonces ya se presume. En su interior hay una vaca
muerta. O un caballo muerto. Los animales, enloquecidos por la sed e el hombre buscan
cualquier rincón de sombra para morir. Uno de los espectáculos más siniestros que he visto ha
sido en el interior de un racho. Había una cava que aparentemente estaba muerta. La cabeza
caída en el suelo. Inmóvil. El cerdo de un rancho próximo hundió el hocico en ese vientre y
arrancó un pedazo de pellejo con carne. Entonces la vaca levantó lentamente la cabeza y la
volvió a dejar caer. El cerdo continuó devorándole el vientre al animal, que estaba vivo616.
Vê-se, aqui, um lugar vazio, de morte, onde não há nada. A seca matou os
animais e seus criadores fugiram. Mais uma vez, a cena com vacas e cavalos
mortos chama A atenção do leitor para o grotesco. Quando ele fala de um
porco comendo o “vientre al animal, que estaba vivo”, isso se torna ainda mais
evidente: é a “barbárie” imposta pela seca, estado que põe no limite até
mesmo o mundo animal. María Kulikowski afirma que Arlt “luta para disputar
um espaço escritural e questionar o considerado belo, o gozo estético que
produz a espiritualização da chamada literatura ‘alta’”617. No trecho, vemos
aquilo que a autora aponta: Arlt penetra no território do “insuportável,
verbaliza o que a sociedade quer ocultar”618. Esse território do insuportável
podemos perceber em todas suas falas sobre a seca de Santiago del Estero.
Em outro trecho, Arlt ressaltava a seguinte situação santiagueña:
Se la ve desde largas distancias, como el centro geográfico de la extensión. Son vacas. Caballos.
Inmóviles bajo un sol que a las dos de la tarde alcanza la temperatura de 60 grados. Un sol tan
ardiente, que en la sombra, el viento por caldeado ha calentado los hierros de mi máquina de
escribir. Son caballos. Vacas. De pie. Inmóviles bajo un sol de sesenta grados. De cerca, la piel
está pegada sobre los zunchos de las costillas. Un caballo blanco ha caído al suelo. Don Luis se
acerca y tomándolo por la cola lo levanta. El animal queda vacilante de pie, de pronto inclina
vertiginosamente la cabeza y comienza a comer: Está devorando sus propios
excrementos...otros, inmóviles, junto a un algarrobo o un espinillo, permanecen quietos en
el mismo sitio durante días, sin atreverse a echarse al suelo, porque saben que cuando caigan
no se levantarán619.
Sin embargo, el drama de Santiago del Estero se hace presente en las conversaciones de los
pasajeros que conocen aquellas tierras y el síntoma de la sequía asoma a través de la palabra
única: “Agua”. No se habla más que del Agua. Es el tema de todas las oraciones. Dos horas, tres
horas, cinco horas, siete horas, nueve horas. Ellos no hablan más que del Agua. “Agua”.
“Agua”. “Agua”. La palabra acaba por perder su sentido expresivo. El “Agua” está injertada en
cada cinco palabras que un hombre o una mujer dialogan en la travesía ardiente del Norte
argentino. Injertada con tanta insistencia, que yo, espectador, acabo por asombrar de la astucia
que coloca esta palabra en cada giro de las conversaciones más distantes o más cercanas. De la
astucia o del temor que ha caído sobre los viajeros que hablan del “Agua” como si se refirieran
a una diosa indígena, cuya cólera recientemente acaba de comprobarse. Los pasajeros siguen
conversando del “Agua”. En tonos diversos. Habla del “Agua” el jefe del coseche comedor, los
corredores de artículos rurales, los abogados que diligencian pleitos en las capitales, la señora
extranjera que muestra las medias hasta la curva de la rodilla, la modesta pareja de sastrecillos
riojanos. Hablan del “Agua” los tipos de seres humanos más opuestos: el rubio opulento y el
mulatillo menestral, la señora en perifollada y la pobre mujer622.
[…] não lidamos com a palavra isolada funcionando como uma unidade da língua, nem com a
signi cação dessa palavra, mas com o enunciado acabado e com um sentido concreto: o conteúdo
desse enunciado […] não só compreendemos a significação da palavra enquanto palavra da
língua, mas também adotamos para com ela uma atitude responsiva ativa (simpatia,
concordância, discordância, estímulo à ação). A entonação expressiva não pertence à palavra,
mas ao enunciado […] Ao escolher a palavra, partimos das intenções que presidem ao todo do
nosso enunciado, e esse todo intencional, construído por nós, é sempre expressivo624. [grifos
do autor]
A menos de dos kilómetros de Añatuya, el viajero encuentra casi a la misma orilla de la vía del
ferrocarril del Estado, un campo en cuya tranquera hay un letrero de Obras Sanitarias que reza:
“Se prohibe la entrada”. Abandonadas en medio del campo hay una serie de gruesos tubos de
acero, y a un costoso una torrecilla por la que pasa un cable, del que se suspendían los trépanos
de una perforación. Incrustados en el suelo hasta 270 metros, los tubos. A poca distancia de
esta inútil perforación en busca de agua, hay otro agujero setenta metros. Tampoco se halló
agua. Después de varios meses de trabajo, los ingenieros de Obras Sanitarias se retiraron. Y allí
han quedado los tubos. Estos tubos recalentados por el sol, sañudamente, alquitranados,
expresan mejor que cualquier otra cosa el drama de estas poblaciones cuyo trabajo, desde que
sale el Sol hasta que se pone, es una batalla con la sed.627.
Todas las personas medianamente informadas saben, con precisión cabal, que en Santiago del
Estero existe un problema de fondo que plantea la escasez permanente de agua. Doble
escasez, porque proviene del cielo y del suelo. Una sequía inusitada lo agravó, esta vez, hasta
producir la actual crisis de hambre y de sed. Para evitar el efecto hay que suprimir la causa. De
acuerdo. Así lo venimos proclamando de tiempo atrás. Hemos reiterado hasta la saciedad esa
convicción, que es unánime. En nuestra edición del 11 de noviembre, o sea pocos días antes de
llegarse a la situación de estos momentos, decíamos: “Corresponde a los poderes públicos
nacionales realizar los estudios previos en busca del agua, ya perforando las napas profundas, ya
utilizando, mediante la realización de trabajos adecuados, las corrientes naturales, pero en
forma armónica, de modo que se puede hablar de un plan de agua, así como se habla de un plan
de vialidad. Frente a la tremenda realidad, que se renueva periódicamente, no cabe dejar las
cosas como están”. Y el 16 del mismo mes agregábamos: “Hay en el fondo de todo esto dos
problemas de idéntica naturaleza, pero de distinto alcance. El primero de ellos, el más
urgente, trae aparejada la necesidad de una solución de emergencia. Tal es el aspecto
transitorio, aunque agudo, de la situación creada. El segundo es de carácter permanente: la
necesidad de crear en Santiago del Estero un sistema eficiente de riego”. Conocíamos, como
se ve, las necesidades permanentes de la infortunada provincia, pero no por eso nos creímos
autorizados a cerrar los ojos y apretar los labios ante su intenso drama de los últimos días628.
Estos niños, como ellas mismas, cargan por parejas, latas de agua, que soportan con ramas
atravesadas en los hombros. Allí caminan kilómetros y kilómetros. Algunas de estas criaturas y
algunas de estas mujeres, al llegar al pueblo se desmayan. Se desmayan de hambre. Y para que
ustedes se formen una idea de la magnitud del hambre de esta gente los dirélo que me han
dicho varias madres de escuela. Estos chicos se comen hasta las cáscaras de las naranjas que
nosotros arrojamos a la basura. Lo comen todo. Todo lo que la imaginación humana puede
rebuscar para comer. En realidad son corderos (no lobos), corderos hambrientos. Corderos de
los que esa gente sesuda de los pueblos os dicen: – Hoy tienen que asaltar los tanques de agua
de los trenes porque tienen sed. Mañana, cuando no puedan soportar más el hambre? Se
abstendrán de asaltar los comercios? 631
Apesar de ser uma clara denúncia do descaso para com a região, Arlt
ressaltava uma cena de caos quando relatava que pessoas com sede assaltavam
trens nas estações que iam distribuir água. Com isso, mais tarde podiam
também assaltar os comércios, porque tinham fome. Crianças que comiam
cascas de laranja do lixo, que tinham que andar quilômetros em busca de água
e que comiam tudo que era possível, “todo lo que la imaginacion humana puede
rebuscar para comer”.
Vale mencionar, como analisa Tasso, que muitas pessoas se concentravam e
formavam cidades ao redor das linhas férreas onde a água podia chegar pelos
trens. Na década de 1920, ocorreu uma grande seca na região em que a
população sitiava os trens, lutando para obter o “precioso líquido”, segundo
denominavam os periódicos daquela época632. Ou seja, por ser uma situação
que perpassava a história de Santiago de Estero, a população já sabia como
agir e como se colocar mediante a desorganização do governo em períodos de
calamidade. Podemos entender, nesse sentido, o lugar em que se encontrava
essa ação da população santiagueña e o fato de “assaltarem os trens” não como
um ato desmedido, mas sim como uma maneira de ser impor mediante as
autoridades.
Continuando a crônica, Arlt ressalta:
Y todos se repiten a coro resultando algo irónico o burlesca la afirmación: – Son unos santos
esta gente. Lo aguantan todo resignadamente. – Se, doy fe, de que son santos. De pie en un
desvío de la estación escucho semejantes comentarios y miro a los chicos y a las mujeres que
han ido al asalto de un tanque de agua. ?Asalto? No exageramos. Ni los jefes de estación, ni los
guardatrenes que viajan por las líneas de Santiago hacen nada por oponerse a que la gente
vacíe los tanques de agua de los ferrocarriles. Ellos son los primeros en reconocer que no es
posible dejar que esta gente se muera de sed, mientras que las autoridades gubernativas de
Santiago votan leyes para pavimentar las ciudades de la Provincia! Y como hormigas, las
mujeres de los montes, los chicos del suburbio gaucho rodean los vagones tanques. Han
abierto los grifos y el agua corre dentro de las latas. Algunos beben como búfalos, por
momentos un guarda grita “cuidado”, porque el convoy hace manobras; y esta gente, metida
peligrosamente entre los coches en movimiento no se aparta de los grifos como si los
retuviera allí la locura del agua633.
Nesse trecho, o autor chama a atenção pelo fato de dizer que as pessoas de
Santiago eram resignadas, aguentavam tudo, eram santas. “[...] doy fe, de que
son santos”, afirmava ele. Por isso, não era possível deixar que essa gente
morresse de sede. Complementava ainda afirmando que as mulheres dos
montes eram como formigas, rodeando os tanques de água. Nesta fala, Arlt se
aproxima, novamente, da antiga ideia que se tem sobre o sertanejo
nordestino: ele é “sobretudo um forte”. Os santiagueños, povo do monte, do
bosque e da selva, também podiam passar por tudo aquilo, porque eram
pessoas “pacientes”, “tolerantes”, “resignadas” com aquela situação. Nesse
sentido, ao mesmo tempo que Arlt criticava o governo da província de
Santiago del Estero por estar preocupado com a pavimentação da cidade em
vez de tratar da questão da falta de água na região, desqualificava a população
local quando fazia esse tipo de afirmação.
Já tratou-se pontualmente como desde a década de 1920 protestos em torno
desse tema ocorriam na região. Tal ideia estigmatizada sobre Santiago ainda
fica mais evidente quando ele dizia que muitos bebiam água como se fossem
búfalos. Esses aspectos podem elucidar que a ênfase dada, nesse relato
arltiano, podia reforçar a antiga visão de um chaco santiagueño que vivia sob a
mancha da barbárie versus a ausência do mundo civilizado. Logo, Arlt não
conseguia, nas suas colocações, desvencilhar-se do olhar de estranhamento do
cronista da capital em meio àquelas cenas.
Vale ressaltar que quando o cronista criticava o governo local por não
resolver essa “desordem”, acabava por amenizar, assim, um possível lugar que
Buenos Aires podia ocupar para solucionar e investir nessa questão. Vejamos
que, no caso brasileiro, na década de 1930, quem deveria resolver os
problemas dos sertões era o próprio Nordeste. Podemos pensar, assim, que há
uma semelhança de narrativa com o caso santiagueño. A província, para Arlt,
é que devia dar conta das mazelas da seca e da falta de água. Mesmo que o
próprio jornal, mais tarde, venha a pedir a caridade de seus correligionários da
capital para ajudar a região, esse fato se deu muito mais pelo cunho
assistencialista e filantrópico do que com o propósito de repensar a política em
âmbito nacional, principalmente relacionando-a às regiões do interior. Tema,
inclusive, que, como vimos, estava em pauta também na Argentina dos anos
1930.
Desejo destacar, por fim, que o Correio da Manhã também deu ênfase aos
assaltos aos trens e aos comércios locais pela população do semiárido
cearense. Ambos os jornais, ressaltavam, cada um a seu modo, o quadro de
caos em meio à seca. Tais discursos acabavam por reforçar imagens
depreciativas sobre as populações do interior.
As ideias mostradas aqui nas narrativas do Correio, na apropriação de temas
tratados por Euclides da Cunha, Gustavo Barroso, Rachel de Queiroz, José
Américo de Almeida, Afonso Celso e Phocion Serpa, mostram um sertão que
ora exprimia luta, bravura e resiliência, ora tristeza, melancolia; permanência
de um estado de pobreza, caos e incertezas, ao passo que El Mundo e as
crônicas de Arlt revelavam uma região pouco falada e pensada para uma vida
porteña em pleno processo de tentativas de saídas de uma crise econômica por
via de uma modernidade urbana. A natureza como problema, o drama do
espaço, assim como também a tristeza, a melancolia, o caos da ausência do
“precioso líquido” e o encontro do litoral com o interior, colocaram em
questão o tema do esgotamento rural argentino. Conforme ressaltam Ballent e
Gorelik, se na Argentina, no início dos anos 1930, pensava-se a chave estatal
tendo como necessidade homogenizar o território por meio da modernização
urbana; nos fins da década passava-se a buscá-la, pelo que eles chamam de
diferentes modulações rurais634.
Assim, desejo evidenciar que El Mundo e o Correio da Manhã, cada um a seu
modo, colocaram em voga o tema da seca e das regiões semiáridas dos seus
países. Vimos que isso se deu, por vezes, de maneira distinta. Porém, isso não
significou que a forma de entender essas regiões não fosse semelhante. Pelo
contrário, os pontos de similitude das narrativas desses periódicos nos revelam
que, pensar nos sertões e no chaco santiagueño, era re etir sobre o outro, o
distante das capitais, o desconhecido. Por mais que, por diversas vezes, em
1930, se tenha uma clara tentativa de reconhecer a autenticidade dessas áreas,
isso não apagava a antiga forma de entendê-las ainda como incivilizadas, ou
distantes de uma vida moderna. Isso corroborava ainda com um discurso que
naturalizava o fato dessas populações viverem migrando, porque a seca, a
semiaridez, eram as principais culpadas de tal intento. Junto com esse fator
ainda havia o medo dessas populações que acabavam por invadir as cidades. O
que fazer com elas? Como agir para controlá-las? Vejamos como o Correio e El
Mundo construíram seus discursos neste sentido.
Pode-se re etir, por fim, os discursos aqui analisados de maneira mais
específica. Mikhail Bakhtin nos convida a considerar que “todas as esferas da
atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a
utilização da língua”635. Por isso, os modos dessa utilização são variados. “A
utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos),
concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou doutra esfera da
atividade humana”636. Por isso, é possível analisar os discursos do Correio da
Manhã e de El Mundo dentro do uso da língua como uma ferramenta
importante na compreensão do mundo social. “O enunciado re ete as
condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por
seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal [...] mas também, e sobretudo,
por sua construção composicional”637.
Logo, pensar o uso da língua é lidar “inevitavelmente com enunciados
concretos (escritos e orais), que se relacionam com as diferentes esferas da
atividade e da comunicação: crônicas, contratos, textos legislativos,
documentos oficiais e outros, escritos literários, científicos e ideológicos,
cartas oficiais ou pessoais, réplicas do diálogo cotidiano em toda a sua
diversidade formal, etc.”638
Sabe-se da necessidade de entender as particularidades dos gêneros
discursivos, a natureza do enunciado dos periódicos estudados. Bakhtin
explica que “a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na
língua”639. Portanto, essa dialética do discurso é um ponto importante que
desejo evidenciar em nossa análise.
Quanto de heroísmo anônimo há nesse perseguido pela seca! Quanta bravura, a desse
desterrado […] o da Amazônia – infecta no coração da zona tórrida; esgargalada pelas
tributações de governos vandálicos […] esses “titãs da seca” realizaram, de fato, uma das
maiores conquistas brasileiras, e de que maneira! – Exilados do torrão natal, o corpo estiolado
pela seca, a alma murcha pela saudade […] Emigram de um território […] para criar outro […]
Essa qualidade de emigrar é inata do cearense […] Emigrar é a sua sina […] Um dia a seca
implacável dá início ao longo martírio do Ceará. A “Terra do Sol”, como a denominou
lindamente o brilhante historiador de sua terra e da sua gente, o Sr. Gustavo Barroso, começa a
definir sob o látego de fogo do astro insaciável do amor. […] Então o cearense emigra640.
O cearense era um herói perseguido pela seca, tinha bravura, era um “titã”.
O Ceará tornava-se sinônimo da própria estiagem e o cearense tinha seu
“corpo estiolado pela seca”, tornando-se um eterno migrante, condição inata
a essa população. “Emigrar é sua sina”, dizia Carvalho reafirmando esse olhar
sobre o semiárido e sobre o sertanejo. Migravam de um território para criar
outro. Nessa fala, Carvalho ainda citava Gustavo Barroso e sua obra Terra do
sol era a seca implacável que dava início ao longo martírio da vida do êxodo
sertanejo.
Devemos pensar, nesse aspecto, que falar do problema da população
cearense fazia parte do próprio discurso e da busca de um passado histórico
que desse conta de uma nação autenticamente brasileira. Isso passava, muitas
vezes, por legitimar visões, como: o cearense era um povo forte, que apesar de
sofrer as intempéries da natureza dura resistia, desbravava o país, colonizava
terras alheias, tornava-se um verdadeiro “titã da seca”.
Quando Carvalho falava de um heroísmo histórico de um povo atingido pela
seca, retratando o cearense como eterno migrante, acabava por consolidar o
estigma nômade que colocava (e ainda coloca) o cearense em situação de
eterno retirante em terras alheias. Como explicam Maria Yedda Linhares e
Francisco Carlos Teixeira, no contexto da década de 1930 “a ideia de aventura
e desbravamento deveria mobilizar os sonhos de milhares de brasileiros,
abrindo os sertões à civilização”641 e a Amazônia se encontrava nesse conceito
de sertão como o lugar de ausência de civilização.
Retratar o martírio do povo cearense, o povo “puro”, insere-se também no
que Angela de Castro Gomes coloca como uma “recuperação do passado
brasileiro” nesse contexto, dentro do conceito de “cultura histórica”,
caracterizado pela autora como a “relação que uma sociedade mantém com
seu passado, ou seja, para entender melhor o que os homens especificamente
consideram seu passado e que lugar (espaço e valor) lhe destinam em um
momento histórico”642.
Na reportagem do Correio da Manhã em 21 de setembro de 1930, sobre a
região do Jaguaribe, no Ceará, ressalta-se:
O inverno de 1930 foi escasso em diversas zonas do território cearense como na região
atravessada pelo Jaguaribe, onde as chuvas foram realmente diminutas […] Em diversas
localidades do vale do Jaguaribe é já grande a a uência de pedintes, mulheres e crianças
andrajosas e emagrecidas que imploram a caridade pública […] já se verificam mortos pela
fome. Em muitas fazendas os rebanhos esqueléticos estão sendo racionados, o que aliás
representa um recurso penoso para os fazendeiros, devido aos altos preços da forragem. Nas
estradas encontram-se frequentes famílias de retirantes que abandonaram os seus lares do
agelo da fome. Esses famintos dirigem-se para os centros populosos, sendo muitos os que já
se encaminham para esta capital643.
O Correio do Ceará noticia a chegada de uma família de retirantes, composta de 4 pessoas vindas
de Passagem de Pedras, que narram cenas tristíssimas dos sertões do Jaguaribe, onde a fome
impera. Dizem os informantes que o êxodo se acentua, estando as estradas que trazem a
Fortaleza, cheias de famintos. O jornal pergunta onde estão as providencias do governo para
socorrer os desgraçados sertanejos a braços com essa calamidade650.
No fragmento, fica explícito como o êxodo dos sertanejos era tratado com
um tom de pavor quando os mesmos “desgraçados sertanejos” iam para a
capital Fortaleza “cheios de fome”. Era necessário que esse quadro fosse
resolvido pelo Estado. De acordo com Frederico Neves, “a presença da
multidão exigindo proteção, vinha forçar essas autoridades a intervir, já que
colocava em questão a ‘segurança’ social e ameaçava a ordem instituída”651.
Tratar os sertanejos como famintos, desgraçados em um sertão de tristeza
onde a fome imperava, faz parte de um discurso fatalista em torno das cenas
“tristíssimas” dos semiáridos.
Quando o Correio narrava esse quadro da seca, com famílias de retirantes
“invadindo” as capitais “cheias de famintos”, por mais que culpabilizasse o
governo por esse estado de coisas, impunha a figura do sertanejo relacionada
diretamente à seca. Ou seja, como se seu estado natural, aquele que o
colocava como o autenticamente nacional, fosse desconfigurado devido à forte
estiagem. Passamos a olhar com tristeza, penúria, desordem, os sertões da
seca. Do mesmo modo, em outra reportagem de um correspondente do
Ceará, agora em 1932, o quadro de miséria e pessoas famintas que invadiam as
capitais é descrito:
Fortaleza 25 (A.B) – Continuam a chegar noticias do sertão que informam os horrores da seca.
Centenas de pessoas ameaçadas de morrer à fome e à sede. A desolação reina em varias zonas
não somente do estado, mas também da Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco. São
poucos os pontos em que o inverno ainda pode ser promissor. As lavouras já foram
horrivelmente prejudicadas. E o gado morre. Os retirantes já invadem as cidades. De todos os
pontos as noticias continuam desanimadoras652.
[…] Mas, telegramas de ontem, informam que a estiagem prossegue alarmante. Continuam a
emigrar os tristes retirantes na cadência monótona de seus passos. As plantações morrem antes
de medrar. Os ataques as fazendas e povoados se repetem com mais frequência. E o agelo. O
agelo prossegue em sua marcha fúnebre pelos campos ressequidos. E em face disso, o
ministro da Viação acaba de tomar novas providências e dar novas instruções para um mais
eficiente ataque ao grande agelo do nordeste653.
A ideia de despovoar o sertão do Nordeste para evitar as vitimas das secas revela que ainda há
quem pense que a melhor forma de resolver os problemas é suprimi-los. Mas trata-se de uma
ideia sincera. Por isso mesmo convém esclarecê-la. O que se imagina geralmente é que o
sertão do Nordeste é uma zona infernal, povoada por teimosos. Não havendo como torná-lo
acessível ao homem, impõe-se retirar de lá os teimosos e deixar o sertão entregue a aridez e ao
abandono. Este remédio cura, evidentemente, demais. Faz lembrar a hipótese de uma
prescrição medica para as enxaquecas que consiste em cortar a cabeça ao doente. A verdade é
que o sertão não é uma zona infernal. É a zona por excelência, da abundancia. Do mesmo
modo que seria impossível inferir de um país que é inabitável porque sujeito as chuvas, não se
deve desprezar o sertão porque sujeito as secas. O que se dá é que só pensamos nele quando ele
sofre. Por um defeito de generalização que existe em todo o homem, logo nos inclinamos a
imaginar que a seca é um fenômeno permanente e perene. O problema da seca não existiria
como não existe o problema do Saara655.
O caso é, porém, que o sertão possui grandes e velhas seduções. A terra é boa para atrair e fixar
o homem. O homem sente-se feliz, no meio do gado, que prospera, e na oração dos campos,
dando-lhe de tudo para existência e para o comercio. Aquele que vem de fora e entra em
contato com o ambiente sertanejo experimenta a sensação da fartura, acentuada na própria
amenidade do clima, criador das famosas noites de onde nasce a opulenta poesia popular do
Brasil, que é o indicio da tranquilidade em que ali se vive. O homem luta é certo. Nada lhe cai
do céu. Mas esta dá-lhe, em compensações largas, o gosto do trabalho e assim o aferra à
escravidão deliciosa de suas serras. Súbito vem o acidente na desconcertante irregularidade
com que aparece. Não se refazendo pelas precipitações pluviométricas, a terra nega ao homem
a vida. Estacam-se os cursos d’água, ainda ontem tão caudalosos pelos que lhe davam as
vertentes, e já hoje extintos, expondo ao viandante desesperado o leito onde se
desempenhavam e onde, aqui e ali, poças esverdeadas, últimos vestígios do rio que
desapareceu, tentam a sede dos bovinos, em sua emigração pelas caatingas. As plantas, ainda
tão oridas semanas antes, murcham e suas hastes sob o fogo do sol. As arvores mirram. Uma
tristeza de morte envolve todas as coisas. O homem abala […] Mas cai sobre este espetáculo de
dor o consolo da chuva. Toda a terra engalana-se, de novo, e seus atrativos voltam a seduzir o
homem. Assim, o mal do sertão não está na miséria de sua vida, mas precisamente na vastidão
de seus recursos. Ele é como a lâmpada elétrica de que se interrompe a corrente. Na ausência
da luz, pode-se utilizar a da antiga vela de estearina; mas, reestabelecida a corrente, não há
quem pense em destruir a usina geradora de energia […] Se o sertão do nordeste fosse ingrato,
ninguém o amaria667.
Aqui, mais uma vez, a questão da natureza é posta. No entanto, Costa Rego
acabava por não conseguir desvencilhar-se do reducionismo e do
determinismo geográfico, porque ao mesmo tempo em que a seca não devia
ser pensada como o problema dos sertões, ou definidora do que é o semiárido,
ou seja, o clima não seria determinante na vida dos sertanejos, a natureza
acabava apresentada como definidora da tristeza ou da alegria da população
dos sertões. O homem sentia-se feliz quando a terra lhe dava tudo que
necessitava. Afinal, o sertão era uma terra boa para fixar o homem e podia lhe
oferecer fartura, mas quando a seca vinha – a que ele se referia como de
“súbito vem o acidente” –, apesar de lutar contra ela, a terra negava ao
“homem a vida”.
O quadro de tristeza também aparecia em Costa Rego: “as árvores mirram.
Uma tristeza de morte envolve todas as coisas. O homem abala”. Rego
colocava na natureza o impositivo da vida do sertanejo, principalmente
quando dizia: “se o sertão do nordeste fosse ingrato, ninguém o amaria”. Ao
mesmo tempo que desejava que não vissem os sertões pelos olhos das
estiagens, o jornalista, ao fazer a analogia seca-tristeza e pobreza/chuva-
fartura e alegria, acabava por corroborar com o discurso que via na natureza o
problema do possível despovoamento dos sertões (assim ele inicia o texto que
descrito anteriormente e assim é o seu título: “Suprimir os sertões”). Podemos
pensar nas narrativas arltianas, mencionadas no tópico anterior, como via de
aproximação com que analiso aqui: a natureza que provê é a mesma que
expulsa sua população.
Ao final do texto, Rego conclui:
Todo o problema das secas resume-se, afinal, na fertilidade do sertão. O que essas massas de
retirantes, tangidas a espaços de seus lares, veem fazer no litoral não é tanto reclamar dos
governos pão para boca, mas defesa para fertilidade das terras que abandonaram por instantes e
a que não há força que as impeça de regressar. O plano que consiste no abandono do sertão
pelos sertanejos estaria voltado ao insucesso. Também um eminente homem de estudos e,
aliás, sertanista, o general Rondon, foi adepto dessa medida. Bastou-lhe, porém, que visse os
sertões do Nordeste, bem diversos daqueles outros, ribeirinhos, de seu anterior
conhecimento, para compreender porque atinge uma zona de considerável valor, impossível
de suprimir do mapa econômico, do mesmo modo que ninguém suprime os rebanhos por
causa das epizootias668.
- “Antes de irnos a dormir cerramos el aljibe con candado – me dice una señora, que a
continuación agrega refiriéndose a otra persona. – “A esa pobre viejita, le damos de caridad,
todos los días, un balde de agua para ella y sus hijos.” Y un balde de agua aunque a ustedes les
parezca mentira, es caridad. Sobre todo en este país de sesenta grados de temperatura al sol. Y
digo: Felices de aquéllos que viven en el suburbio gaucho del pueblo. Felices de aquéllos cuya
casa está a un kilómetro de la estación. ¿Qué diré de aquellas mujeres que vienen de tres y
cuatro kilómetros de distancia a buscar agua? ¿Qué diré de esta vía crucis cotidiana que viven
las pobres mujeres y los desdichados niños de todos los montes próximos a las poblaciones de
Santiago del Estero? ¿Pueden imaginarse ustedes lo que es “caminar a pie” en picadas de tierra
ardiente, una legua, dos leguas, cargando sobre la cabeza una lata de agua que pesa quince
kilos? – No; yo creo que ustedes no pueden imaginárselo. En cambio si pueden imaginarse
este drama, las mujeres árabes que yo he visto en Tanger y Tetuán, caminar leguas y leguas
cargadas de pilas de carbón.¡Oh! Qué claro lo recuerdo! Entonces creía que ese espectáculo
sólo podía encontrarse en Africa. Y me admiraba grandemente. Ingenuamente. No sabía que
en la Argentina, las campesinas santiagueñas vivían unas penurias semejante671.
Trata-se da história de uma senhora que contava seu ato de caridade para
com uma velhinha, quando dava um balde de água para ela e seus filhos.
Especialmente neste país de sessenta graus de temperatura ao sol, dizia ela,
onde mulheres vinham andando três e quatro quilômetros em busca de água,
numa via crucis cotidiana. Compara-se a vida da população rural santiagueña
ao martírio bíblico das caminhadas sedentas e redentoras de uma gente,
principalmente, das mulheres, que se deslocavam a pé em uma terra ardente,
léguas e léguas, carregando sobre a cabeça uma lata de água que pesava 15
quilos. A ideia quase “maculada”, “mítica”, de uma população sedenta, é
muito presente nos imaginários sobre os sertões cearenses também.
Novamente, encontra-se aqui uma leitura sobre a seca e sobre Santiago
bastante semelhante à brasileira. As retiradas em busca de água e as mulheres
que carregam lata d’água na cabeça são cenários similares para pensar o
sertão. Quantas vezes se vê em fotografias sobre os semiáridos nordestinos
esse tipo de imagem que destaca mulheres e suas latas de água? E como isso
perpetuou uma visão unívoca de que onde há sertão há sede? Tais visões se
consolidaram independentemente de uma seca, tornaram-se marca da região
e, como vimos analisando, passaram a ser sinônimo de Nordeste.
No caso santiagueño, o que impera, na narrativa sobre esse território, é o
drama da natureza e do binômio ausência/presença de água, delineado pelo
controle desse elemento. No Brasil, seca/sertão/Nordeste configuraram a
ideia que se tem sobre a região, fazem parte do imaginário, estão na ordem do
dia, alimentam visões sobre as populações semiáridas e colocam, no problema
ambiental, o espaço de domínio e de permanência das relações sociais
existentes ao longo da história. Isso quer dizer que o sertão configurou-se na
relação existente entre o grande latifundiário e o pequeno produtor,
estabelecendo-se uma dependência. O controle da terra e da água tornou-se
elemento constitutivo para pensar o semiárido cearense e nordestino. Em
Santiago del Estero, há o que Alberto Tasso chama de mercado de terra e de
água, como falado. Nesse território, também se formaram vínculos de
dependência em que o camponês santiagueño vive à mercê de quem domina
esses elementos naturais. Daí encontra-se o tema também das migrações,
fossem elas em busca de água, ou mesmo em busca de oportunidades em
outas regiões.
Em outra crônica de Arlt, intitulada “El in erno santiagueño. Ante el avance de
la sequía se ha quebrado el aguante gaucho”, ele dizia:
Nos acercamos a un pueblo. Mi acompañante, don Luis Manzione, me señala lo que él llama
“el suburbio gaucho”. El suburbio gaucho ha sido abandonado por sus pobladores. Las puertas
de los ranchos se han caído, las ventanas desfondadas. Sin temor a exagerar puede afirmarse
que el 70 por ciento del cordón silvestre de los pueblos santiagueños ha emigrado perseguido
por el hambre y la sequía. Los ranchos donde en otros tiempos cultivaban verduras y criaban
gallinas que sus pobladores llevaban a mercar por el pueblo, han sido invadidos por el monte
salvaje. Tres años de ausencia y estos arbustos incomestibles, salitrosos, de talles espinosos y
hojas amargas, han avanzado estúpidamente [...] Así están paralizadas millares y millares de
hectáreas destinadas al cultivo del algodón. La despoblación llega a tal punto que en la zona de
Colonia Dora de 2.000 colonos quedan 400. Y éstos porque no encuentran a quien vender sus
tierras, sus casas, sus máquinas [...] Don Manuel Feijóo es el pastor de quinientos metros de
ranchos abandonados. Nubes de tierra envuelven la iglesia y casa rectoral. Don Manuel
reconsidera el paisaje quemado por el sol, el viento que levanta rojizas nubes de polvo y luego
nos dice: -¡Las cosas se están poniendo malas por aquí! En Lugones ya se está muriendo el
ganado mular, que es el más resistente. ¿Se darán cuenta en la capital de lo que ocurre aquí?
Nos despedimos de don Manuel. Cruzamos por zonas donde mi acompañante dice: – Aquí
cruzaba el Rio Dulce... Aquí cruzaba el Rio Salado... Desierto. Monte672.
Santiago del Estero, 19. – Informaciones que llegan del interior de la provincia dan cuenta que
en Pozo Hondo, Laprida, Nueva Francia, Loreto, Suncho Corral, Villa Nueva y Arriaga la
población carece de lo más elemental, ofreciéndose espectáculos conmovedores, pues
mujeres, hombres y niños emigran en largas caravanas, mientras otros se dedican a pedir
limosna. Continúan los asaltos a los almacenes y negocios siendo esto ya un hecho común
que no llama la atención. La protesta de la población de todos estos pueblos es general, pues
aún no han llegado los auxilios prometidos por las autoridades provinciales y nacionales. En
esta capital hay enorme cantidad de personas que duerme a la intemperie, que han llegado a las
localidades del interior675.
Y para terminar – nos dijo nuestro entrevistado – dejen que les diga que la tragedia del hambre
y de la sed que asola a Santiago, hay convertido a hombres que antes eran honrados
trabajadores en cuatreros capaces de llegar a cualquier extremo para comer. Los pocos vecinos
que por un milagro conservan algunos animales vivos deben guardarlos noche y día, revólver
en mano. “A cada momento se registran robos de animales, aun perros. Todo es bueno para no
morirse de hambre. “En los últimos días de clase, mi escuela dejó de enseñar para convertirse
en comedor. Les daba a los indiocitos cuando tenía, hasta donde mi escaso sueldo permitía.
Algunos vecinos que los supieron, intentaron por dos veces asaltar mi pequeña despensa. Las
dos veces, mi mujer y yo repelimos la agresión asustándolos con tiros al aire. “Esta situación,
cuyo recuerdo perdurará en mí mientras viva, no puede prolongarse ni quince días más. Si la
ayuda llega a tiempo, en Santiago del Estero, junto a la osamenta de los animales muertos,
empezarán a aparecer la de los niños y mujeres...”Griten que hay que llevarles agua y
alimentos. Es inútil esperar lluvias. Y es tarde, Santiago, ni aun en el supuesto caso de que
llovieran 300 milímetros esta misma noche, está muerta por más de un año678.
Pero el espectáculo no era el. Si no una vieja. Sobre una cama de tientos, cruzada de piernas al
modo musulmán, había una vieja bien parecida. La cabeza envuelta en un pañuelo de cuadros,
los ojos ciegos rodeados de nubes de moscas. Mi acompañante habló en quichua con los
ancianos. Entonces la vieja, llorando hablando en su idioma enigmático, toma la mano de mi
amigo y comienza a besársela sollozando. Hablan un rato. Mi acompañante me indica: – Vaya y
mire qué es lo que hierve en ese caldero. Salgado del rancho y me acerco a caldero, del que
sale un hueso descomunal. Es un trozo de pata de caballo, de un caballo que ha muerto de sed.
De un caballo que pertenecía a estos pobres viejos. Miran la magnitud de este drama: Hace tres
años tuvieron 400 ovejas, 23 yeguas y caballos, 8 vacas. La sequía les hay matado las ovejas, las
yeguas y las vacas. La sequía les ha matado el último caballo que tenían. El último caballo con
el cual el viejo iba hasta el pueblo de Herrera a mendigar un poco de agua. ¿ Comprenden la
magnitud de este drama que ellos le explican en quichua a mi acompañante? Si alguien no va a
socorrerles, ellos se morirán de hambre en su rancho. A menos que resuelvan largase a
mendigar a la ventura por los caminos [...] La vieja ciega, con las piernas cruzadas sobre la
cama, retiene por una mano a mi acompañante y llora besándole las manos. El viejo,
desesperado, detenido en la puerta del rancho me mira sobriamente. Y estos viejos no son
mendigos. No son haraganes. Son criadores, es decir, pertenecen a la calidad de hombres de
campo que en número de sesenta mil familias han quedado en Santiago en la más absoluta
indigencia [...] Esta gente, día a día, demora la partida, es decir, la terrible aventura de la
lanzarse al azar por los caminos. Día a día esperanza la ansiadísima lluvia que no llega. Mientras
el último caballo se mantenga en pie, podrán ellos también ampararse en el monte. No
mendigar? De qué viven esos desdichados? 679
O sertanejo não se deslocará de seu meio e, sendo uma energia viva, ao serviço da grandeza
econômica de sua região, deixa apenas os trabalhos da lavoura, pelo impedimento natural da
falta de chuvas, para tomar outros, análogos, orientados pelo governo e custeados com
reservas do governo. Toda a questão está em racionalizar tanto quanto possível os serviços. Era
da moda atribuir à cupidez da política o empenho de disseminar esses serviços […] O problema
das secas deve ser abordado em seu duplo aspecto de combate sistemático e de socorros
emergentes. No combate sistemático falem os técnicos; falem, na construção das obras
permanentes que incube realizar, cada uma dentro das necessidades locais. Quanto aos
socorros emergentes, organizem-se os governos de forma a que, chegada a seca, o trabalhador
que largou a enxada em sua roça a retome mais para o litoral, na abertura de estradas, e na
intensificação das obras de caráter permanente já iniciadas pelo poder público. Assentado o
plano de socorros emergenciais, não haverá necessidade de deslocar o sertanejo de seus estados
para meios que se não adapte, onde as condições do trabalho diferem, onde os salários são mais
altos, sendo também a vida mais cara, e onde o próprio clima o afugenta, agravando-lhe a
lembrança do rincão abandonado e, estimulando-lhe, a cada hora, o desejo de voltar687.
Algumas re exões podem ser feitas a partir dessa fala. De acordo com
Frederico de Castro Neves, no governo Vargas foram criados organismos, de
maioria estatal, para organizar o plano de combate às secas. Em períodos
anteriores, a caridade particular era acionada de maneira sistemática quando a
seca ocorria. Isso aconteceu na seca de 1915, quando doações eram recebidas
tanto das próprias elites do Ceará quanto do Sudeste, em especial do Rio de
Janeiro. Havia o “Circo Flor da Praça”, o “Comitê Central Pro-Flagelados”,
associações comerciais, irmandades religiosas, todos com objetivo de
arrecadar dinheiro em razão da seca. O autor ressalta que tal caridade acabava
por naturalizar a pobreza e, desse modo, reafirmava “princípios de
manutenção da ordem política tradicional e, ao mesmo tempo, a
despolitização do empobrecimento por meio da privatização da assistência
social e/ou sua vinculação aos valores cristãos defendidos pela Igreja
Católica”688.
A mudança se deu, sobretudo, na seca de 1932. O verdadeiro problema dos
sertões era a falta de trabalho para os sertanejos. Nos jornais, saía de cena o
agelado para entrar o que se passou a chamar de “sem-trabalho”. Os jornais
acabavam por categorizar o sertanejo ou como operário ou “sem-trabalho”,
correlacionando a seca diretamente à ausência ou à presença de trabalho nas
obras públicas de combate à seca.
Logo, a escrita de Costa Rego estava inserida nos discursos desse período:
“falem, na construção das obras permanentes que incube realizar, cada uma
dentro das necessidades locais”. Outro ponto importante da sua fala também
fazia parte desse contexto: o discurso dos grandes centros urbanos para com os
sertanejos. Como Costa Rego colocou: “Assentado o plano de socorros
emergenciais, não haverá necessidade de deslocar o sertanejo de seus estados
para meios que se não adapte”. Havia, assim, uma necessidade de racionalizar
e higienizar os espaços e, para isso, era preciso “disciplinar o uxo e segregar
as populações”.
Para o sertanejo, nesse sentido, de acordo com Buriti e Aguiar, não havia
lugar nas capitais dos estados, “daí o fato de terem sido incentivados a
manterem-se nos campos – e as frentes de emergência constituem-se como
uma dessas tentativas – ou, se acaso, ‘invadissem’ as cidades, eram expulsos
para as periferias ou instigados a buscarem outras paragens”689.
Também é percebido na fala de Rego outro ponto: o de que o sertanejo não
se adaptava a qualquer meio. Quando no texto ele dizia de “onde o próprio
clima o afugenta, agravando-lhe a lembrança do rincão abandonado e,
estimulando-lhe, a cada hora, o desejo de voltar”, caía mais uma vez no
discurso do determinismo geográfico e climático. O sertanejo não se adaptaria
tão bem ao clima do litoral, fazendo com que sentisse saudade dos sertões e
desejasse regressar. A ideia de que o lugar do sertanejo era no sertão fez-se
comum para uma elite local que não queria a aglomeração de multidões de
agelados nas capitais.
Kenia Rios destaca que, na seca de 1932, havia a tentativa de consolidar um
discurso do civilizado, para que não se permitisse que os agelados se
tornassem bandidos, e, por isso, era preciso manter corpos e mentes ocupados
no trabalho. Daí a importância de trabalharem nas obras públicas evitando o
ócio e a mendicância. O projeto procurava “disciplinar os retirantes, buscando
ser humanitário e civilizador, ou seja, moderno, em sintonia com o
progresso”690. Quando Costa Rego, na parte final do texto, diz: “Eles sabem
que o que há, congestionamento, não é um surto de mendigos, mas um oferta
excepcional de mão de obra, que urge aproveitar e que é transitória, porque o
sertanejo regressará a seu sertão” reafirma a ideia de que os sertanejos eram
trabalhadores e não mendigos. Era ele, também, uma boa oferta de mão de
obra transitória, já que o sertanejo voltaria para os sertões assim que a
calamidade acabasse – isso atesta, mais uma vez, que o lugar do sertanejo
devia ser em sua terra.
A narrativa em torno da ociosidade, da mendicância e da vagabundagem,
datada desde o período pós-abolição, responsabilizava ainda mais os
indivíduos pelas suas condições sociais preexistentes, ou mesmo por não
conseguirem trabalho, tornando-se vadios, vagabundos e mendigos. Com isso,
era necessário expulsar essa população ociosa dos centros urbanos. Logo, o
discurso do século XIX propunha que a vadiagem era causada pela falta de
trabalho que, consequentemente, arrastaria a população à criminalidade.
Segundo Sidney Chalhoub, toda pessoa ociosa era aquela que “se negava a
pagar sua dívida para comunidade por meio do trabalho honesto”691. De certo
que o discurso do trabalho como mola propulsora do progresso, no contexto
de Getúlio Vargas, tornou-se ainda mais evidente. Era preciso que a população
trabalhasse para que o país progredisse.
Posta a re exão sobre o sertanejo trabalhador e o discurso da literatura
sobre os sertões, é necessário compreender outra visão presente na imprensa:
a que trata a seca como um quadro de horror e de caos – isso relacionado ao
discurso do trabalho. O Correio da Manhã se posicionou também dessa forma,
com reportagens sobre como a partir das secas a multidão de sertanejos
invadia as capitais, gerando um quadro de desordem. O Correio passou a exigir
do Estado uma posição para que isso não ocorresse mais. Nesse sentido, é
preciso re etir sobre a qual público e a qual classe social o discurso do jornal
se dirigia.
Analiso essas falas a partir daquilo que Chartier propunha como apropriação
social dos discursos, levando em consideração as condições e os processos que
fundamentam as operações de produção do sentido. Nesse aspecto, busco
entender que os “bens simbólicos assim como as práticas culturais são sempre
objeto de lutas sociais que têm por risco sua classificação, sua hierarquização,
sua consagração”692. Ou seja, devemos compreender as estratégias discursivas
do Correio como produtoras de objetos, normas e modelos.
Outra reportagem datada de 15 de abril de 1932 falava sobre a visita do
então ministro da Viação e Obras Públicas, José Américo de Almeida, às
regiões ageladas. O trecho dizia:
[…] Os assaltos a trens e povoados já começaram. As notícias choviam umas atrás das outras
narrando o verdadeiro êxodo das populações que marcham para um lugar onde encontre a sua
farinha de mandioca e o seu copo d’água693.
Na reportagem, um dado deve ser destacado; dado este apontado por Neves
em diversos dos seus estudos: a consciência dos sertanejos e do lugar e o poder
de reivindicação que eles poderiam exercer na capital; a pressão que sabiam
que podiam fazer quando migravam para Fortaleza e passavam a exigir das
autoridades assistência e trabalho. Quando o Correio narrava que os ataques às
fazendas e aos povoados se repetiam com frequência, e que os assaltos aos
trens e povoados continuavam, acabava por mostrar uma visão e um discurso
muito comuns entre as elites locais: o medo da ação dos sertanejos, medo das
multidões e das reivindicações.
De acordo com Neves, os sertanejos aprenderam a manifestar-se e suas
reivindicações passaram a alcançar a praça pública para o protesto. Com isso,
negociavam “através da pressão direta, dos pedidos e exigências, dos saques e,
especialmente, da exposição pública de suas misérias, que a seca aguça e dá
visibilidade”694. Era preciso que o governo resolvesse esse problema,
principalmente pelo medo dessas multidões, mantendo os sertanejos em suas
localidades, como mencionado nas análises anteriores.
Nesse aspecto, Chartier expressa o conceito de noção “oblíqua” que significa
entendermos que a cultura do maior número pode apropriar-se de modelos
impostos por poderes ou grupos dominantes “para inscrever aí sua própria
coerência”695. Para o autor, as mídias modernas tentam impor um
condicionamento homogeneizante às culturas populares; no entanto, “não
anulam jamais o espaço próprio de sua recepção, uso e interpretação”696. Daí o
papel do sertanejo que reivindica seu lugar nas capitais por meio dos saques e
das negociações. A imprensa era um espaço em que essas disputas ficavam
claras. Kenia Rios ressalta que “no momento em que a seca é declarada, a
cidade começa a tecer uma rede de relações com as quais se cria um cenário
de terror. Anúncios alarmantes pedem socorros, e comerciantes
amedrontados exigem medidas do governo”697.
O discurso de que o sertanejo, na realidade, era um bom trabalhador, em
consonância com uma narrativa do medo dos saques, das revoltas e da
ociosidade se faz presente novamente, como apontado. Neves explica que,
assim, os sertanejos eram utilizados como mão de obra barata na construção
das obras públicas. Tal ato era justificado, muitas vezes, porque ao dar
trabalho não se estimulariam as esmolas e o ócio. Quando o Correio tomava
para si esses discursos do sertanejo migrante, o relacionando a um quadro de
horror, ou o mostrando como um homem que desejava, em realidade,
trabalhar e não esmolar, buscava transmitir aos seus leitores a ideia de que a
questão principal a ser tratada era como controlar essa população que invadia
as capitais; era ela o cerne da questão. Kênia Rios diz que, assim, apesar dessa
trágica situação, os sertanejos mereciam “a caridade da burguesia
civilizada”698.
É como analisa Chartier: “o escrito é o instrumento de poderes temíveis e
temidos”699. O poder discursivo da imprensa, portanto, é muito importante
para o entendimento em torno dos sertões cearenses. Segundo Kenia Rios, os
jornais de 1932 pediam “em um só coro: trabalho para os agelados,
construção de açudes, estradas e obras na Capital”700.
Rios aponta que, desde 1877, começava a ocorrer o que ela chama de uma
“geografia da imigração”701. A partir da construção da estrada de ferro
Baturité, os sertanejos passavam a migrar para os locais onde as ferrovias
davam-lhes acesso, em busca da capital. A autora afirma que “os burgueses de
Fortaleza em intenso diálogo com os poderes públicos estaduais e federais
desenvolviam planos e práticas que procuravam controlar os agelados e
assim evitar desordens na cidade”702.
Partindo desses mesmos pressupostos sobre o Ceará, o debate em torno do
desemprego em Santiago del Estero e da campanha assistencial realizada pelo
periódico El Mundo, também acende a re exão em torno desse tipo específico
de discurso. Como dito, havia também uma narrativa em torno do
desemprego, bem como ocorreu no caso brasileiro, mesmo que tenha se dado
de maneira distinta. O medo de revoltas, o receio da entrada de um
contingente populacional nas capitais do Brasil e da Argentina, em busca de
emprego ou mesmo de assistência e de ajuda do governo, faziam com que a
imprensa também se posicionasse contra essa situação, com reportagens que
reforçavam cenas de caos e incivilidade.
Cabe uma digressão nesse sentido. De acordo com Bronislaw Geremek:
O interesse da literatura pela personagem do pobre e pelo mundo da miséria vem de longa data
e tem uma vasta documentação. A origem desse fenômeno é bastante complexa e não permite
uma interpretação unívoca. Em épocas diferentes muda a função principal da imagem do
pobre, altera-se a ordem dos valores em que ele está inscrito, modifica-se a avaliação ética e
estética dessa personagem. O pobre pode suscitar desprezo ou admiração, ser sinônimo de
sublime ou de baixeza, provocar compaixão ou escárnio703.
Gemerek está tratando da literatura, mas se pode re etir se esta análise não
se aplica também à forma como os periódicos retratam essa pobreza, essa
miserabilidade dos semiáridos cearenses e santiagueños. O autor
complementa dizendo que, nessas situações distintas, o pobre poderia ser
tratado como mendigo humilde “que encontra na renúncia a satisfação
moral”704 ou mesmo, “por vezes, o pobre é um miserável, vítima das relações
sociais, a quem a necessidade empurrou para práticas infames”705. Vejamos se
essa noção também não se encaixa no que já foi analisado até aqui sobre os
pobres das secas cearenses e santiagueñas.
Dentro desse panorama complexo, ocorreu a crise de 1929 e também a
necessidade de conter o desemprego e a crise econômica, como já analisado.
Na Argentina, as Juntas reguladoras de carne, algodão, açúcar, entre outros
produtos, foram criadas para regulação dos preços e essa intervenção, segundo
Romero, gerou diminuição nas fontes de trabalho no interior, começando a
produzir um grande uxo migratório, como já salientado nas re exões
anteriores706. De acordo com Alberto Tasso, foi nesse contexto que periódicos
passaram também a questionar o governo nacional e o modelo que os
inspirava707. Nesse sentido, em 14 de dezembro de 1937, El Mundo dizia:
El día 8, el diputado Ferreyra le dirige un telegrama al diputado Castro para que haga enviar de
una vez los 20.000 desocupados, que invaden la oficina del ingeniero Michaud. Para dar trabajo
a la gente del campo que se abalanza sobre la ciudad. Un mes para socorrer a la gente que se
muere de sed y todavía la plata está trancada en los acueductos del expediente715.
O grito de socorro que troa aos nossos ouvidos vem de mais alto. Responde das alturas para
que já apelaram, como derradeiro recurso, os desgraçados que sofrem os horrores da fome.
Para D. Manoel da Silva Gomes, arcebispo de Fortaleza, o pedido de misericórdia, em nome de
Deus, para os infelizes brasileiros do nordeste. Desde que começaram os primeiros sinais da
seca, que não enganam os sertanejos, o povo heroico e sofredor pediu a assistência, a quem
tem direito, por parte dos poderes constituídos. Pediu trabalho. Trabalho e não esmolas.
Trabalho que redime, prove e nobilita. E o trabalho não lhe foi dado. O apelo dos humildes
não teve eco. Nem sequer uma palavra de esperança lhe mandaram...720
Assim, a imprensa e os cristãos tomavam para si, muitas vezes unidos, uma
postura em relação à seca. Sérgio Miceli aponta que,, nos anos 1930 há um
“‘rearmamento’ institucional da Igreja Católica”721 que unida ao Estado e aos
principais órgãos de imprensa estavam “interessados em impor suas diretrizes
à produção cultural”722. Por isso, a questão da moralidade nos sertões, na vida
e nos hábitos dos sertanejos teve também ampla colaboração da Igreja
Católica.
Como analisa Helena Mueller, “a religião – melhor dizendo a Igreja, seu
braço institucional – tem importância significativa nessa disciplinarização das
tensões sociais”723. Logo, não era por meio da esmola, mas pela moral do
trabalho que o sertanejo sairia do estado de penúria. O sertanejo pedia
trabalho, porque é ele que “prove, redime e nobilita”. E só os céus, como se
percebe no Correio, somente a misericórdia divina e a ajuda de um pedido que
“responde das alturas” – como o do arcebispo D. Manoel da Silva Gomes –
poderia fazer com que os sertanejos fossem ouvidos.
Kenia Rios afirma que a caridade cristã católica procurava manter a ordem
social de uma cidade que se pretendia civilizada. Segundo a autora, “tudo
indica que o grupo dos católicos mais conservadores era um significativo
referencial de civilização que os ricos de Fortaleza buscavam naquele
momento: o controle dos retirantes, realizado por meio de práticas
humanitárias e religiosas”724.
Um exemplo importante é que na seca de 1915 Pompeu Sobrinho relatava,
por exemplo, que o êxodo e as aglomerações atraíam curiosos: “[…]
promiscuidade e imundície aos olhos de milhares de espectadores e também
de exploradores da miséria”725. A chegada do primeiro trem de famintos
enchia a cidade de pedintes “nus, maltrapilhos, com os ventres
entumecidos”726, atraindo o que ele chama de “compaixão dos que lhes não
sentiam imediatamente os males. Esmolas e abastecimentos de gêneros
alimentícios eram os recursos mais prontos, naturais e conhecidos dos
governos e autoridades eclesiásticas”727. Contudo, a ineficiência desse “método
rudimentar”, numa distribuição que Sobrinho chama de “viciosa de esmolas”,
com construções empreendidas por leigos para ajuda da população sertaneja,
não oferecia condições para tal empreitada. A caridade cristã era acionada em
maior número nas secas anteriores a 1932.
Miceli mostra que, no contexto do início dos anos 1920, a Igreja Católica
projeta ampliar sua zona de in uência política “através da criação de
organizações paralelas à hierarquia eclesiástica e geridas por intelectuais
leigos […] Ao mesmo tempo que procuravam reformar as obras tradicionais
de caridade e as associações leigas”728. A caridade associava-se aos interesses
da própria Igreja Católica em manter relações com uma elite citadina de
Fortaleza, ao passo que era uma forma de controle dessas massas sertanejas.
Essa questão deve ser apontada, considerando-se que não deseja-se aprofundar
a temática, porque faz parte da teia de relações sociais que permeiam os
sertões. A Igreja Católica sempre se fez presente nesse sentido, arrecadando
fundos, recebendo alimentos, conduzindo a moralidade cristã729 na vida da
população sertaneja. Esse paralelo nos remete ao caso da Argentina, onde
houve uma campanha assistencial realizada pelo jornal El Mundo e por
associações filantrópicas para arrecadação de donativos para os atingidos pela
seca santiagueña. Desse modo, apesar de não ter havido pelo Correio iniciativa
semelhante, a atuação da Igreja Católica era muito presente, entre outros
meios, nos sertões cearenses e no próprio contexto da década de 1930 no
Brasil.
No entanto, com a campanha assistencial vinda de Buenos Aires e noticiada
e promovida pelo periódico El Mundo, esse lugar da capital argentina em
relação ao resto do país estava sendo posto em prática, por meio de uma ação
filantrópica. Esse ponto é diferencial do caso brasileiro, pelo menos no que
tange à comparação com o Correio da Manhã. El Mundo fez uma ampla
campanha assistencial para a população atingida pela seca santiagueña.
Diversas notas apontavam os beneficiadores e pediam ajuda de Buenos Aires
para a seca de Santiago del Estero. O Correio da Manhã não agiu dessa forma,
mas nos cabe apresentar um panorama acerca do porquê dessa ação do jornal
El Mundo. Afinal, isso re ete uma visão sobre a Argentina naquele contexto
histórico e é parte importante sobre a seca santiagueña. Não cabe um
aprofundamento em relação ao tema da ação filantrópica na Argentina, mas
iremos mostrá-lo aqui como uma questão importante na relação entre uma
visão do centro de poder e as províncias mais pobres, muito relacionada a um
viés assistencial.
Nesse sentido, Alberto Tasso afirma que no periódico saíram notas que
davam conta das numerosas pessoas, instituições, empresários da indústria e
doadores anônimos que contribuíram para Santiago del Estero em meio à
campanha assistencial divulgada e promovida pelo jornal. O círculo de Damas
Santiagueñas, a Cruz Vermelha e a Junta Nacional para Combatir la Desocupación
foram as três maiores frentes de ajuda a Santiago del Estero em conjunto com
El Mundo.
De acordo com Cecilia Tossounian, apesar de nos anos 1930 a ação das
associações filantrópicas ter diminuído elas não cessaram e continuaram
atuando na Argentina em diversas frentes. A autora coloca que, entre os anos
1920 e 1940, subsidiadas pelo Estado, associações lideradas por damas da elite
promoveram importantes serviços de assistência social e tiveram uma forte
atuação nas políticas sociais730. Nesse aspecto, pode-se pensar também como o
Círculo de Damas Santiagueñas esteve à frente da recepção dos donativos para
Santiago del Estero junto com a Cruz Vermelha; era a união da ação do
particular com o público. Em 11 de dezembro, a reportagem intitulada
“Necesita de amplia ayuda Santiago del Estero pues no bastan las lluvias para
salvarlo. Intensi canse las gestiones en favor de los pobladores”, dizia:
[...] Por ello, las numerosas gestiones que vienen realizándose para dar ayuda a los habitantes
de Santiago del Estero deben contemplar no sólo la inmediata necesidad de alimentos y
recursos, sino que han de orientarse en el sentido de asegurar durante un largo tiempo la
subsistencia de los habitantes de aquella provincia. Los dirigentes de las distintas colectas y
gestiones en favor de los santiagueños, con quienes hemos conversado, nos han asegurado que
hacia ese fin se orientará la labor definitiva, aun cuando todos sus esfuerzos del momento
están encaminados a remitir artículos alimenticios y remedios a la mayor brevedad posible731.
Logo, o jornal fazia uma campanha para “salvar” a população atingida pela
seca. Os dirigentes em favor dos santiagueños asseguravam que todos os
esforços estavam sendo encaminhados para o envio de alimentos e remédios o
mais rápido possível para a província. A ação privada, então, tinha uma
função de cooperação732, o que nos faz entender a campanha do jornal em
conjunto com as instituições privadas, como é o caso do Círculo de Damas
Santiagueñas. El Mundo colocava em duas notas:
Por su parte el Circulo de Damas Santiagueñas de la Confederación de Beneficencia de la
República Argentina que tiene iniciada una colecta a favor de las víctimas de la sequía en esa
provincia ha continuado recibiendo adhesiones a la misma esperando poder realizar en plazo
breve el envío de socorros. Mientras tanto en su sede de la calle Ayacucho 1122, se siguen
recibiendo donaciones con ese destino733.
Conversamos ayer con la señora María Salomé Molina de Cordero presidenta del Círculo de
Damas Santiagueñas de la Confederación Nacional de Beneficencia, quien nos ha manifestado
que se halla en plena actividad la colecta que esa entidad realiza. “Ya hemos enviado – agregó la
señora de Cordero – mil pesos al señor obispo de Santiago del Estero, para que él que tiene
contacto directo con los afectados por la sequía, proceda a distribuirlos entre los más
necesitados734.
Durante el día de ayer las gestiones que se realizan en favor de los pobladores de Santiago del
Estero han tenido un ritmo más acelerado que en los días anteriores. Tanto la Junta Nacional
contra la Desocupación, como la Junta de Socorro al Poblador de Santiago del Estero, el
Círculo de Damas Santiagueñas de la Confederación Nacional de Beneficencia, así como las
demás entidades que tratan de contribuir a solucionar la situación de los pobladores
santiagueños prosiguieron sus gestiones habiéndose adelantado considerablemente en la
organización de los socorros. Comenzaron también ayer a concretarse los aportes de casas
comerciales, empleados de reparticiones y particulares, quienes han hecho llegar a los tres
organismos mencionados víveres y dinero o llevado a su conocimiento que realizan colectas
parciales738.
Todo enunciado – desde a breve réplica […] até o romance ou o tratado científico – comporta
um começo absoluto e um fim absoluto […] O locutor termina seu enunciado para passar a
palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro. O enunciado não
é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância
dos sujeitos falantes […]749.
[…] quase nunca reservou para um quadro de privilégio as paisagens do semiárido nordestino.
Isso talvez, porque elas não corroborassem as representações do verde, como o que figura em
nossa bandeira, tão caras, no Império, ao “nacionalismo orestal” de um José Bonifácio de
Andrada e Silva, ou, mais tarde, na República, ao patriotismo naturalista de propaganda de um
conde republicano como Afonso Celso793.
Também é importante não deixar de lado o fato de que existe uma grande
desigualdade social no semiárido que não é ocasionada pelo fenômeno das
estiagens, e sim pelas relações com um latifúndio imperante, com as redes
patriarcais que perpassam a história dos sertões. Na década de 1930, com o
governo de Getúlio Vargas, apesar de tratar aqui do governo provisório, há
nesse momento a tentativa de um Estado centralizado. Por meio dos
interventores estaduais, Vargas buscou entrar nesses territórios mais distantes
que viviam sob o jugo das relações patriarcais e coronelistas. Essa intervenção
sobre todo o território passa a ocorrer, mas a relação com o coronelismo794 não
foi rompida. Esse quadro de dependência que o latifúndio opera sobre o
pequeno produtor sertanejo é o que legitima as diferenças sociais latentes, a
pobreza, e a miserabilidade de uma parte dos sertões.
No entanto, a fome, ao ser vista e narrada como um espetáculo teatralizado,
põe em questão o mesmo problema de um olhar do litoral, ou das capitais
nacionais, sobre os semiáridos: sertão sinônimo de atraso,
subdesenvolvimento, ausência do progresso, permeados pelo discurso do
avanço do capitalismo sobre o campo. E foi esse olhar que atestou a entrada na
suposta modernidade para superação da incivilidade. Legitimava, também,
políticas públicas paliativas que, por vezes, não mudaram a estrutura de
dependência política e econômica que acomete essas áreas.
Nesse panorama, o que é encontrado com maior ênfase é o discurso da
miserabilidade:
Enquanto a miseria lavra como um incendio as nossas terras agelando as nossas gentes, eles,
lá, os que estão assistindo a este espetáculo dantesco, mantêm-se indiferentes às nossas
suplicas e à nossa sorte795.
E a nossa pobre terra, – a Terra de Iracema. Entoa tristemente o seu triste poema. De miserias
e dores. Meio dia. O Sol a pino, os raios chamejantes. Dardeja sobre a terra, horriveis,
escaldantes, com barbaro furor. Deudeja o vento, alem na despida oresta. Onde outrora
entoava a passarada em festa, seus trinados de amor. Nas vastas áreas dos torridos sertões
rodopia a soalheira em negro aluviões pela campina adusta. E o sol é um azorrague […] que
atira vergastadas de fogo à terra que delira e agonisa combusta [...] É bem negra e cruel essa
calamidade que às vezes, sobre nós, como a Fatalidade, pesa, com tais horrores! E a nossa pobre
terra, – a Terra de Iracema, entoa tristemente o seu triste poema de miserias e dores!796
A cada passo tropeçando nas escarpas do calvario da miseria o Ceará vai rastejando um caminho
alastrado […], e o ponto final de sua ma adada jornada será bem lugubre, talvez fatal. Pobre
terra para quem o destino tem determinismo tão rude, tão fatídico […] O Ceará fora, talvez,
um paraiso se a calamidade climatica, de perto em perto, não lhe visitasse com o seu sequito
sinistro de miseria e pernice. Desgraçadamente, entretanto, a Terra de Iracema tem a sua “asa
negra”!797
En la División, Sayago hizo un relato impresionante. Confesó que había robado por primera
vez en su vida porque se hallaba sin trabajo y sus hijos, todos chicos sufrían hambre798.
Este llamado de auxilio lo hacemos extensivo en especial a nuestro gobernador, de quien
esperamos una urgente ayuda para salvar a numerosas familias seriamente amenazadas de un
terrible mal, el hambre799.
¿Cual ha sido el resultado inmediato de la campaña rorista de la prensa? El que muchas casas de
comercio de la Capital Federal hayan cancelado sus compromisos con comercios [...] en tal
forma que hoy se considera a Santiago del Estero como una provincia paupérrima con la que
no vale la pena de comerciar por la sencilla razón de que no se puede en un pueblo en el que la
gente se muere literalmente de hambre. ¿Las declaraciones del gobernador doctor Pio
Montenegro constituyen una patriótica reacción contra la leyenda de nuestra miseria? ¿Vale,
acaso, la pena de trocar nuestro concepto de pueblo rico y trabajador que hemos[...] hasta
ahora, por un plato de lentejas? 800
Há duas falas distintas que nos cabe analisar criteriosamente, porque são
distintas e apresentam pontos de similitude com o caso brasileiro. Ao mesmo
tempo em que há o primeiro fragmento que descreve a história de um pai que
passou a roubar porque os filhos estavam sofrendo de fome e o segundo que
pedia ajuda ao governo para salvar famílias que estavam ameaçadas desse
“terrível mal”, há o terceiro trecho que aponta que a imprensa exagerava em
relação às notícias da seca, o que levou os comerciantes da capital federal a
cancelarem acordos com Santiago. A província não merecia esse estigma e
muito menos necessitava de esmolas. A reportagem passava a se perguntar, o
que ganhavam certos discursos quando enfatizavam que a população de
Santiago morria literalmente de fome? Cabia mesmo trocar a concepção de
uma população rica e trabalhadora por um prato de lentilha? Nesse sentido,
devemos re etir também a partir desses trechos, sobre essas ambiguidades
discursivas que acabam legitimando poderes.
Em primeiro lugar, analisemos os dois fragmentos em que a narrativa da
fome aparece de maneira mais alarmante. É possível pensar que ela está
atrelada a uma visão de pobreza e pode nos fazer remeter à ausência de uma
re exão sobre as potencialidades possíveis da própria zona santiagueña.
Evidentemente, em meio a uma calamidade o que é ressaltado nos discursos
são os sofrimentos inerentes a ela. Mas até que ponto esses olhares não se
perpetuam e geram ausências de políticas públicas efetivas para essas áreas?
Podemos pensar do mesmo modo para o caso do Brasil nos discursos que
analisei acima e nos demais que re etiremos a seguir.
Cintia Zirino aponta que o imaginário nacional Santiago del Estero
representa condições de pobreza e marginalidade devido ao seu espaço
geográfico e às características ambientais que não são favorecidas pela
abundância de água801. Porém, ressalta que a província é composta de uma
vegetação mais pobre e outra de grandes potencialidades.
Vale uma menção nesse sentido, Alejandro Gacendo, na Memoria Descriptiva
de la Provincia de Santiago del Estero, datada do século XIX, apresentava a
geografia da província. Apesar de ser uma escrita voltada para uma
notoriedade em relação a Santiago, ele explica detalhadamente áreas
existentes dentro do território. Houve, nesse contexto, a proposta do
Departamento de Agricultura para que se publicassem informes ou descrições
dos produtos naturais e elaborados pelas províncias, para que se estimulassem
estudos para o fomento da imigração e da indústria nas diversas regiões. Com
isso, foram abertos concursos para que as províncias elegessem quem
escreveria, do ponto de vista agrícola e industrial, a redação das Memórias
descritivas.
Assim, nesse contexto, Alejandro Gancedo, agrimensor e professor do
Colegio Nacional, redigiu as Memórias. Dizia ele, em trecho deste documento,
que havia uma parte de semibosques formados por arbustos espinhosos e
raquíticos, com a água bastante escassa. Na parte sul da serra de Guasayan,
tinha vales com uma boa vegetação. As Serras de Sumampa e Ambargasta
eram prolongamentos das serras de Córdoba. Havia uma serra que corria
pouca água que era usada para o gado, contendo abundantes pastos. Existiam,
ainda, vales que formavam serras que continham uma capa de terra vegetal
onde se plantavam cereais, legumes e alfafa para o gado. Entre os rios Salado e
Dulce alternava-se o bosque comum de quebrachos, algarrobos, mistoles, brea e
campos de pasteaderos e jumilaes. Na banda oriental e ocidental do rio Salado,
havia campos que o autor dizia serem dignos de serem notados porque eram
propícios para o gado. Às margens do Rio Dulce, predominavam os melhores
pastos para o gado vacuno. No solo, em geral, prosperavam muito bem uva,
cana-de-açúcar, trigo, milho, arroz e outros vegetais, classificando, assim,
como bom o tipo de terreno da província santiagueña. Ainda existia uma
colheita abundante de milho e trigo nas costas dos rios Dulce e Salado e um
bom tipo de arroz802.
De acordo com Zirino, ainda podemos destacar uma área “forestal ganadera
de cría, agrícola secano y orestal, agrícola seco y ganadera de cría, minera y ganadera
caprina, agrícola de riego, ganadera caprina y lanar, ganadera de cría y de lechera”803.
Segundo a autora, é possível encontrar: “[…] El jume junto al tártago […] para
obtener una especie de jabón”804. A algarroba, que no Brasil chama-se alfarroba,
rica em vitaminas e em propriedades nutritivas para saúde, é caracterizada
em Santiago “como el alimento de los pobres, es un árbol que en sus vainas contiene
una sustancia carnosa y granos […] el mistol, que es una fruta pequeña de color rojizo
[…] su sabor es dulce […] complementa a dieta campesina para valiar la
alimentación. El chañar, proporciona una fruta símil a la aceituna […]805.
Desejo evidenciar, com esse panorama, que a convivência com o semiárido
foi possível na história dessas áreas e que, do mesmo modo que no Ceará, é
possível uma dieta qualitativa na vida da população santiagueña. Assim, em
Santiago del Estero também existe – dentro da lógica local – uma geografia
onde a população pode viver sem o estigma da fome e da miséria. Por que,
então, essas regiões continuam a viver à margem do sistema dentro dos seus
países?
Por outro lado, quando o jornal ressaltava que havia exageros na narrativa
da miserabilidade de Santiago, podemos supor elites locais que tinham medo
de não receberem investimentos dos comerciantes da capital federal, o que
prejudicaria principalmente os poderes dirigentes. Aqui, por conseguinte,
quando se tratava de não rotular a região em relação à pobreza, ligava-se tal
fato mais ao sentimento de uma classe dirigente local que dependia dessas
relações financeiras com Buenos Aires, do que necessariamente porque a
população mais pobre não “merecia” esse estigma, ou estava morrendo de
fome e sede.
Como salientado, os dois tipos de narrativa – tanto a que enfatizava a fome,
quanto a que queria diminuir esse tipo de olhar sobre Santiago del Estero –
não colocavam em xeque as questões que estão para além dos episódios da
seca e que não apenas politicamente, mas simbolicamente oprimem e
reafirmam determinismos que perpassam a história desses territórios.
Assim, escreveu Bernardo Canal Feijóo dizendo que para além dos Pampas
existia a região Norte, das grandes selvas, das montanhas, “pero la impresión
nal es que las letras argentinas, lo mismo que ‘la civilización’, se han apoderado de las
pampas mejor que de las selvas y montañas”806. Sendo claro que havia uma
“división del trabajo de la emoción geográ ca en la función intelectual del país”807. E
essa selva e esse bosque esquecidos por Buenos Aires apareciam ainda mais
evidentes dentro dessa lógica do esquecimento em períodos de seca, já que a
mesma reverbera tanto na cidade como no campo. Nesse sentido, sobre a
miséria enquanto fator discursivo, também encontramos algumas reportagens
no periódico La Hora que objetivamos problematizar:
La nota dice que bien es cierto el P.E se apresuró importante suma para realización de obras de
extensión de la miseria y la continuación de recursos son insuficientes y, además, solo llegan
las próximas a las estaciones de ferrocarril y las de comunicación….Termina dicha nota
recordando que en tiempos casi normales, cuando el general Justo visitó la provincia, pudo ver
miseria en que vivían las criaturas, pudiéndose en idea exacta de lo que sucederá ahora808.
Se han reunido los pequeños agricultores de las zonas del Zanjón, Maquito, Yanda y La Vuelta,
a fin de llevar por medio de las columnas de la prensa local, y como anticipado y en vista que
en estos lugares no ha llovido y signe siendo víctima por la gran sequía y la miseria reinante
que es del dominio público809.
Reconociendo pues se vive un momento angustioso [...] numerosas familias obreras se ven en
la más completa miseria, sin tener medios de movilidad, por haberse quedado a pié sin
disponer de un solo animalito en que levantar el apero a fin de buscar la vida810.
O Ministro da Viação forneceu uma nota à imprensa, explicando na mesma qual foi o criterio
adotado para o deslocamento dos agelados. O ministro José Americo está em desacordo com
o deslocamento para S.Paulo, mais deante das grandes aglomerações que estão se
concentrando, em procura de trabalho, concordou, finalmente, na transferencia de mil
famintos para S.Paulo, com fim mesmo de evitar um surto epidemico. O Ministro da Viação
estabeleceu que até dois anos o Estado terá obrigação de promover o regresso daqueles que
não quiserem permanecer em S.Paulo […]822
O exodo macabro
Rio, 13 – O dr. José Americo, ministro da Viação, telegrafou ao interventor do Ceará
comunicado que o vapor “Itapagé” demorará em Fortaleza durante tres dias para receber 140
agelados destinados a São Paulo823.
Una persona que con motivo del levantamiento del censo ganadero reciente, ha tenido
ocasión de andar por un departamento del Noreste de la provincia, nos ha referido en una
conversación de las que habitualmente se hace para cambiar datos, que ha podido notar la
despoblación en esa zona, pudiendo decir que la mayoría de los ranchos y casa se hallan
abandonados. No hace mucho comentamos también el caso de agricultores que han tenido
que desamparar la zona de cerca de Colonia Dora, debido al fracaso de las cosechas, lo cual
unido a la falta de organización de un sistema conveniente de estímulo para los trabajadores de
la tierra, los había llevado a verse en el más completo desamparo y por tanto forzados a
defender la propia vida con la inmigración a otros puntos menos hostiles [...]
En efecto, quiere decir que la sequía prolongada en algunas zonas ha vencido la tradicional
resistencia del criollo para con las condiciones desfavorables del medio ambiente. Y eso es
grave. Donde el criollo no puede vivir de la ganadería, para la cual se necesita nada más que el
agua como elemento indispensable, entonces será imposible radicar otra población sin acudir a
la ejecución de obras costosas [...] Nuestra población comenzará a llevar una vida nómade
primero en su propia tierra y luego, quien sabe, tal vez tendrá que irse definitivamente donde
no se le ofrezca el abandono como única perspectiva y la falta de solidaridad social como efecto
del egoísmo y de la incomprensión843.
Noticias llegadas de Colonia Dora expresan que debido a la sequía y a la escasez de agua del
canal que deriva del Salado, se ha producido en esa zona un éxodo de agricultores corridos por
el fracaso en que los ha sumido la naturaleza aunada en esa tarea perjudicial [...] Esos
agricultores en éxodo debieron ser ayudados en alguna forma por los poderes públicos para
que rehagan su suerte en esta misma zona a la que han consagrado sus esfuerzos en una forma
que sin culpa de ello ha resultado estéril. Quizá la experiencia les haya aleccionado en forma
fecunda. Pero es esa la consecuencia de la falta de solidaridad844.
Buenos Aires, 27 – En la presidencia de la Nación se ha recibido una nota de los vecinos de
Villa Robles, en la que en nombre del comercio y la industria agrícola ganadera solicitan la
realización de trabajos en la zona, para socorrer a los numerosos pobladores perjudicados por la
sequía. Agrega la nota que el éxodo de familias hacia lugares más beneficiados por la naturaleza
es constante y amenaza con dejar despoblado un extenso territorio845.
Tal como a Memoria escrita por Gancedo, este documento tinha por
finalidade promover a região de Santiago, para que, assim, conseguissem
atrair capital para a província. Com isso, ele expunha os costumes, os recursos
naturais, informava sobre a população e sobre o comércio. Pensando neste
aspecto, observa-se aqui que o discurso de uma população que historicamente
emigra, mas é apegada a sua terra já existia em Santiago desde o século XIX. A
tradição de uma população migrante pode ser pensada como um discurso
legitimador da ordem.
Podemos analisar, ainda referindo-se ao trecho citado, a eterna vontade de
regressar que tinha esse migrante santiagueño, e no período de colheita ele
regressava, pois sentia saudade de sua terra natal. Porém, migrar era como
uma “condição inata” e o “bom homem” investia toda sua economia de um
ano de trabalho na compra de um rebanho de éguas e iniciava sua jornada
levando seu pequeno capital. Fazio ainda narrava que o fato de esse homem
mudar para outra província correspondia à conservação de um costume, um
certo espírito de aventura que é encontrado no caráter moral dos
santiaguenõs.
Evidenciava-se um discurso que via a população de Santiago como
naturalmente imigrante, estando no caráter aventureiro da população e,
consequentemente, eram mão de obra para outras províncias. Ainda nesta
Memória Descriptiva, Fazio dizia que seu livro foi escrito em favor da causa de
Santiago aos centros da propaganda nacional, tão necessária para uma
província com a qual a natureza foi pródiga e o homem ávido por possuir
riquezas849. Ou seja, se desejava mostrar quem era essa população
santiagueña, como forma de considerá-la como propícia e importante no todo
nacional. Assim, o ser migrante, nesta fala, não era uma imagem negativa,
mas sim positiva da região.
É válido uma digressão sobre a historicidade dessas migrações como um
todo. Alberto Tasso e Calos Zurita analisam que os censos argentinos não
conseguem mensurar precisamente muitas das migrações da população de
Santiago del Estero. Isso porque existem as referentes aqueles que transladam
a outras províncias para as colheitas de milho, por exemplo, e porque há os
que migram dentro da própria província, sem atravessar as fronteiras. Esse
grupo, essa força de trabalho estacional, que por séculos existe na região, é
quase invisível. Os autores então problematizam essa naturalização do que
eles chamam de “viaje migratorio” dos santiagueños. Para eles, abandonar essa
impressão permite captar as dimensões econômicas, sociais e políticas de
Santiago. É um fenômeno que os mesmos classificam como de longa duração
na história Argentina850. Nesse aspecto, encontramos a similitude com o caso
brasileiro, destacando e percebendo suas singularidades próprias no processo
migratório.
Floreal Forni, Roberto Benencia e Guilhermo Neiman apontam que ao
longo da história a província é conhecida como “expulsadora de población851”.
Ressaltam que dois eram os condicionantes para que, desde o começo do
século XIX, essa “característica” existisse: as razões ecológicas e o modelo de
desenvolvimento que se impusera a partir do domínio imposto desde Buenos
Aires. Parto da premissa do modelo econômico para justificar as migrações e
não o da natureza como problema. Segundo os autores, os viajantes ingleses
também já relatavam a mobilidade dos trabalhadores santiagueños no século
XVIII. Tasso exemplifica que chefes militares conduziram, por volta de 1920,
as comunidades indígenas de Formosa e Chaco aos engenhos de Salta e
Tucuman. Qual era a configuração social e política que atestaria essas
migrações?
Tasso e Zurita explicam que por trás dessa pressão da migração há uma
história de “disciplinamento imperial”852. O que ocorria era que a instituição
incaica da chamada “mita” foi adotada pela economia espanhola como um
meio de dispor de força de trabalho no contexto colonial. A mita estabelecia
que um homem de 15 a 50 anos estava obrigado a durante certo tempo do ano
prestar serviços indicados pelo Estado. Unido a isso, o governo colonial
estabeleceu a “encomienda”, instituição de vassalagem. Os autores colocam
que essa ordem estamental e essa transformação formal das identidades não
foi suficiente para apagar a distância cultural e a forte marca da
subalternidade, dada pela aculturação e violência prolongadas que ela
implicava853 e isso perpassou a história da região santiagueña.
Outro fator importante que faz parte dessa lógica de dependências está
atrelado à base econômica “agrícola”, complementando, assim, as re exões
de Tasso e Zurita sobre a origem mesma de um sistema que vem desde uma
marca do período colonial. Falo do fato de que Santiago del Estero foi
conhecida historicamente pela coleta de frutos silvestres e dentro dela há
também relações sociais estruturantes fundamentais para o entendimento da
região.
Desde os tempos pré-hispânicos até fins do século XIX, o monte chaqueño
soube viver de uma economia baseada em “recursos compartidos”854, como nos
mostram as re exões de Judith Farberman. A autora salienta que a tradicional
coleta de mel, frutos e “plantas tintóreas” somou-se ao incentivo da
mercantilização do mel, da cera e da “cochinilla”, típicos da cultura nativa.
Teria sido com a entrada do que ela chama “arrasadora ‘del obraje’” que se
sepultou todo um mundo de relações entre a sociedade e a natureza que por
séculos contribuiu para a reprodução material das comunidades campesinas
santiagueñas. Farberman deixa evidente a importância desses recursos
silvestres e dessa coleta na produção indígena e campesina e no calendário das
famílias rurais. Nessa trama, o que existiam eram as relações de serviço
pessoal, a própria cultura indígena e a figura do agregado. Todas marcaram as
diferentes formas de laços de dependência em longo prazo nessa região. Junto
a isso somava-se, portanto, o recurso das migrações temporárias – que se
tornou, segundo a autora, uma estratégia importante ao longo dos séculos.
Em conjunto com essa configuração social, existiam as mudanças climáticas,
que condicionavam a oferta dos recursos e mostravam as estratégias adotadas
pela população santiagueña para sobreviver855.
Posteriormente e até mesmo concomitante a essa atividade, existia em
Santiago a exploração orestal do quebracho e de bosques que detinham
grande número de madeiras. A partir delas surgiram as redes ferroviárias e os
centros urbanos, como apontam Forni, Benencia e Neiman, e eram, segundo
os autores, atividades puramente extrativistas e que levavam a uma baixa
qualidade de vida.
Em um dado momento, de acordo com Guillermo Banzato e María Cecilia
Rossi, essas explorações entraram em colapso, o que levou a um uxo de
retirada da população. Isso se deu porque, em meados de 1850, o processo de
vinculação ao capitalismo e as políticas de modernização em Santiago del
Estero operaram como um divisor de águas que reorientou a importância dos
territórios fronteiriços do rio Salado do Norte ao assinar o valor de mercado
ao principal recurso econômico que tinha a fronteira: as madeiras de seus
bosques856. Havia ainda a atividade ganadeira extensiva em minifúndios que
passavam a existir em conjunto com essa atividade orestal. O gado vacuno, o
milho, o algodão e a alfafa eram também outras atividades produtivas
agrícolas da região857, como já salientado.
Forni, Benencia e Neiman explicam que a história da Argentina moderna
decorreu de dois processos: a colonização espanhola que teve como epicentro
o Noroeste, com uma importante participação da população indígena com
experiência agrícola, sendo Santiago del Estero um dos mais nítidos exemplos
desse processo. E o segundo grande movimento populacional originou-se em
finais do século XIX, ao redor de Buenos Aires e da região Pampeana, e
implicou a incorporação de uma numerosa imigração europeia. Foi nessa
conjuntura, portanto, que na região Noroeste a província de Tucumán passou
a incorporar a mão de obra santiagueña na colheita de cana-de-açúcar e o
Chaco na de algodão. A população santiagueña passava a ser reconhecida
como uma mão de obra não qualificada para regiões mais desenvolvidas do
país, justificando uma conduta demográfica migratória858.
Dando um panorama mais geral sobre Santiago del Estero, Tasso e Zurita
também nos mostram que o cenário das comunidades rurais as quais
pertenciam esses trabalhadores (e ainda pertencem) constituem um local
clássico onde a ruralidade, a pobreza, a migração estacional e a exploração
operam como fatores estruturais. Como exemplo, citam as microrregiões de
Santiago del Estero como Atamisqui, Loreto, San Martín e Figueroa que
protagonizaram o ciclo orestal (1880-1960) e algodoeiro (1920-1980) e detém
altos índices de pobreza. Os autores apontam que sobrevivem – até os dias
atuais – as mesmas relações de dominação que ele chama “el patronazgo y al
peonazgo, unidos por el lazo clientelar” nessas áreas859. Essas relações são
importantes também para o entendimento das migrações em 1937, porque
são elas que estabelecem as desigualdades inerentes às comunidades
santiagueñas ao longo da história.
A partir dos aspectos destacados, pode-se mencionar a análise de José
Andrés Rivas quando re ete sobre a história do livro Skunko de Jorge
Washigton Ábalos860, um educador que viveu em Santiago del Estero entre
1934 e 1942. Ela complementa as re exões sobre essa configuração social
santiagueña que teria levado às migrações (tirando apenas da natureza o
problema das retiradas). Rivas preocupa-se, em seu artigo, em explicar como
na obra de Ábalos se pode entender o contexto provincial santiagueño na
década de 1930. Não tratarei aqui da obra de Ábalos, mas ela se insere e
aponta dentro das análises de Rivas as relações sociais que interessa-me como
ponto-chave para o entendimento das migrações e da própria desigualdade
regional que se estabelece independente das secas santiagueñas, ou mesmo da
natureza semiárida.
Rivas afirma que a crise de 1929 repercutiu com mais força nas áreas do
Noroeste argentino. A incapacidade para manejar as condições de irrigação, o
endividamento dos proprietários, o aumento dos custos ferroviários, foram
fatores decisivos desse contexto. Assim, diminuiu-se a produção agrícola e a
quantidade de hectares por habitante861. O problema mais evidente, como já
assinalado, na estrutura socioeconômica da província, era justamente a
devastação da atividade orestal. Essa atividade alterava as relações
campesinas, como aponta Rivas, porque deslocava os trabalhadores para o
interior dessa “Obraje”, e as atividades pastorais e agrícolas ficavam nas mãos
de mulheres e crianças. Somava-se a isso, portanto, a tradicional imigração de
populações rurais fora dos limites de Santiago del Estero, a maioria
temporárias, mas de longo período, e essas ausências geravam rompimentos
na vida familiar local e desestruturavam a organização agrícola. Os destinos
dessas migrações eram, segundo o autor, Buenos Aires, Córdoba e Rosário ou
províncias vizinhas como salientado: Chaco e Tucumán862.
Tasso e Zurita apontam que existem referências de migrações desde 1770 e
se mantiveram como uma prática presente durante os séculos XIX e XX. Para
os autores, o ciclo capitalista iniciado em 1870-80 provocou mudanças nos
itinerários dos primeiros engenhos de açúcar, no tipo de produção e nos
ofícios. Depois, quando chegou a ferrovia a Tucumán em 1876, foram
instalados os primeiros engenhos açucareiros movidos a vapor. Ao mesmo
tempo, surgiam os “‘obrajes’ forestales” dedicados à extração de madeira para a
via-férrea, extração de lenha e carvão, como apontado brevemente. Até 1920,
difunde-se o cultivo de algodão, especialmente no Chaco e em Santiago del
Estero. Foram, nesse sentido, essas atividades agroindustriais que
mobilizaram os milhares de santiagueños durante várias gerações: “macheteros
de la caña de azúcar, hacheros en el obraje forestal, cosecheros de capullos de
algodón”863. O engenho, “el obraje” e o algodão representavam organizações
semelhantes, com mecanismos de controle próprios de uma “economia de
plantación”, ou seja, os patrões cobram grandes taxas para o trabalhador rural,
tornando-o sempre endividado864.
Além desses fatores estruturais, existia em Santiago del Estero uma
semelhança com o caso cearense no que tange às relações sociais: o sistema de
patronato que imperava na região, como salientado. José Rivas, ao apontar o
contexto da província em relação ao livro Skunko do autor Ábalos, explica que
o sistema de poderes que se impunha na vida dos habitantes gerava a pobreza
e o atraso da província. O que configurava a área rural de Santiago del Estero,
portanto, bem como no caso do Ceará, eram as relações de lealdades. O autor
analisa que havia um plano de “amizade formalizada”, em que podia haver,
dentro do grupo, pessoas que brindavam maior autoridade ou proteção sobre
as outras. Era a figura do compadre, tida, muitas vezes, como sagrada. Essa
“amizade” se estabelecia por meio de um contrato entre os indivíduos e os
grupos, porque esse “padrinho” sendo a pessoa que detinha o poder encarnava
a proteção ou a segurança dos indivíduos que estavam sob sua “proteção”865.
Essas relações geram dependência e são elas também promotoras das
desigualdades.
Nessa estrutura havia, de acordo com Rivas, uma divisão social do trabalho
e da propriedade. O comércio ficava a cargo dos imigrantes árabes que se
enriqueceram com o usufruto da “ingenuidade” camponesa ou da especulação
e havia ainda parte de agricultura nas mãos de ucranianos. O que o autor
desejava evidenciar era que o comércio, a agricultura e o trabalho
especializado ficavam em geral nas mãos de “forasteiros”, porque a população
nativa sobrevivia com o seu pequeno número de cabras. O que justificaria
para Rivas, em sua análise sobre as obras de Ábalo, que a população em idade
ativa preferisse, portanto, migrar866. Assim, a comunidade se encontrava
desamparada e dependia completamente dos agentes, dos aportes, das
mercadorias ou das ordens que chegavam também das cidades, como salienta
Rivas. Era a cidade o lugar onde se concentrava o poder e o campesinato
acabava por deter pouca autonomia867.
Outra noção que justificava – nos discursos locais – a ideia de um
paternalismo assistencial era uma possível situação de inferioridade
encontrada nas áreas rurais. Rivas, ao analisar a figura principal da obra de
Ábalos, que era professor de uma escola rural, salienta exatamente esse tipo
de narrativa. Conjugava-se a isso outro fator: o vínculo existente entre as
pessoas e sua “tierra madre”, como aponta o autor. Mesmo que migrassem,
desejavam sempre voltar a terra que o havia expulsado868. O que Rivas aponta
é que dentro da lógica da modernidade, os campesinos santiagueños não
desejavam romper com seus vínculos tradicionais com a natureza, o que
justificaria ser um território de antigas migrações e êxodos seria a necessidade
de preservar sua existência e de sua sobrevivência869.
A análise de Rivas sobre o contexto rural santiagueño, atesta que as relações
de dependência que se estabeleciam na região geravam ausência de maior
desenvolvimento da área rural da Argentina. Nesse sentido, os discursos que
impunham a natureza como causadora da pobreza, das migrações, da miséria
ou de qualquer tipo de atraso dessas regiões, são legitimadores das relações
estabelecidas e do status quo vigente nesses territórios distantes. Além disso, as
populações se reinventam e conseguem a partir disso estabelecer suas
tradições, que não são algo que se estabeleça em um passado remoto, mas sim
no presente, no cotidiano de suas vidas, e não devem ser entendidas como
imutáveis ou de difícil adaptação à realidade.
Quando La Hora afirmava que o fracasso da natureza gerava o êxodo ou
mesmo que nem a população santiagueña que era “forte” e “resistente”
conseguia se manter na região por causa da seca, legitimava o poder dos
discursos que acabavam por estabelecer, ao longo da história, essa área como
“expulsadora” da população local. Naturalizava-se essa condição e tornava-se o
trabalhador santiagueño uma mão de obra vulnerável e barata que
engrandece outras províncias. O caso da população sertaneja cearense é
semelhante e os discursos que incidiram ao longo do processo histórico
brasileiro também colocaram o cearense como um eterno imigrante,
desbravador e construtor de outros territórios. Mais uma vez, vemos a figura
do camponês, do nativo, do sertanejo, como uma “massa amorfa”, “sem vida”
e “sem resistência” às conjunturas. Acredito que as migrações são fruto
justamente de estratégias de sobrevivência da população do interior ligada
estritamente à terra, mesmo que as relações de poder desejem tirar dessas
diversas categorias seu direito à propriedade e à mobilização social870.
Parto do pressuposto de que esse discurso também está atrelado ao que
Mignolo chama de “legados coloniales”, que são como “espacio de acumulación de
furia que no se articula teóricamente, porque la teoría ha estado siempre del lado de los
legados coloniales, nunca de la fuerza dividida entre la civilización y la barbarie”871. O
autor analisa, nesse aspecto, a necessidade de uma epistemologia fronteiriça
em contrapartida a um discurso que defenda uma unidade do idioma, da
pureza de sangue e da razão. Os padrões de vida fundamentados em um
modelo ocidental moldaram, por conseguinte, o conhecimento produzido nas
colônias – como Brasil e Argentina. Assim nasce a necessidade de um novo
paradigma a partir da emergência do local. Desse modo, podemos re etir
como esses discursos foram naturalizados ao longo dos processos históricos
nesses dois países e como chegaram ao interior. Entendo que analisar essas
visões de mundo torna-se uma tomada de consciência. É como analisa
Mignolo:
[...] la cuestión, no es por cierto, que los subalternos no pueden hablar, sino que al tomar
conciencia de que los subalternos no pueden hablar, es necesario hablar constantemente para
incrustar la voz en la espesura hegemónica y crear las necesarias fisuras mediante la inserción
de lo local, desde abajo, en lo global, desde arriba del promontorio.872.
Chartier ainda nos diz que, ao se explicar o papel do discurso em uma dada
sociedade, deve-se pensar nas “classificações, divisões e delimitações que
organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais e de
apreciação do real”873. Considero pensar as narrativas de La Hora e A Ordem,
entendendo-as como uma apreensão do mundo social, uma apreciação do
real, e isso significa, para Chartier, que as classes sociais ou os meios
intelectuais são produzidos pelas disposições próprias do grupo. E esses
esquemas intelectuais, para o autor, criam figuras “às quais o presente pode
adquirir sentido”874 e o “outro torna-se inteligível e o espaço a ser decifrado”875.
Pode-se pensar se as narrativas dos jornais não são essa tentativa de
compreensão de um espaço a ser decifrado. Mesmo que se trate de um olhar
regional, interno, sobre o Ceará e Santiago del Estero, esses periódicos, como
representação de uma classe, ou fração de classe, tem no tema da seca o
inteligível. Nesse aspecto, “as representações do mundo social assim
construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na
razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam”876, e
é justamente esse ponto que desejo evidenciar. Entende-se que, de fato, muitos
dos discursos aqui analisados podem ser compreendidos por meio da ideia de
aspiração do universal, mas que é uma aspiração que está inserida em um
dado grupo e está ligada aos seus interesses. Os periódicos devem ser
re etidos como construtores de representações, por vezes, forjadas do mundo
dos semiáridos cearenses e santiagueños. E estão intimamente relacionados
com ideias de poder e de dominação. Como explica Chartier: “[...] as lutas de
representações têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a
sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio”877.
Vejamos se essa re exão de Chartier não se relaciona diretamente com o que
entende-se aqui sobre os discursos em relação ao Ceará e a Santiago del
Estero.
Retomemos nossas análises sobre as migrações para melhor entendermos a
conjuntura santiagueña. Farberman aponta que existiram dois tipos de
migração: a da estação seca e que se concluía em dezembro em Santiago del
Estero, sendo quase sempre anual e tendo como objetivo o “conchabo”, um tipo
de trabalho rural temporário em outras estâncias para complementar as
tarefas e a renda; e outro ciclo migratório que se iniciava em fins da primavera
ou início do verão – seria o que ela chama de “trabalhador da colheita”. Em
ambos os casos, segundo a autora, o que se pretendia era voltar
principalmente de Buenos Aires com algum dinheiro “en el bolsillo” e não
precisamente escapando da seca. Logo, La Hora, bem como o caso cearense,
não problematizava a questão do porquê a migração ocorria, o que acabava
por reforçar um discurso que “naturalizava”, mais uma vez, as retiradas como
se fossem por uma só motivação, ou mesmo, como se fossem uma atitude
impensada.
Não suponho, neste trabalho, que La Hora, ou mesmo A Ordem, detinham
informações precisas ou dados sobre essas migrações, tal como mostrado
detalhadamente neste trabalho. O que desejo entender é que, ao não
problematizar, ao menos, os fatores possíveis de entendimento sobre as
migrações, esses periódicos entravam no senso comum sobre esse tema.
Reforçavam, assim, a ideia de que essas populações vivem sob o jugo do
êxodo; como se fossem fadadas a essa condição. Mesmo havendo uma crítica a
essas migrações, enfatizo que os jornais se posicionaram neste sentido, a
forma como os discursos eram elaborados, as palavras usadas, os termos
escolhidos, ainda recaíam em estereótipos sobre essas populações migrantes,
que reafirmavam esse lugar-comum sobre elas.
Era certo, como pode-se pensar sobre o caso dos migrantes cearenses, que
uma parte da população santiagueña, de fato, costumava ficar deserta em
certos períodos do ano porque migrantes e coletores de alfarroba
abandonavam essa área. Isso também acontecia em anos estéreis, quando
aumentava-se o êxodo. Contudo, não se pode deixar de considerar, como
aponta Farberman, que a migração é uma estratégia habitual e ainda
modeladora da estratificação desta sociedade rural santiagueña878. Aponto
aqui essa mesma re exão para o caso dos sertanejos cearenses (Santiago del
Estero dentro da sua lógica rural, que não só se restringe ao âmbito do
semiárido, tem uma história semelhante, nesse sentido). Acredito nessa
estratégia como forma de sobrevivência e como uma lógica própria dessas
populações para o seu sustento familiar. Por isso, a ideia de regressar a sua
terra é um ponto importante e que encontra-se na ordem do dia nessas
regiões. Mesmo que, no final, principalmente no caso do Ceará, muitos desses
migrantes não consigam retornar de imediato ou mesmo voltar das capitais
com o dinheiro necessário para sobrevivência da sua família (considerando-se
que são mão de obra, por vezes, mal remunerada), migrar não é uma sina.
Não se pode olhar para a seca como condicionante natural do ato de se retirar
dessas sociedades ou mesmo considerar que todo santiagueño e todo cearense
tenha uma fi bra singular, sendo um povo diferente por saber migrar. O que
ocorre é que essa atitude é uma tática socialmente constitutiva destas regiões
ao longo dos seus processos históricos. Logo, é possível afirmar que as
migrações são uma tática e não condição natural de uma população
diferenciada de qualquer outra, como se esse aspecto fosse uma modulação do
seu caráter.
Bakhtin propõe, nesse sentido, e para este livro torna-se importante para a
compreensão dos discursos dos dois jornais sobre a migração e os demais
temas a que recorri, que devemos analisar qualquer tipo de oração não de
maneira isolada, porque toda informação é dirigida a alguém e “é provocada
por algo, persegue uma finalidade qualquer, ou seja, é um elo real na cadeia da
comunicação”879.
Alberto Tasso nos convida a pensar, portanto, como Santiago del Estero foi
vista habitualmente como uma província tradicional, relacionada diretamente
à sobrevivência de um mundo colonial, caracterizada por sua heterogeneidade
étnica e pela segmentação social, cruzadas por relações de dominação
permeadas pelos processos migratórios880. Essa visão, esse tipo discurso, esse
elo real, acaba por rotular a região como problema, e não as relações sociais
que conjugam forças distintas de poderes diversos em Santiago del Estero e no
Ceará. Os sertões do Ceará também eram vistos ora como tradicional, por
isso avesso à modernidade, ora o resgatavam como a autenticidade da nação.
De qualquer maneira, foi esse modelo tradicional de vida que, por vezes,
caracterizou todo o Nordeste e o colocou aquém no cenário nacional. Por isso,
não devemos naturalizar os discursos que estão enraizados em nossos modos
de ver essas áreas. Necessitamos re etir se essas supostas resistências aos
modelos econômicos modernos não são, na realidade, estratégias conscientes
de sociedades como as rurais, que em meio à própria realidade imposta pelo
modelo produção capitalista, reinventam-se e mantêm seus costumes dentro
da própria lógica vigente.
Pimentel Gomes aponta que existiam várias regiões no mundo que sofriam
com áreas mais secas, citando inclusive a Argentina, principalmente Tucumán.
Em contrapartida, para ele, só o Brasil não conseguia resolver essa convivência
com a semiaridez porque insistia em usar um método da engenharia para um
problema que era agrícola. Apropriou-se, na fala citada, do termo técnico
norte-americano “dry farming” (que seria um cultivo sem a utilização de
irrigação), método que, em conjunto com a irrigação, poderia solucionar o
problema do sertanejo em período de seca. Chamava atenção que as péssimas
gestões governamentais que o sertão sofreu aconteceram na Primeira
República, fazendo-nos pressupor que no Governo Vargas a situação havia
mudado. Isso fica claro, principalmente, quando diz ao final que o ministro
José Américo de Almeida conseguiu ter bom senso para harmonizar as
necessidades da região com o Serviço Florestal e os campos agrícolas. Isso
porque a açudagem, sem a irrigação, para Pimentel, não solucionava o
problema da obtenção do “precioso líquido” – termo usado também pelos
jornais das capitais e regionais da Argentina para falar da água.
Cabe analisar alguns pontos desta narrativa: no caso da Argentina, em
especial Santiago del Estero, a escassez hídrica ainda não havia sido
solucionada na década de 1930 e não se vivia harmonicamente com ela (nem
ao menos anos depois). Em 1937, Santiago viveu uma das piores estiagens da
sua história, como analisado. A seca de 1932, no Brasil, ainda gerou uma onda
de morte, migrações e efeitos negativos diversos para a vida do sertanejo
cearense e a gestão de Américo de Almeida não resolveu a gravidade das
secas, inclusive, as posteriores à de 1932. Ou seja, as soluções técnicas – sejam
elas de cunho mais agrícola ou voltadas para as obras públicas – não foram
suficientes para amenizar o estado de calamidade que essas áreas sofriam
quando uma seca era anunciada. Além disso, o problema hídrico que acomete
essas regiões – por vezes – independe da estiagem. Logo, está para além da
natureza e do clima.
Isso se deu porque quando a água era pensada como o problema do
Nordeste desconsiderava-se, assim, as questões políticas do seu uso,
principalmente, por uma elite local ou mesmo porque essas soluções estavam
imbricadas nas redes inerentes a uma região em que a concentração da terra e
de poderes é bastante significativa e marcava, por vezes, as possibilidades de
ação dos órgãos públicos, entrelaçadas nas teias estabelecidas pelos grandes
proprietários rurais. Ademais, quando se buscava uma solução para as
estiagens, importava-se modelos fora da realidade brasileira (ou mesmo
argentina), desprezava-se, assim, as nuances e as particularidades de cada
população. Reafirmo que a seca, portanto, não é apenas um fenômeno
climático e sim físico-social, ou seja, político. Pensar só tecnicamente a
questão da água não resolve o problema público que existe em torno dela.
Com isso, é possível fazer aqui uma re exão também epistemológica e
sumária; um pequeno adendo para o entendimento das análises propostas.
Refiro-me, mais uma vez, àquilo que Walter Mignolo chama de uma
epistemologia fronteiriça, que pense de uma forma diferente nossa própria
existência enquanto sociedade. Nesse sentido, as periferias da América Latina
também podem ser pensadas como centro. Para isso, é necessário desarticular
a crença de uma imagem própria que não era mais que um re exo da maneira
como o discurso colonial produzia agentes subalternos897.
Esses agentes subalternos – nesta análise as populações dos semiáridos
cearenses e santiagueños e até mesmo os países Brasil e Argentina – eram
vistos como bárbaros ou primitivos e essa atribuição acabou por ser aceita por
essas nações. Naturaliza-se essa condição. Esse tipo de discurso fica claro na
fala do agrônomo Pimentel Gomes. É a aceitação de que só um modelo vindo
de outra realidade supostamente mais avançada e moderna como a norte-
americana poderia ser a solução para os problemas locais hídricos do sertão
cearense. Nesse aspecto, o discurso tornava-se uma reafirmação de
estereótipos, principalmente aqueles em que reafirmavam a nossa condição
de colonialidade e que não considerava necessário entender a sociedade por
ela mesma, para assim buscar alternativas dentro das tramas sociais
particulares de cada região.
Isso significava que tratar a água apenas como um fator atrelado à natureza
ou como um problema que poderia ser solucionado por um viés técnico não
considerava as relações sociais e políticas em torno dela, além de também não
deixar de ser uma visão dotada de ausências e silenciamentos. Ademais,
quando Pimentel chamava a população sertaneja de “vítima da própria
ignorância”, atestava a reafirmação de um discurso subalterno, excludente e
que legitimava as ideias dicotômicas de civilização e barbárie, modernidade e
atraso, que configuraram aquilo que Anne-Marie Thiesse conceitua como
“produção das diferenças”898. Mesmo que na década de 1930 já tenha havido
mudanças no que diz respeito à visão sobre os sertanejos e o sertão, muitas
delas que questionavam justamente essas dicotomias, ainda se viam diversas
narrativas que inferiorizavam esse território e suas populações.
Rafael Ribeiro salienta que essa comparação da pobreza dos sertões com a
escassez de água está relacionada diretamente a questões políticas e “a
permanência desse discurso está ligada às estratégias da elite regional
conservadora para conseguir maior participação na divisão das verbas
federais”899. Como o autor mesmo coloca, utilizavam-se do determinismo
geográfico – a semiaridez e a seca como causadoras da dificuldade da vida do
sertanejo – para conseguirem as compensações necessárias do governo
federal, já que os sertões estariam fadados à natureza agreste que impedia o
seu desenvolvimento. Eram necessários, portanto, investimentos, e os grandes
proprietários se enriqueceram com as medidas de combate à seca, na
construção principalmente dos açudes.
Suely Chacon afirma que a discussão em torno do problema da água é muito
maior, porque se ela é um elemento vital “no Sertão ela se torna o elemento
aglutinador ou desagregador das relações sociais, dada a sua relativa escassez
e o histórico uso político dessa realidade”900. Logo, o discurso da água estava na
ordem do dia, muitas vezes independentemente das fortes estiagens. As
re exões de Chacon remete-se, de imediato, ao caso santiagueño, no qual a
água é o elemento vital, aglutinador e desagregador.
Nesse aspecto, tornou-se consensual, nos discursos de então, que a tríade
seca, água, açude solucionaria o problema dos sertões. O pensar regional
abraçava também essa ideia. Fecho o elo do fio condutor dessa narrativa. O
sertão e o litoral, o centro e a periferia, dialogavam e compartilhavam desse
olhar. São visões que se alimentavam e reforçavam o poder de uma elite
mandatária.
José Campos explica que existiram algumas fases no combate à seca, entre
elas, destacaremos duas e nos atentaremos à segunda etapa. A primeira fase é
humanitária, referida “à comiseração às vítimas das secas”901, e a segunda foi “a
fase da intervenção, também denominada fase hidráulica, inicia-se com a
criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas em 1909. Nessa fase
construíram-se açudes e sistematiza-se a rede de dados meteorológicos e
hidrológicos”902, e ainda vigorava na seca de 1932, a qual A Ordem está se
referindo. Por isso, o jornal destacava nas reportagens a construção de açudes,
porque estava na ordem do dia que essa era a melhor solução para as secas.
Saliento que em 1930 refiro-me a atuação da IFOCS, e que, por isso, quando
A Ordem se propõe a colocar em pauta a açudagem, certamente direcionava
sua fala a esse órgão competente. Uma elite local já sabia dos benefícios dessas
obras, muitas das quais eram construídas em terras de particulares. O
sertanejo, aquele dependente dos donos da terra e dos poderes, tinha que
passar pelos meandros de uma elite local para conseguir uma água que era
pública, mas tornava-se, no final das contas, privada.
A máxima “sem água não há civilização”, como analisa José Campos, levou
o Brasil a adotar o discurso da fase hidráulica. Segundo o autor, isso significava
“uma política de aumento da oferta de água”903. Mas, essa política de solução
hidráulica, de acordo com Campos, tornou-se no discurso político a única
solução para os problemas das secas e do atraso regional, justificando a
construção das barragens904. Em termos técnicos, como de alguns engenheiros
da IFOCS, essa não podia ser a única alternativa para a questão das secas
nordestinas, daí re etirmos que essa visão se dava muito mais para angariar
verbas para essas obras e o jornal reforçava essa ideia. Outra questão, que se
pode pensar, é que essa visão se dava também porque se pensava de maneira
tecnicista um problema que é estrutural na vida dessas regiões: a concentração
de água nas mãos de uma elite local. Logo, o discurso legitimava práticas e
poderes.
Pinto de Aguiar apontava em suas re exões que para além da açudagem905
deveria haver a irrigação, a perenização de rios transitórios, os desvios das
águas excedentes das grandes correntes uviais e a adequação botânica das
culturas agrícolas. Além do re orestamento, captação de mananciais
subterrâneos, combate à erosão, piscicultura, artesanato, dentre outros
fatores906. Essa re exão ainda está atrelada a um pensar tecnicista, porém já
ampliava a ideia de obtenção da água.
Suely Chacon diz: “Se a história do Nordeste se confunde com a história da
seca, a história do Ceará é própria história da seca [...] A água no Sertão é o
bem mais precioso”907. Isso significa que desde tempos remotos tratar da
história cearense é falar da seca, confundindo esse vasto território, composto
também pelo litoral, com a ausência de chuvas e a semiaridez. As análises de
Albuquerque Júnior, as quais me referi nos capítulos anteriores, já nos dão esse
caminho da narrativa. Chacon também analisa que as políticas de
desenvolvimento do Nordeste tiveram dois princípios básicos ligados ao
discurso da ausência de água ao longo da história: o primeiro que utilizou esse
fator como elemento discursivo para a pobreza da população e o segundo que
era possível garantir, por meio dele, os recursos financeiros necessários para a
seca. Verbas estas que, por diversas vezes, foram desviadas por quem detinha
o poder908.
Nesse sentido, a seca atrelada a um discurso-problema era “um argumento
político quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses que
seriam monopolizadas pelas elites dominantes locais”909. As re exões de
Ab’Sáber elucidam sobre os problemas dos sertões: “Isoladamente, o
conhecimento de suas bases físicas e ecológicas não tem força para explicar as
razões do grande drama dos grupos humanos que ali habitam”910. Ou seja, a
natureza por si só não explica a desigualdade social e regional que acomete
essas áreas.
Falar de açudagem, apenas, não colocava em xeque o quadro da própria
concentração fundiária e das demais relações sociais de dependência aponto
neste trabalho. É pensando nesse aspecto que reforço o lugar do discurso da
imprensa neste contexto. As palavras em seus enunciados não são neutras.
Falar da água não pode ser viso apenas como um tema solto dentro de um
enunciado qualquer, sem relacionarmos a um contexto específico importante
que é a própria seca e que é a década de 1930 em si. E não podemos vê-la
apenas como um fator natural a ser obtido para benefício da população dos
sertões, mas sim como um discurso legitimador de um status quo: a barganha
política que a água provoca, por exemplo, em um período eleitoral é evidente
nos sertões nordestinos. Assim, é possível apontar um caminho de
entendimento das dependências diversas existentes entre o senhor da terra e o
sertanejo mais pobre. Foi esse olhar sobre a seca que deu origem a todo esse
aparelhamento montado estrategicamente para combatê-la, e que podemos
chamar, posteriormente, de indústria da seca.
Roberto Marinho da Silva ressalta que o combate à estiagem caracterizou-se
também pelo caráter emergencial. Podemos destacar aqui um certo tom de
apelo dos periódicos da época, como A Ordem, para a construção de açudes.
Isso se deu pela lógica da açudagem como solução para ausência de água e
porque era uma obra pública, e uma obra significava empregar os braços dos
sertanejos que, muitas vezes, viviam em suas caravanas migratórias em busca
de trabalho. Daí a emergência de se construir também açudes e barragens nos
contextos de crise, de forma rápida. Ainda de acordo com o autor, essas
mesmas ações alimentaram a já mencionada indústria da seca911. Nesse
sentido, menciono algumas publicações de A Ordem em que a questão do
emprego nas obras ficava mais evidente:
Já começaram mortes zona jaguaribe, sobretudo União, maior victima secca. Não vindo
urgente auxilio trabalho, morrerá muita gente. Victimas innocentes secca não esmolam,
pedem trabalho. Nome humanidade, patriotismo, imploro obtenham urgentes serviços.
Enquanto papeis se arrastam repartições, brasileiros abandonados morrem fome dentro Patria.
Impeçam crueldade deshumana, anti-patrictica. Ahi ninguém imagina horrores passa povo
laborioso viu inutilizados secca seus esforços. Trabalharam, perderam tudo. Pedem trabalho
obras redundarão beneficios Nação. Fiz quanto pude minorar desgraça. Impossibilidade, clamo
socorro. Depressa, salvem brasileiros morte. Arcebispo Fortaleza912.
A sociedade de Operarios e artistas “União Trabalhista” desta cidade, por meu intermedio,
como seu presidente dirige a este grande órgão da Imprensa Brasileira um apelo angustioso em
pról de seus irmãos cearenses açoitados pelo agelo da seca, enxotados de seus lares, aos
bandos, em peregrinação de cidade em cidade e, guiados, pelo instinto de conservação de suas
existencias, procuram trabalho, inutilmente, para escaparem à morte. Esta cidade está repleta
de agelados aguardando providencias do governo e não há esperanças dessas providencias para
esta zona do norte cearense, a pretexto de que sob o ponto de vista climaterico, fomos
favorecidos, quando a verdade incontestavel do contrario está no deslocamento em massa dos
trabalhadores dos campos e dos povoados [...] Todavia, duas grandes obras, dessas que fazem
parte do programa traçado pelo governo para solucionar o Problema do Nordeste, podem ser
imediatamente atacadas: – a construção do açude “Jaibara”, neste municipio e a construção da
estrada de ferro ligando Sobral a Fortaleza.
[…]
José Pedro Alcantara
Presid. União Trabalhista
Apelamos, pois, para este grande órgão de publicidade no sentido de, orientando o governo da
União no valor economico destas duas obras atenda, igualmente as necessidades de um povo
que não pede esmola mas reclama, perseguido pela calamidade climaterica, a execução de
obras que, de futuro, promoverão a segurança de sua tranquilidade e o fomento economico da
própria nação. Rogo a publicação da presidente.
Patricio.
Att Obr(a). José Pedro de Alcantara. Presid. “União Trabalhista”913.
[...] recorremos à patriotica Imprensa de Sobral, no sentido de clamar providencias junto ao
distinto Tenente Floriano Machado, benemerito Interventor da zona Norte do Estado afim de
conseguir a construção de estrada carroçavel que liga a referida povoação à estrada de rodagem
Granja – Viçosa, num trecho de cerca de 23 kilometros apenas, e que tem a insignificante
verba de quinze contos de reis e relevantes beneficios à laboriosa classe de agricultores de toda
zona914.
Noticias llegadas de Colonia Dora [...] La región a que se refiere esta noticia es una de las más
favorecidas por la cercanía del sistema de canales […] Por allá se oye cantar cerca, en ciertos
períodos al agua prometedora de abundantes cosechas. Si en zona han debido los agricultores
fracasar por la sequía y la falta de riego, cómo estarán otras regiones en que el líquido
elemento tiene menos de dónde venir. Pero quizá no. Por fortuna, el hombre tiene sus
recursos y a veces la misma desgracia de carecer de canales suele ser una salvación. Donde no
hay agua para riego se práctica la ganadería y la agricultura con otro concepto923.
Firmando por numerosos vecinos de estación Monte Quemado, progresista población situada
en el departamento Copo, sobre la línea de Metan a Barranquereras, se ha dirigido al P.E de la
Provincia una nota, urgiendo del mismo, pronta solución al problema originado por la falta de
agua.
Entre las referencias arguidas por los peticionantes, se hace notar que no obstante tener dicha
población un pozo semi surgente con instalación completa y agua buena y abundante, sin
embargo, se carece del líquido elemento por encontrarse en abandono el referido pozo, lo que
hace de urgente necesidad arbitrar fondos para su inmediata habilitación. Manifiestan asi
mismo los firmantes, que la ayuda que solicitan, pueda hacerla el P.E en cuotas mensuales,
aunque fueran de poca monta, ya que el resto, lo pondría la población, que está dispuesta a
realizar cualquier sacrifico a fin de solucionar este a igente problema924.
Nos hallamos ante un suceso extraordinario, y las medidas a adoptarse deben ser, también
extraordinarias [...] Ante el peligro inminente de que perezcan miles de personas; que mueran
de sed y de inanición, urge adoptar severas medidas, tan severas como en caso de guerra o de
epidemia. Es necesario llegar al sacrificio de lo super uo para que alcance para todos […]
Estamos en estado de guerra en la naturaleza, guerra contra y sin cuartel en la que todos los
medios si justifican, porque por encima de todas las consideraciones, de cualquier orden que
sean, está el sagrado derecho de vivir. El gobierno y la opinión pública han de pensar como
nosotros. Ha de haber, naturalmente, algunos que se opongan925.
Han concurrido comisiones ante los poderes públicos para solicitar mejoras de esta situación,
pero los peticionantes sin antes armonizar una idea de las necesidades más indispensables y
como si no conocieron, porque quizá no les llegó en carnes vivas estos dolores, han aceptado
sin consultar a estos q’ se realicen trabajos en canal de San Martín todo por cuenta de los
mismos que retribuyan así los canón de riego que les corresponda; sin contemplar que estos
pequeños agricultores que en verdad así lo son, no tienen medios de sostén alguno, porque
nada han cosechado y ni esperanza hay para ello, por esto el clamoreo de q’ quieren agua y
agua926.
Estará de más hacer el elogio de la bondad, que ninguno pone en duda, de las aguas del Dulce.
Su nombre es la constatacion de su mérito y cualquier análisis de sus aguas daria un resultado
apologético. Preferible para todos los usos domésticos, el agua del rio que pasa al lado
izquierdo de la capital, es à la vez una base segura para toda empresa agrícola, pudiendo
tambien aplicarse como fuerza motriz, mediante la formacion de cascadas artificiales o
procurando descensos que aumenten su fuerza impulsiva con un mayor empuje928.
Jens Andermann analisa que a paisagem é um dos principais nós através dos
quais podemos pensar a interseção entre práticas políticas e estéticas da
modernidade. Andermann se pergunta quais foram, na América Latina do
século XX, as práticas políticas e estéticas do espaço, poder e resistência que se
incidiram na história. Lorenzo, no século XIX, colocava que não era demais
fazer um elogio da bondade das águas do Rio Dulce, e que seu nome já era a
constatação de seu mérito e qualquer análise de suas águas um resultado
apologético, aponta um discurso que via na natureza um elemento próprio
que tinha, praticamente, sentimentos, emoções, adjetivações. Era essa
natureza que podia dar o sustento ao homem e era ela que podia tirá-lo. A
paisagem, neste aspecto, torna-se a representação do que Lorenzo desejava
evidenciar. E a água, novamente, pode ser entendida como um fator
importante da narrativa dentro dessa paisagem, dessa representação da
natureza santiagueña.
Pode-se pensar, nesse sentido, como Tasso explica, que o controle da água
dos rios Dulce e Salado teve uma remota origem no período colonial. Elas
eram conduzidas em períodos de cheias a terras agricultáveis. A primeira rede
de irrigação privada foi construída entre 1870 e 1890. As redes ferroviárias
também passaram a transportar água e a formar estabelecimentos humanos
artificiais ao redor delas. Eram as ferrovias que passavam pelas áreas onde não
havia água. De acordo com o autor, à medida que se expandia a irrigação e a
população, o manejo de água foi ganhando cada vez mais espaço no discurso
político929. Assim, como no caso cearense a lógica das ferrovias, da expansão
dos povoados, da irrigação e da concentração da água formaram a trama
mesmo dos sertões. Por isso, não era de se estranhar que nas Memorias
Descriptivas de Santiago del Estero se vangloriassem do poder da água dos seus
rios. Nesse aspecto, passou-se a discutir o seu monopólio pelos grandes
fazendeiros e a proteção que o estado provincial lhes dava. Também era no
período de seca que a população cercava os trens, lutando para obtê-la. A
longa estação seca e com invernos breves permite compreender a importância
que a mesma tem como determinante do povoamento e da produção, como
nos mostra Tasso.
Novamente, um exemplo de como desde o século XIX já se falava em uma
lei sobre o domínio e aproveitamento da água é que em Memoria Descriptiva
Lorenzo Fazio já colocava:
Reitero, que quando Lorenzo fala sobre o domínio da água, ele está tratando
da própria história da região santiagueña. Como Tasso explica, a água faz
parte da cultura, pode ter conotações religiosas, econômicas ou políticas. E a
busca por sua obtenção esteve atrelada, semelhante ao Ceará, ao
desenvolvimento de tecnologias para sua obtenção, conservação ou
distribuição para irrigação. Como exemplo, destacam-se os poços escavados
ou de balde, as represas e os canais que conduzem água (acequias), que foram
usados desde o primeiro momento da presença espanhola931.
La Hora, mais uma vez, aponta como a água é definidora dos problemas
agrícolas, tendo como necessidade solucionar o problema da sua escassez.
Certamente, aqui, a seca se torna o fator discursivo primordial para tratar da
questão hídrica. Com ela se torna mais evidente o uso da água como discurso
público. Vejamos:
La impresionante noticia llegada desde Cerro Rico y que comentamos en nuestra edición de
ayer, no es única, no constituye un caso aislado. Es el grito de toda la campaña santiagueña. Sin
agua, sin nada para comer, porque todo se ha acabado, sin esperanza de ninguna especie, en los
apartados rincones de nuestra provincia, alli donde no llega la obra progresista del riel, miles
de personas van debilitándose y pereciendo de sed. Relatos de las heroicas maestras que en
cumplimiento de su deber compartieron durante muchos meses las penurias y miserias de las
poblaciones campesinas y las cartas que nos llegan de diversos puntos, no dan lugar a dudas
sobre el terrible espectáculo que ofrecen esas sencillas poblaciones. Se muere literalmente y
los recursos que se prestan son insuficientes 938.
Las consecuencias de una mala política será la ganancia que los pobres tendrán al concurrir a
solicitar asistencia médica. Agregado a esto tenemos que ni agua hay ya para los pobres que
concurren a los consultorios, los cuales tienen que ambular por las casas vecinas en procura del
preciado liquido. Esto es desastroso939.
No manifestó que vivimos en el mejor de los mundos y que la vida económica de esta
provincia se desarrolla en forma normal, sino que no se ha llegado al estado de pauperismo que
ciertos diarios se han empeñado en decir. Ni para el primer mandatario ni para nadie es un
secreto el estado altamente desequilibrado en que vivimos a causa de la persistencia sequía,
pero con sobrada razón ha declarado que con limosnas esporádicas nada se conseguirá, pues lo
que hace falta no es, precisamente el dar de comer hoy a la población, sino el impedir que toda
la provincia sufra periódicamente estos estragos por la falta de agua. Santa María es una
población ubicada en el Departamento Ojo de Agua, y que hoy está sufriendo como ningún
año los efectos de la terrible sequía. Los campos están en la más completa desolación, limpios;
sin tener una planta de pasto, carentes de agua. Como consecuencia de ello ha entrado toda
clase de peste en la hacienda que diariamente se muere en primer lugar por falta de pasto y
segundo por la peste. No se dispone de agua suficiente; los pazos existentes se van agotados y
los vecinos deben esperar hasta el día siguiente o sea esperar que la aguita se reúna en la noche
para poder dar de beber a los pocos animalitos que todavía resisten a pesar de todos los males.
La agricultura, lo poco que se ha podido sembrar está ya perdida por la falta absoluta de lluvias.
De modo que al perderse la cosecha y la hacienda que son el único sostén y la única esperanza
de la mayor parte de esta población y otras vecinas, numerosas familias obreras se ven en la más
completa miseria, sin tener medios de movilidad, por haberse quedado a pié sin disponer de un
solo animalito en que levantar el apero a fin de buscar la vida940.
Sem água, não havia esperança de nenhuma espécie, não existia o que
comer. Pessoas ficavam doentes e pereciam de sede. Não havia dúvidas, então,
do terrível espetáculo imposto a essas simples populações. Morria-se
literalmente e as pessoas tinham que perambular em busca do “precioso
líquido”. O sofrimento era maior do que em secas anteriores e os campos
estavam desolados. As pessoas davam água para os seus animais como podiam
e eles resistiam apesar de todos os males. Perdiam-se a colheita e a fazenda,
seu sustento, sua única esperança. Famílias trabalhadoras se viam, assim, na
mais completa miséria. Em contrapartida, La Hora dizia que não era também
dessa maneira que devia-se falar sobre Santiago, como faziam certos diários
que enalteciam o pauperismo da região. Não era com esmolas esporádicas
(podemos pensar assim na campanha assistencial realizada pelo periódico El
Mundo, que enviava víveres a Santiago) que se conseguiria mudar essa
situação, porque não era dar o que comer à população que devia ser feito, mas
sim impedir que toda a província sofresse periodicamente os estragos da falta
de água. Nesse contexto de sofrimento, estavam as professoras que
compartilharam, durante anos, as penúrias e as misérias dos campesinos.
Quando La Hora dizia que não existia esperança, vida, sem o “precioso
líquido” – termo que vimos também no período A Ordem (no Brasil) –
novamente deixava evidente que a água era um elemento do discurso atrelado
ao desenvolvimento ou ao atraso. Era um condicionante da vida santiagueña,
ou seja, se existia água havia como prosperar. Tipificar esse elemento como
precioso, também era um olhar importante: desejava mostrar que era raro ou
mesmo praticamente inacessível. Percebemos nestes argumentos, por vezes,
um tom nostálgico, de lamentação e piedade, e essa fala revelava novamente a
culpabilização da natureza em relação ao estado em que vivia a população
santiagueña. A isso, atrelava-se a miséria como pano de fundo dessa escassez
hídrica. Havia fome e doenças por causa da seca, era um espetáculo o que
ocorria na região. Havia sofrimento, penúria, gente perambulando pelas
cidades, desolamento dos campos. Mais uma vez, o olhar concentrava-se na
natureza, o caos instalava-se por isso. A palavra “desolar” deixa mais evidente
um tom de tristeza e permanência. Essas tipificações e visões soam, muitas
vezes, como se o território fosse um cenário fixo e imutável. Em contrapartida,
nos discursos de La Hora, a província podia ser, em tempos de chuva, próspera;
mas como prosseguir se desenvolvendo se a seca assolava os campos?
Ler esses fragmentos sem pensar nas conjunturas e nas configurações sociais
cristaliza a compreensão sobre essas áreas, pois é convincentemente real
pensar na seca como condicionante da pobreza dessas regiões. É comum,
assim, naturalizar a desigualdade social do semiárido apenas pelo fator
climático, no entanto, essa já é um tema estudado e analisado por muitas
décadas, tanto no Brasil como na Argentina. A pergunta que deve ser feita é
porque, na atualidade, ainda vemos esses territórios como se a água não
existisse e como se não fosse possível conviver harmonicamente com a
natureza. Esse é um ponto central para uma re exão mais profunda sobre o
tema. O discurso construído ao longo dos séculos também faz com que essa
visão prevaleça. Há todo um histórico de criação imagética, simbólica, e de
disputas políticas, que se perpetuaram, ao longo dos processos formativos
desses países, no que diz respeito às áreas semiáridas, ou mesmo distantes da
capital. Logo, já é sabido que há quem detenha o controle da água e que há
uma má distribuição da mesma.
Outro exemplo importante dessa construção do discurso da seca torna-se
mais claro quando La Hora conta a história dos “animaizinhos” que
sobreviviam apesar dos pesares. Ao colocar essa palavra no diminutivo, acaba
por criar uma escrita da piedade, da compaixão, da dor; todas essas formas
enunciativas, cada palavra usada em seus contextos, de uma forma específica,
faz parte de toda a trama discursiva em que acentuava-se muito mais uma
escrita que podemos chamar “do caos”, do que questionava outras
possibilidades para o semiárido. Ainda que, como vimos, o mesmo periódico
enfatizasse que outros jornais exageravam sobre a situação da província e que
havia um estado de penúria, mas não era com esmolas e sim com soluções
efetivas que a situação da população santiagueña melhoraria, não se conseguia
ir além dessas evidências.
Tal ambiguidade em torno deste tema pode ser esclarecida se pensarmos
que ao mesmo tempo em que se desejava mostrar que a região era próspera e
necessária para a economia argentina como um todo, se queria deixar claro
que Santiago estava nessa condição de miséria por culpa da natureza e não
porque não havia uma possibilidade de prosperidade para a região. Assim,
enaltecia-se o fato de existirem professoras heroínas que não deixaram de
exercer o seu ofício em meio à miséria da população campesina. Podemos
pensar em uma certa mistificação em torno de uma população que era vista
como forte e resistente às penúrias da natureza. Ao mesmo tempo que os
santiagueños eram vistos como trabalhadores, também eram vistos, em
diversas narrativas, como tradicionais, com hábitos de vida considerados
rudimentares, e que eram impeditivos para o progresso do território.
Aqui, cabe mostrar brevemente como também estava em voga, então,
ressaltar a figura do bom trabalhador de Santiago del Estero, prejudicado pela
seca. A exemplo disso, podemos pensar como o periódico chama – em
algumas ocasiões – o santiagueño de “trabalhador do campo” ou “los obreros de
las obrajes”. Essas palavras não são meramente ilustrativas, tornaram-se
praticamente um adjetivo de conduta moral dessa população. Vejamos
algumas reportagens nesse sentido:
Hay tantos obreros que se ven obligados de recorrer a pié enormes distancias en busca de
trabajo en los obrajes instalados por Estación Sumampa, de donde regresan nuevamente a pie
con una insignificante platita con la que no les es posible alimentar a la familia que los esperan
impacientes. Es por ello que hacemos llegar por intermedio de LA HORA, este formal y
angustioso llamado a nuestros representantes, ante la Honorable Cámara, quienes deben
auxiliar a esos trabajadores. Debemos hacer presente que disponíamos de represas que aunque
particulares siempre que tenian agua, todo el vecindario disponía de ellas. Ahora esas represas
están enlamadas y su propietario lógicamente necesita cooperación para hacer los trabajos de
desenlame en el que bien pueden trabajar numerosos obreros siempre que se disponga de
medios para llevar a cabo dichos trabajos, los cuales para esta población se los considera
sumamente importantes por cuanto beneficiarían enormemente a esta zona941.
Y de eso ha venido el desastre. Con todo, en verdad resulta doloroso pensar que a los
trabajadores de la tierra, como a los trabajadores de los obrajes, no les queda nada más que el
éxodo cuando el fracaso llama a sus puertas. Toda una equivocación del sistema de distribuir las
fuerzas sociales que mueven la actividad [...] Quizá la experiencia les haya aleccionado en
forma fecunda. Pero es esa la consecuencia de la falta de solidaridad. Habrá carteles para atraer a
los trabajadores, pero no hay fuerzas que se vuelvan a su favor cuando la mala suerte ha caído
en las sementeras. Triste indiferencia, en verdad, resultado de la falta de puntos de vistas
prácticos, de tal manera que la fuerza más segura, el trabajo, queda sometido a la condición de
juego de la suerte. Y el trabajador no es partidario del juego bajo ninguna forma. Por eso
prefiere irse942.
Además, para que este lamentable estado de cosas concluya, es necesario preocuparse no
solamente de los enfermos [...] pero en realidad la población toda, sus sectores de trabajadores
y obreros de la ciudad y del campo, necesitan la ayuda de los poderes públicos para que una vez
que sus exigencias materiales sean satisfechas, para que una vez que está bien alimentados
todos los habitantes, contemplando su problema del habitante, completando su problema del
trabajo y de la vivienda y de la higiene, deje esa población de producir esos enfermos que van a
ser abandonados en los hospitales y de producir también esa niñez que asiste desnutrida a las
escuelas943.
La propagada sequía, afectando a los trabajadores del campo, a los agricultores y ganadores, ha
dado ocasión al Gobierno del doctor Pio Montenegro para ejercitar su amplia comprensión
acerca del problema económico tal como en el caso ha quedado planteado. A raíz de ese
planteamiento de la situación, el P.E, ha distribuido semilla a los agricultores y por medio de
sus técnicos ha tratado de que la orientación de los cultivos sea lo más provechosa posible,
incitando a la siembra del algodón en procura de que los agricultores se rehagan en su crédito
afectado por la depresión en que los ha sumido la carencia del líquido elemento944.
En esta pobre provincia, más que en cualquier otra, el trabajo está en honor se encuentran
aquí pocos ociosos. Los hombres que, por falta de grandes empresas, no encuentran en el
suelo natal empleo para sus brazos, se van, al aproximarse el invierno, a buscar un salario en las
provincias vecinas, y son allí los mejores peones. Las mujeres hilan la lana y el algodón [...] No
hay un rancho que no posea un telar, máquina primitiva, si se quiere, pero que es raro ver
ociosa949.
En efecto, quiere decir que la sequía prolongada en algunas zonas ha vencido la tradicional
resistencia del criollo para con las condiciones desfavorables del medio ambiente. Y eso es
grave. Donde el criollo no puede vivir de la ganadería, para la cual se necesita nada más que el
agua como elemento indispensable, entonces será imposible radicar otra población sin acudir a
la ejecución de obras costosas950.
Duas questões devem ser destacadas: a primeira é esse olhar sobre o “criollo”
(sabe-se que essa tipificação é generalizante) como homem resistente. A
segunda é que a natureza seria responsável pela perda da tradicional força
dessa população, o que poderia ser resolvido apenas com a presença da água,
que era o elemento indispensável para criação do gado. Mais uma vez, La Hora
cria um estereótipo em torno dos santiagueños (caso semelhante foi analisado
com os sertanejos cearenses), e esse discurso está atrelado inequivocamente à
natureza. Ser humano e natureza se confundem neste aspecto. Parece que seu
ser “tradicionalmente” “rústico” e “resistente” é moldado pelo seu contato
com a terra “hostil”, a mesma que lhe dava ou tirava o sustento diário. Outro
ponto tratado nessa fala é a execução das obras custosas; só elas poderiam
solucionar esse problema hídrico da região.
Até que ponto escrever desta forma não legitimava um lugar-comum e
reforçava condições de dependência típicas destas sociedades rurais? Essa
pergunta perpassa toda nossa análise. Já foi analisado, anteriormente, o lugar
da escrita e seus poderes. É preciso re etir sobre a possibilidade e o lugar dos
silenciamentos também nos discursos, em uma sociedade em que as múltiplas
relações sociais existentes estão atreladas a grandes proprietários que
dominam terras, políticas, gentes.
Nesse aspecto, considero, tal como explica Andermann, que a antiga escrita
sarmientiana, onde a letra circunscreve um espaço e funda um território,
permanece no imaginário e na vida desse “desierto”, desse chaco ou monte
santigueño. Uma escrita que gravou, como descreve Andermann, na superfície
do solo e inscreveu no espaço inimigo a marca de uma legalidade letrada que
permitia reclamá-lo de novo como cenário de uma história cujos sentidos o
sujeito que escrevia sabia manejar e transcrever,951. Desse modo, concordo que
a literatura, como diz Andermann, é um ato político e social de caráter
fundacional952.
Não desejo, com isso, afirmar uma possível passividade dessa população do
campo, pelo contrário. Para este trabalho, reitero, que não caberá uma análise
sobre a questão, mas entendo a importância do lugar dos sujeitos desprovidos
de fala e que se reinventavam em meio ao que lhes era imposto. Mas, são essas
mesmas relações que, por vezes, violentamente impedem que essas
populações manifestem seus descontentamentos.
Tasso explica que a estrutura santiagueña deve ser entendida dentro das
relações de convivência entre os grandes proprietários e os campesinos sem
terras, com um regime de dominação social de acentuada rigidez. Nessa
configuração estabeleceram-se durante três séculos as chamadas estâncias e as
zonas campesinas, que eram resíduos das antigas “encomiendas” e “pueblos de
indios”. Assim, viviam brancos donos de terra de um lado e, do outro,
camponeses e assalariados índios e mestiços. É nesse contexto que surge a
agricultura de irrigação e com ela novos padrões de distribuição de terra,
novos sistemas produtivos e consequentemente novos tipos sociais953. Por isso,
é necessário pensar nestas configurações sociais quando se analisa o discurso
da seca, logo o da água ou sua possível escassez. Aparecem, então, em
Santiago “las ncas grandes organizadas con concepto empresarial, los colonos
inmigrantes y sus pequeñas chacras y los campesinos como fuerza de trabajo, residente
en los intersticios o aún dentro de la gran propiedad bajo la antigua institución del
‘agregado’”954. Isso revela um sistema social no qual existia um alto grau de
dominação dos grandes proprietários sobre os pequenos, com alianças e
mecanismos de legitimação de dependência, os quais silenciam as tensões
sociais existentes entre interesses diversos e distintos, como analisa Tasso.
Quando falo de donos de terras e de água, como apontam Guillermo
Benzato e María Cecilia Rossi, considero o contexto de Santiago del Estero em
que desde o século XIX prolongando-se fortemente até a década de 1930,
regiões santiagueñas foram afetadas pelos processos modernizadores, como as
áreas do Salado e do Chaco. O avanço de um Estado de perfil oligárquico e
apoiado em redes sociofamiliares de origem colonial, que haviam feito da
posse das terras a base de seu capital social, começaram a constituir-se como
uma elite latifundiária. Tornaram-se, assim, setores capazes de controlar a
produção e a comercialização dos bens em que se baseou a expansão
econômica santiagueña. As terras públicas localizadas em territórios que iam
até o Chaco foram sendo entregues a uma elite em nome de uma possibilidade
de desenvolvimento agrícola-ganadeiro955.
A compra das terras fronteiriças do Salado e do Chaco cruzaram interesses
entre a terra pública e os negócios privados. Com a própria conjuntura, os
sucessivos governos decidiram recorrer à exploração da maior riqueza
disponível do território: dez milhões de hectares de bosques, como já
salientado anteriormente. A expansão da fronteira agrícola exigiu, devido às
peculiaridades de antigas terras orestais que foram cortadas sem controle, o
fornecimento de água de forma mais permanente do que a fornecida pela
estação de verão. Aqui, encontra-se uma questão importante relacionada ao
controle da água e que nos faz re etir para além do problema das fortes
estiagens.
Nesse sentido, os dados preliminares disponíveis analisados por Benzato e
Rossi indicam que houve uma transferência maciça de terras do Estado para
cobrir despesas administrativas e realizar obras públicas, praticamente todas
localizadas na fronteira do Salado onde a província estava ampliando seus
limites. Assim, vão criando-se os latifúndios que serão a marca do registro do
liberalismo santiagueño oriundo do contexto do século XIX e que se combina
com as pequenas e médias propriedades que ficavam localizadas nos restos
dos terrenos que as “obrajes” (extração de madeira) deixavam “sobrar” na
região956.
Foi dessa forma que configurou-se um mercado de terras em Santiago, e para
promover o desenvolvimento da agricultura, de acordo com os parâmetros
modernos, dirigiram-se para estabelecimentos agrícolas próximos ao rio
Dulce, porque era preciso um abastecimento de água mais regular957.
Aqui, mais uma vez, a política, a economia e o desenvolvimento agrícola
conjugam-se em torno dos rios, ou seja, do controle das águas santiagueñas.
Justificava-se, assim, o seu monopólio e com isso pode-se inferir que nasce
todo o simbolismo que a mesma possui até os dias atuais em toda a província.
É válido, portanto, destacar a diferença com o caso cearense que delimita o
semiárido como o local ausente de água, e em Santiago, a província e áreas
para além do semiárido são contornas pela questão da ausência/presença de
água. Acredito, nesse sentido, que haja sim uma diferença, mas que unem
essas histórias e suas complexidades no que tange ao ambiente rural.
Por fim, mais alguns fragmentos de La Hora esclarecem como em Santiago o
problema hídrico é um discurso crucial para entender a região:
Gramilla 19,
Hacen varios meses que el servicio regular del agua en esta población está resentido
seriamente; con el consiguiente perjuicio y molestias para el vecindario, que ahora se suerte
de ella merced a la buena voluntad de la empresa del F. C.C.A que ha puesto dos tanques con
agua a disposición del vecindario, debido a las activas gestiones que en ese sentido efectuó el
Intendente Municipal señor Herrera. Si bien es cierto que este servicio es normal, porque no
se carece de ella, también es verdad que esta forma de distribución levantaría de los tanques,
tiene sus bemoles, ya que pone en peligro la vida de quienes tienen que pasar casi a saltos los
rieles para conseguir llenar sus vasijas, baldes o tarros. Y decir que Gramilla posee una extensa
y bien construida red de cañerías que antes solían llevar el agua hacia todas las casas de la
población, aún hasta en las más humildes, con gran contentamiento de la gente menesterosa
de estas últimas, a las que se les deba el agua, sin cobrarles un solo centavo por retribución de
servicios. Este grave y serio inconveniente podría obviarse nada mas con que el P. E acelere las
reparaciones que se dicen están efectuándose en el motor con que antes se sacaba el agua del
pozo semi surgente que surte de este líquido a la población y que se descompuso hace más de
un año, sin que hasta la fecha se haya podido conseguir que se lo habilite nuevamente 958.
Ahora va a tener que intentar un nuevo esfuerzo o dar al asunto un plan de mayor enjundia
que tienda a su solución y va a tener que abarcar también la provisión de agua a las poblaciones
que carecen de ella. Ya ha iniciado esta parte de su nueva tarea consiguiendo que los
Ferrocarriles del Estado lleven mayor cantidad de tanques para que las poblaciones del chacho
santiagueño no tengan que asaltar los trenes como suelen hacerlo en los momentos en que
carecen por completo de agua. En fin, mayor buena voluntad no se puede dar que esta queda
exteriorizada por una completa vigilancia sobre los contratiempos que pasan las poblaciones
de campaña959.
[...] a emoção, o juízo de valor, a expressão são coisas alheias à palavra dentro da língua, e só
nascem graças ao processo de sua utilização ativa no enunciado concreto. A signi cação da
palavra, por si só (quando não está relacionada com a realidade), como já dissemos, é extra-
emocional [...] O colorido expressivo lhes vem unicamente do enunciado, e tal colorido não
depende da significação delas considerada isoladamente963. [grifo do autor]
O que desejo inferir com essas proposições é que há uma lógica enunciativa
no periódico La Hora ao tratar o tema da água, da irrigação, dos assaltos aos
trens. Tais acepções independem do significado mesmo das palavras de forma
isoladas; elas têm o “colorido” ou revelam emoções dentro de um todo do
enunciado proposto. A seca como reveladora de uma situação-limite em que é
posta a população semiárida, e a própria província, ao ser narrada, expressa
posições, poderes, relações políticas, sociais, mas também todo um
simbolismo que pode mascarar o que de fato recai sobre Santiago del Estero
e/ou o Ceará, quando uma estiagem prolongada acomete essas áreas.
A in uência que um dado enunciado pode ter em seu público leitor
(considerando-se que esse público no caso santiagueño podia ser uma elite
citadina local ou mesmo criolla numa vertente mais nacional) é o fator
primordial de uma análise crítica dos discursos. Levando-se em consideração
aquilo que Tasso nos convida a pensar, por trás da irrigação se revelava a
estrutura de dominação surgida desde o começo da expansão agrária. Os
grandes proprietários que haviam construído suas próprias “acequias”,
estabeleceram, simultaneamente, uma fonte de poder perdurável, baseada no
controle de um recurso natural muito mais importante que a terra, dadas as
condições ecológicas em que se desenvolvia a agricultura santiagueña964.
O que busco compreender nesta análise regional/local foi de que modo o
interior ainda encontrava-se condicionado a um discurso que não contemplava
a população local como um todo. O Ceará e Santiago del Estero, imersos
ainda em conjunturas nas quais havia uma necessidade de reafirmação dos
seus espaços no âmbito nacional, ou mesmo desejavam que o Rio de Janeiro e
Buenos Aires olhassem para eles, principalmente no contexto das secas,
levaram a cabo ideias de vigilância e controle que perpetuaram a
desigualdade social. A miséria, a fome, a água (pensada como um problema
geográfico), as migrações e o desemprego, são os temas centrais de todo este
trabalho, porque são eles os fios condutores dos discursos que formaram
diversas visões sobre esses territórios. Estão eles ainda intimamente ligados à
perpetuação de vozes de mando que se beneficiaram de uma população que,
apesar de resistir em diversos momentos, ainda se estabelecia fincada em
relações de dependência de difícil desvinculação. Além disso, a imprensa
corroborava e passava a ser um veículo de manutenção de todas essas visões e
certificação desses poderes locais.
Era preciso se afirmar como uma sociedade passível de modernizar-se, nesse
contexto. Ao mesmo tempo, era necessário mostrar que se isso não ocorria, a
natureza, ou mesmo a falta de um olhar mais geral do governo federal, logo,
de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, era que faziam com que a sociedade não
progredisse. Porém, como vimos neste capítulo, o que acomete essas áreas, de
maneira mais concreta, é a concentração de poderes que se dão no âmbito
econômico, político e também simbólico. São “os donos” das terras e de
gentes. Toda essa conjuntura demonstra, assim, que as ideias de civilização e
barbárie ainda eram temas em voga no contexto de início do século XX,
mesmo que saibamos que elas se apresentam e são apropriadas de outras
formas. Levar a modernidade a uma população “tradicional”, requeria uma
série de políticas públicas e visões que, em sua ampla maioria, estavam fora da
realidade da população local cearense e santiagueña. A modernidade se
perpetuava pela eliminação das particularidades.
Pensemos de uma maneira mais ampla, como aponta Mignolo, que a
América foi, de fato, uma invenção forjada durante o processo colonial
europeu e a consolidação e expansão das ideias e instituições ocidentais965. No
século XX, o progresso devia avançar em áreas onde se mantinham formas
“arcaicas de produção”. Essas ideias, advindas ainda de um modelo
eurocêntrico ou ocidental de sociedade, e mesmo norte-americano, não
consideravam legítimos os modelos de vida das populações do campo.
Por fim, para continuação das re exões, considero fundamental entender
que:
La configuración geopolitica de los instrumentos con que se media la naturaleza de los seres
humanos en base a una idea de la historia que los cristianos occidentales consideraban la única
idea verdadera y aplicable a todos los habitantes de1 planeta llevo al establecimiento de una
matriz colonial de poder, a dejar a determinados pueblos fuera de la historia para justificar la
violencia en nombre de la evangelización, la civilización y, más recientemente, del desarrollo
y de la democracia de mercado966.
750. MIGNOLO, Walter D. Educación y decolonialidad: aprender a desaprender para poder re-aprender.
En: GIULIANO, Facundo. Rebeliones éticas, palabras comunes. Conversaciones (Filosó cas, Políticas,
Educativas). Buenos Aires: Colección Educación: Otros Lenguajes. Miño y Dávila. Editores, 2017, pp.
131-160; p. 137,
751. Ibidem, p. 148
752. MIGNOLO, Walter. Habitar la frontera... Op.cit, p. 120
753. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 283
754. Ibidem, p. 291
755. Ibidem, p. 292
756. WORSTER, Donald. Transformações da terra: para uma perspectiva agroecológica na História.
Ambiente & Sociedade [online], Volume 5 (2), 2003, pp.23-44; p. 26 e p. 23;
757. E. Little, P. (2011). Espaço, memória e migração. Por uma teoria de reterritorialização. T.E.X.T.O.S
DE H.I.S.T.Ó.R.I.A. Revista Do Programa De Pós-graduação Em História Da UnB., 2(4), 5–25. 1994
758. HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar,
território e meio ambiente. Revista TERRITÓRIO, ano II, n3, jul./dez. 1997 pp. 77-85; p. 84
759. HAESBAERT, Rogério. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. Seminário Internacional
sobre Múltiplas Territorialidades. Porto Alegre: UFRGS, 23 set. 2004, p.1. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/petgea/Artigo/rh.pdf, Acesso em: 20 abril. 2019
760. Ibidem, pp. 2-5
761. Pode-se considerar, nesse aspecto, aquilo que Arturo Escobar convida a re etir: Devemos entender
que a colonização não termina com a emancipação dos países ditos dependentes, mas sim que a
colonialidade se recria em diferentes épocas de forma a legitimar a dominação capitalista sobre diversos
povos e nações. A crítica da visão da modernidade/colonialidade, neste sentido, quer trazer à tona temas
esquecidos pelas Ciências Sociais. O autor refere-se, assim, ao entendimento que se tem em relação ao
que é modernidade. Escobar coloca que devemos sair da velha defesa de formas de vida eurocêntricas que
tem privilegiado historicamente uma história dos brancos que deixa de lado populações inteiras como
os povos nativos e os negros, por exemplo. É necessário abarcar os processos de apropriação e
silenciamento dos saberes das populações (coloniais), os impactos que isso gerou dentro dos seus
saberes, da legitimação do poder e das diversas lutas que foram travadas. ESCOBAR, Arturo. Más allá del
Tercer Mundo: globalidad imperial, colonialidad global y movimientos sociales anti-globalización, en una minga
para el postdesarrollo: lugar, medio ambiente y movimientos sociales en las transformaciones globales. Facultad de
Ciencias Sociales, Universidad Nacional Mayor de San Marcos/Programa Democracia y Transformacion
Global, Lima, 2010, pp.71-73
762. MARTINS, Luciano. Op.cit, p. 675
763. PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. Da Revolução de 1930 ao Golpe de 37: a
depuração das elites. Dossiê Estado Novo 60 anos. Revista de Sociologia e Política, n. 9, 1997, pp. 7-23; p. 8
764. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Gabinetes na região norte do Ceará: questões em torno de um
esquecimento (1877-1919). Revista EMBORNAL, Associação Nacional de História – secção Ceará
(ANPUH-CE), v.1, n.1 (2010), pp.1-22.
765. Idem. Espectros de lutadores: história, memória e imprensa em Sobral/CE no início do século.
Outros Tempos, v. 13, n. 21, 2015 pp. 65-83; p. 69.
766. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Cultura letrada e caminhos da memória: intelectuais, leitura, imprensa e
memória na zona norte do Ceará (1870-1890, 1920-1932, 1984-2003). Tese de Doutorado (UFC), Ceará, 2018, p.
183
767. Vale mencionar que, de acordo com Eduardo Amaral: “Com o advento da chamada ‘Política das
Salvações’ do governo do presidente Hermes da Fonseca (1908-1912), inicia-se uma nova fase na vida
partidária cearense. Até então, havia somente um partido, o da situação, Partido Republicano. Depois,
com o crescimento da tensão política e da disputa entre várias facções em jogo, surgem outros partidos.
Dentre E quais, o mais relevante foi o Partido Republicano Democrático. Seus apelidos ‘marreta’ e
‘rabelista’ têm origem nas rixas e dissensões políticas da época. ‘Marreta’ é quem bate sem dó; ‘Rabelista’
é quem era partidário do presidente Marco Franco Rabelo”. MARAL, Eduardo Lúcio Guilherme. As
‘Cartas a Cunceição’ e o humorismo político cearense (1919-1930). ANTÍTESES, v.10, n19, pp. 521-542,
jan/jun/,2017, pp. 535-536.
768. LIMA, Jorge Luiz Ferreira. Cultura letrada e caminhos da memória: intelectuais, leitura, imprensa e
memória na zona norte do Ceará (1870-1890, 1920-1932, 1984-2003). Op.cit, p. 169
769. Ibidem, p. 184
770. Ibidem, p. 195
771. Aline Alves e Francisco Alencar Mota salientam ainda uma posição ambígua de Craveiro: “Craveiro
foi redator de dois jornais de circulação regional, A Ordem (1916), jornal ligado ao Partido Republicano
Conservador - PRC, como também O Nortista (1913). O posicionamento político do autor é claro no
primeiro jornal, onde em todos os seus artigos, defende ou protege a Igreja, apoiando as suas ações ou
posicionamentos, por mais que as suas concepções sobre ela sejam opostas, sobretudo no que diz
respeito à educação. O estranhamento é tanto que o outro jornal da região, O Rebate (1916), ligado ao
partido dos democratas, questiona se o jornal (A Ordem) é dos Craveiros – já que seu irmão Craveiro
Filho é o editor-chefe do mesmo – ou da Igreja. Já em O Nortista, a posição de Newton é mais liberal.
Nesse folhetim, ele tece críticas ao governo, prega um novo modelo de educação, que é fundamentada
na escola nova, uma educação técnica e laica”. ALVES, Aline Monteiro; MOTA, Francisco Alencar.
Newton Craveiro e o Movimento da Escola Nova em Sobral/CE. Revista Homem, Espaço e Tempo. Revista
do Centro de Ciências Humanas, UVA, v. 4, n. 1, 2010, pp.77-88; p. 82.
772. CASTIGLIONE, José F. L. El periodismo en Santiago del Estero. Santiago del Estero: Fundación
Castiglione, 2. ed., 1983, p. 32
773. Ibidem, p. 36
774. Ibidem, p. 36
775. Ibidem, p. 43
776. Ibidem, p. 45
777. Ibidem, p. 108
778. PICCO, Ernesto. Medios, política y poder (1859-2012). Santiago del Estero: el autor, 2012, p.16
779. ARCE, Marcela. La Hora: Memorias del olvido. Revista Segundo. Santiago del Estero, 20 de junho de
2018. Disponível em: <http://ww.revistasegundo.unse.edu.ar/la-hora-memorias-del-olvido/>. Acesso
em: 27 mar. 2019.
780. Ibidem.
781. PICCO, Ernesto. Op.cit, p. 17
782. Ibidem, p. 19
783. COSTA, Fernando Sánchez. La cultura histórica. Una aproximación diferente a la memoria
colectiva. Revista de Historia Contemporánea, núm. 8, 2009, pp. 267-286; p. 279.
784. Entende-se por cultura histórica, aquilo que o próprio autor Fernando Sánchez Costa analisa como
consciência histórica dos cidadãos e como essa consciência é encarnada e objetivada no espaço público.
Costa explica que é graças a essa consciência que o sujeito pode descobrir a consistência de sua
identidade. A consciência histórica é a apreensão da temporalidade e seu motor é a memória, mas não
uma temporalidade vazia, e sim o conhecimento daquilo que se tem sucedido no tempo que nos
permite saber sobre a realidade; realidade esta que é fruto de um processo histórico. Por meio dela,
conseguimos encontrar o sentido histórico do desenvolvimento da humanidade e da nossa comunidade.
Deste modo, a consciência histórica se faz cultura. A cultura é o modo como a sociedade interpreta,
transmite e transforma a realidade. A cultura histórica é o modo concreto como esta sociedade se
relaciona com o passado e este é, portanto, o conjunto de recursos e práticas sociais por meio dos quais
os membros de uma comunidade interpretam, transmitem, objetivam e transformam o passado. Ver:
COSTA, Fernando Sánchez. Op.cit, pp. 274-277
785. Ibidem, p. 283
786. Ibidem, p, 283
787. Preocupações ageladas. João Hidrófilo entrevistado pela “A ORDEM” diz que ainda poderemos ter
dez chuvas boas até o fim de junho. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n9920, 30 de março de 1932, p.3
788. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 996, 13 de abril de 1932, p.1
789. “Santo Antonio”, 6 de abril de 1932. Ilamo. Sr.Craveiro Filho. D. Director da ‘A Ordem’”. SOBRAL.
Roubo. Construção de obras. A Ordem, Sobral-Ceará. Ano XVI, n. 997, 16 de abril de 1932, p. 4.
790. CASTRO, Josué. Op,cit, p. 165
791. Ibidem, p. 165
792. Ibidem, p. 177
793. BURITI, Catarina de Oliveira; & AGUIAR José Otávio. Op.cit, p. 8
794. O conceito de coronelismo que utilizaremos neste livro está contido nas análises de Victor Nunes
Leal: “O ‘coronelismo’ como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime
representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder
privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma
peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do
nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa
base representativa. Por isso mesmo, o “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de
proveitos entre poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente in uência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores de terra. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem
referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder
privado ainda tão visíveis no interior do Brasil. Paradoxalmente, entretanto, esses remanescentes de
privatismo são alimentados pelo poder público, e isso se explica justamente em função do regime
representativo, com sufrágio amplo, pois o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja
situação de dependência ainda é incontestável. Desse compromisso fundamental, resultam as
características secundárias do sistema “coronelista”, como sejam, o mandonismo, o filhotismo, o
falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais.” LEAL, Victor Nunes. Coronelismo,
Enxada e Voto. O município e o regime representativo no Brasil. 7.ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2012, p.23. Gostaria de enfatizar a complexidade desse conceito com uma breve explicação de José
Murilo de Carvalho sobre como Nunes Leal fez suas análises e como não podemos deixar de frisar
algumas questões: “Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de
relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. O
coronelismo, além disso, é datado historicamente. Na visão de Leal, ele surge na con uência de um fato
político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo implantado pela República em
substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o
governador de estado. O antigo presidente de Província, durante o Império, era um homem de
confiança do Ministério, não tinha poder próprio, podia a qualquer momento ser removido, não tinha
condições de construir suas bases de poder na Província à qual era, muitas vezes, alheio. No máximo,
podia preparar sua própria eleição para deputado ou para senador. O governador republicano, ao
contrário, era eleito pelas máquinas dos partidos únicos estaduais, era o chefe da política estadual. Em
torno dele, se arregimentavam-se as oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais
representantes. Seu poder consolidou-se após a política dos estados implantada por Campos Sales em
1898, quando este decidiu apoiar os candidatos eleitos ‘pela política dominante no respectivo estado’”.
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual.
Dados [online]. 1997, v. 40, n. 2. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S0011-
52581997000200003&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0011-5258. <http://dx.doi.org/10.1590/S0011-
52581997000200003>. Acesso em: 09 fev. 2020.
795. O agelo. O eminente Bispo de Sobral e as associações de classes apelam para o ministro José
Américo. Ministro José Américo. Baía. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n1002,4 de maio de 1932, p.1.
796. A seca no Ceará. Ao Paixão Filho. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n1006, 21 de maio de 1932, p.2.
797. A seca e o Acaraú. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 1020,16 de julho de 1932, p.2.
798. Veía que sus hijos sentían hambre y robó alambre para lograr dinero. La Hora, Santiago del Estero,
Año XI, nº3558, 4 de diciembre de 1937, p.3.
799. Santa Maria, 19 – Diciembre 12 de 1937. La Hora, Santiago del Estero, Año XI nº3573, Santiago del
Estero, 23 de diciembre de 1937, p.3.
800. El hambre y la miseria azoratarían a O. De Agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, nº3573, 23
de diciembre de 1937, p.3.
801. ZIRINO, Cintia Romina. Características de la estructura agraria en Santiago del Estero durante la década
de 1940: Hacia una historia social del campesinado. Tesis en Licenciatura en Historia de la Facultad de
Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires (UBA), 2008, p. 1
802. GANCEDO, Alejandro. Memoria Descriptiva de Santiago del Estero. Buenos Aires: Imprenta,
Litografía de Stiller & LAASS – SAN MARTIN, 1885, pp. 40-53
803. ZIRINO, Cintia Romania. Op.cit, p. 9
804. Ibidem, p. 13
805. Ibidem, p. 13
806. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. El Norte. Colección Buen Aire. Buenos Aires: Emecé Editores S.A, 1942
p.7.
807. Ibidem, p. 7
808. Miseria de S. del Estero preocupa a todo el pais. De R. Santiagueños elevo una nota al Pte. de la
Nación. La Hora, Santiago del Estero, Año XI n 3561, 9 de diciembre de 1937, p.1.
809. Pequeños agricultores de la zona sud quieren se les de agua para riego. La Hora, Santiago del Estero,
Año XI, n3566, 14 de diciembre de 1937, p.3.
810. Las cosas en su lugar. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n 3573, 23 de diciembre de 1937, p.3.
811. CANAL-FEIJÓO, Bernardo Canal. El Norte... Op.cit, p. 8
812. Ibidem, p. 5
813. Ibidem, p. 5
814. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 297
815. Ibidem, p. 298
816. Ibidem, p. 309
817. Ibidem, p. 309
818. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem, Sobral-Ceará, n996,13 de abril de 1932, p.1.
819. A seca agelando os sertões. A hora em que vivemos. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n997, 16 de
abril de 1932, p.1.
820. O Problema do Nordeste. Pimentel Gomes (Agronomo, cathedratico do Gymnasio do Estado, em
Tatuhy). (Especial para “A ORDEM”). A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVII, n1081, 10 de maio de 1933, p.4.
821. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste... Op.cit, p.114
822. Passagem para São Paulo. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, n. 997, 16 de abril de 1932, p. 4.
823. O exodo macabro. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVI, nº997, 16 de abril de 1932, p.4.
824. Analiso, nos capítulos anteriores, como o país foi visto por uma corrente sanitarista como um
imenso hospital, discurso recorrente na década de 1920/1930. Para os sertões, vale mencionar também
que pensava-se na noção de “Interiorização dos serviços de saúde”. De acordo Carlos Paiva, essa
interiorização estava “no discurso dos médicos, advogados, engenheiros e intelectuais do início do
século XX, sob tom marcadamente missionário, sustentava-se em um vocabulário que orbitava em torno
de expressões como ‘construção nacional’, ‘formação da nacionalidade’, ‘formação do povo brasileiro’,
em um movimento que dialogava e se opunha diretamente às teses do determinismo biológico e racial
médicos, proveniente de figuras como Nina Rodrigues”. Sobre essa questão ver: PAIVA, Carlos Henrique
Assunção. O sertão na saúde e na formação de trabalhadores setoriais: contextos, atores e ideologias
(1920-1970). Saúde Debate. Rio de Janeiro, v. 40, n. 110, p. 224-233, Jul-Set 2016, pp.224-233; p.225.
825. BURITI, Catarina; & AGUIAR José Otávio. Op.cit, p. 8
826. Ibidem.,p. 8
827. OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Pla-nejamento e con ito de
classes. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. (Estudos sobre o Nordeste, v. 1), p. 35.
828. Ibidem, p. 35
829. Ibidem, p. 46
830. Darcy Ribeiro exemplifica a figura do meeiro com os cultivadores de algodão que ingressaram no
latifúndio pastoril. Era o lavrador de mocó – um tipo de algodão arbóreo que adapta-se a secura do
sertão, contendo fi bras longas e de boa aceitação no mercado. O meeiro, portanto, recebia “uma quadra
de terra para cultivar o alimento que comeriam e outros para produzir colheitas de mocó, de que
deveriam entregar metade ao proprietário”. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do
Brasil. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.346
831. OLIVEIRA, Francisco de. Op.cit, p. 48
832. Ibidem, p. 48
833. Ibidem, p. 49
834. LEAL. Vitor Nunes. Op.cit, p. 24
835. RIBEIRO, Rafael Winter. Op,cit, p. 75.
836. RIBEIRO, Darcy. Op.cit, p. 342
837. RIBEIRO, Darcy. Op.cit, p. 343
838. Ibidem, p. 347
839. Ibidem, p. 348
840. Ibidem, p. 348
841. Ibidem, p. 349
842. Ibidem, p. 349
843. Despoblación de la Campaña. La Hora, Santiago del Estero, n3443, 16 de julio de 1937, p.3.
844. Agricultores en Exodo. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n3432, 2 de julio de 1937, p. 3.
845. Se pide a la J.N de Desocupación que remita a Sgo. Las provisiones adquiridas. La Hora, Santiago del
Estero, Año XI, n3575, 27 de diciembre de 1937, p.1.
846. LEDESMA, Reinaldo; TASSO, Alberto. Empleo rural migrante y estacional en Santiago del Estero.
In: LEDESMA, Reinaldo; PAZ, Jorge; TASSO, Alberto (org.). Trabajo rural estacional en Santiago del
Estero. OIT. Programa CEA ARGENTINA. Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social (MTEySS)
Buenos Aires: OIT, 2011, pp.39-99; p.45.
847. Ibidem, p. 46
848. FAZIO, Lorenzo. Memoria Descriptiva de la provincia de Santiago del Estero. Buenos Aires: Compañia
Sud-Americana de Billetes de Banco, 1889, p.251.
849. FAZIO, Lorenzo.Op.cit, p. 2
850. TASSO, Alberto & ZURITA, Carlos. Op.cit, p. 34
851. FORNI, F.; BENENCIA, R.; NEIMAN, G., Empleo, Estrategias de vida y reproducción. hogares rurales en
Santiago del Estero. Buenos Aires: CEAL, 1991, p.21
852. TASSO, Alberto; & ZURITA Carlos. Op.cit, p, 37
853. Ibidem, p. 37
854. Ver: FARBERMAN, Judith. Recolección, economía campesina y representaciones los montaraces
en Santiago del Estero, siglos XVI a XIX. Prohistoria, año X, número 10, Rosario, Argentina, 2006, pp.11-
26; p.13.
855. FARBERMAN, Judith. Recolección, economía campesina, Op.cit, p. 13 e p. 14
856. BANZATO, Guillermo; ROSSI, María Cecilia. El mercado de tierras en las fronteras interiores
argentinas. La expansión territorial de Buenos Aires y Santiago del Estero en la segunda mitad del siglo
XX. América Latina en la Historia Económica (34) 7-34. En Memoria Académica, 2010, p.9.
857. FORNI, F.; BENENCIA, R.; NEIMAN, G. Op.cit, p.22-25
858. Ibidem, p. 63-65
859. TASSO, Alberto y ZURITA, Carlos. Op.cit, p.41
860. José Andrés Rivas, em seu artigo “El mundo rural santiagueño en los relatos de Jorge Wáshington
Ábalo”, analisou o livro Skunko, do autor Wáshington Ábalo que re etiu a situação do mundo rural
santiagueño da metade do século XX. Segundo Rivas, “Ábalos describió con profunda autenticidad en sus
páginas el mundo rural que lo había rodeado en los años de su experiencia como maestro de las escuelas del monte.
En esas páginas re ejó las condiciones de vida de una comunidad de pastores de cabra que hablaban otra lengua,
tenía otras creencias, vivían rodeados de alimañas, pestes y hambres, y pasaban sus días en medio de ríos secos y
tierras desérticas, bajo la maldición de la pobreza y de los soles de espanto...”. RIVAS, José Andrés. El mundo
rural santiagueño en los relatos de Jorge Washington Ábalos. Población & Sociedad, nº8/9, 2000-2001,
pp.269-296; p. 294. Cabe salientar que não é o intuito deste livro analisar a obra de Ábalo ou mesmo
explicá-la aqui por meio do artigo de José Rivas. O que desejo é apropriar-me, no entanto, das re exões
conjunturais que Rivas consegue abarcar por meio da obra de Ábalo para que, assim, possamos
compreender esse mundo rural santiagueño, que se re ete também em nossas proposições sobre
Santiago del Estero de forma mais ampla.
861. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 271.
862. Ibidem, p. 272 e p. 273.
863. TASSO, Alberto y ZURITA, Carlos.Op.cit, p. 36
864. Ibidem, p. 36.
865. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 275 e p. 276.
866. É válido salientar que, de acordo Tasso e Zurita, “todos los años cerca de 40.000 trabajadores de Santiago
del Estero se trasladan a otras provincias de Argentina para realizar tareas agrícolas temporarias”. TASSO,
Alberto y ZURITA, Carlos. Op.cit, pp.33-47
867. RIVAS, José Andrés. Op.cit, p. 276 e p. 277
868. Ibidem, p. 280
869. Ibidem, p. 281
870. Os casos brasileiros e argentinos e as reivindicações sociais no interior do Ceará e de Santiago del
Estero foram apontadas no segundo capítulo. Frederico de Castro Neves e Alberto Tasso analisam como
nessas regiões o sertanejo e o santigueño também souberam, respectivamente, na década de 1920-1930,
se mobilizar mediante as injustiças sociais e ao descaso do poder público. Sobre isso, ver, para caso o
brasileiro: NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História, Op.cit. Para Santiago del Estero: TASSO,
Alberto. La protesta del agua... Op.cit
871. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera... Op.cit, p. 122
872. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera... Op.cit. p.122
873. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 17
874. Ibidem, p. 17
875. Ibidem, p. 17
876. Ibidem, p. 17
877. Ibidem, p. 17
878. Re exões retiradas de: FARBERMAN, Judith. Op.cit, p.22-24
879. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 307
880. TASSO, Alberto. Un caso de expasión agraria... Op.cit, p. 110
881. RENNÓ, Carlos; PIMENTEL, Lenine. Quedê água?. Originalmente em: PIMENTEL, Lenine.
Carbono. Casa 9/Universal Music, 2015. Long Play (5 min. 30 seg.).
882. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Op.cit, p.19
883. Ibidem, p. 22
884. Ibidem, p. 22
885. Varias. Açudes particulares. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XIV, n. 841, 30 de agosto de 1930, p 1.
886. Santo Antonio. A Ordem, Op.cit, p.4
887. O ministro José Américo fala sobre o problema do Nordeste. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XVII, n.
1100, 19 de julho de 1933, p.2
888. “Desde o Império houve a primeira manifestação no que diz respeito ao problema da seca. Foi assim
que se criou uma Comissão Científica de acordo com a Lei 884, em 1856, composta de Engenheiros e
Naturalistas para pensar como resolver essa questão. Entre 1870-1880, o Clube de Engenharia nomeou
também comissões de estudos e debateu os efeitos das secas [...] O engenheiro André Rebouças em 1877
no Jornal do Comércio, relatava a situação global das secas e falava sobre o Ceará, fazendo uma análise
comparativa com a Índia, que em 1876 estava passando por uma grave seca [...] Numa Ata da sessão
extraordinária do Instituto Politécnico do Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1877, debatia-se que no
Ceará deveriam se construir açudes como se construiu diques na Holanda, já que o Brasil era abundante
em chuva. Sendo a seca no Ceará causada não somente por questões naturais, pois havia no subsolo uma
corrente d’água que permitia que ‘rasgando’ a terra se jorrasse água”. MELO, Leda Agnes Simões de.
Op.cit, p.33 e p. 34
889. LUCCHESI, Fernanda. As obras contra as secas e a interiorização da burocracia: A ação dos DNOCS
no sertão da Paraíba. REA , n. 2, Junio de 2016 - – Dossiê Antropología del Derecho en Brasil’, pp. 51-59; p..
53
890. AGUIAR, Pinto de. Nordeste: o drama das secas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 28.
891. BRASIL, Thomaz Pompeu de Souza. Op.cit, p. 15
892. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit, p.130
893. Ibidem, p. 137
894. SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Op.cit p. 141.
895. Raymundo Pimentel Gomes nasceu em Sobral e foi “engenheiro agrônomo, jornalista, escritor,
professor. Diplomou-se em agronomia em 1922. Quando estudante, fez parte da redação da Gazeta de
Piracicaba e foi colaborador da imprensa local, notadamente do Jornal de Piracicaba e do Diário de
Piracicaba [...] Na sua longa carreira de engenheiro agrônomo, atuou no Ceará, São Paulo, Paraíba, Rio
de Janeiro e Acre. Durante muitos anos, militou na imprensa carioca, principalmente no jornal Correio
da Manhã, e colaborou assiduamente em periódicos do Ceará, Bahia, Paraíba e Pernambuco e na
imprensa de Angola (África). Teve seus estudos publicados na Revista de Agricultura e O Solo, em Piracicaba
e em outras revistas do país. Foi professor do ginásio estadual de Tatuí e também da Escola de
Agronomia do Nordeste, em Areia, Paraíba. Dirigiu os Departamentos de Produção do estado da Paraíba
e do Acre. Foi diretor-geral do Serviço Florestal (posteriormente Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal) e livre-docente de geografia do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Deixou
uma dúzia de livros publicados, entre os quais: O Brasil entre as cinco maiores potências no m deste século
(1964), Por que não somos uma grande potência?, Fruticultura brasileira, A soja, Forragens fartas na seca, Adubos
e adubações, O coqueiro-da-Bahia, China uma nova civilização e o romance histórico A conquista do Acre (F. P.
Gomes, Jornal de Piracicaba, 10.5.1986).” Disponível em: PFROMM NETTO, Samuel, 1932-2012.
Dicionário de Piracicabanos — 1. ed. — São Paulo: PNA, 2013. Instituto Geográfico de Piracicaba –
https://www.ihgp.org.br/, Acesso em 27 de maio de 2019.
896. O Problema do Nordeste. Pimentel Gomes. A Ordem, Op.cit, p. 4 e p. 5
897. MIGNOLO, Walter D. Habitar la frontera… Op.cit, p. 125
898. THIESSE, Anne-Marie. Op.cit.
899. RIBEIRO. Rafael Winter. Op.cit, p. 61
900. CHACON, Suely Salgueiro. Op.cit, p. 47
901. CAMPOS, José B. Secas e políticas públicas: ideias, pensadores e períodos. Estudos avançados, 28
(82), 2014, pp. 65-88; p. 65.
902. Ibidem, p. 65.
903. CAMPOS, José B. Op.cit, p. 78
904. Ibidem, p. 78.
905. “A açudagem, com irrigação, no Brasil nordestino, data dos últimos dias do Império, com a decisão
de construir o açude de Cedro, que iniciado em 1891 e previsto para acumular 126 milhões de m³, ficou
concluído em 1906, 15 anos depois, com 50 km de canais, mas que somente sangrou uma vez, em 1924,
pois fora superdimensionado em virtude de não dispor o projeto primitivo de dados hidrológicos
suficientes. Em 1932/33, como re exo da seca, começaram os trabalhos de construção dos canais em Icó
e Joaquim Távora, no Ceará, no Rio Grande do Norte, Lima Campos e Russas, no Ceará. Até 1942, os
progressos foram lentos [...]” AGUIAR, Pinto. Op.cit., p. 47.
906. Ibidem, p. 45 e p. 46
907. CHACON, Suely. Op.cit, p. 176.
908. Ibidem, p. 176
909. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre dois paradigmas: combate à seca e convivência com o semi-
árido, Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p. p. 361-385, jan./dez. 2003, p. 362.
910. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 7.
911. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Op.cit, p. 369.
912. A seca no Jaguaribe. A Ordem, Sobral-Ceará, Ano XV, n. 848, 27 de setembro de 1930, p. 3.
913. Flagelado da seca. A União Trabalhista presta a sua cooperação à causa comum. A Ordem, Sobral-
Ceará, Ano XVI, n. 1001. 30 de abril de 1932, p. 1
914. A reconstrução do “Santa Maria”. A Ordem. Op.cit, p.4
915. Cabe destacar que, de acordo com Joselina Santos: “ [...] a posição assumida pela Igreja Católica
frente aos problemas oriundos das novas relações no mundo trabalho”, significava que era necessário a
construção de um projeto que pudesse refrear os ímpetos de uma massa que achava-se despossuída,
estatuindo mecanismos para sua disciplina e meios adequados ao seu controle [...] A Igreja Católica
empenha-se na construção de propostas que façam frente aos problemas do mundo moderno e os
Círculos Operários apresentavam um potencial canalizador das perspectivas da Igreja em seu propósito
de ordenamento social [...] Os Círculos Operários devem, portanto, ser apreendidos também, em sua
dimensão cultural, sem que sejam negligenciadas as disputas políticas na organização do operariado, nas
quais os Círculos Operários foram instrumentalizados pela Igreja Católica para, principalmente, servir
como anteparo às infiltrações das ideias e propostas socialistas em um sentido, e noutro, tomando o caso
brasileiro como exemplo, como canal de interlocução entre a Igreja e o Estado, especialmente, mas não
exclusivamente, no pós-30, durante o governo de Getúlio Vargas”. SANTOS, Joselina Silva. Círculos
Operários no Ceará: “Instruindo, educando, orientando, moralizando” (1915-1963). Dissertação Mestrado em
História Social. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2004, p. 17 e p. 20
916. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p. 108.
917. Ibidem, p. 112.
918. Ibidem., p. 114.
919. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Palavras que calcinam... Op.cit, p. 117
920. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Op.cit, p. 369.
921. TASSO, Alberto Un caso de expansión agraria seguido por depresión. Santiago del Estero, 1870-
1940... Op.cit, p. 112
922. Idem. La sequía de 1937... Op.cit, p. 19
923. Agricultores en Exodo. La Hora, Op.cit, p. 3
924. De M. Quemado solicitan la solución del problema del agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI
n. 3550, 25 de noviembre de 1937, p. 3.
925. Un grito de angustia llega desde la campaña. Peligran de perecer miles de seres humanos. La Hora,
Santiago del Estero, 2 de diciembre de 1937, p. 3.
926. Pequeños agricultores de la zona sud quieren se les de agua para riego. La Hora..Op.cit, p. 3
927. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero... Op.cit, p. 18.
928. FAZIO, Lorenzo. Op.cit, p. 150
929. TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero...Op.cit, p. 19
930. FAZIO, Lorenzo. Op.cit, p. 189
931. TASSO, Alberto. La protesta del agua….Op.cit, p, 145
932. Es considerable la pérdida de animales por la sequía. La Hora, Santiago del Estero, Año X, n. 3529,
29 de octubre de 1937, p.p. 3.
933. Es critica la situación del Dpto. Copo por falta de agua y gran mortandad de haciendas. La Hora,
Santiago del Estero, 10 de noviembre, 1937, p.p. 1.
934. La actual sequía y nuestra desidia criolla. La Hora, Santiago del Estero, 15 de noviembre de 1937, p.
3.
935. TASSO, Alberto. La protesta del agua….Op.cit, p.146
936. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agraria seguido por depresión... Op.cit, p.121
937. Ibidem, p. 119.
938. Un grito de angustia llega desde la campaña. Peligran de perecer miles de seres humanos. La Hora,
Santiago del Estero, 2 de diciembre de 1937, p. 1.
939. Los servicios de nuestro hospital. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3566, 14 de diciembre de
1937, p.3.
940. El hambre y la miseria azoratarían a O. De Agua. La Hora. Op.cit, p.3
941. Santa Maria, 19 – Diciembre 12 de 1937, La Hora, Op.cit p.3
942. Agricultores en Exodo. La Hora. Op. p. cit, p.3
943. Ninõs enfermos. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3.384, 29 de abril de 1937, p. 3.
944. El Gobierno y el problema de la sequía. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, ºn. 3494,16 de
septiembre de 1937, p. 3.
945. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí M; OSPITAL, María Silvia. ‘Vivir con lo nuestro’: Publicidad y
política en la Argentina de los años 1930. Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe 78, abril
de 2005, p.p. 49-56, p. 50.
946. Ibidem, p. 50.
947. Ibidem, p. 51
948. GIRBAL-BLACHA, Noemí M; OSPITAL, María Silvia, Op.cit, p. 53
949. CANAL-FEIJÓO, Bernardo. El Norte. Op.cit, p. 35
950. Despoblación de la Campaña. La Hora, Santiago del Estero, n. 3443, 16 de julio de 1937, p. 3.
951. Ideia retirada de: ANDERMANN, Jens. Mapas de poder. Una arqueologia literaria del espacio argentino.
Rosario: Beatriz Vitiberto Editora, 2000, p. 27.
952. Ibidem, p. 51.
953. TASSO, Alberto. La protesta del agua... Op.cit, p. 147.
954. Ibidem, p. 147.
955. BENZATO, Guillermo Benzato y ROSSI, María Cecilia. Op.cit, p. 11
956. Ibidem, p. 13 e p. 14
957. TASSO, Alberto. La protesta del agua... Op.cit, p. 158.
958. El problema del agua. La Hora, Santiago del Estero, Año XI, n. 3446, 20 de julio de 1937, p. 3.
959. El Gobierno y el problema de la sequía. La Hora, Año XI, n. 3494, Santiago del Estero, 16 de
septiembre de 1937, p. 3.
960. TASSO, Alberto. La protesta del agua...Op.cit, p. 146
961. Ibidem, p. 152.
962. Ibidem, p. 155.
963. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 312.
964. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua….OP.cit, p. 156
965. MIGNOLO, Walter D. La idea de America Latina. La herida colonial y la opción decolonial. Barcelona
(Espanha): Editorial Gedisa, S.A, 2007. p. 28.
966. Ibidem, p. 30.
C 4
O discurso institucional sobre os
semiáridos: as narrativas das políticas
federal e estadual a respeito das secas
cearenses e santiagueñas
Analisei, até aqui, alguns pontos principais, que foram desde a compreensão
de como os conceitos de sertão e deserto estavam inseridos no Brasil e na
Argentina até a forma como as imprensas da capital e do interior entendiam e
apresentavam os espaços geográficos acometidos por fortes estiagens. Foi
visto, ainda, como isso se re etiu em diversas narrativas sobre o Ceará e
Santiago del Estero, dentro das quais as velhas dicotomias litoral/interior,
modernidade/atraso, civilização/barbárie, ainda na década de 1930, podiam
ser percebidas como ideias herdadas, em certos aspectos, do final do século
XIX.
Nesse sentido, tendo como fio condutor o que já foi re etido até aqui,
construirei este capítulo a partir de dois pressupostos importantes: a) como os
órgãos que estavam a frente do combate ou de algum tipo de auxílio nos
períodos de secas pensaram os problemas dessas regiões; b) como as falas de
figuras políticas de âmbito federal e estadual mostram, na prática, o
estabelecimento dos discursos que estavam em voga na fala dos periódicos e
de intelectuais da época. Assim, se verá como suas ideias encontravam-se na
ordem do dia também em um olhar mais institucionalizado, ou mesmo mais
oficial. Proponho, a partir disso, tratar, neste capítulo, o papel do Estado como
ator central em relação às sociedades rurais santiagueñas e cearenses.
Tal re exão se dará a partir da análise dos discursos e das políticas públicas
realizadas no Brasil pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS)
e, por meio das falas do ministro de Viação e Obras Públicas José Américo de
Almeida. Na Argentina, trabalharemos a Junta Nacional para Combatir la
Desocupación ( JUNALD), e as narrativas do governador santiagueño Pio
Montenegro para sua região. Entendo que esses atores e esses organismos são
parte representativa do Estado e do seu papel em relação a essas sociedades.
Re etirei sobre essas questões considerando, como aponta Noemí Girbal-
Blacha, a importância de se compreender o espaço rural definindo as suas
políticas públicas. É necessário levar em conta a autoridade pública, a
intervenção pública e os atores nelas envolvidos para poder classificá-las,
como diz a autora. Ao partir desse ponto de vista, os problemas – que devem
ser definidos – induzem a raiz dessas políticas, com a sua retórica e seus
marcos interpretativos. Também o fazem com suas estratégias discursivas
capazes de permitir aos atores políticos conferirem legitimidade aos seus
argumentos. A autora afirma que, assim, os assuntos políticos passam a ser
assuntos técnicos, tendo na ciência e nos especialistas os principais argumentos
necessários para a legitimação de certas demandas políticas967.
Este é o ponto central que desejo mostrar neste capítulo. Como o discurso
institucional legitimou visões sobre o sertão cearense e o chaco santiagueño
que demandaram políticas públicas. Aqui, de fato, os argumentos técnicos
embasam tal demanda. Girbal-Blacha coloca que a centralidade das políticas
públicas, se não contempla as identidades regionais, gera ao menos uma
relação quase simbiótica entre o governo central e as elites dessas localidades,
outorgando consistência aos vínculos de poder verticais que podem ser
obstáculos ao desenvolvimento econômico. Ou seja, o espaço/território, para
a autora, é uma construção social e responde ao modo desigual que os sujeitos
sociais têm de capturar os recursos que são gerados pela sociedade. Constrói-
se, assim, a legitimidade dos governos como parte do exercício do poder. O
Estado, nesse sentido, de acordo com Girbal-Blacha, ainda que não seja o
único, é o principal responsável em manter a governabilidade e a
territorialidade como expressões das múltiplas dimensões do poder968.
Isso instiga a pensar como em um espaço semiárido e em meio a uma
calamidade como a seca existe e se legitima um momento político por
excelência. Nesse sentido, como os governos argentinos e brasileiros lidaram
com os problemas das regiões mais afastadas dos ditos centros de poder,
revelando a distância existente na formulação de uma política que considera
geografias, climas e culturas distintas das do litoral, ou mesmo das cidades.
Como salienta Girbal-Blacha, as políticas públicas e de gestão pública utilizam
variados instrumentos como objeto político, logo, não são neutras, pelo
contrário, expressam uma certa visão política e moldam também a própria
política969.
Considero, assim, fundamental como primeiro passo para esta análise,
aquilo que Pierre Bourdieu assinala: devemos ter cuidado com o “modo de
pensar substancialista”, que é aquilo que ele chama do pensar do senso
comum e do racismo e “que leva a tratar as atividades ou preferências próprias
a certos indivíduos ou a certos grupos de uma certa sociedade, em um
determinado momento, como propriedades substanciais, inscritas, de uma
vez por todas, em uma espécie de essência biológica ou – o que não é melhor –
cultural”970. Bourdieu, nesse sentido, afirma também que todo espaço social é
também uma resposta das lutas de classes; logo, acaba por ser “um ponto de
vista, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço
social”971. Torna-se fundamental compreendê-lo, portanto, como campo de
disputa. Nos casos cearense e santiagueño, esses espaços sociais foram
permeados historicamente por con itos, negações, omissões e correlações de
forças que desejavam manter o pequeno produtor, o camponês, o sitiante,
posseiro, o índio, submetidos a um status quo.
Pode-se dizer, como analisa Girbal-Blacha, que pensar o território desde a
perspectiva rural implica ponderar o papel desempenhado pelo Estado, os
principais atores sociais envolvidos em sua configuração e as potencialidades
diversas do espaço regional com suas especificidades culturais, sabendo que o
setor agropecuário tem um significativo papel na economia, na política e na
sociedade972. A autora está se referindo ao papel do espaço rural no universo
argentino, no entanto, podemos utilizar essa mesma linha de raciocínio para
analisar o caso brasileiro.
A ação do Estado está situada naquilo que Nicos Poulantzas coloca: “o
Estado é uma condensação de forças” e de lutas, e essas lutas “detêm sempre o
primado sobre os aparelhos”, porque “o poder é uma relação entre lutas e
práticas (exploradores-explorados, dominantes-dominados)”973. Objetivo, com
isso, entender o que está no cerne de toda a discussão sobre a seca, os
semiáridos, as populações do interior: que tipo de modelo de sociedade os
Estados brasileiras e argentinas desejavam alcançar? Como isso fazia parte de
uma luta pelo domínio dos espaços? Como isso reverberava na maneira e no
modo de pensar a atuação nesses territórios?
A seca, mais uma vez, pode nos revelar tal intento. Em nome da
modernidade e do progresso desses países, como anteriormente maioria das
narrativas já analisadas, desejava-se justificar ações ou mesmo a ausência delas
em áreas mais pobres, como os semiáridos cearenses e santigueños. Assim,
esse Estado nacional capitalista almejava a homogeneização e a assimilação
no deslocar de suas fronteiras. Isso significava a supressão e a eliminação das
nacionalidades nesse processo, o que resultava em uma “constituição-limpeza
do território nacional que se homogeniza quando se delimita”974. Nicos
Poulantzas ressalta que se estabeleciam, portanto, “balizas para
homogeneizar, individualizar, para suprimir as alteridades e diferenças”975.
Concebo o Estado a partir, também, do conceito de Bourdieu. O Estado
como administração, forma de governo, conjunto de instituições burocráticas,
que ele chama de Estado 1, e o “Estado 2 (território nacional, conjunto de
cidadãos unidos por relações de reconhecimento, que falam a mesma língua,
portanto, aquilo que se põe sob a noção de nação). Portanto, o Estado 1 se faz
fazendo-se o Estado 2”976. Ou seja, o Estado 1 exerce “um poder de
centralização da força física e da força simbólica, é constituído assim em
objeto de lutas, está inseparavelmente acompanhado pela construção do
espaço social unificado que é de sua alçada”977.
Poulantzas salienta que houve, nesses contextos, a “dessacralização da
história para englobá-la”978. Ou seja, “o Estado capitalista estabelece as
fronteiras ao constituir o que está dentro, o povo nação, quando homogeneíza
o antes e o depois do conteúdo desse enclave”979. Logo, quando o Estado
pensava o semiárido como um espaço estático, ligado à ideia de um universo
rural arcaico, que não se encaixava na velocidade de uma sociedade em
expansão rumo à civilização, acabava por tentar “homogeneizar o povo-nação
ao forjar e ao apagar seus próprios passados”980.
Outro ponto importante é a chamada racionalidade territorial, que foi base
também do imperialismo981 nos séculos XIX e XX982. A ideia de civilização
assegurava, desse modo, a superioridade humana na terra sobre os outros
animais. Esse modelo vinculado, muitas vezes, aos escritos enciclopédicos
franceses, um francocentrismo cultural, como classifica Germán Palacio,
entendia que os climas com zonas temperadas eram considerados mais
propícios para a civilização que as zonas tropicais ou quentes983. Por isso,
pensar em Brasil e Argentina é também entender que essa ideia de América
vista como trópico ainda configurou nosso imaginário de inferioridade em
relação a Europa. Ou seja, esse conceito de civilização se manteve carregado,
como aponta Palacio, de uma série de conotações negativas para os países dos
trópicos, de caráter eurocêntrico, racista e antiecológico984.
Pode-se analisar, ao mesmo tempo, como o conceito de lugar pode nos
ajudar a desenvolver este caminho re exivo. Arturo Escobar diz que quando
quase toda teoria social convencional retirou “a ênfase da construção cultural
do lugar a serviço do processo abstrato e aparentemente universal da
formação do capital e do Estado”985 tornou quase que “invisíveis formas
subalternas de pensar e modalidades locais e regionais de configurar o
mundo”986. Ou seja, “o desaparecimento do lugar está claramente vinculado à
invisibilidade dos modelos culturalmente específicos da natureza e da
construção dos ecossistemas”987. A ideia moderna de sociedade em que existiu
uma separação entre o mundo biofísico, o humano e o supranatural, como
explica Escobar, é diferente em contextos não ocidentais “concebidos como
sustentados sobre vínculos de continuidade entre essas três esferas”988. Nesse
sentido, interessa-nos destacar que, ao analisar os semiáridos cearenses e
santiagueños, podemos delinear uma via de re exão priorizando o
conhecimento do lugar (por conseguinte, localizado) como espaço de práticas
que são distintas de um modelo universal de sociedade.
Girbal-Blacha alerta que se deve valorizar as identidades territoriais como
um conceito dinâmico que envolve os atores com o território. Isto se faz
necessário quando se trata de compreender os processos históricos que
definem ou in uenciam a construção social do espaço. As identidades nascem
e se vinculam, além disso, com os valores, com a cultura específica do lugar e
com o patrimônio histórico que estão ligados às estratégias políticas
implementadas para concretizar esse processo989. Diante disso, a natureza não
pode mais ser vista apenas considerando a relação produção-consumo das
necessidades de manutenção do capitalismo. Pelo contrário, deve ser
relacionada com a geração de saberes e tradições que estão intimamente
articuladas com o ser humano.
Como analisa William Cronon, “a natureza é coautora de nossas
histórias”990. Essa afirmação corrobora com as re exões deste livro, porque o
semiárido do Ceará e precisamente o interior do Nordeste brasileiro, como já
apontado, foi marcado por uma ocupação territorial de índios, portugueses,
negros, mestiços em estreita relação com a terra. Processo que também
ocorreu em Santiago del Estero, marcadamente permeado pelas tradições dos
povos originários, mestiços, criollos e também estrangeiros.
Logo, essas duas regiões são permeadas por um conhecimento localizado,
que está estreitamente relacionado com os vínculos dessa população com o
meio ambiente. Com isso, não podemos olhar para os discursos institucionais
sem sairmos das ideias (pre)estabelecidas por uma visão, por vezes ainda
ocidentalizada, que via a população do campo pela via do atraso, do arcaico,
do outro. Certamente, este tipo idealizado de sociedade estendeu-se a toda
população brasileira e argentina, não só para a população do interior.
Ana Paula Barcelos coloca o desafio de pensarmos a realidade latino-
americana sem o sentimento de inferioridade e impotência diante dos padrões
tidos como civilizados. Na América Latina, “em nome de uma autoimagem
idealizada, boa parte da população latino-americana composta por indígenas,
afrodescendentes e imigrantes, que trazem marcas da origem, da classe social
e da cor, acaba propositalmente esquecida”991. É, em grande parte, nesse
aspecto que a autora diz que se constroem e se produzem a história desses
países, a partir de uma imagem que ela chama fantasiosa, “mas que produz
efeitos políticos e ideológicos concretos”992. Logo, analisar o Brasil e a
Argentina, colocando uma lente de aproximação ainda maior para re etir
uma história mais local do Ceará e de Santiago del Estero, ou seja, do lugar, é
considerar o “tema da (des)qualificação moral e ideológica”993 que perpetuou-
se na história desses países.
Destaco, mais uma vez, que em meio às contradições políticas do Governo
Provisório de Getúlio Vargas se tinha o interior do Nordeste brasileiro
acometido por uma forte estiagem. E esta seca estava diretamente envolvida
com os desmandos de uma elite latifundiária dirigida pelos coronéis. Isto em
um país que desejava se reestruturar em uma dinâmica pós-crise de 1929 e por
meio de um processo de centralização política que ainda manteve a oligarquia
cearense em um poder de mando, mesmo que Vargas tenha adotado o sistema
de interventores estaduais.
Reitero que esse sistema, segundo Pandolfi e Grynspan, foi considerado “um
dos principais mecanismos de centralização” e um “importante sistema de
controle e uma cunha do poder central na política local”994. Atento ao fato de
que Vargas ingressou no poder articulando esses interesses rurais aos da
burguesia industrial, dos militares e dos trabalhadores, como aponta Maria
Celina D’Araújo. Ao mesmo tempo, realizou a centralização administrativa
que “obrigou à construção de novas instituições do Estado, fundamentais para
planejar a vida e dar vida às mudanças que o país viria a experimentar”995. Isso
é o que a autora chama de um programa de reconstrução nacional, objetivado
pelo presidente no contexto de sua posse e que tinha como eixos principais:
“aumento da produção, organização do trabalho, representação por classe,
saneamento e educação”996.O que se deu, portanto, foi que “pressionado tanto
pelos ‘tenentes’ quanto pelas oligarquias estaduais, insatisfeitas nos seus
respectivos estados com seus governantes, o Governo Provisório promoveu
diversas substituições, ora conciliando com as oligarquias, ora com as facções
‘tenentistas’”997.
Isto se deu também no Nordeste brasileiro. A política de combate à seca que
analisaremos neste capítulo encontrava-se envolvida neste contexto de
tentativa de conciliar diversos interesses políticos do próprio Governo
Provisório. Ao mesmo tempo, é por meio dela que podemos entender os
discursos que já vinham sendo construídos para os sertões nordestinos e como
isso se aplicou na seca de 1932. O governo Vargas nos serve de aparato para o
entendimento de que existiram certas dificuldades e disputas entre diversas
forças para a implementação de políticas públicas em um contexto de crise
climática. Como analisa Martins, a solidez da dominação oligárquica, neste
período, permitiu também que “as mudanças fossem promovidas de ‘cima
para baixo’”, ou seja, “qualquer mudança devia ser contida nos limites da
manutenção da estrutura da propriedade da terra”998. E Verónica Secreto
explica que “o campo deveria atender às necessidades que a nova regulação
econômica exigia. Planejou-se a consolidação de uma ampla base urbana e
fabril. A partir das cidades, se conquistaria o campo. O litoral marcharia para
o sertão”999.
Cabe destacar um fato importante para o Nordeste. É nesse contexto que
Vargas se depara com a oposição dos paulistas na Revolução Constitucionalista
de 1932. No con ito Vargas contou com o forte apoio do Nordeste, sobretudo
nos batalhões provisórios conformados pela população cearense. Esses
batalhões foram enviados para a linha de frente ao lado dos aliados de Vargas.
De acordo com Raimundo Lopes1000, a seca surgiu como elemento que
legitimava a luta contra São Paulo e o antigo sistema político de governo. O
discurso era o de que o Governo Provisório estava tentando levar adiante as
medidas que solucionariam o problema da estiagem, mas o con ito
protagonizado por São Paulo impedia que o plano de combate à seca fosse
posto em prática e, por isso, o Ceará devia entrar em cena. Logo, como o
Nordeste apoiou Vargas contra as investidas de São Paulo, passou-se a
desenvolver, nesse contexto, uma ação coordenada de combate à seca em
conjunto com o governo federal, apesar da permanência de antigas forças
oriundas das relações paternalistas1001.
No Ceará acreditava-se que o governo Vargas seria a porta para sua entrada
novamente no campo da política e da economia e a seca passou a ser um fator
primordial no discurso para mobilizar a população. Ou seja, se Vargas não
tivesse condições de enviar verbas, era devido à guerra declarada por São
Paulo; os sertanejos seriam prejudicados. Esses mesmos sertanejos foram
utilizados nas batalhas e eram eles a maioria dos “voluntários” que se
alistavam, vindos de diversos lugares dos sertões cearenses1002. Por isso, não é
estranho que Vargas, em seu discurso de 1953, rememore como o
desenvolvimento do Nordeste “sempre” esteve em pauta desde a Revolução:
Brasileiros,
O desenvolvimento da economia do Nordeste e a realização de obras destinadas a prevenir e
mitigar os efeitos das secas, que periodicamente assolam essa vasta região do nosso território,
vêm sendo um objetivo constante do meu Governo. A história das providências e medidas
tomadas no sentido de assegurar assistência à região nordestina remonta aos dias do Governo
que a Revolução de 1930 levou ao poder. Os meus esforços pela independência econômica do
Nordeste jamais esmoreceram. Apesar de todos os tropeços e dificuldades com que o Governo
se tem defrontado, apesar da adversidade da natureza e do rigor sem par de que se tem revestido
ultimamente o agelo das secas, apesar dos sombrios vaticínios daqueles a quem interessa
fomentar a miséria e a revolta entre as populações vitimadas pela estiagem – colhemos hoje os
primeiros frutos da nossa tenacidade e da nossa perseverança1003.
A epígrafe escrita por Aníbal Quijano, será um dos nortes das re exões deste
item. Pergunto-me como dois organismos institucionais pensaram o controle
do trabalho e como estiveram articulados a uma concepção racial sobre a
divisão do trabalho a qual o autor está se referindo. Pensar o desemprego nas
regiões do interior do Brasil e da Argentina, especificamente os semiáridos
cearenses e santiagueños, é re etir também sobre a colonialidade das antigas
formas de controle sobre as raças (as ditas superiores sobre as inferiores) e
como isso in uenciou os tipos de trabalho que cada grupo podia exercer, e
estabeleceu, por conseguinte, as desigualdades regionais existentes. O
sertanejo que podia ser o caboclo, índio, negro, vaqueiro, posseiro, sitiante,
camponês, e o santiagueño que era o índio, negro, mestiço, criollo, camponês,
pequeno produtor rural, foram historicamente concebidos a partir de uma
ideia de nação perpassada pelo conceito de racialidades. Assim, que tipo de
trabalho cabia a essas populações? E como se buscou que a mesma se
encaixasse em um modelo de civilidade que tinha como base o controle moral
por meio do trabalho? Como isso aponta para a questão levantada por
Quijano para a colonialidade do poder nas Américas? Aqui, analisaremos
como o trabalho se convertia também no controle “de um grupo específico de
gente dominada”1027.
Outro ponto importante é pensar o papel do Estado nesse processo. Re ito,
assim, sobre a dificuldade que se tem em pensar nele como agente importante
das configurações sociais. Isso porque, de acordo com Bourdieu, o Estado tem
quase que um papel impensável, justamente porque se é fácil dizer coisas
sobre ele, é porque, “de certa forma, somos penetrados”1028 pelo Estado. O
autor afirma que “devemos furar uma série de telas, de representações, sendo
o Estado – se é que ele tem uma existência – um princípio de produção, de
representação legítima do mundo social”1029.
Buscou-se tratar de dois organismos estatais como a Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas (IFOCS) e a Junta Nacional para Combatir la Desocupación
(JUNALD), estou falando do papel do Estado. Esse Estado que é “o setor do
campo do poder, que se pode chamar de ‘campo administrativo’ ou ‘campo de
função pública’”1030 e que é possível definir, de acordo com Bourdieu, como
uma “possessão do monopólio da violência física e simbólica legítima”1031. Ou
seja, ele é a “posse do exercício do monopólio da própria violência
simbólica”1032. Portanto, se a IFOCS e a JUNALD vão implementar políticas
públicas para as secas por meio do Estado, é fundamental que se situe, ao
longo dessa re exão, o que se entende por esse conceito.
Nesse sentido, a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) foi criada em
1909, e em 1919 tornou-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS). Tinha como base, sumariamente, combater os problemas do
semiárido e da seca no Nordeste brasileiro. Foi a mesma, inclusive, que
instituiu a delimitação também geográfica deste Nordeste seco, como já
mencionado nos capítulos anteriores.
Como analisa Ab’Sáber, “quando os engenheiros da antiga Inspetoria de
Obras contra as Secas introduziram a noção de polígono das secas [grifo do
autor], estavam realizando a própria delimitação grosseira da área nuclear do
domínio morfoclimático, fitogeográfico, hidrológico e geoecológico dos
sertões secos”1033. O autor analisa essa questão, porque geograficamente
“existem, no entanto, várias exceções locais que ocupam menor espaço e
representam variações em torno do modelo”1034. Ab’Sáber elucida, nesse
sentido: “Os fazendeiros residentes em serras úmidas e possuidores de terras
de pecuária nos sertões secos costumam referir-se a estas últimas, numa
acepção topográfica: ‘Amanhã eu vou descer para o sertão’. É real. A partir do
ambiente de uma serra úmida sempre se desce para atingir o ambiente
quente, seco e abafado dos sertões”1035. Ou seja, existem nesses territórios o
que ele chama de ilhas de umidade e quando a IFOCS delimitou o espaço do
sertão como se todo ele fosse acometido pela seca, desconsiderou assim as
particularidades geográficas existentes. Inclusive, criou-se a partir daí um
espaço, inventou-se um território e criaram-se visões sobre ele, assim como,
também, foram pensadas muitas políticas públicas para os sertões. Isso
significa que as demandas para essas áreas foram feitas dentro dessa lógica da
semiaridez e da seca, e, por vezes, não se considerou outras possibilidades que
o seu solo podia gerar como fonte de recursos para suas populações.
Assim, voltando um pouco a narrativa para a compreensão da criação da
IFOCS. De acordo com Claudia Penha dos Santos, foi a partir da seca de 1877
que o Brasil buscou soluções mais efetivas para os problemas das estiagens,
como “as Comissões Imperial (1877), do Açude Quixadá (1884), as Comissões
de Açudes e Irrigação (1904), a Comissão de Estudos e Obras Contra os Efeitos
da Seca (1904) e a Comissão de Perfuração de Poços (1904)”1036, que deram
origem a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) instituída para aglutinar
os projetos que minorassem o problema dos sertões1037. Na estiagem de 1932, a
IOCS já se chamava IFOCS e estava vinculada ao Ministério de Viação e
Obras Públicas. O Governo Federal comandava, então, as ações nos estados
atingidos pela seca, em conjunto com uma elite local.
Sob o Decreto nº 19.726, de 20 de fevereiro de 19311038 destacavam-se os art
5º ao 7º que estabeleciam que a IFOCS poderia atuar nas chamadas “medidas
de emergência”. Constam nesses artigos que seriam realizados outros
trabalhos, além dos elaborados pela Inspetoria, caso fossem necessários para o
socorro imediato dos atingidos pelas secas. Além disso, durante as secas
prolongadas seriam instaladas hospedarias para retirantes em locais não
sujeitos por elas e de lá os retirantes seriam encaminhados para as colônias de
trabalho. Após as estiagens seriam disponibilizadas passagens para os que
quisessem retornar ao seu lugar de origem. Nos artigos 31 e 33 constavam que
a IFOCS continuaria com sede administrativa no Rio de Janeiro, porém seria
dividida em dois distritos: um distrito em Fortaleza, outro em João Pessoa e
um subdistrito em Salvador, competindo ao 1º distrito as obras dos estados do
Piauí e do Ceará; e ao segundo dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco; ao subdistrito a dos estados de Sergipe, Alagoas e Bahia1039.
Não entrarei aqui em outros pormenores da criação efetiva da Inspetoria. O
que interessa em particular é compreender como os discursos promovidos por
meio dos seus boletins inspetoriais, portanto, de muitas dessas ditas ações
emergenciais, elucidam, mais uma vez, uma maneira e uma fonte de
construção de visões sobre o espaço do semiárido. Proponho entender a voz
da Inspetoria dentro daquilo que Girbal-Blacha nos convoca a pensar para o
caso argentino e ampliamos essa re exão também para o Brasil: as políticas
públicas fazem parte da rede que sustenta um acentuado desequilíbrio
regional, embora por ação ou omissão essas políticas tenham ausente a
diversidade territorial1040.
A atuação da Inspetoria é condição primordial para entender muito do que
ocorre e ocorreu nos sertões nordestinos desde sua criação, e desejo evidenciar
este acontecimento histórico. No entanto, para as análises propostas neste
livro a criação dos discursos e a percepção destes como legitimadores de
visões de sociedade, ou mesmo de nação, é uma maneira possível de se
analisar o vínculo existente entre a IFOCS e a trajetória da Junta Nacional para
Combatir la Desocupación na Argentina ( JUNALD). Essa escolha não se deu em
vão. Na Argentina não existiu um organismo criado para combater as secas do
Noroeste, tal como criado no Brasil. O que se viu foram ideias e ações
paliativas no momento de crise climática. Como exemplo disto, analisei a
atuação do periódico El Mundo em conjunto com a própria Junta para angariar
verbas, fundos e suplementos alimentícios para a seca santiagueña em 1937.
No entanto, é possível por meio também do olhar desta Junta re etir sobre
como se construíram e como era pensado o espaço do semiárido do Noroeste
argentino, tal como também o fez a IFOCS. Assim, podemos ir além dos
silenciamentos em torno deste tema, quando se trata da questão da seca nas
províncias de NOA comparando aos muitos estudos conhecidos e às diversas
falas sobre a seca do Nordeste brasileiro (que é parte da identidade regional do
país em relação ao Nordeste; existe, de fato, uma construção identitária da
seca).
Uma demanda regional do Nordeste brasileiro fez parte desse esforço de
trazer a seca do semiárido nordestino para um âmbito nacional. Uma elite
local muito discursou e se apropriou dos momentos de crise para conseguir
verbas do governo federal. A seca no Brasil é um tema revisitado
constantemente nas falas da política regional e nacional e com ela se
conseguiu muitas verbas para a construção de obras públicas e se desviou
muitas delas na mesma proporção. Daí, por vezes, a pouca efetividade da ação
da Inspetoria. Por isso, desejo compreender os pontos de similitude discursiva
entre ambos os órgãos federais e não somente sua função. Isso se dá porque,
como colocado, um dos maiores exemplos de atuação em relação à seca do
Noroeste foi a JUNALD. Assim, mais uma vez, se pode, por meio dos
discursos, analisar as demandas, con itos e ações que fizeram e fazem com
que os semiáridos do Brasil e da Argentina sejam áreas ainda empobrecidas e
relegadas a uma ideia de fracasso como modelo estrutural de sociedade.
Voltamos, assim, a pensar o poder do Estado por meio da ação desses
organismos. Estado, como analisa Bourdieu, é “o nome que damos aos
princípios ocultos, invisíveis – para designar uma espécie de deus obsconditus –
da ordem social, ao mesmo tempo da dominação tanto física como simbólica
assim como da violência física e simbólica”1041. Se re etirmos os discursos da
IFOCS e da JUNALD dentro desse papel simbólico estatal, compreenderemos
como as políticas públicas são também um campo de relação de força, logo, de
dominação. Principalmente, porque, como visto, trata-se de um contexto em
que os países buscavam soluções tanto para a crise econômica como para as
demandas dos diversos interesses políticos existentes. Isso permeava o papel
do Estado para solucionar essas questões. O desemprego e a pobreza em que
se encontravam regiões como as dos semiáridos cearenses e santiagueños
eram pauta latente a ser resolvida. Os Estados centralizadores do Brasil e da
Argentina se colocavam atuantes nesse processo. E mais, podemos re eti-los
também a partir da definição de Bourdieu de um Estado que “tem efeitos no
mundo social”1042. Ou seja, “há uma política reconhecida como legítima,
quando nada porque ninguém questiona a possibilidade de fazer de outra
maneira, e porque não é questionada. Esses atos políticos legítimos devem sua
eficácia à legitimidade e à crença na existência do princípio que os
fundamenta”1043.
Considero, assim, como alguns atos políticos geridos pela IFOCS e pela
JUNALD se naturalizavam como possíveis para pensar a atuação no Ceará e
em Santiago del Estero. Isso se dava justamente por essa legitimidade
reconhecida, que tanto se aplica ao papel estatal, e que tem efeitos concretos
no mundo social. A exemplo disso, analisaremos as falas desses organismos
sobre o desemprego rural. E como o trabalho foi visto como uma via de
controle legítima e um discurso importante relacionado às políticas públicas
para esses territórios. A seca, o desemprego e o controle social fizeram parte
de uma tríade sobre as políticas públicas para essas áreas. E se pode pensar se
o controle por meio do trabalho não fazia parte de uma certa “eficácia” que o
poder simbólico garantia também às ações estatais.
Nesse sentido, no Brasil, a narrativa do trabalho vinculava-se às obras
públicas como a construção de açudes, estradas de ferro e pequenas obras em
geral. Na Argentina, isso se deu por meio da ação da Junta com o envio de
víveres e com a tentativa de organizar os desempregados em áreas que
tivessem como receber a população atingida pela seca, como a santiagueña.
Houve a tentativa de utilização de braços em obras públicas, mas não tanto
quanto a longa e grande sistematização desse tipo de alternativa utilizada nos
sertões do Nordeste brasileiro pela ação da IFOCS, principalmente nas
chamadas obras emergenciais. A JUNALD apresentava-se desta maneira:
Entiende el organismo que con medidas de la naturaleza de las enunciadas se permitirá facilitar
trabajo a muchos desocupados, ya sea mediante el aumento de actividades como consecuencia
de la realización de obras públicas autorizadas, o como resultado de la mejor y más equitativa
distribución del trabajo en las fábricas y en los campos1044.
Conviene insistir sobre esta última calificación porque se trata, sobre todo, de propiciar la
ejecución de obras convenientes, muchas de ellas indispensables, y en su totalidad reclamadas
por las exigencias del progreso constante del país y por las necesidades de su población. Se trata
en suma de ejecutar o estimular la ejecución de obras públicas que crean trabajo en el presente
y riqueza potencial para el porvenir1045.
Constituida el cinco de noviembre de mil novecientos y treinta y cuatro, de acuerdo con las
disposiciones de Ley número 11.896, que la creara, la Junta Nacional para combatir la
Desocupación ( JUNALD), ha realizado su labor dentro de las prescripciones contenidas en esa
Ley, a cuyo espíritu y letra se han ajustado siempre las disposiciones tomadas para encarar y
tratar de resolver el importante problema que motivara su existencia […] De este modo, y sin
dejar de ceñirse a las disposiciones expresas de la Ley número 11.896, la Junta ha llevado a cabo
su labor humanitaria y urgente de asistencia social [...]1046.
[…] tendrá a su cargo organizar la asistencia inmediata de los desocupados, proyectar un plan
de acción racional para afrontar la resolución de ese problema, organizar y fomentar el
desarrollo del trabajo y proporcionarlo a los desocupados, bien sea en los lugares donde se
encuentran, o trasladándolos a los distintos centros en que su labor sea necesario y realizar los
servicios de asistencia y auxilio1047.
[...] contemplado ya en otras naciones – como lo hizo con los de las provincias de Santiago del
Estero, San Luis y La Rioja, socorriendo a más de 20.000 familias caídas en indigencia por la
seca persistente de entonces y por la pérdida de sus cosechas –, la Junta ha aceptado la
sugestión del Gobierno de Santa Fe, emitida por su ex Ministro doctor Pío Pandolfo, hoy
Diputado Nacional, de celebrar una conferencia en esta Capital, de todos Ministros de
Gobierno de las Provincias y representantes de los Territorios y de sus Jefes de Departamentos
de Trabajo, la que se integraría con un delegado de Departamento Nacional del Trabajo y de
los del Ministerio de Agricultura informados de todo lo atinente con la inmigración,
colonización, industria y comercio, ya que para la buena organización de una Asamblea de al
índole es indispensable la cooperación de todos esos peritos, que han de estructurar la ley
básica del trabajo coordinado en la República1054.
Pode-se analisar como a Junta alegava que existia uma atitude pastoral para
com os problemas do desemprego no ambiente rural e que isso se dava,
principalmente, em consequência dos fenômenos climáticos como as
prolongadas secas. Logo, a natureza era vista como o problema a ser
combatido. Trata-se de um contexto em que pensar políticas públicas de
maneira racional, justificando-se cientificamente as ações em certos
territórios, se fazia notório. A ciência, os técnicos, engenheiros, médicos, mais
uma vez, são acionados como uma maneira legítima de se afirmar gestões
públicas.
Assim, o discurso de uma natureza-problema era posto em pauta como
consequência do estado de coisas que viviam essas áreas, e principalmente
como argumento para intervenção sistemática nos territórios como Santiago
del Estero. Não cabia mais uma ajuda “pastoral” nesse sentido. Mais uma vez,
a desordem causada pelo desemprego era causada pela natureza e por uma
atitude voltada mais para caridade do que para uma organização estatal
efetiva para a resolução desses problemas; cabia a JUNALD intervir
sistematicamente nesse caso.
Novamente elucido o determinismo geográfico presente na fala da Junta que
escondia uma questão importante da década de 1930: uma crescente
intervenção do Estado na economia e na sociedade expressa por meio das
instituições orientadas a subsidiar o agro, exibilizar o sistema financeiro e
regular o trabalho, e exercer mecanismos de controle social1059. Ponto no qual,
como afirma Girbal-Blacha, se encontra a ação da JUNALD. Considero o que a
autora analisa na Argentina e que, de fato, tem sua posição clara e evidente em
locais como Santiago del Estero: nos anos 1930 os mecanismos de controle
social se associam à necessidade de conhecer e conter o desemprego,
considerado impulsionador da mendicidade e da vadiagem. A organização do
trabalho passa a ser o cerne das discussões que auspiciam medidas
distributivas e de contenção dos trabalhadores sem trabalho1060. Isso significa
que culpabilizar a natureza, neste sentido, como propulsora do desemprego
em regiões de seca não alteraria as estruturas sociais existentes nestas áreas
que independiam da crise climática, e ainda justificaria o controle social nesses
espaços. A seca, por conseguinte, como no Brasil, é um momento político,
fazia parte do discurso e legitimava ações, interferia nas demandas e nas
políticas públicas e silenciava outras questões que estavam por trás da
desigualdade territorial existente nesses países; muitas das quais analisei,
principalmente, no capítulo dois.
No Brasil, Frederico de Castro Neves afirma que “em 1932, pela primeira vez
a intervenção do Estado brasileiro em período de seca no semiárido cearense
ocorreu de forma coordenada e centralizada”1061. Semelhante ao caso
argentino, mas de maneira diferente de atuação, de acordo com o autor, o
governo colocou em prática um programa de assistência aos sertanejos
interferindo não só no âmbito do trabalho, criando, como ele mesmo coloca,
vagas artificiais de trabalho nas obras públicas para manter controlada a mão
de obra sertaneja, bem como interferindo no mercado local diretamente
“regulando o preço e o abastecimento de produtos de primeira
necessidade”1062. Pensamos, assim, que, neste aspecto, é possível desenvolver
uma analogia da IFOCS com a JUNALD e sua atuação em combate ao
desemprego, em conjunto com a criação das Juntas Reguladoras de diversos
produtos. Neste sentido, a IFOCS se pronunciava de forma semelhante a
JUNALD:
[…] La Junta entendió también de inmediato se les proporciona se conseguiría infundir en los
desocupados la saludable convicción de que no son parásitos reducidos a vivir de la limosna
oficial, por muy respetables que sean las razones que obligan a dar esta última, sino
trabajadores que retribuyen con su labor, su buena voluntad y su espíritu de disciplina la ayuda
que se les presta. En todos los casos, el resultado de estas experiencias ha sido satisfactorio y ha
confirmado las previsiones y las esperanzas con que se puso en práctica la asistencia prevista en
el primer punto del plan1070.
Se trata en suma de ejecutar o estimular la ejecución de obras públicas que crean trabajo en el
presente y riqueza potencial para el porvenir […] Y este modo se evitan, asimismo, los peligros
que resultan, como ya se ha dicho, de la distribución de subsidios y pensiones a los
desocupados, política errónea en su origen y peligrosa en sus efectos, a juicio de esta Junta;
pero hacia cuya adopción se inclinan generalmente los que prefieren las soluciones fáciles y
aparentemente humanitarias1073.
A execução de obras públicas, portanto, criaria trabalho e riqueza e evitaria
os perigos que resultassem no que o documento das memórias da JUNALD
chama de “distribuição de subsídios e pensões aos desempregados”. Essa era a
melhor maneira de solucionar os problemas do país, e não às “soluções fáceis e
aparentemente humanitárias”, que certamente levariam uma população
viciosa a pedir a caridade. Mais uma vez, o trabalho aqui relaciona-se à
moralidade e ao controle social. Por isso, as principais funções da Junta eram:
[…] La cuestión más importante por su magnitud y trascendencia, en cuanto a los desocupados
rurales, está íntimamente vinculada a una obra de gobierno que no ha sido abordada todavía en
sus diversos aspectos, ni considerada en conjunto como expresión de un estado social que
debe ser substituido por un sistema político-económico destinado a crear una clase de
productores autónomos, propietarios de sus tierras, que quedarían vinculados así por un
motivo poderoso a los intereses y a la suerte del país1076.
Só em 1932 a Inspetoria de Secas tinha em trabalho 220.000 operários que computada a média
de quatro pessoas por família, representavam 880.00 pessoas, sem contar outros tantos
empregados em construções, ferrovias, açudes particulares em cooperação com o Governo,
prédio para correios e telégrafos, colônias agrícolas ou recolhidos aos campos de
concentração[...] Mas respondo que, nessa tarefa de assistência social, utilizando a diminuta
capacidade de trabalho dos agelados, o emprego pouco produtivo de mulheres e menores,
arcando com a superpopulação prejudicial do operariado socorrido, em vez do trabalho
mecânico, muito mais econômico, dando-se, por isso, preferência às barragens de terra, com
surtos epidêmicos perturbando às atividades e com dificuldades de transporte e de falta de
d’água, foi realizada a maior obra que se enquadra na solução do problema das secas.1081
Como sabe V.Excia, procurei executar de preferência obras onde o socorro fosse conseguido
de uma maneira ampla a essa multidão bisonha de sertanejos depauperados e famintos. Não
poderia pensar em obras de alvenaria nas quais o respectivo operariado se confinaria dentro do
âmbito das especializações e donde o bisonho teria que ser afastado ou utilizado em escala
muito pequena1082.
[…] La pérdida de las cosechas ocasionadas por las sequías prolongadas o por las devastaciones
de la langosta, origina, a su turno, la desocupación campesina, dejando en el más completo
desamparo a decenas de millares de familias, pues dado nuestro régimen extensivo de
producción, ellas carecen de elementos y recursos para crear o poner en marcha pequeñas
industrias que en otros países y aun en algunas zonas suburbanas del nuestro se desenvuelven
con éxito. La Junta ha debido socorrer de urgencia, por ese motivo, a más de veinte mil
pobladores de las provincias de Santiago del Estero, La Rioja y San Luis, a los que envió sendos
cajones de víveres, pero ese aporte ocasional de sus fondos – legalmente limitados – no tiene
la menor in uencia sobre las causas del verdadero problema humano y social que la situación
revela1096.
Neste documento das memórias da Junta fica claro que sua ajuda a Santiago
e outras províncias atingidas pela seca, com o envio de víveres, não
in uenciava nas verdadeiras causas do problema humano e social que a
situação revelava. Apesar dessa conscientização dos membros da Junta, a
justificativa da JUNALD para tal problema eram a seca, as pragas de
langosta1097, e uma população que não tinha elementos para criarem pequenas
indústrias que podiam ter êxito. Do mesmo modo, no caso brasileiro, política
assistencial e intervenção estatal andavam juntas. O Estado tomava para si as
rédeas dessa assistência e, assim, podia também, como no caso da IFOCS,
intervir nesses espaços.
É válido destacar que a história de Santiago revela que, particularmente,
desde o século XIX, o cultivo da cana-de-açúcar em grande escala foi seu
disparador de expansão agroindustrial, como analisa Alberto Tasso. O autor
explica que o cultivo se converteu em um paradigma da economia que os
políticos e empresários da época desejavam estimular. No final do século XIX
e início do século XX a maioria dos engenhos santiagueños fecharam por conta
da crise de superprodução.
Os engenhos de Tucumán, como já analisado, em contrapartida, eram mais
organizados e favorecidos por uma estratégia política que beneficiou sua
província. Tal panorama levou, mais tarde, a que terras antes dedicadas ao
gado fossem parceladas e vendidas, formando-se um mercado dinâmico e
altamente especulativo, com a consequente alta dos preços, como analisa
Tasso. Houve um declínio da produção artesanal, pós-crise do açúcar, e a
expansão da produção de cereais e alfafa. Essa dinâmica mudou as relações de
trabalho do campesinato, e voltado para o grupo doméstico, com forte
protagonismo feminino, para o trabalho assalariado dos homens nas fazendas
e nas obrajes. O crescimento de Santiago atrelava-se ao que Tasso, como já
apontado, chama de mercado de terras e de água, com uma forte intervenção
do Estado a favor de uma classe média rural. A população ocupada pela
economia doméstica campesina vai se tornando força de trabalho “livre”, isto
é, em peões que alugavam seu trabalho em obrajes e fazendas, segundo
Tasso1098. Esse era o panorama no qual a Junta passou a atuar. Evidentemente,
seus discursos não entravam em choque com a própria conjuntura existente.
Justificavam-se, portanto, na natureza e no pequeno produtor as mazelas
existentes na região.
Em outro trecho do documento da JUNALD constava:
Los directores de esta Junta han visitado en oportunidad reciente las provincias de Santa Fe,
Córdoba, Entre Ríos, Corrientes, Santiago del Estero, La Rioja, Salta, Jujuy, Tucumán y San
Luis y el territorio federal del Chaco, habiendo comprobado que, en muchos casos, la
desocupación se mantiene por ausencia de organismos oficiales encargados de dirigir los
núcleos de gente sin trabajo, que se congregan en determinadas zonas, hacia lugares donde se
requieren brazos, o bien, cuando esos organismos por falta de vinculación entre ellos […] E tal
sentido, esta Junta cree que sus funciones deben ser completadas y sus facultades extendidas,
cambiando su propia nominación actual por la más adecuada de Junta Nacional Reguladora del
Trabajo [...]1099
[...] Nesta cruzada verdadeiramente redentora vem ela, pois, legando ao Nordeste as garantias
indispensáveis à sua estabilidade política, social e econômica. Armazenando a água copiosa,
traçando as linhas tronco, na região semi-árida do Nordeste, vem, ao mesmo tempo,
armazenando no cérebro do homem do sertão as precisas noções de defesa sanitária
apontando-lhe, deste jeito, uma estrada melhor para o seu futuro que é o futuro mesmo da
nossa terra. Ministrando-lhe os medicamentos necessários ao seu vigor físico, preservando-o
das doenças, faz sadia obra de patriotismo, uma vez que do braço forte do campônio depende o
equilíbrio das rendas públicas1103.
[...] o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a
subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja
produção não é a da competência das palavras […] que garante uma verdadeira
transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas
encerram e transformando-as em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais1107.
[...] se as pessoas se inclinam – ainda que se revoltem, sua revolta supõe um consentimento – é
que no fundo participam consciente ou inconscientemente de uma espécie de “comunidade
ilusória” […] que é a comunidade de pertencimento a uma comunidade que chamaremos de
nação ou Estado1109.
[...] a classificação racial da população e a velha associação das novas identidades raciais dos
colonizados com as formas de controle não pago, não assalariado, do trabalho, desenvolveu
entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos
brancos [...] Não é muito difícil encontrar, ainda hoje, essa mesma atitude entre os
terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo. E o menor salário das raças inferiores pelo
mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas, não poderia ser, tampouco,
explicado sem recorrer-se à classificação social racista da população do mundo. Em outras
palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial1113.
Por essas palavras expressivas e verdadeiras, é possível fazer-se uma ideia aproximada das
dificuldades com que tiveram de lutar as autoridades federais incumbidas do socorro às
populações ageladas do Nordeste, com o fim não só de lhes salvar a vida, como de mantê-las
nos próprios lugares de residência, evitando o êxodo sempre inconveniente e prejudicial1117.
Nesse contexto, estavam em voga diversas re exões sobre o que fazer com
os retirantes dos sertões nordestinos em períodos de seca. Uma delas tinha
como premissa ocupar os braços dos sertanejos nas obras, para que não
migrassem, bem como concentrá-los nos campos de concentração, o que já
vimos no controle por meio do trabalho. Assim seriam impedidas as grandes
retiradas, criticadas pelo próprio ministro da Viação e também pela oligarquia
local que temia perda de braços nas lavouras ao findar das secas.
Kenia Rios afirma que “a emigração era apresentada, em grande medida,
como perdas e prejuízos para o Ceará. Muitas obras que acelerariam o
desenvolvimento do Estado necessitavam dessa força de trabalho. Em
contrapartida, os retirantes precisavam das obras para sobreviver”1123. A
IFOCS era também quem organizaria os socorros e não deixaria que a
população invadisse as cidades. Uma elite local citadina temia a “invasão de
retirantes”. Havia o medo do sertão, do sertanejo, das doenças, das esmolas,
dos seus “costumes”. O controle social, nesse sentido, se fazia notório e
natural neste contexto. E era consensual que se devia evitar as migrações. Em
outro relatório da IFOCS, no trecho relativo ao ano de 1932, constava:
Exigiam-se do Governo medidas extremadas para conter as levas cada vez maiores de
agelados, que se lançavam às estradas, trazendo esperança de encontrar na Capital algum
modo de sobrevivência. Chegar até Fortaleza ou emigrar para outros Estados era a vontade de
quase todas as famílias de miseráveis que procuravam escapar da falta de chuva pelos Sertões1125.
[...] alguns sertanejos resistiam à ideia da emigração para outros estados. Preferiam permanecer
na Capital, pois, desse modo, o retorno para o Sertão tornava-se mais viável. Por outro lado, é
preciso lembrar que a emigração fazia parte das estratégias de sobrevivência. Muitas vezes, os
retirantes percebiam que não havia outra saída e aceitavam as passagens do Governo para
outros Estados1133.
[...] Si, porem, chegado ao termo desse período, as chuvas falham e as reservas escasseiam,
então o bravo sertanejo, por natureza resignado, torna-se aprehensivo; e a, cada noticia de
rezes cahidas, ou mortas de fome, presente, com tristeza, o próximo abandono da choupana e
a dolorosa “Retirada”, em busca de um socorro publico sempre tardio e falho, pois não evita
atrozes so rimentos sobretudo às crianças, nem previne futuras calamidades1134.
Mais cedo e por menor custo vos daria o açude “Choró”, Sr. Inspetor, se ele não começasse
numa ocasião em que a população proletária do Nordeste, faminta, esquelética, sedenta e
doente, fazia longas caminhadas, implorando a caridade de um pão, desorientada pela
irreverência de um céu absolutamente escampo e desenganador; desesperada a olhar e a pisar
uma terra ressequida – vestida de gravetos, cinzenta e quase morta – sem nada lhe poder dar1136.
El segundo de esos puntos se llevó a la práctica, en primer lugar, con el traslado de braceros
que se hallaban sin trabajo en la provincia de Santiago del Estero, que fueron conducidos a la
de Santa Fe para trabajar en la cosecha. Estos traslados se hicieron a pedido del señor
Gobernador de Santiago del Estero y después de haberse comprobado que el particular interés
este capítulo, ya que se advierte en él posibilidad de encauzar con provecho las corrientes de
trabajo, facilitando a determinadas provincias o territorios el obrero que mejor puede
contribuir, por su origen o por sus conocimientos, al progreso de las actividades propias de la
región a que se le destina1141.
[...] a su cargo un tren especial de Santiago del Estero a Santa Fe, transportando braceros para la
cosecha de maíz, y ortogó fuertes rebajas en la traslación de desocupados enviados para sus
líneas desde Buenos Aires a Santa Fe, con destino al Chaco. Debe destacarse especialmente el
espíritu de colaboración de esta Empresa, que ya había tenido ocasión de demostrarlo al
efectuar donaciones de durmientes para ser utilizados como combustible en el Albergue
Oficial Nº11146.
Ou seja, diversos interesses estão por trás das migrações internas de braços
santiagueños. Desde as empresas ferroviárias que, certamente, lucravam e
estavam em colaboração direta com o Estado nesse contexto, bem como as
províncias que se beneficiavam com a mão de obra de Santiago. Pode-se
pensar, nesse aspecto, aquilo que Alberto Tasso está re etindo sobre a região
quando diz que houve uma combinação de uma agricultura familiar com uma
economia popular. Girbal-Blacha explica que o translado de braceros, que são
trabalhadores do campo que emprestam seus braços e sua força de trabalho a
outra pessoa em troca de dinheiro, era uma das atividades mais frequentes da
Junta. Ela buscava especialmente a realocação no Norte do país daqueles que
estavam sem trabalho1147.
Em resposta ao questionário da JUNALD, o diretor do Departamento
Provincial del Trabajo (DPT), Amalio Olmos Castro1148, colocava em seu
relatório:
Trata, después, de los trabajos rurales, señalando que no menos de 50.000 obreros son
peregrinos de brazos para las faenas agrícolas y forestales de Santa Fe y Chaco y cosechas de
Córdoba y Buenos Aires y para las zafras de Tucumán, Salta y Jujuy. “Así ocurre anualmente –
se agrega – como en las escenas bíblicas, el éxodo de las primeras poblaciones de la tierra.
Grandes caravanas compuestas de familias de trabajadores, confundidos hombres, mujeres,
niños y animales, que se orientan hacia los lugares de trabajo. Este movimiento de fuga, en
dirección a supuestos terrenos de labor, origina un cúmulo de trastornos de todo índole. Basta
mencionar los quebrantos de carácter económico; los de lamentable contenido social y
humano, tal es el retroceso en la cultura por la falta de instrucción escolar de los numerosos
niños que integran esas masas nómades; en fin, todos los problemas negativos que crea una
súbita despoblación1149.
Estos hombres de campo, con la tragedia de su pobreza, y no pocas veces con las angustias del
hambre y de la sed, sin cultura, carentes de hábitos de ahorro e indolentes por naturaleza,
malgastan el producto de sus energías en las proveedurías y en una vida de orgía y de
promiscuidad a que se les condena, a vista y paciencia de las autoridades. Y no paran aquí las
cosas. Cuando las faenas terminan y llega el momento de regresar a sus lares, estos
trabajadores, no sólo no traen parte alguna del fruto de su trabajo, sino que retornan al seno
de los suyos, abandonados por largos meses de ausencia, con la tara de un paludismo contraído
en el medio insalubre donde trabajan, cuando no, con síntomas evidentes de tuberculosis de
origen alcohólico o de enfermedades de carácter específico. Dada la idiosincrasia de nuestros
obreros, los poderes públicos deben tomar medidas para salvarlos y defenderlos,
contribuyendo así a formar una raza fuerte y una población digna 1155.
La pequeña propriedad rural no tiene en Santiago del Estero el arraigo que merece; las zonas
agrícolas están en manos de unos cuantos centenares de personas y los campos en la de un
cenar de terratenientes. Diez propietarios posen extensiones mayores de 50.000 hectáreas y
cien, mayores de 20.000, que sólo especulan en la valorización de la tierra, y esto es lo que
constituye el principal motivo por el que poblaciones enteras por falta de tierras y elementos
necesarios para sus actividades, llevan una vida nómada [...] El pequeño propietario agrícola,
dueño de extensiones hasta de 30 hectáreas, que es en todos los ambientes principal factor de
progreso y de arraigo, brilla por su ausencia en esta tierra de promisión1169.
La provincia de Santiago del Estero, por intermedio de su Honorable Legislatura y pedido del
señor Gobernador, doctor Castro, es la única que ha colaborado en forma positiva, acordando
la Junta una extensión de tierra de 20.000 hectáreas, que todavía no ha sido debidamente
ubicada a los efectos del deslinde, mensura y amojonamiento. En cuanto se pueda disponer de
la tierra donada, la Junta realizará los estudios necesarios para llevar a cabo su proyector de
colonización1172.
Vê-se, portanto, que a questão colocada por Castro sobre a propriedade rural
é a temática central sobre o desemprego e sobre o êxodo rural santiagueño. É
válido estender nossa análise ao relatório de 1939 para que possamos traçar
um panorama do que a JUNALD agregou a sua fala dos anos anteriores,
incluindo, a narrativa de Olmos Castro. Neste relatório, já se observa uma
crítica maior ao êxodo, de maneira mais contundente do que realizar o
translado da população do campo. Neste contexto, se juntariam esforços para
manter o trabalhador rural nos seus lugares. A Junta colocava, nesse aspecto,
as seguintes proposições:
1º Que es indispensable y de imperiosa necesidad que, de parte del Estado, se adopten las
medidas pertinentes para promover la radicación del trabajador rural y de su familia, en forma
que adquiera una constante estabilidad en la zona en que actúen, y se considere como un valor
positivo y permanente de la actividad agropecuaria respectiva.
[...]
4º Que el proceso de la radicación e intensificación de la población rural exige, por lógica
consecuencia, que se adopten todas las medidas que tiendan a asegurar al trabajador una
estabilidad, de modo que realice sus tareas sin que la contingencia de los riegos malogren sus
esfuerzos en forma definitiva, pues ésta es una de las causas principales del éxodo de la
población1175.
[...] apartado de la declaración establece como criterio general que el traslado sistemático y en
masa no es un sistema aconsejable como permanente, porque el hombre se desvincula del
hogar, pierde su arraigo, que es fuente de beneficios y de responsabilidad, y contribuye a
formar una masa uctuante, todo lo que es contrario a una buena organización de la sociedad.
El traslado continuo, por otra parte, da a las condiciones de empelo una falta de estabilidad
poco propicia para su mejoramiento y defensa del salario1177.
Urgia uma estrutura, em caráter de campanha, capaz de acudir a toda área desprotegida, tanto
mais quanto, alegando a situação de famílias que não podiam desenraizar-se, clamavam todos
por soluções locais, o que se impunha para não criar outros problemas1194.
Numa quinzena de outubro sobrevoei cerca de cinco mil quilômetros, passando de um avião
para outro, conforme os campos de pouso. E viajei de automóvel, andei a pé, corri tudo.
Olhava para baixo e reconhecia angustiado as caatingas desfeitas do planalto da Borborema; os
cenários do Seridó, ressêco e desolado; o chão do Ceará todo cinza e salpicado da verdura
perene que as gotas d’água acumuladas por seu povo laborioso iam regando; o ar de fogo do
Piauí; as solidões de Pernambuco. Tudo perdera o colorido. Não havia mais o que secar1198.
A partir de setembro, terminada a colheita diminuta, viria uma nova fase de penúria e
desassossego. E via tudo além de minha imaginação. Um mundo ternamente a refazer-se,
consumido por três anos de infortúnio, de desgaste, surpreendia o observador familiarizado
com esses revezes, como um milagre de sobrevivência. É simples a definição. Deixando de
chover, cessa a produtividade da terra. Abandonadas as áreas agrícolas, sobrevém o desemprego
rural e apresenta-se a terrível alternativa: a emigração ou as obras públicas. Grande parte já
estava estabilizada, mas o uxo de desocupados força o incremento de serviços. E a seca é
niveladora. Os pequenos fazendeiros chegaram a um estado de exaustão que os obriga a
dispensar o pessoal e a pedir colocação. É uma agonia silenciosa. Só pedem o que fazer para
viver. Nós aqui, tendo tudo, sentimos falta de tudo. Eles só têm uma necessidade; só precisam
comer [...] Se ainda há céticos, podem ir até lá. Vamos ver a terra morta sustentando uma
gente semi-morta [...] Cidades inteiras estão sedentas e muitas, por falta de água, ameaçadas de
evacuação […] Foi o que eu vi. E o que mais comove é que ninguém desespera; sem exceção,
esperam melhores dias, têm fé no próximo inverno. É uma comunidade sacrificada com
direito a medidas protetoras e planos de recuperação1202.
A entonação expressiva não pertence à palavra, mas ao enunciado [...] Ficamos tentados a
acreditar que, ao escolher as palavras de um enunciado, deixamo-nos justamente guiar pelo
tom emocional inerente à palavra considerada isoladamente: adotaríamos aquelas que, por seu
tom, correspondem à expressão do nosso enunciado, rejeitando as outras palavras [...]
Repetimos: apenas o contato entre a significação linguística e a realidade concreta, apenas o
contato entre a língua e a realidade — que se dá no enunciado — provoca o lampejo da
expressividade. Esta não está no sistema da língua e tampouco na realidade objetiva que
existiria fora de nós1206.
O contato com a realidade confere significado à língua. Por isso, expressa o
que Américo de Almeida deseja enunciar a seus pares que, certamente, leriam
suas indagações sobre o que ele vivenciou no Nordeste (seco). E esse todo do
discurso se torna, então, ação concreta na vida da população sertaneja.
Interessa-nos em particular como essa visão de sertão se torna açude,
emigração subsidiada, obra pública, irrigação; como dentro de uma ideia
específica sobre o semiárido se aplicam as políticas públicas. Como analisa
Ribeiro, no Brasil, “o debate sobre as vantagens e desvantagens da ação do
clima tropical e da estrutura do relevo sobre o povo é algo inerente ao
pensamento geográfico brasileiro do final do século XIX e início do século
XX”1207. Américo colocava:
Estima-se, segundo dados do Almanaque do Ceará de 1934, que foram construídos de 1907 a
1928 trinta e cinco (35) açudes públicos que totalizaram um gasto de 29.559:67$527, com o
total de capacidade de acumulação de água de 491.104.823. Em relação aos açudes particulares
criados até 1930, havia 23 açudes, com o prêmio dado aos proprietários no total de
1.017:101$532, e acumulação de 25.890.355. Após 1930, o incentivo aos açudes particulares
aumentou, 34 açudes estavam em andamento no período exposto pelo Almanaque, totalizando
34 açudes, com prêmio total de 3:708.566$915. Nove açudes particulares foram iniciados até
1930 e concluídos depois, e quatro iniciados e concluídos depois de 1930. Totalizando o
número exposto pelo Almanaque antes e até durante 1930 foram iniciados e concluídos, em
média, 70 açudes particulares, que acumulariam, então, muito mais de 25.890.355 m³ de água,
ressaltando e atestando o problema político de distribuição de açudes e de água que assolou os
sertões nordestinos1215.
No meio da sequidão total destinguia eu, aqui e ali, na minha volta pelo nordeste, esse oásis de
vida própria, como um incentivo à sua propagação. Havia um pomar na “revença”, a vasante
exuberante, o peixe com reserva e o gado a matar a sede. Se a seca chega a esgotá-lo, fundo de
lama ou de areia ainda sustenta a cultura de subsistência, como único refrigério dos maus
tempos. Se for bem alimentado, com barragem de boa altura e bastante profundidade, poderá
atravessar mais de dois anos de estiagem1216.
Aqui toda área do nordeste é cultivada […] São verões que se prolongam, transformando as
duas estações regulares – seca e inverno – numa só […] O que importa é adaptar o homem a
estas condições de vida, e aparelhar o meio para enfrentar as crises periódicas decorrentes,
principalmente, da suspensão das atividades agrícolas. E criar uma organização que se ajuste a
esse ambiente traiçoeiro1217.
Só a intervenção do Estado terá condições de criar essa outra fisionomia do nordeste pelo
progresso agrícola, pela concessão do crédito e pelas lições de previdência. A energia produzida
nas barragens terá que ser aplicada nas indústrias que absorvem maior mão de obra1218.
Nos dois primeiros trechos Américo reconhecia que havia “oásis” nos sertões
e que era possível se cultivar na zona semiárida, cabendo instruir o homem a
viver nessas localidades. Para ele, só a intervenção do Estado daria condições
de criar essa nova fisionomia no Nordeste do progresso. Nessa narrativa,
apesar de reconhecer as possíveis potencialidades do solo do sertão, a fala
girava em torno muito mais da justificava da intervenção estatal sobre o meio
ambiente e sobre o sertanejo, do que necessariamente se via uma política
pública de aproveitamento desses espaços. Principalmente, porque existem
áreas do semiárido que não são tão atingidas pelo baixo índice pluviométrico.
Esses fatores atestam que a seca é um momento político por excelência. Em
toda a fala de Almeida, há a necessidade de afirmar o envio de verbas e, por
conseguinte, a ideia de que só o Estado daria condições ao sertanejo de
sobreviver em meio à crise climática1219. Atesta ainda o fato de atacarem as
obras, muito mais em momento de seca do que fora dela.
É oportuno re etir como, por diversos momentos desses discursos o
sertanejo é visto como massa de manobra, que depende sempre do aparato
estatal, do controle, da racionalidade, da “civilização” para prosperar e viver.
Nesse sentido, podemos pensar como Santiago del Estero foi vista pelo
governador Pio Montenegro e o que as narrativas do mesmo podem revelar
sobre a construção dos espaços.
De acordo com Ana Teresa Martínez e José Vicente Vezzosi, na década de
1930 Pio Montenegro tornou-se governador de Santiago del Estero. Era
membro de uma família santiagueña ligada à exploração de obrajes de madeira
desde o final do século XIX. Em um intento de superar as diversas crises de
governabilidade, provocadas pelo momento radical que vivia a província,
Montenegro buscou apoio em um setor político ligado ao catolicismo local1220.
Re etimos, dentro desses aspectos, como Montenegro pensou sua região
durante seu mandato. Em 1936, dizia o governador:
Abandonando los viejos y rutineros métodos de cultivo, vuelvese a la tierra en busca de los
productos que constituyeron tradicionalmente la fuente más considerable y permanente de la
riqueza provincial. Adaptanse las variedades seleccionadas de las distintas especies con un
rendimiento que compensa el esfuerzo. Implantase la explotación de nuevos cultivos, cuya
importancia cabe destacar especialmente por la extensión alcanzada en breve término.
Consolidadas estas explotaciones en la seguridad del éxito obtenido, a uyen fuertes capitales
que inician la industrialización de los productos. La apacible calma provinciana interrumpe su
letargo para incorporarse a la pujanza de la técnica moderna y en todos los extremos de su
vasto territorio, surgen fábricas que llevan el progreso, la civilización y el bienestar a las clases
obreras. Después de largos años de abandono en la ilusión de una riqueza fácil e inmediata que
brindaban los bosques vírgenes, estabilizase nuevamente la industria ganadera sobre bases más
duraderas y compensadoras, obteniéndose la productividad de extensas regiones donde la
carencia de riego o lluvias suficientes no permite los cultivos agrícolas1221.
La sequía destructora, de modo implacable pronunciada durante todo lo que va del presente
período de gobierno [...] Ya se está en trámite acelerado para la implantación de una fábrica al
Sud, sobre la línea del Ferrocarril Central Argentino de Villa del Rosario a Forres.
Alimentarían a la fábrica, los bosques de los Departamentos Quebrachos y Ojo de Agua, y daría
ésta trabajo a quinientos obreros según el cálculo de la firma que la fundaría, propendiendo al
dinamismo económico en manes apreciable. Este gobierno en uso de facultades por ley
existentes dará todas las facilidades, y ya ha dictado un decreto declarándola a la fábrica acogida
a los beneficios de exención de gravámenes para su oportunidad y como fomento para la
implantación de tan importante fuente de riqueza, que hará accionar la productividad forestal
[...] Os di cuenta en mi precedente mensaje de poderoso factor económico industrial que en
base al empleo de fuertes capitales, había de implantarse1222.
Para Montenegro, o que solucionaria a questão da seca destruidora seria a
implementação de uma fábrica ao Sul, sobre a linha Ferrocarril Central
Argentina nos departamentos de Villa del Rosario a Forres. Alimentariam tal
Fábrica as orestas dos departamentos de Quebrachos y Ojo de Agua, e daria
trabalho a quinhentos “obreros”. Para ele, a Fábrica acionaria a produtividade
orestal e seria uma importante fonte de riqueza. Duas questões podem ser
analisadas: Primeiro, sobre a construção de narrativas em relação a Santiago e
sobre como isso se dá em meio a própria ideia de modernidade vinculada a
um antigo pensamento ocidental. Diniz ressalta que existiu um discurso
geopolítico “que se compõe de um duplo processo no qual as representações
espaciais são produzidas e posteriormente adotadas pela elite política de
modo a organizar o mundo em múltiplas áreas, compostas por distintos
grupos sociais e imersas em diferentes situações geográficas”1223. Segundo, se
Pio Montenegro pertencia a uma elite local baseada na exploração da
madeira, para ele, o progresso só poderia vir se fossem abandonadas, de fato,
as velhas formas de lidar com a terra, e que fosse colocado em foco o incentivo
às indústrias orestais. Certamente, Montenegro, apoiado nessa elite,
abordou o problema da seca também focando em medidas de controle e
beneficiando dos empresários. Na fala, ele aponta que assim se daria trabalho
aos santiagueños.
Como visto, esse “obrero” certamente era um pequeno produtor, que não
tendo alternativas, se via na condição de vender sua mão de obra a outros fins,
que não o trabalho no campo. Quijano, novamente, nos aponta um caminho
importante: a ideia concebida na Europa de raça vinculada a um certo tipo de
trabalho ainda se fazia evidente na concepção latino-americana de construir
seus espaços. Comungamos dessa ideia quando se trata de Santiago,
principalmente pela questão dos povos originários que é central e fez parte da
economia local ao longo da sua história. Nesse sentido, Pio Montenegro, teve
uma fala emblemática em 1939, que pode resumir o caráter de uma narrativa
que estava vinculada a uma elite industrial exploradora da oresta, seus
recursos, sua população.
Vale re etir sobre uma fala de Montenegro, que dizia:
La Dirección de Obras Públicas y Riego ha de encarar con toda contracción y por los medios
más eficaces, la solución del siempre palpitante problema del riego artificial con nuestro
incipiente sistema de canales. La construcción originaria de éstos y sus ampliaciones sucesivas
luego; hecho todo sin un estudio meditado y más con buena voluntad que eficiencia, han
constituido muchas veces el motivo de airadas protestas de los agricultores que se sirven de su
red. El régimen irregular de las aguas destinadas al riego, como consecuencia de la falta de
obras necesarias para asegurar su permanente servicio, es un factor que será difícil de subsanar
dentro de los actuales medios precarios en que se desarrolla el problema, y entonces la acción
oficial, ha de concretarse a aminorar en lo posible sus efectos, y sobre todo, a asegurar la
distribución proporcional y equitativa del agua a los empadronados. El Superior Gobierno de
la Nación terminó el año pasado los estudios para las obras de riego del Río Dulce, en nuestra
principal zona agrícola, y dictó la ley que dentro de la solución, contempla la obra del dique
derivador de Quiroga [...] Desde ya comprometo todos mis esfuerzos para obtener la
realización del proyecto, asegurando que he de agotar todos los medios para que sea un hecho;
y si por circunstancias que no entro a analizar, la Nación no lo hiciere, tocaré todos los
resortes necesarios para encararlo por cuenta de la Provincia, buscando una financiación
adecuada1232.
[...] são obras científicas, literárias, ideológicas, nas quais as pessoas se apoiam e às quais se
referem, que são citadas, imitadas, servem de inspiração. Toda época, em cada uma das esferas
da vida e da realidade, tem tradições acatadas que se expressam e se preservam sob o invólucro
das palavras, das obras, dos enunciados, das locuções, etc. Há sempre certo número de ideias
diretrizes que emanam dos “luminares” da época, certo número de objetivos que se
perseguem, certo número de palavras de ordem, etc.1235.
Essas “ideias diretrizes” das quais trata Bakhtin fazem parte do pensar a
região, fortalecem demandas locais, mantém o poder nas mãos de um grupo,
reforçam estereótipos sobre o meio ambiente, desvinculam da realidade os
problemas enfrentados na região que independem da precipitação das chuvas.
Montenegro continuava, dizendo:
[…] Es bien conocida la situación de verdadera angustia que ha pasado la colonia agrícola en las
zonas servidas por los canales públicos, debido a la falta de agua para regadío, consecuencia de
la escasa precipitación pluvial registrada con carácter general en la Provincia. La Dirección de
Obras Públicas y Riego, compenetrada de la gravedad del problema, presentado con vistos de
continuidad extremó su atención en el cuidado de las obras accesorias construidas en el lecho
del Rio para la maxima captación de caudales y entregarlos al torrente circulatorio de los
canales. La insuficiencia de volúmenes impidió realizar un riego normal, habiendo épocas en
que la escasez de agua determinó la adopción de medidas de emergencia, ordenando la
provisión de agua para los cultivos de citrus y frutales y posteriormente, con la acentuada
sequía, la entrega del líquido exclusivamente para abastecimiento de poblaciones y
estanques1236.
El mundo necesita nuestro tanino y ello exigirá la implantación de la gran industria y se sacará
a Santiago de su proverbial pobreza, con solo usar su riqueza abandonada. Será su corolario el
gran valor de las otras tierras y empujará hacia la necesidad de apurar los trabajos de irrigación
por las aguas del Bermejo. Los espíritus malos del país han podido, por ahora, pero la verdad y
el bien se impondrán. ¡Adelante pueblo y gobierno de Santiago! El triunfo los aguarda. Con
propias fuerzas el sonríe el futuro. Y el concierto nacional ya os verá respetable y fuerte1239.
Esta fala de Montenegro deixa, por fim, evidente, que para ele a
industrialização era a única via possível para o desenvolvimento. Por ela seria
viável sair da pobreza e usar riqueza abandonada que havia na região. “Avante
povo santiagueño!”, narrava o governador. O triunfo os esperava. E a nação já
os veria responsáveis e fortes.
Ao analisar o caso brasileiro e o ministro José Américo de Almeida, também
se entendia a modernização dessas áreas a partir de obras públicas que
levariam ao progresso. Não se falava em indústria, tanto quanto Montenegro,
mas se pensava no progresso do campo com a capitalização do mesmo. Isso só
se daria, para Américo de Almeida, com a intervenção estatal, atacando não
apenas as políticas emergenciais para a terra seca, mas educando o produtor
para se adaptar ao meio em que vivia, ou mesmo tornando-o um operário das
obras públicas. Isso claramente associava-se a uma noção de modernidade. Da
mesma forma que Montenegro nela se baseava para pensar a população
santiagueña e também o seu meio rural e o semiárido. Angela de Castro
Gomes diz que para o Brasil:
Fazer o povo avançar em séculos, como aponta Gomes, nos remete à própria
fala de Montenegro quando exclamava “Avante povo santiagueño!”. Avante
rumo à industrialização, ao progresso, à modernidade, tirando-os do passado
colonial. No Brasil, bem como vimos nas falas de Américo de Almeida, a
população do campo era vista como pobre, miserável, doente, como re ete
Gomes.
Pensar na intervenção desses espaços era parte da implantação de projetos
de modernização. Brasil e Argentina, como países latino-americanos, estavam
na década de 1930 envolvidos, a partir do que Gomes trata para o caso
brasileiro, mas também podemos pensar para o argentino, na missão de
organizar o seu povo e o seu território, e isto perpassava pela realização de
políticas públicas para o “progresso da nação”. Isto implicava romper com a
ideia de um espaço rural apegado a modelos atrasados, e rumar para ações
que modificassem o “marasmo” de uma vida “não civilizada”, logo, não
moderna. Afinal, era assim que essa elite via suas populações, desejando
intervir em seus espaços e almejando pôr em prática suas noções de políticas
públicas modernizadoras.
Pode-se ir um pouco mais além e pensar também outro ponto importante
por meio das figuras de Pio Montenegro e Américo de Almeida, o papel
novamente do Estado, mais especificamente, um Estado-providência como
coloca Bourdieu. Vejamos que, para o autor, é importante re etir que a
construção do Estado moderno se baseia, desde o século XIX, em relação a
“responsabilidade das faltas”1241. Perguntavam-se, naquele contexto, de quem
era culpa. Por isso, filósofos e sociólogos franceses “dissertavam sobre a
responsabilidade: será que a responsabilidade é um problema público? Será
que a responsabilidade cabe aos indivíduos ou será que incumbe a instâncias
públicas assumir as responsabilidades?”1242
O que Bourdieu está propondo, como exemplo, é considerar a “gênese de
uma filosofia da gestão das culpas e das misérias”1243. Ou seja, “será que
miséria é uma falta? Pergunta típica do século XIX, mas que volta à moda. A
miséria é imputável à liberdade dos indivíduos – anuncia-se o retorno do
indivíduo, do liberalismo e da liberdade – ou é passível de tratamento coletivo
por ser ligada a causas coletivas?”1244
Observemos se esta análise de Bourdieu não pode ser vinculada às ideias que
tratei neste capítulo sobre as visões não só de Américo de Almeida, Pio
Montenegro, mas também da JUNALD e da IFOCS. Será a miséria culpa das
populações semiáridas ou uma instância que deve ser pensada coletivamente
pelo Estado? Daí novamente reiterar-se o papel desse Estado. Bourdieu coloca
que, seguindo uma re exão do direito, “essa lógica de culpa [...] foi substituída
progressivamente por uma lógica do interesse público e do risco coletivo”1245.
Era de interesse público pensar as secas, dentro desse risco coletivo que
Bourdieu propõe pensar para outras categorias, e re eti aqui para os casos do
Ceará e Santiago del Estero. O autor analisa o papel de filantropos e juristas na
construção do Estado, e como suas teorias mudaram a realidade social, ou
seja, seus modos de pensar interferiram na vida social.
Aqui aproximo as teorias de Bourdieu das falas de Pio Montenegro e
Américo de Almeida. Busco entender se estes discursos não estavam
vinculados ora a culpabilizar os indivíduos pela forma como viviam, ora
colocavam no Estado a única via possível e coletiva de modificar a situação
dessas populações. Bourdieu re ete que o papel dos juristas e dos filantropos,
na construção do Estado, se faz fundamental. Desejo mostrar também que os
papéis desses atores políticos, como construtores do Estado brasileiro e
argentino, são de suma importância.
Faz-se necessário entender os discursos analisados aqui também dentro de
uma ideia de nomos, que, segundo Bourdieu, são os “princípios de visão e de
divisão [do mundo social]”. Ou seja, “na ideia de que o Estado repousaria num
determinado número de pressupostos relativos à maneira de construir a
realidade social”1246. Isto porque, para o autor, “segundo essa lógica, uma
nação é o conjunto de pessoas que têm as mesmas categorias de percepção de
Estado”1247. Um Estado que tem “condições de universalizar, nos limites de um
território, as categorias de percepção”1248. Ou seja, o Estado cria formas de
pensar o mundo social. Bourdieu dá como exemplo o papel das escolas nessa
disseminação de uma noção de “caráter nacional”, que estava em moda no
século XIX e que para ele “aparece na verdade como a simples ratificação de
estereótipos nacionais, de preconceitos nacionais”1249.
Portanto, existiu um trabalho de “inculcação de categorias de percepção”1250
e isso formou a nação do século XIX e consolidou o Estado moderno. Isso
pode ser re etido, em certa medida, também para os casos estudados em
relação aos discursos que examinamos aqui. Porque essas instituições e essas
figuras políticas fazem parte da manutenção do Estado, estão diretamente
ligadas a ele e pertencem aos diversos campos burocráticos de poder que
pensaram políticas públicas para essas regiões. Logo, também criaram em
suas falas concepções sobre o social, inculcaram estereótipos e preconceitos
nacionais. Isso mostra aquilo que Bourdieu nos convida a re etir: “essas
teorias do Estado que contribuem para a construção do Estado, e, portanto,
para a realidade do Estado tal como conhecemos, são o produto de agentes
sociais situados no espaço social”1251.
Neste aspecto, especificamente, Américo de Almeida e Pio Montenegro
podem ser vistos como esses agentes que fazem parte e constroem o Estado.
Isso porque, entende-se que “essas pessoas têm a ver com o Estado e que, para
fazer triunfar seus interesses, devem fazer triunfar o Estado: eles têm interesse
pelo público e pelo universal”1252.
Bourdieu explica, por exemplo, o papel dos juristas como produtores do
Estado-nação, um “Estado unificado contra as regiões e as províncias, mas
também contra as divisões de classe”1253. Esses juristas, para o autor, “fizeram
um trabalho de unificação a um só tempo transregional e ‘transclasses’, se
pode dizer, ‘transocial’”1254.
Podemos pensar se Américo de Almeida e Pio Montenegro, ao pensarem
modos de agir sobre seus territórios, não fizeram uma tentativa de pôr em
prática um Estado unificado, “transocial”, “transregional”. Isso me leva a
considerar que o espaço social é uma luta simbólica desenvolvida “nos
diferentes campos e nas quais está em jogo a própria representação do mundo
social e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os
diferentes campos”1255. O que significa, portanto, entender que os “agentes e
grupos de agentes são definidos pelas suas posições relativas [grifo do autor]
neste espaço”1256.
Logo, o espaço social é um campo de força, como explica Bourdieu, “quer
dizer, como um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os
que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou
mesmo às intenções [grifo do autor] diretas entre os agentes”1257. O autor
aponta a necessidade de entender a representação que os agentes têm do
mundo social compreendendo “a contribuição que eles dão para a construção
da visão desse mundo e assim, para a construção desse mundo, por meio do
trabalho de representação [grifo do autor] (em todos os sentidos do termo)”1258.
Se Pio Montenegro, Américo de Almeida, as instituições da JUNALD e da
IFOCS, operaram, de certo modo, como agentes desse mundo social, eles
fizeram parte da correlação de forças que operaram para legitimá-lo. Isso
significa que eles tendem também a reproduzir as visões do mundo social,
contribuindo para permanência das relações de força. Ou seja, o
conhecimento do mundo social, as categorias que o tornam possível, como
analisa Bourdieu, “são o que está, por excelência, em jogo na luta política, luta
ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou de transformar
o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção
desse mundo”1259.
Esses fatores interessaram em particular neste capítulo. Busquei entender
como esses agentes, em suma, também desejavam em seus discursos e nas
políticas públicas para essas áreas fazer valer, conservando ou transformando,
certa concepção do que eles tinham e entendiam sobre o espaço social
brasileiro e argentino. Os agentes acabam agindo no mundo social e no campo
de luta dentro desse mundo, “por meio de todas as formas do bem dizer e do
mal dizer, da bendição ou da maldição e da maledicência, elogios,
congratulações, louvores [...] críticas, acusações, calúnias, etc.”1260 O capital
simbólico, outro conceito de Bourdieu, se faz presente nestes aspectos. Ele
“não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando
percebido por um agente dotado de categorias de percepção”1261.
Buscou-se evidenciar, por fim, que pensar no papel do Estado e desses
agentes, seus discursos, suas noções de políticas públicas, é considerar que
existe uma “autoridade que fundamenta a eficácia performativa do discurso
sobre o mundo social, a força simbólica das visões e previsões que têm em
vista impor princípios de visão e de divisão desse mundo”1262. E isso pode ser
aplicado para analisar microespaços como os semiáridos cearenses e
santiagueños, os agentes e as instituições que interviram e pensaram esses
territórios.
Chartier também analisa o discurso político e sua aplicabilidade no fazer do
Estado. Para ele, isso implica pensar que:
[...] os próprios textos políticos ou administrativos fornecem uma representação, por vezes
explícita, na maioria dos casos implícita. Todos eles supõem um destinatário, uma leitura, uma
eficacia. Seria necessário relê-los sob esta perspectiva, detectando o modo como têm em conta
as capacidades supostas dos seus destinatários imaginados. Este material, tradicionalmente
explorado pela sua própria letra, pelo seu conteúdo documental e informativo, tem de ser
questionado de outra maneira, atendendo às formas de discurso codificadas e regulamentadas
que aí são empregues, aos procedimentos retóricos de persuasão e de justificação que aí
funcionam, aos dispositivos tipográficos — num sentido alargado que inclui a paginação e os
papeis desempenhados pela imagem — que dão a ler e a ver o texto1263.
Por isso, para o autor, se faz necessário compreender a formação dos agentes
que pertencem ao Estado moderno. Chartier está considerando, em suas
re exões, o papel do Estado na Europa, mas pensemos se esta análise também
não é possível para o caso deste trabalho. Isso porque o Estado se apoia, como
analisa o autor, em três registros diferentes: “a ordem dos discursos, a ordem
dos signos e a ordem das cerimônias”1264.
Aqui, o que interessam são os discursos e como eles legitimam poder. “Na
primeira destas ordens – onde o termo ‘discurso’ é entendido como de um
texto dito ou escrito – o fato mais importante é indubitavelmente a raridade
dos discursos utilizáveis para afirmar ou criticar o Estado”1265. Ou seja, “num
discurso que tem a sua função e as suas regras próprias, vêm inscrever-se
propostas sobre o Estado e a sua conduta que encontram aí fórmulas já
elaboradas, materiais já familiares”1266. Logo, o “Estado moderno legitima-se,
porque se define através de um conjunto restrito de referências”1267.
Pode-se pensar as falas dos agentes que citei neste capítulo também
considerando “o enraizamento cultural de quem escreve, ou daqueles para
quem escreve; e ao mesmo tempo investe o seu texto de intenção particular,
qualifica-o imediatamente pela língua que ele utiliza”1268. Por isso, Chartier
ressalta que podemos pensar as morfologias, ou conceitos usados e “as figuras
ou lugares-comuns que os explicitam”1269.
Esses pontos foram fundamentais na análise que propus tecer neste livro: o
papel dos discursos de alguns agentes como forma de consolidação de visões
que estavam na ordem do dia na formação identitária dos Estados brasileiro e
argentino, e foram parte concreta das ações e políticas públicas voltadas para o
interior seco do Ceará e de Santiago del Estero.
967. GIRBAL BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas. Re exiones históricas
sobre las desigualdades regionales en la Argentina hasta mediados del siglo XX. AREAS, Revista
Internacional de Ciencias Sociales, 38/2019, pp. 7-18; p. 9
968. Ibidem, p. 9.
969. Ibidem, p. 9.
970. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Op.cit, 17
971. Ibidem, p. 26 e p. 27
972. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 8
973. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 154.
974. POULANTZAS, Nicos. Op.cit, p. 106.
975. Ibidem, p. 107
976. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). [edição estabelecida por
Patrick Champagne… [et al.]; tradução Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014,
p.235.
977. Ibidem, p. 235
978. POULANTZAS, Nicos. Op.cit, p. 114
979. Ibidem, p. 114
980. Ibidem, p. 114
981. Para o conceito de Imperialismo, utilizaremos Edward Said quando diz: “Usarei o termo
‘imperialismo’ para designar a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante
governando um território distante; o ‘colonialismo’, quase sempre uma consequência do imperialismo,
é a implantação de colônias em territórios distantes”. SAID, Edward. Op.cit, p. 29.
982. PALACIO, Germán. Historia Tropical: A reconsiderar las nociones de Espacio, Tiempo y Ciencia.
En: ULLOA, Astrid y PALACIO, Germán (eds.). Repensando la Naturaleza. Encuentros y desencuentros
disciplinarios en torno a lo Ambiental. Bogotá: UNAL y Colciencias, 2002, p. 67-98, p.75.
983. Ibidem, p. 76.
984. Ibidem, p. 96.
985. ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-
desenvolvimento? In: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina, 2005, p.p. 43-79, p.
64.
986. Ibidem, p. 64.
987. Ibidem, p. 64
988. Ibidem, p. 65.
989. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 8
990. CRONON, William. Un lugar para relatos: naturaleza, historia y narrativa. In: PALACIO, G;
ULLOA, A. Repensando la naturaleza: Encuentros y desencuentros disciplinarios en torno a lo ambiental. Bogotá,
Colombia: Universidad Nacional de Colombia-Sede Leticia; Instituto Amazónico de Investigaciones
Imani; Instituto Colombiano de Antropología e Historia; Colciencias, 2002, pp. 29-65; p. 61.
991. SILVA, Ana Paula Barcelos Ribeiro da. Diálogos sobre a escrita da história: ibero-americanismo,
catolicismo, (des)quali cação e alteridade no Brasil e na Argentina (1910-1940). Tese (Doutorado) Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de História, 2011, p. 1.
992. Ibidem, p. 2
993. Ibidem, p. 2
994. PANDOLFI, Dulce Chaves; GRYNSZPAN, Mario. Op.cit, p. 9
995. D’ ARAÚJO, Maria Celina (org.). Vargas, Getúlio, 1883-1954. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara (Série perfis parlamentares; n. 62), 2011, p. 28.
996. Ibidem, p. 29.
997. Ibidem, p. 10.
998. MARTINS, Luciano. Op.cit, p. 675
999. SECRETO, Maria Verónica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do
rio Amazonas” à saga dos soldados da borracha. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n 40, julho-dezembro
de 2007, p. 115-135; p.117.
1000. Ideia retirada de: LOPES, Raimundo Helio. Os batalhões provisórios: legitimação, mobilização e
alistamento para uma Guerra Nacional (Ceará, 1932). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em História Social. Universidade Federal do Ceará (UFC), 2009, p. 25.
1001. Ibidem, p. 25
1002. Ibidem, p. 25.
1003. VARGAS, Getúlio. Discurso pronunciado pelo presidente Getúlio Vargas sobre o Nordeste. Presidência da
República. Casa Civil. Biblioteca da presidência da República, 1953, p. 13.
1004. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Op.cit, p.26.
1005. AGUIAR, Pinto. Op.cit, p. 89.
1006. Ibidem, p. 90.
1007. CATTARUZZA, Alejandro. Historia de la Argentina (1916-1955)... Op.cit, p.116 e p. 117.
1008. TERÁN, Oscar. Op.cit, p. 228
1009. Ibidem, p. 229
1010. LOSADA, Leandro. Oligarquía, aristocracia y nación. La Argentina de los años treinta según
Marcelo T. de Alvear. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”, Tercera
serie, núm. 44, 2016, p. p. 108134; p; 108.
1011. ROMERO, José Luis. El desarrollo de las ideas en la sociedad argentina del siglo XX. Buenos Aires: A.Z
editora S.A., 1998, p. 171
1012. BEIRED, José Luis Bendicho. Op.cit, p. 307
1013. CATTARUZZA, Alejandro. Historia de Argentina 1916-1955... Op.cit, p. 116 e p.117
1014. TORCUATO, Di Tella. História social da Argentina contemporânea. – 2. ed. rev. - Brasília: FUNAG,
2017. p. 245.
1015. Ibidem, p. 249.
1016. Ibidem, p. 252.
1017. JUSTO, Agustín P. Mensaje a la Asamblea Legislativa (20-2-1932) (fragmentos). Cámara de
Senadores, Diario de Sesiones. In: DONGHI, Tulio Halperín. La República imposible (1930-1945).
Biblioteca del pensamiento argentino, Vol.5. Buenos Aires: Emecé, 2007, pp.89-91, pp.89-90.
1018. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 12.
1019. EGGERS-BRASS, Teresa. Op.cit, p. 473 e p. 474
1020. BALLENT, Anahi y GORELIK, Adrián. Op.cit, p. 146
1021. Ibidem, p. 147.
1022. Ibidem, p. 147.
1023. Ibidem, p. 147.
1024. Ibidem, p. 256
1025. Ibidem, p. 256
1026. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 109
1027. Ibidem, p. 109
1028. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 33
1029. Ibidem, p. 33.
1030. Ibidem, p. 34.
1031. Ibidem, p. 34
1032. Ibidem, p. 34.
1033. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 15
1034. Ibidem, p. 15.
1035. Ibidem, p. 15.
1036. SANTOS, Claudia Penha dos. As Comissões Científicas da Inspetoria de Obras Contra as Secas na
gestão de Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa (1909-1912). Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2003, p. 13.
1037. Sobre esta re exão e outras análises acerca da Inspetoria de Obras Contra as Secas e sua atuação
nos anos de 1915 e 1932, ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit.
1038. Decreto n 19.726, de 20 de fevereiro de 1931. Câmara dos Deputados: Diário Oficial da União –
Seção 1 28 de fevereiro de 1931, p. 2969. Disponível
em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19726-20-fevereiro-1931-
518993 publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 10 dez. 2019.
1039. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 74
1040. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 9.
1041. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 39
1042. Ibidem, p. 36
1043. Ibidem, p. 46.
1044. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Ley 11896. Memoria elevada al
Ministerio del Interior. Buenos Aires, 1936, p. 22.
1045. Ibidem, p. 22 e p.23
1046. Ibidem, p. 9.
1047. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937, Buenos Aires, 1937,
p. 7.
1048. Ibidem, p. 8
1049. Decreto nº 19.726, de 20 de fevereiro de 1931. Op. cit, p. 2969.
1050. Ibidem, p. p. 2969
1051. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, 12
1052. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Tradición y
modernización socioeconómica en la Argentina de los años treinta. Estudios del Trabajo, enero-junio
2003, p.p. 25-53, p. 31.
1053. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria 1937. Op.cit, p. 11 e p.13
1054. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria 1937. Op.cit, p. 12
1055. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 10
1056. Idem. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación… Op.cit, p. 26
1057. ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-
desenvolvimento?... Op.cit, p. 68
1058. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Memoria, 1936, Op.cit, p. 9.
1059. GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Riqueza, poder y control... Op.cit, p. 368
1060. Ibidem, p. 369.
1061. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca...Op.cit, p. 108.
1062. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca...Op.cit, p. 112 . 112.
1063. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Republica dos Estados Unidos do Brasil, Publicação Mensal. Volume 1, Num.4 Fortaleza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Abril de 1934, p. 169. Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional.
1064. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade... Op.cit, p. 51.
1065. Ibidem, p. 51.
1066. Ibidem, p. 52.
1067. LIMA, Nisia Trindade. Apresentação. In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. CASA DE OSWALDO
CRUZ. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao
interior do Brasil entre 1911 e 1913 [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1992, p. XV.
1068. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p.113
1069. Uma questão importante é posta por Roy Hora sobre a Argentina neste aspecto: “A diferencia de lo
sucedido en Gran Bretaña o Alemania, Rusia o el sur de los Estados Unidos, Brasil o Chile, en nuestro país el
latifundio nunca gozó de verdadera legitimidad histórica. Quizá porque en el período colonial el país no tuvo una
clase propietaria rural que fuese a la vez una clase dominante, o porque careció de un campesinado sometido al
poder terrateniente, la gran propriedad nunca fue concebida como parte del orden natural de las cosas. Su
justi cación siempre fue contextual, nunca sustantiva: en su momento fue defendida como el instrumento más
adecuado para expandir la frontera, para doblegar el desierto y someter a sus moradores más recalcitrantes, para
poner en producción áreas inexplotadas, o para volcar capitales en la actividad rural. Pero conforme estos objetivos
se alcanzaban, la gran estancia debía ceder lugar a una estructura de propriedad y un régimen de explotación
dominado por la empresa familiar”. HORA, Roy. Cómo pensaron el campo los argentinos. Ciudad Autónoma
de Buenos Aires: Siglo XX Editores Argentina, 2018, p.p. 19.
1070. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 17
1071. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Riqueza, poder y control social… Op.cit, p. 377
1072. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico… Op.cit, p. 11.
1073. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 23 e p. 24
1074. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 15.
1075. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1936, Op.cit, p. 38.
1076. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937, Op.cit, p. 16
1077. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agrária… Op.cit, p. 113
1078. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí María. Identidad territorial, agro y políticas públicas… Op.cit, p. 10
e p.11
1079. TASSO, Alberto. Un caso de expansión agrária… Op.cit, p.113 e p. 114
1080. Ver: BENZATO, Guillermo e ROSSI, María Cecilia. Op.cit, p. 11.
1081. ALMEIDA, José Américo de. O ciclo revolucionário do Ministério da Viação. 2ªed, Fundação
Guimarães Duque e Fundação Casa de José Américo de Almeida, Coleção Mossoroense, Vol CLXXVIII,
1982, p. 161
1082. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933
apresentado ao Ministro José Américo de Almeida pelo Inspetor Luiz Augusto da Silva Vieira. Fortaleza:
Ministério da Viação e Obras Públicas. Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. (VOL I), 1934, p.24.
Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
1083. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 75
1084. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 47.
1085. Ibidem, p. 47
1086. Ibidem, p. 47
1087. Ibidem, p. 48
1088. ALMEIDA, José Américo de. O ciclo revolucionário... Op.cit, p. 164
1089. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história... Op.cit, p.2
1090. Ibidem, p.2.
1091. Ibidem, p. 30
1092. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história... Op.cit, p. 30
1093. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p. 11.
1094. Ibidem, p. 85.
1095. Ibidem, p. 87.
1096. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937. Op.cit, p.17.
1097. Langosta, é um inseto que pode se tornar uma praga em plantações agrícolas.
1098. Ideia retirada de: TASSO, Alberto. Un caso de expansion agraria… Op.cit, p.115-119.
1099. ARGENTINA, Junta Nacional para Combatir la Desocupación, Memoria 1937... Op.cit, p.19.
1100. GIRBAL-BLACHA, Noemí. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación... Op.cit, p.36
1101. Ibidem, p. 36.
1102. Ibidem, p. 38
1103. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Republica dos Estados Unidos do Brasil, Publicação Mensal. Volume 1, Num.3. Fortaleza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Abril de 1934, p.129 Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional.
1104. CASTRO, Lara. Fontes Oficiais para a História Social: Documentos do DNOCS em questão.
XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos historiadores: velhos e novos desa os. Florianópolis – SC,
2015, pp. 1-15; p. 3.
1105. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ... Op.cit, p. 14
1106. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico ... Op.cit, p. 14
1107. Ibidem p. 15.
1108. Idem, Sobre o Estado... Op.cit, p. 48
1109. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado...op.cit, 48
1110. Ibidem
1111. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 108
1112. Ibidem, p. 109
1113. Ibidem, p. 110
1114. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 108
1115. NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina. Biblioteca Digital, 2019, p. 13
1116. SECRETO, María Verónica. A ocupação dos “espaços vazios”... Op.cit, p. 116.
1117. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. v.1n.4. Op.cit, p. 176
1118. ALMEIDA, José Américo. O Ciclo Revolucionário... Op.cit, p. 380
1119. AB’SÁBER, Aziz Nacib. Op.cit, p. 8.
1120. Ibidem, p. 8.
1121. NEVES, Frederico de Castro. Getúlio e a seca... Op.cit, p, 118
1122. ALMEIDA, José Américo. O Ciclo Revolucionário... Op.cit, p. 380 e p. 381.
1123. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 72.
1124. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933. Op.cit, p.
42.
1125. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 57
1126. VIEIRA, Luiz Augusto da Silva. Relatório dos trabalhos realizados no triênio 1931-1933. Op.cit, p.
43
1127. Ibidem, p. 71.
1128. GOMES, Sueli de Castro. Uma inserção dos migrantes nordestinos em São Paulo: o comércio de
retalhos. Imaginário , USP, 2006,v. 12n 13, pp. 143-169; p. 143
1129. Ibidem, p. 144 e p. 145.
1130. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 74.
1131. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. República dos Estados Unidos do Brasil. Publicação Mensal. Volume 1, Num1.Foreza:
Tipografia Mineira – Assis Bezerra, 1934, p. 36. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
1132. BRASIL. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Ministério da Viação e Obras
Públicas. Op.cit, p. 36
1133. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 71
1134. CARNEIRO, B. Piquete. O Nordeste. Memorial justificativo de providencias complementares que
se acham em execução pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Por B. Piquete Carneiro,
engenheiro civil. Rio de Janeiro – Typ do Jornal do Commercio – Rodrigues & C- 1935, p. 3.
1135. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder… Op.cit, p.10
1136. BRASIL. BOLETIM da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas Ministério da Viação e Obras
Publicas Republica dos Estados Unidos do Brasil Publicação Mensal – Fevereiro de 1934, Vol 1, Num. 2.
Tipografia Mineira – Assis Bezerra Fortaleza – Ceará, p.p. 89 é p. 90.
1137. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder...Op.cit, p.12.
1138. Ibidem, p. 12.
1139. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 295.
1140. Ibidem, p. 396.
1141. ARGENTINA Junta Nacional para Combatir la Desocupación Ley 11896, Memoria 1936. Op.cit, p.
18 e p. 19
1142. DANIEL, Claudia. De crisis a crisis: la invención de la desocupación en la Argentina. Revista de
Indias, 2013,.v. LXXIII, n.º 257,pp. 193-218; p. 196.
1143. Ibidem, p. 211
1144. Ibidem, p. 211 e p. 212
1145. Ver: TASSO, Alberto. La sequía de 1937 en Santiago del Estero… Op.cit,p. 27.
1146. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1936Op.cit, p50.
1147. GIRBAL-BLACHA, Noemí. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación… Op.cit, p. 29 e p.
30
1148. Vale destacar algumas palavras sobre a atuação de Olmos Castro, contidas em uma re exão feita
por Alberto Tasso: “En 1923, teniendo 38 años, se radica en Santiago del Estero. Cinco años después
presenta al gobierno de Santiago Maradona un cálculo de la tasa de natalidad basándose en cifras que ha
obtenido por su cuenta, y agrega que esa serie no se está llevando en la provincia. El sistema estadístico
provincial, que tuvo un período de notable desarrollo en la primera década del siglo, había decaído, y
Olmos Castro asumió la tarea de restaurarlo. En 1935, durante el gobierno de Juan B. Castro, fue
designado director General de Estadística, Registro Civil y Trabajo, cargo que desempeñó hasta 1946.
En esos 11 años de labor intensa realizó 49 publicaciones, que incluyen anuarios estadísticos,
recordaciones históricas, la vivienda obrera, investigaciones sobre ciegos, educación agropecuaria, y
especialmente una serie referida a las leyes de trabajo, desde la jornada de 8 horas al trabajo nocturno, el
trabajo de las mujeres, y en especial de las empleadas domésticas (…)[...] Ese mismo año de 1937 una
intensa sequía afectó a varios países del continente americano y a las provincias del noroeste argentino,
siendo muy intensa en Santiago del Estero. La pérdida de tres cosechas sucesivas y la mortandad de la
mayor parte del stock ganadero provocaron una hambruna generalizada en la numerosa población rural,
ya afectada por desnutrición y enfermedades endémicas. Olmos Castro realizó una prolija estimación de
la magnitud de las pérdidas provocadas en el sector agropecuario por departamento, y su valor
económico. Una de sus sugerentes comprobaciones se refiere al descenso de la natalidad ese año, un
signo de la gravedad de la crisis. En los años siguientes profundizó sus estudios sobre las condiciones de
vida y trabajo de hacheros y colonos. “El Trabajo” (1942) es un hito en la literatura local, rica por su base
empírica, y muy aguda en la interpretación del cuadro social de la provincia. En 1945, un año antes de su
alejamiento de la administración pública de la provincia, publica “Una vida al servicio del público”(…)
[...]” Sobre Olmos Castro ver: TASSO, Alberto. Amalio Olmos Castro, Disponível em:
http://acyase.com.ar/web/index.php/component/k2/item/372-amalio-olmos- castro-sitial-de-
alberto-tasso Acesso em: 10 jun. 2021.
1149. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1937. Op.cit, p.121
1150. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad territorial…Op.cit, p.11 e p.12.
1151. Ibidem, p. 13.
1152. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 299
1153. De acordo com Farberman: “Desde Santiago del Estero los conquistadores organizaron las diversas
expediciones que dieron origen a las ciudades del noroeste argentino, así como el reparto de la población nativa a
través de la encomienda. Por estas razones, los asentamientos indígenas que se sucedan ‘a poca distancia los unos
de los otros’ a 10 largo de los ríos Dulce y Salado, se constituyeron en muy poco tiempo en pueblos de indios”.
FARBERMAN, Judith. Los que se van y los que se quedan: familia y migraciones en Santiago del Estero a
fines del periodo colonial. Quito Sol, n. 1, 1997, p. 7-40p.10
1154. Ibidem, p. 8 e p.9.
1155. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocpuación, MEMORIA, 1937. Op.cit, p. 121 e
p. 122
1156. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 295
1157. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p.554
1158. Ibidem., p. 554.
1159. Ibidem, p. 554.
1160. Ibidem, p. 556.
1161. Ibidem, p. 556.
1162. Ibidem, p. 556.
1163. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 566 e p. 557
1164. Ibidem, p.p. 557.
1165. Ver: GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad Territorial…. Op.cit, p. 17
1166. Ibidem, p. 17.
1167. Ver: BLACHA, Luis Ernesto. Poder y sociabilidad en la Argentina de los años ‘30. Los gobiernos de
Uriburu y Justo. Anuario del Centro de Estudios Históricos «Prof. Carlos S. A. Segreti» Córdoba (Argentina),
año 8, n. 8, 2008, p.p. 361--386; p. 363.
1168. Ibidem, p. 366.
1169. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1937. OP.cit, p. 122.
1170. Ibidem, p. 123.
1171. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupación... Op.cit, p. 35.
1172. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación, MEMORIA, 1936. Op.cit, p. 25 e p.
26
1173. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de coordinación
del trabajo. Reunida en Mendoza, 18-25 de marzo de 1939, Tomo II, Buenos Aires,1939, p. 51.
1174. TASSO, Alberto. Un caso de expación agraria… Op.cit, p. 141.
1175. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de
coordinacion del trabajo … Op.cit, p. 51.
1176. GIRBAL-BLACHA, Noemi. La Junta Nacional para Combatir la Desocupacion… Op.cit, p. 35.
1177. ARGENTINA. Junta Nacional para Combatir la Desocupación. Conferencia Nacional de
coordinacion del trabajo… Op.cit, p. 280.
1178. GIRBAL-BLACHA, Noemi. Riqueza, poder y control… Op.cit, p. 384.
1179. PALACIO, Castañeda G. Op.cit, p. 78
1180. Ibidem, p. 79.
1181. Ibidem, p. 80.
1182. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 110.
1183. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 18.
1184. Ibidem, p. 18.
1185. Ver: PALACIO, German. Historia Tropical: A reconsiderar las nociones de espacio, tiempo y
ciencia... Op.cit, p. 75
1186. Ibidem, p. 79.
1187. Ibidem, p. 79.
1188. Ibidem, p. 80.
1189. ALMEIDA, José Américo de. Eu e eles. Rio de Janeiro: Entrelivros Cultural Ltda., 1978, pp. 22-34.
1190. ALMEIDA, José Américo de. As secas do Nordeste. 2. ªed, Coedição Fundação Casa de José Américo
de Almeida e da Fundação Guimarães Duque, Coleção Mossoroense, Vol CLXXVII, 1981, p. 17.
1191. Ibidem, p. 68.
1192. Ibidem, p. 68.
1193. RIOS, Kenia Sousa. Isolamento e poder... Op.cit, p. 57.
1194. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 19.
1195. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado..Op.cit, p. 629.
1196. Ibidem, p. 629.
1197. Ibidem, p. 640.
1198. ALMEIDA, José Américo de. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 24.
1199. ROCHA, Pedro Diniz. O determinismo racial e geográfico no discurso geopolítico
moderno/colonial: por uma geopolítica decolonial. Conjuntura Global v. 7, n. 3 (2018), pp. 243-258, p.
244.
1200. ROCHA, Pedro Diniz, Op.cit, p. 245
1201. Ibidem, p. 244.
1202. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 24.
1203. RIBEIRO, Rafael Winter. Op.cit, p. 64.
1204. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 25
1205. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 311.
1206. Ibidem, p. 311 e p. 312.
1207. RIBEIRO, Rafael Winter. Op.cit, p.66
1208. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, pp. 25-28
1209. “Ildefonso Albano nasceu em Fortaleza, no dia 12 de fevereiro de 1885 [...] Estudou no Seminário
de Fortaleza, tendo completado sua formação escolar na Inglaterra e na Áustria. Ao voltar da Europa,
onde se dedicara ao estudo do algodão e da tecelagem, assumiu o cargo de gerente da firma Albano &
Irmão. Cursou até o terceiro ano da Faculdade de Direito do Ceará, mas não obteve o bacharelado.
Casado com uma filha do coronel Franco Rabelo, foi por este nomeado intendente (prefeito) de
Fortaleza, cargo que exerceu de 1912 a 1914. Após deixar a prefeitura, representou o Ceará na Câmara
dos Deputados nas legislaturas 1915-1917 e 1918-1920, destacando-se por defender firmemente o
combate às secas. Em 1921, foi novamente empossado como intendente de Fortaleza, mas deixou o
cargo para assumir a presidência do estado do Ceará, de 1923 a 1924, em substituição a Justiniano de
Serpa, falecido no meio do mandato [...] Publicou O secular problema da seca; Jeca-Tatu e Mané Xiquexique;
A URSS do deão.” MORAES, Kleiton de. “Ildefonso Albano”. ABREU, Alzira Alves [et.al.] (coord.).
Dicionário histórico – biográ co da Primeira República 1889-1930. FGV, editora CPDOC, 2015. Disponível
em: <https://epdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/ALBANO,%20Ildefonso.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2020.
1210. ALMEIDA, José Américo. As secas do Nordeste... Op.cit, p. 28
1211. Gostaríamos de destacar o avanço nos estudos da convivência do semiárido brasileiro, saindo um
pouco do enfoque deste trabalho, para mostrar que seca/semiárido/pobreza/água são temas que já
poderiam ter sido solucionados tendo um olhar voltado para própria natureza e o que ela oferece. De
acordo com Rebouças: “Os quase oito meses de ausência de chuvas que ocorrem anualmente, associados
à insolação de mais de três mil horas em alguns pontos dos semiáridos, podem representar
oportunidades não-convencionais de geração de energia como suporte fundamental ao seu
desenvolvimento sustentável. A partir da década de 80, projetos demonstrativos de energia solar
fotovoltáica vem sendo desenvolvidos para bombeamento de água, iluminação de residências e escolas
em vilas no interior dos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais”. REBOUÇAS, Aldo da C.
Água na região Nordeste: desperdício e escassez. Estudos Avançados 11 (29), 1997, pp. 127-154, p. 135.
1212. Ibidem, p. 134.
1213. Ibidem, p. 134.
1214. Ver: CAMPOS, José Nilson B.; STUDART, Ticiana. Op.cit, p. 7.
1215. Ver: MELO, Leda Agnes Simões de. Op.cit, p. 45
1216. ALMEIDA, José Américo de. Seca no Nordeste... Op.cit, p. 30.
1217. Idem. Seca no Nordeste... Op.cit, p. 31 e p. 32.
1218. Ibidem, p. 33.
1219. Rebouças analisa os açudes construídos no sertão, da seguinte forma: “Não obstante essa oportuna
observação, os açudes foram sendo construídos tendo-se por base feições topográficas e/ou in uências
políticas locais, a tal ponto que açudes de bilhões de m3, como Orós (CE), afogam a maior extensão de
terras irrigáveis do vale do Jaguaribe e quase nada foi investido no capital humano para torná-lo apto a
usar e melhorar novas tecnologias de manejo adequado do binômio solo-água (Rebouças & Marinho,
1970). A açudagem pública apresenta um balanço de aproximadamente 1200 a 1500 reservatórios de
capacidade superior a 100 mil m3, com cerca de 450 barragens de mais de um milhão m3 e número
menor de açudes entre 2 e 4 bilhões de m3. Alguns açudes públicos foram construídos ao longo de
dezenas de anos, tal como o de Cedro, Quixadá (CE), cujo projeto datava de 1884 mas só concluído em
1906, ou seja, 22 anos depois”. REBOUÇAS, Aldo da C. Op.cit, p. 136 e p. 137
1220. Ver: MARTÍNEZ, Ana Teresa y VEZZOSI, José Vicente. Amalio Olmos Castro y la cuestión social
en Santiago del Estero. El Departamento Provincial del Trabajo entre límites estructurales y con ictos
ideológicos. Historia Regional. Sección Historia. ISP n. 3, Villa Constitución, Año XXXII, n. 40, enero-
junio 2019, p. 1-17; p. 5.
1221. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro, a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1939. Santiago del Estero: Talleres Graficos Accion, 1939, p. 7.
1222. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1939...
Op.cit, p. 7 e p. 8
1223. ROCHA, Pedro Diniz. Op.cit, p. 247
1224. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1939…
Op.cit, p. 8
1225. QUIJANO, Anibal. Op.cit, p. 111
1226. Ibidem, p. 111.
1227. Ibidem, p. 111.
1228. Ibidem, p. 111
1229. Ibidem, p. 111.
1230. Ibidem, p.113.
1231. GIRBAL-BLACHA, Noemí. Identidad Territorial.. Op.cit, p. 9
1232. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero, 1936Op.cit,
p. 36
1233. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua… Op.cit, p. 146.
1234. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1938, p. 16.
1235. BAKHTIN, Mikhail. Op.cit, p. 314
1236. MONTENEGRO, Pio. La honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias,
correspondientes al año 1938... Op.cit, p. 34
1237. BANZATO, G.; ROSSI, M. C. Op.cit, p. 7.
1238. Ver: TASSO, Alberto. La protesta del agua… Op.cit, p. 146
1239. MONTENEGRO, Pio. Mensaje del gobernador de la provincia de Santiago del Estero Dr. Pio
Montenegro, a la honorable Camara de Diputados al inaugurar sus sesiones ordinarias, correspondientes
al año 1939... Op.cit, p. 9
1240. GOMES, Angela de Castro. População e sociedade: Em Marcha para o Oeste... Op.cit, p. 42 e p. 43
1241. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado...Op.cit, p. 646
1242. Ibidem, p. 646.
1243. Ibidem, p. 646.
1244. Ibidem, p. 645 e p. 646
1245. Ibidem, p 647.
1246. Ibidem, p. 621.
1247. Ibidem, p. 621.
1248. Ibidem, p. 621.
1249. Ibidem, p. 621.
1250. Ibidem, p. 621.
1251. Ibidem, p. 610.
1252. Ibidem, p. 610.
1253. Ibidem, p. 619.
1254. Ibidem, p. 619.
1255. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico... Op.cit, p.133.
1256. Ibidem, p. 134.
1257. Ibidem, p. 134.
1258. Ibidem, p. 139.
1259. Ibidem, p. 142.
1260. Ibidem, p. 143.
1261. Ibidem, p. 145
1262. Ibidem, p. 145.
1263. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, 224
1264. Ibidem, p. 224 e p. 225
1265. Ibidem, p. 224 e p. 225.
1266. Ibidem, p. 226.
1267. Ibidem, p. 226.
1268. Ibidem, p. 227.
1269. Ibidem, p. 227.
Considerações nais
Volto ao início das re exões que abriram este livro e que proponho, aos
moldes de Tunana, “vestir a linguagem”. Este trabalho tomou a narrativa, o
uso das palavras, da linguagem, como principal alicerce para pensarmos as
representações das secas no Ceará e em Santiago del Estero, além dos
contextos históricos que as atravessaram.
Nesse itinerário, o que prevaleceu foi uma re exão que priorizou analisar as
formas e os sentidos dos discursos, e como o papel da linguagem pode ser um
caminho de entendimento para analisar os períodos históricos do Brasil e da
Argentina nos anos 1930. Como Manoel de Barros escreve, na epígrafe desta
seção, “foram as palavras, pois que desestruturaram a linguagem” e não ele.
Eu me pus a desnaturalizar a linguagem em torno da seca e das regiões
acometidas por fortes estiagens, repensar as palavras usadas para se tratar
desse tema e o que elas podem ter de implicação na construção de ideias sobre
os espaços semiáridos, tanto quanto na concepção e aplicação de políticas
públicas sobre eles.
Muitas cenas são comuns no nosso imaginário quando pensamos as áreas
secas. No Brasil, os sertões são espaços ainda mais emblemáticos no que se
refere à construção de uma visão que brotava dia a dia nas cenas de secura,
fome, miséria e nas grandes retiradas, desde as narrativas da grande imprensa
ou dos periódicos locais até a literatura.
Na Argentina, já foi assinalado, o chaco santiagueño não é visto dessa forma.
Pelo que foi observado nas fontes e até mesmo na atualidade, a seca não
marca a vida da região. Em contrapartida, as narrativas que se seguiram em
1937 (e até mesmo em certos contextos anteriores) tiveram muitos pontos em
comum com o caso cearense e também mostram que a natureza vista como
problema, a ideia de um espaço-vítima, a fome, a pobreza, fazem parte e
formaram marcas para se pensar a província. A palavra reverbera e passa a se
somar ao campo de força político que faz parte dessas regiões. Sabemos que,
de fato, a seca existe, a desigualdade social também, mas cabe re etir como
isso se dá de maneira a desconstruir visões simplistas e reducionistas.
Isso me instigou a pensar, então: quais foram os discursos que sobressaíram,
em meio a uma forte crise climática, para pensar as áreas acometidas pela seca
no Brasil e na Argentina (que pesavam sobre elas a pobreza e a desigualdade
social)? Se essas narrativas priorizavam certas ideias, visões e modos de agir, e
pensar esses territórios, como isso se construiu? A partir de quem e como era
interessante afirmar-se percepções sobre o Ceará e sobre Santiago del Estero?
Por que não pensá-los como parte de uma narrativa política que desencadeou
e desencadeia, para essas populações, estigmatizações diversas? A seca, e as
narrativas sobre ela, como mostrado, podem revelar também as disputas em
torno desses territórios ao longo de diversos contextos históricos.
Nesse aspecto, o ponto-chave deste livro foi compreender quais discursos
foram construídos para essas áreas, tendo a seca como fio condutor, e que
diversas dessas narrativas já se encontravam no saber local, regional e
nacional sobre esses territórios. Por vezes, tais discursos acabaram se
constituindo como “naturais” para pensar os semiáridos cearenses e
santiagueños, e pouco problematizaram questões que estão para além da seca,
do clima, da geografia desses lugares.
Edward Said re ete sobre a invocação do passado como estratégia comum
para a interpretação do presente. Ele diz que dessa forma o que pode inspirar
esse anseio “não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado e o
que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o passado é de fato
passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob outras
formas”1271.
Por isso, não se tratou de compreender as narrativas sobre o Ceará e
Santiago del Estero como uma história linear, ou seja, “a ideia principal é que,
mesmo que se deva compreender inteiramente aquilo no passado que de fato
já passou, não há nenhuma maneira de isolar o passado do presente. Ambos se
modelam mutuamente, um inclui o outro”1272. Isso não significa idealizar ou
simplificar a relação entre passado e presente nem muito menos apresentar
aqui qualquer linearidade histórica, como já apontado. Buscou-se entender
que, como analisa Said: “Em nossos dias, não existe praticamente nenhum
norte-americano, africano, europeu, latino-americano, indiano, caribenho ou
australiano – a lista é bem grande – que não tenha sido afetado pelos impérios
do passado”1273.
O legado colonial representou, para o Ceará e para Santiago del Estero, que
suas populações fossem vistas, por diversos momentos, pelo espectro do
outro, de uma sociedade rural que vivia, por vezes, distante das capitais, e de
uma natureza rústica e de difícil acesso. Por outro lado, alguns intelectuais
destacados neste trabalho foram de suma importância para que as populações
desses “nortes” do Brasil e da Argentina fossem vistas, reconhecidas e
pensadas em um parâmetro nacional. O desafio, para eles, foi justamente
trazer à tona os dilemas da terra assolada. Assolada não somente pela seca,
mas pela própria desigualdade social que independe da estiagem. Junto a eles,
estiveram a imprensa tanto dos centros de poder quanto as regionais. Aqui,
talvez, o maior meio de difusão e disseminação de discursos. Essa imprensa se
fez presente na vida da população e foi um aporte de manutenção de poder, de
silenciamentos, de apagamentos. Foi ela que consolidou ideias, colocou em
xeque outras, falou para os seus e desejou, em certa medida, intervir
politicamente em diversas demandas desses localidades. A imprensa pode
garantir o status quo da elite dirigente ou pode deslegitimá-la, e a seca mostra
como isso se dá.
Nesse sentido, até que medida os muitos discursos analisados neste trabalho
estiveram vinculados a uma ideia de sociedade que não considerava os
modelos de vida da população rural? O que fica mais evidente nas narrativas,
principalmente da imprensa, é a concepção de que essa população, em meio
ao tema da seca, foi alvo de várias tentativas de controle. O controle aqui
permeou as re exões deste trabalho. Ele justificou as visões sobre esses
territórios e esteve intimamente relacionado à noção de medo. Medo das
multidões, o medo da seca, das doenças, das migrações, o medo dos saques,
dos roubos a armazéns, o medo da fome, da miséria, do cortejo de moléstias,
da falta de água, da “presença” dela, da miséria, do sertanejo, das gentes dos
bosques, dos seus costumes e crenças.
Podemos fazer uma analogia com aquilo que Bourdieu aplicou para re etir
o papel dos filantropos do século XIX. Ele diz que para eles havia sempre “as
classes perigosas, as classes dominadas, são objetivamente perigosas porque
portadoras de miséria, de contágio, de contaminação, etc.”1274 Bourdieu pensa,
portanto, “que no inconsciente coletivo essas coisas ainda estão presentes”1275.
Bastaria evocar alguns exemplos, e no caso deste trabalho a seca, a semiaridez
e a população sertaneja e do chaco santiagueño podem ser pensadas nessa
perspectiva. “As classes dominadas são objetivamente perigosas e o interesse
bem compreendido leva ao que se chamou de ‘coletivização dos riscos’: trata-
se de responder por medidas coletivas a perigos que atacam
universalmente”1276. Era preciso a manutenção da ordem econômica e
simbólica também nos casos analisados para o Ceará e Santiago del Estero.
Por isso, re eti acerca dessas regiões semiáridas considerando o que Bourdieu
chama de tentativa de se “domesticar os dominados”1277. Desde o século XIX,
em certos aspectos, no Brasil e na Argentina houve essa busca, e entende-se
que, na década de 1930, essa ideia não se modificou suficientemente.
Logo, em nome da modernidade, do progresso, da civilização, em nome da
melhoria da vida dessas populações justificava-se o controle sobre elas; talvez
para que saíssem do “limbo” em que se encontravam. Daí a necessidade de
que as políticas públicas dessem conta de mantê-las ocupadas: suas mentes,
seus corpos e suas ações. Os mesmos discursos de alguns intelectuais e da
imprensa fizeram eco na forma como o governo enfrentou os problemas dos
semiáridos, da seca, do desemprego rural, da pobreza do campo, da
desigualdade existente. O papel do discurso faz parte da disputa pelo espaço,
revela práticas pouco efetivas para esses territórios e deixa claro que as
relações locais que se perpetuam, muitas delas, até os dias atuais, não foram
desconstruídas totalmente.
Por isso, este livro não se propôs a analisar o papel das narrativas como uma
questão meramente simbólica que atua sobre as cabeças das populações do
Ceará e de Santiago del Estero, tirando delas seu papel de sujeito histórico.
Pelo contrário, sabe-se que não se pode explicar uma sociedade pelo discurso
apenas. No entanto, compreende-se claramente o papel de certos tipos de
narrativas no percurso histórico de um país, de uma população, porque elas se
tornam ações efetivas e modos de ver e intervir nelas. Quando se propôs
analisar os discursos em torno das secas do Ceará e de Santiago del Estero,
logo as representações desses espaços na década de 1930, desejou-se
evidenciar um percurso que mostrasse que as narrativas analisadas nos três
primeiros capítulos tiveram no quarto capítulo sua expressão real em políticas
públicas concretas para essas áreas. Ou seja, o discurso está imbricado na
prática política; é mais um elemento desta trama.
Nesse aspecto, Bourdieu também explica que para se estudar o Estado, deve-
se compreender as suas teorias ligando-as “às suas condições sociais de
produção”1278 e vinculando-as à realidade social. A produção do discurso, ou
seja, das ideias, é fundamental. O autor coloca:
[…] não tem o menor sentido estudar ideias como se elas passeassem numa espécie de céu
inteligível, sem referência aos agentes que as produzem nem, sobretudo, às condições em que
esses agentes as produzem, isto é, particularmente às relações de concorrência em que estão
entre si. Elas são, portanto, ligadas ao social por esse lado, e por outro lado são absolutamente
determinantes no sentido de que contribuem para construir as realidades sociais tais como as
conhecemos1279.
Dentro desse panorama, a elite local produz e se reproduz, por vezes, por
meio da relação de dependência que ela constrói e construiu com o pequeno
produtor rural. Ou mesmo, mantém seu poder por meio dela. E isso fica
evidente quando, nos dias de hoje, essas áreas ainda sofrem com o problema
da seca e da desigualdade regional, em um sentido de que ainda não
conseguem enfrentar as demandas geográficas sem o estigma da pobreza e da
escassez.
O Brasil, a Argentina e o Uruguai discutem, em diversos encontros atuais, os
problemas ambientais que assolam parte de seus países. Em 2018, o tema da
desertificação e da pobreza de regiões áridas e semiáridas foi debatido na
Conferência Sul-Americana sobre Combate à Deserti cação1281. O problema da
convivência com o semiárido faz parte da história dessas localidades ao longo
do tempo, e, mesmo assim, o Ceará e Santiago del Estero ainda sofrem com a
falta de planejamento em períodos de seca.
Em 2013, segundo as Confederaciones Rurales Argentinas1282, Santiago del Estero
havia tido a pior seca dos últimos dez anos e os produtores rurais estavam
ameaçados pela falta de chuvas. Em outubro de 2017, o Ceará estava tomado
pela seca em todo território, com maior ou menor grau em certas localidades.
Chuvas escassas e de pouca expressão afetavam o estado há cinco anos,
gerando forte impacto na vida do produtor rural1283.
Nesse sentido, as iniciativas de convivência e adaptação1284 ao semiárido se
propõem cada vez mais encadeadas. Outras maneiras de positivar a geografia
desses lugares ou, como coloca Maciel e Pontes, de ressignificá-la, têm feito
parte das políticas públicas para os semiáridos, bem como a articulação entre
iniciativas em prol do semiárido da América Latina. Não que isso não ocorra,
como explicam os autores, “sem contradições, respondendo a múltiplos
impasses”1285, mas de fato a diferença com os contextos anteriores analisados
neste livro existe em alguns aspectos, e deve ser esclarecida.
Dito isso, no ano de 2020 foi lançada a plataforma Daki Semiárido Vivo que
conta com uma rede de ações “realizada em três grandes regiões semiáridas
das Américas: duas delas na América do Sul, o Semiárido brasileiro e o Grande
Chaco na parte situada na Argentina, e outra na América Central, o Corredor
Seco no território de El Salvador. Apoiada pelo Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a iniciativa está pautada em dois grandes
focos temáticos: sustentabilidade ambiental e mudanças climáticas.”1286
No entanto, como nos coloca Maciel e Pontes, no que se refere ao
imaginário sobre os sertões do Nordeste brasileiro, ainda há uma grande
dificuldade de entendimento sobre suas potencialidades, isso porque:
Ainda quanto ao caso brasileiro, bastaria considerar seus aspectos ímpares para classificar a
região semiárida do Nordeste como um espaço de interesse biogeográfico. Todavia, não
obstante sua biodiversidade e caráter singular – trata-se de “um ecossistema exclusivo do
Brasil”, como é constantemente lembrado nos documentos oficiais e produções acadêmicas –
até recentemente a Caatinga apresentava-se bastante estigmatizada no imaginário geográfico
nacional enquanto um ambiente inóspito e relacionado ao deserto e à miséria, talvez pelo
aspecto pouco opulento de sua paisagem vegetal, sobretudo em comparação à Amazônia ou às
orestas úmidas e sub-úmidas do litoral (Mara Atlântica).1287
A pobreza afeta 32% das/os argentinas/os (14 milhões de pessoas) e 80% das/os moradoras/es
do Chaco, que padecem de insegurança alimentar e nutricional e de desnutrição. O Chaco
abriga a maior proporção de comunidades indígenas – nove grupos étnicos diferentes,
compostos principalmente por comunidades de caçadoras/es-coletoras/es – e a maior taxa de
desmatamento da Argentina. O Chaco é uma vasta área plana entrecortada por importantes
cursos de água e montanhas que possuem orestas adaptadas à seca. A mudança climática
projetada para o Gran Chaco prevê um aumento na temperatura média anual de mais de 1° C
até 2040, enquanto que, em algumas áreas, o aumento pode chegar a 1,75° C. Com a alteração
do calor, o regime de chuvas também é afetado e a tendência aponta para maior variação na
distribuição sazonal e espacial da chuva. Atualmente, a região tem uma capacidade limitada de
adaptação às mudanças climáticas devido à sua forte dependência da agricultura e falta de
infraestrutura para gerenciar recursos hídricos. O Chaco está sujeito a um processo severo de
degradação dos recursos naturais e da biodiversidade. 1291
[�] a cultura tradicional faz-se, desfaz-se e refaz-se. Não é um sinônimo de moda passageira
como o modernismo. Só ela caracteriza uma cultura e distingue de uma outra cultura […] A
tradição não é uma repetição das mesmas sequências em períodos diferentes, ou uma força de
inércia ou de conservadorismo arrastando os mesmos gestos físicos e intelectuais para um
imobilismo de espírito incapaz de se renovar1294.
Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João, eu perguntei a Deus do céu, ai,
porque tamanha judiação [...] Que brazeio, que fornaia, nem um pé de prantação. Por falta
d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão [...] Espero a chuva cair de novo, pra mim
vortar pro meu sertão1300.
1270. BARROS, Manoel. Palavras. In: Meu quintal é maior que o mundo. Antologia. Rio de Janeiro:
Objetiva: 2015, p. 120
1271. SAID, Edward. Op.cit, p.23
1272. Ibidem, p. 24.
1273. Ibidem, p. 25.
1274. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, 642
1275. Ibidem, p. 642.
1276. Ibidem, p. 642.
1277. Ibidem, p. 642.
1278. Ibidem, p. 607.
1279. Ibidem, p. 607.
1280. Ibidem, p. 640.
1281. Ministério do Meio Ambiente. Mais de 70 % do território argentino é árido ou semi-árido. 2004.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/informma/item/2059-mais-de- 70-do-territorio- argentino-
e -arido-ou-semiarido>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1282. Confederaciones Rurales Argentinas. La pior sequía de los últimos 10 años en Santiago del Estero,2014.
Disponível em: <http://www.cra.org.ar/nota/7218-la-peor- sequia-de-los- ultimos-10 -anos-en-
santiago-del-estero/>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1283. PORTAL G1, O GLOBO. Seca que afeta o Ceará há 5 anos deve se agravar até abril, diz ministério. 08 de
fevereiro de 2017. Disponível em: <http://g.globo.com/ceara/noticia/2017/02/seca-que-afeta- o-
ceara-ha- 5-anos -deve-se-agravar-ate-abril-diz-ministerio.html>. Acesso em: 14 jan. 2018.
1284. Sobre esses dois conceitos ver: MACIEL, Caio e PONTES, Emilio Tarlis. Op.cit.
1285. Ibidem, p15.
1286. Sobre Daki Semiárido Vivo, ver: https://semiaridovivo.org/. Acesso em: 15 de jun. 2021.
1287. MACIEL, Caio e PONTES, Emilio Tarlis. Op.cit, p. 21.
1288. Ibidem, p. 21.
1289. Ibidem, p. 21.
1290. De acordo com a plataforma Semiáridos: “El Chaco Semiárido, con precipitaciones entre 750 y
500 milímetros anuales, comprende a Bolivia, la porción occidental de Paraguay, y la Argentina (mitad
occidental de las provincias de Formosa y Chaco; la oriental de Salta; casi todo Santiago del Estero;
norte, noreste y centro de Córdoba). Es una vasta planicie interrumpida por cursos de agua importantes
y por serranías que presenta bosques adaptados a la sequía. El clima es continental, cálido subtropical,
con áreas que presentan las temperaturas máximas del continente. El potencial productivo de la región
es muy alto. Sin embargo, esta región se encuentra sometida a un severo proceso de degradación de sus
recursos naturales y de su biodiversidad. Estas condiciones acentúan la marginalización social y
económica de las comunidades indígenas y familias campesinas que viven allí.” Disponível em:
https://www.semiaridos.org/regiones-semiaridas/ Acesso em: 16 de jun. 2021.
1291. Dados retirados de: Daki Semiárido Vivo. Disponível em: https://semiaridovivo.org/. Acesso em:
15 de jun. 2021.
1292. GROSSO, José Luis. Indios muertos, negros invisibles... Op.cit p. 23.
1293. AGUESSY, Honorat. Visões e percepções tradicionais. In: SOW, Alpha I et.al. Introdução à Cultura
Africana. Lisboa: Edições 70, 1980, pp. 95-136; p. 112.
1294. Ibidem, p. 112.
1295. KUSCH, Rodolfo. La negación en el pensamiento popular…Op.cit, p. 128.
1296. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, 643.
1297. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o m do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p.22 e
p. 23
1298. ‘Asa Branca’ chega a 70 anos atual e imortalizada na voz de Luiz Gonzaga. O Globo. 03 de maro de
2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2017/03/asa-branca-chega-
70-anos-atual- e-imortalizada -na-voz-de-luiz-gonzaga.html>. Acesso em: 24 jan. 2020.
1299. Asa Branca, o hino nordestino, completa setenta anos. Brasil de Fato. 22 de maio de 2017.
Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/05/22/asa-branca-o- hino-nordestino-
completa- setenta-anos />. Acesso em: 24 jan. 2020.
1300. GONZAGA, Luiz; e TEIXEIRA, Humberto. Asa-Branca, (RCA), 1947.
1301. ÁBALOS, Adolfo. Nostalgias santiagueñas, 1938. Cabe destacar a história de Adolfo Ábalos, que,
junto com seus irmãos, consolidou nacionalmente o folclore argentino: “Corría el año 1938 y al folklore
argentino todavía no había llegado el boom que lo popularizaría entre las capas medias, décadas después. Cinco
hermanos santiagueños –Napoleón Benjamín (Machingo), Adolfo, Roberto Wilson, Víctor Manuel (Vitillo) y
Marcelo Raúl (Machaco), “en orden de cigüeña”, como se presentaban ellos– comenzaban a escribir la historia de la
formación que dejó su sello en el folklore argentino. Fue en ese año que Adolfo, el pianista, compuso la zamba
Nostalgias santiagueñas, transformada en clásico del cancionero y en himno provincial[...]Cuando se les
preguntaba cómo era posible que siguieran juntos después de tanto tiempo respondían siempre lo mismo: “Porque
ninguno perdió su personalidad”. Y cuando agradecían a la vida por todos esos años juntos volvían a la
dedicatoria de su Primer álbum para piano, danzas y canciones regionales argentinas, editado en 1952: “A nuestros
padres, que nos enseñaron a querer las tradiciones santiagueñas. A Santiago del Estero, que nos enseñó a querer las
tradiciones argentinas”. MICHELETTO, Karina. Todos diferentes, todos necesarios. Página 12, 18 de
septiembre de 2004. Disponível em: <https://ww.pagina12.com.ar/diario/espectaculos/6-41166-2004-
09-18.html>. Acesso em: 04 mar. 220.
1302. Nostalgias santiagueñas y cruces generacionales. Página 12, 08 de junho de 2018. Disponível em:
<https://www.pagina12.com.ar/120096-nostalgias-santiaguenas-y-cruces-generacionales>. Acesso
em: 30 jan. 2020.
1303. Chacarera “pertenece al grupo de danzas picarescas, de ritmo ágil y carácter muy alegre y festivo, gozó de la
aceptación del ambiente rural y también de los salones cultos del interior hasta nes del siglo pasado, abarcando
todo el país excepto el litoral y la Patagonia. Es una de las pocas vigente, es decir que aun se baila especialmente en
Santiago del Estero - donde se arraigó con gran fuerza – y en Tucumnán, Salta, Jujuy, Catamarca, La Rioja y
Córdoba ; su difusión abarca por lo tanto, los ámbitos del noroeste, parte del chaqueño y casi todo el central [...] El
acompañamiento musical que se utiliza generalmente es de guitarra, violín, acordeón y por supuesto, el bombo, que
se luce con sus típicos repiques”. Sobre Chacareras ver: La chacarera. Disponível em:
<http://www.portaldesalta.gov.ar/chacarera.htm>. Acesso em: 24 jan. 2020.
1304. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit, p. 23 e p. 24
1305. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações... Op.cit p. 24
1306. Ibidem, p. 24.
1307. Ibidem, p. 24
1308. SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton; & BECKER Bertha Koi mann
(orgs.). Terrtório, territórios. Ensaios sobre o ordenamento territorial. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007,
pp. 13-21, p. 13.
1309. Ibidem, p. 14.
1310. LIMA, Ivaldo. Da representação do poder ao poder da representação: uma perspectiva geográfica.
In: Ibidem, pp. 109-121; p. 114.
1311. MACIEL, Caio; e PONTESEmílio Tarlis... Op.cit. p. 25.
1312. Ibidem, p. 25.
1313. BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado... Op.cit, p. 652.
1314. Ibidem, p. 652
1315. Ibidem, p. 653.
1316. BOFF, Ricardo Bruno; MOREIRA, Aline de Souza. Op,cit, p. 329.
1317. Ibidem, p. 330.
1318. Ibidem, p. 330.
1319. ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo da história única. Tradução: Julia Romeu. – São Paulo:
Companhia das Letras, 2019, p. 17.
1320. Ibidem, p. 22
1321. Ibidem, p. 23.
1322. Ibidem, p. 23.
1323. Ibidem, p. 26.
1324. PONTES, Emílio. Op.cit, p. 215
1325. ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Op.cit, p. 33
Referências