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GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ

SECRETARIA DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA UNIVERSIDADE
REGIONAL DO CARIRI - URCA

CENTRO DE HUMANIDADES DO CAMPUS


PIMENTA – CH DEPARTAMENTO DE
HISTÓRIA - DH

COORDENAÇÃO DO CURSO DE HISTÓRIA

Disciplina: Teoria e Metodologia da


História II
Docente: Jane Semeão
Discente: Maria Denise Rodrigues da
Silva.
Resenha Crítica
Obra resenhada: Livro, Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak, Ailton. Companhia
das letras, 2019.
Sobre o autor: Quem é Ailton Krenak?
Ailton Alves Lacerda Krenak, nasceu em Minas Gerais, em 1953, na região do vale do
Rio Doce. Da etnia Krenak ou Crenaques, Ailton Krenak, como é conhecido é um
ambientalista, escritor, líder indigna, filosofo, poeta brasileiro.
É professor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e pela
Universidade de Brasília (UnB). Pela mesma universidade recebeu o título de Professor
Doutor Honoris Causa, em 2021.
Objetivo da obra resenhada: Apresentarei as ideias centrais do livro, Ideias para adiar o
fim do mundo, Krenak, Ailton. Companhia das letras, 2019.
As ideias aqui apresentadas têm por objetivo fazer uma síntese, avaliativa e crítica do
livro, ao explanar as ideias do autor ao decorrer dos três capítulos do livro, o objetivo é
levar o leitor a conseguir entender o tema central proposto, e proporcionar uma
contribuição para a escolha daqueles que pretendem entender um pouco mais sobre
decolonialidade.
É valido dizer que o título da obra surgiu de forma espontânea pelo autor, quando este
foi convidado para dá uma palestra sobre desenvolvimento sustentável, o autor afirma
que estava no seu quintal, envolvido em suas atividades, quando recebeu uma chamada
da Universidade de Brasília (UnB). Quando o tema “desenvolvimento sustentável” foi
proposto a Krenak, e lhe foi solicitado um tema para sua palestra no evento, ele
ligeiramente respondeu: Ideias para adiar o fim do mundo.
O que é interessante e inspirador é que Krenak, a partir do tema dado, é capaz de
trabalhar inúmeros conceitos, entre eles, o de humanidade, o de natureza, da terra, da
pluralidade de povos e etnias, da euro centralização, das subjetividades e como elas
podem ser a chave para “salvarmos” o mundo.
O problema apresentado no texto não é unilateral, na verdade, para entende-lo é
necessário entender também a lógica colonial, e a lógica capitalista, duas grandes
maquinas devoradoras, que tem mais em comum do que pensei antes de ler o livro.
Sobre o conceito de humanidade Krenak questiona, o que é ser humano? E de que
humanidade estamos falando? Se apelarmos pela ótica antropológica de Tylor, iremos
ver que nos foi vendida a ideia de que a Europa era a civilização, e que era um modelo
para os demais povos, de cultura, de política, de sociedade, de economia, e até de
religião. Aqui no Brasil essa ideia de humanidade chegou junto com a colonização,
afinal já bem sabemos que fomos colonizados pelos europeus. O que a história oficial,
ou a macro história não detalha é que para os colonizadores, os povos originários do
Brasil, eram vistos como a sub humanidade, as pessoas que precisavam “dá luz do
esclarecimento, civilizatório”, afinal, nós éramos bárbaros, sem cultura, nosso sistema
social, a estrutura, a cultura que tínhamos, nem se quer poderia ser conceituado de tais
formas, nós não servíamos ao ideal de progresso e cultura.
Então se não queremos perpetuar o ideal de que há uma humanidade desenvolvida e
outra subdesenvolvida, que há países de primeiro mundo, segundo ou terceiro, que há
uma “evolução”, linear, universal e constante, de onde temos que obrigatoriamente sair
da selvageria, barbárie e ir para a civilização. Conceitos esses que estampam rótulos
pejorativos, em pessoas, em povos, culturas, etnias, religiões, arte e tudo aquilo que não
é a “civilização.” Talvez isso seja melhor descrito nas palavras do próprio Krenak,
quando diz:
“Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa
terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas
margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América
Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes — a sub-humanidade.
Porque tem uma humanidade, vamos dizer, bacana. E tem uma camada mais
bruta, rústica, orgânica, uma sub-humanidade, uma gente que fica agarrada
na terra. Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados
sobre a terra, envoltos na terra. A organicidade dessa gente é uma coisa que
incomoda, tanto que as corporações têm criado cada vez mais mecanismos
para separar esses filhotes da terra de sua mãe.” (pp. 11, 12).

O trecho supracitado, é excelente quando falamos do que é a visão eurocêntrica, ao


mesmo tempo que adentra na relação de homem e natureza. O que é mais intrínseco,
subjetivo e bonito do que realmente parece. Novamente colocando o dedo sob a mesma
tecla, falaremos sobre colonização e capitalismo, e como as óticas desses sistemas, são
como uma máquina de moer avassaladora, que devasta tudo o que puder, mas dessa vez
falaremos como isso mudou nossa relação com a natureza. Para Krenak, não há
distinção do que é ser humano e ser natureza, para ele tudo é natureza. Parece difícil
conceber essa visão, ou pelo menos é difícil entende-la como Krenak a enxerga, mas é
algo esplendido.
“Devíamos admitir a natureza como uma imensa multidão de formas,
incluindo cada pedaço de nós, que somos parte de tudo: 70% de água e um
monte de outros materiais que nos compõem. E nós criamos essa abstração
de unidade, o homem como medida das coisas, e saímos por aí atropelando
tudo, num convencimento geral até que todos aceitem que existe uma
humanidade com a qual se identificam, agindo no mundo à nossa disposição,
pegando o que a gente quiser. Esse contato com outra possibilidade implica
escutar, sentir, cheirar, inspirar, expirar aquelas camadas do que ficou fora da
gente como “natureza”, mas que por alguma razão ainda se confunde com
ela.” (p.33).

Não é à toa que falamos da nossa casa, a terra, como recursos naturais, nossas florestas,
nossas montanhas, nossas árvores, nosso chão molhado onde podemos pisar os pés e
sentir a vida que emana da terra, de forma transcendental, de forma de fortalecimento de
vínculos com aquilo que somos, terra, natureza. Não precisa ser crédulo para defender
isso, é preciso apenas um pouco de sensibilidade, de deixar de lado essa ideia que nos
venderam, de que nossa terra, nossa natureza e quem nós somos é um “recurso natural”,
recurso de quem? recurso para quem? recurso para o que exatamente? Para as
multinacionais? Para a mineração desenfreada, que mata, destrói, e polui nossa terra?
No livro Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak, Ailton. Companhia das letras,
2019.
Krenak fala da relação do seu próprio povo com a terra e de outros povos também, ele
cita exemplos, onde a terra deixa de ser vista como um recurso para servir a um fim,
mas ela passa a ser vista no meio de uma relação profunda com o homem, a terra é vista
como família, como lar, como fonte de vida, como meio orientador para o dia-a-dia, um
meio facilitador e harmonioso para as relações sociais, afinal, se somos todos natureza,
filhos da terra, e, ao mesmo tempo, moramos todos na mesma casa, temos algo em
comum.
“Como reconhecer um lugar de contato entre esses mundos, que têm tanta
origem comum, mas que se descolaram a ponto de termos hoje, num
extremo, gente que precisa viver de um rio e, no outro, gente que consome
rios como um recurso? A respeito dessa ideia de recurso que se atribui a uma
montanha, a um rio, a uma floresta, em que lugar podemos descobrir um
contato entre as nossas visões que nos tire desse estado de não
reconhecimento uns dos outros?” (p.25).

Não é dito pelo autor de que devemos unificar nada, mas sim que precisamos expandir
nossa visão para o horizonte, não existe um povo mais e outro menos evoluído, um
povo civilizado e outro selvagem. É uma pretensão absurda e egoísta, não vermos que
as diferenças sim, são reais, mas que não foram construídas de forma tão natural quanto
pensávamos, na verdade, a Europa arrastou para as colônias a ideia de civilização.
E é disto que o autor fala, a forma de “adiar o fim do mundo”, é nos voltando para o
princípio, quem nós somos enquanto povo? Porque nossa forma de vida é tão odiada?
Temos mesmo que seguir o modelo de ser, vestir, comer, usar, crer e se relacionar, dos
nossos colonizadores? Acredito que algo dentro de nós já nos dá a resposta quase que de
forma imediata a essas perguntas. Algo dentro nós que anseia por esse conhecimento
transcendental, por essa relação e vínculo que perdemos com a terra, que perdemos ao
achar que nós também não somos natureza. Nós somos! Fomos impelidos a pensar que
não, que nós somos a humanidade, e a natureza, bom, a natureza é recurso, e se existe
mesmo uma forma de estar no mundo, de ser humanidade, o que importa se utilizarmos
os “recursos naturais” para construir prédios, rodovia, catedrais, shoppings? Afinal, não
é para isso que servem os “recursos naturais”, não é?
Com tudo que é explanado em Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak, Ailton.
Companhia das letras, 2019.
O autor não só subverte os conceitos de humanidade, de natureza. Mas também
denuncia a falácia hipócrita do sistema no qual estamos inseridos, afinal, quem desmata,
polui, contamina o solo, provoca incêndios em grandes florestas, pode mesmo nos falar
sobre sustentabilidade? A resposta para isso é óbvia, mas o irônico e hipócrita é que eles
falam.
E Krenak, nos aponta um caminho, de resistência, de luta, de amor pela terra, amor pela
nossa cultura, um caminho de fortalecimento dos nossos vínculos com a terra, com ser
natureza. Nos encoraja a não ter medo da queda, afinal já caímos, estamos em queda, ao
perceber que algo tão vital foi banalizado, ridicularizado, expropriado de nossas mãos e
quase nada foi feito a não ser ficarmos alienados do direito de ser, assistindo quase que
boquiabertos o fim do mundo.
A luta pelo direito de ser ainda continua, muito ainda é preciso ser feito, mas Krenak
não só nos encoraja a sonhar, mas nos aponta caminhos como todos os que já foram
citados aqui: fortalecermos nosso vínculo como natureza, com a nossa terra, o “bem
viver”, não como meros consumidores, programados para sermos clientes de quem mata
nossa natureza, e nos vende o que foi produzido dela, e este é o principal caminho
apontado pelo autor, sonhar, amar, criar vínculos, “gozar a vida”, sem está alienado do
direito de ser, frustrado por um padrão inatingível de “humanidade”, e esta sem dúvida é
a grande contribuição de Krenak para o viés da decolonialidade.

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