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SOCIO_3A_1semestre_JR_2022.

qxp 17/12/2021 14:56 Página 1

Autora:
Professora Ivy Judensnaider

Módulos

1 – A questão ambiental: o movimento


ambientalista e ecológico
2 – A ocupação do território urbano e rural no Brasil
3 – A questão da segurança alimentar e nutricional
4 – A mulher na sociedade contemporânea

A questão ambiental: o movimento


1 ambientalista e ecológico

Neste módulo discutiremos a questão ambiental e nova organização social que esteja pautada no respeito à
os movimentos sociais que têm se mobilizado em torno natureza. Sua principal bandeira é a demarcação de
do tema. Segundo os usos que fazemos atualmente, o terras indígenas, em especial para garantir a subsistência
termo ecologia diz respeito ao estudo das relações entre econômica das tribos segundo uma perspectiva de
os seres vivos e o meio ambiente. Ele também é preservação da natureza e de uma nova forma de se
utilizado no sentido de movimento em defesa da relacionar com a terra. Em uma de suas obras mais
preservação ambiental, ou seja, como sinônimo de conhecidas, Como adiar o fim do mundo, Krenak (2019,
ambientalismo. Falaremos, portanto, dos movimentos p. 33) resume essa perspectiva:
ecológicos e ambientalistas.
Nossa abordagem buscará resgatar as percepções Quando despersonalizamos o rio, a
dos seres humanos sobre a sua relação com a natureza, montanha, quando tiramos deles os seus
bem como identificará os temas que, atualmente, sentidos, considerando que isso é atributo
ocupam lugar de destaque na Sociologia Ambiental. exclusivo dos humanos, nós liberamos
esses lugares para que se tornem resíduos
da atividade industrial e extrativista. Do
1. Introdução: da força ao nosso divórcio das integrações e interações
com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela
convívio harmonioso com a está nos deixando órfãos, não só aos que
natureza em diferente graduação são chamados de
índios, indígenas ou povos indígenas, mas a
O mineiro Ailton Krenak é um líder da etnia indígena todos. Tomara que estes encontros
Krenak e, internacionalmente, uma das mais criativos que ainda estamos tendo a
reconhecidas lideranças do movimento em defesa dos oportunidade de manter animem a nossa
indígenas. Uma das ideias mais discutidas e prática, a nossa ação, e nos deem coragem
disseminadas por ele diz respeito à necessidade de uma para sair de uma atitude de negação da vida
para um compromisso com a vida, em

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qualquer lugar, superando as nossas mas inexistia qualquer discussão a respeito dos limites
incapacidades de estender a visão a lugares da ação humana sobre esse estoque de recursos,
para além daqueles a que estamos tampouco sobre a necessidade de tornar esse processo
apegados e onde vivemos, assim como às sustentável (ou seja, garantir que gerações futuras
formas de sociabilidade e de organização de também pudessem contar com o patrimônio da natureza
que uma grande parte dessa comunidade para a sua sobrevivência).
humana está excluída, que em última

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instância gastam toda a força da Terra para
suprir a sua demanda de mercadorias,
segurança e consumo.

Esta visão compreende não apenas o ser humano


como parte da natureza, mas a natureza e o ser humano
portadores de atributos semelhantes. A terra é a mãe, e
o afastamento que o homem promove em relação a ela
o coloca na posição de órfão. Do ponto de vista histórico,
a sociedade tem se organizado para dar conta de garantir
a produção e a distribuição de bens e serviços, às vezes
ignorando que esses processos exaurem a natureza. Por
isso, Krenak sugere que outras visões de mundo e Figura 1. Uma das ideias que norteiam, atualmente, o debate sobre
outras formas de organização social sejam conhecidas. a relação do homem com a natureza privilegia a ideia de comunhão
e de unicidade. Não há dois entes distintos, homem e natureza. Há
Mais: para ele, nossa relação com o mundo natural pode apenas a natureza, da qual o homem faz parte.
ser mediada por essas diferentes abordagens, sendo
que o maior risco da degradação ambiental é que ela
destrua essas culturas, em especial por meio da Essa relação com a natureza materializava a ideia de
extinção dos povos que as construíram. que o ser humano não fazia parte da natureza. Havia a
natureza e havia o ser humano, que dela podia se utilizar
sem quaisquer restrições ou condições. De certa forma,

? Saiba mais essa perspectiva era herdeira das ideias do inglês Francis
Bacon (1561-1626), filósofo, alquimista e rosa-cruz, que
fez da relação entre homem e a natureza um dos seus
Há um farto material a respeito de Krenak na web, principais focos de análise. Para ele, era necessário
incluindo entrevistas e documentários sobre o abandonar a contemplação filosófica e dedutiva do
seu trabalho. Sugerimos que você procure a mundo, sendo importante interpretar a natureza por
entrevista dada por ele ao programa Roda Viva, da meio da observação e da experimentação. Interessado
TV Cultura de São Paulo, realizada em 2021, na em se desligar da filosofia escolástica, Bacon
qual ele aborda várias questões que são centrais preconizava que a ciência deveria pautar-se pelo império
na sua militância. do homem pelas coisas. Saber significava poder.
Sugerimos, também, que você assista ao filme Conhecer a natureza permitiria dominá-la. O progresso
Avatar (2009): num futuro distópico, humanos e do conhecimento resultaria no progresso da ciência, e
nativos humanoides de um planeta fictício entram essa, por sua vez, permitiria ao homem entender de que
em conflito pela posse dos recursos naturais e forma era possível dominar as forças da natureza.
pela defesa da continuidade da espécie. A O processo de industrialização e o crescimento
narrativa defende uma relação de comunhão com populacional que a ele se seguiu fez emergir discussões
a natureza, relação essa que materializa algumas até então inexistentes. O economista Thomas Malthus
das ideias de Krenak. (1766-1834), por exemplo, depois de analisar as
estatísticas disponíveis sobre o aumento da população e
o aumento crescente da demanda por alimentos,
A abordagem de Krenak é bem distinta das antigas profetizou que “a conta não batia”. Em Ensaio sobre a
percepções que dissociavam homem e natureza. Há população, Malthus explicou como a produção de
alguns séculos, prevalecia a abordagem de que a alimentos aumentava segundo uma progressão
natureza existia para que nós, humanos, tirássemos dela aritmética e como a população crescia a uma taxa
o necessário para a nossa sobrevivência, e que seus geométrica: bastariam alguns séculos para que a
recursos eram infinitos. Claro que alguns discutiam natureza, por mais rica que o fosse, não desse conta de
modos mais eficientes de utilizar os recursos naturais, fornecer alimento para todos. “Tomando a população do

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mundo como qualquer número, 1 bilhão, por exemplo, a Impactado com a pobreza na qual viviam os
espécie humana cresceria na progressão de 1, 2, 4, 8, 16, trabalhadores ingleses, Thoreau considerava um erro
32, 64, 128, 256, 512 etc. e os meios de subsistência na imaginar que o conforto e o bem-estar apenas poderiam
progressão de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 etc.” (MALTHUS, ser conquistados por meio da riqueza. A proposta dele
1996, p. 251). O futuro da humanidade era a fome, a não era que a simplicidade e a parcimônia (ou seja, viver com
ser que o aumento populacional pudesse ser controlado. poucos recursos) seriam mais eficazes em garantir
E, caso ele não fosse controlado, as epidemias e as comida e abrigo para todos. Em seu livro, ele resgata sua
guerras, “felizmente”, conseguiriam funcionar como experiência de exílio na natureza, longe das cidades, do
mecanismos naturais de controle da população. luxo e da sofisticação.

A propósito disso gostaria de lembrar que


? Saiba mais não gasto um tostão com cortinas, pois não
tenho que impedir o olhar insistente de
ninguém, a não ser do sol e da lua, os quais
para mim são sempre bem-vindos. A lua não
Em Vingadores: Guerra Infinita (2018), o perso-
azedará meu leite nem apodrecerá minha
nagem Thanos assume um discurso nitidamente
carne, nem o sol estragará meus móveis ou
malthusiano: a proposta para acabar com a fome é desbotará meu tapete, e se este algumas
eliminar parte da população. Como outros vezes é um amigo demasiado caloroso,
malthusianos e neomalthusianos, Thanos não leva acho mais econômico recolher-me à sombra
em consideração as possibilidades advindas do de alguma cortina fornecida pela natureza do
avanço tecnológico e da educação como fatores de que acrescentar um único item às miuçalhas
controle da degradação ambiental e da explosão da casa. Uma senhora, certa vez, me
populacional. ofereceu um capacho, mas como não tinha
espaço de sobra na casa, nem sequer
tempo em casa ou fora para dispensar
Uma relação entre o homem e a natureza distante sacudindo-o, declinei do presente,
preferindo limpar os pés na grama em frente
dos princípios de controle e poder (e, talvez por isso
à porta. E melhor cortar o mal pela raiz.
mesmo, mais ingênua e romântica) tornou-se o centro
[...] Para resumir, estou convencido, por fé e
de um debate que, no século XIX, envolveu, entre experiência, que a automanutenção neste
outros, o norte-americano Henry David Thoreau mundo não é um sofrimento mas um
(Concord, 12 de julho de 1817-1862). Anarquista e passatempo, se a pessoa viver de modo
naturalista, Thoreau refugiou-se por dois anos numa simples e sábio; tanto que as ocupações dos
cabana distante da civilização (no Lago de Walden, em povos mais simples são os esportes dos mais
Massachusetts), com o propósito de estabelecer uma sofisticados. (THOREAU, 2007, p. 29/30)
relação pacífica e contempladora da natureza.

? Saiba mais
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As ideias de Thoreau serviram de inspiração para


pessoas que buscaram uma relação mais
harmoniosa com a natureza. Sugerimos dois filmes
sobre o assunto. Em Na natureza selvagem (2007),
temos a história real de Christopher McCandless,
um rapaz americano que resolve, na década de
1990, viver no Alaska e construir uma vida longe da
civilização para alcançar o equilíbrio perfeito com a
natureza. O documentário O homem urso (2005)
Figura 2. Ao contrário de uma relação na qual se espera que o ser resgata imagens reais do ambientalista Timothy
humano controle as forças da natureza, algumas outras perspectivas Treadwell, que, tal como Christopher, foi para o
colocam o homem como um agente de contemplação, posição na
Alaska com a sua namorada para observar a vida
qual ele assume uma atitude de não confrontar o poder da natureza.
dos ursos pardos.

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embora muitos dos modelos matemáticos utilizados pelo


Sem querer adiantar qualquer spoiler, achamos Clube de Roma tenham sido posteriormente criticados, o
interessante observar que as duas experiências medo já havia se disseminado pela sociedade. Os
tiveram resultados trágicos. O corpo de Christopher recursos naturais eram finitos e a humanidade deixava
McCandless foi encontrado num ônibus pegadas que destruíam irreversivelmente o ambiente. O
enferrujado e a autópsia revelou ter ele morrido de desastre tinha dimensões, inclusive, geracionais. Não
fome. Uma das hipóteses aventadas é que o rapaz, apenas nosso futuro poderia estar comprometido, mas as
inadvertidamente, tenha comido as sementes gerações posteriores também estavam ameaçadas.
venenosas de um tubérculo. Estas sementes o A realização de conferências mundiais, o surgimento
teriam enfraquecido, impedindo-o de buscar outros de movimentos sociais destinados à defesa do ambiente
alimentos. Timothy e sua namorada foram e a disseminação de uma consciência ecológica
parcialmente devorados por ursos pardos. Sem buscaram redimensionar o pânico em relação a um
prestar atenção aos riscos de manter proximidade possível desastre irreversível com o planeta. Assim, uma
com os ursos durante o inverno, período em que há série de medidas foram sendo tomadas tendo em vista a
escassez de alimentos e que o ambiente se torna proteção ambiental e a sustentabilidade do modelo
mais hostil ao ser humano, e desarmados, os dois capitalista no que diz respeito ao uso de recursos
tornaram-se alvos fáceis para os animais. naturais. Nesse sentido, buscaram-se estratégias para
combater o aquecimento global, proteger a biodiver-
sidade, garantir a segurança alimentar e difundir práticas
2. O desequilíbrio ambiental: e protocolos alinhados a políticas ambientais.
Claro que tais iniciativas não ocorreram sem que
o Relatório do Clube de houvesse oposição. Em primeiro lugar, os países em
Roma (1972) desenvolvimento exigiram condições distintas daquelas
impostas aos países desenvolvidos. Afinal, por que a
Inicialmente, acreditou-se na possibilidade de controlar
proteção ambiental deveria se fazer às custas dos países
as forças da natureza. Em momento posterior, imaginou-se
que ainda lutavam contra a fome, a miséria e a
ser factível ter com ela uma relação de contemplação e
instabilidade econômica? Talvez fosse a hora de os
harmonia. Na década de 1970, entretanto, alguns
países industrializados pagarem a conta, diminuindo o
economistas fizeram uma previsão terrível. Após estudar
impacto que suas atividades provocavam no planeta e
os cenários associados ao acesso a fontes energéticas, à
financiando os países em crescimento para que eles não
poluição, ao saneamento, à saúde, ao crescimento
fossem obrigados, também, a degradar o ambiente.
populacional e aos impactos do desenvolvimento
Essa é uma discussão que ainda está viva e que mobiliza
econômico sobre o ambiente, e depois de elaborarem
opiniões favoráveis e desfavoráveis ao controle da
sofisticados modelos matemáticos, os técnicos chegaram
emissão de gases nocivos ao ambiente e ao
à conclusão de que o planeta seria incapaz de suportar o
desmatamento de florestas para fins de uso comercial.
peso dos seres humanos por muito tempo.
Outra fonte de conflito envolveu as cisões dentro da
comunidade acadêmica que, contaminada pela
Esse primeiro relatório afirmou que a
sociedade industrial estava excedendo a polarização política que sempre cercou a questão da
maioria dos limites ecológicos e que, se defesa ambiental, viu-se obrigada a compartilhar o espaço
mantidas as tendências de crescimento da com grupos que têm negado o aquecimento global e a
população mundial, a industrialização, a necessidade de controlar o desmatamento de florestas.
poluição, a produção de comida e a
intensidade de uso dos recursos naturais, Observação:
o limite para o crescimento do planeta De forma resumida, o negacionismo do aquecimento
seria atingido em até 200 ou 300 anos.
global afirma que, historicamente, a Terra passou por
Assim, sugeriu-se que deveriam ser
momentos de maiores ou menores temperaturas,
tomadas medidas para gerar uma curva de
acomodação para o consumo desses sendo essas oscilações independentes da ação
recursos. (MOTA; GAZONI; REGANHAN; humana. Em outras palavras, os seres humanos não
SILVEIRA; GÓES, 2008, p. 12) seriam responsáveis pelo aumento da temperatura
do planeta, embora haja dados confiáveis de que essa
A percepção de que a natureza não era uma mãe para temperatura vem crescendo ininterruptamente, e
os seres humanos e que, efetivamente, poderia não ser desde a Revolução Industrial. O negacionismo não se
capaz de prover água, comida e energia para todos, limita à questão do aquecimento global. Durante a
funcionou como um potente alarme catastrófico. E, pandemia do coronavírus, tornaram-se comuns

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Em 1972, a Conferência de Estocolmo ratificou


movimentos contrários ao isolamento social e à políticas de gerenciamento ambiental, buscando
vacinação, tidos por esses grupos como iniciativas preservar a fauna e a flora, a redução de emissão de
sem qualquer fundamentação científica. Aliás, é resíduos tóxicos na atmosfera e apoio aos países
importante mencionar que a própria pandemia pode subdesenvolvidos para que estes não precisassem
ser explicada, em parte, pela degradação ambiental, degradar o seu ambiente para garantir o crescimento
em especial quanto à produção, manipulação e econômico. A questão ambiental, a partir daquele
distribuição de alimentos. instante, havia se tornado parte fundamental das
agendas políticas mundiais.
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? Saiba mais

A atenção internacional em relação à questão


ambiental foi de extrema importância para a
divulgação da luta de Chico Mendes (1944-1988).
Chico Mendes foi um importante líder sindical,
ambientalista e defensor dos direitos dos
seringueiros, cuja atividade estava envolta em
condições de grande exploração e pobreza para os
Figura 3. Algumas manifestações durante a pandemia do coronavírus trabalhadores. Sua luta envolvia não apenas a
receberam o apoio de movimentos negacionistas cujos alvos questão ambiental (de preservação da floresta
principais eram a ciência e suas instituições.
amazônica), mas também manifestações contra a
ditadura e em defesa da retomada da democracia
no Brasil. Em 1987/1988, recebeu prêmios da
3. Os movimentos ONU e de organizações norte-americanas por
ambientalistas conta do seu trabalho. Foi assassinado no final de
1988, numa emboscada promovida por um
Em reação ao Clube de Roma, muito se escreveu e
conhecido grileiro de terras, um indivíduo que
refletiu a respeito das previsões apocalípticas em
buscava assumir a posse de terras por meio de
relação à degradação ambiental. Ainda na década de
documentos fraudulentos.
1970, Ignacy Sachs formulou o conceito de
ecodesenvolvimento que, basicamente, integrava seis
BrazilPhotos / Alamy / Fotoarena

aspectos: Figura 4. Chico Mendes foi um


importante sindicalista, defensor da
floresta amazônica e dos direitos
a) a satisfação das necessidades básicas;
dos seringueiros. Foi assassinado
b) a solidariedade com as gerações futuras; em 1988 por um grileiro de terras.
c) a participação da população envolvida;
d) a preservação dos recursos naturais e do meio Caso você queira conhecer mais
sobre a vida e a luta de Chico
ambiente em geral; Mendes, sugerimos o seu
e) a elaboração de um sistema social garantindo em- memorial virtual, disponível em:
prego, segurança social e respeito a outras culturas, e http://www.memorialchicomendes
.org/chico-mendes/. Acesso em:
f) programas de educação (BRUSEKE, 1995, p. 5). 01 set. 2021.

Observação:
Em 1992, a ECO-92, realizada no Brasil, admitiu que
Ignacy Sachs (1927) é um economista polonês o problema ambiental havia atingido uma escala global.
conhecido pelas suas reflexões a respeito de Dentre os resultados da ECO-92, podemos mencionar a
desenvolvimento e preservação ambiental. Agenda 21 (documento que apresentou propostas de
promoção do desenvolvimento sustentável) e outros
documentos que objetivaram estimular a reflexão e a
A realização de conferências internacionais para a adoção de estratégias com o propósito de proteger as
discussão das questões ambientais também colocou o florestas e a biodiversidade biológica, e buscar conter os
tema como prioridade no contexto mundial. fatores causadores de mudanças climáticas.

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Em 1997, em Tokyo, outra conferência resultou no com o desenvolvimento social e humano,


Protocolo de Kyoto, que estabeleceu metas para a sem negligenciar a proteção, a regeneração,
redução da emissão de gases de efeito estufa. É a reconstituição e a resiliência dos
importante mencionar que os Estados Unidos se ecossistemas diante dos desafios, sejam
recusaram a assinar o documento. eles novos ou já existentes.
Em 2002, em Joanesburgo, foi realizada a 5. Reafirmamos nosso compromisso de não
poupar esforços para acelerar a consecução
Conferência Rio +10, que discutiu as relações entre
das metas de desenvolvimento acordadas
preservação do meio ambiente e a proteção ambiental.
internacionalmente, incluindo os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) até
2015.
? Saiba mais 6. Reconhecemos que os povos estão no
centro do desenvolvimento sustentável e,
nesse sentido, trabalhamos por um mundo
Essa nova mentalidade em relação à questão justo e equitativo para todos, e nos
ambiental alcançou também o cinema. Um exemplo comprometemos a trabalhar juntos, por um
simbólico da abordagem ecológica no século XXI é o crescimento econômico sustentável que
filme Uma verdade inconveniente (2006). O beneficie a todos, pelo desenvolvimento
social e pela proteção do ambiente
documentário mostra a campanha presidencial de Al
favorecendo o interesse de todos.
Gore, em especial sua agenda relacionada ao
aquecimento global. Em tempo: Al Gore acabou por [...]
perder a eleição e, ainda hoje, há questionamentos 9. Reafirmamos a importância da Declaração
sérios sobre a apuração dos votos. Universal dos Direitos Humanos, bem como
de outros instrumentos internacionais
relativos aos direitos humanos e ao direito
internacional. Destacamos a responsabi-
Em 2012, novamente no Rio de Janeiro, foi realizada
lidade de todos os Estados, em confor-
a Rio +20. Um documento intitulado “O futuro que midade com a Carta das Nações Unidas, de
queremos” resumiu as principais propostas do encontro. respeitar, proteger e promover os direitos
humanos e as liberdades fundamentais para
O FUTURO QUE QUEREMOS todos, sem distinção de raça, cor, sexo,
I. NOSSA VISÃO COMUM língua, religião, opinião política ou outra,
1. Nós, Chefes de Estado e de Governo, e nacionalidade ou meio social, situação
representantes de alto nível, reunidos no Rio financeira, de nascimento, de incapacidade,
de Janeiro, Brasil, de 20 a 22 de junho de ou de qualquer outra situação.
2012, com a plena participação da sociedade 10. [...] Reafirmamos que, para alcançar os
civil, renovamos o nosso compromisso com objetivos de desenvolvimento sustentável,
o desenvolvimento sustentável e com a precisamos de instituições em todos os
promoção de um futuro econômico, social e níveis, que sejam eficazes, transparentes,
ambientalmente sustentável para o nosso responsáveis e democráticas.
planeta e para as atuais e futuras gerações. 11. Reafirmamos nosso compromisso de
2. Erradicar a pobreza é o maior desafio fortalecer a cooperação internacional para
global que o mundo enfrenta hoje, e um enfrentar os desafios relacionados ao
requisito indispensável para o desenvolvi- desenvolvimento sustentável para todos,
mento sustentável. Neste sentido temos o em particular nos países em desenvol-
compromisso de libertar a humanidade, vimento. Nesse sentido, reafirmamos a
urgentemente, da pobreza e da fome. necessidade de alcançar a estabilidade
[...] econômica e o crescimento econômico
4. [...] Reafirmamos também que, para a sustentável, de promover a equidade social
realização do desenvolvimento sustentável, e a proteção do meio ambiente, reforçando
é necessário: promover o crescimento simultaneamente a igualdade de gênero e o
econômico sustentável, equitativo e empoderamento das mulheres, e
inclusivo; criar maiores oportunidades para oferecendo as mesmas possibilidades a
todos; reduzir as desigualdades; melhorar as todos, bem como protegendo e garantindo a
condições básicas de vida; promover o sobrevivência e o desenvolvimento da
desenvolvimento social equitativo para criança para a realização plena de seu
todos; e promover a gestão integrada e potencial, inclusive através da educação.
sustentável dos recursos naturais e dos [...] (RIO+20, p. 3/5)
ecossistemas, o que contribui notadamente

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e maneiras diferentes de pensar a lógica do sistema social


Observação:
produtivo.
Os ODM (Objetivos do Milênio) estão disponíveis em: Por isso, para Leff, os movimentos sociais são
https://brazil.unfpa.org/pt-br/objetivos-de- agentes e vetores de mudança, já que articulam
desenvolvimento-do-milenio. (Acesso em: 25 ago. demandas não atendidas pelas formas tradicionais de
2021), e preconizam: erradicação da pobreza extrema gestão dos recursos produtivos.
e da fome; o estabelecimento da educação básica
universal; a promoção da igualdade de gênero e do Os novos movimentos políticos têm, assim,
empoderamento das mulheres; a redução da criado formas de ação e de comportamento
mortalidade infantil; a melhoria da saúde materna; o político diferenciadas. Em oposição a muitos dos
combate à HIV/AIDS; à Malária e outras doenças; a novos movimentos políticos que surgem em
obtenção da garantia de uma sustentabilidade torno de demandas morais e sociais, individuais
ambiental; e o estabelecimento de parcerias globais ou associadas a grupos definidos da população
(religiosos, juvenis, estudantis, de gênero), os
tendo em vista o desenvolvimento.
movimentos ambientalistas, nos países
subdesenvolvidos, estão diretamente associados
às condições de produção e satisfação das
4. Algumas discussões da necessidades básicas da população e estão
caracterizados por sua diversidade cultural e
Sociologia Ambiental na política. Isso lhes confere uma perspectiva mais
global, apesar da heterogeneidade dos diferentes
atualidade grupos ambientalistas, de suas diferentes
perspectivas sociais, estratégias políticas e
A Sociologia Ambiental tem procurado investigar as
práticas concretas de ação.
questões do ambiente (e as relações humanas que
Os movimentos ambientalistas podem carac-
ocorrem neste contexto) a partir da ótica da metodologia terizar-se por uma série de objetivos explícitos
utilizada para investigar os fenômenos sociais. Um dos em seus programas de organização e pelas
mais importantes representantes dessa vertente é o manifestações de suas estratégias políticas,
mexicano Enrique Leff, conhecido sociólogo ambienta- assim como pela organização em torno da
lista. Apesar de sua formação, de natureza marcada- incorporação de valores e da resolução de
mente marxista, Leff conseguiu perceber que a crise problemas concretos, que encontram canais de
ambiental não era exclusiva apenas do sistema expressão, orientam ações e desdobram estra-
capitalista. Assim, suas principais preocupações têm tido tégias de poder através de formas originais. Os
movimentos ambientalistas se orientam por um
como foco a compreensão dos limites e da natureza dos
ou mais dos seguintes objetivos:
sistemas econômicos em relação ao ambiente, e a
a) maior participação nos assuntos políticos e
reflexão a respeito da necessidade de novas formas de econômicos e na gestão dos recursos ambien-
racionalidade para lidar com o problema da finitude dos tais; b) inserção nos processos de democra-
recursos naturais. tização do poder político e de descentralização
Leff tem na questão da racionalidade uma importante econômica; c) defesa de seus territórios, seus
vertente de discussão, já que ele considera fundamental recursos e seu ambiente, além das formas
que sejam “pensadas” novas formas de organização social tradicionais de luta pela terra, emprego e salário;
d) elaboração de novos modos de produção,
Pedro Ladeira/Folhapress

estilos de vida e padrões de consumo afastados


dos modelos capitalistas e urbanos globais,
transnacionais e estrangeiros; e) procura de novas
formas de organização política, diferentes dos
sistemas corporativos e institucionais de poder;

Para Leff, os movimentos sociais são agentes fundamentais na construção de


uma nova racionalidade, já que são fortes e organizados o suficiente para
desafiar as estruturas hegemônicas por meio das quais as forças políticas e
econômicas estão construídas. Hoje, no Brasil, uma das mais importantes
pautas dos movimentos ambientalistas está associada à defesa das
comunidades indígenas e à conquista da demarcação de terras para que essas
comunidades possam viver sem qualquer tipo de ameaça.
Figura 5. BRASÍLIA, DF, 23.08.2019 – Manifestantes fazem protesto
em defesa da Amazônia e contra o governo do presidente Jair
Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O ato
acontece em frente ao Ministério do Meio Ambiente, em Brasília (DF).

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f) organização em torno de valores qualitativos (qualidade de na lógica do mercado, na maximização do lucro e na eficiência
vida), além dos benefícios derivados da oferta do mercado e do tecnológica, e aos aparelhos de controle econômico e coerção
Estado benfeitor; g) crítica à racionalidade econômica fundada política e ideológica do Estado. (LEFF, 2006, p. 456)

? Saiba mais

Dois dos movimentos ambientalistas mais conhecidos são o Greenpeace e o WWF. Sugerimos que você acesse
os sites desses movimentos para conhecer suas pautas e agendas mais importantes. O site do Greenpeace está
disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/. Acesso em: 01 set. 2021. O site do World Wildlife Fund está
disponível em: https://www.wwf.org.br/. Acesso em: 01 set. 2021

Exercícios Propostos

 (2019)  (2016) – A Justiça de São Paulo decidiu multar


os supermercados que não fornecerem
embalagens de papel ou material biodegra-
dável. De acordo com a decisão, os estabelecimentos que
Texto I descumprirem a norma terão de pagar multa diária de R$ 20
Os segredos da natureza se revelam mais sob a mil, por ponto de venda. As embalagens deverão ser
tortura dos experimentos do que no seu curso natural. disponibilizadas de graça e em quantidade suficiente.
(BACON, F. Novum Organum, 1620. In: HADOT, P. (Disponível em: www.estadao.com.br.
O véu de Ísis: ensaio sobre a história da ideia de natureza. Acesso em: 31 jul. 2012. Adaptado.)
São Paulo: Loyola, 2006.)
A legislação e os atos normativos descritos estão ancorados na
Texto II seguinte concepção:
O ser humano, totalmente desintegrado do todo, não a) Implantação da ética comercial.
percebe mais as relações de equilíbrio da natureza. Age de b) Manutenção da livre concorrência.
forma totalmente desarmônica sobre o ambiente, causando c) Garantia da liberdade de expressão.
grandes desequilíbrios ambientais. d) Promoção da sustentabilidade ambiental.
(GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. e) Enfraquecimento dos direitos do consumidor.
Campinas: Papirus,1995.)
RESOLUÇÃO:
As políticas que promovem o uso de embalagens biodegradáveis
Os textos indicam uma relação da sociedade diante da têm o objetivo de promover a sustentabilidade ambiental, ou seja,
natureza caracterizada pela de preservar o ambiente para que as próximas gerações possam
a) objetificação do espaço físico. dele usufruir.
b) retomada do modelo criacionista. Resposta: D.
c) recuperação do legado ancestral.
d) infalibilidade do método científico.
e) formação da cosmovisão holística.

RESOLUÇÃO:
Os dois textos complementam-se na construção da ideia de que a
natureza está à disposição do ser humano para que ele a possa
conhecer e dominar. A proposta de controle das forças da
natureza de Bacon é representativa da abordagem de ser o
conhecimento a principal arma para controlar as forças da
natureza. Em complemento, a proposta de equilíbrio harmônico
entre o homem e a natureza, da maneira que está colocada no
texto, pressupõe um distanciamento entre o ser humano e o
ambiente, como se ambos não formassem uma unidade. Dessa
forma, o espaço físico – a natureza – é um objeto estranho ao ser
humano, que pode – e deve – ser conhecido e ocupado.
Resposta: A.

8 SOCIOLOGIA
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 (2010) – A poluição e outras ofensas  (2015) – A questão ambiental, uma das


ambientais ainda não tinham esse nome, principais pautas contemporâneas, possibilitou
mas já eram largamente notadas no século o surgimento de concepções políticas
XIX, nas grandes cidades inglesas e continentais. E a própria diversas, dentre as quais se destaca a preservação ambiental,
chegada ao campo das estradas de ferro suscitou protestos. A que sugere uma ideia de intocabilidade da natureza e impede o
reação antimaquinista, protagonizada pelos diversos seu aproveitamento econômico sob qualquer justificativa.
luddismos, antecipa a batalha atual dos ambientalistas. Esse (PORTO-GONÇALVES, C. W.
era, então, o combate social contra os miasmas urbanos. A globalização da natureza e a natureza da globalização.
(SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. Adaptado.)
emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. Adaptado.)
Considerando as atuais concepções políticas sobre a questão
O crescente desenvolvimento técnico-produtivo impõe modifi- ambiental, a dinâmica caracterizada no texto quanto à proteção
cações na paisagem e nos objetos culturais vivenciados pelas do meio ambiente está baseada na
sociedades. De acordo com o texto, pode-se dizer que tais a) prática econômica sustentável.
movimentos sociais emergiram e se expressaram por meio b) contenção de impactos ambientais.
a) das ideologias conservacionistas, com milhares de adeptos c) utilização progressiva dos recursos naturais.
no meio urbano. d) proibição permanente da exploração da natureza.
b) das políticas governamentais de preservação dos objetos e) definição de áreas prioritárias para a exploração econômica.
naturais e culturais.
c) das teorias sobre a necessidade de harmonização entre RESOLUÇÃO:
Alguns movimentos sociais entendem que a natureza deve ser
técnica e natureza.
completamente preservada, sem que haja qualquer atividade de
d) dos boicotes aos produtos das empresas exploradoras e exploração econômica. Em geral, esses movimentos ignoram o fato
poluentes. de existir um contingente populacional significativo que depende,
e) da contestação à degradação do trabalho, das tradições e da para a sua sobrevivência, da exploração dos recursos ambientais.
natureza. Resposta: D.

RESOLUÇÃO:
Os movimentos sociais têm se manifestado no sentido de
compreender as condições de trabalho intimamente associadas às
formas de exploração da natureza. Portanto, eles buscam não
apenas defender políticas ambientais, mas também outras políticas
(inclusive de trabalho e associada a outras tradições) que, de uma
forma ou outra, estão relacionadas às questões ambientais.
Resposta: E.

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 (2019) – No presente, observa-se crescente


RESOLUÇÃO:
A sustentabilidade é, acima de tudo, uma questão geracional. Ela
atenção aos efeitos da atividade humana, em preconiza que o uso dos recursos naturais deve ser realizado tendo
diferentes áreas, sobre o meio ambiente, em vista que as próximas gerações também devem (e precisam) ter
sendo constante, nos fóruns internacionais e nas instâncias a oportunidade de utilizá-los.
nacionais, a referência à sustentabilidade como princípio Resposta: E.
orientador de ações e propostas que deles emanam. A
sustentabilidade explica-se pela
a) incapacidade de se manter uma atividade econômica ao
longo do tempo sem causar danos ao meio ambiente.
b) incompatibilidade entre crescimento econômico acelerado e
preservação de recursos naturais e de fontes não
renováveis de energia.
c) interação de todas as dimensões do bem-estar humano
com o crescimento econômico, sem a preocupação com a
conservação dos recursos naturais que estivera presente
desde a Antiguidade.
d) proteção da biodiversidade em face das ameaças de
destruição que sofrem as florestas tropicais devido ao
avanço de atividades como a mineração, a monocultura, o
tráfico de madeira e de espécies selvagens.
e) necessidade de se satisfazer as demandas atuais colocadas
pelo desenvolvimento sem comprometer a capacidade de
as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades
nos campos econômico, social e ambiental.

Referências

Textuais
BRUSEKE, F. J. O problema do desenvolvimento sustentável. In: Desenvolvimento e natureza: estudos para uma
sociedade sustentável. CAVALCANTI, C. (org.). São Paulo, 1995.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019.
LEFF, E. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luís Carlos Cabral. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
MALTHUS, T. Princípios de economia política e considerações sobre sua aplicação prática. Ensaios sobre a população. São
Paulo: Círculo do Livro, 1996 (Coleção Os Economistas ).
MOTA, J. A.; GAZONI, Jefferson Lorencini; REGANHAN, José Maria; SILVEIRA, Marcelo Teixeira da; GÓES, Geraldo
Sandoval. Trajetória da Governança Ambiental. Boletim Regional e Urbano, n. 1, IPEA, 2008. Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=http%3A%2F%2Frepositorio.ipea.gov.br%2Fbitstre
am%2F11058%2F5523%2F1%2FBRU_n1_trajetoria.pdf&clen=74016. Acesso em: 26 ago. 2021.
RIO +20. Declaração final da Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável (Rio +20). Disponível
em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/
viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Friomais20sc.ufsc.br%2Ffiles%2F2012%2F07%2FCNUDS-vers%25C3%25A3o-
portugu%25C3%25AAs-COMIT%25C3%258A-Pronto1.pdf&clen=753945. Acesso em: 27 ago. 2021.
THOREAU, H. D. Walden: a vida nos bosques / A desobediência civil. Tradução de Astrid Cabral. São Paulo: Ground, 2007.

Audiovisuais
Avatar. Direção: James Cameron. Estados Unidos: Lightstorm Entertainment; Dune Entertainment, 2009. 162 minutos.
Na Natureza selvagem. Direção: Sean Penn. Estados Unidos: River Road Entertainment; Square One C.I.H; Linson
Film, 2007. 148 minutos.
O Homem urso. Direção: Werner Herzog. Estados Unidos, 2005. 100 minutos.
Uma verdade inconveniente. Direção: Davis Guggenheim. Estados Unidos: Lawrence Bender Productions; Participant
Productions, 2006. 94 minutos.
Vingadores – Guerra Infinita. Direção: Anthony Russo e Joe Russo. Estados Unidos: Kevin Feige, 2018. 149 minutos.

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A ocupação do território
2 urbano e rural no Brasil

Neste módulo, discutiremos algumas questões Essa é a base da cidade: uma rede que serve de
relacionadas à ocupação do território. Falaremos a passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez
respeito da ocupação territorial exigida pela dinâmica do de se elevar, está pendurado para baixo: escadas
capital e discutiremos alguns problemas relacionados à de corda, redes, casas em forma de saco, varais,
terraços com a forma de navetas, odres de água,
urbanização e território rural. Ao final do módulo,
bicos de gás, assadeiras, cestos pendurados com
estamos sugerindo a você alguns exercícios sobre essa
barbantes, monta-cargas, chuveiros, trapézios e
temática.
anéis para jogos, teleféricos, lampadários, vasos
com plantas de folhagem pendente.
Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes
1. As cidades invisíveis de Otávia é menos incerta que a de outras
cidades. Sabem que a rede não resistirá mais
O escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985) escreveu,
que isso. (CALVINO, 1990, s/p)
em 1972, o que alguns consideram sua obra-prima, As
Cidades Invisíveis. Nela, é narrado um encontro fictício
Ao deixar para trás o nomadismo e se dedicar à
entre o comerciante de Veneza, Marco Polo, e o grande
agricultura, o ser humano passou a ocupar a terra, ou
conquistador, Kublai Khan. Sem poder conhecer todo o
para apenas explorá-la ou para nela viver. Cidades e
seu vasto reino, Khan pede para que Marco Polo
campos foram organizados nesses espaços ocupados,
descreva as cidades que visitou e conheceu.
em geral escolhidos em função da disponibilidade de
água ou da localização geográfica mais adequada. Nos
Observação: termos desse módulo, utilizaremos a definição de
Há inúmeras publicações de Cidades Invisíveis, tanto território proposta por Mílton Santos.
na forma impressa quanto na digital.
O território não é apenas o conjunto dos
sistemas naturais e de sistemas de coisas
Marco Polo conta dessas cidades que, descobertas
superpostas. O território tem que ser
pelo seu olhar mágico, carregam consigo todas as
entendido como o território usado, não o
cidades do mundo – as visíveis e as invisíveis. De Otávia,
território em si. O território usado é o chão
uma cidade que parece uma teia de aranha, Marco Polo
mais a identidade. A identidade é o
nos fala de uma estranha geografia que permite que
sentimento de pertencer àquilo que nos
uma cidade consiga se equilibrar no vazio de um
pertence. O território é o fundamento do
precipício por meio de laços e fios. Tudo está suspenso.
trabalho, o lugar da residência, das trocas
O destino da cidade é incerto, tal como o destino do ser
materiais e espirituais e do exercício da
humano. Na verdade, o futuro de Otávia – o fim – é
vida. (SANTOS, 1999, p. 8)
menos incerto do que o dos homens.

As cidades delgadas
Se quiserem acreditar, ótimo. Agora contarei
como é feita Otávia, cidade teia-de-aranha.
? Saiba mais
Existe um precipício no meio de duas
montanhas escarpadas: a cidade fica no vazio, Mílton Santos foi um dos mais importantes
ligada aos dois cumes por fios e correntes e geógrafos brasileiros. Sugerimos que você tenha
passarelas. Caminha-se em trilhos de madeira, contato com algumas de suas ideias por meio de
atentando para não enfiar o pé nos intervalos, ou documentários que estão disponíveis na web: O
agarra-se aos fios de cânhamo. Abaixo não há mundo global visto do lado de cá (2001) e
nada por centenas e centenas de metros:
Entrevista ao Roda Viva (2017).
passam algumas nuvens; mais abaixo, entrevê-
se o fundo do desfiladeiro.

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A maioria das cidades nasceu de forma espontânea. No século XX, a ocupação do território nacional ainda
Um rio, uma elevação de terra que permitia a visão de era um problema. Durante o governo de Juscelino
terras distantes, um bom clima: foram vários os motivos Kubitscheck, construiu-se a cidade de Brasília
que levaram os homens a ocupar e modificar o (inaugurada em 1960) como uma tentativa de estimular
território. Outras cidades nasceram por conta da o povoamento da região Centro-Oeste: no meio do
decisão da sociedade, apesar (ou por causa) do território imenso nada que constituía o planalto central, os
desvantajoso. arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer planejaram
A ocupação territorial no Brasil obedeceu a uma uma cidade arquitetonicamente singular e moderna que,
regra bastante simples: primeiro, foram ocupadas as durante três anos, foi construída com a mão de obra
regiões da orla marítima, inclusive para estabelecer vinda da região Nordeste.
postos para a proteção do território. Depois, avançou-se
para o interior em busca de novas oportunidades e

123RF / Easypix Brasil


riquezas. Dadas as proporções continentais do país, o
povoamento e a ocupação territorial sempre foram um
problema para Portugal e, posteriormente, para os
próprios brasileiros. Assim, se no Brasil as primeiras
cidades nasceram, de forma natural, ao longo da costa
marítima, o avanço para o interior do país exigiu muito
esforço e muita coragem.
A ocupação territorial, inicialmente, se preocupou
em explorar e proteger as regiões Sudeste e Nordeste
do país. Após o período de exploração dos recursos
naturais da costa, os portugueses construíram engenhos
e organizaram fazendas para a plantação da cana-de-açú- Figura 1. Congresso Nacional em Brasília.
car, matéria-prima muito desejada na Europa e com a
qual eles já tinham experiência.
A ocupação teve sua dinâmica atrelada ao ritmo do A ideia inicial era a de transferir a capital do país para
aumento da população que migrava para o Brasil. No o interior, supostamente menos vulnerável a ataques de
início, haviam piratas e portugueses; posteriormente, inimigos; ainda, haveria a vantagem de abrir novas
negociantes, aventureiros e cristãos-novos que fugiam frentes de povoamento em lugares não explorados.
da Inquisição em Portugal. Eram poucos os que queriam Estradas e ruas surgiram, locais para o pouso e a
vir para o Brasil: no imaginário europeu, o país era um decolagem de aviões foram preparados, prédios foram
território inóspito e perigoso, habitado por índios e construídos para abrigar o funcionalismo público que
monstros jamais vistos. passaria a trabalhar na nova capital.
A ocupação da região Norte ainda teve que esperar
mais. Durante o governo militar, na década de 1970,
Observação: iniciou-se a construção de uma rodovia planejada para
Os cristãos-novos foram os judeus convertidos à cortar a região amazônica, facilitando o acesso da
força pela Igreja Católica de Portugal e Espanha. população ao local e o trânsito de mercadorias.
Perseguidos pela Inquisição (que atuou no sentido de Acreditava-se que o povoamento e o crescimento
identificar e punir os hereges entre os séculos XIII e econômico ocorreriam com a construção da estrada:
o XVIII), restava a eles escolher entre a pena de morte esses eram os benefícios que compensariam os custos
ou o exílio no Brasil. do trabalho incansável e em condições insalubres dos
trabalhadores, do desmatamento descuidado e do
genocídio de índios que ocupavam os lugares previstos
A ocupação do interior do país não ocorreu de forma pelo traçado da estrada.
tão rápida quanto se desejava. O Norte e o Nordeste As cidades-satélites, inicialmente planejadas, mas
foram explorados ao tempo do ciclo do café; o Cen- que acabaram por crescer de forma desordenada,
tro-Oeste, com a exploração do ouro. No século XIX, a tornaram-se a moradia dos antigos trabalhadores que
região Sul foi povoada por imigrantes europeus que haviam construído Brasília e passaram a receber
desenvolveram a pecuária e a agricultura. Ao final do migrantes em busca de emprego. Essas cidades-saté-
século XIX e início do século XX, foi a vez de a região lites surgiram a partir da ocupação territorial, às vezes
amazônica transformar-se em destino para a extração de violenta (ou à margem da lei), e constituíram-se como
látex e comercialização da borracha. espaços bem diferentes do traçado geométrico e

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revolucionário que, ainda hoje, caracteriza a arquitetura onde havia partido. Os subúrbios que me
da capital do país. Na verdade, elas se tornaram fizeram atravessar não eram diferentes dos da
invisíveis aos olhos dos moradores de Brasília, e cidade anterior, com as mesmas casas
desenvolveram sua própria cultura e organização social amarelinhas e verdinhas. Seguindo as mesmas
flechas, andava-se em volta dos mesmos
de forma independente da capital rica e poderosa.
canteiros das mesmas praças. As ruas do
Cidade planejada de forma a aproveitar o que havia de
centro exibiam mercadorias, embalagens,
mais vanguardista na engenharia urbana, Brasília não
rótulos que não variavam em nada. Era a
conseguiu escapar das limitações impostas pelo próprio primeira vez que eu vinha a Trude, mas já
processo de desenvolvimento do país: ela é, hoje, uma conhecia o hotel em que por acaso me
das cidades brasileiras com maior desigualdade de renda hospedei; já tinha ouvido e dito os meus
e apresenta o maior número de homicídios. diálogos com os compradores e vendedores
A construção da Transamazônica, por sua vez, não de sucata; terminara outros dias iguais àquele
foi concluída. Depois de mais de quarenta anos, ainda há olhando através dos mesmos copos os
trechos que não foram pavimentados. Alguns trechos mesmos umbigos ondulantes.
pavimentados, dada a ausência de tráfego, foram Por que vir a Trude, perguntava-me. E sentia
abandonados e estão sendo invadidos de novo pela vontade de partir. — Pode partir quando quiser
— disseram-me —, mas você chegará a uma
floresta. Os projetos milionários que buscaram assentar
outra Trude, igual ponto por ponto; o mundo é
indústrias na região fracassaram: como diziam os críticos
recoberto por uma única Trude que não tem
à construção da estrada, de que adiantava uma rodovia
começo nem fim, só muda o nome no
que ligava o nada ao lugar algum? Da construção da aeroporto. (CALVINO, 1990, s/p)
estrada, portanto, sobraram as narrativas de inúmeros
conflitos pela posse da terra e o assassinato de pessoas De todas as coisas comuns que há nas nossas
que buscaram defender os direitos indígenas e a cidades, uma delas se destaca: a ocupação desordenada
ocupação racional da floresta. e caótica do espaço urbano. Talvez, com exceção de
Mesmo quando imaginadas, sonhadas, planejadas Brasília (que foi planejada para não abrigar pessoas) e de
ou admiradas, as cidades que ocupam o espaço acabam Curitiba (que, por muito tempo foi um exemplo de
por ter que se submeter à realidade. Detentora de uma urbanização planejada), as cidades brasileiras
das mais bonitas paisagens do mundo, o Rio de Janeiro, materializem o ocaso e a falta de planejamento na
cidade que sempre foi cartão-postal do país, não ocupação territorial e a imensa desigualdade de renda
escapou desse destino: se, no restante do mundo, a que atinge o país.
lógica impõe que os ricos morem nos morros (para que No passado, o crescimento das cidades associou-se
possam observar as classes menos favorecidas das ao fim da centralização política do sistema feudal e ao
áreas mais baixas), na cidade carioca ocorreu o contrário: advento do capitalismo mercantil. Os camponeses
vigiados e controlados pelos moradores das favelas que expulsos das terras do senhor feudal, e sem ter para
surgiram nos morros, os mais ricos moram próximo às onde ir, buscaram moradia e trabalho nas poucas cidades
praias, nas áreas mais baixas da cidade, em completa então existentes. Estas cidades foram criadas para que
situação de vulnerabilidade. funcionassem como entrepostos comerciais, tanto para
Nas cidades brasileiras modernas, o nexo não faz receber as mercadorias trazidas pelos mercadores que
sentido: todos vivem de forma a saber e a entender o viajavam para o Oriente e para outros locais, quanto para
abismo que separa os vários “brasis” mantidos ligados distribuí-las em grandes e concorridas feiras.
por fios invisíveis, tais como ocorre com a cidade de Ao tempo da industrialização na Inglaterra, torna-
Otávia imaginada por Calvino. ram-se comuns as cidades densamente povoadas e as
habitações insalubres. Fazia parte da lógica econômica
que os trabalhadores morassem próximo ao trabalho
2. A ocupação territorial das (em geral, indústrias), em moradias individuais ou em
cidades invisíveis edifícios inacabados e degradados. O aumento da
população urbana ampliou o número de moradias que
Em Cidades Invisíveis, Calvino fala de Trude, um
abrigavam os operários das primeiras fábricas
lugar singular e, ao mesmo tempo, comum, sem
financiadas pelo capital mercantil. Citando Engels, Nobre
qualquer atrativo especial.
(2012, p. 4) descreve essas cidades:
As cidades contínuas
Todas as grandes cidades possuem um ou
Se ao aterrissar em Trude eu não tivesse lido o vários “bairros de má reputação” – onde se
nome da cidade escrito num grande letreiro, concentra a classe operária. É certo que é
pensaria ter chegado ao mesmo aeroporto de

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frequente a pobreza morar em vielas especiais para ônibus teve que obedecer à lógica e aos
escondidas, muito perto dos palácios dos ricos, limites de uma cidade já em movimento e não preparada
mas, em geral, designaram-lhe um lugar à para recepcionar canteiros de obras. Embora tardio, o
parte, onde, ao abrigo dos olhares das classes avanço de avenidas, pontes e viadutos buscou aliviar a
mais felizes, tem de se safar sozinha, melhor
pressão do trânsito e do excesso de veículos sem,
ou pior. Estes “bairros de má reputação” são
entretanto, conseguir conter a poluição ambiental ou
organizados em toda a Inglaterra mais ou
reduzir o tempo para a movimentação das pessoas.
menos da mesma maneira, as piores casas na
parte mais feia da cidade; a maior das vezes O asfaltamento das ruas e a sujeira dos bueiros são,
são construções de dois andares ou de um só, em parte, responsáveis pela maioria das enchentes que
de tijolos, alinhadas em longas filas, se possível atingem nossas cidades: as obras que poderiam
com porões habitados e quase sempre minimizar os prejuízos das enchentes não são
irregularmente construídas. Estas pequenas prioritárias, da mesma forma como não se prioriza um
casas de três ou quatro cômodos e uma estudo profundo e detalhado do impacto do aumento
cozinha chamam-se cottages e constituem populacional sobre os equipamentos de lazer e de
vulgarmente em toda a Inglaterra, exceto em transporte que a cidade pode oferecer.
alguns bairros de Londres, as habitações da Nas cidades, há terras e prédios abandonados. Ao
classe operária. Habitualmente, as próprias
mesmo tempo, faltam moradias para os habitantes,
ruas não são planas nem pavimentadas; são
problema que a construção de conjuntos habitacionais
sujas, cheias de detritos vegetais e animais,
em áreas mais distantes do centro (ou áreas tidas como
sem esgotos nem canais de escoamento, mas
em contrapartida semeadas de charcos menos atrativas) tem buscado resolver.
estagnados e fétidos. (ENGELS, 1985 apud
NOBRE, 2012, p. 4)
Observação:
O que há de novo nas cidades modernas é que, para
Um projeto habitacional promissor foi o Cingapura,
além da moradia inadequada da maior parte dos seus
cuja realização teve início na década de 1970 e foi
habitantes, os moradores têm dificuldade em acessar
descontinuado ao final da década de 1980. A proposta
serviços públicos ou privados de saúde, transporte e
era construir prédios habitacionais nas favelas para
educação. É importante assinalar que o fato de os
moradores de baixa renda que já viviam lá. O objetivo
transportes públicos brigarem pelo pouco espaço
era o de que moradores não precisassem se deslocar
deixado pelo transporte individual também tem uma
ou se afastar da comunidade: a cada prédio
explicação histórica: a relevância e a necessidade de
construído, os moradores deixariam as casas das
proteger nossa indústria automobilística, principal
favelas e passariam a viver nos edifícios recém-cons-
expoente da industrialização brasileira nas décadas de
truídos. O projeto logo perdeu suas características
1950 a 1970, tornaram quase obrigatório que as cidades
originais: ao invés de abrigar todos os moradores, os
privilegiassem o transporte individual.
edifícios apenas escondiam a favela que continuava a
crescer. Ainda, como os moradores não tinham renda
123RF / Easypix Brasil

que pudesse fazer frente às despesas comuns dos


edifícios (como água, luz e manutenção), o processo
de degradação das instalações foi inevitável. Como
resultado, as favelas apenas foram verticalizadas.

Do ponto de vista da perspectiva histórica, a


urbanização sempre esteve associada aos movimentos
e à dinâmica do capital. Segundo Spósito (2005, p. 69),

podemos agora discutir um pouco estes


“problemas” urbanos. A falta de coleta de lixo,
Figura 2. O trânsito e a poluição ambiental são fenômenos comuns de rede de água e esgoto, as ruas estreitas para
nas cidades em que o transporte individual prevaleceu sobre o público. a circulação, a poluição de toda ordem, moradias
apertadas, falta de espaço para o lazer, enfim,
Nos grandes centros urbanos, a emergência na insalubridade e feiura eram problemas urbanos,
ampliação dos transportes públicos chegou com atraso, na medida em que se manifestavam de forma
acentuada nas cidades, palco de transformações
quando a maior parte do espaço urbano já estava
econômicas, sociais e políticas. Contudo, é
ocupada. Assim, a construção de metrôs e de linhas

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fundamental observar que estes problemas Essa urbanização ignora a preservação de áreas
constituíam manifestações claras da etapa pela verdes, avançando, poluindo e ocupando o território de
qual o desenvolvimento do modo de produção forma totalmente desordenada. Faltam parques e
capitalista estava passando. jardins. Os rios estão poluídos e recebem o lixo das
comunidades que moram em suas margens ou em
No caso da expansão territorial da cidade, ou seja, da imensas favelas. Como já dissemos, a cidade cresce
inclusão de terrenos até então periféricos ao território para cima e para os lados.
urbano, a lógica do capital se revela sob a forma de O crescimento horizontal ocorre de duas maneiras
especulação imobiliária. Essa estratégia pode ter como distintas: a) por meio do deslocamento da população de
objetivo ou verticalizar a cidade, muitas vezes não baixa renda que vai sendo obrigada a se transferir para
oferecendo aos moradores uma estrutura mínima de regiões mais distantes do centro da cidade por conta do
abastecimento de serviços públicos, ou horizontalizar a aumento do valor do aluguel; b) por meio do
área urbana, criando bairros novos e distantes. Esta é a deslocamento da população mais rica, que se afasta do
lógica do capital que precisa ser reproduzido e submeter centro da cidade em busca de lugares mais aprazíveis,
o espaço às suas necessidades. Assim, como menos movimentados e menos perigosos. Aliás, esses
características básicas do processo de urbanização, movimentos nos forçam a rediscutir a relação centro-pe-
destacam-se: riferia. Segundo Spósito. (2007,

a) [a] desconcentração do setor produtivo e a do ponto de vista conceitual, não caberia mais
acentuação da centralização do capital na a simples adoção da noção ou conceito de
metrópole; b) [a] mudança das atividades do setor periferia, cunhado para fazer-se referência,
de serviços com a preponderância do financeiro e como já se frisou, a uma dada realidade urbana,
de serviços diferenciados (informática, delimitada no tempo e no espaço. Contudo, é
telecomunicações), aliados ao crescimento dos fundamental reconhecer a diversificação dos
setores precarizados, como o telemarketing; c) [o] espaços que compõem as áreas mais distantes
aparecimento de novos setores econômicos, tais do centro, na cidade atual. Nessas áreas, são
como o turismo e lazer acompanhando o setor de implantados loteamentos urbanos, muitos
negócios financeiros; d) [a] realização das políticas deles fechados, voltados para segmentos de
públicas que dão atenção especial à produção do médio e alto poder aquisitivo, novos espaços
espaço em determinados setores e em de comercialização de bens e serviços e, ainda,
determinadas áreas da metrópole com a criação centros de atividades, nos quais se mesclam e
de infraestrutura e alterações nos usos e funções integram usos residenciais, industriais, comer-
dos lugares a partir de mudanças de zoneamento, ciais e de serviços. (SPÓSITO, 2007, p. 11)
“reparcelamento” do solo urbano, políticas de
intervenção espacial através da realização de
operações urbanas e da chamada requalificação
de áreas – principalmente centrais – por meio da
? Saiba mais
realização de “parcerias” entre a prefeitura e os
setores privados que influenciam e orientam Sobre o tema, sugerimos que você assista a dois
essas políticas. filmes.
A narrativa de Aquarius (2016) envolve o embate
entre a última moradora de um edifício à beira-mar
123RF / Easypix Brasil

no Recife e as incorporadoras imobiliárias, que


pretendem derrubar o prédio para que haja espaço
para construir outro empreendimento.
Em Elefante Branco (2012), temos a narrativa da
ação de dois padres, que ajudam a população
menos favorecida de uma favela da periferia
argentina. Vale a pena mencionar que “elefante
branco” é uma expressão que identifica resultados
pífios em decorrência de investimentos muito
elevados: em outras palavras, gasta-se muito para
produzir algo que não tem utilidade alguma.
Figura 3. O crescimento das cidades se dá em duas direções:
horizontal, quando alcança regiões periféricas; vertical, quando As riquezas são diferentes, mas as favelas são muito
constrói prédios e conjuntos habitacionais verticalizados. parecidas. Organizadas em terrenos de forma ilegal, são

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assentamentos informais, densamente povoados e Este fim de século [do século XX] permitiu a
desprovidos de serviços básicos de abastecimento de instalação das técnicas da informação, que são
água e esgoto. As moradias são construídas de forma técnicas que ligam todas as outras técnicas,
provisória, sem que os moradores tenham qualquer que permitem que as mais diversas técnicas se
comuniquem. Essas técnicas da informação
garantia de propriedade. Desassistidos pelo poder
que, afinal, a partir do planeta, produzem
público, as favelas precisam conviver com a
um mundo (e é por isso que se fala de
criminalidade e a violência.
globalização), e que nos levam à ilusão da
A construção de avenidas ou o pedido de velocidade, como matriz de tudo, como
reintegração de posse são as principais causas da necessidade indispensável e que certamente
desocupação (nem sempre pacífica) das favelas. A criam uma fluidez potencial transformada
moradia nas ruas ou a busca por habitações mais nessa fluidez efetiva a serviço de capitais
distantes do centro são as soluções geralmente globalizados, de tal modo que o dinheiro
encontradas pelos moradores expulsos. Aliás, a aparece como fluido dos fluidos, o elemento
presença de moradores de rua é o maior símbolo da que imprime velocidade aos outros elementos
ocupação desordenada do espaço urbano e da lógica da da história. (SANTOS, 1999, p. 10)
desigualdade social que emerge desse processo.
A globalização forçou a mudança de pauta das
Nem mesmo os centros das cidades são uma
políticas econômicas e de ocupação territorial. As
alternativa barata para moradores de baixa renda. Ou por
cidades do interior do país, que se apoiavam no emprego
conta das necessidades das construtoras e
e na renda gerada por grandes indústrias, tiveram que se
incorporadoras, ou por necessidade de reurbanizar áreas
adaptar ao processo de desindustrialização pela qual o
mais degradadas das cidades (por serem mais antigas),
Brasil passou nas últimas duas décadas: dada a divisão
essas regiões são alvos de um processo que chamamos
internacional do trabalho, para o Brasil e para outros
de gentrificação, ou seja, são modificadas para receber
países emergentes ficaram as tarefas de produzir
moradores de renda mais elevada. Em geral, esse
commodities (matéria-prima e bens primários, em geral
processo envolve a construção de equipamentos
da agricultura ou da mineração). As cidades grandes,
culturais nas áreas centrais e a expulsão dos antigos
antiga moradia de escritórios e do setor de serviços,
moradores com o objetivo de abrir espaço para novas
tiveram que se adaptar ao ritmo de novos negócios
construções.
comandados por uma extensa renda virtual que uniu
países e povos em torno de uma incessante corrida pela
123RF / Easypix Brasil

conquista de mercado.
Há que se considerar também que o avanço das
tecnologias de comunicação e informação criou uma
nova miragem urbana, um sonho moderno que se
materializa na proposta de criação das Cidades
Inteligentes (smart cities). Nestas cidades, o
abastecimento de água e luz é feito de forma a
economizar recursos por meio do uso de tecnologias
avançadas. O trânsito também é administrado por esses
recursos, assim como o descarte de lixo. A governança,
a administração pública, o planejamento urbano, as
conexões entre as várias cidades e os vários países, a
Figura 4. As favelas, em geral, são construídas em terrenos
organização social e a gestão do meio ambiente são
abandonados (públicos ou privados), em regiões sem abasteci-
mento de água e esgoto, e desprovidas de serviços públicos de feitas de acordo com as possibilidades oferecidas pelas
saúde e educação. tecnologias disruptivas.
A cidade inteligente é a cidade ideal típica do mundo-
em-rede, todos unidos pelos laços da virtualidade e da
Qual é o futuro reservado para as nossas cidades?
informática. Como já sabemos, misérias são iguais; as
A globalização acirrou os contrastes da desigualdade de
riquezas são diferentes. Como descreveu Calvino, o
renda nos centros urbanos. A divisão não passou a ser
mundo é recoberto por uma única Trude que não tem
apenas entre moradias de pessoas privilegiadas
começo nem fim, só muda o nome no aeroporto. No
economicamente e de pessoas vulneráveis do ponto
mundo-em-rede, não é apenas o nome do aeroporto que
de vista social. Na suposta e desejada aldeia global do
muda; afinal, ainda há conflitos e resistências surgidas por
discurso da globalização, há incluídos e excluídos
conta das diferenças culturais e de visão de mundo.
digitais.

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a história da constituição do meio rural brasileiro


Observação: tem, evidentemente, diferenças marcantes em
As tecnologias disruptivas são inovações tecno- relação à história europeia e norte-americana.
lógicas que produzem uma ruptura com padrões já Basta lembrar as funções específicas, aqui,
existentes. Apenas para dar alguns exemplos: os assumidas historicamente pelas cidades, as
serviços de streaming substituíram os antigos vinculações da grande agricultura de origem
colonial ao mercado externo e a possibilidade de
locadores de vídeos; os bancos digitais substituíram
dispersão da população por um vasto território,
os bancos que operam por meio de agências físicas;
para se entenderem as particularidades
aplicativos permitiram o compartilhamento de
brasileiras, no que se refere à constituição e
transporte e de acomodação. composição das sociedades locais, às relações
campo/cidade, e às relações entre o que é
123RF / Easypix Brasil

“agrícola” e o que é “rural”. No Brasil, o meio


rural foi, historicamente, percebido como sendo
constituído por “espaços diferenciados”, que
correspondem a formas sociais distintas: as
grandes propriedades rurais – fazendas e
engenhos – e os pequenos agrupamentos –
povoados, bairros rurais, colônias etc. Estes
espaços, juntamente com as pequenas cidades,
tiveram um importante papel na História do
Figura 5. O mundo-rede abriga a desejada (e inalcançada) aldeia povoamento brasileiro.
global, na qual a riqueza e as oportunidades sociais são igualmente
distribuídas. Definamos, portanto, o que é o espaço rural. De uma
forma simplificada, podemos dizer que o território rural
abrange as áreas que estão externas ao perímetro
urbano. Segundo Valadares (1990), o espaço rural
? Saiba mais compreende os aglomerados de extensão urbana, os
povoados e outros agrupamentos. Ainda, compreende a
zona rural propriamente dita, utilizada e explorada para
Sugerimos que você veja o filme Encontros e
fins econômicos.
Desencontros (2003). Um ator decadente aceita
participar de uma campanha publicitária no Japão.
Os aglomerados rurais concentram apenas
O encontro com uma mulher no hotel é a 20% da população rural brasileira: mas 15%,
oportunidade para estabelecer os laços afetivos cerca de 4,6 milhões de pessoas, estão nos
que compensam a dificuldade em compreender a aglomerados de tipo “povoado”, onde existe
cultura japonesa. Em inglês, o título do filme é Lost um número mínimo de serviços e o solo não
in Translation, que significa “perdido na tradução”. está sob o domínio de um único proprietário
privado. As áreas compreendidas nas zonas
rurais (“exclusive aglomerados”) concentram
80% da população rural. Como, ao menos em
3. Os campos invisíveis princípio, tais áreas são as menos suscetíveis à
conversão em áreas urbanas – ao contrário, por
Da mesma forma como ocorreu com o espaço
exemplo, dos loteamentos ou dos núcleos –, é
urbano, o território rural brasileiro foi sendo apropriado importante verificar que, na sua distribuição no
de forma a atender as exigências do processo de espaço, a população rural não se vai tornando
desenvolvimento econômico do país, ou seja, do capital. necessariamente maior à medida que se
Como falamos anteriormente, os ciclos do açúcar, aproxima das áreas urbanas. (VALADARES,
café e ouro definiram as características básicas da 1990, p. 12)
propriedade rural: os grandes latifúndios eram o formato
ideal para que se conseguisse obter escala de produção De acordo com Valadares (1990), alguns geógrafos
e, portanto, maior produtividade. Assim, se o Brasil foi e sociólogos fazem referência ao território rural como
inicialmente dividido em capitanias hereditárias (grandes correspondendo à imagem da “ruralidade dos espaços
e imensas porções resultantes da divisão quase que vazios”. O nosso território rural compreende imensos
aleatória do território nacional), as demandas vazios, nos quais se destacam a grande propriedade e
econômicas acabaram por determinar a grande as demais áreas, quase que invisíveis. Essa é uma
propriedade como modelo básico do uso da terra. consequência da nossa dinâmica de desenvolvimento,
Segundo Wanderley (2005, p. 84), que sempre privilegiou a monocultura e a pecuária.

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Este modelo cerceia a existência de uma economia é também sentido no direcionamento


dinâmica de ocupação e produção que da produção agrícola e no ordenamento fundiário”
compreende o rural como lugar de vida e trabalho (MELLO; SULZBACHER, 2013, p. 4). Ainda, “é
e que, em termos demográficos, se revela como perceptível, neste padrão de iniciativas para o
a verdadeira face da agricultura brasileira – a
meio rural, a preponderância do Estado, o incen-
agricultura familiar. A “perda de vitalidade” do
tivo às técnicas para o aumento de produtividade,
rural, ou a “ampliação dos espaços socialmente
renegando à posse da terra papel subalterno no
vazios” que segue caracterizando a questão
agrária do país, não decorre, pois, da própria modelo agrário proposto” (idem, p. 5);
definição do “rural” em oposição à de “urbano”, c) a chegada de empresas agrícolas multinacionais
mas se explica pela dinâmica constitutiva do no país, entre 1950 e 1965, que reforçam a
latifúndio, improdutivo ou produtivo, em oposição pauta de exportação de bens primários e a
a uma dinâmica de desenvolvimento rural importação de bens de capital (tratores e
fundada na democratização do acesso à terra. maquinarias);
Entre a “cidade” e o “latifúndio”, entre um d) a retomada de intervenção estatal na ocupação
modelo de desenvolvimento “local” que tem no do território em função dos projetos do governo
centro urbano seu núcleo irradiador e um modelo militar que se instalou no país a partir de 1964.
de desenvolvimento agrícola movido pela
Nesse momento, “o capital estatal assume o
expansão horizontal da produção de
papel de propulsor das empresas capitalistas
commodities, a população rural – os diversos
rurais e da formação dos Complexos
grupos e as identidades sociais que a formam –
vê-se sob o signo da instabilidade naquilo que a Agroindustriais (CAI) em uma aliança estreita
define, a posse da terra onde vive e da qual vive. entre Estado e grandes proprietários que deu
O êxodo rural resulta deste duplo processo de vazão à modernização conservadora no campo
desterritorialização. (VALADARES, 2014, p. 16) (DELGADO, 1985)”. (MELLO; SULZBACHER,
2013, p. 5);
A ocupação territorial sob a forma de grandes e) as reformas neoliberais, a partir de 1980, que
latifúndios (explorados segundo o modelo da consagraram definitivamente o modelo de
monocultura) e a mecanização cada vez mais intensa latifúndio/monocultura/exportação;
do trabalho agrícola são fatores decisivos para o êxodo simultaneamente, “o Movimento Sem Terra
da população rural para as cidades já densamente passa a questionar o modelo de desenvolvimento
povoadas. Este é um processo que se repete há rural neoliberal e a relação do Estado com os
décadas, e várias já foram as tentativas de minimizar os grandes proprietários de terra. Em resposta à
efeitos do menor emprego de mão de obra na pressão política, o Estado cria dois órgãos: um
agricultura e da ausência de condições para que para questões agrícolas (Ministério da Agricultura
camponeses e pequenos proprie tários possam Pecuária e Abastecimento – MAPA) e agrárias
continuar morando no campo. De todas essas (Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA)”.
iniciativas, a que mais tem provocado discussões e (MELLO; SULZBACHER, 2013, p. 6)
debates é representada pelos projetos de reforma
agrária, quer dizer, projetos que tenham como objetivo Os projetos de reforma agrária no Brasil ainda estão
principal reorganizar o território rural, dividindo-o em para ser concretizados. A opção brasileira pelo incentivo
pequenas porções, e criando as condições para a à exportação de commodities levou à estagnação as
fixação do homem no campo e para a exploração da iniciativas alternativas ao grande latifúndio. Segundo
terra para os pequenos e médios produtores agrícolas. Mello e Sulzbacher (2013, p. 8-9):

Mello e Sulzbacher (2013) fazem uma retrospectiva no paradigma neoliberal, a inserção produtiva
histórica sobre as políticas governamentais relacionadas deste agricultor familiar é ainda mais marginal e
à reforma agrária, identificando alguns marcos a expansão do Agronegócio e sua escala de
importantes. São eles: produção geraram a precarização e a
a) a promulgação da Lei de Terras, em 1850, que desorganização de comunidades agrícolas. Os
oficializou a política de criação e apoio aos conflitos agrários e conflitos urbanos se agravam
grandes latifúndios; neste período e é da reorganização dos sem-
b) a perspectiva desenvolvimentista do período do terra, dos trabalhadores rurais em sindicatos e
de agricultores familiares que ressurge a
Estado Novo, que entendia que o campo e a
compreensão da necessidade de auto-orga-
exploração rural eram fundamentos relevantes do
nização para exercer pressão e reivindicar por
projeto de desenvolvimento do Brasil. “Nesta apoio do Estado. Neste período, é significativo o
concepção, o poder do Estado de intervenção na

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sucateamento de órgãos estatais voltados para o Tal como ocorre com todos os problemas gerados
atendimento de agricultores voltado para o pela urbanização, as questões referentes à manutenção
mercado interno, ao mesmo tempo em que se do homem no campo, ao apoio à pequena e à média
potencializaram órgãos do governo como produção agrícola e ao estímulo à produção familiar de
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
alimentos ainda estão para ser resolvidas.
(EMBRAPA) e Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) para atender
exigências de grandes produtores voltados para
o comércio exterior.

Exercícios Propostos

 (2021) – Tal fenômeno não pode ser  (2021) – Esse processo concentra a
reduzido a alguns núcleos urbanos no topo população de renda mais elevada e maior
da hierarquia. É um processo que conecta poder político em áreas mais centrais e
serviços avançados, centros produtores e mercados em rede privilegiadas em termos de empregos,
com intensidade diferente e em diferente escala, dependendo infraestrutura básica e serviços sociais. Ao mesmo tempo,
da relativa importância das atividades localizadas em cada área redistribui a população menos favorecida quanto a esses
face à rede mundial. aspectos, constituindo uma ocupação periférica que se estende
(CASTELLS, M. A sociedade em rede. até os municípios limítrofes. Neles, as condições de acesso às
São Paulo: Paz e Terra, 2000. Adaptado.) áreas mais centrais são agravadas pelas grandes distâncias e
pelas dificuldades relacionadas à eficiência do sistema de
A estrutura descrita depende da ocorrência da seguinte transporte.
característica espacial: (CAIADO, M. C. S. Deslocamentos intraurbanos e estruturação
a) Extensão da malha ferroviária. socioespacial na metrópole brasiliense.
b) Presença de centros de pesquisa. São Paulo em Perspectiva, n. 4, out.-dez. 2005.)
c) Geração de energias renováveis.
d) Automação das unidades produtivas. O texto caracteriza um estágio do processo de urbanização
e) Qualidade do sistema de telecomunicações. marcado pela
a) segregação socioespacial.
RESOLUÇÃO: b) emancipação territorial.
A sociedade em rede descrita por Castell é aquela cujas relações c) conurbação planejada.
sociais (econômicas ou não) se dão por meio de um vasto sistema
de telecomunicações. É esse sistema que permite o acesso à
d) metropolização tardia.
internet e que facilita a comunicação entre as pessoas e a troca de e) expansão vertical.
informação entre as empresas.
Resposta: E. RESOLUÇÃO:
A segregação socioespacial reproduz, no espaço, a desigualdade
social que permeia a sociedade. Assim, pessoas com renda mais
elevada moram em locais nos quais o acesso a serviços públicos
e privados é fartamente disponibilizado, enquanto os moradores
de renda mais baixa moram na periferia, em habitações
degradadas e distantes de equipamentos de segurança, saúde e
educação. Em tempo: a conurbação é um processo no qual
cidades próximas fundem-se em uma só.
Resposta: A.

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 (2021) – Brasília é a primeira cidade  (2021) – A expansão das cidades e a


moderna inscrita na lista do Patrimônio formação das aglomerações urbanas no
Mundial. O plano da cidade, idealizado por Brasil foram marcadas pela produção
Lúcio Costa, segue os princípios básicos da industrial, e pela consolidação das
Carta de Atenas, de 1933. Uma cidade estruturada em áreas, metrópoles como locais de seu desenvolvimento. Na segunda
cada qual com uma função específica (área monumental, onde metade do século XX, as metrópoles brasileiras estenderam-se
se concentram os prédios da administração, área residencial, por áreas de ocupação contínua, configurando densas regiões
área agrária e área de lazer), separadas por vastos espaços urbanizadas.
naturais que se comunicam pelo traçado das grandes vias. (MOURA, R. Arranjos urbano-regionais no Brasil: especificidades e
(SILVA, F. F. As cidades brasileiras e o Patrimônio Cultural da reprodução de padrões. Disponível em: www.http://www.ub.edu.
Humanidade. São Paulo: Peirópolis, 2003.) Acesso em: 11 fev. 2015.)

A cidade apresentada foi reconhecida como Patrimônio O resultado do processo geográfico descrito foi o(a)
Cultural da Humanidade porque a) valorização da escala local.
a) mescla populações e sotaques ilustrativos da diversidade b) crescimento das áreas periféricas.
étnica brasileira. c) densificação do transporte ferroviário.
b) preserva princípios arquitetônicos e urbanísticos originados d) predomínio do planejamento estadual.
no Modernismo. e) inibição de consórcios intermunicipais.
c) sintetiza valores cívicos e políticos definidores do
patriotismo político nacional. RESOLUÇÃO:
d) promove serviços turísticos e produtos artesanais A cidade se expande com a absorção de terrenos e de áreas que a
circundam. Esse é o crescimento urbano horizontal, e que
representativos das tradições locais. corresponde ao aumento de tamanho da cidade com a inclusão de
e) protege acervos documentais e imagéticos reveladores da áreas cada vez mais distantes do centro.
trajetória institucional do país. Resposta: B.

RESOLUÇÃO:
Patrimônio cultural é todo o equipamento, a manifestação
cultural e os costumes materiais ou imateriais que possuem valor
único e uma grande representatividade simbólica. Brasília,
construída de acordo com os princípios da arquitetura do
Modernismo, tem essas características. Em tempo: Brasília foi
construída em função de valores cívicos e políticos definidores do
patriotismo nacional; no entanto, esse não foi o motivo que a
elevou à categoria de patrimônio cultural.
Resposta: B.

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 (2021) – O planejamento deixou de  (2013) – A crise do modelo de desenvol-


controlar o crescimento urbano e passou a vimento brasileiro, perverso e excludente, foi
encorajá-lo por todos os meios possíveis e marcada, especialmente, pela concentração
imagináveis. Cidades, a nova mensagem de renda. As consequências dessa agravante
soou em alto e bom som, eram máquinas de produzir riquezas; são observadas por alguns problemas caóticos, como gastos
o primeiro e principal objetivo do planejamento devia ser o de infinitos com segurança pública, vias saturadas e mal planejadas,
azeitar a máquina. poluição hídrica e aglomerados urbanos sem infraestrutura.
(HALL. P. Cidades do amanhã: uma história intelectual do (SOUZA, J. A. et. al. Ocupação desordenada.
planejamento e do projeto urbano no século XX. In: Revista Conhecimento Prático Geografia, abr. 2010. Adaptado.)
São Paulo, Perspectiva, 2016. Adaptado.)
No espaço urbano brasileiro, vêm se agravando os problemas
O modelo de planejamento urbano problematizado no texto é socioambientais relacionados a um modelo de desenvol-
marcado pelo(a) vimento que configurou formas diversas de exclusão social.
a) primazia da gestão popular. Uma ação capaz de colaborar com a solução desses
b) uso de práticas sustentáveis. problemas é
c) construção do bem-estar social. a) investir de forma eficiente em melhorias na qualidade de
d) soberania do poder governamental. vida no campo para impedir o êxodo rural.
e) ampliação da participação empresarial. b) integrar necessidades econômicas e sociais na formulação
de estratégias de planejamento para as cidades.
RESOLUÇÃO: c) transferir as populações das favelas para áreas não
A cidade cresce, organiza-se e funciona de acordo com a lógica suscetíveis à erosão em outros estados.
empresarial. Essa lógica define as áreas que são alvo da
especulação imobiliária, e exerce uma influência muito grande na
d) considerar a organização dos espaços urbanos de acordo
instalação de serviços públicos e privados de saúde, educação e com as condições culturais dos grupos que os ocupam.
transporte. e) facilitar o assentamento de populações nas áreas fluviais
Resposta: E. urbanas para incentivar a formação de espaços produtivos
democráticos.

RESOLUÇÃO:
A solução para a maior parte dos problemas resultantes de
processos inadequados de urbanização está relacionada a
práticas de planejamento para as cidades. No caso da questão,
transferir a população para a região rural ou para outros estados
não resolve os problemas ambientais provocados pela
 (2019) – O consumo da habitação, em urbanização. Da mesma forma, a facilitação de assentamento de
especial aquela dotada de atributos moradores em áreas fluviais ou a organização de espaços urbanos
especiais no espaço urbano, contribui para o em função da cultura dos grupos majoritários que os ocupam não
resolvem os problemas mencionados na questão.
entendimento do fenômeno, pois certas Resposta: B.
áreas tornam-se alvos de operações comerciais de prestígio
com a produção e/ou a renovação de construções,
diferentemente de outras porções da cidade, dotadas de menor
infraestrutura.
(SANTOS, A. R. O consumo da habitação de luxo no espaço urbano
parisiense. Confins, n. 23, 2015. Adaptado.)

O conceito que define o processo descrito denomina-se


a) escala cartográfica.
b) conurbação metropolitana.
c) território nacional.
d) especulação imobiliária.
e) paisagem natural.

RESOLUÇÃO:
A especulação imobiliária está associada à escolha e valorização
de regiões da cidade que são interessantes do ponto de vista da
ocupação, em especial para fins habitacionais.
Resposta: D.

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Referências

Textuais
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Editora Companhia das Letras, 1990.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A reprodução do espaço urbano como momento da acumulação capitalista. Crise
urbana, v. 1, p. 25-36, 2015.
MELLO, Lucio Pereira; SULZBACHER, Aline Weber. Os planos nacionais de reforma agrária no Brasil: a letargia de
um desenvolvimento alternativo para o campo. XIV Encuentro de Geógrafos de América Latina: Reencuentro de
saberes territoriales latino-americanos. Anais... Lima, Peru, 2013.
NOBRE, Paulo Augusto Martins. A cidade e o capital: um breve histórico da situação da classe operária. IPEA: Anais
do circuito de debates acadêmicos: programa e resumos, 2012.
SANTOS, Mílton. O dinheiro e o território. GEOgraphia, v. 1, n. 1, p. 7-13, 9 set. 2009.
SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
_________________. Reestruturação urbana e segregação socioespacial no interior paulista. Scripta Nova: revista
electrónica de geografía y ciencias sociales, n. 11, p. 10, 2007.
VALADARES, Alexandre Arbex. O gigante invisível: território e população rural para além das convenções oficiais.
Brasilia: IPEA, 2014.

Audiovisuais
Aquarius. Direção: Kleber Mendonça Filho. Brasil/França: Emilie Lesclaux; Saïd Ben Saïd; Michel Merkt, 2016. 145
minutos.
Elefante Branco. Direção: Pablo Trapero. Argentina: Pablo Trapero, 2012. 120 minutos.
Encontros e Desencontros. Direção: Sofia Coppola. Estados Unidos/Japão: Sofia Coppola; Ross Katz, 2003. 102
minutos.

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A questão da segurança
3 alimentar e nutricional

Neste módulo, discutiremos algumas questões que pobreza corresponde à condição de não
referentes às políticas para a garantia da segurança satisfação de necessidades humanas elementares
alimentar e nutricional. Ainda, discutiremos algumas das como comida, abrigo, vestuário, educação,
variáveis envolvidas no combate à fome e à subnutrição. assistência à saúde, entre várias outras. A
desnutrição ou, mais corretamente, as deficiências
Ao final do módulo, estamos sugerindo a você alguns
nutricionais – porque são várias as modalidades de
exercícios sobre essa temática.
desnutrição – são doenças que decorrem do aporte
alimentar insuficiente em energia e nutrientes ou,
Em 2019, durante os depoimentos à AGÊNCIA
ainda, com alguma frequência, do inadequado
PÚBLICA, as mães de Japeri, uma região
aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos –
extremamente pobre da Baixada Fluminense,
geralmente motivado pela presença de doenças, em
explicaram o que era a fome.
particular doenças infecciosas. A fome é certamente
A fome é descrita por algumas mães como uma dor
o problema cuja definição se mostra mais
física que atinge o estômago como um soco. Para
controversa. Haveria inicialmente que se distinguir a
outras, ela é acompanhada de um sofrimento
fome aguda, momentânea, da fome crônica. A fome
emocional imensurável quando não conseguem
aguda equivale à urgência de se alimentar, a um
alimentar adequadamente os filhos pequenos ou
grande apetite, e não é relevante para nossa
têm de enganá-los com alguma coisa que não seja
discussão. A fome crônica, permanente, a que nos
comida de verdade. Quando o alimento é
interessa aqui, ocorre quando a alimentação diária,
insuficiente em casa, a mãe deixa de comer para
habitual, não propicia ao indivíduo energia suficiente
alimentar os pequenos (AGÊNCIA PÚBLICA, 2019).
para a manutenção do seu organismo e para o
desempenho de suas atividades cotidianas. Nesse
sentido, a fome crônica resulta em uma das
? Saiba mais modalidades de desnutrição: a deficiência energética
crônica (MONTEIRO, 2003, p. 7-8).

Sugerimos que você assista ao filme Garapa Pobreza, fome e subnutrição são problemas
(2009), que pode ser encontrado com facilidade na inerentes da sociedade brasileira. Os três fenômenos
web. O filme é resultado da pesquisa feita por estão presentes em toda a nossa trajetória histórica e,
Padilha na região nordeste, há décadas ainda hoje, clamam para que a sociedade civil e o Estado
atormentada pela falta de água e pela fome. O se mobilizem para o enfrentamento dessas questões. É
título do filme deve-se ao fato de a garapa, uma impressionante o número de pessoas que passam fome
mistura de água com açúcar extraída da cana-de- no Brasil, em pleno século XXI. Mais impressionante é o
açúcar, ser o único alimento disponível para as número de brasileiros que, embora tenham acesso à
crianças durante o período da seca. alimentação, comem mal. Dados disponibilizados pelo
IBGE (2021), e publicados pelo Jornal G1, revelam que,
em 2018, 10.284.000 brasileiros estavam em situação
Antes de mais nada, vamos definir o que são de insegurança alimentar grave, ou seja, sofriam de
pobreza, fome e desnutrição: essa é uma ação redução quantitativa de alimentos nos domicílios. Em
necessária, já que os termos são, em geral, tratados outras palavras, a fome era uma experiência de todos os
como sinônimos, embora sejam dessemelhantes. moradores do domicílio, conforme pode ser visto na
Figura 1.
Dos três problemas, a pobreza talvez seja o mais fácil
de definir. De modo bastante simples, pode-se dizer

SOCIOLOGIA 23
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Artes Gráficas /
Colégio Objetivo

Fonte: IBGE

Figura 1. Número de pessoas que passam fome no Brasil (brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, em milhares)

O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar leve (quando há preocupação ou incerteza


quanto ao acesso à alimentação no futuro) e em situação de insegurança moderada (quando há redução
quantitativa no consumo de alimentos entre os adultos) também é imenso: basta falar que, em 2018, apenas 66%
dos domicílios brasileiros estavam em situação de segurança alimentar nutricional, conforme apresentado na
Figura 2. Na Figura 3, podemos ver que a segurança alimentar decresce com o aumento de moradores no
domicílio; ainda, vemos que, dos domicílios que estão em situação de segurança alimentar, apenas 1,1% são de
domicílios com mais de sete moradores.
(Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/17/fome-no-brasil-em-5-anos-cresce-em-3-milhoes-o-no-de-pessoas-
em-situacao-de-inseguranca-alimentar-grave-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 29.10.2021)
Artes Gráficas /
Colégio Objetivo

Fonte: IBGE

Figura 2. Situação alimentar por número de moradores no domicílio (2018)


Artes Gráficas / Colégio Objetivo

Quanto maior o número de moradores, menor a garantia de alimentação de qualidade e em quantidade suficiente.

Fonte: IBGE

Figura 3. Percentual de domicílios por tipo de situação alimentar (2018)

24 SOCIOLOGIA
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Mais: quando falamos em segurança alimentar e Os Estados Unidos, líder do bloco capitalista, viu-
nutricional, estamos falando também da prevalência de se na necessidade de fortalecer sua área de
sobrepeso e obesidade na população adulta: não são influência em todos os continentes, para frear a
muitos os brasileiros que comem e o número de expansão do domínio comunista liderado pela
União Soviética. Nessa guerra de posições, a
brasileiros que comem bem é ainda menor. No Gráfico 1
fome e a pobreza deveriam ser combatidas por
abaixo, podemos ver que, desde 2003, tem aumentado
meio de cooperações internacionais, para evitar
a porcentagem de adultos com mais de 22 anos que têm
que se configurassem quadros de instabilidade
problemas de sobrepeso e obesidade, especialmente social e política em países pobres que pudessem
por conta de uma alimentação baseada em produtos desencadear processos revolucionários. Portanto,
industrializados e de uma dieta deficiente do ponto de o combate à fome em escala internacional
vista nutricional. passou a ser um elemento estratégico
importante no jogo de disputas pelo controle
geopolítico mundial (SILVA, 2014, p. 9).

A abordagem desenvolvida nos anos 1980, e que


ainda se mantém atualmente, considera que a segurança
alimentar nutricional envolve a oferta suficiente de
alimentos e a qualidade/regularidade do acesso aos
alimentos: à noção de oferta suficiente de alimentos
incorporou-se a noção de acesso aos alimentos, de
qualidade e de regularidade da alimentação. No Brasil,
inclusive por conta das características específicas da
Fonte: COMCIÊNCIA (2021) nossa economia, a segurança alimentar incluiu, também,
os fatores relacionados à renda disponível para a aquisição
Gráfico 1. Evolução da prevalência de sobrepeso e obesidade na de alimentos. Assim, era importante que a nação fosse
população adulta (+22 anos) brasileira
autossuficiente em termos de oferta de alimentos e, mais
ainda, era fundamental que a população tivesse condições
A SAN (Segurança Alimentar e Nutricional) passou a financeiras para adquiri-los (TOMAZINI; LEITE, 2016).
ocupar lugar de destaque no contexto das políticas A garantia da segurança alimentar e nutricional não é
públicas a partir da criação da FAO, Organização das tarefa fácil de ser concretizada. Assim, a inserção da
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em SAN “na agenda governamental, tanto em nível
1945. A necessidade de superar a fome e garantir uma internacional quanto nacional, sempre se viu permeada
vida digna tornavam-se, a partir daquele momento, por inúmeros interesses e pelo envolvimento de
assuntos associados à segurança nacional (TOMAZINI; diferentes atores sociais com maior ou menor poder de
LEITE, 2016). influência em termos de decisão política” (SILVA, 2014,
p. 97). Ainda, deve ser considerado o cenário econômico
A noção do alimento como poderosa arma em geral, cujo desempenho pode fazer com que
política entre os países surgiu pela primeira vez aumentem ou diminuam os esforços dirigidos a
naquele pós-guerra, frente aos riscos programas sociais e, mais especificamente, aqueles
ocasionados pela destruição em massa de relacionados à disponibilidade e facilitação de acesso a
campos de produção de alimentos. A alimentos de qualidade. Assim, torna-se compreensível
alimentação adquiriu um significado estratégico
o fato de as crises econômicas do neoliberalismo e da
de segurança nacional, impondo a necessidade a
globalização terem atingido tão fortemente a capacidade
cada país de assegurar por conta própria o
suprimento da maior parte dos alimentos que sua
de o Estado manter políticas públicas de cunho social.
população consome, inaugurando um conjunto Em consequência, a redução dos investimentos nos
de políticas específicas, entre as quais a programas de segurança alimentar e nutricional uniu-se
formação de estoques de alimentos (TOMAZINI; a um quadro já bastante deteriorado de miséria e de
LEITE, 2016, p. 18). ausência de serviços públicos nas áreas sociais. A
concentração de renda, o aumento da pobreza e a
A questão não era apenas social ou humanitária. No segregação social tornaram-se a marca de um modelo
contexto da Guerra Fria, era necessário que se econômico bastante conservador, que pouco esforço
evitassem convulsões que fragilizassem o tecido social, dedicou à questão da equidade social (FREITAS; PENA,
daí a importância de garantir uma alimentação de 2007). O debate sobre a estrutura fundiária do país
qualidade para todos. também foi deixado de lado: parecia inequívoco que o

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melhor modelo era o da concentração fundiária, a até U$ 5,5 por dia). Calcula-se que seriam necessários
ampliação da automação no campo e a expulsão dos mais de 10 bilhões mensais para erradicar a pobreza no
pequenos agricultores para os centros urbanos. Afinal, País. Na verdade, os dois fenômenos – pobreza e fome
– criam um perverso efeito circular, no qual segmentos
em nome de um sistema de produção agrícola mais vulneráveis do ponto de vista econômico são os
moderno e eficiente, a diversidade de culturas mais atingidos pela insegurança alimentar; por conta
alimentares foi gravemente afetada e grande dessa insegurança, a exclusão social e a vulnerabilidade
contingente de agricultores familiares precisou só fazem aumentar. Afinal,
migrar para os centros urbanos, gerando graves
problemas de desemprego e precarização social
a fome, resultante da ingestão de alimentos em
nas periferias das grandes cidades. Não apenas a
baixa qualidade e/ou quantidade, implica
oferta de alimentos, mas também a capacidade de
deterioração do estado de saúde e, por
acesso aos alimentos pelas populações em
conseguinte, compromete o desempenho
situação de vulnerabilidade social deveria ser tema
produtivo e a integração social de indivíduos. Por
de discussões e decisão (SILVA, 2014, p. 10).
sua vez, os fatores envolvidos determinam o
acesso desigual dos indivíduos a bens e serviços
Em outras palavras, era do interesse do grande para o suprimento das necessidades essenciais
capital agroexportador que a produção agrícola tivesse à existência humana, tais como: alimentação,
como propósito a exportação de alimentos, habitação, água, educação e serviços de saúde.
“provocando, entre outras consequências, a falta de Ademais, quanto mais pobre uma família, maior
diversificação na produção de alimentos básicos para a o peso relativo dos gastos com alimentação
população” (FREITAS; PENA, 2007, p. 71). Tal cenário faz sobre sua renda total, o que compromete
com que o problema da fome e da subnutrição no país seriamente o acesso a outros bens e serviços
seja dramático: o Brasil é um país em que abundam as necessários. Ou então, qualquer necessidade de
gasto extra afeta a própria capacidade de
supersafras e as terras aráveis; no entanto, parte
satisfação de suas necessidades alimentares
considerável da sua população não têm condições de se
básicas (SILVA, 2014, p. 11).
alimentar de forma digna (SILVA, 2014). Há que se
considerar, também, as conexões entre a fome e a

123RF / Easypix Brasil


pobreza. Veja a Figura 4.
Artes Gráficas / Colégio Objetivo

Figura 5. Há uma nítida associação entre pobreza e insegurança


alimentar e nutricional. Os dois fenômenos, combinados, criam
uma situação inercial na qual a miséria faz com que grupos sociais
mais vulneráveis não tenham condições de se alimentar de forma
digna; em consequência, aumentam a exclusão social e a
vulnerabilidade desses indivíduos.

O cenário de intensa desigualdade social no nosso


Figura 4. Proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza (por país aumenta a dificuldade para o enfrentamento da
unidades da Federação, em 2017)
questão da segurança alimentar e nutricional, bem como
acaba por transferir ao setor público grande parte da
Como podemos ver na Figura 4, 26,5% da
responsabilidade pelas iniciativas na implantação de
população brasileira estão abaixo da linha da pobreza,
políticas que possam garantir condições mínimas de
segundo os critérios do Banco Mundial (considera-se
sobrevivência para uma parcela significativa da
abaixo da linha da pobreza pessoas com rendimento de
população. Assim, no caso brasileiro,

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há ainda duas outras questões a serem

123RF / Easypix Brasil


destacadas sobre a relação entre fome e
pobreza, além dos fatores apresentados. Uma
delas é o cenário de desigualdade social que
caracteriza países e regiões com alta incidência
de pobreza. Barros, Henriques e Mendonça
(2000) afirmaram que o principal determinante
para os elevados níveis de pobreza no Brasil
reside na sua própria estrutura de
desigualdades na distribuição da renda e das
oportunidades de inclusão social. Para os
autores, o Brasil não é um país pobre, mas sim
um país de muitos pobres, fato pelo qual
destacaram a necessidade de as políticas
Figura 6. A desigualdade social cria territórios de exclusão,
públicas de combate à pobreza concederem fenômeno que faz com que a fome se concentre de maneira
prioridade à redução das desigualdades sociais. heterogênea no espaço (SILVA, 2014).
Assim, entendem que a pobreza do Brasil é um
problema relacionado à distribuição dos
Você já deve ter percebido que o problema da
recursos e não à sua escassez, e que uma
divisão equitativa dos recursos pode ter um segurança alimentar e nutricional envolve um sem-nú-
impacto relevante para combatê-la (SILVA, mero de fatores. Há fatores históricos e há fatores
2014, p. 12). tecnológicos e ecológicos. Também devem ser levados
em consideração os fatores econômicos, culturais,
ideológicos e políticos, tal como podemos ver no
Quadro I a seguir.

Fatores Descrição
Toda sociedade tem uma história que pode ser entendida como a interação entre economia, política,
Históricos ideologia etc. Nesse contexto, a fome pode advir de diversos fenômenos como: imperialismo,
colonialismo, neocolonialismo, escravidão, êxodo rural, leis de herança, guerras, estamentos sociais etc.

Tecnológicos São relacionados às condições materiais e técnicas de produção (recursos potenciais), tais como:
e ecológicos recursos naturais, clima, fertilidade do solo, know-how tecnológico.
São relacionados às condições sociais de produção (estrutura econômica da sociedade), e envolvem:
Econômicos relações de propriedade, posse ou acesso a meios de produção, estrutura de poder, normas de
exploração do trabalho etc.
Culturais e Envolvem fatores relacionados à superestrutura da sociedade, tais como: ideologia, religião, opiniões,
ideológicos concepções morais, crenças e hábitos, leis tradicionais etc.
São principalmente relacionados à estrutura e ao funcionamento do Estado, tendo por base: estrutura de
Políticos poder (militar e política), legislação e as cortes, direitos democráticos, política fiscal, organização de poder
do Estado etc.

Quadro 1. Fatores determinantes da fome Fonte: Jonsson, (1989).

(Fonte: Silva, 2014, p. 12.)

Dado esse cenário de complexidade, é possível assistenciais-compensatórias frente a questões


compreender que a questão do enfrentamento contra a emergenciais como a fome, com políticas de
fome e a subnutrição deve transcender o âmbito caráter estruturante visando assegurar; (b) o
individual; para lidar com todas as variáveis acima acesso aos alimentos sem comprometer
parcela substancial da renda familiar; (c) a
citadas, faz-se necessário realizar uma intervenção que
disponibilidade de alimentos de qualidade,
envolve diferentes camadas da sociedade (SILVA, 2014).
originados de formas produtivas eficientes,
Segundo Silva (2014, p. 14),
porém, não excludentes e sustentáveis e (d)
divulgação de informações ao consumidor sobre
uma atuação de governo que contemple a
práticas alimentares saudáveis e possíveis
complexidade que envolve a temática da SAN
riscos à saúde, mediados pelo alimento.
implicaria a combinação de: (a) ações

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Claro que as decisões envolvendo as ações acima Alguns programas tiveram seus objetivos
citadas não ocorrem independentemente de outras desvirtuados, tal como o Programa de Alimentação do
estratégias relacionadas ao desenvolvimento e ao Trabalhador (PAT), criado em 1976 e que buscava facilitar
crescimento do país. Assim, as políticas referentes à a alimentação do trabalhador por meio da adoção de
segurança alimentar e nutricional sempre se tickets subsidiados para consumo e compra de
subordinaram às necessidades de uma agricultura alimentos em restaurantes, parecia beneficiar muito
voltada para a produção de matéria-prima para mais as grandes empresas que faziam a intermediação
exportação, e de tal forma que se privilegiou a estrutura entre o trabalhador e os locais de acesso ao alimento do
de grandes latifúndios, a monocultura e o aumento da que, de fato, melhorar o estado nutricional do
produtividade por meio de introdução de tecnologia. trabalhador (FREITAS; PENA, 2007). Pior: esses tickets
acabavam por se transformar em moedas, sendo
Ademais, os programas desenvolvidos eram
utilizados para a compra de quaisquer bens.
fortemente influenciados por organismos
internacionais, com interesses bem articulados
Atento ao fato de que a questão da segurança
para constituírem mercados para seus produtos alimentar e nutricional estava relacionada também ao
industrializados, como aconteceu, segundo acesso à terra por parte de pequenos agricultores, o
Pinheiro (2009), com a introdução do leite em pó governo Sarney lançou o I Plano Nacional de Reforma
nos programas internacionais de ajuda alimentar. Agrária (PNRA). No entanto,
Nessa concepção, o planejamento da produção
o projeto gerou forte preocupação e
de alimentos no país tinha seu valor estratégico
mobilização entre as organizações patronais da
muito mais voltado ao controle da inflação. No
economia agrícola brasileira, lideradas pela
entanto, embora o governo federal estivesse
União Democrática Ruralista (UDR), tanto que o
mais preocupado com as macro orientações de
programa foi lançado com um texto
condução da política econômica, algumas ações
radicalmente distinto do projeto original, e seus
importantes foram se desenvolvendo no campo
resultados foram pouco efetivos. Todas essas
da alimentação (SILVA, 2014, p. 15).
ações (década de 90) foram fortemente
Com o objetivo de garantir uma alimentação de influenciadas pela atuação das organizações
qualidade para os brasileiros, foram realizadas algumas sociais que passaram a ter um papel cada vez
iniciativas na década de 1960 que buscavam enfrentar a mais protagonístico no cenário político nacional.
À época, destacava-se o Movimento Ação da
complexidade do problema da SAN: nesse período, foram
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida,
desenvolvidas medidas importantes na área de produção,
sob a liderança do sociólogo Herbert de Souza
armazenamento e distribuição de alimentos, tais como a (SILVA, 2014, p. 22).
Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL) e a
Companhia Brasileira de Armazenamento (CIBRAZEM),
Luciana Whitaker/Folhapress

que, com a Superintendência Nacional do Abastecimento


(SUNAB), passaram a compor o Sistema Nacional de
Abastecimento.
Em 1973, lançou-se o Programa Nacional de
Alimentação e Nutrição (PRONAN) com o objetivo de
integrar as ações de vários setores do governo. Esse
programa
pode ser considerado um marco na política de
alimentação e nutrição do país, por ser o primeiro
a enfatizar a importância de se utilizar alimentos O sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho.
básicos nos programas alimentares, em
Dedicou-se à luta contra a
detrimento dos produtos industrializados que Aids e a fome.
eram adquiridos nos programas anteriores. Além
disso, partiu-se do diagnóstico de que os fortes
estímulos à produção de commodities agrícolas
Figura 7. Durante a década de 1970, Betinho (1935-1997) exilou-se
para exportação tiveram como impacto indireto o para fugir à perseguição do regime militar por conta de suas
estrangulamento da produção de alimentos de atividades políticas em organizações clandestinas. Pôde retornar
consumo interno, que ainda se ressentiam da ao Brasil apenas após a aprovação da Anistia e passou a trabalhar
queda de seus preços devido ao baixo poder no combate à fome e à miséria. Hemofílico, contaminou-se com o
vírus da Aids durante as transfusões de sangue que fazia
aquisitivo dos trabalhadores urbanos (SILVA,
regularmente.
2014, p. 19).

28 SOCIOLOGIA
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Em 2003, foi criado o Programa de Aquisição de


? Saiba mais Alimentos (PAA) com o propósito de

promover o acesso à alimentação e incentivar a


Sugerimos que você assista à entrevista dada por agricultura familiar. Para alcançar esses dois
Betinho ao programa Roda Viva, na TV Cultura de objetivos, o programa compra[va] alimentos
São Paulo, em 1996. produzidos pela agricultura familiar, com dispensa
de licitação, e os destina[va] às pessoas em
Também sugerimos que você veja o filme A
situação de insegurança alimentar e nutricional
marvarda carne (1985). Um sertanejo percorre o
atendidas pela rede socioassistencial, pelos
interior paulista com o objetivo de encontrar uma equipamentos públicos de segurança alimentar e
noiva e comer carne de vaca. Uma jovem decidida nutricional e pela rede pública e filantrópica de
a se casar convence o sertanejo que seu pai, em ensino [...] O PAA também contribui[u] para a
homenagem ao seu casamento, irá oferecer um constituição de estoques públicos de alimentos
churrasco aos convidados. produzidos pelos agricultores familiares. Além
Os dois vídeos mencionados podem ser facilmente disso, o programa promove[u] o abastecimento
encontrados na web. alimentar por meio de compras governamentais
de alimentos; fortalece[u] circuitos locais e
regionais e redes de comercialização; valoriz[ou] a
Em meados da década de 1990, o então presidente biodiversidade e a produção orgânica e
agroecológica de alimentos; incentiv[ou] hábitos
Fernando Henrique Cardoso lançou o Programa
alimentares saudáveis e estimul[ou] o
Comunidade Solidária.
cooperativismo e o associativismo (HESPANHOL,
2013, p. 470).
O PCS consistia em uma estratégia de
articulação e coordenação de ações
descentralizadas de governo no combate à fome
Também foram colocados em prática vários
e à pobreza, baseadas no estímulo à participação programas de transferência de renda “como estratégia
e ao acompanhamento dos atores locais. Ele foi para fazer chegar recursos, de forma emergencial, à
concebido sob as diretrizes da focalização e da população extremamente pobre, de acordo com
busca pela eficiência da ação do Estado e diretrizes apontadas pelo Banco Mundial desde o início
desoneração do orçamento público, previstas no da década anterior” (SILVA, 2014, p. 30).
projeto de reforma institucional sob a responsa- Em 2003, foram também criados os Consórcios de
bilidade do Ministério das Ações de Reforma do Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local
Estado (Mare). Por isso, além da extinção de (CONSAD).
órgãos da estrutura de governo, partes
significativas dos serviços sociais passaram a ser Os CONSADs foram planejados como arranjos
transferidas para o setor privado por meio de territoriais em regiões de baixo índice de
parcerias, operacionalizadas por interlocutores desenvolvimento, no intuito de promover a
entre as ONGs (“entidades públicas não cooperação entre os municípios nessas
estatais”), organizadas em torno do que se condições que possuíam relação de proximidade
convencionou chamar de “terceiro setor” (SILVA, e identidade geográfica. Seu objetivo central foi
2014, p. 27). possibilitar a construção de uma articulação
intermunicipal, institucionalmente formalizada,
No tempo da inserção do Brasil no mundo para desenvolver ações, diagnósticos e projetos
globalizado, o Programa Comunidade Solidária buscava de SAN e desenvolvimento local, com geração de
estimular o estabelecimento de parcerias e colaboração trabalho e renda, condição esta fundamental para
mútua entre empresas, sindicatos, agências a saída da pobreza. [...] Os municípios em área de
internacionais de financiamento e atores locais. No CONSAD passaram a ser priorizados para fins de
entanto, “as ações desencadeadas se mostraram ser investimento público em políticas sociais por
basicamente de cunho emergencial e preventivo às parte de setores do governo federal
causas da perpetuação da pobreza, sem apresentar uma responsáveis. A viabilização dessa articulação se
daria por meio de convênios celebrados entre a
ação essencialmente estruturante (SILVA, 2014, p. 27).
União e estados ou municípios. Com isso, suas
O fato de o Brasil ter finalmente conseguido
estratégias de intervenção envolvem
controlar a inflação com o Plano Real colaborou para que basicamente três linhas principais: i)
os preços dos alimentos se mantivessem estáveis. No implementação de ações e políticas específicas
entanto, o Brasil chegou ao século XXI sem ter resolvido de segurança alimentar; ii) articulação de
o problema da fome e da subnutrição. iniciativas de competência de outras esferas de

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governo e instituições da sociedade civil; e iii) escolher e adquirir alimentos no mercado, como
gestão participativa com vistas a tornar as quaisquer outras famílias. Permaneceu, no entanto, a
comunidades protagonistas de seu processo de noção da segurança alimentar e nutricional (SAN) como
emancipação (SILVA, 2014, p. 48). sinônimo de

No Brasil do século XXI, mais prioritário do que garantia de condições de acesso aos alimentos
garantir alimentos de qualidade para a população, era básicos, seguros e de qualidade, em quantidade
vital que se pudesse oferecer algum alimento para os suficiente, de modo permanente e sem
milhares de brasileiros que passavam fome e comprometer o acesso a outras necessidades
encontravam-se em estado de severa desnutrição essenciais. Este enunciado alude práticas
(TOMAZINI; LEITE, 2016). A ascensão de governos alimentares saudáveis e a existência digna em
mais afinados com o discurso social da esquerda um contexto de desenvolvimento integral da
tornou a questão da extinção da fome uma bandeira da pessoa humana. O conceito de SAN envolve,
portanto, a qualidade dos alimentos, as
sociedade brasileira. Por conta disso, o presidente Luiz
condições ambientais para a produção, o
Inácio Lula da Silva lançou o Programa Fome Zero (PFZ)
desenvolvimento sustentável e a qualidade de
em 2003, com a ambiciosa meta de erradicar a fome e vida da população (FREITAS; PENA, 2007, p. 70).
garantir uma alimentação mínima para todos os
brasileiros. Dado o amplo e geral endosso ao

123RF / Easypix Brasil


enfrentamento do problema da fome, o lançamento do
PFZ mobilizou a sociedade civil e instituições nacionais
e internacionais.

Em meio a um grande alvoroço de agências e


fóruns internacionais, dos governos
estrangeiros e da sociedade civil. Em um
primeiro momento, celebridades doaram
cachês, empresas se apressaram a fazer
doações, mutirões de arrecadação de alimentos
se constituíram e um núcleo de atendimento
especial foi criado para atender doadores de
empresas, entidades de classe, ONG e pessoas Figura 8. O Programa Fome Zero buscou agregar políticas de
físicas interessadas em estabelecer parceria forma bastante abrangente, o que incluía a ação nos bairros e
com o programa (Takagi, 2006). No nível assentamentos, a criação de bancos de alimentos, o incentivo à
internacional, instituições financeiras como o agricultura familiar e a transferências de renda condicionadas à
Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial matrícula e ao comparecimento das crianças da família na escola.
e Banco Interamericano também se
prontificaram a endossar as ações antipobreza
Já passadas duas décadas do século XXI, o cenário
do governo Lula (Hall, 2006). [...] As iniciativas
do programa abrangiam um largo espectro de de fome e subnutrição no Brasil resiste às políticas de
ações que envolviam desde formas de enfrentamento realizadas pelo governo e pela sociedade
organização por bairro a assentamentos civil. O diagnóstico e o prognóstico do fenômeno da
agrários e restaurantes populares, bancos de fome, da subnutrição e da insegurança nutricional fazem
alimentos, transfe rências condicionadas à parte do nosso escopo institucional. Assim, a Lei nº
frequência escolar. Tamanha proporção 11.346, de 15 de setembro de 2006, que criou o Sistema
demandava o envol vimento de vários Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, afirma,
ministérios e das três esferas do governo nos artigos 2, 3 e 4, que:
(TOMAZINI; LEITE, 2016, p. 23).
Art. 2º A alimentação adequada é direito
Com o passar do tempo, o PFZ acabou por ceder fundamental do ser humano, inerente à
parte do seu espaço às políticas públicas de dignidade da pessoa humana e indispensável à
transferência de renda. Assim, ao invés de investir no realização dos direitos consagrados na
barateamento do preço dos alimentos, na dinamização Constituição Federal, devendo o poder público
da economia local e no estímulo à produção local, o adotar as políticas e ações que se façam
governo brasileiro optou por criar mecanismos para que necessárias para promover e garantir a segurança
as famílias mais vulneráveis tivessem renda para alimentar e nutricional da população.

30 SOCIOLOGIA
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§ 1º A adoção dessas políticas e ações deverá aproveitamento, estimulando práticas


levar em conta as dimensões ambientais, alimentares e estilos de vida saudáveis que
culturais, econômicas, regionais e sociais. respeitem a diversidade étnica e racial e cultural
§ 2º É dever do poder público respeitar, proteger, da população; V. a produção de conhecimento e o
promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e acesso à informação; e VI. a implementação de
avaliar a realização do direito humano à políticas públicas e estratégias sustentáveis e
alimentação adequada, bem como garantir os participativas de produção, comercialização e
mecanismos para sua exigibilidade. consumo de alimentos, respeitando-se as
Art. 3º A segurança alimentar e nutricional múltiplas características culturais do País
consiste na realização do direito de todos ao (BRASIL, 2006).
acesso regular e permanente a alimentos de
qualidade, em quantidade suficiente, sem Relembrando as palavras de Betinho, “quem tem fome,
comprometer o acesso a outras necessidades tem pressa”. Concluiremos aqui nossa reflexão a
essenciais, tendo como base práticas respeito da segurança alimentar e nutricional. Para
alimentares promotoras de saúde que respeitem finalizar, consideramos importante lembrar que
a diversidade cultural e que sejam ambiental,
continuam sendo objetivos das estratégias de segurança
cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
alimentar e nutricional as seguintes ações:
Art. 4º A segurança alimentar e nutricional
abrange: I. a ampliação das condições de acesso
a) Estímulo à agricultura familiar.
aos alimentos por meio da produção, em especial b) Estímulo à produção de alimentos que fazem
da agricultura tradicional e familiar, do parte da cesta básica da população.
processamento, da industrialização, da c) Preservação de recursos genéticos por meio de
comercialização, incluindo-se os acordos políticas ambientais e de sustentabilidade.
internacionais, do abastecimento e da d) Estratégias para permitir o acesso à água por toda
distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, a população brasileira.
bem como da geração de emprego e da e) Estratégias para viabilizar a logística de
redistribuição da renda; II. a conservação da distribuição e abastecimento de alimentos em
biodiversidade e a utilização sustentável dos todas as regiões do país.
recursos; III. a promoção da saúde, da nutrição e
f) Continuidade das políticas de transferência de
da alimentação da população, incluindo-se grupos
renda para grupos socialmente vulneráveis.
populacionais específicos e populações em
situação de vulnerabilidade social; IV. a garantia
g) Promoção e incentivo a práticas nutricionais
da qualidade biológica, sanitária, nutricional e adequadas por meio da educação nutricional e a
tecnológica dos alimentos, bem como seu defesa de hábitos saudáveis.

Exercícios Propostos

 (ETEC) – Leia o texto para responder à questão.

O conceito de segurança alimentar e nutricional, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), implica em promover o
direito de todos os cidadãos ao acesso regular e permanente a alimentos.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, cerca de 800 milhões de pessoas no mundo sofriam de
subnutrição. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que as perdas globais de alimentos
e o desperdício cheguem a 1,3 bilhão de toneladas por ano – cerca de um terço da produção mundial de alimentos. Por isso, a
redução das perdas e do desperdício deve ser uma prioridade global.
Alguns fatores contribuem para o agravamento dos casos de subnutrição, tais como a má distribuição de renda, os sistemas
precários de distribuição de água e alimentos, os desastres naturais e a baixa escolaridade. Outro fator é a pouca ou nenhuma
ingestão de alimentos, impossibilitando que, por exemplo, uma criança cresça e desenvolva o corpo e o cérebro, causando danos
irreversíveis.
Os principais sinais da subnutrição são o emagrecimento excessivo, a incapacidade de crescer e de se desenvolver de acordo
com a taxa esperada, mudanças de comportamento, alterações no cabelo e na cor da pele, entre outros.
A subnutrição também causa apatia, prostração e desmaios, já que o cérebro utiliza a glicose (carboidrato) como fonte de
energia, e esse é o primeiro nutriente a faltar em uma dieta reduzida. Além disso, a subnutrição também pode causar uma série de
outras doenças, como o raquitismo, o escorbuto, dores de cabeça e a osteoporose, sendo ainda, uma das principais causas de morte
de crianças em alguns países.

SOCIOLOGIA 31
SOCIO_3A_1semestre_JR_2022.qxp 17/12/2021 14:56 Página 32

É preciso unir esforços para promover estilos de vida  A segurança alimentar perseguida por cada
saudáveis, com respeito, inclusive, às dimensões culturais e agrupamento humano ao longo da história
regionais. passa a depender atualmente de algumas
Campanhas de educação alimentar são uma responsa- poucas corporações multinacionais que passam a deter uma
bilidade social, e sua ação se insere no contexto do posição privilegiada nas novas relações sociais e de poder.
desenvolvimento sustentável. Essa concentração de dependência no ano de 2001 se aplica a
(Disponível em: http://tinyurl.com/jxajnjy
cada um dos quatro principais grãos — trigo, arroz, milho e soja
Acesso em: 02 set. 2016. Adaptado.)
—, de forma que cerca de 90% da alimentação da população
mundial procede de apenas 15 espécies de plantas e de 8
De acordo com o texto, é correto afirmar que espécies de animais.
a) as principais causas da subnutrição são a falta de água, de (PORTO-GONÇALVES, C. W. Geografia da riqueza, fome e meio
luz e de terra agricultável para a produção de vegetais ambiente. In: OLIVEIRA, A. U.; MARQUES, M. I. M. (Org.). O campo
geneticamente modificados, necessários para toda a no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça
população mundial. social. São Paulo: Casa Amarela; Paz e Terra, 2004. Adaptado.)
b) os problemas causados pela subnutrição infantil não se
estendem até a idade adulta e ocorrem quando a Uma medida de segurança alimentar que contesta o modelo
alimentação apresenta excessiva ingestão de gorduras. descrito é o(a)
c) a subnutrição ocorre quando a alimentação fornece a a) estímulo à mecanização rural.
glicose necessária para o bom funcionamento do cérebro, b) ampliação de áreas de plantio.
evitando a apatia, a prostração e desmaios. c) incentivo à produção orgânica.
d) a produção total mundial de alimentos é de cerca de 1,3 d) manutenção da estrutura fundiária.
bilhão de toneladas por ano e não é suficiente para eliminar e) formalização do trabalhador do campo.
a subnutrição no mundo.
e) a carência de nutrientes no organismo limita o funcio- RESOLUÇÃO:
namento regular do sistema nervoso, causando doenças e, Uma das estratégias para garantir a segurança alimentar e
nutricional está relacionada ao estímulo à produção orgânica, em
até mesmo, a morte. geral por meio da agricultura familiar. Essa medida facilita o
acesso a alimentos de qualidade, diminuindo o impacto dos
RESOLUÇÃO: gastos com consumo de alimentos no orçamento familiar e
O texto trata justamente dos efeitos da carência de alimentos no colaborando para uma alimentação mais saudável.
organismo. Como respostas ao problema da subnutrição, o texto Resposta: C
descarta a produção de alimentos geneticamente modificados e a
maior ingestão de calorias.
Resposta: E.

32 SOCIOLOGIA
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  (UFF-modificada)

“A cada sete segundos, em algum lugar do mundo, uma


criança de menos de 10 anos morre diretamente ou
indiretamente de fome”. “A cada dia, 100.000 pessoas
morrem de fome ou de suas consequências” (Relatório da
FAO/ONU, outubro de 2003).

A partir das informações apresentadas, não podemos incluir


como causa da fome no mundo:
a) a desigualdade social dentro do país, o que implica no
acesso diferenciado à segurança alimentar.
b) a inexistência de tecnologias agrícolas adequadas à
produção de alimentos.
c) a alta dívida externa dos países em desenvolvimento.
d) o desequilíbrio das condições de trocas comerciais entre o
Norte e o Sul.
e) as altas taxas de fertilidade da população e a escassez de
água potável em algumas regiões do mundo.
(AMARILDO. Disponível em: www.amarildo.com.br.
Acesso em: 3 mar. 2013.) RESOLUÇÃO:
O problema da fome não está relacionado à inexistência de
Na charge há uma crítica ao processo produtivo agrícola técnicas agrícolas. Ao contrário, há disponibilidade dessas
brasileiro relacionada ao técnicas para a produção e para o aumento da produtividade na
agricultura. São fatores que ameaçam a segurança alimentar e
a) elevado preço das mercadorias no comércio.
nutricional: a desigualdade social e a vulnerabilidade econômica e
b) aumento da demanda por produtos naturais. política dos países em desenvolvimento.
c) crescimento da produção de alimentos. Resposta: B
d) fato de que alimentos industriais têm mais qualidade do que
os orgânicos.
e) uso de agrotóxicos nas plantações.

RESOLUÇÃO:
O uso contínuo de agrotóxicos nas plantações pode prejudicar a
qualidade dos produtos orgânicos.
Resposta: E

SOCIOLOGIA 33
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 (UVA-modificada) – A fome é uma criação do homem. Não Resposta: E

resulta de condições naturais adversas tão pouco é consequência


do crescimento populacional do Terceiro Mundo ou do fato de
que "o pobre não sabe alimentar-se", ideias bastante difundidas e
largamente utilizadas para mascarar a realidade...
(Adas, Melhem. In: A fome, crise ou escândalo.
São Paulo: Moderna)

I. A fome não é somente um grave problema biológico, é


fundamentalmente um sério problema político, econômico
e social.
II. O combate à fome e à miséria existentes no mundo são,
fundamentalmente, de natureza técnica e tecnológica, já que
as soluções dependem apenas de como o meio ambiente
será explorado e de quão sustentável será esse uso.
III. A fome está associada à estrutura fundiária, onde a maior
parte da terra encontra-se concentrada nas mãos de uma
minoria formando latifúndios que produzem matéria-prima
para exportação.
IV. A grande propriedade caracteriza-se por apresentar uma
agricultura voltada para a exportação, reduzindo a produção
de alimentos, aumentando a fome, a desnutrição que atinge
a grande maioria dos países subdesenvolvidos.

Está correto apenas o que se afirma em:


a) II. b) II e IV. c) III e IV.
d) III. e) I, III e IV.

Referências

Textuais
AGÊNCIA PÚBLICA. Dormir para esquecer a fome. Texto de Elvira Lobato e fotos de Ana Lúcia Araújo. Disponível em:
https://apublica.org/2019/03/dormir-para-esquecer-a-fome/. Acesso em: 25 out. 2021.
BRASIL Lei n.o 11346, de 15 de setembro de 2006. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, DF,
2006.
FREITAS, Maria do Carmo Soares de; PENA, Paulo Gilvane Lopes. Segurança alimentar e nutricional: a produção do conhecimento
com ênfase nos aspectos da cultura. Revista de Nutrição, v. 20, p. 69-81, 2007. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rn/a/tScWCNKLLh9QJtZsbRFCM4n/?lang=pt. Acesso em: 28 out. 2021.
GLOBO G1. Fome no Brasil: em 5 anos, cresce em 3 milhões o nº de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, diz
IBGE. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/17/fome-no-brasil-em-5-anos-cresce-em-3-milhoes-o-
no-de-pessoas-em-situacao-de-inseguranca-alimentar-grave-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 29 out. 2021.
HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros. Programa de Aquisição de Alimentos: limites e potencialidades de políticas de
segurança alimentar para a agricultura familiar. Sociedade & Natureza, v. 25, p. 469-483, 2013. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/sn/a/B36qfftFW6HZMBQVCX4z4Vm/abstract/?lang=pt. Acesso em: 20 out. 2021.
MONTEIRO, Carlos Augusto. A dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil. Estudos avançados, v. 17, p. 7-20, 2003.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/PcfwPvTcqcT7P4vS8KFZYjQ/abstract/?lang=pt. Acesso em: 27 out. 2021.
SILVA, J. G. A Longa Noite da Fome. COMCIÊNCIA Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, Campinas, 2021. Disponível em:
https://www.comciencia.br/a-longa-noite-da-fome/. Acesso em: 23 out. 2021.
SILVA S. P. A trajetória histórica da segurança alimentar e nutricional na agenda política nacional: projetos, descontinuidades e
consolidação. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2014. Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_19 53.pdf. Acesso em: 29 out. 2021.
TOMAZINI, Carla Guerra; LEITE, Cristiane Kerches da Silva. Programa Fome Zero e o paradigma da segurança alimentar: ascensão
e queda de uma coalizão?. Revista de Sociologia e Política, v. 24, p. 13-30, 2016. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rsocp/a/xFZp8dWHXP3T4Mhq5GstXzL/abstract/?lang=pt. Acesso em: 20 out. 2021.

Audiovisuais
A marvada carne. Direção: André Klotzel. Brasil: Tatu Filmes, 1985. 77 minutos.
Garapa. Direção: José Padilha, Brasil: Downtown Filmes, 2009. 10 minutos.

34 SOCIOLOGIA
SOCIO_3A_1semestre_JR_2022.qxp 17/12/2021 14:56 Página 35

A mulher na sociedade
4 contemporânea
Neste módulo, discutiremos algumas questões aos crimes de feminicídio e contra a impunidade que
referentes ao papel da mulher na sociedade assassinos de mulheres gozam na sociedade. Segundo
contemporânea, em especial quanto às agendas dos Estivalet e Dvoskin (2020, p. 158),
movimentos sociais e das organizações feministas. Ao
final do módulo, estamos propondo a você alguns Mesmo que os homens representem
exercícios. aproximadamente 90% das vítimas de homicídio
na América Latina, isso não significa que as
No dia 3 de junho de 2015, algumas cidades na mulheres estejam livres da violência, mas sim
que os mecanismos de controle e dominação a
América Latina reuniram milhares de mulheres em
elas impostas, simplesmente por serem
marcha como forma de protesto pelos feminicídios que
mulheres, incluem um repertório mais amplo de
ocorriam nesses lugares. A marcha, capitaneada pelas crimes que não necessariamente acabam em
mulheres argentinas, ganhou o nome de Ni Una Menos homicídio ou em outros tantos casos de
(Nem uma a menos), uma forma de dizer que nenhuma feminicídio. Podemos definir o feminicídio como
outra mulher seria vítima de assassinato por conta única a última instância de controle da mulher pelo
e exclusiva de sua condição de gênero. homem: o controle da vida e da morte. Ele se
No caso particular da Argentina, as mulheres já expressa como afirmação irrestrita de posse,
haviam protagonizado movimentos de grande impacto igualando a mulher a um objeto, quando
popular. Ao final da década de 1970, elas iniciaram um cometido por parceiro ou ex-parceiro
protesto na Praça de Maio, no centro de Buenos Aires,

123 RF
pedindo por informações sobre seus filhos
desaparecidos durante o regime militar. Essas mulheres,
vestindo lenços brancos na cabeça e portando cartazes
com as fotos de seus filhos, acabaram por chamar a
atenção internacional sobre o problema dos
desaparecidos, inspirando outros movimentos similares
no restante do mundo. Aliás, na própria Argentina,
serviram como modelo para as Avós de Maio, mulheres
cujas filhas sequestradas pelo regime militar estavam
grávidas ao tempo de suas prisões e que jamais haviam
recebido qualquer notícia do destino dos seus netos.
Figura 1. A agenda dos movimentos feministas no mundo todo
tem como base a defesa dos direitos das mulheres e da igualdade
entre os gêneros.
? Saiba mais
Qual a justificativa para criar uma categoria de crime
Sobre o tema, sugerimos que você assista ao filme A específico para o caso de assassinato de mulheres? Em
História Oficial (1985). O filme narra a revolta de uma especial, esta necessidade surgiu da constatação de que
mulher, esposa de um empresário amigo próximo de a morte de mulheres, na maior parte das vezes, não
vários militares argentinos, que passa a desconfiar decorre em consequência de crimes contra o patrimônio
que sua filha adotiva é, na verdade, filha de uma ou em defesa pessoal. Em outras palavras, mulheres
presa sequestrada e desaparecida durante o regime morrem por motivos diferentes pelos quais os homens
militar. morrem. Sobre o feminicídio na América Latina, Estivalet
e Dvoskin (2020, p. 158) identificam que os homicídios
Em relação à marcha Ni Una Menos, ela fez parte de de mulheres têm características bastante específicas:
um conjunto de lutas travadas por movimentos sociais
feministas em protesto contra a vulnerabilidade das a) a primeira refere-se aos meios empregados: há
mulheres, contra a pouca atenção que o aparato legal dá uma grande diferença numérica quanto à morte
causada por arma de fogo no que se refere aos

SOCIOLOGIA 35
SOCIO_3A_1semestre_JR_2022.qxp 17/12/2021 14:56 Página 36

homicídios femininos e masculinos; b) a segunda, As pautas dos movimentos feministas não se


diz respeito ao vínculo do agressor com a vítima: a restringem à questão do feminicídio. As estatísticas são
grande maioria das mortes é causada por pessoas unânimes em mostrar a discriminação contra as
com quem a vítima possui ou possuiu uma relação mulheres no ambiente do trabalho, e os salários mais
de afeto (marido, noivo, namorado, companheiro
baixos em relação aos homens para o exercício das
de vínculos atuais ou desfeitos quando da morte);
mesmas posições são evidências disso. Assim, a pauta
e, c) a terceira condiz à idade das vítimas:
dos movimentos feministas inclui a defesa da igualdade
observou-se uma tendência de que a faixa de risco
de homicídio tem se concentrado nas porções dos sexos, em especial da igualdade política e
mais jovens da população. econômica, a garantia das mesmas oportunidades para o
desenvolvimento pessoal e profissional e o fim do
Por conta desse contexto, os movimentos sociais domínio masculino sobre a família.
que se dedicam à luta pelos direitos das mulheres Provavelmente, você pode considerar que essa
defenderam – e ainda defendem com veemência – que agenda é quase desnecessária dado um suposto
o crime contra a mulher seja um crime tipificado, com panorama de igualdade entre homens e mulheres. No
regras e punições próprias. entanto, este suposto panorama está longe de existir.
Apenas para exemplificar, as mulheres, no Brasil,
Exemplo desse processo é a instituição de ganharam o direito ao voto apenas em 1932, direito esse
ministérios, secretarias e conselhos direcionados tornado obrigatório em 1965. Aliás, a luta pelo voto
às políticas para mulheres (mecanismos feminino, materializado pelo movimento sufragista,
institucionais para a mulher) e a criação de (movimento pela reivindicação do direito de voto às
planos, programas e políticas nacionais de mulheres) teve início ao final do século XIX, na Inglaterra,
igualdade de gênero. Paraguai, Brasil, Argentina, mas ocorreu em todos os lugares do mundo onde a
França, Honduras, República Dominicana, mulher era tida como incapaz de escolher o seu
Equador, Chile, Bolívia, Colômbia, Nicarágua e
representante político. É interessante observar que o
Venezuela são países que adotaram uma agenda
movimento sufragista recebeu um impulso decisivo por
voltada para o gênero nos últimos anos.
parte das mulheres quando da descoberta feita por elas
Conforme Matos (2010), a quarta onda do
feminismo brasileiro e latino-americano inclui as de que seus direitos só poderiam ser defendidos, do
seguintes características: 1) a institucionalização ponto de vista político, por representantes eleitos pelas
das pautas feministas e das mulheres por meio próprias mulheres.
de elaboração, implantação, monitoramento e A luta pelo direito ao voto feminino é descrita, de
avaliação de políticas públicas voltadas às forma sintética, por Fernando Limongi, Juliana de Souza
mulheres que estejam em grupos específicos Oliveira e Stefanie Tomé Schmitt, no artigo disponível
relacionados à raça, sexualidade e faixa etária, em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/FYkrhym6TpRzRf78
bem como a organização para entrada dos q7F7Mmq/?lang=pt. Acesso em: 20 nov. 2021. Neste
Poderes Executivo e Legislativo; 2) a constituição trabalho, os autores percorrem os vários momentos da
de mecanismos e órgãos executivos de
luta sufragista no Brasil, buscando identificar os
coordenação e gestão de tais práticas nas
principais marcos e as principais conquistas.
esferas federal, estadual e municipal; 3) os
resultados oriundos da institucionalização das
políticas com o surgimento de fóruns, redes
feministas e ONGs que são influenciadas tanto
pelas redes de comunicação transnacionais do
? Saiba mais
feminismo quanto pela agenda internacional das
Sobre o tema, sugerimos a você que assista ao filme
mulheres; 4) uma nova estrutura para a atuação
As sufragistas (2015). O filme narra a luta das
do feminismo em uma perspectiva trans ou
pós-nacional que decorre de um esforço
mulheres britânicas nas primeiras décadas do século
sistemático de atuação em duas frentes XX em defesa do voto feminino. Em especial, a
simultâneas que envolvem a luta anticapitalista narrativa envolve as transformações pelas quais as
e, com isso, a busca pelas articulações mulheres passam quando se envolvem com a
horizontais e a luta radicalizada no âmbito das militância sufragista.
articulações globais dos países Sul-Sul
(ESTIVALET; DVOSKIN, 2020, p. 158).

36 SOCIOLOGIA
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Principais alterações legais relativas à extensão do voto para as mulheres (1824-1965)

Data Lei Efeitos Fonte

Proibição do voto feminino. O termo


Constituição Política do Império “cidadão” não abrangia as mulheres, Constituição Política do Império do
1824
do Brazil embora o texto não as listasse nas Brazil (25 de março de 1824)
excessões do Art. 94.

Proibição do voto feminino. O texto


Constituição da República dos
Constituição da República dos constitucional não afirma explicitamente
1891 Estados Unidos do Brasil (de 24 de
Estados Unidos do Brasil que as mulheres seriam impedidas de
fevereiro de 1891)
votar no Art.70.

São eleitores os cidadãos maiores de 21


Código Eleitoral, Decreto anos, sem distinção de sexo, de acordo
Decreto n.o 21.076, de 24 de
1932 n.o 21.076, de 24 de fevereiro de com o Art. 2.o, mas o voto feminino é
fevereiro de 1932
1932, Art. 2 o. e Art. 121 definido como voluntário, por meio do
Art. 121.

O voto feminino é mantido como


Constituição da República dos
Constituição da República dos voluntário, por meio da obrigação do
1934 Estados Unidos do Brasil (de 16 de
Estados Unidos do Brasil alistamento somente para os homens,
julho de 1934)
prevista no Art. 109.

O voto feminino é voluntário para as


Lei Agamenon, Decreto-Lei Decreto-Lei n.o 7.586, de 28 de maio
1945 mulheres que não exerçam profissão
n.o 7.586, de 28 de maio de 1945 de 1945
lucrativa, conforme Art. 3.o.

O voto feminino é mantido como


voluntário para a mulher casada, aquela
Constituição dos Estados Unidos Constituição dos Estados Unidos do
1946 que não exerce profissão lucrativa, por
do Brasil Brasil (de 18 de Setembro de 1946)
meio de legislação ordinária, como
autorizado pelo Art. 133.

O voto feminino é voluntário para as


Códido Eleitoral, Lei n.o 1.164,
1950 mulheres que não exerçam profissão Lei n.o 1.164, de 24 de julho de 1950
de 24 de julho de1950
lucrativa, conforme Art. 4.o

Universalização do voto, por meio do Art.


Código Eleitoral, Lei n.o 4.737,
1965 6.o, exigindo que o alistamento e o voto Lei n.o 4.737, de 15 de julho de 1965
de 15 de julho de 1965
sejam obrigatórios para um e outro sexo.

(LIMONGI; OLIVEIRA; SCHMITT, 2020, p. 3)

Outras aberrações jurídicas e sociais também desapareceram em função das lutas dos movimentos feministas.
Assim, por exemplo, em 2003 (há menos de vinte anos, portanto), o novo Código Civil deixou de considerar a
virgindade feminina um requisito legal para o reconhecimento do casamento por parte do homem (antes dessa data,
um homem poderia pedir a anulação do casamento caso descobrisse que sua mulher havia tido relações sexuais
antes do casamento); o direito legal de um homem agir com violência em legítima defesa de sua honra (por exemplo,
quando da descoberta do adultério feminino), embora não reconhecido em cortes judiciais, ainda não foi totalmente
expurgado do nosso aparato legal; as mulheres casadas só puderam trabalhar sem a autorização prévia do marido a
partir de 1962; na verdade, até essa data elas eram proibidas de abrir uma empresa ou ter conta no banco, ou até
mesmo viajar sem o consentimento do parceiro.

SOCIOLOGIA 37
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a maioria dos pachtuns, o dia em que nasce uma

? Saiba mais menina é considerado sombrio. O primo de meu


pai, Jehan Sher Khan Yousafzai, foi um dos poucos
a nos visitar para celebrar meu nascimento e até
Em alguns países, a falta de autonomia feminina mesmo nos deu uma boa soma em dinheiro.
ainda impede que mulheres dirijam automóveis ou Levou uma grande árvore genealógica que
até mesmo estudem. Um dos nomes mais remontava até meu trisavô, e que mostrava apenas
conhecidos por conta da sua defesa pelo direito as linhas de descendência masculina. Meu pai,
feminino ao estudo é Malala Yousafzai. Paquistanesa, Ziauddin, é diferente da maior parte dos homens
nascida em 1997, foi premiada com o Prêmio Nobel pachtuns. Pegou a árvore e riscou uma linha a partir
de 2014 por conta da sua defesa dos direitos da de seu nome, no formato de um pirulito. Ao fim da
linha escreveu “Malala”. O primo riu, atônito. Meu
mulher. Numa região em que o Talibã proibia que
pai não se importou. Disse que olhou nos meus
mulheres estudassem, Malala fazia questão de ir à
olhos assim que nasci e se apaixonou. Comentou
escola. Em 2012, um homem armado disparou com as pessoas: “Sei que há algo diferente nessa
contra ela, atingindo seu rosto com um tiro. Sua luta criança”. Também pediu aos amigos para jogar
ganhou notoriedade internacional, o que a levou ao frutas secas, doces e moedas em meu berço, algo
Nobel, partilhado naquele ano com o ativista indiano reservado somente aos meninos. Meu nome foi
Kailash Satyarthi. A seguir, apresentamos um trecho escolhido em homenagem a Malalai de Maiwand,
do seu livro Eu sou Malala. a maior heroína do Afeganistão. Os pachtuns são
um povo orgulhoso, composto de muitas tribos,
dividido entre o Paquistão e o Afeganistão.
Vivemos como há séculos, seguindo um código
Paul Pickard/ Alamy/ Fotoarena

chamado Pachtunwali, que nos obriga a oferecer


hospitalidade a todos e segundo o qual o valor mais
importante é nang, a honra. A pior coisa que pode
acontecer a um pachtum é a desonra. A vergonha
é algo terrível para um homem pachtum. Temos
um ditado: “Sem honra, o mundo não vale nada”.
Lutamos e travamos tantas infindáveis disputas
internas que nossa palavra para primo – tarbur – é
a mesma que usamos para inimigo. Mas sempre
nos unimos contra forasteiros que tentam
conquistar nossas terras. Todas as crianças
pachtuns crescem ouvindo a história de como
Malalai inspirou o Exército afegão a derrotar o
britânico na Segunda Guerra Anglo-Afegã, em
1880. Malalai era filha de um pastor de Maiwand,
pequena cidade de planícies empoeiradas a oeste
de Kandahar. Quando tinha dezessete anos, seu pai
e seu noivo se juntaram às forças que lutavam para
pôr fim à ocupação britânica. Malalai foi para o
Figura 2. A paquistanesa Malala Yousafzai foi vítima, em 2012, de campo de batalha com outras mulheres da aldeia,
um atentado contra a sua vida como punição por causa de sua luta para cuidar dos feridos e levar-lhes água. Então viu
pelo direito feminino de estudar. que os afegãos estavam perdendo a luta e, quando
o porta-bandeira caiu, ergueu no ar seu véu branco
No dia em que nasci, as pessoas da nossa aldeia e marchou no campo, diante das tropas. “Jovem
tiveram pena de minha mãe, e ninguém deu os amor!”, cantou. “Se você não perecer na batalha
parabéns a meu pai. Vim ao mundo durante a de Maiwand, então, por Deus, alguém o está
madrugada, quando a última estrela se apaga. Nós, poupando como sinal de vergonha.” Malalai foi
pachtuns, consideramos esse um sinal auspicioso. morta pelos britânicos, mas suas palavras e sua
Meu pai não tinha dinheiro para o hospital ou para coragem inspiraram os homens a virar a batalha.
uma parteira; então uma vizinha ajudou minha mãe. Eles destruíram uma brigada inteira – uma das
O primeiro bebê de meus pais foi natimorto, mas piores derrotas da história do Exército britânico. Os
eu vim ao mundo chorando e dando pontapés. afegãos construíram no centro de Cabul um
Nasci menina num lugar onde rifles são disparados monumento à vitória de Maiwand. Mais tarde, ao
em comemoração a um filho, ao passo que as ler alguns livros de Sherlock Holmes, ri ao ver que
filhas são escondidas atrás de cortinas, sendo seu foi nessa batalha que o dr. Watson se feriu antes de
papel na vida apenas fazer comida e procriar. Para se tornar parceiro do grande detetive. Malalai é a

38 SOCIOLOGIA
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Joana d’Arc dos pachtuns. Muitas escolas de Se o movimento feminista tem procurado defender
meninas no Afeganistão têm o nome dela. Mas os direitos das mulheres, grupo socialmente mais
meu avô, que era professor de teologia e imã da vulnerável, uma parte dele tem se ocupado com as lutas
aldeia, não gostou que meu pai me desse esse que buscam promover os direitos de um segmento mais
nome. “É um nome triste”, disse. “Significa luto, excluído e marginalizado, qual seja, o das mulheres
sofrimento.” Quando eu era bebê, meu pai cantava
negras. Afinal, as mulheres negras vêm sendo vítimas da
uma música escrita pelo famoso poeta Rahmat
exclusão social por conta de duas condições: a de serem
Shah Sayel, de Peshawar. A última estrofe é assim:
mulheres e a de serem negras.
Oh, Malala de Maiwand, Ergue-te mais uma vez
para fazer os pachtuns entenderem o significado da
Silva e Ferreira (2017, p. 1018) indagam sobre a
honra, Tuas palavras poéticas movem mundos, Eu presença das mulheres negras nas narrativas históricas do
imploro, ergue-te mais uma vez. Meu pai contava a movimento feminista: “até que ponto os limites teóricos e
história de Malalai a toda pessoa que viesse à os caminhos metodológicos que constituem boa parte da
nossa casa. Eu a adorava, assim como amava ouvir historiografia do feminismo e da luta das mulheres da
as músicas que ele cantava para mim e a maneira primeira metade do século XX no Brasil não nos
como meu nome flutuava ao vento quando alguém permitiram, ou não nos foram suficientes, para refletir as
o chamava. (YOUSAFZAI, 2013, p. 21/23). trajetórias de lutas das mulheres negras?”. As autoras
também investigam um aspecto muito interessante da
É interessante observar que a existência de reconstrução da luta das mulheres por seus direitos, agora
movimentos feministas incomoda muitos setores da dentro do contexto específico das condições
sociedade brasileira. Isso explica a existência de uma desvantajosas dos trabalhadores no sistema capitalista.
série de críticas totalmente infundadas sobre o No começo do século XX, várias mulheres negras
movimento feminista, em especial para desqualificá-lo e aderiram ao Partido Comunista Brasileiro. Desde
deslegitimá-lo: segundo as concepções machistas, as a década de 1930, a “questão da mulher” foi
feministas odiariam os homens, não seriam femininas e integrada às temáticas próprias do marxis -
se recusariam a exercer papéis “naturalmente” a elas mo-leninismo. O comunismo pronunciava uma
destinados (como ser mãe, por exemplo). sociedade mais justa e, para isso, seria preciso
lutar contra todas as formas de exclusão. Assim,
movimentos de mulheres articulados com os
Observação: movimentos de esquerda interrogavam sobre a
Contrariamente ao que o senso comum pode sugerir, condição das mulheres e, consequentemente,
o machismo não é o correspondente masculino ao elaboravam várias críticas capazes de associar a
exploração de classe à opressão de sexo. Dessa
feminismo. O machismo é o comportamento que
forma, várias mulheres negras tiveram suas
nega o direito de igualdade entre homens e mulheres;
primeiras experiências políticas nos partidos de
o feminismo, em contrapartida, prega a igualdade esquerda e, em seguida, iniciaram suas
entre os gêneros. trajetórias no movimento de mulheres, lutando
por direitos civis e contra as desigualdades
sociais, e privilegiando ações que visavam a
melhorias nas condições de vida da população
(SILVA; FERREIRA, 2017, p. 1024).

? Saiba mais

O artigo de Tauana Olivia Gomes e Gleidiane de


Souza (disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/
gdWvZzsGdqqvg7dp8FL8RwD/abstract/?format=ht
ml&lang=pt. Acesso em: 26 nov. 2021) traz uma
excelente reconstituição da trajetória de três
mulheres negras: Maria Rita Soares de Andrade,
primeira juíza federal do Brasil; e Maria Brandão dos
Reis e Maria José Camargo de Aragão, que atuaram
de forma vigorosa na Federação de Mulheres do
Brasil (FMB) e no Partido Comunista Brasileiro (PCB),
Figura 3. O feminismo e o machismo são fenômenos em especial nos movimentos da década de 1950 em
opostos, e não diferentes versões de um mesmo
fenômeno.
defesa das mulheres mais pobres.

SOCIOLOGIA 39
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Decidi me tornar uma “feminista feliz e africana


Também sugerimos a você que assista ao filme A cor que não odeia homens, e que gosta de usar
púrpura (1985). A narrativa envolve a jornada de uma batom e salto alto para si mesma, e não para os
mulher negra na luta para escapar de uma existência homens”. É claro que não estou falando sério, só
invisível, buscando se fazer ouvir e garantir o direito queria ilustrar como a palavra “feminista” tem
de decidir sobre o seu próprio destino. Também um peso negativo: a feminista odeia os homens,
sugerimos que você veja o filme brasileiro Que horas odeia sutiã, odeia a cultura africana, acha que as
ela volta? (2015), que narra a história de uma mulher mulheres devem mandar nos homens; ela não se
nordestina que trabalha como empregada doméstica pinta, não se depila, está sempre zangada, não
em São Paulo. Adolescente, sua filha, que havia tem senso de humor, não usa desodorante.
Quando eu estava no primário, em Nsukka, uma
ficado aos cuidados da avó, vai para São Paulo para
cidade universitária no sudeste da Nigéria, no
participar de uma prova de vestibular e, ao entrar em
começo do ano letivo a professora anunciou que
contato com a vida da mãe, faz críticas à relação de iria dar uma prova e quem tirasse a nota mais alta
poder entre patrões e empregados domésticos. seria o monitor da classe. Ser monitor era muito
importante. Ele podia anotar, diariamente, o
nome dos colegas baderneiros, o que por si só já
Uma das vozes mais ativas do movimento era ter um poder enorme; além disso, ele podia
feminista negro é a da nigeriana Chimanda Ngozi circular pela sala empunhando uma vara,
Adichie, nascida em 1977. Na sua fala, não somente patrulhando a turma do fundão. É claro que o
são defendidos os ideais feministas, mas, também, os monitor não podia usar a vara. Mas era uma ideia
de uma mulher negra e africana. Tem mestrado pela empolgante para uma criança de nove anos,
Universidade Johns Hopkins e pela Universidade Yale, como eu. Eu queria muito ser a monitora da
e construiu ao longo dos anos uma carreira acadêmica minha classe. E tirei a nota mais alta. Mas, para
de muito prestígio. O seu livro Purple Hibiscus e os que minha surpresa, a professora disse que o monitor
a ele se seguiram tornaram-na uma escritora de seria um menino. Ela havia se esquecido de
esclarecer esse ponto, achou que fosse óbvio.
prestígio e reconhecida em todo o mundo.
Um garoto tirou a segunda nota mais alta. Ele
seria o monitor. O mais interessante é que o
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menino era uma alma bondosa e doce, que não


tinha o menor interesse em vigiar a classe com
uma vara. Que era exatamente o que eu
almejava. Mas eu era menina e ele, menino, e ele
foi escolhido. Nunca me esqueci desse episódio.
Se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna
normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela
se torna normal. Se só os meninos são
escolhidos como monitores da classe, então em
algum momento nós todos vamos achar, mesmo
que inconscientemente, que só um menino pode
ser o monitor da classe. Se só os homens
ocupam cargos de chefia nas empresas,
começamos a achar “normal” que esses cargos
de chefia só sejam ocupados por homens
(ADICHIE, 2020, s/p).

Como você deve ter percebido, nesse módulo


fizemos uma série de sugestões sobre filmes a serem
Figura 4. A nigeriana Chimanda Ngozi Adichie é assistidos. Tal procedimento deve-se ao fato de que o
uma das mais conhecidas vozes em defesa dos cinema vem desempenhando um papel de extrema
direitos da mulher negra.
importância na disseminação de um discurso em defesa
dos direitos das mulheres. Claro está que o cinema, como
O nome de Chimanda Ngozi Adichie aparece em atividade cultural, reverbera o que acontece na sociedade;
todas as listas de melhores escritores e de pessoas no entanto, ele não apenas torna visíveis crenças e
mais influentes no mundo, e suas palestras no TED opiniões já existentes, mas também reforça
levaram ao grande público algumas de suas ideias mais transformações significativas na maneira como vemos ou
importantes. A seguir, separamos um trecho do seu enxergamos determinados fenômenos. A título de
livro Sejamos Todos Feministas, de 2014. encerramento do módulo, e antes que você faça os

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exercícios sugeridos, recomendamos a você que assista década de 1950, em que as mulheres eram
ao filme O Sorriso de Mona Lisa (2003). A narrativa do expostas na TV fazendo atividades domésticas e
filme envolve as experiências, na década de 1950, de uma ensinando às meninas bons modos para
professora recém-formada que vai trabalhar num colégio conseguir um marido. Nisso vemos uma
construção estereotipada do corpo e da ação das
norte-americano bastante tradicional. Ao lecionar a
mulheres, que interfere na criação e na forma
disciplina de História da Arte, ela tenta estimular as alunas
como elas lidam com sua autonomia. Em dias
à reflexão sobre preconceitos, projetos de vida e sobre o
atuais ainda é bem retratada essa questão na
papel imposto pela sociedade às mulheres. Sobre o filme, Televisão quando mulheres são objetificadas em
Rodrigues Carvalhal et al. (2019, p. 3/4) comentam: programas e impostas a uma adequação social
que determina uma feminilidade corporal e uma
Um exemplo da imposição social que delimita os submissão aos homens. Hoje, em 2019, ainda
deveres da mulher é retratado no filme O Sorriso vemos várias propagandas com essa
de Mona Lisa (2003), de Mike Newell. Na obra objetificação do corpo, como em divulgação de
pode-se notar muito bem que historicamente o marcas de cerveja e cigarros.
único dever da mulher era casar e cuidar do
marido e dos filhos e, com isso, não poderia se Finalmente, sugerimos a leitura de dois livros que
formar e buscar sua autonomia, pois tinha que
convidam à reflexão sobre a condição da mulher, em
se dedicar especificamente a família. O contexto
especial a partir de pontos de vistas que não costumam
do filme é o início da década de 50, porém ainda
é possível perceber algumas das questões
ser privilegiados pela mídia.
levantadas presentes no nosso cotidiano. Como, O primeiro livro é Quarto de Despejo, de autoria de
por exemplo, a forma que as meninas ainda são Carolina Maria de Jesus, publicado pela primeira vez pela
tratadas na sociedade, ainda cumprindo um Editora Francisco Alves, em 1960, e que pode ser
propósito de constituir família e ter habilidades facilmente encontrado na web. O livro narra a vida e as
para cuidar dos seus. Ainda é comum ouvir dificuldades da autora, mulher, mãe, negra e favelada,
quando uma menina prepara uma comida boa para dar conta de prover sua família e sobreviver à
dizerem que “já pode casar” ou, ainda, se está miséria e à falta de oportunidades.
estudando “é uma menina para casar” e se não O segundo livro que lhe recomendamos é Cria da
se arrumar femininamente não conseguirá um favela: resistência à militarização da vida (2020), publicado
marido ou até mesmo o marido vai procurar
pela Boitempo e de autoria de Renata Souza. Renata
outra de acordo com o comportamento que
Souza, militante feminista negra, descreve a vida
apresenta. Essas generalizações ainda fazem
parte do nosso cotidiano, como mostrado no
comunitária da favela da Maré, no Rio de Janeiro, em
filme, e demonstra como a sociedade ainda particular no que respeita à instalação das UPPs (Unidades
estipula um “papel” a ser performado pelo de Polícia Pacificadora) no contexto das necessidades dos
gênero feminino. O filme O Sorriso de Mona megaeventos esportivos ocorridos no Brasil (Copa do
Lisa também mostra algumas propagandas da Mundo, em 2014, e Olimpíadas, em 2016).

Exercícios Propostos

 (UDESC-Modificado) – A respeito da participação das Está correto o que se afirma em:


mulheres na sociedade, ao longo da História, veja as a) I, apenas.
afirmativas a seguir: b) IV, apenas.
I. No período clássico da civilização grega, as mulheres ainda c) II e III, apenas.
não tinham direito à participação política na democracia d) II, III e IV, apenas.
ateniense. e) I, II, III e IV.
II. Durante a Idade Média, Joana d’Arc chegou a liderar as
RESOLUÇÃO:
tropas do rei da França, mas, posteriormente, acabou sendo Na democracia grega, não eram portadores do direito da
queimada como bruxa na fogueira da Inquisição. cidadania as mulheres, as crianças, os escravos e os estrangeiros.
III. Com a invenção da pílula anticoncepcional e a Revolução Joana d’Arc acabou por ser acusada de feitiçaria e, por conta
Sexual nos anos 1960, a educação feminina passou a ter disso, foi julgada e condenada à morte na fogueira. A Revolução
Sexual dos anos 1960 e a invenção da pílula anticoncepcional
como principal preocupação a preparação para o casamento
forneceram elementos para profundas críticas na concepção da
e a criação dos filhos, em detrimento da formação profissional. mulher como responsável pelo lar e pelos filhos, devendo ficar
IV. No final do século XIX, organiza-se, internacionalmente, o alheia às atividades profissionais. Os movimentos sufragistas
movimento das sufragistas que reivindicava o direito de as tiveram origem na Inglaterra, ao final do século XIX.
mulheres votarem. Resposta: E

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(PEDERNEIRAS, R. Revista da Semana, ano 35, n. 40, 15 set. 1934. In:


O suor para estar em competições nacionais e internacionais
LEMOS, R. (Org.). Uma história do Brasil através das caricaturas (1840–2001).
Rio de Janeiro. Bom Texto, Letras e Expressões, 2001.)
de alto nível é o mesmo para homens e mulheres, mas não
raramente as remunerações são menores para elas. Se no
Na imagem, da década de 1930, há uma crítica à conquista de tênis, um dos esportes mais equânimes em termos de gênero,
um direito pelas mulheres, relacionado com a todos os principais torneios oferecem prêmios idênticos nas
a) redivisão do trabalho doméstico. disputas femininas e masculinas, no futebol a desigualdade
b) liberdade de orientação sexual. atinge seu ápice. Neymar e Marta são dois expoentes dessa
c) garantia da equiparação salarial. paixão nacional. Ela já foi eleita cinco vezes a melhor jogadora
d) aprovação do direito ao divórcio. do mundo pela Fifa. Ele conquistou o terceiro lugar na última
e) obtenção da participação eleitoral. votação para melhor do mundo. Mas é na conta bancária que a
diferença entre os dois se sobressai.
RESOLUÇÃO:
No Brasil, o direito ao voto feminino foi garantido em 1930, após O esporte é uma manifestação cultural na qual se estabelecem
intensa luta das mulheres. relações sociais. Considerando o texto, o futebol é uma
Resposta: E
modalidade que
a) apresenta proximidades com o tênis, no que tange às
 “A poetisa Emília Freitas subiu a um relações de gênero entre homens e mulheres.
palanque, nervosa, pedindo desculpas por b) se caracteriza por uma identidade masculina no Brasil,
não possuir títulos nem conhecimentos, conferindo maior remuneração aos jogadores.
mas orgulhosa ofereceu a sua pena que ‘sem ser hábil, é, em c) traz remunerações aos jogadores e jogadoras, proporcionais
compensação, guiada pelo poder da vontade’. Maria Tomásia aos seus esforços no treinamento esportivo.
pronunciava orações que levantavam os ouvintes. A escritora d) resulta em melhor eficiência para as mulheres e, conse-
Francisca Clotilde arrebatava, declamando seus poemas. quentemente, em remuneração mais alta às jogadoras.
Aquelas ‘angélicas senhoras’, ‘heroínas da caridade’, e) possui jogadores e jogadoras com a mesma visibilidade,
levantavam dinheiro para comprar liberdades e usavam de seu apesar de haver expoentes femininas de destaque, como
entusiasmo a fim de convencer os donos de escravos a Marta.
fazerem alforrias gratuitamente.”
(MIRANOA, A. Disponível em: www.opovoonline.com.br. RESOLUÇÃO:
Por ser percebido como um esporte masculino, os jogadores são
Acesso em: 10 jun. 2015.) remunerados com salários mais elevados comparativamente às
As práticas culturais narradas remetem, historicamente, ao mulheres. Tal desigualdade não acontece, por exemplo, no tênis,
movimento esporte em que homens e mulheres fazem jus aos mesmos
a) feminista. b) sufragista. prêmios em dinheiro.
c) socialista. d) republicano. Resposta: B
e) abolicionista.

RESOLUÇÃO:
A questão faz referência à participação da mulher no movimento
de libertação dos escravos.
Resposta: E

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 “A participação da mulher no processo de  (2020) – “Nas últimas décadas, uma


decisão política ainda é extremamente acentuada feminização no mundo do
limitada em praticamente todos os países, trabalho vem ocorrendo. Se a participação
independentemente do regime econômico e social e da masculina pouco cresceu no período pós-1970, a intensificação
estrutura institucional vigente em cada um deles. É fato público da inserção das mulheres foi o traço marcante. Entretanto,
e notório, além de empiricamente comprovado, que as essa presença feminina se dá mais no espaço dos empregos
mulheres estão em geral sub-representadas nos órgãos do precários, onde a exploração, em grande medida, se encontra
poder, pois a proporção não corresponde jamais ao peso mais acentuada.”
relativo dessa parte da população.” (NOGUEIRA, C. M. As trabalhadoras do telemarketing:
(TABAK, F. Mulheres públicas: participação políticas e poder. uma nova divisão sexual do trabalho?
Rio de Janeiro: Letra Capital, 2002.) In: ANTUNES, R. et al. Infoproletários: degradação real do
trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.)
No âmbito do Poder Legislativo brasileiro, a tentativa de
reverter esse quadro de sub-representação tem envolvido a A transformação descrita no texto tem sido insuficiente para o
implementação, pelo Estado, de estabelecimento de uma condição de igualdade de
a) leis de combate à violência doméstica. oportunidade em virtude da(s)
b) cotas de gênero nas candidaturas partidárias. a) estagnação de direitos adquiridos e do anacronismo da
c) programas de mobilização política nas escolas. legislação vigente.
d) propagandas de incentivo ao voto consciente. b) manutenção do status quo gerencial e dos padrões de
e) apoio financeiro às lideranças femininas. socialização familiar.
c) desestruturação da herança patriarcal e das mudanças do
RESOLUÇÃO: perfil ocupacional.
O apoio legal e financeiro às candidaturas femininas são formas
d) disputas na composição sindical e da presença na esfera
de incentivar e proteger a participação das mulheres no Poder
Legislativo. político-partidária.
Resposta: E e) exigências de aperfeiçoamento profissional e de habilidades
na competência diretiva.

RESOLUÇÃO:
O aumento da participação da mulher no mercado de trabalho se
fez acompanhar pelo aumento da precarização da atividade
feminina. Isso se dá, em grande parte, porque a estrutura patriarcal
da sociedade brasileira ainda percebe o trabalho da mulher como
menos importante do que o do homem. Ainda, a posição de
submissão econômica da mulher faz com que seu trabalho não seja
visto como o de alguém responsável pelo arrimo da família; ao
contrário, é visto apenas como complementação da renda familiar,
fenômeno que não é confirmado pelos dados estatísticos.
Resposta: B

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 (PPL-2019) – “O feminismo teve uma relação


direta com o descentramento conceitual do
sujeito cartesiano e sociológico. Ele
questionou a clássica distinção entre o ‘dentro’ e o ‘fora’, o
‘privado’ e o ‘público’. O slogan do feminismo era: ‘o pessoal
é político’. Ele abriu, portanto, para a contestação política,
arenas inteiramente novas: a família, a sexualidade, a divisão
doméstica do trabalho etc.”
(HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.
Rio de Janeiro: DP&A, 2011. Adaptado.)

O movimento descrito no texto contribui para o processo de


transformação das relações humanas, na medida em que sua
atuação
a) subverte os direitos de determinadas parcelas da sociedade.
b) abala a relação da classe dominante com o Estado.
c) constrói a segregação dos segmentos populares.
d) limita os mecanismos de inclusão das minorias.
e) redefine a dinâmica das instituições sociais.

RESOLUÇÃO:
Ao defender os direitos das mulheres, o feminismo estabelece
uma nova dinâmica entre os agentes sociais. Isso ocorre pois o
feminismo tem, em sua pauta, o questionamento de direitos que
emergem das relações das mulheres com os homens, das
mulheres com a sociedade de forma geral e das mulheres com as
instituições.
Resposta: E

Referências

Textuais
ADICHIE, Chimanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução de Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras,
2020.
CARVALHAL, Julia Alves Rodrigues et al. O papel da mulher na sociedade contemporânea: perspectivas e
enfrentamentos. In: 10ª JICE Jornada de Iniciação Científica e Extensão. 2019. Disponível em:
https://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/jice/10jice/paper/view/9980. Acesso em: 26 nov. 2021.
ESTIVALET, Anelise Gregis; DVOSKIN, Gabriel. Das ruas ao parlamento: efeitos de sentido das pautas feministas no
âmbito político. O público e o privado, v. 18, n. 37 set/dez, 2020. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/
opublicoeoprivado/article/view/3999. Acesso em: 26 nov. 2021.
LIMONGI, Fernando; OLIVEIRA, Juliana de Souza; SCHMITT, Stefanie Tomé. Sufrágio universal, mas... só para
homens. O voto feminino no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 27, 2020. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rsocp/a/FYkrhym6TpRzRf78q7F7Mmq/?lang=pt. Acesso em: 20 nov. 2021.
SILVA, Tauana Olivia Gomes; FERREIRA, Gleidiane de Sousa. E as mulheres negras? Narrativas históricas de um
feminismo à margem das ondas. Revista Estudos Feministas, v. 25, p. 1017-1033, 2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ref/a/gdWvZzsGdqqvg7dp8FL8RwD/abstract/?format=html&lang=pt. Acesso em: 26 nov. 2021.
YOUSAFZAI, Malala. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã
/ Malala Yousafzai com Christina Lamb. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Audiovisuais
A cor púrpura. Direção: Steven Spielberg. Estados Unidos: Warner Bros.; Amblin Entertainment, (1985). 154 minutos.
A história oficial. Direção: Luis Puenzo. Argentina: Marcelo Piñeyro, (1985). 112 minutos.
As sufragistas. Direção: Sarah Gavron. Reino Unido: Pathé, (2015). 106 minutos.
O Sorriso de Monalisa. Direção: Mike Newell. Estados Unidos: Columbia Pictures, (2003). 119 minutos.
Tomates verdes fritos. Direção: Jon Avnet. Estados Unidos: Act III Communications; Avnet/Kerner Productions;
Electric Shadow Productions, (1991). 136 minutos.
Que horas ela volta? Direção: Anna Muylaert. Brasil, (2015). 114 minutos.

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