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Ruy Moreira
(Orientador)
Ruy Moreira
(Orientador)
284 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2009.
CDD 320.1209811
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Dedicatória
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Agradecimentos
Esta tese é resultado de um trabalho coletivo e creio que por isto foi possível
realizá-la. Portanto a lista de agradecimentos é longa. Agradecemos:
À Universidade Federal do Acre pela liberação para cursar o doutorado e aos
colegas professores do Departamento de Economia da UFAC.
À CAPES pela bolsa de pesquisa.
Ao programa de pós-graduação em economia da UFF, onde fui aluna especial do
doutorado no 2º semestre de 2005. À coordenadora daquele período, professora Carmén
Feijó e a professora Hildete Melo, da qual fui aluna. Ao professor Antônio Maria da
Silveira (in memoriam) por ter-me aceito como orientanda.
Ao programa de pós-graduação em Geografia da UFF, por nos permitir um
ambiente acadêmico democrático. A estrutura dos seminários de tese do programa
permite uma orientação coletiva ao trabalho de tese, algo muito enriquecedor. Aos
professores do PPGEO-UFF dos quais fui aluna: Ruy Moreira, Rogério Haesbaert,
Márcio Piñon, Carlos Alberto Franco da Costa, Ivaldo Lima.
Ao professor Ruy Moreira por ter-me aceito como sua orientanda. Agradecer por
sua confiança, respeito e autonomia no trabalho da tese e pela perspectiva de trabalhos
futuros.
Ao professor Victor O. Martín Martín (Universidade de La Laguna), por seu
incentivo, discussões e apoio. As pesquisas e produção do professor Víctor e demais
professores e participantes do GISAS (Grupo de Investigação sobre o
Subdesenvolvimento e Atraso Social), representam para nós um grande incentivo e
exemplo de como aplicar a ciência a serviço dos trabalhadores.
Aos professores, Ivaldo Lima e Virgínia Fontes, por terem participado da
releitura crítica do projeto, da qualificação e da defesa da tese. Tive a alegria de ser
aluna de ambos. Dizer a Virgínia que aprendi com ela um excelente método de estudo e
de ensino. Ao Ivaldo, por sua disponibilidade em ceder livros e materiais e por suas
excelentes aulas.
Ao professor Márcio Piñon, por seu apoio quando esteve na coordenação do
PPGEO/UFF. Agradecer pelas conversas instigantes, esclarecimentos e desafios que
muitas vezes colocou. Sua maneira de ser rompe com a arrogância e o elitismo com o
qual muitos se apresentam na academia.
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À professora Maria de Jesus Morais (UFAC), pela revisão do trabalho,
confecção de quadros e tabelas, formatação do texto e elaboração dos painéis e
principalmente por ter me apresentado o curso do Doutorado em Geografia da UFF.
A Myris Silva por ter contribuído de forma decisiva com o levantamento de
dados e informações e pelas conversas esclarecedoras.
Ao professor Marcelo Mendonça (UFC), pelo seu apoio e por muitas vezes ter
me esclarecido que eu estava no caminho certo para realizar uma tese em geografia,
quando eu estava insegura com minha origem de ser formada em Economia.
Ao professor Antônio Carlos Diegues (USP), pelo incentivo em seguir adiante e
por sua coragem em tratar o tema das ONGs ambientalistas.
Ao professor Aluízio Lins Leal (UFPA), pelo incentivo e colaboração e pela
longa conversa que tivemos na SBPC de Belém (julho de 2007) que permitiu excelentes
dicas na metodologia e levantamentos de dados do trabalho.
Ao professor Frederico Mendes Arruda (UFAM) pelas esclarecedoras conversas
sobre os problemas de apropriação de recursos na Amazônia.
À Claudia Cunha, pela disponibilidade e generosidade em ceder materiais da
pesquisa.
Às professoras Regina e Vera pela leitura e tradução dos textos.
A Claudio Cavalcante pela confecção dos mapas.
À Stephanie Maia pela confecção dos painéis de foto.
Às professoras Alexandrina Luz Conceição (UFS) e a Helena Mesquita (UFC),
pelas discussões e apoio ao trabalho.
A Edson Santos, amigo e companheiro de estudos, pela solidariedade.
Gostaria de agradecer especialmente a Elissandro Costa pelo trabalho como
barqueiro, guia, fotógrafo e informações na pesquisa de campo da área norte do Parque
Nacional da Serra do Divisor – PNSD.
À Dercy Telles de Carvalho Cunha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Xapuri, pelos esclarecimentos, longas conversas e apoio na pesquisa de
campo na Resex Chico Mendes. Sua postura combativa de defesa dos interesses dos
trabalhadores, ao lutar contra todo o aparelho estatal, têm proporcionado aos
camponeses de Xapuri novas esperanças de luta pela terra.
A todos os camponeses que nos receberam em suas casas e a todos os
entrevistados, porque suas informações foram fundamentais para a realização da tese.
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Pela parte referente à logística e apoio gostaria de agradecer:
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Resumo
Esta tese trata do problema das ações das ONGs no campo ambiental. Definimos
sua atuação como agentes táticos da estratégia estabelecida por organizações do
imperialismo, principalmente estadunidense, em termos de uma geopolítica da
biodiversidade para os países detentores de florestas tropicais tendo, como foco
importante, a Amazônia. Para tanto as ONGs passaram a ser as principais formuladoras,
gestoras e implementadoras de uma política ambiental do imperialismo que resultou na
reconfiguração do espaço agrário da Amazônia brasileira.
Tratamos da ação das ONGs como um fenômeno, o onguismo, e analisamos suas
ações a partir da bibliografia pesquisada sobre a ação das grandes ONGs ambientalistas.
A elaboração das políticas executadas pelas ONGs foi definida a partir da agenda
traçada para a conservação ambiental pela principal organização do imperialismo
estadunidense, a USAID. Esta política visa a obtenção de grandes áreas de reserva, sob
a categoria de unidades de preservação, para a obtenção de recursos para o uso da
indústria da biotecnologia e uso futuro de terras em função do interesse do
imperialismo.
No estado do Acre definimos o estudo de projetos de três ONGs locais, o
PESACRE, CTA e SOS Amazônia, por sua importância na implementação de projetos
financiados e ditados por organizações do imperialismo, e por sua vinculação com o
governo estadual do PT, no executivo estadual desde 1999, ancorado no discurso da
sustentabilidade e na apresentação da constituição da RESEX Chico Mendes como
solução do problema da terra e de modelo para a reforma agrária na Amazônia.
Para analisar o problema da terra pesquisamos a situação dos camponeses de
duas unidades de conservação no Acre, o Parque Nacional da Serra do Divisor e a
RESEX Chico Mendes. Em ambas encontramos os camponeses submetidos a relações
de trabalho e produção semifeudais, submetidos à tutela do Estado e perseguidos por
órgãos da polícia ambiental e, além de serem criminalizados por danos ao meio-
ambiente, correm o risco de serem retirados da terra onde vivem e produzem.
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The geopolitics of the NGOs' enviromentalism in the Brazilian Amazonia: a
research about the state of Acre
Abstract
This work approaches the problem of the NGOS' activities in the environmental
field. We define their performance as tactic agents of a strategy created by organisations
from imperialism, mostly from the USA, as a geopolitics on the biodiversity for the
countries which hold the rain forests having, as an important focus, the Amazonia. The
NGOs became the main formulators, supervisors and instruments of an environmental
policy of imperialism which resulted in reshaping the agrarian space of the Brazilian
Amazonia.
We consider the NGOs activities as a phenomenon, the onguismo, and we
analyse their actions according to the bibliography researched on the performance of the
big environmental NGOs. The elaboration for the policies accomplished by the ONGs
has been defined according to the agenda outlined for the environmental preservation by
the main organisation of the USA imperialism, the USAID. Such a policy aims to obtain
large reserve areas under the category of preservation units in order to obtain the
resources for the use of the biotechnology industry and the future use of the lands in
accordance with the imperialism interest.
In the state of Acre we have defined the study of the projects of three local
ONGs: PESACRE, CTA and SOS Amazonia because of their importance in
implementing projects financed and commanded by USA organisations as well as by
their link to the PT state government in power since 1999 and which is anchored in a
speech of sustentability, besides presenting the RESEX Chico Mendes constitution as a
solution for the land problem and as a model for the agrarian reform in Amazonia.
For better analysing the land question we have researched the peasants problems
in two preservation units in Acre, the Parque Nacional da Serra do Divisor and the
RESEX Chico Mendes. In both cases we have found peasants submitted to semi-feudal
work relations and production, subordinated to the State and persecuted by the
environmental police sections. The peasants besides being criminalised for damages to
the environment are risked to be expelled from the land where they live and produce.
Key words: imperialism, NGOs, geopolitics, Amazonia, biodiversity, landownership,
peasantry.
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SUMÁRIO
Resumo...........................................................................................................................09
Abstract..........................................................................................................................10
Apresentação do trabalho.........................................................................................................24
Conclusão..................................................................................................................................274
Referências bibliográficas........................................................................................................282
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Lista das ilustrações
Tabelas
Tabela 09 – Doações recebidas pelo IMAZON (R$) – 2003 a 2007 .......................... 142
Gráficos
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Quadros
Figuras e Fotos
Foto 03 – Sr. José Cabral da Silva e Sra. Josineide da Silva Lima, casal da Colônia
Isaura, do Seringal Nova Esperança, multados em 70.000 reais durante a “Operação
Reserva Legal” do IBAMA, em dezembro de 2008 ................................................... 240
Foto 05 – Crianças de famílias Nukini que lutam por terra na área do Parque Nacional
da Serra do Divisor ...................................................................................................... 247
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Foto 07 – Ambulância do hospital municipal de Porto Walter ................................... 260
Mapas
Painel de Fotos
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Lista de siglas
AAEMA – Associação Amazônica de Educação para Preservação do Meio Ambiente
AARITI – Associação dos Amigos do Rio Itiguira
AARPA – Associação dos amigos do Rio Paraguai
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
ABEPLOAR – Associação Brasileira de Ecologia e Prevenção da poluição do ar - MT
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
ABRASSA – Associação brasileira profissionalizante cultural e de preservação do meio
ambiente
AC – Estado do Acre
ACESMAR – Associação Cultural e Eco-Social do Médio Araguaia
ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazônia
ADE – Associação diamantinense de ecologia
ADEPAN – Associação de defesa do pantanal
ADERCO – Associação de defesa do Rio Coxipó
AEMA – Associação ecológica e meio ambientalista
AESCPAN – Associação eco-cultural do Pantanal
AEVCV: Associação Ecológica Vamos Colorir o Verde
AGUA – Amigos para gestão e uso da água
AHS – American Hospital Supply Corporation
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AIPE - Associação de Instituições de Promoção e Educação
AITA - Associação Intercomunitária do Tapajós de Itapuama e Marituba
AMAPAN – Associação Amazonense de Proteção Ambiental
AME – Associação Mato-grossense de ecologia
AMEC – Associação ecológica melgassense
AMISCONDE- Amsted Conservation and Development Initiative
AMPARA – Associação Mato-grossense de proteção e recuperação ambiental
AMOPREX – Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes de
Xapuri
APACC: Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes
APAEX – Associação dos Produtores Agroextrativistas dos Seringais São Miguel, São Jose e
Equador
APBA - Associação dos Pesquisadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-
Atmosfera da Amazônia
APD - Ajuda Pública ao Desenvolvimento
APLUB – Agroflorestal Amazônia
APS – Associação Pantanal saudável
ARARA - Associação regional dos amigos do Rio Araguaia
ARCA – Associação para recuperação e conservação do ambiente
ARPA – Programa Áreas Protegidas da Amazônia
ASDEMA – Associação saltocensense de defesa do meio ambiente
ASEPADE – Assessores para o desenvolvimento
ASMIPRUT - Associação de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do
Rio Tapajós
ASPAR – Associação de Pescadores Artesanais de Porto de Moz
ASPRUVE – Associação de Produtores Rurais Vencedoras
ASOSPAN – Associação SOS Pantanal
AV – Associações Voluntárias
AVICA – Associação pela vida ambiental e cultural
AVINA – Fundação Suíça pelo Meio Ambiente
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AWF – Fundação da Vida Selvagem Africana
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COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
COOPERACRE – Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre
COOPERFLORESTA – Cooperativa de Produtos Florestais Comunitários
CPATU - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária: Amazônia Oriental
CPDA - Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
CPI – Comissão Pró-Índio
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CTA – Centro de Trabalhadores da Amazônia
CVC - Centro de Valorização da Criança
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FLACSO - Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais,
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNMA – Fundo Nacional de Meio Ambiente
FNO – Fundo Norte
FNUAP - Fundo de População das Nações Unidas,
FORMAD – Fórum Mato-grossense de meio ambiente e desenvolvimento
FSC – Forest Stewardship Council
FSC-Brasil – Conselho Brasileiro de manejo Florestal
FSCAVSOL – Fundação sócio-cultural ambiental Vale do Sol
FUNATURA – Fundação Pró-Natura
FUNBIO – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade Brasileira
FUNDAC: Fundo de Desenvolvimento e de Ação Comunitária
FUNDHAM – Fundação de desenvolvimento humano e ambiental
FUNTAC – Fundação de Tecnologia do Acre
FVPP - Fundação Viver Produzir e Preservar
FVA – Fundação Vitória Amazônia
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IEA – Instituto de Estudos Amazônicos
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
IEF – Instituto Estadual de Florestas
IFPRI – International Food Policy Research Institute
IESCBAP – Instituto ecológico e sócio-cultural da Bacia Platina
IESCCAN – Preservar a Natureza/Melhorar a Qualidade de Vida
IESPOAR – Instituto eco-social do Pontal do Araguaia
IHAO – Instituto holístico de agricultura orgânica
IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura,
IIRSA – Plano de Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul
IMAC – Instituto de Meio Ambiente do Acre
IMADEA – Instituto mato-grossense de direito e educação ambiental
IMAFLORA - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia
INBIO – Instituto Nacional de Biodiversidade da Costa Rica
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INCUPO – Instituto de Cultura Popular
INDEMA – Instituto de defesa do manso
INDES - Instituto de Desenvolvimento Social e Promoção Humana
INESC – Instituto de Estudos Sócio Econômicos
INFOTERRA – Sistema Internacional de Referência
INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
INSESEC – Instituto sócio-eco-cultural do Araguaia
IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
IPEA – Instituto de Pesquisa Aplicada
IPEM – Instituto de pesquisa mato-grossense
IPRU – ONG de apóio às bases
ISEA – Instituto Superior de Estudos Amazônicos
ITAF – Instituto de pesquisa e tecnologia ambiental
ITTA – International Tropical Timber Agreement
ITTO – Organização Internacional de Madeiras Tropicais
ITV – Instituto terra viva
IUCN – União Internacional para a Conservação da natureza
IUFRO – The Global Network for Forest Science Cooperation
19
MVV: Movimento Verde Vivo
PA - Pará
PAD – Projeto de Assentamento Dirigido
PAE – Projeto de Assentamento Extrativista
PAF – Projeto de Assentamento Florestal
PDC – Programa de Desenvolvimento Comunitário
PDS – Projeto de Assentamento de Desenvolvimento Sustentável
PESACRE - Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais
PFCA - Produtores Florestais Certificados na Amazônia
PFNMs – Produtos Florestais Não Madeireiros
PGC – Programa Grande Carajás
PIB – Produto Interno Bruto
PIN - Programa de Integração Nacional
PLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia
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PMACI – Programa de Proteção ao Meio Ambienta e às Comunidades Indígenas
PMR – Programa de Mares Regionais
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNSD – Parque Nacional da Serra do Divisor
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
POEMA – Centro de Ação para o Desenvolvimento Sustentável
POEMA(R) – Pobreza e Meio Ambiente
POEMATEC - Comércio de Tecnologia Sustentável para a Amazônia
POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
POLONOROESTE - Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil
PPG7 – Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do G-7
PPGEO – Programa de Pós-Graduação em Geografia
PROBIO – Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica
Brasileira
PRODESUS – Pró-desenvolvimento sustentável
PRODETAB – Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuária para
o Brasil
PRONABIO – Programa Nacional de Diversidade Biológica
PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras
PSA: Projeto Saúde e Alegria
PT – Partido dos Trabalhadores
PV – Partido Verde
PZ – Parque Zoobotânico
SC – Sociedade Civil
SADEP – Sociedade ambientalista de defesa do Pantanal
SAFs – Sistemas Agroflorestais
SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia
SDDH: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SEANPS – Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas
SEARA: Sociedade de Estudos e Aproveitamento dos Recursos da Amazônia
SEATER – Secretaria de Assistência Técnica e Extensão Agroflorestal do Acre
SEDUMA – Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
SEF - Secretaria Executiva de Florestas do Acre
SEFE – Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo do Acre
SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SEMARO – Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia
SENPAS - Secretariado Nacional de Pastoral Social
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SEPLANDS – Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável
SIL – Instituto Lingüístico de Verão
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia
SMEMA – Secretaria de Minas e Energia e meio Ambiente do Maranhão
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SOAGRO – Sociedade Agroindustrial de Camarituba-Beira
SOENORT – Sociedade de preservação ecológica de Nortelândia
SOPREN: Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais da Amazônia
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
UC – Unidades de Conservação
UE – União Européia
UF – Universidade da Flórida
UFAC – Universidade Federal do Acre
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFRJ – Universidade federal do Rio de Janeiro
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNB – Universidade de Brasília
UNCED – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
UNCTAD – Conferência das Nações Unidades para o Comércio e o Desenvolvimento
UNDRO – Unidos para o Socorro em Caso de Catástrofe
UNEP – Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNI – União das Nações Indígenas
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIECO – Integrar o homem e suas atividades ao meio natural
UNIPOP: Universidade Popular.
UNITAS - Instituições para o Trabalho de Ação Social
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
UNIDO - Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
UNODC – Escritório das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas e
Prevenção ao Crime
UNV - Voluntariado das Nações Unidas
UPU - União Postal Universal
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USAID – Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos da América
USDA – United States Departament of Agriculture
USP – Universidade de São Paulo
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VITA – Entrepises Works
YU - Yale University
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Apresentação do trabalho
1
http://www.rebelion.org/hemeroteca/brasil/030706correia.htm, em 06/07/2003
2
Escutei pela primeira vez esta expressão do professor Ruy Moreira (PPGEO / UFF)
24
SOS Amazônia. Procuramos na pesquisa de campo o conhecimento da realidade sobre
as condições de vida da população de duas unidades de conservação no estado do Acre:
o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e a Reserva Extrativista Chico Mendes
(RESEX Chico Mendes). A escolha do Acre se justifica por ser este estado um
importante local de projetos das ONGs na região Amazônica. Sobre as duas unidades de
conservação pesquisadas a primeira escolha, o PNSD, por conta da atuação da SOS
Amazônia com uma das maiores ONGs da conservação, a The Nature Conservance –
TNC. Já a RESEX Chico Mendes, por sua importância no cenário de constituição de
unidades de conservação, comumente apresentada como a solução do problema da terra
na Amazônia.
3
Esta pergunta foi realizada pelo professor Ivaldo Lima (PPGEO / UFF) no Seminário de Releitura
Crítica do projeto de tese na UFF em novembro de 2008.
25
outras atividades que o imperialismo pretenda desenvolver. Esta reconfiguração do
espaço agrário da Amazônia traz graves conseqüências para as populações camponesas,
ribeirinhas, extrativistas, castanheiros, pequenos agricultores e tantos outros que
habitam as florestas e as margens dos rios amazônicos.
Este trabalho está composto por seis capítulos. No primeiro, Categorias de
Análise, apresentamos as categorias teóricas que elegemos no trabalho da tese.
O segundo, As políticas ambientais do imperialismo para a Amazônia, trata da
formação das políticas ambientais dos países imperialistas, principalmente
estadunidense, onde procuramos expor o histórico destas políticas e de como as ONGs
passaram a ter o papel principal de executoras e gestoras do que denominamos de
política ambiental do imperialismo.
No terceiro capítulo, ONGs: novos agentes do imperialismo, trabalhamos sobre
o papel que as ONGs cumprem em escala mundial e das ações das ONGs
ambientalistas. Neste capítulo também abordamos o conceito de “capitalismo da
piedade” de Hancock (1991) sobre o caráter da ajuda humanitária no capitalismo.
O quarto capítulo, O onguismo como nova estratégia geopolítica na Amazônia,
procuramos mostrar as origens do ambientalismo ongueiro no Brasil e expomos um
quadro das principais ONGs ambientalistas da Amazônia a partir de suas relações com
as organizações doadoras de recursos, dos objetivos e projetos executados pelas ONGs.
No quinto capítulo, As ações do ambientalismo ongueiro no Acre, nos
baseamos na exposição dos projetos e ações das três principais ONGs, do campo
ambiental, no estado do Acre: PESACRE, CTA e SOS Amazônia. Nosso objetivo foi
expor sobre as vinculações com as organizações parceiras e principais financiadoras
destas organizações, procuramos demonstrar as relações destas ONGs com organizações
do imperialismo e suas estratégias de ações no campo do que denominamos do
ambientalismo ongueiro.
O sexto capítulo, As conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo
ongueiro no estado do Acre, buscamos tratar do problema da terra no Acre e suas
conseqüências sobre a vida dos camponeses de dois locais que pesquisamos: o Parque
Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes. Abrangemos este
problema no contexto das políticas desenvolvidas pelas ONGs ambientalistas como
executoras da política ambiental que resultou em uma reconfiguração do espaço agrário
da Amazônia. No Acre a constituição da Reserva Extrativista Chico Mendes foi
colocada como exemplo e modelo de solução do problema da terra ao ser denominada
26
como a “reforma agrária da Amazônia”. Partimos do entendimento da luta classista
desencadeada pelo movimento dos seringueiros acreanos em sua luta pela terra e a
posterior aliança que este movimento efetuou com as ONGs e as conseqüências disso
em relação à luta pela terra no estado.
27
Capítulo 1 – Categorias de análise
A questão agrária, tomada principalmente sob a ótica dos países dominados pelo
imperialismo, pode ser formulada como o problema da distribuição e da propriedade da
terra, ou seja, da contradição entre latifúndio e campesinato sem terra ou com pouca
terra. Por ser o problema agrário o principal impedimento ao desenvolvimento das
28
forças produtivas dos países pobres, Martín Martín (2007 a) desenvolve uma geografia
da atualidade da questão agrária no mundo hoje. Para tanto, parte dos pressupostos
marxistas da questão agrária, do conceito de Capitalismo Burocrático desenvolvido por
Mao TseTung e reafirma o conceito como definido por Guzmán :
29
problema da terra como ocorreu com as revoluções democrático-burguesas, nos países
imperialistas, e com as revoluções proletárias, a partir da Revolução Russa de 1917,
como também na China, a partir de 1949, e nos países do Leste Europeu.
A partir de 1917 encerra-se a fase das revoluções democrático burguesas porque
nos países dominados as burguesias nativas foram submetidas ao domínio imperialista
e, do ponto de vista político, não conseguem protagonizar e dirigir revoluções em seus
países (LÊNIN, 2000 [1916 ]). A tarefa da solução do problema da terra nos países
dominados (semi-coloniais e semi-feudais) ficará a cargo do proletariado em aliança
com os camponeses e a pequena burguesia e burguesia nacional em uma revolução de
novo tipo, denominado no maoísmo de revolução de nova democracia. Nesta
contextualização Martín Martín (2007a) realiza uma categorização dos países de acordo
com a permanência ou não da questão agrária:
30
Neste último caso o resultado é um capitalismo atrasado (capitalismo
burocrático), baseado na combinação de formas do sistema de pagamento em trabalho e
o tipicamente capitalista. Um capitalismo agrário com um grande peso da
semifeudalidade, ou seja, preso aos grandes proprietários de terra, conforme Martín
Martín (2007 b, p.6):
31
característica principal é que se constituíram em leis de compra e venda de terras,
inclusive as de forma associativa. Aqui um aspecto importante é o endividamento e a
hipoteca de terras do pequeno produtor. Estes dois fatores reportam Martín Martín
(2007a) à obra de Marx sobre a Luta de Classes na França, quando da análise deste
sobre os camponeses franceses, em 1850, coloca que o título de proprietário da terra é o
“talismã com que o capital fascina o camponês e que com isto o afasta do proletariado”.
Martín Martín, citando Marx, aponta como solução do problema da terra que o
camponês necessita de uma “república vermelha, necessita da ditadura do proletariado,
necessita unir-se ao proletariado para combater, somente assim poderá encontrar seu
destino histórico” (MARTÍN MARTÍN, 2007a, p.53).
1.2 – Imperialismo
32
imperialismo abrange as seguintes características fundamentais: 1) concentração da
produção e do capital atingindo um grau de desenvolvimento tão elevado que origina os
monopólios cujo papel é decisivo na vida econômica; 2) surgimento do capital
financeiro resultado da fusão do capital bancário e do capital industrial; 3) a exportação
de mercadorias perde importância para a exportação de capitais; formação de uniões
internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo entre si; 4) partilha
territorial do mundo entre as maiores potências capitalistas (LÊNIN, 2000 [1916 ], p.67-
68).
A história do aparecimento dos monopólios é resumida por Lênin (op.cit.) nas
seguintes fases: 1) as décadas de 1860 e 1870, períodos da livre concorrência, os
monopólios estavam em fase embrionária; 2) depois da crise de 1873, longo período de
desenvolvimento dos cartéis, os quais ainda constituem apenas uma exceção, não são
ainda sólidos; 3) ascenso ao final do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis
passam a ser uma das bases de toda a vida econômica e formaram os monopólios. Os
cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de
pagamento, repartem os mercados de venda, fixam quantidades de produtos a fabricar,
estabelecem os preços, distribuem os lucros entre as diferentes empresas (LÊNIN, 2000
[1916 ], p.17).
Lênin (op.cit) retira do economista alemão Kestner as estratégias que as
empresas cartelizadas desenvolvem: 1) privação de matérias-primas; 2) privação de
mão-de-obra que ocorrem até em acordos dos sindicatos de trabalhadores com os
cartéis; 3) privação de meios de transporte; 4) privação de possibilidades de vendas; 5)
acordo com os compradores para que estes mantenham relações comerciais apenas com
os cartéis; 6) diminuição sistemática dos preços (chegando até os níveis menores que os
preços de custo); 7) privação de créditos; 8) declaração de boicotes (LENIN, op.cit,
p.20).
Na era do capital monopolista ocorre a união de monopolistas em todos os
países de capitalismo avançado, e também situação monopolista de uns poucos países
ricos, nos quais a acumulação de capital alcança grandes proporções, constituindo um
enorme excedente de capitais nestes países. Na era dos monopólios impera a exportação
de capitais, ao contrário do período da concorrência quando o predomínio era da
exportação de mercadorias. Lênin (2000 [1916 ] ) ressalta que o século XX marcou o
ponto de virada do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral
para a dominação do capital financeiro. Na primeira década deste período os quatro
33
países mais ricos de então (Inglaterra, França, EUA e Alemanha) possuíam 80% do
capital financeiro mundial (idem, p.46-47). A supremacia do capital financeiro sobre
todas as outras formas do capital significa a hegemonia dos que vivem dos rendimentos
financeiros; significa uma situação privilegiada de um pequeno número de Estados
financeiramente poderosos.
A partilha do mundo entre as grandes potências imperialistas é relatada por
Lênin a partir de estudos de alguns autores sobre a expansão das possessões dos Estados
europeus no período de 1884 a 1900: a Inglaterra adquiriu durante esse período
3.700.000 milhas quadradas com uma população de 57 milhões de habitantes; a França,
3.600.000 milhas quadradas com 36,5 milhões de habitantes; a Alemanha 1.000.000 de
milhas quadradas com 14,7 milhões de habitantes; a Bélgica, 900.000 milhas quadradas
com 30 milhões de habitantes; Portugal, 800.000 milhas quadradas com 9 milhões de
habitantes (HOBSON apud LÊNIN, op.cit. p. 59-60).
Uma das conseqüências do imperialismo é a partilha do mundo entre os países
ricos conforme demonstraram os autores que estudaram características e conseqüências
do período inicial do colonialismo imperialista, como a tabela 01 reproduzido por Lênin
(2000[1916]) do geógrafo A. Supan:
34
imperialista origina também formas transitórias de dependência estatal, que ele
denomina de semi-colonial:
(...) Para esta época (do imperialismo, NCC) são típicos não só os dois grupos
fundamentais de países – os que possuem colônias e as colônias -, mas também as
formas variadas de países dependentes que, de um ponto de vista formal, político,
gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da
dependência financeira e diplomática (LÊNIN, op.cit, p.65).
35
política da República. Davis acertadamente conclui que “cada seca global foi o sinal
verde para uma corrida imperialista pela terra”, e cita vários exemplos. A seca sul-
africana de 1877 foi a oportunidade de Carnarvon para atacar a independência zulu; a
fome etíope de 1889-91 foi o aval de Crispi para construir um novo Império Romano no
Chifre da África. A Alemanha guilhermina explorou as inundações e a seca que
devastaram Shandong (China) no final da década de 1890; os EUA usaram a fome e a
doença causadas pela seca como armas para esmagar a República das Filipinas de
Aguinaldo. Davis problematiza e dá respostas a três perguntas fundamentais: 1) o papel
da natureza na história sangrenta da fome; 2) o que movimenta a grande rota da seca e,
3) a existência de uma periodicidade intrínseca da seca (DAVIS, 2002).
Davis (2002), relativizando a determinação absoluta de fenômenos ambientais
para demarcar e evitar possíveis confusões, esclarece conceitos tais como: o El Niño4,
seca, fome causas e conseqüências, que aqui reproduzimos sinteticamente:
b) Seca: a seca sempre tem uma dimensão artificial e nunca é apenas um desastre
natural. O autor faz uma distinção importante de duas dimensões da seca: a seca
metereológica e a seca hidrológica. A primeira é definida como a queda percentual da
precipitação média anual de determinado local; a segunda ocorre quando tanto os
sistemas de abastecimento de água natural (rios, lagos e lençóis) quanto os artificiais
4
Davis expõe o fenômeno que conhecemos como El Niño (seca) e La Niña (inundação). No século XIX a
seca sincrônica era um dos grandes mistérios científicos do século. Na década de 1960 o cientista Jacob
Bjerknes, da Universidade da Califórnia, “mostrou pela primeira vez que o Oceano Pacífico equatorial,
agindo como um motor de calor planetário acoplado aos ventos alísios, afetava os padrões de precipitação
em todos os trópicos, e mesmo nas regiões temperadas. Os rápidos aquecimentos do leste Pacífico
tropical (chamados de El Niño), por exemplo, associam-se a períodos de chuva fracos e à seca sincrônica
ao longo de vastas partes de Ásia, África e nordeste da América do Sul. Nas raras vezes em que o leste do
Pacífico fica inusitadamente frio, por outro lado, o padrão se inverte (a chamada La Niña), e ocorrem
precipitação e inundação anormais nas mesmas regiões ‘teleconectadas’. Toda a vasta gangorra de massa
aérea e temperatura oceânica, que também se estende pelo Oceano Índico, é em termos formais conhecida
como “Oscilação Sul do El Nino” (ou ENSO, para abreviar – acrônimo em inglês de El Nino-Southern
Oscillation)” (DAVIS, 2002, p. 23-24).
36
(reservatórios, poços e canais) não possuem volume suficiente para salvar a safra. Davis
faz essa distinção cuidadosa e nos lembra que a seca hidrológica tem sempre uma
história social. Os sistemas de irrigação artificial dependem de investimento social e
trabalho de manutenção. Obviamente reconhece que a prática humana que leva ao
desmatamento e à erosão do solo interfere no abastecimento de água. Lembra que a
mais devastadora seca do século XIX foi decorrente da degradação da paisagem,
descuido com os tradicionais sistemas de irrigação, desmobilização da mão-de-obra
comunal e a negligência do Estado em investir no abastecimento de água. Davis retira
de Rolando Garcia em Nature Pleads Not Guilty, a questão fundamental que seu livro
vai responder: “Em que medida a transformação colonial do sistema de produção
mudou a maneira pela qual os fatores climáticos puderam exercer sua influência?”
Para Davis a Índia e China não entraram para a história moderna como as
imponentes “terras da fome” do imaginário ocidental. O autor reconhece a gravidade
das catástrofes das secas e outras calamidades do meio ambiente, mas ele acentua que
estes nunca são fenômenos isolados. Nesse ponto cita o trabalho que mais o inspirou no
livro, a pesquisa de Michael Watts (“Silent violence: food, famine and peasantry in
Northern Nigeria”) que nos elucida sobre o verdadeiro impacto da seca:
(...) o risco do clima (...) não é dado pela natureza, mas (...) ‘por acordo negociado’,
pois cada sociedade tem meios institucionais, sociais e técnicos para lidar com o risco
(...) As fomes (portanto) são crises sociais que representam as falhas de determinados
sistemas econômicos e políticos (DAVIS, 2002, p.298).
37
tamanho terreno econômico para os europeus ocidentais após 1850. Cita os dados de
Angus Maddison na sua obra The World Economy: Historical Statistics (OCDE, 2004)
que mostrou que as diferenças de renda e riqueza entre as grandes civilizações do século
XVIII eram relativamente pequenas. Para Davis (op.cit.) esses estudos demonstravam
que o padrão de vida médio na Europa era inferior ao do resto do mundo; e a Índia
produzia um quarto dos produtos manufaturados do mundo. O futuro Terceiro Mundo,
dominado pelas economias comerciais e artesanais bastante desenvolvidas da Índia e da
China, ainda respondia em 1850 por 65 % do PIB global, caindo com extrema rapidez
para 38% em 1900 e 22% em 1960 (DAVIS, op.cit, p.304). O processo de
desindustrialização da Ásia ocorreu pela substituição de mercadoria têxtil de fabricação
local por importações do algodão inglês. Os teares da Índia e China foram derrotados
não tanto pela competição de mercado quanto pelo violento desmantelamento causado
por guerra, invasão, ópio e o sistema de tarifas impostos pela Inglaterra. Davis lembra
também o fato que, de 1780 ou 1800 em diante, toda tentativa séria de uma sociedade
ocidental para implantar um projeto de desenvolvimento ou criar regras de comércio era
acompanhada de uma resposta militar, assim como uma resposta econômica, de Londres
ou de outra capital imperial 5.
Em relação à Índia, Davis condensa a ocupação britânica em um fato: “não
houve nenhum aumento de renda per capita na Índia de 1757 até 1947, (...) na última
metade do século XIX, a renda provavelmente diminuiu em mais de 50%.” E ainda:
“de 1872 até 1921 a expectativa de vida dos indianos pobres caiu 20%”. Para ilustrar a
extrema contradição da pobreza no país, Davis concentra-se na região de Berat, por ser
esta a maior produtora de algodão e trigo, pauta da economia colonial de exportação, e
igualmente ter sido o epicentro da mortalidade em massa nas fomes das décadas de
1870 e 1890. Durante as fomes de 1899-1900, quando 143 mil beraris morreram de
fome, a província exportou 747 mil alqueires de grãos e dezenas de milhares de fardos
de algodão (DAVIS, op.cit. p.325). É por isto que “a maioria das crianças de Berar ficou
nua, a maioria dos homens semivestidos e as mulheres vestiam-se de trapos” (id.
ibidem). A expectativa de vida em Berar chegou a atingir menos de 10 anos em 1900.
Davis nos lembra que a síntese da economia colonial é que “os agricultores (indianos,
5
O professor José Luis Fiori (IE / UFRJ), contabilizou que a Inglaterra realizou 96 guerras no período de
1750 a 1940. Os EUA, ainda recente independente da Inglaterra (1783), já bombardeava em 1802-1804 o
norte da África e em 1814-1815 destruiu Trípoli e depois Argel.
38
NCC) que punham pão nas mesas inglesas não conseguiam garantir a subsistência das
próprias famílias” (ibidem, p. 331).
É oportuno citar os exemplos ocorridos nos campos indianos, que guardam
bastantes semelhanças com o aconteceu e ainda acontece hoje no campo brasileiro. Isso
é bem visível na transcrição que Davis faz do depoimento de um camponês indiano à
Comissão da Fome em 1881:
Isto ocorria por conta da privatização das terras, antes comuns. Davis lembra
que até 1870 todas as florestas da Índia haviam sido comunalmente administradas; por
volta do final da década, estavam totalmente cercadas por agentes armados do Estado.
Davis define “pobreza ecológica” como o esgotamento ou a perda de direito à
base de recursos naturais da agricultura tradicional, e esta juntamente com a crescente
pobreza familiar e a descapacitação do Estado explicam tanto o surgimento do ‘Terceiro
Mundo’ quanto sua vulnerabilidade a extremos fenômenos climáticos (DAVIS, 2002,
p.320).
A seca, a fome, a espoliação ocasionada pelo colonialismo inglês provocou a
morte de centenas de milhares de indianos e, principalmente, o colonialismo foi o
principal responsável pela situação econômica e social da Índia naquele período.
Sobre a China, Davis inicia com uma citação de Gong Zizhen, sobre as
diferenças entre ricos e pobres:
Davis relata que semelhante a Índia, a China da época das dinastias possuía uma
série de políticas de irrigação, de prevenção das inundações e de combate a fome, que se
esgotou devido à espoliação imperialista na região, especialmente decorrente da sangria
dos recursos, da corrupção e do ópio. Tudo isto ocasionou uma grave crise fiscal que se
traduziu em menor capacidade da burocracia imperial em garantir comida aos
39
camponeses. Davis cita os dados da capacidade de armazenamento de alimentos que no
período anterior funcionaram como fonte importante de abastecimento no período das
secas: os sistemas de silo e de caridade que chegaram a armazenar até 48 milhões de
shih6de arroz, trigo e painço e caíram para 30 milhões de shih na década de 1820; na
década de 1850 eram inferiores a 20 milhões, e, no início da fome de 1876, havia menos
de 10 milhões de shih (ibidem, p.362). A natureza também cobrou a conta do grande
crescimento do desmatamento da Era de Ouro chinesa do século XVIII, com a seca,
inundação e fome do século seguinte.
Sobre o Brasil Davis dedica o último capítulo de seu livro ‘Brasil: raça e capital
no Nordeste’. Inicia com uma citação de Gonçalves Dias sobre o que é a seca: “(...) um
elemento estratégico no processo de acumulação pelas grandes unidades de produção
rural no Nordeste” (ibidem, p. 389). Davis mostra que a economia brasileira,
semelhante à da Índia, foi espoliada pelos ingleses, lembrando que países como o Brasil,
por serem tão dominados por investidores e credores ingleses, embora formalmente
independentes, se tornou um exemplo clássico do que a literatura chama de “colônia
informal”. O melhor exemplo dessa situação foi o fato do vertiginoso aumento do
comércio externo não se traduzir em melhorias das condições de vida interna. Davis cita
o exemplo do PIB per capita que teve uma vertiginosa ascensão de 600 % entre 1800 e
1913 nos EUA e até de 150 % no México, enquanto que o crescimento no Brasil foi
zero (ibidem). Embora a economia cafeeira tivesse um excelente crescimento em São
Paulo, era contrabalançado pelo enorme retrocesso econômico do Nordeste. Na Zona da
Mata ocorreu um drástico declínio na nutrição quando os salários reais despencaram 60
% de 1870 a 1890. Também elucida o aspecto de como a dominação impede o
desenvolvimento nacional, citando de Warren Dean7 um exemplo revelador: uma
fábrica de linha de costura em Alagoas foi comprada por um inglês com o único
propósito de desmantelá-la e jogar a maquinaria no Rio São Francisco (ibidem, p. 391).
A economia nacional impedida de desenvolver-se tinha também no Estado as
conseqüências das mazelas da espoliação. Na década de 1890, enquanto os preços do
café estagnavam e depois despencavam, o serviço da dívida cresceu para metade do
orçamento federal. Davis nos lembra que por ocasião da seca e fome que mais uma vez
devastou o Nordeste (a de 1825 matou 30 mil apenas no Ceará), foi esse mesmo Estado
6
Medida de peso de grãos: cerca de 80 kg.
7
Davis refere-se a obra do historiador Warren Dean , que aborda a atuação do industrial Delmiro
Gouveia.
40
que comprou as balas destinadas a matar mais de 30 mil seguidores de Conselheiro em
Canudos (ibidem, p. 391).
No Brasil sempre se discutiu sobre a solução para os problemas resultantes da
seca do nordeste. Com vários planos de irrigação e as mazelas da corrupção pública,
chegou-se até a verificar que existia uma verdadeira ‘indústria da seca’. Davis
analisando a baixa capacidade do Estado de patrocinar e efetivar projetos de irrigação
atribui a isso o que ele chama de “tripla periferalização”: 1) o subdesenvolvimento do
sistema financeiro brasileiro em relação ao capital britânico; 2) a posição econômica e
política em declínio do Nordeste em relação a São Paulo; 3) a marginalidade do sertão
no seio da política do Estado em relação às elites agrárias do litoral (ibidem, p.400).
Davis lembra que a situação contemporânea dos nordestinos pobres e miseráveis
é pouco diferente da época em que “Conselheiro e Cícero pregaram pela primeira vez o
Apocalipse nas estradas do sertão do Ceará” (ibidem, p.405).
A extrema disparidade entre ricos e pobres segue em nosso país e também no
mundo. Os dados do relatório da ONU (2006) mais de metade da riqueza mundial está
nas mãos de apenas 2% dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm só
1%. Esta enorme disparidade reflete também a forma como os países enfrentam e irão
enfrentar as conseqüências das mudanças no clima. Estudos apresentados em Nairóbi,
no Quênia, na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, em 2006, os
cientistas fizeram um apelo às nações ricas para que adotem medidas concretas para
reduzir as emissões dos gases do efeito estufa e também para ajudar os países mais
pobres a lidarem com o aquecimento global. Ocorre que são exatamente os países
pobres que mais sofrerão os efeitos climáticos resultado exatamente do crescimento dos
ricos. Segundo o relatório apresentado, a África é o continente mais sujeito às
catástrofes ambientais. Lá, pelo menos 70 milhões de pessoas estariam diretamente
ameaçadas por enchentes, e diversas cidades costeiras devem submergir com a elevação
dos níveis dos mares em 2080, entre elas centros importantes como Cidade do Cabo e
Lagos. Uma destruição de até 30% da infra-estrutura costeira. Plantações dos mais
importantes cultivos do continente como milho e sorgo vão desaparecer.
Os dados referentes ao acesso a recursos essenciais, como a água, também
revelam a disparidade entre pobres e ricos. Mais de um bilhão de pessoas em todo o
mundo sofrem com problemas relacionados à escassez e contaminação da água. Embora
sejam os países pobres os grandes detentores das reservas de água doce, são estes os
mais atingidos por sua falta e por problemas de saneamento básico. Alguns dados do
41
problema no mundo: 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, 1,1
bilhões de pessoas não têm acesso à água limpa; 1,8 milhões de crianças morrem por
ano de diarréia; 50% da população dos países ditos em desenvolvimento (pobres)
sofrem de algum problema relacionado à falta de água e de saneamento. Por outro lado,
um europeu gasta por ano 400 litros de água, um norte-americano, 500 litros, mas esse
volume pode chegar a até mil litros. Já nas favelas dos países pobres o gasto é de menos
de 20 litros por pessoa.
Os dados apresentados acima demonstram a situação extremamente grave que os
países dominados enfrentam, também relacionados aos problemas atuais de mudanças
climáticas. Davis estudou em seu livro que os problemas climáticos já existiam há
milênios, embora reconheça que ocorrem mudanças na proporção e gravidade deles. O
que parece ser central é a capacidade dos países em lidar com eles e também a
capacidade e vontade política de resolvê-los. Por isto é que os holocaustos coloniais que
Davis analisou aparecem hoje como antigos e novos fenômenos: Katrina, Tsunamis,
secas em lugares antes impensáveis (seca de 2005 na Amazônia) e outros. Entretanto
não podemos deixar de perceber que esses problemas estão relacionados ao capitalismo.
Em um sistema onde tudo é mercantilizado, pode-se comprar a água, o frio ou calor
(dependendo do clima), e até prever eventuais catástrofes. As populações afetadas
especialmente pelos eventos do Katrina e do Tsunami conhecem bem essa realidade.
1.4 – Onguismo
Este tópico tem como objetivo mostrar a análise realizada pelo sociólogo
espanhol Andrés Piqueras (2000, 2001) sobre o fenômeno das ONGs e sobre o conceito
de onguismo (PIQUERAS, 2000). O autor desenvolve conceitos e explicações de
categorias importantes para nosso trabalho, como associações voluntárias (AV),
Sociedade Civil (SC), Organizações Não Governamentais (ONGs) e o conceito de
onguismo, que utilizamos como referência ao estudo do fenômeno das ONGs:
42
populações (através do reforço e divulgação de formas de ‘auto-ajuda’, ‘voluntariado’ e
‘economia social’ muito promovidas desde o âmbito de poder econômico político).
Contribuindo, em suma, para a substituição das políticas sociais e direitos duramente
conseguidos por assistencialismos de um ou outro tipo, e coadjuvando em geral, a
aceitação da inevitabilidade da ordem dada (PIQUERAS, 2000, p.17).
43
das AVs, que tiveram espetacular aumento nas últimas décadas do século XX. Nesse rol
houve também uma eclosão de organizações de novo cunho, tais como as Organizações
Não Governamentais - ONGs.
Para Piqueras (2001), estudar as ONGs nos coloca diante de um ambíguo objeto,
porque formalmente nada impede considerarmos uma associação esportiva, recreativa,
de festas ou até empresarial como Organização Não Governamental - ONG. Estas
como expressões atuais das AVs tiveram um auge nas últimas décadas gerando o
fenômeno do onguismo. Para isto ocorrer Piqueras aponta duas razões principais: 1) a
estrutura de possibilidades políticas; e 2) a reestruturação da organização dos próprios
sujeitos sociais.
Para a primeira razão o autor aponta a quebra do Estado do Bem-Estar Social
nos países imperialistas e o colapso do populismo estatal nos países dominados.
Segundo Piqueras (2001) a passagem do Capital Monopolista de Estado (CME) para o
Capital Monopolista Transnacional (CMT), a relação de forças capital x trabalho
desequilibra-se fortemente a favor do capital, tanto na escala interestatal como
intraestatal. O Estado fomentou e decompôs-se em várias agências subsidiárias para
manter parcialmente algumas de suas funções sociais, e, dentre estas, estão as ONGs.
Também nesse processo ocorre o que Piqueras, citando BILBAO8, designa de “afasia
política” decorrente do processo de (des)socialização devido principalmente ao fato de
perda de direitos sociais e políticos (duramente conquistados), e de centrar-se
ideologicamente em protagonismos individuais (dos sujeitos), em contraposição ao
protagonismo de classe. Piqueras aponta que na segunda razão relaciona-se, nas
sociedades centrais, a radical transformação da classe trabalhadora devido a sua
segmentação, dualização e diversificação, e, em paralelo, o colapso do movimento
proletário, incapaz de resolver a ruptura do pacto keynesiano por parte do capital. Nesse
ponto o autor aponta que uma das causas para o enfraquecimento da classe trabalhadora
está nos chamados “novos movimentos sociais” que com sua parcialização e
fragmentação, sua incapacidade para avançar além de certas reivindicações pontuais,
sua carência de continuidade organizacional e programática, assim como falta de
vertebração política, ou seja, de caráter de classe (PIQUERAS, 2001, p.4).
Como conseqüência desses fatores ocorre a despolitização da vida cotidiana.
Nesse processo parte dos ‘grandes sujeitos’ que constituíam os movimentos se
8
BILBAO, Andrés. Obreros y ciudadanos. La desestructuración de la classe obrera. Trotta.: Madrid,
1995.
44
atomizam nos ‘micro sujeitos’ que a nova estrutura de possibilidades organizativas
permite. Para tanto o autor ressalta a necessidade de desfazer confusões entre
conjunturas e processos históricos de estratégias políticas mais ou menos coletivas com
livres opções dos indivíduos. E isto acontece porque a veia explicativa do autor para o
fenômeno do onguismo está baseada nos mitos da sociedade de mercado liberal: 1) do
mito do livre contrato ao da cidadania desenvolvida ou sociedade civil; 2) do mito da
sociedade civil ao do Terceiro Setor (PIQUERAS, 2001, p.5).
No primeiro mito está a sociedade moderna capitalista baseada no
contratualismo, sociedade de mercado livre onde os agentes econômicos têm liberdade
para estabelecerem os contratos que quiserem, já que a sociedade do livre contrato faz a
propaganda de que rompeu com todos os laços de servidão, mesmo sabendo que apenas
o Brasil tem 25.0009 pessoas submetidas a relações de escravidão e a outras formas de
relações semi-feudais. Das contradições do contratualismo surge a tríade Estado-
Mercado-Terceiro Setor. Este último formado por uma infinidade de associações,
cooperativas, ONGs e outros que se adjetivam como o “mundo da solidariedade”, e
satisfazem as demandas sociais que nem o Estado nem o mercado podem atender
(PIQUERAS, 2001, p.6).
Rompendo com os laços da servidão a sociedade contratualista se opôs aos
estamentos civil e militar e constituiu-se em Sociedade Civil. Para Piqueras (2001) a
Sociedade Civil vê-se integrada apenas por cidadãos com capacidade participativa na
vida social e política, possibilidade essa dada exclusivamente através da propriedade.
Dessa concepção de “cidadania” se origina a “liberdade” e o “voluntariado” das
relações contratuais ou associativas estabelecidas pelos indivíduos “livres”.10 É por tudo
isso que o autor ressalta que o conceito de “Sociedade Civil” separa do Estado uma
sociedade irreal, amorfa, sem definição.
O segundo mito decorre da tríade Estado-Mercado-Terceiro-Setor. Para Piqueras
(2001) o “Terceiro Setor” responde na realidade a determinados processos de
reestruturação da regulação da acumulação capitalista. Reestruturação essa que promove
instituições e organismos globais que velam pela acumulação capitalista em escala
planetária (BM, FMI, ONU, OMC, OTAN, UE, G-8). Portanto o “Terceiro Setor” pode
9
Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2008. Fonte: www.cpt.org.br
10
Não é demais citar o que PIQUERAS nos recorda que no capitalismo se perde a visibilidade dos
indivíduos como produtores, em favor de sua condição de “consumidores”, caso tenham rendas, virtude
que passa a ser componente essencial da definição de “cidadãos livres”.
45
ser entendido como estratégia capitalista para assegurar a submissão da sociedade ao
capital.
O autor conclui que diante do “voluntariado”, da “economia social”, da
“sustentabilidade”, que são elementos regulados pelo capital, que aproveita para
legitimar tanto seu deslocamento do social, como a desestruturação da sociedade que ele
mesmo gerou, e em geral um variado associativismo convertido em onguismo.
Alguns poderiam comentar que esse ponto é por demais genérico; afinal uma
gama de organizações surgidas na época da ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985,
como ONGs, e outras, como associações e cooperativas, têm desempenhado papel em
vários movimentos, como no caso da Amazônia. O livro “Les ONG: instruments du
neo-liberalisme ou alternatives populaires?” nos fornece um quadro bem feito da origem
das ONGs. Poderíamos concluir que uma das principais características dessas
organizações foi a de surgirem no momento da Guerra Fria, fazendo parte do aparelho
de Estado Keynesiano, tendo ações paliativas e nunca revolucionárias.
Piqueras (2000, 2001) ressalta a importância da concepção gramsciana de
Sociedade Civil como um projeto em contínua construção, como um componente
essencial da hegemonia, do espaço onde se fabrica o consenso. Para Gramsci a
Sociedade Civil (SC) é também parte do Estado, pois este é o resultado das relações de
força e poder mantidas no interior das sociedades. Nesse ponto Piqueras lembra-nos que
a hegemonia do capital tem conseguido, por hora, impor também uma realidade à SC
alheia ao lugar de possibilidades e transformações sociais, ocupados por sujeitos
autônomos, quando no momento propõe uma homogenização dos indivíduos11 que,
sendo sujeitos sem classes e sem diferenças de poder, são convertidos todos em
cidadãos. Para Piqueras (2001) a maior parte da participação popular limita-se a formas
corporativas, ou a objetivos associativistas, tão inocentes quanto velhas e acima de tudo
despolitizadas. Então, quando os cidadãos intervêm no social, tornam-se voluntários.
Para Piqueras (2001) o Terceiro Setor (TS) não pode ser apolítico, porque na
realidade responde a determinados processos de reestruração do capitalismo. Ao mesmo
tempo facilita tanto economias populares de sobrevivência como sociedades locais que
escaparam da civilidade burguesa. O autor identifica que é aí que o TS se concebe como
refúgio de indivíduos, de coletivos, de setores da população e comunidades inteiras
11
Piqueras recorda Marx para elucidar que contratos firmados entre aqueles que ocupam posição de
classe desigual no mercado, é um contrato entre desiguais. Faz tempo que o desenvolvimento do
capitalismo levou consigo formas originárias de associações e as transformou em formas contratuais, ou
seja, mercantis.
46
diante do atual processo de (des)socialização. É o campo da auto-ajuda e busca da
sobrevivência para amplos setores populares diante da desatenção do Estado e do
mercado. Também é o espaço social para quem intervém nestes setores, desde diversas
instituições ou entidades, até o onguismo.
Para Piqueras (2001) embora o terceiro setor se encontre despolitizado não está
fora do terreno das lutas. O autor admite que essa é uma estratégia do capitalismo para
assegurar a subsunção da sociedade (e do Estado) ao capital e alcançar a disciplina do
trabalho em todas as esferas sociais, pondo-o ao serviço das agências pós-fordistas de
trabalho precário e informal para aumentar a extração de mais-valia devido aos seus
baixos custos e a sua gratuidade12.
Para Piqueras, o Estado é um aspecto das relações sociais do capitalismo, é uma
forma histórica específica da dominação e do antagonismo de classes e portanto possui
em todas as suas instituições procedimentos e ideologia que expressam essa
contradição, não se trata de um epifenômeno da dominação econômica. O econômico e
o político, como as demais ordens sociais, são manifestações que expressam a
dominação do capital e suas contradições, as lutas de classes, e também de outras
formas de dominação. Por isso é que a fetichização do Estado como se fosse uma
entidade autônoma, por cima do resto da sociedade, que por sua vez se concebe como
algo à parte do Estado, como ‘Sociedade Civil’, dificulta as alternativas de luta, pois
separa artificialmente trabalhador de cidadão, luta econômica de luta política. Por isso é
que Piqueras (2001) atribui ao onguismo parte da expressão que adquire hoje a relação
de forças capital x trabalho, muito favoráveis ao capital. É expressão da auto-
atomização do Estado, algo que os sociólogos denominam como burocracias estatais
mais flexíveis e precárias (PIQUERAS, 2001).
Portanto, Piqueras (2001) chama-nos atenção para o erro de opormos as ONGs
ao estatismo. O autor, citando García-Salmones13, coloca as ONGs como um ‘estatismo
avançado’. Mas isso não significa dizer que elas são necessariamente subordinadas ao
governamental. As ONGs se originam e refletem todo o espectro social, desde as que
formam os sujeitos de classe mais organizados, como os empresários, ou as derivadas
de expressões políticas mais orgânicas em luta, até aquelas provenientes de setores
desorganizados, todos aproveitando a estrutura de oportunidades políticas abertas pela
12
Como exemplo do voluntariado o programa “Ação Global”, da Fundação Roberto Marinho com o
Estado, mobiliza 35.000 pessoas.
13
GARCIA-SALMONES, K.A. (1999). “10 respuestas a James Petras”, em Resumen Latinoamericano,
nº 41, Algorta.
47
tendência atual do Estado. Piqueras fazendo uma analogia médica chama as ONGs de
“organismos oportunistas”.
Piqueras (2001) propõe uma classificação das ONGs:
3) por último, as que são mais comuns, sobretudo nos países periféricos, e
particularmente no âmbito do desenvolvimento, e que fazem o papel de gestoras. São
altamente profissionalizadas e burocratizadas, realizam a função de intermediárias entre
os Estados centrais e os periféricos, ao fazer a contrapartida das ONG de
desenvolvimento das sociedades centrais (PIQUERAS, 2001, p.10-11).
48
serem agências de sub-contratação, o que significa realização de trabalhos com custos
menores ou gratuitos; o segundo de que o onguismo seja uma fonte de subcontratação
para a intervenção paliativa, tanto no âmbito intraestatal como interestatal; e o terceiro,
que com o aumento do controle na maioria das administrações públicas, as ONGs vão
assumindo atividades mais burocratizantes e para tanto necessitam de especialistas nas
áreas que, por sua vez, o mercado não consegue assimilar (PIQUERAS, 2001, p.12).
Entendemos o fenômeno das ONGs em termos do onguismo aqui conceituado.
Desta forma não está entre os objetivos de nosso trabalho a diferenciação e identificação
de ONGs como boas ou más; buscamos realizar um estudo das relações sociais que
permeiam as ONGs e que permitem-nos compreender a ação dessas organizações e os
essenciais objetivos que as ONGs cumprem nos países dominados como “novos agentes
do imperialismo”.
49
Capítulo 2 - As Políticas Ambientais do Imperialismo para a Amazônia
Este capítulo tem como objetivo analisar as políticas ambientais formuladas por
organismos dos países imperialistas, a partir dos anos de 1970 até final da década de
1990, porque estas políticas irão servir aos interesses estratégicos dos países
imperialistas, entre os quais destacaremos os EUA. A escolha deste período deve-se ao
14
Tomamos aqui o conceito de estratégia conforme definido por Raffestin (1993): “(...) a estratégia
descreve a combinação de uma série de elementos a serem convocados para chegar a um objetivo. (...) A
estratégia é o resultado de um plano, de um projeto ou um programa que contém determinados fins
específicos. A estratégia supõe o recurso a uma série de meios. Os meios, ou mediatos, são convocados
para atingir um fim, isto é, para adquirir ou controlar mecanismos “(RAFFESTIN, 1993, p.42).
50
fato de que foram nesses vinte anos que se concentraram as principais políticas
ambientais preservacionistas e conservacionistas para a região da Amazônia brasileira.
Trabalhamos com o entendimento de que a política ambiental para Amazônia
constitui-se em um marco de estratégia geopolítica e, portanto, estamos aqui
considerando o termo denominado por Albagli (1998) de “geopolítica da
biodiversidade”. Entendemos que esta geopolítica ambiental específica para a Amazônia
ocorre em conseqüência de um novo padrão industrial baseado na biotecnologia. Nosso
entendimento é de que esta política é uma das estratégias de acumulação capitalista
conforme desenvolvido por Lênin (2000[1916]). É por isto que denominamos esta
estratégia de política ambiental do imperialismo, nos diferenciando de Kolk (1996), que
as denominou de políticas ambientais internacionais.
O estudo da holandesa Ans Kolk é original no levantamento e sistematização das
políticas ambientais para a Amazônia brasileira e nos permite traçar a intrincada rede de
organizações e de ações determinadas pela política ambiental do imperialismo. Kolk
(1996) aponta as relações e atores sociais desta intricada rede de formulação das
políticas ambientais e conclui que as políticas ambientais internacionais são positivas
para a Amazônia. Partindo do trabalho de Kolk (1996) e de McCormick (1992) faremos
a exposição das políticas ambientais para a Amazônia e de como estas políticas se
constituem na realidade em estratégias de geopolítica nos termos de uma “geopolítica da
biodiversidade”.
Um dos fatores determinantes de nosso trabalho é o entendimento dos interesses
que permearam o momento de adoção de políticas ambientais que foram articuladas
pelos países imperialistas, especialmente os EUA. Segundo Amin (1977) no período de
1948 a 1967, de grande crescimento capitalista, denominado de “tempo das ilusões”,
ocorreu forte crescimento econômico nas economias capitalistas dos países mais ricos.
Com o crescimento notável de economias da Europa e do Japão, os EUA vislumbraram
estratégias que permitissem a maior manutenção de sua hegemonia perante as
economias do mundo. Segundo Amin (op. cit. p. 26) os EUA desenvolveram a
estratégia de contra-ofensiva formulada primeiramente no campo ideológico e político
com a propagação do “crescimento zero”, o “meio ambiente” e o neomalthusianismo. O
Clube de Roma, um dos principais instrumentos constituídos com este fim, anunciava a
escassez generalizada e o esgotamento dos recursos naturais. Entendemos que esta
estratégia não estava apenas voltada para barrar o crescimento das nações ricas, mas
principalmente objetivava atingir os países pobres buscando convencê-los de que eram
51
seus modos de vida e sua população excessiva, sua pobreza e seu subdesenvolvimento
as principais causas do problema ambiental do planeta.
As maiores preocupações com a degradação do meio ambiente se reportam ao
período dos anos de 1960 quando começaram a ocorrer denúncias dos grandes danos
ambientais ao planeta causados pelo padrão industrial capitalista. O que McCormick
(1992) denomina de “revolução ambiental” começou, segundo o autor, a ocorrer depois
de 1945 e os períodos de maiores mudanças ocorreram a partir de 1962, embora a
política ambiental tenha começado a existir como leis e regras desde períodos
anteriores:
- outro fato importante foi a criação dos Partidos Verdes. O primeiro foi fundado na
Nova Zelândia. Em 1988 havia Partidos Verdes atuantes em 14 países (McCORMICK,
1992, p. 16).
Em 1968 e 1972 foram realizadas duas conferências ambientais que foram
marcos da política ambientalista: a Conferência da Biosfera, ocorrida em Paris, em
1968; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, em 1972. Este evento resultou na criação do Programa de Meio Ambiente
52
das Nações Unidas – PNUMA15. Segundo McCormick (1992,) o encontro de
Estocolmo:
15
Também conhecido por sua sigla do inglês UNEP (United Nations Enviromental Program).
16
Dos países socialistas naquele período apenas a China enviou representante e tomou posição crítica em
relação à visão ambientalista da Conferência.
17
Maurice F. Strong tornou-se o primeiro diretor-executivo do PNUMA de 1973-1975. Era um
milionário canadense de vários ramos de negócios, inclusive da Petro-Canadá. De 1966 a 1971 foi diretor
geral do Escritório Canadense de Ajuda Externa, que veio a tornar-se Agência Canadense para o
Desenvolvimento Internacional. Também presidiu a Eco-92.
53
Segundo Kolk (1996, p.130) a Conferência de Estocolmo tratou especialmente
de seis áreas: a) gerenciamento dos recursos naturais; b) relação entre meio ambiente e
desenvolvimento; c) assentamentos; d) poluição; e) educação, informação e os aspectos
sociais e culturais das questões ambientais; f) envolvimento das organizações. Da
Conferência resultou a Declaração sobre o Homem e o Meio Ambiente que continha 26
princípios e um Plano de Ação para o Homem e o Meio Ambiente, abrangendo 109
recomendações, e criava o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA).
A Declaração de Estocolmo propagandeava um mundo harmonioso e de direitos
universais e não encontraremos nela menção de intenções ambientais geopolíticas para a
Amazônia. Seus diagnósticos e recomendações muito longe estão do que de fato esta
política anunciava. Podemos ver nos itens 04 e 07 do documento do PNUMA 18:
Os dois itens acima nos mostram algumas questões pertinentes: 1) parece haver
uma completa desconsideração sobre a realidade dos países alvo da política de
preservação ambiental, entre eles os detentores de florestas tropicais e suas respectivas
18
Programa das Nações Unidas para o meio Ambiente (PNUMA), disponível na Internet, Ministério do
Meio Ambiente do Brasil (MMA): www.mma.gov.br , acesso em 14/04/2008.
54
riquezas em biodiversidade, países que possuem os piores indicadores sociais
levantados por organismos da própria ONU; 2) as políticas de preservação ambiental
aliadas ao desenvolvimento, que posteriormente em seu conjunto serão denominadas de
desenvolvimento sustentável, irão na realidade se desdobrar em políticas que terão
como foco a conservação ambiental, em detrimento do desenvolvimento; 3) no item 07
exposto acima mostra-se a eleição de organismos controlados pelo imperialismo como
atores necessários à formulação da política ambiental, conforme veremos em
organismos como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID) e as grandes ONGs ambientalistas, tudo sob o manto da chamada cooperação
internacional.
Sobre os 26 princípios da Declaração de Estocolmo, McCormick (1992, p. 110)
os desmembra nos seguintes grupos, afirmando que:
55
a política ambiental internacional e a considerou exitosa sob o ponto de vista de quatro
aspectos principais:
56
1) A avaliação ambiental global. Materializou-se sob a forma do Earthwatch, uma rede
patrocinada pela ONU que tinha como objetivos pesquisar, monitorar e avaliar as
tendências e processos ambientais, notificando precocemente situações de riscos
ambientais e determinando a situação de recursos naturais selecionados. O Earthwatch
contava com três instrumentos distintos: o primeiro era o Sistema Internacional de
Referência (INFOTERRA), que servia para troca de informações; o segundo era o
Sistema Global de Monitoração Ambiental, que servia para colocar em andamento as
informações ambientais, coletar informações dos governos e construir um quadro das
tendências ambientais regionais e globais; o terceiro componente era o programa de
Registro Internacional de Substâncias Químicas Potencialmente Tóxicas, com sede em
Genebra. O Earthwatch teve vários obstáculos a sua consecução devida, especialmente a
falta de estrutura organizacional adequada e de recursos financeiros.
19
A principal idéia do Programa de Mares Regionais–PMR, era acabar com toda a poluição marinha
significativa. Para formar este programa o PNUMA reuniu 120 países e 14 órgãos da ONU. A
preocupação com os mares não era uma novidade, já existia desde 1902 o Conselho Internacional para
Exploração dos Mares (McCormick, 1992, p.120).
57
objetivos iniciais devido a problemas de ordem financeira, políticos, administrativos e
constitutivos. O primeiro devia-se à insuficiência de recursos financeiros do fundo
voluntário dos países para o meio ambiente, não alcançando uma soma suficiente para a
execução dos programas pretendidos. Devido ao fato de o PNUMA estar localizado em
Nairóbi, os países ditos em desenvolvimento o tomaram como um programa deles, o
que levou a problemas de ordem política na ONU, mostrando conflitos entre os países
pobres e os ricos. Devido a ser o primeiro diretor executivo do PNUMA, um homem de
negócios, o milionário canadense Maurice Strong não permitia uma direção técnica ao
programa que veio a ser depois dirigido pelo microbiologista egípcio, Mostafa Kamal
Tolba. Do ponto de vista de sua constituição, o fato do PNUMA ser um programa e não
um organismo das Nações Unidas o enfraquecia politicamente frente aos demais
organismos (McCORMICK, 1992, p.117-118).
Para resolver o dilema colocado pelo Clube de Roma20 de que eram o
crescimento econômico e da população os principais causadores da destruição
ambiental, a ONU investiu em mais duas conferências no período que decorreu entre as
Conferências de Estocolmo (1972) e a do Rio 92 (1992), foram as chamadas
conferências de “Canberra II” e “Founex II”.
A conferência de “Canberra II” ocorreu em Genebra em abril de 1974,
colocando em debate a preocupação dos países ricos com os recursos naturais, e chegou
às seguintes conclusões principais segundo McCormick (1992):
b) A capacidade de lidar com a degradação ambiental era mais limitada nos países
menos desenvolvidos, que tinham menos recursos tecnológicos e de capital do que nos
países mais desenvolvidos. Conseqüentemente a degradação ambiental poderia ter um
impacto mais rápido e mais imediato sobre o desenvolvimento econômico.
20
O Clube de Roma, constituído em 1968, era composto por capitalistas industriais, cientistas e políticos
de linha conservadora. De viés malthusiano atribuíam aos países pobres as responsabilidades pela
degradação do meio ambiente. O Clube de Roma ainda se encontra em atividade:
http://www.clubofrome.org/eng/home/.
58
Vemos nos itens acima citados o início de explícitas “preocupações” com os
recursos naturais, lembrando que esta Conferência ocorre no período do primeiro
choque do petróleo, quando os países do Oriente Médio reduziram sua produção de
petróleo acarretando o aumento do barril de US$ 2,90 para US$ 11,65 em 1973.
Com a mesma preocupação em resolver os problemas de se aliar crescimento
econômico com meio ambiente, foi realizada na cidade de Cocoyoc, México, a
Conferência “Founex II”, no período de 8 a 12 de outubro de 1974. Reuniu um grupo de
delegados de 22 países, oito deles países desenvolvidos e 14 países não desenvolvidos.
Contou com a presença daqueles que foram diretores do PNUMA, Maurice Strong e
Mostafa Kamal Tolba, e ainda de Gamani Corea, então presidente do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). No final da conferência foi publicada
uma declaração que tinha entre suas recomendações:
1) deveriam ser instituídas políticas dirigidas à satisfação das necessidades básicas dos
mais pobres, capazes ao mesmo tempo de assegurar a conservação adequada dos
recursos e proteção do meio ambiente;
3) deveriam ser criados regimes internacionais fortes para a exploração das áreas livres
globais, de modo a taxar essa exploração para que beneficiasse os países pobres;
21
Sob o manto já da conservação ambiental a USAID exercerá esta função a partir da elaboração de seu
programa para a conservação da biodiversidade em 1994, quando ela demandará das grandes ONGs
ambientalistas, TNC, WWF e CI, a metodologia e aplicação de sua estratégia da conservação da
biodiversidade para a biotecnologia, conforme exporemos neste trabalho.
59
melhorar sua estrutura de trabalho para executar a demanda do programa de
conservação. Esta discussão, a IUCN começou a realizá-la nas suas Assembléias Gerais
de 1969 e 1972, sendo a conservação e o desenvolvimento o tema principal desta última
(McCormick, 1992, p.163)
Em 1977 a IUCN anunciou que estava preparando uma Estratégia de
Conservação Mundial (World Conservation Strategy - WCS). Este documento foi uma
articulação de política conjunta do PNUMA, IUCN e WWF que segundo a IUCN
“permitiria que a ação internacional da conservação fosse dirigida mais eficientemente,
identificasse as principais ameaças a espécies e ecossistemas e propusesse medidas e
prioridades” (McCORMICK, 1992, p.164). Disto resultaram os objetivos para a
conservação traçados pelo World Conservation Strategy - WCS que consistiam em:
As recomendações traçadas pela WCS, sendo esta uma das organizações que irá
executar a política da USAID para biodiversidade, fazem parte da política por categoria
que foi implementada para a preservação conforme podemos averiguar no gráfico 01.
60
Gráfico 01 - Participação no Financiamento para Biodiversidade
por Categoria de Projetos: 1990-1997
40,00%
35,00%
M a ne jo de R e c us o s Na tura is
30,00% De lim ita ç ã o de Áre a s P ro te gida s
P o lític a P úblic a
25,00% P e s quis a
F o rta le c im e nto de C o m unida de s
20,00%
Outro s
15,00% Em pre e ndim e nto s S us te ntá ve is
M a ne jo de Ec o s s is te m a e Ec o re giã o
10,00% S upo rte Adm inis tra tivo
61
a atmosfera, a Antártica e o oceano meridional. 5) Estratégias regionais sobre mares e
bacias fluviais internacionais22 (McCORMICK, 1992, p.167-168).
Para Kolk (1996, p.42) toda esta formulação da IUCN é base do conceito de
desenvolvimento sustentável que foi utilizado nos órgãos internacionais de meio
ambiente e que tinha sua sustentação nas discussões da Comissão Brundtland, que
ganhará bastante importância a partir de meados dos anos de 1980.
O governo dos EUA demonstrava sua preocupação com o meio ambiente e todo
o seu viés de malthusianismo23 expressado no documento Global 2000, que foi uma
demanda do presidente Carter em sua mensagem ao congresso norte-americano, em
maio de 1977. O Conselho de Qualidade Ambiental (CEQ) e o Departamento de Estado
dos EUA foram os responsáveis pela elaboração deste documento que tinha como
avaliação para o mundo no ano de 2000: a) a população do mundo aumentaria em 50%,
sendo o crescimento maior nos países menos desenvolvidos; b) aumento da distância
entre países ricos e pobres; c) haveria menos recursos disponíveis, especialmente terra,
água e petróleo; d) redução de importantes ecossistemas sustentadores da vida, tais
como florestas, atmosfera, solo e espécies selvagens; e) aumento dos preços de recursos
considerados vitais; f) o mundo seria mais vulnerável aos desastres naturais e a rupturas
por causas humanas (McCORMICK, 1992, p.172). Aos problemas apontados no
Global 2000 os EUA propuseram o documento Global Future que recomendava um
aumento da assistência financeira e técnica dos EUA a programas internacionais na área
ambiental.
Em 1983 a Assembléia Geral da ONU aprovou uma resolução que determinava
a criação de uma comissão independente para tratar dos problemas relacionados ao meio
ambiente e desenvolvimento. A comissão foi denominada Comissão Mundial Sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, reuniu-se em Genebra sob a presidência da
primeira ministra trabalhista da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Procurando produzir
resultados que não repetissem aqueles encontrados no Global 2000, a comissão
Brundtland realizou diversas reuniões, financiou mais de 75 estudos e em 1987 o
22
A USAID juntamente com as grandes ONGs da conservação, WWF, TNC, CI, WCS e WRI, irão
desenvolver os aspectos acima citados como uma estratégia global de conservação da biodiversidade
conforme veremos no tópico referente à estratégia do imperialismo para a biodiversidade, explicitado no
documento da USAID, BIODIVERSITY SUPPORT PROGRAM.
23
Sachs (2002) contrapõe-se aos aspectos malthusianos da política ambiental ao defender a teoria do
ecodesenvolvimento. Davis (2001) desmistifica a histeria da ameaça das catástrofes naturais anunciadas
pelo ambientalismo e desvenda, em Davis (2002), as características do imperialismo que produz
catástrofes reais e produzidas pelo sistema no que ele denomina de “holocaustos coloniais” (DAVIS,
2002).
62
relatório da comissão foi publicado com o título Nosso Futuro Comum (McCORMICK,
p.189).
Entre as Conferências de Estocolmo e a Rio 92 começaram a ter maior
importância as discussões sobre desmatamento das florestas tropicais nos órgãos
ambientais internacionais. Neste período inicia-se o debate sobre emissões de gás
carbônico (CO2) e posteriormente a importância de manter a floresta em pé para
realizar o seqüestro de carbono24.
Neste contexto, ganha importância mundial a discussão sobre a preservação da
Amazônia o que depois vai alcançar o discurso dos “povos da floresta como salvadores
do planeta” e outras megalomanias da histeria ambiental. Também neste período têm
início às declarações explícitas de internacionalização da Amazônia expressas na fala do
então primeiro ministro francês, François Miterrand, que declarou na conferência de
Ecologia de Hague, em 1989: "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a
Amazônia"25 .
A despeito da preocupação com o desmatamento, o Japão pressionou pela
criação do International Tropical Timber Agreements (ITTA) na estrutura da UNCTAD
(Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento). Para
administrar o ITTA foi criado em meados da década de 1980 a The International
26
Tropical Timber Organization – ITTO , que era formada por países produtores e
consumidores de madeira. Localizada na cidade de Yokohama, no Japão, também era
este país que possuía o maior número de votos na ITTO, além de ser o maior importador
mundial de madeiras. O comércio de madeiras tropicais também mereceu calorosas
discussões na estrutura da CITES (Convention on the International Trade in Endangered
Species) (KOLK, 1996). A CITES27 também conhecida por Convenção de Washington
24
Mecanismo que foi colocada para os países de floresta tropical como um negócio do “mercado de
carbono”, que consiste na capacidade de cada país absorver determinada quantidade carbono. A venda de
créditos de carbono ainda não está totalmente regularizada. Na Conferência do Clima de 2009, que será
realizada na Dinamarca, poderá ser instituída a modalidade de Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação (REDD). Isto significa que os países que estejam dispostos a reduzir as emissões
provenientes do desmatamento sejam recompensados financeiramente. No Brasil o primeiro contrato
deste mecanismo foi assinado entre os índios Tembés (PA) e a empresa norte-americana C-Trade, que
prevê um pagamento anual de um milhão de reais anuais para os indígenas manterem a floresta da reserva
em pé (O Globo, 07 de junho de 2009, Caderno Economia, p.27-29).
25
A repercussão no Brasil sobre esta declaração pode ser encontrada em matérias publicadas nos jornais
Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil no período de 07/01 a 07/04/1989.
26
No Acre durante o governo de Flaviano Melo (1986-1990) foi criada a Fundação de Tecnologia do
Estado do Acre - FUNTAC. Nesta fundação foi criado o Projeto Antimary, de manejo madeireiro, com
recursos de US$ 1 milhão da ITTO.
27
Em português: Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens
Ameaçadas de Extinção.
63
é um acordo multilateral que foi assinado em Washington, em 1973. Atualmente 172
países são seus signatários que visam assegurar que o comércio de animais e plantas
selvagens, e de produtos deles derivados, não ponha em risco a sobrevivência das
espécies nem constitua um perigo para a manutenção da biodiversidade28.
Outra abordagem para o comércio internacional de madeira foi feita em 1985 no
Congresso Mundial de Florestas (World Forestry Congress). O Congresso, dizendo-se
preocupado com as altas taxas de desmatamento lançou o Tropical Forestry Action Plan
(TFAP). O TFAP foi concebido por quatro organizações: a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que também era responsável por sua
coordenação, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Banco
Mundial (BM) e o World Resource Institute (WRI). O TFAP possuía quatro
componentes: florestas e uso da terra, desenvolvimento industrial baseado nas florestas,
carvão e energia e conservação de ecossistemas de florestas tropicais. Segundo dados da
FAO os recursos destinados do TFAP aos países possuidores de florestas tropicais
aumentou de US$ 400 milhões para US$ 1,3 bilhões em 1990 (WORLD RESOURCE
INSTITUTE - WRI, s/d)29 .
O WRI avaliou que os problemas com o TFAP ocorreram desde o início da
elaboração e lançamento do Plano:
28
http://www.ibama.gov.br/flora/convecao.htm , acesso em 01/07/2008.
29
Disponível:
http://archive.wri.org/item_detail.cfm?id=2468§ion=ecosystems&page=pubs_content_text&z=?
(acesso em 05/06/2008)
30
http://archive.wri.org/item_detail.cfm?id=2468§ion=ecosystems&page=pubs_content_text&z
=? (acesso em 05/06/2008)
64
Florestas Tropicais - PPG-7. Kolk (1996) destaca a importância que este tópico assume
nas políticas ambientais:
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Florestas Cerrado Caatinga Mangues Florestas
T ropicais T emperadas
65
Gráfico 03 - Financiamento para Biodiversidade por região: 1990-
1997
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
América do Sul América Central Caribe Outras Regiões
e México
66
Castells (1973) mostra as contradições da “mistificação ecológica”
compreendendo o problema da crise ambiental como decorrente dos padrões de uso dos
recursos do sistema capitalista. Pretendemos neste tópico desenvolver como foram
formuladas as políticas ambientais em termos dos interesses que visam a “geopolítica da
biodiversidade”.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também conhecida como Eco-92, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, no mês de julho
de 1992, com a participação de governantes de mais de 170 países. A Eco-92 objetivou
discutir os problemas de proteção ambiental e desenvolvimento socioeconômico,
quando foram assinados cinco documentos: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre
Biodiversidade, a Carta de Princípios das Florestas e a Agenda 21. Este último é
considerado como o mais importante protocolo da Eco-92 porque caracteriza-se como
um processo de planejamento estratégico que visa atingir o “desenvolvimento
sustentável”. A Agenda 21 não é um plano de governo, mas um termo de compromisso
da sociedade, tendo os governos como principais operadores (Agenda 21, 1992). Os
temas da Agenda 21 estão agrupados em 40 capítulos e quatro seções que tratam de:
aspectos sociais e econômicos, a conservação e administração de recursos, o
fortalecimento dos grupos sociais e os meios de implementação, ou seja, o
financiamento e papel das organizações governamentais e não-governamentais
(LITTLE, 2003).
Sobre este aspecto, Gilney Viana, Secretário de Políticas para o
Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente em 2008 afirma que:
31
Disponível em: http://www.institutochicomendes.org.br/diretrizes_agenda.htm , acesso em 30/06/2008.
67
a partir das diretrizes da Agenda 21 global. Trata-se, portanto, de um instrumento
fundamental para a construção da democracia ativa e da cidadania participativa no País
(INSTITUTO INTERNACIONAL DE PESQUISA E RESPONSABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL CHICO MENDES, 2008)32.
Tenho trabalhado duro nisso, nos últimos 25, 30 anos. Concordo com você, é uma
questão fundamental. Foi trágico observar que, após o nosso relatório de 1987 e depois
no Rio, em 1992, nos anos seguintes, na Agenda 21 e nas declarações no Rio, foi
exigido aumento na cooperação e ajuda ao desenvolvimento, como parte da criação da
Agenda 21 para cuidar da situação dos países pobres. Não houve aumento na média.
Gradualmente, na década de 1990, houve uma diminuição da ajuda ao desenvolvimento.
Podemos ficar discutindo por que isso aconteceu. De qualquer modo, é uma tragédia
(BRUNDTLAND, 2006) 33.
(...) as ações dos Governos com respeito à biodiversidade devem dar-se: de modo
consistente com outras políticas e práticas nacionais e respeitando as normas em vigor
da legislação internacional; com a cooperação dos órgãos relevantes das Nações Unidas,
organizações regionais e intergovernamentais; com o apoio das organizações
governamentais, do setor privado e de instituições financeiras, da comunidade científica
e das populações nativas; e levando em consideração aspectos sociais e econômicos
(ALBAGLI, 1998, p.127).
32
Disponível em: http://www.institutochicomendes.org.br/diretrizes_agenda.htm , acesso em
30/06/2008.
33
Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/216/entrevistados/gro_brundtland_2005.htm,
acesso em 25/06/2008.
68
Os principais tratados ambientais34 que estão em fase de negociações ou
implementação impõem severas penalidades, multas e embargos econômicos mesmo
contra os países que não os assinaram:
1) Convenção de Mudanças Climáticas (Framework Convention on Climate Change). O
objetivo deste tratado é estabilizar as concentrações dos gases do efeito estufa na
atmosfera. Sua conseqüência pode ser a inibição das atividades industriais dos países
pobres.
2) Convenção para a Proteção da Camada de Ozônio (Protocolo de Montreal). Este
tratado bane a produção de clorofluorcarbonos (CFCs) e outros halogênios químicos.
Terá conseqüências sobre a refrigeração de alimentos que depende diretamente dos
CFCs.
3) Tratado Antártico (Antartic Treaty), que bloqueia uma enorme área do mundo, o
continente Antártico e seus oceanos, para atividades econômicas. 3) World Heritage
Convention, este tratado bloqueia vastas áreas do globo nas quais atividades produtivas
e mesmo a presença do homem são proibidos.
4) Convenção Internacional para Combater a Desertificação (International Convention
to Combat Desertification), este tratado restringiria qualquer tipo de atividade humana
em áreas consideradas ameaçadas pela desertificação. Estes tratados ratificam as ações
recomendadas pelo Clube de Roma, de caráter malthusiano e liberal, que atribui aos
países pobres a responsabilidade pela degradação ambiental do mundo, sem fazer
menção alguma ao caráter destruidor do padrão de consumo e produção capitalista dos
países ricos.
Kolk (1996, p.43-44) atribui a Estocolmo um caráter econômico mais liberal,
enquanto que a comissão Brundtland em seu documento, Nosso Futuro Comum,
apresenta uma visão econômica baseada no Keynesianismo. Neste documento há a
preocupação central de viabilizar crescimento com desenvolvimento para promover
algo como uma “economia mundial sustentável”, conforme Kolk (op.cit) cita o
documento da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED):
34
De acordo com as regras individuais de cada tratado e da própria ONU, é necessária de 20 a 50 países
para ratificar um tratado e assim transformá-lo em lei internacional. Desta forma, tudo o que é necessário
para transformar um tratado em lei internacional é a ratificação das 50 nações que formam a Comunidade
Britânica.
69
Em termos práticos, isso significa crescimento econômico mais rápido, tanto nos países
industriais quanto nos países em desenvolvimento, acesso ao livre mercado para os
produtos dos países em desenvolvimento, taxas de juros menores, maior transferência
tecnológica e fluxos de capitais significativamente maiores, tanto comerciais quanto
concedidas (WCED apud KOLK, 1996, p.43).
35
Schmidheiny (1992) ficou bastante conhecido no campo da divulgação e implementação do preceito da
sustentabilidade nas empresas, ao publicar um livro onde ele divulgava casos famosos de empresas e
corporações que lucravam no campo da sustentabilidade.
70
Estados e contribuirão para a paz da humanidade. Desejosas de fortalecer e
complementar instrumentos internacionais existentes para a conservação da diversidade
biológica e a utilização sustentável de seus componentes, e determinadas a conservar e
utilizar de forma sustentável a diversidade biológica para benefício das gerações
presentes e futuras (MINISTÉRIO MEIO AMBIENTE, 1994, p.6, destacado nosso)36.
A CDB está ratificada por mais de 160 países. Inicialmente os EUA não a
assinaram, apresentaram restrições no início de 1993 como condição prévia para sua
adesão, conforme documento do Governo Clinton em relação à CDB citado por Albagli
(1998):
36
Disponível em: www.mma.org.br.
37
O documento refere-se ao artigo 16, item 2 da CDB: “O acesso à tecnologia e sua transferência a países
em desenvolvimento, (...) devem ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as mais favoráveis,
inclusive em condições concessionais e preferenciais quando de comum acordo, e, caso necessário, em
conformidade com o mecanismo financeiro estabelecido nos arts. 20 e 21. No caso de tecnologia sujeita a
patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser
permitidos em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos
direitos de propriedade intelectual (....) (MMA, 1994, p. 12-13)
38
TRIPs - Acordo Relativo à propriedade intelectual assinado no âmbito do GATT. (Decreto 1.355, de
30 de dezembro de 1994) Fonte: http://www.aptc.org.br/biblioteca/trip.htm , acesso em 05/07/08.
71
direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção,
quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou
produzidos localmente.
39
Fonte: http://www.aptc.org.br/biblioteca/trip.htm , acesso em 05/07/08.
72
Tabela 02 – Financiamento Relacionado à Biodiversidade, por país: 1990 a 1997
73
Para o período de 1990-1997, o Brasil é o maior receptor de recursos para a área
da proteção da biodiversidade, alcançando o percentual de 30,97%, mais do que o dobro
do segundo colocado, o México, com 14,51%. Isto nos indica a grande importância do
Brasil neste cenário, e, especialmente, da Amazônia que possui de 30 a 40% das
florestas tropicais do mundo e abriga uma das últimas extensões contínuas de florestas
tropicais úmidas da terra. A Amazônia é considerada o maior “banco genético” do
mundo, detendo cerca de 33% do estoque genético global. Estima-se que existam na
Amazônia 60.000 espécies de plantas, 2,5 milhões de espécies de artrópodes (insetos,
aranhas, etc.), 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos (ALBAGLI, 1998, p. 199-
200). Chomsky, (1993, p.170) citando Darrell Possey que avalia que as companhias de
remédios norte-americanas auferem rendimentos de 43 bilhões de dólares com a
comercialização de remédios derivados de plantas medicinais descobertas por
populações nativas dos países pobres.
Na tabela 03 apresentamos as principais agências e organizações financiadoras
de recursos para a biodiversidade. Todas possuem projetos para a Amazônia Brasileira.
74
O Estado do Acre possui projetos de ONGs financiados pela maioria das
organizações citadas no quadro acima, entre estas: Banco Mundial, BID, GTZ, USAID,
CIDA, PPG-7, KFW e WWF.
As políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro, especialmente a
partir da ECO 92, têm vinculação com os objetivos de conservação da biodiversidade
através da Convenção da Biodiversidade (CDB), sendo o Brasil o primeiro país a
assiná-la e ratificando-a no Congresso Nacional em 1994. Em dezembro deste mesmo
ano foi criado o Programa Nacional de Diversidade Biológica (PRONABIO). O Fundo
para o Meio Ambiente Global (GEF40) disponibilizou recursos para o financiamento e
apoio específico na área de biodiversidade sendo criados o Fundo Brasileiro para a
Biodiversidade (FUNBIO) e o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO) (ALBAGLI, 1998, p.163-164).
Não estamos aqui afirmando que as políticas públicas voltadas para o meio
ambiente começaram neste período e, sim, que Estocolmo 72 e a ECO 92 foram um
marco da estratégia ambiental imperialista na definição das políticas ambientais para os
países detentores de grandes recursos naturais41. Ainda em 1973 foi criada a Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior. No início dos
anos de 1980 foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente e depois o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Depois da Constituição de 1988 foi criado o
Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), “com especial ênfase no apoio a projetos
desenvolvidos por ONGs, por comunidades e por governos locais” (ALBAGLI, 1998,
p.162). Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). O Ministério do Meio-Ambiente, que era uma Secretaria vinculada à
Presidência da República, desde 1990, viria a ser, em 1995, o Ministério do Meio-
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Em 2007, foi criado o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade sendo o mais novo órgão
ambiental do governo brasileiro. Foi criado pela lei 11.156, de 28 de agosto de 2007. É
uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio-Ambiente e integra o Sistema Nacional
do Meio-Ambiente (SISNAMA) e afirma que sua “principal missão institucional é
40
De sua sigla Global Environment Facility (GEF) é um mecanismo gerido pelo PNUD, PNUMA e
Banco Mundial.
41
A principal política pública desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente a partir dos anos de 2000
é o projeto ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), que teve sua agenda de conservação definida pelas
grandes ONGs, conforme aponta Diegues (2008).
75
administrar as unidades de conservação (UCs) federais, que são áreas de importante
valor ecológico”. 42
O modelo de áreas protegidas existe no Brasil desde 1930, mas foi a partir dos
anos de 1990 que ocorreu um forte crescimento de criação de áreas protegidas,
especialmente na Amazônia, onde apenas o Estado do Acre já conta com 46% de seu
território enquadrado em alguma categoria de áreas de proteção ambiental. A legislação
brasileira para estas áreas foi estruturada em 1996 no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC). Seus objetivos têm ligação com os princípios para a conservação
da biodiversidade em consonância com documentos que analisamos como mostra o
Guia da USAID para a Biodiversidade, e como podemos ressaltar dos objetivos do
SNUC:
42
http://www.icmbio.gov.br/
76
XIV – proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais, especialmente
sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentável dos recursos naturais;
43
http://www.mma.gov.br/port/sca/arpa/ , acesso em 28/02/2009.
44
Destacamos o termo parceria para chamar atenção de que neste trabalho não compreendemos o termo
parceria como uma cooperação entre partes com o mesmo peso econômico, cultural e técnico. Ainda
trataremos do significado que analisamos destas parcerias ambientalistas no tópico onde abordaremos os
Conselhos Consultivos das Unidades de Conservação que pesquisamos.
77
Mapa 01 – Amazônia: áreas prioritárias para a conservação ambiental definidas
pelo ARPA
45
http://www.mma.gov.br/port/sca/arpa/ , acesso em 28/02/2009.
78
2.3 - Os Organismos do Imperialismo - Banco Mundial, ONU, USAID: os
principais autores, financiadores e gestores da política ambiental
79
Departamento de Defesa dos EUA, ou no montante anual do que esse país gasta com
comida para cachorro (COHEN apud RIBEIRO FILHO, 2006, p.44).
O BM possui estratégias de atuação na divulgação, formação e implementação
de suas políticas. Um dos recursos utilizados é a formação de quadros para serem
efetivadores de suas políticas. O Instituto Banco Mundial, em 2005, patrocinou mais de
900 eventos para mais de 110 mil pessoas, muitos deles em parceria com cerca de 200
instituições de todo o mundo. Neste mesmo ano, concedeu 250 bolsas para estudantes e
pesquisadores estudarem em instituições ideologicamente afinadas com as idéias do
próprio BM (RIBEIRO FILHO, 2006, p.46)46.
Leher (2008) esclarece que a política do BM é implantada para o completo
desmantelamento do sistema educacional de vários países. Esta política teve início na
gestão de Robert McNamara, ex-chefe do Departamento de Estado dos EUA, e que foi
presidente do banco no período de 1968 a 1980. McNamara transformou o BM no
principal definidor das políticas educacionais dos países pobres. Segundo Leher:
McNamara passou a alocar um montante cada vez maior de verbas na rubrica educação
e logo o Banco se converteu no Ministério da Educação dos países periféricos. De fato,
a primeira grande investida foi na difusão de escolas técnicas, preferencialmente no
campo, locus de insurgências e território para exportar o pacote da “Revolução Verde”.
Assim, para resolver simultaneamente os dois problemas, o Banco passou a apoiar
iniciativas de educação técnica no campo, objetivando formar uma geração adepta do
capitalismo agrário e da “Revolução Verde”, um pacote que beneficiava importantes
setores econômicos estadunidenses, como as corporações das sementes híbridas, dos
insumos químicos (Dow Chemical fora dirigida por McNamara) e das máquinas
(Cartepillar etc.) (LEHER, 2008, p.2) 47.
46
O Instituto do Banco Mundial também investe nos jornalistas como confirma seu ex-presidente
Wolfensohn: Através do Instituto Banco Mundial, nosso ramo de aprendizagem, nós temos fornecido
programas de treinamento que atingem mais de três mil jornalistas [por ano]. Esses programas incluem
cursos especializados em jornalismo econômico, de saúde e de meio ambiente. A maioria dos programas
é oferecida usando tecnologias de aprendizagem à distância, tais como videoconferência, televisão
interativa e internet para ampliar o alcance a participantes em mais de 50 países (BANCO MUNDIAL,
2005, apud RIBEIRO FILHO, 2006, p.47).
47
Fonte: http://www.mepr.org.br/educacao/leher3.htm , Acesso em: 20/06/2008.
80
Logo, muitos dos mais proeminentes especialistas do sistema húngaro de previdência
passaram a fazer parte das folhas de pagamento do FMI e do BM, sendo remunerados
para produzir estudos de acordo com as recomendações desses organismos. Instituições
de pesquisa húngaras também aderiram ao sistema, como foi o caso do Instituto de
Sociologia da Hungria. Além disso, para potencializar o discurso global da necessidade,
outras agências internacionais também passaram a participar e a subsidiar juntamente
com o BM e FMI, a criação de novos jornais e instituições educacionais, com currículos
adaptados para o novo cenário. Elas patrocinaram a tradução de livros para o idioma
húngaro e financiaram conferências com a participação de especialistas do Ocidente
para mostrar aos húngaros as vantagens do novo sistema previdenciário (RIBEIRO
FILHO, 2006, p. 52).
48
No estado do Acre foi implantado o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre (PDS Acre) ,
contrato BID OC / BR 1399, elaborado e colocado em prática a partir de 2003, com valores de US$ 240
milhões. Para uma análise do PDS no Acre, ver Souza (2008).
81
Em 2000 foi apresentado pelo BID em reunião em Brasília sob a liderança do
então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, o Plano de Integração da
Infra-Estrutura Regional da América do Sul – IIRSA. O principal objetivo do IIRSA é
promover um plano de integração da estrutura física que viesse a favorecer a tão
defasada “integração comercial”. O IIRSA seria implementado dentro de uma nova
concepção de integração regional denominada pelo BID de “novo regionalismo”,
baseado no mercado externo, com as seguintes características: abertura para os
mercados mundiais; promoção da iniciativa privada; e a retirada do Estado da
responsabilidade com a atividade econômica direta. Para esse “novo regionalismo” se
concretizar fazia-se fundamental uma região com sua infra-estrutura física integrada49.
O Brasil possui acordos de cooperação e financiamento com organismos
bilaterais e multilaterais. Em dezembro de 2006 os Projetos em Execução por Área
somavam um total de 85 e concentravam-se nas seguintes áreas: social/educação (39),
meio-ambiente (26), agricultura (16), saúde (9), administração pública (4), energia (2) e
transporte (1), conforme o gráfico 04:
49
Sobre as conseqüências deste programa para os povos da América Latina ver:
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=300774
50
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrb.asp , Acesso em: 30/06/2008.
51
Os principais organismos que participam de acordos multilaterais com o Brasil são: BID - Banco
Interamericano de Desenvolvimento, CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe,
FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FLACSO - Faculdade Latino-
82
conferências, missões de curta duração, pré-projetos e projetos. Por meio dessas
modalidades são prestadas consultorias, capacitação de recursos humanos e aquisição de
bens e contratação de serviços, mobilizáveis em escala mundial a partir do amplo
espectro de organismos internacionais com atuação em praticamente todas as áreas do
conhecimento. O caráter multilateral dessa vertente da cooperação internacional é
enfatizado por força da aplicação dos princípios da neutralidade e universalidade que
balizam a atuação dos referidos organismos (AGÊNCIA BRASILEIRA DE
COOPERAÇÃO, 2008). 52
Segundo a Agencia Brasileira de Cooperação (ABC) em dezembro de 2006, a
carteira de projetos da Coordenação Geral de Cooperação Técnica Recebida Multilateral
contabiliza 438 projetos em execução, sendo o principal os recursos destinados do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (PNUD). No
gráfico 05 podemos visualizar as entidades financiadoras desses projetos:
Americana de Ciências Sociais, FNUAP - Fundo de População das Nações Unidas, HABITAT - Centro
das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura, OACI - Organização da Aviação Civil Internacional, OEA - Organização dos Estados
Americanos , OEI - Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura ,
OIT - Organização Internacional do Trabalho, OIMT - Organização Internacional de Madeiras Tropicais,
OMM - Organização Mundial de Meteorologia, OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
OPAS/OMS - Organização Panamericana de Saúde / Organização Mundial de Saúde, OTCA -
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, PNUD - Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, UIT - União Internacional de Telecomunicações, UNODC – Escritório das Nações
Unidas para o Controle Internacional de Drogas e Prevenção ao Crime, UNESCO - Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura, UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância,
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, UNIDO - Organização das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, UNV - Voluntariado das Nações Unidas, UPU -
União Postal Universal.
52
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrm_orientacao.asp, Consulta: 30/06/2008
83
Gráfico 05 – Principais Financiadores de Acordos Multilaterais no Brasil
53
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrm_orientacao.asp, Consulta: 30/06/2008
84
- analisar as causas de depopulação de centros indígenas amazônicos e os recursos
aplicáveis para sustar o seu desenvolvimento;
55
A USAID possui um programa específico para a conservação ambiental
intitulado Global Conservation Program (GCP)56 que consiste em uma parceria dela
com seis das mais importantes ONGs da conservação: World Wildlife Fund (WWF),
Conservação Internacional (CI), The Nature Conservance (TNC), Fundação da Vida
Selvagem Africana (AWF), World Conservation Strategy (WCS) e Enterprise
Works/VITA. Segundo o programa, a biodiversidade da Terra está ameaçada devido às
altas taxas de perda nas florestas tropicais, recifes de corais, pradarias e áreas produtivas
do mar aberto. Para barrar esta ameaça o GCP “é um programa para salvar globalmente
a biodiversidade”. Para tanto o GCP atua juntamente com as ONGs desde as savanas da
África, as florestas tropicais da Amazônia, aos mais diversos recifes de corais da Ásia.
Segundo a USAID o GCP opera para alcançar a conservação da biodiversidade
em regiões consideradas estratégicas, porque são ricas em recursos naturais. Para isto o
programa tem entre seus objetivos: 1) testar as abordagens inovadoras que conseguem
um maior impacto de conservação em múltiplas escalas, desde o nível comunitário até
as amplas paisagens terrestres e marinhas que ultrapassam os limites políticos; 2) os
projetos procuram contribuir para a sobrevivência humana enquanto se voltam para
diminuir as pressões sobre a conservação. Os parceiros do programa fortalecem a
capacidade local trabalhando pessoas, organizações e recursos locais; 3) apoiar
iniciativas para gerar novos conhecimentos de conservação e partilhar práticas
realizadas 57.
54
Silva (2000) se baseia no relatório do Dr. Paulo E. Berredo Carneiro, representante do Brasil na
UNESCO e presente à Conferência de Iquitos.
55
Um estudo que aborda o papel da USAID e de políticas genocidas do governo dos EUA no mundo foi
realizado por CHOMSKY, Noam & HERMAN, Edward (1976).
56
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 23/04/2008
57
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
Acesso em 23/04/2008
85
O Global Conservation Program (GCP) tem atuado em mais de trinta países e
sua ação resultou em atividades que englobavam uma área de 33 milhões de hectares
sob sua gestão, ou seja, sob a ação das ONGs consorciadas da USAID como a WWF,
CI, AWF, WCS. Segundo a avaliação da USAID o programa apresenta como resultados
importantes:
- no Nepal mais de 40% das sete mil espécies de plantas do país não são encontradas
mais em nenhum lugar da Terra. A parceria do GCP com a VITA (Enterprises Works59)
ajudou os grupos comunitários usuários da floresta a implementar planos de gestão
florestal que beneficiam economicamente pequenos produtores enquanto garantem uma
coleção sustentável de produtos florestais não-madeireiros. Em 2005 este programa
60
gerou rendimentos de 1.8 milhões de dólares para 35.000 produtores rurais pobres .
86
Além de implementar as atividades locais, os parceiros do GCP trabalham juntos para
fazer pesquisas e trocas de experiências aplicados em tópicos de amplo interesse da
conservação. Esta iniciativa de aprendizagem colaborativa e inter-institucional pretende
gerar novas abordagens de conservação e identificar e partilhar práticas de conservação
efetivas.63
63
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
acesso em 28/04/2008
64
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf . acesso
em 30/04/2008
65
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
acesso em 30/04/2008
87
4) Conservação da Natureza (TNC): A Rede de Programas de Áreas Protegidas da
Marinha Tropical procura enfrentar desafios atuais na conservação marinha em larga
escala: Baía de Kimbe (Papua Nova Guiné), As Ilhas de Raja Ampat (Indonésia), Recife
Meso Americano (Belize, Guatemala, Honduras e México) e o Parque Nacional de
Wakatobi (Indonésia);
66
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 30/04/2008
88
TABELA 04 - Valores estimados para serviços do ecossistema
Serviços do Ecossistema US$ trilhões
Habitat 1,4
89
seriam pagas por conhecerem os recursos. Outros mecanismos de mercado são
propostos para diminuir o desmatamento como a certificação florestal (as madeiras que
saíssem da Amazônia teriam um selo – verde – que identificasse sua origem e a forma
de extração – menos predatória -), outros produtos teriam um preço mais elevado e
beneficiariam as populações que extraem os recursos, etc. Todas são medidas que
supõem um mercado de concorrência perfeita, sem monopólios. Para ilustrar bem o que
citamos acima e a problemática da atuação, principalmente do imperialismo
estadunidense na Amazônia, recorremos a Lênin:
Para o capital financeiro não são apenas as fontes de matérias-primas já descobertas que
têm importância, mas também as possíveis, pois a técnica avança, nos nossos dias, com
uma rapidez incrível, e as terras hoje não aproveitáveis podem tornar-se amanhã terras
úteis, se forem descobertos novos métodos (para cujo efeito um banco importante pode
enviar uma expedição especial de engenheiros, agrônomos, etc.), se forem investidos
grandes capitais. O mesmo acontece com a exploração de riquezas minerais, com os
novos métodos de elaboração e utilização de tais ou tais matérias primas, etc.etc. Daí a
tendência inevitável do capital financeiro para ampliar seu território econômico e até o
seu território em geral. (...) manifesta a tendência geral para se apoderar das maiores
extensões possíveis de território, seja ele qual for, encontre-se onde se encontrar, por
qualquer meio, pensando nas fontes possíveis de matérias-primas e temendo ficar para
trás na luta furiosa para alcançar as últimas parcelas do mundo ainda não repartidas ou
por conseguir uma nova partilha das já repartidas (LÊNIN,[1916], 2000, p.64).
90
emergências humanitárias. Além disso, tomar medidas apropriadas durante a provisão
de alívio humanitário pode diminuir os impactos destas atividades nos ecossistemas
locais e criar bases para um desenvolvimento de longo prazo.
67
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/usaid_pubs.html
68
O documentário de John Pilger “The War on Democracy” está disponível em:
http://www.revistapueblos.org/spip.php?article1483
69
O documentário “El poder de las pesadillas”, realizado pelo documentarista Adam Curtis pela BBC,
trata sobre como os conservadores norte americanos fabricaram a ideologia de combate ao terrorismo.
Disponível: http://www.kuomodo.info/2006/11/el-poder-de-las-pesadillas.html
91
Capítulo 3 - ONGs: novos agentes do imperialismo
70
http://www.uia.org/organizations/home.php, acesso em 15/08/2008.
71
Ver o texto de James Petras: Imperialism and NGOS in Latin America, Monthly Review, Dezembro de
1997, Disponível em: http://www.monthlyreview.org/1297petr.htm
92
O primeiro período compreende até a primeira metade do século XIX quando as
organizações possuíam um caráter fortemente baseado no assistencialismo religioso,
como exemplo a Cáritas, surgida na Alemanha em 1897, e o Exército de Salvação,
criado em Londres em 1865 (GÓMEZ GIL, 2004, p.83).
O segundo período inicia-se na segunda metade do século XIX quando as
organizações eram influenciadas pelos ideais da Revolução Francesa e pelos avanços e
conseqüências da Revolução Industrial sobre a classe trabalhadora72; neste momento são
constituídas várias organizações internacionais de vocação social.
O terceiro período do final do século XIX até a década de 1970. Goméz Gil
(2004) caracteriza este período como consolidação do processo de onguismo na medida
em que aparecem ONGs muito importantes nos países ricos com ampla atuação
internacional tendo especial importância no trabalho de colonização dos países ricos
europeus, já que estas levavam para as colônias os princípios de “civilizar os
ignorantes” e “introduzir o progresso” (GÓMEZ GIL, 2004, p.85). As ONGs atuam
neste campo aparecendo para as populações dos países pobres como organizações
humanitárias, mas na realidade sua atuação serve como “mestre de cerimônia”, como
abertura de terrenos para a ação do imperialismo.
O quarto período abrange meados dos anos de 1970 até 2000; Gómez Gil atribui
à chamada globalização a principal causa do grande crescimento das ONGs no mundo
inteiro. No período de um ano, de 1984 a 1985, são criadas tantas ONGs quantas foram
em todo o período de 1909 a 1984 (GÓMEZ GIL, 2004, p.86). Nos EUA havia em 1990
mais de dois milhões de ONGs, na Espanha existiam 200.000 (GÓMEZ GIL, p. 86-87).
Neste último período surgem ONGs reconhecidas mundialmente como Mãos Unidas
(1960), Greenpeace e Médicos Sem Fronteira (1971), Médicos do Mundo (1980),
embora algumas destas surjam de outras organizações como o caso dos Médicos Sem
Fronteiras (MSF) que surgem de divergências de médicos e jornalistas franceses com a
Cruz Vermelha, e os Médicos do Mundo que nascem do MSF73. Além de crescimento
quantitativo, as ONGs ganham importância e reconhecimento mundial. Em 1997 o
Prêmio Nobel da Paz é concedido às ONGs Anistia Internacional, Oxfam, Médicos Sem
72
Polanyi (2000) demonstra que, longe de deixar a operação da economia às leis do mercado, a
intervenção do Estado na regulação econômica foi crucial para garantir a sobrevivência do nascente
capitalismo, especialmente na formulação de leis que garantissem a sobrevivência dos trabalhadores
como força de trabalho.
73
O fundador dos Médicos Sem Fronteiras, Bernard Koucher, foi nomeado em 26/05/07 Ministro dos
Negócios Estrangeiros da França, pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, responsável pela política
fascista francesa no trato com os imigrantes e na retirada de direitos sociais. Koucher já havia sido
Ministro da Saúde, euro-deputado e Administrador das Nações Unidas em Kosovo.
93
Fronteira e Greenpeace, por terem elas liderado juntamente com 350 ONGs a campanha
internacional contra as minas terrestres que resultou no chamado Tratado de Otawa74.
O Banco Mundial conceitua as ONGs, denominadas por eles, de ONGs de
desenvolvimento, como:
(...) aquelas organizações privadas, sem fins lucrativos, que trabalham em países em
desenvolvimento para aliviar o sofrimento, promover os interesses dos pobres, proteger
o meio ambiente, prestar serviços sociais básicos ou empreender o desenvolvimento da
comunidade (Banco Mundial apud PETRAS, 1995, p.229).
Para Petras (1995) as ONGs têm um peso importante na vida social e política da
América Latina devido aos seus estreitos vínculos com organizações internacionais
imperialistas como o Banco Mundial. Em 1987 as ONGs entraram com 14% da receita
líquida de assistência aos países chamados em desenvolvimento. Esse montante foi de
5,5 bilhões de dólares, dos quais 2,2 bilhões foram fornecidos às ONGs por órgãos
oficiais de assistência (PETRAS, 1995, p.229-230). Para este autor a lógica do
envolvimento do Banco Mundial com as ONGs é de amortecer as conseqüências sociais
da redução dos investimentos sociais dos governos, pois o aumento da pobreza e da
desigualdade social cria sérios conflitos que o Estado busca gerenciar.
Os projetos das ONGs respaldam as políticas da reestruturação neoliberal
implementadas por organismos do imperialismo, especialmente o BM, em alguns
aspectos: 1) constroem o discurso e fazem a propaganda de que são os pobres os
próprios responsáveis por sua pobreza, assim como devem conseguir os meios para sair
dela, via mercado, desenvolvendo competências e pregam o empreendedorismo como
receita para sair da crise econômica; 2) mostram-se mais eficientes que o Estado ao
fazerem o discurso de que o público é burocratizado, corrupto e ineficiente,
proclamando a si mesmas como as organizações capazes de suprir o que o Estado não
consegue fazer; 4) as ONGs ao defenderem a cooperação e o desenvolvimento
promovem a propaganda e o convencimento que facilitam a implementação das
políticas restritivas do Banco Mundial nos países pobres.
A vinculação das ONGs com o Banco Mundial é apontada por Gómez Gil
(2004) pelo aumento da participação destas nos projetos do Banco: no período 1973-
1988, apenas 6% dos projetos do BM tinham alguma participação das ONGs, uma
74
O Tratado de Otawa ou Tratado de Banimento de Minas Terrestres, como também é conhecido, proíbe
o uso, a produção, a estocagem e a transferência de minas terrestres anti-pessoais.
94
década depois sua participação era de 30% e chegava a 50% em 1994-1995 (GÓMEZ
GIL, 2004, p.109).
O Banco Mundial afirma que:
75
Segundo Gómez Gil as relações entre o BM e as ONGs são tão “surrealistas que a ONG Rotary
International transferiu 15 milhões de dólares ao Banco Mundial” (GÓMEZ GIL, 2004, p.114).
95
(as ONGs) trabalham o terreno, chegam até as comunidades pobres e zonas longínquas,
identificam as necessidades locais, conseguem a cooperação da população
marginalizada e prestam serviços. Nos dois últimos decênios, as ONGs têm participado
em um número crescente de projetos apoiados pelo Banco Mundial devido à sua
experiência em matéria de socorro de emergência e de desenvolvimento participativo.
Desde 1989, quando o Banco aprovou uma diretriz operacional para instar o pessoal e
aos prestatários a incorporar as ONGs em suas atividades, até a metade dos projetos
aprovados anualmente têm contemplado a participação das ONGs (BANCO
MUNDIAL, 1999, p.1).
76
http://www.fao.org/docrep/003/t3666s/t3666s00.HTM , acesso em 23/07/2008.
77
São redes institucionais que englobam ONGs.
96
A relação das ONGs com organismos do imperialismo tem papel importante
desde a fundação da ONU que reconhece as ONGs no artigo 71 de sua carta de
fundação, sendo suas funções ampliadas e melhor definidas na Resolução 1996/31 do
Conselho Econômico e Social. O artigo 71 assinala que:
a) status consultivo geral: para a maioria das ONGs que abordam os temas do qual se ocupa o
Conselho Econômico e Social e seus organismos associados, estando nesta posição umas 2.300
ONGs;
b) status consultivo especial: para ONGs que têm uma competência específica em âmbitos
delimitados e concretos, estando neste campo umas 131 ONGs;
c) a lista, para as ONGs que não estão nas categorias dos itens (a) e (b), mas que podem
contribuir com seu trabalho para as atividades do Conselho Econômico e Social e suas
organizações subsidiárias, consta neste tópico em torno de 1.200 ONGs.
O BM, a OMC, a OCDE e o FMI criaram unidades para atuação específica com
as ONGs, conceituando-as e delimitando seus espaços de trabalho (GÓMEZ GIL, 2004,
p.98). As ONGs também atuam trabalhando em objetivos que atendam a interesses de
países, como foi o caso da ONG CARE78 que, no início dos anos de 1950, desenvolveu
um programa alimentar na então socialista Iugoslávia, com o objetivo de frear uma
maior dependência deste país com a antiga URSS, conforme afirmou funcionário do
governo dos EUA: “este programa da CARE foi um dos melhores investimentos jamais
realizados pelo governo dos Estados Unidos” (ORTEGA CARPIO apud GÓMEZ GIL,
2004, p.97).
Uma das mais antigas e importantes ONGs da Europa, a Cruz Vermelha,
monopoliza o orçamento espanhol destinado às subvenções, chegando a receber em
2001 mais de 17 milhões de euros, o equivalente a 15% de todos os recursos disponíveis
78
Sobre a CARE e outras ONGs ver o artigo de Julien Teil, Las ONGs, ?instrumentos de gobiernos y
trasnacionales?, publicado no Rebelion, 08/08/2009, acesso em:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=89721
97
ou o relativo ao orçamento de 5.000 organizações que trabalham no campo da ação
social em toda Espanha (GÓMEZ GIL, 2005, p. 41).
A relação de participantes de Médicos Sem Fronteira (MSF) com governos de
direita é anterior à participação de ex-membros dos MSF no governo também de direita
de Sarkozy. Em 1985 Claude Malhuret, ex-presidente dos MSF, assumiu no governo de
Chirac numa Secretaria de Direitos Humanos, criada especialmente para ele. Jean-
Cristophe Rufin, vice-presidente dos MSF, seguiu sua carreira no gabinete do então
ministro da defesa francês, François Leótad, que montou a criminosa “Operação
Turquesa”79. Outro ex-dirigente dos MSF, Xavier Emmanuelli, Secretário de Estado de
Ajuda Humanitária, foi acusado de preparar uma segunda “Operação Turquesa”
(DUPPEN apud GÓMEZ GIL, 2005, p.89).
A propaganda desencadeada por ONGs associa determinadas mercadorias à
imagem das próprias ONGs. No caso da Espanha tal propaganda chega a ser
estapafúrdia como mostra Gómez Gil (2005, p.113): um telefone celular com uma
doação (Amena e UNICEF), uma bebida refrescante com serviço médico (PEPSI e
MSF), tabaco e ajuda humanitária (Fortuna e MPDL), rum com ajuda de emergência
(Rum Barceló e Cruz Vermelha), chocolate e vacina contra a AIDS (Nestlé e Cruz
Vermelha). O autor cita dezenas de exemplos de associação de produtos com ajuda
humanitária.
A Cruz Vermelha possui o maior orçamento anual com valor de 540 milhões de
euros, o equivalente ao PIB dos 22 países mais pobres do mundo. Em seguida vem a
CARE com 500 milhões de euros e em terceiro o consórcio internacional OXFAM com
340 milhões de euros. Se levarmos em consideração os valores anuais das dez maiores
ONGs (Cruz Vermelha, CARE International, OXFAM, Save the Children, Greenpeace,
Caritas France-Secours Catholique, Médicos Sem Fronteira, WWF, Médicos do Mundo,
Handicap International) , equivaleria a mais de 2 bilhões de euros, valor superior ao PIB
anual de 65 países pobres (GÓMEZ Gil, 2005, p.146). No capitalismo a mercantilização
engloba todos os campos da vida e nada deixa escapar, inclusive o campo da
solidariedade e da filantropia que se tornaram grandes negócios das ONGs no
capitalismo.
79
A “Operação Turquesa” foi uma ação militar da França em Ruanda, com pretensões ditas humanitárias,
no período de 22/06 a 21/08/1994, que teve o aval da ONU. A Frente Patriótica de Ruanda acusou esta
operação de criminosa, denunciando a prática de violência contra mulheres e de terem permitido a fuga de
hutus para o Zaire, que eram acusados de praticar o massacre contra os tutsis.
98
A arrecadação de fundos pelas ONGs ocorre sob um poderoso esquema de
propaganda de caráter econômico e com forte apelo sentimental, conforme as tabelas 06
e 07 que reproduzimos de Gómez Gil (2005). Mantemos o slogan em espanhol para
preservar o caráter original da propaganda:
99
Vejamos os lemas publicitários de caráter emotivo utilizados por algumas ONGs na
Espanha na tabela 07 a seguir:
Gómez Gil (2005, p.139) apresenta exemplos das contradições nas ações em que
se situam numerosas ONGs devido à natureza dos programas para os quais elas obtêm
financiamentos e as entidades que as proporcionam. Isto se refere à intervenção das
ONGs em países que passam por catástrofes naturais (terremotos, secas, inundações,
furacões, etc) e as catástrofes produzidas como são as guerras injustas contra os países
pobres. Neste campo as ONGs têm sido os atores preferenciais80 de recebimento da
ajuda humanitária das agências multilaterais, o “capitalismo da piedade” conforme
Hancock (2001). O trabalho de ajuda de emergência tem servido também para legitimar
ações do imperialismo nas guerras localizadas, conforme aponta Gómez Gil (2005):
(...) na medida em que se converteu no álibi sócio político, para legitimar, facilitar e
permitir abertamente um intervencionismo militar de novo tipo, da mão das Forças
Armadas e de outras alianças e coalizões militares. Muitas das ONGs que participam
nestes programas humanitários não estão a serviço da população que dizem servir,
senão que formam parte das estratégias e dos planos militares das forças ocupantes
(com mandato ou não das Nações Unidas), quando não levam a cabo operações
propagandistas desmedidas (GÓMEZ GIL, 2005, p. 140).
80
Existe um número reduzido de grandes ONGs que se concentram nos trabalhos de ajuda humanitário e
que recebem grande parte dos recursos de ajuda das agências multilaterais. Em 1999 apenas seis
organizações concentraram 81% da ajuda de emergência executada pelas ONGs, são elas: Cáritas, Cruz
Vermelha, Médicos sem Fronteira, Ação Contra a Fome, Movimento pela Paz, o Desarmamento e pela
Liberdade (MPDL) e ANVESAD (SANAHUJA apud GÓMEZ GIL, 2005, p. 140).
100
As ações das ONGs conforme analisado por Gómez Gil (2004,2005),
demonstram o caráter de suas intervenções no campo do assistencialismo, que tem
vinculação com o que Hancock (1991) denomina de “capitalismo da piedade”,
conforme expomos no próximo item.
101
também em 1985 a Band Aid81 coleta 76 milhões de libras para os famintos junto ao
público britânico; c) os norte-americanos enviaram 1 bilhão de dólares às organizações
benevolentes privadas engajadas no Terceiro Mundo; d) as organizações War on Want,
Oxfam, International Cristian Aid, Care Incorporated, Project Hope, Médicos Sem
Fronteiras e Médicos do Mundo, receberam US$ 2,4 bilhões para financiarem seus
projetos e programas nos países pobres. Em 1985 esta cifra chega a US$ 4 bilhões com
a campanha de combate à fome etíope (HANCOCK, 1991, p. 24).
Em 1994 quando ocorreu a tragédia dos Grandes Lagos, em Ruanda, que levou
à matança de mais de 500.000 tutsis e o êxodo de mais de um milhão de pessoas,
desembarcaram neste país mais de 200 ONGs com projetos tão extravagantes quanto o
de estudar o sistema político de Ruanda (GÓMEZ GIL, 2005, p.36).
Historicamente, a perversa espoliação dos povos das Américas, África e Ásia foi
acompanhada por missões religiosas que produziram os nefastos efeitos que a história já
conhece. As ONGs e organizações humanitárias têm também trabalhado neste campo e
são freqüentes as denúncias contra elas, também na ação de contra-insurgência e
espionagem. Hancock (1991) cita a acusação contra a atuação da World Vision em
Honduras no período de 1980-1981, onde seus funcionários se recusavam a dar
alimentação aos refugiados que não participassem dos auxílios religiosos da missão dos
protestantes. Os funcionários da World Vision também foram acusados de serem da
polícia e de trabalharem para o serviço secreto por terem entregue a localização e o
nome de ativistas políticos que estavam nos campos de refugiados por eles assistidos. A
denúncia mais grave foi sobre o episódio ocorrido na noite de 22 de maio de 1981,
quando dois refugiados salvadorenhos que estavam abrigados na cidade hondurenha de
Colomoncagua foram recolhidos pela World Vision e colocados em um veículo onde
lhes disseram que estavam sendo levados ao campo de refugiados de Limones. Em lugar
disto eles foram entregues às Forças Armadas. Alguns dias mais tarde eles foram
encontrados mortos na fronteira. A World Vision negou veementemente todas as
acusações de envolvimento com o caso (HANCOCK, 1991, p.33-34).
No aspecto da caridade estar associada ao missionarismo religioso é
esclarecedora a fala do ex-presidente da World Vision, Ted Engstrom citado por
Hancock (1991):
81
A Band Aid é uma organização inglesa fundada pelo músico Bob Geldof. Esta é uma das pouquíssimas
instituições que Hancock aponta como tendo um trabalho mais sério.
102
Nós analisamos cada projeto, cada programa que estamos envolvidos, para nos
assegurar que a evangelização é um componente significante. Nós não vamos
alimentar os indivíduos para em seguida os enviar ao inferno (HANCOCK, 1991, p.
33).
82
A Fundação Ford (FF) foi fundada em 1936 para usufruir de uma isenção de impostos sobre os lucros
do império Ford, e suas atividades se limitavam ao estado de Michigan/EUA. Em 1950, já que o governo
dos EUA concentrou suas atenções na batalha contra a ameaça comunista, a FF se converteu em uma
fundação nacional e internacional.
83
Fonte: http://www.rupe-india.org/35/contents.html ,acesso em 15/01/2008.
103
período da Guerra Fria, a FF se consolidou como uma das principais organizações
implementadoras da política cultural daquele período, conforme Saunders: "A Fundação
registrou um grande envolvimento em ações secretas na Europa, trabalhando
estreitamente ligada a funcionários do Plano Marshall e da CIA em projetos
específicos" (SAUNDERS apud PETRAS, 2001, p.1).
A FF e a CIA também possuíam relações estreitas na troca de pessoal e até de
diretores. Richard Bissell, chefe da FF durante os anos de 1952-54, reunia-se
freqüentemente com Allen Dulles, chefe da CIA; quando saiu da FF tornou-se assistente
especial de Dulles na CIA. Bissell foi substituído por John McCloy como chefe da FF.
Sua carreira anterior incluía cargos como Secretário do Departamento da Guerra,
presidente do Banco Mundial, Alto Comissário da Alemanha ocupada, presidente do
Banco Chase Manhattan de Rockefeller e advogado das sete grandes empresas de
petróleo na Wall Street. McCoy intensificou a colaboração CIA-Ford criando um
departamento administrativo dentro da FF para ligar especificamente a fundação com a
CIA; e pessoalmente comandou um comitê consultivo com a CIA para facilitar o uso da
FF para cobrir e canalizar fundos. Em 1966, McGeorge Bundy, até então assistente
especial do presidente encarregado da segurança nacional, tornou-se chefe da FF. Isto se
constituiu em uma colaboração estreita entre a CIA e a Fundação (PETRAS, 2001).
O objetivo da FF, de acordo com Bissell, era "não apenas derrotar os
intelectuais no combate dialético [sic], mas afastá-los de suas posições" (SAUNDERS
apud PETRAS, 2001, p.2). Assim a FF canalizou os fundos para o Congresso da
Liberdade Cultural, nos anos de 1950; uma das mais importantes atividades do
Congresso foi a criação do jornal intelectual Encounter. Um grande número de
intelectuais estavam prontos para serem atraídos. A CIA/FF chegou ao ponto de
encorajar tendências artísticas específicas tais como o Expressionismo Abstrato para
conter a arte que refletia preocupações sociais.
A infiltração da CIA em fundações dos EUA era comprovada. Um Comitê
Seletivo do Senado dos EUA, em 1976, descobriu que, durante os anos de 1963/66,
cerca de 700 doações de mais de 10 mil dólares foram repassadas a 164 fundações; pelo
menos 108 estavam parcial ou totalmente ligadas à CIA (SAUNDERS apud PETRAS,
2001, p.1). De acordo com Petras “os laços entre os altos funcionários da FF e do
governo dos EUA são explícitos e continuados. Uma avaliação dos projetos
recentemente financiados revela que a FF nunca deu dinheiro a nenhum projeto que
fosse contrário à política dos EUA" (PETRAS, 2001, p.6). Esta política permitiu à FF
104
financiar organismos diversos como universidades, sindicatos, grupos de minorias e,
atualmente, principalmente, as ONGs.
O documento do Grupo de Pesquisa de Economia Política da Índia - RUPE84
denuncia a ação da FF na Índia. A FF estabeleceu escritório na Índia em 1952, processo
iniciado em 1951 por Chester Bowles, embaixador dos EUA na Índia85. Os EUA tinham
perdido a China com a Revolução Chinesa de 1949; ligado a isto havia grande
preocupação com o que eles consideravam ser a falta de habilidade do exército indiano
de reprimir a luta armada camponesa em Telangana (1946 a 1951).
O novo escritório da FF em Nova Delhi foi então criado e constituiu-se no
primeiro programa da FF fora dos EUA. Esta sede da Fundação Ford na Índia
transformou-se em um dos maiores escritórios em operações de campo e também tinha
a incumbência de cobrir o Nepal e o Sri Lanka. Esta região era, e ainda é, politicamente
estratégica para os EUA no período da Guerra Fria por conta da proximidade destes
países com a China então comunista e atualmente devido a situações revolucionárias
que vivem países como o Nepal e a Índia86.
Segundo a RUPE (op.cit.) a "FF adquiriu um poder extraordinário sobre os
organismos de planejamentos indianos”. Cita documentos que relatam o poder da FF na
Índia que afirmavam que a partir de 1950 até o inicio dos anos 1960 os estrangeiros
passaram a ter mais autoridade do que os indianos e a FF e o Centro de Estudos
Internacionais (fundado pela CIA/FF) operavam como "conselheiros para a Comissão
de Planejamento da Índia". Em seu relatório, o então embaixador do EUA na Índia,
Chester Bowles escreveu que:
84
http://www.rupe-india.org/35/contents.html , acesso em 15/01/2008
85
Posteriormente o próprio Chester Bowles, afirma que: "Algum dia alguém deverá fazer ao povo
americano um relatório completo sobre a Fundação Ford na Índia. Os milhões de dólares nos gastos totais
da Ford no país não contam nem um terço da história". Fonte: http://www.rupe-india.org/35/contents.html
, acesso em 15/01/2008.
86
A Guerra Popular no Nepal ocorreu no período de 1996-2006 dirigida pelo Partido Comunista do Nepal
(maoísta), ver http://www.cpnm.org/. Sobre o processo da Guerra Popular na Índia ver Cruz (2008), La
revolución naxalita, publicado no Rebelion em 15/10/2008:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=74346
105
Por causa das características da Revolução Chinesa e da luta de Telangana, a
prioridade dos EUA na Índia foi a de encontrar maneiras de impedir a agitação no
campo. Portanto a primeira fase do trabalho da FF constituiu-se no 'desenvolvimento
rural'. A FF envolveu-se bastante com o Programa de Desenvolvimento Comunitário
(PDC) do governo indiano, que o então primeiro ministro indiano, Jawaharlal Nehru,
definiu "como um modelo para enfrentar a ameaça revolucionária dos movimentos de
esquerda e dos camponeses comunistas que exigiam reformas sociais básicas na
agricultura" (RUPE, 2003, p.37). Estas vinculações objetivavam realizar o
desenvolvimento agrícola a partir de fundos do Programa e do trabalho voluntário nos
vilarejos, produzindo o que Nehru chamou de uma "revolução pacífica".
A convite do governo indiano a FF ajudou a treinar 35.000 trabalhadores do
campo para o Programa de Desenvolvimento Comunitário - PDC. Em 1960, as
Fundações Ford e Rockefeller haviam aplicado cerca de 50 milhões de dólares somente
no PDC. E em 1971 a Índia, com recursos que totalizavam 104 milhões de dólares, era
de longe o maior recebedor de fundos do Programa de Desenvolvimento Comunitário
da Fundação Ford no estrangeiro. Estas políticas, no entanto, não produziram nenhum
desenvolvimento nem resolveram o problema agrário e tampouco os graves problemas
sociais da economia indiana daí decorrentes87 (RUPE, 2003, p.37).
Em 1959, um grupo liderado por um departamento econômico de agricultura dos
EUA produziu o Relatório sobre a Crise dos Alimentos na Índia e as Medidas para
Resolvê-la, da Fundação Ford. No lugar de mudanças na estrutura agrária do país o
relatório recomendava a adoção de medidas tecnológicas como solução aos problemas
do campo indiano. Foi esta a estratégia da 'Revolução Verde'. A FF chegou até a dar
recursos para o Programa de Desenvolvimento Agrícola para testar a estratégia,
provendo os ricos fazendeiros nas áreas irrigadas de produtos subsidiados, de crédito
generoso, incentivos fiscais, etc. O Banco Mundial também participou dessa estratégia.
A Revolução Verde, longe de beneficiar os camponeses indianos, gerou grandes ganhos
econômicos a grupos estrangeiros do setor agrícola (RUPE, 2003, p. 37 – 38).
A partir de 1972 houve uma mudança nas atividades da FF na Índia. No início a
FF tinha um grande quadro de funcionários ligados ao desenvolvimento agrícola e rural,
87
Sobre a realidade da atual economia Indiana ver os documentos números 36 & 37 da RUPE: The Real
State of India’s Economy Growth Suppressed, Parasitism to the Fore, em http://www.rupe-
india.org/36/contents.html
106
dando assistência técnica nessas áreas e implementando diretamente seus projetos. A
partir daquele período as atividades desenvolvidas pela FF continuam relativas à
implementação de "organização dos bens e do desenvolvimento comunitário", "paz e
justiça social" e "educação, mídia, artes e cultura". Entre os objetivos de "paz e justiça
social" da Fundação Ford estão a promoção dos direitos humanos, principalmente das
mulheres, a proteção das instituições do governo; o fortalecimento da "sociedade civil
através de ampla participação de organizações individuais e cívicas" e o apoio à
cooperação regional e internacional (RUPE, 2003, p. 38).
Durante o período de 1952 a 2002, o escritório da Fundação Ford de Nova Delhi
havia distribuído cerca de 450 milhões de dólares em recursos financeiros. Em uma
conferência de imprensa para comemorar o 50º aniversário da FF na Índia, o
representante da fundação na Índia disse que esta estava lançando um novo programa de
45 milhões de dólares, duas vezes maior que o total anual de recursos, e se
comprometendo a doar fundos substanciais a grupos marginalizados como os adivasis,
dalits e mulheres. Ao ser questionado se a mudança em foco estava sendo feita por
causa das desigualdades causadas pelas políticas econômicas do governo indiano de
globalização e liberalização, ele afirmou que não havia razão para se afastar da
globalização, mas que ela havia produzido também alguma preocupação. Os projetos,
portanto, agiriam como uma medida corretiva para aliviar o impacto adverso da forças
descontroladas do mercado (RUPE, 2003, p.38).
Esta política da FF escolheu focar em três setores particularmente oprimidos da
sociedade indiana, os adivasis, os dalits e as mulheres. Todos os três são componentes
importantes de um movimento para uma mudança básica na sociedade indiana.
Algumas das lutas mais militantes dos anos recentes foram deflagradas por estes
setores. A FF trata os problemas de cada um desses setores como uma questão separada
a ser resolvida por uma "promoção especial de direitos e oportunidades" e não como um
problema de classes. Já que os recursos da FF são insignificantes em relação ao
tamanho dos problemas sociais, os benefícios de seus projetos fluem para uma pequena
parte desses setores, ou seja, para pessoas que poderiam ter liderado seus amigos
adivasis, dalits e mulheres para o caminho do "confronto com o governo" com o
objetivo de produzir mudanças básicas, mudanças para todos. Ao invés disto vão para
disciplinas especiais nos estudos dos dalits, a serem criadas em várias instituições, vão
para as mulheres se concentrarem somente em questões tais como a violência doméstica
em vez da violência da classe dominante e violência do Estado, ou, ainda, vão para os
107
adivasis serem encorajados a explorar sua identidade em seminários e assim as coisas
permanecerem sempre como estão (RUPE, 2003, p. 39).
Os países capitalistas ricos, principalmente após a II Guerra Mundial,
desenvolveram uma verdadeira “indústria da piedade” e da “cooperação”. Nos países da
OCDE quase todas as administrações possuem Ministérios, Secretarias ou escritórios de
“Solidariedade e Cooperação Internacional”.
Bosch (2007)88 aponta seis grandes motivações que movem os países capitalistas
ricos para as atividades de cooperação internacional. Para Bosch (op.cit) apenas uma
possui fins honrosos, os demais atendem aos interesses de Estado que seriam muito
difíceis de conseguir de outro modo:
1) Cooperações para formar alianças geoestratégicas, sejam de caráter geopolítico,
geoeconômico e militar. Exemplo recente foi a invasão do Iraque pelos EUA em 2003,
que contou com todo o processo de pressão prévia feita pelos EUA junto a seus aliados
no Conselho de Segurança das Nações Unidas;
88
David Llistar i Bosch, é coordenador do Observatório da Dívida na Globalização (Observatório de la
Deuda em la Globalización).
89
A USAID, uma das responsáveis por enviar à África, em épocas de catástrofes, grandes quantidades de
grãos transgênicos, com sérios riscos e graves conseqüências de contaminação para a população. Essas
grandes doações muitas vezes também garantem o preço de produtos agrícolas em baixa nos mercados.
108
de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento, os programas para os
países endividados, dirigidos pelo FMI, inclusive a função de muitas ONGs de caráter
assistencialista, humanitário, conservacionista e outras;
109
muito ricos de seu país poderiam desfrutar (HANCOCK, 1991, p. 57). O autor
entrevistou vários funcionários dessas organizações para compreender o que de fato os
movia para irem trabalhar em países de condições tão adversas. A maioria dos
entrevistados admitiu que candidatavam-se a esses cargos especialmente por causa dos
altos soldos recebidos e em algumas profissões por conta da falta de empregos em seus
países de origem. Alguns estavam com idade mais avançada e admitiam que os últimos
três anos de trabalho na ativa elevariam a aposentadoria deles (idem, p. 136-137). O
autor os denomina como os “yuppies da beneficência” e o auge de suas carreiras é
quando trabalham para as Nações Unidas, por serem melhores remunerados e terem
regalias semelhantes às do mundo diplomático (idem, p. 139).
Os exemplos de inoperância, desperdícios e descaso dos órgãos de ajuda
humanitária colocam em risco a vida de milhares de pessoas muito pobres. Para a
Somália foram enviadas grandes quantidades de remédios que as autoridades sanitárias
desse país consideraram ‘lixo’. O Sudão, um dos países mais quentes do mundo,
recebeu doações inúteis como cremes para rachaduras nos pés e cobertores elétricos.
Países que tem na fome seu principal problema recebem sopas e chocolates dietéticos
em grandes quantidades (idem, p. 37-38). A Comunidade Econômica Européia (CEE)
enviou toneladas de trigo radioativo, (idem p.39). A Food for Hungry (norte-americana)
enviou ao Camboja dezenove toneladas de alimentos que, por estarem tão velhos,
tinham sido recusados pelo jardim zoológico de São Francisco, e os remédios enviados
estavam vencidos há mais de quinze anos (idem, p.39). Os laxantes e remédios para
indigestão estão entre os produtos favoritos das listas de doações.
Os exemplos de desperdício beiram a insanidade. Foram comprados dois centros
sanitários polivalentes pré-frabricados na Finlândia, ao custo de um milhão de dólares
cada. Quando estes chegaram na Somália para serem transportados à Mogadiscio,
constatou-se que os equipamentos não cabiam em nenhum dos dois únicos caminhões
disponíveis para transporte (idem, p 37).
Em algumas situações a caridade coloca em risco a vida dos pobres. A Map
International Inc. (Illinois) recebeu de doação estimuladores cardíacos no valor de US$
17 milhões do American Hospital Supply Corporation (AHS). Com essa doação o AHS
teria um substancial abatimento fiscal para um setor que de qualquer forma ele havia
decidido suprimir. Esses equipamentos chegaram aos países pobres e constatou-se que
seus marca-passos e estimuladores possuíam graves problemas que colocariam em risco
a vida dos pacientes (idem, p. 43).
110
O exemplo dos desperdícios do “capitalismo da piedade” envolvem também
fortes emoções. No fim de 1984 um canal de TV francesa organizou a “caravana da
esperança” que faria uma espécie de rali para levar aos países pobres do oeste africano
medicamentos, alimentação e equipamentos. Foi gasto na aquisição destas doações
quase o mesmo montante do que custou a comunicação por satélite com a França
durante a viagem. Devido às altas velocidades da caravana a maioria da doação foi
perdida no caminho (idem, p. 43-44).
Em 1971 a ONU fundou o Escritório de Coordenação dos Unidos para o Socorro
em Caso de Catástrofe (UNDRO), ao custo de US$ 50 milhões, pagos com
contribuições dos países ricos. Segundo relatório confidencial os próprios auditores
chegaram à conclusão que a UNDRO não alcançou os objetivos de sua missão. O autor
cita mais exemplos do desperdício: a compra de duas estações de rádio para melhorar a
freqüência, ao custo de US$ 90.000, na qual os auditores constataram que os postes não
foram utilizados; a grande parte das viagens efetuadas90 pela equipe da UNDRO era
para efetuar contatos e representações nos países doadores (idem, p.50). Os auditores
das operações humanitárias da Comunidade Econômica Européia (CEE) concluíram que
estas não passam de um “catálogo de desastres”, com seus erros, incompetência e
burocracia, seus desperdícios, impropriedades e atrasos imperdoáveis (idem, p.41). A
ONU realizou pesquisa em 84 organizações que fazem parte de seu Programa Alimentar
Mundial. As organizações responderam que levavam em média 196 dias para responder
aos pedidos de assistência e entrega de alimentação aos países pobres (idem, p. 52).
Hancock esteve presente como observador na reunião anual do BM e FMI no
ano de 1986; ele ficou bastante impressionado com o montante de recursos que a
pobreza pode render para alguns. O custo total dos setecentos eventos sociais
organizados para os delegados do encontro ficaram em torno de US$ 10 milhões (idem,
p.73). Para compararmos o nível das disparidades, esta quantia seria suficiente para
fornecer durante um ano comprimidos de vitamina A para 47 milhões de crianças
pobres asiáticas e africanas, para livrá-las dos problemas de visão e até cegueira causada
pela xérophtalmie (carência de vitamina A) (idem, p. 75). O autor constatou pompa e
cerimônia: jantares de US$ 200 por pessoa, hotéis de cinco estrelas fazem parte
90
Em uma das entrevistas realizadas por Hancock com um consultor da “indústria da assistência”, este
contou que ele possuía tantas milhas acumuladas, por ter percorrido 160.000 km nas suas viagens de
consultoria, que daria para ele fazer a volta ao mundo em uma de suas próximas viagens de férias
(HANCOCK, p. 136).
111
integrante da vida daqueles que trabalham nas Organizações Internacionais de
Assistência.
A “indústria da assistência” remunera muito bem seus funcionários, todos
patrícios dos financiadores das agências internacionais. O então presidente do Banco
Mundial em 1986, Barber Conable, resolveu enxugar o quadro de pessoal da instituição
demitindo 600 pessoas. O custo das indenizações milionárias alcançaram a cifra de US$
175 milhões, montante suficiente para pagar a escolaridade elementar completa para
sessenta e três mil crianças pobres da América Latina ou da África (idem, p.79).
Hancock utiliza o termo “Indústria do Desenvolvimento S.A.” para nomear uma
indústria internacional gigante, complexa, diversificada e funcionando por delegação.
Financiada pelas doações públicas dos países ricos, ela emprega milhares de pessoas no
mundo para atender um grande leque de objetivos econômicos e humanitários.
Destinada a promover o desenvolvimento nos países pobres conforme as próprias
palavras do presidente do BM em 1987, Barber Conable:
Pensando no futuro, eu estou de fato confiante: nós vamos melhorar fortemente nossa
aptidão institucional de aportar apoio sensível, eficaz e apropriado a cada um de nossos
devedores e lhes oferecer uma liderança intelectual na compreensão do
desenvolvimento (BARBER CONABLE apud HANCOCK, 1991, p. 79, destacado
nosso).
112
alimentar, embora nenhum refira-se a desenvolvimento, são considerados como Ajuda
Pública ao Desenvolvimento - APD.
Os fluxos de ajuda pública realizados por dezoito países industrializados
alcançou o montante de 45 a 60 bilhões de dólares por ano na década de 1980
(HANCOCK, 1991, p.81). O autor relativiza esta cifra ao compará-la com outros dados:
a) os EUA e a então URSS gastavam US$ 1,5 bilhões por dia com gastos militares para
suas defesas, ou seja, o total da ajuda mundial equivalia a um mês dos gastos dos países
com despesas militares; b) cinqüenta mísseis “Peacekeeper MX” custavam US$ 4,5
bilhões, mais que a Ajuda Pública ao Desenvolvimento - APD da Alemanha; c) o custo
de um ano da “Guerra nas Estrelas” foi de US$ 3,9 bilhões, mais do que a APD do
Reino Unido e do Canadá; d) em 1962 os Estados Unidos gastaram quase US$ 300
milhões para treinamento de golfinhos com fins militares, mais do que os orçamentos de
ajuda anual da Áustria e Nova Zelândia juntas; e) em 1988 a Grã Bretanha gastou
quatorze vezes mais com sua defesa do que com doações (US$ 1,8 bilhões). As
mulheres britânica gastaram US$ 480 milhões em perfumes e cosméticos, mais do que
toda a ajuda da Suíça de US$ 429 milhões; f) os free shops faturaram mais de US$ 5,5
bilhões, mais do que a França despendeu em ajuda; g) os norte americanos gastavam
US$ 22 bilhões por ano com cigarros, mais do que as doações dos três maiores doadores
juntos (EUA, Japão e França); h) Michael David Weill, da sociedade americana Lazaid
Frères, ganhava anualmente como salário o equivalente aos orçamentos de ajuda da
Nova Zelânia e Irlanda (US$ 128 milhões), i) os dez bilhões de dólares que os EUA
destinavam à ajuda estrangeira, representavam menos da metade da fortuna de Yoshiaki
Tsutsumi, dono do Grupo SEIBU e um dos homens mais ricos do mundo (HANCOCK,
1991, p.82-84).
Um dos mais bem sucedidos exemplos da atual filantropia é o ex-presidente dos
Estados Unidos, Bill Clinton, que reuniu em Nova York, por ocasião da reunião anual
da ONU, celebridades e milionários, para arrecadar fundos para combater os males da
miséria, da AIDS e do aquecimento global nos países pobres. Em apenas três dias a
Clinton Global Initiative arrecadou US$ 7,5 bilhões para 215 projetos ao redor do
mundo, acumulando em apenas dois anos de existência, US$ 10 bilhões (Jornal O
Globo, 24/09/2006).
A filantropia e sua ‘indústria da piedade’ pouco contribuiem para com a redução
dos males que atingem povos do mundo inteiro. A extrema disparidade entre ricos e
pobres segue em nosso país e também no mundo. Segundo dados do relatório da ONU
113
(2006) mostram que mais de metade da riqueza mundial está nas mãos de apenas 2%
dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm 1%. A riqueza está distribuída
de forma extremamente desigual e também sua distribuição geográfica: 90% do total da
riqueza está concentrada na América do Norte, na Europa e nos países de alta renda da
Ásia e do Pacífico. O aumento da concentração da riqueza nas mãos de tão poucos
cresceu enormemente nos últimos cinqüenta anos. Para termos uma idéia o patrimônio
per capita no Japão é de US$ 181.000, nos EUA de US$ 144.000, enquanto no Congo e
na Etiópia é de menos de US$ 200.
114
3) de políticas institucionais e; 4) da utilidade da biodiversidade.91 O resultado deste
seminário foi baseado nos documentos preparados pelo consórcio das ONGs citadas que
possuem caráter conservacionista. A nosso ver esta política demonstra a estratégia
conservacionista elaborada pela USAID exposta nos documentos: 1) Biodiversity
Support Program92, 2) Biodiversity Conservation: A guide for USAID staff and
partners93 e, 3) USAID’s Global Conservation Program Working Together to Protect the
World’s Biological Wealth for Future Generations94.
Para Diegues (2008) as ações das grandes ONGs ambientalistas indicam que:
91
Estes critérios estão baseados no Programa de Conservação Global da USAID, que apresentamos no
capítulo 2.
92
Fonte: http://www.worldwildlife.org/bsp/programs/latin/
93
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/usaid_pubs.html
94
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
115
uma dívida externa ilegítima por áreas de proteção ambiental nos países endividados e
ricos em biodiversidade. O mecanismo de troca de dívida está contemplado na Lei de
Conservação de Florestas Tropicais-The Tropical Forest Conservacion Act (TFCA).
Criada pelo governo norte-americano em 1998 é segundo seu programa oficial:
(...) uma oportunidade para os países em desenvolvimento de reduzir sua dívida externa
com os EUA, ao mesmo tempo em que geram recursos para financiamento de
atividades que proporcionem a conservação de importantes áreas de florestas tropicais
95
.
Elosegui (2007) elucida que estes mecanismos foram criados no final da década
de 1980 e que os EUA firmaram este tipo de convênio com Bangladesh, Belize, El
Salvador, Filipinas, Peru, Colômbia e Paraguai. O autor cita o caso colombiano96 que,
baseado na Lei de Conservação de Florestas Tropicais, e assumido pelo governo de
Álvaro Uribe, assinaram esse tipo de acordo em abril de 2004. Nesse contrato, os EUA
e Colômbia trocaram títulos de dívida externa colombiana por natureza no valor de US$
10 milhões, tendo o governo colombiano que se comprometer a proteger áreas de
floresta tropical. Para tanto os EUA cederam à Colômbia US$ 7 milhões de acordo com
as normas da TFCA. As ONGs TNC, CI e WWF contribuíram com US$ 1,4 milhões de
dólares.
Choudry (2007, p.7) cita a ação da CI na Bolívia, também no mecanismo de
troca de dívida por natureza. Em 1987 esta ONG comprou uma pequena parte da dívida
boliviana em troca da concessão do governo boliviano para CI apoiar a expansão da
Reserva Biológica Beni, que contém uma das maiores reservas mundiais de mogno e
cedro tropicais.
As grandes ONGs da conservação: The Nature Conservancy (TNC),
Conservation International (CI) e Word Wildilife Fund (WWF) são denominadas por
Diegues (2008) como multinacionais da conservação.
A WWF foi fundada em 1961 em um pequeno escritório na Suíça. Inicialmente
era a coordenadora de levantamentos de fundos da IUCN (International Union for the
Conservation of Nature). No fim dos anos de 1970 a WWF dos EUA ocupava um
modesto escritório em Washington e empregava 25 pessoas. No final dos anos de 1980
95
Disponível em http://www.usaid.gov/our_work/environment/forestry/tfca.html (acesso em 05/01/2007).
96
O documento está na página da embaixada do EUA na Colômbia, disponível em
http://bogota.usembassy.gov/wwwspc59.shtml, (acesso em 05/01/ 2007).
116
ela cresceu rapidamente e chegou a empregar cerca de 4.000 pessoas em todas as suas
unidades espalhadas em mais de 90 países pelo mundo.
A TNC foi fundada na metade dos anos de 1940 por um grupo de cientistas que
objetivavam salvar áreas naturais nos EUA. Em 1965 a Fundação Ford pagou pela
primeira vez o salário de seu primeiro presidente em tempo integral. Em 1970 a TNC
estava em todos os estados dos EUA e se expandia pela América Latina. Teve um
vertiginoso crescimento nos anos de 1990, atuando no momento na África, na Ásia, no
Caribe e nas Américas do Norte, Central e do Sul. A TNC é considerada a maior
organização de conservação ambiental do mundo, com patrimônio avaliado em mais de
US$ 3 bilhões.
A CI foi fundada em 1986, sendo resultado de conflitos do staff internacional da
TNC e de grupos que saíram da WWF em 1989. Tornou-se a mais agressiva instituição
de arrecadação de fundos. Possui uma estreita vinculação com grandes corporações
como Cemex, Citigroup, Chiquita, Exxon Mobil Foundation, Ford Gap, J.P. Morgan
97
Chase and CO, McDonalds, Sony, Starbuks, United Airlines e Walt Disney .
Atualmente tem como principais financiadores quatro organizações: Gordon & Betty
Moore Foundation, MacArthur Foundation, o Banco Mundial e o GEF (Global
Environment Facility)98. As grandes ONGs da conservação estão envolvidas e são
financiadas por corporações da área de petróleo, gás, farmacêutica e minas. Isto é no
mínimo uma contradição, ou seja, que as maiores empresas poluidoras ou financiadoras
de projetos e atividades responsáveis pela depredação do meio ambiente apareçam
como parceiras e financiadores da proteção ao meio ambiente.
A literatura pesquisada (CHAPIN, 2004; CHOUNDRY, 2007; VÉLEZ, 2004)
aponta para o que se convencionou chamar nas três grandes ONGs da conservação,
WWF, CI e TNC, ou ainda, “as multinacionais da conservação”. Os documentos
mostram também os problemas de concentração de verbas de doações para estas ONGs,
e da contraditória atuação delas em terras indígenas. Chapin (2004) relata estes
problemas. No Encontro sobre Biodiversidade, realizado na cidade de Dakota, em junho
97
As informações sobre os parceiros e financiadores da CI estão disponíveis em sua página:
www.conservation.org.
98
The Global Environment Facility (GEF), instituído em 1991, diz ajudar os países em desenvolvimento
a financiar projetos e programas que protejam o ambiente global. GEF concede apoio a projetos
relacionados à biodiversidade, às alterações climáticas, águas internacionais, à degradação do solo, à
camada de ozônio, e aos poluentes orgânicos persistentes. Fonte: http://www.gefweb.org/, acesso em
02/01/2007.
117
de 2003, importantes fundações doadoras de recursos99 realizaram uma reunião para
discutir os problemas envolvendo as três ONGs100. Duas questões principais foram
apresentadas: 1) o fato das três ONGs terem se tornado extremamente poderosas e ricas
em um período de tempo tão curto; e 2) de como suas ações nas questões ambientais
têm gerado reclamações e protestos por partes das comunidades locais, ONGs nacionais
e ativistas de direitos humanos. Desta reunião ficou decidido que a Fundação Ford (FF)
ficaria responsável por realizar um estudo que averiguasse as denúncias contra as três
ONGs. A investigação foi realizada, mas o relatório da FF jamais foi divulgado, ficou
restrito a um relatório interno. Chapin (op.cit., p. 28) relata que a FF recebeu enormes
pressões das big ONGs para não publicar o relatório, Study on critical New
Conservations Issues in the Global South.
Chapin (2004) esclarece que o relatório da Fundação Ford continha várias
reclamações e denúncias contras as ONGs em diversos lugares onde estas atuam:
México, Venezuela, Guiana, Suriname, Papua Nova Guiné e Congo. Em Vilcabamba,
região do Peru, a CI foi acusada de tratar com desrespeito e de ser grosseira e arrogante
com ONGs locais e organizações indígenas. Em Laguna de Tigre, na Guatemala, a CI
teve seu escritório incendiado depois de uma grande briga com ONGs locais por causa
de recursos101. A forma do tratamento das big ONGs, colonialista no conteúdo, com os
representantes das comunidades locais, configura-se mais grave se levarmos em conta
todo o discurso participativo, de envolvimento e do “empoderamento”102 das
comunidades locais propostos pelos projetos das grandes ONGs ambientalistas.
Para amenizar a não publicação do relatório é realizado em 20 de abril de 2004
um encontro para discutir os principais pontos do relatório da Fundação Ford com os
representantes das grandes ONGs como WWF, TNC, CI e ainda IUCN e WCS103.
99
As fundações são: Ford, MacArthur, Moriah, Wallace Global, C.S. Mott e OAk que são também as
maiores fundações do controvertido tratado de biodiversidade.
100
Terminologia utilizada na literatura consultada para designar a WWF, TNC e CI.
101
Na região de fronteira amazônica trinacional do Brasil (Acre), Peru (Madre de Díos) e Bolívia(Pando),
onde ocorre um grande projeto, o MAP, com forte participação das big ONGs, aconteceram também
problemas com as ONGs locais, que denunciaram as grandes ONGs de monopolizar recursos financeiros,
conforme mostra o texto de Dourojeanni (2005).
102
Palavra originada do inglês empower, o empoderamento é um termo muito utilizado pelas ONGs
ambientais na Amazônia; consiste em uma estratégia delas de tornar as pessoas das comunidades
envolvidas, através de seus diversos projetos, mais “empoderadas”, mais cidadãs.
103
- IUCN (The World Conservation Union), segundo sua página na Internet ela é a maior e mais
importante rede de conservação do mundo. Abrange 83 países, 110 agências governamentais, e mais de
800 ONGs, além de 10.000 cientistas e especialistas de 181 países, em uma única parceria pela
preservação do mundo selvagem. Fonte: http://www.iucn.org/en/about/, acesso em 10/01/2007.
- WCS (The Wildlife Conservation Society), organização que funciona desde 1895. Atua em 53 países na
África, Ásia, América Latina e América do Norte, onde é responsável pelo famoso Bronx Zoo. Seu
118
Compareceram os então presidentes da WWF (Kathryn Fuller), da CI (Peter Seligman)
e da TNC (Steven McCormick), entretanto não foram convidados nenhum dos
representantes dos povos indígenas (CHAPIN, op. cit., p. 28). Duas questões levantadas
sobre a atuação das ONG merecem serem destacadas, dado o teor das respostas de seus
representantes: 1) sobre a crítica de que elas não trabalhavam de fato em conjunto com
as comunidades. Neste caso responderam que seus objetivos é a conservação e não a
redução de pobreza, e que seus programas também objetivam “construir capacidades”;
2) sobre os fatos de seus parceiros e financiadores serem empresas poluidoras, eles
alegaram que são organizações apolíticas e que é ao governo que cabe a fiscalização da
ação dessas empresas (idem, p, 28).
Na metade dos anos de 1980, a USAID começou a exigir a participação das
comunidades nos programas das ONGs que ela financiava. Essa estratégia aparece nos
programas implementados no Brasil, sob diversos nomes: parceria ecológica,
gerenciamento comunitário dos recursos, conservação integrada, manejo comunitário,
etc.
De acordo com Chapin (2004) os recursos de financiamento para ONGs da
conservação de forma geral declinaram 50% na metade dos anos de 1990, ao mesmo
tempo em que os recursos das três big ONGs (WWF, TNC e CI) têm aumentado
consideravelmente. Suas receitas conjuntas para 1998 foram de US$ 635 milhões, para
1999, de US$ 899 milhões, em 2000, de US$ 965 milhões e, em 2002, alcançaram o
montante de US$ 1,28 bilhões, sendo que o valor de US$ 804 milhões foi gasto com
conservação neste ano. Segundo o autor a USAID concedeu, no período de 1990-2001,
US$ 270 milhões para ONGs, Universidades e instituições privadas para atividades de
conservação. A WWF recebeu 50% deste montante e o restante foi dividido entre CI,
TNC, WCS e AWF (CHAPIN, 2004, p.22). Desta repartição podemos perceber os
problemas e contradições que vão aparecer entre as grandes ONGs da conservação.
A base de arrecadação de fundos das três big ONGs envolve fundações privadas,
agências bilaterais e multilaterais, corporações, governo dos EUA e indivíduos. A WWF
tem um programa chamado “Pennies for the Planet” (Tostões para o planeta), que
recebe doações até dos cofrinhos ‘piggs’ (porquinhos) das crianças norte-americanas. A
Gordon & Betty Moore Foudation realizou uma das maiores doações para ONGs, das
que se tem conhecimento: doou US$ 261,2 milhões para CI. Este montante tinha como
objetivo é proteger a vida selvagem, de borboletas até tigres. Fonte: http://www.wcs.org/, acesso em
10/01/2007.
119
destino atividades de conservação com objetivos de pesquisa científica, aplicação em
áreas de rica biodiversidade (hotspots) e áreas tropicais selvagens (CHAPIN, 2004, p.
23-24).
O trabalho desenvolvido pelas big ONGs na área da conservação alcança uma
escala bastante ampla a partir da segunda metade dos anos de 1990. Elas tornam-se
especialistas em abordagens conservacionistas e dividem entre si estas especialidades,
que elas mesmas nomearam e desenvolveram, de acordo com as atividades onde estas
mais se concentram. A CI atua mais em áreas de “hotspots” (chamadas áreas quentes
em biodiversidades), a WWF atua com “eco-regiões” e “Global 200”, a TNC em
“ecossistemas”, e a WCS em “living landscape”. Devido a estas especializações as
ONGs acabam por possuírem territórios de atuação ao que Chapin (op.cit, p, 25)
denomina como território das ONGs: CI no Suriname e Guiana, TNC em Bosawas
(Nicarágua), WCS no Chaco Boliviano, WWF na Tanzânia e toda a América Latina. O
autor não deixa claro no texto o que ele entende pela denominação de “território das
ONGs”. A nós nos parece que sua denominação se refere à apropriação de recursos e
culturas dos povos dos diversos lugares onde atuam estas organizações.
O relatório não divulgado da Fundação Ford sobre as big ONGs assinalava que a
relação dos povos indígenas com as ONGs tinha se deteriorado rapidamente104. Chapin
(2004) relata que ouviu de um biólogo da CI que trabalhava com os Kaiapós no Xingu:
“eu não me importo com que os indígenas querem. Nós temos que trabalhar para
conservar a biodiversidade” (idem p. 21). Também apresenta dois motivos para que as
big ONGs tenham se afastado dos povos indígenas e tradicionais: 1) não é nada
apropriado para a política de arrecadação de fundos das ONGs que seus poderosos
doadores as vejam apoiando a luta, a revolta e até as rebeliões dos povos; 2) a visão de
muitos de que a ciência biológica pode dar conta por si só da conservação da
biodiversidade em áreas naturais protegidas. As três big ONGs têm como visão
dominante o segundo ponto, que de fato coloca a natureza acima da sociedade, o que
fica claro na declaração de representantes da TNC citada por Chapin (2004):
104
No nosso entendimento o que está em jogo nessas relações de discurso participativo é a concepção de
poder. Quem de fato tem o poder na sociedade capitalista é, para nós, a questão que define estas relações.
120
estratégias que promovem o uso sustentável conduzirão a perdas substanciais de
biodiversidade. (CHAPIN, 2004, p.20).
Choudry (2007) cita em seu trabalho um exemplo de quão complexas podem ser
as relações entre as ONGs e as corporações que as financiam. Gordon Moore, fundador
da corporação Intel e presidente do comitê executivo da CI, doou a esta US$ 261
milhões em dezembro de 2001. Como agradecimento a CI entregou a seus cuidados
uma coruja brasileira em vias de extinção (idem, p.1). Enquanto isto, em Rondônia,
camponeses são presos pela Polícia Ambiental por caçarem animais para sua
alimentação105.
No México o grupo PULSAR, corporação do ramo da agroindústria e da
biotecnologia, trabalha secretamente com a CI, que recebeu deste grupo US$ 10 milhões
entre 1996 e 2000. Para Choudry (2007) estas doações são na realidade pagamentos, só
que livres de impostos, já que a ação da CI na selva de Lacadona pode levar ao
descobrimento do uso de muitas plantas medicinais (CHOUDRY, 2007, p. 4). A ação
das ONGs em áreas de proteção ambiental englobam um sofisticado sistema de
envolvimento das populações locais, a chamada “parceria ecológica”, que na realidade
vai permitir o acesso ao conhecimento das comunidades dos grupos que estão por detrás
destas ONGs.
O professor Freddy Pacheco, catedrático da Universidade Nacional da Costa
Rica, escreveu um artigo106 felicitando os deputados daquele país que por unanimidade
recusaram um projeto de lei promovido pela “The Leatherback Trust”107. O projeto
pretendia ampliar a área terrestre do Parque Nacional Mariño, que serve para desovar
algumas dezenas de tartarugas, e também propunha a transferência da administração do
Parque a um organismo privado.
Na Costa Rica a CI operou com vários sócios no projeto Amistad Conservation
and Development Initiative - AMISCONDE. Seus interesses se concentram nos 1,1
milhões de hectares da reserva “Biosfera La Amistad” que abrange áreas do Panamá e
da Costa Rica. Seu principal sócio no projeto é a Mcdonalds108, e inclui também a
105
Fonte: http://lutacamponesabrasil.blogspot.com ,(acesso em 14/09/2007) . A história de como a
política ambiental ambientalista criou um aparato de polícia ambiental que criminaliza os camponeses
será tratado em outro tópico do trabalho da tese.
106
Fonte: http://www.ecoportal.net/content/view/full/62403 , acesso 10/01/2007.
107
ONG dos EUA financiada pela CI. A Leatherback Trust informa em sua página na Internet que tem
como objetivo “salvar as tartarugas e outros animais marinhos em extinção. Nossas atividades incluem
apoio a conservação, pesquisa e gerenciamento. Nossos cientistas foram fundamentais para a criação do
Parque Mariño Las Baulas, Parque Nacional fundado na Costa Rica”. Fonte: http://www.leatherback.org/.
108
Para outros projetos da parceria CI e McDonalds e outras corporações ver:
121
Monsanto, a Keystone Foods, Nestlé e Coca-Cola. A declaração do gerente de
propaganda da Monsanto na Costa Rica é exemplar para demonstrar a arrogância e
mentiras de como trabalham estas empresas:
http://www.celb.org/xp/CELB/partners/
109
O herbicida Roundup, da Monsanto, completou 30 anos. Com registro em 120 países, ele é o mais
vendido no mundo para o controle de plantas daninhas em pré-plantio das lavouras. São também vastos os
estudos sobre os efeitos nefastos deste herbicida sobre o meio ambiente.
110
Fonte: http://science.conservation.org
122
111
problemas ambientais globais no qual cada indústria tem um papel definitivo” .A
CELB trabalha com 57 corporações, entre estas, as maiores do ramo do petróleo, ainda
diversas organizações ambientalistas e outras112.
111
Fonte: http://www.celb.org.
112
Corporações que trabalham com a CELB : 3M , Abercrombie & Kent , Alcoa, Anglo American,
Anheuser-Busch, Aveda, BG Group, British Petroleo, Bank of America, BHP Billiton, Boise Cascade,
Bunge, Cargill, CEMEX, ChevronTexaco, Citigroup, Coach, Inc., The Coca-Cola Company,
ConocoPhillips, Ford Motor Company, Gap, Inc., GFA Terra Systems, Franklin Mint, Green Square,
Hyatt, Intel, International Paper, Kraft Foods Inc., Limited Brands, Matter Group, Marich Confectionery,
Maquipucuna, McDonald's, MeadWestvaco, Mitsubishi, Native Energy, NAVTEQ, Newmont, Office
Depot, Oracle, Punta Cana Resort and Club, Rocky Mountain Institute, Ricoh, Rio Tinto, Royal
Caribbean, Save Your World, SC Johnson, Seeds of Change, Shell, Starbucks, Statoil, Stonyfield,
Sustainable Forest Management, United Airlines, United Technologies, Wal-Mart, The Walt Disney
Company, Weyerhaeuser.
Organizações ambientais que trabalham com a CELB: Botanical Society of South Africa, CORAL
CORALINA, Climate Trust, Colombian Coffee Federation, Consumer's Choice Council, Cruise Lines
International Association, Dixie Chicks, Fauna & Flora International, Forest Trends, Hamburg Institute of
International Economics, IESB, Instituto BioAtlântica, International Hotels Environment Initiative,
IUCN—The World Conservation Union, Jatun Sacha, NatureServe, Pearl Jam, Pelangi, Rainforest
Alliance, Sustainable Forestry Board, Smithsonian Migratory Bird Center, Smithsonian Institution, The
Nature Conservancy, Tour Operators' Initiative, Wildlife Conservation Society, Yale School of Forestry
& Environmental Studies. Fonte: http://www.celb.org.
123
Capítulo 4 - O onguismo como nova estratégia geopolítica na Amazônia
1) Operação Amazônia, criada em 1966, durante o governo de Castelo Branco, dizia ter
como objetivo a modernização da economia regional através da substituição de
importações de bens industriais e concentrando-se nas atividades de agropecuária e
agroindústria. A partir deste período foram criados diversos organismos e instrumentos
públicos como órgãos de fomento, sendo o principal a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), atual Agência de Desenvolvimento da
Amazônia - (ADA), e outros da área de financiamento e de isenções fiscais como o
Banco da Amazônia S.A. (BASA), Fundo para Investimentos Privados no
Desenvolvimento da Amazônia (FIDAM) e Fundo de Investimento da Amazônia
(FINAM). As isenções e incentivos fiscais para os empreendimentos deste período
alcançavam o valor de 50% a 75% de isenção e se constituíram num poderoso
instrumento de transferência de rendas do setor público para o capital privado.
113
Sobre as consequências ao meio-ambiente decorrentes de projetos desenvolvidos na Amazônia ver
Picoli (2006).
124
Cuiabá Santarém. O eixo longitudinal do sentido norte-sul para a conexão da região
com o planalto central e o centro sul do país. O PIN previa projetos de colonização para
todo o eixo da Transamazônica. Em 1970, foi criado o INCRA e o Projeto RADAM que
objetivavam realizar o levantamento dos recursos naturais da região.
5) Programa Grande Carajás (PGC), criado em 1980, abrangia uma área de 10,6% do
território nacional e estendia-se aos estados do Pará, Tocantins e Maranhão, região
muito rica em ferro, bauxita, manganês, níquel, estanho, ouro, cobre, silício, nióbio, etc,
possuindo o Brasil as maiores reservas mundiais de vários destes minerais. Projeto
desenvolvido para atender ao mercado externo, o Programa Grande Carajás constitui-se
numa das maiorias sangrias da riqueza nacional.
125
1985, ocorreu um aumento de 200% no número de terras cadastradas para pecuária (de
5.000 km² para 15.000 km²). Em 1986 as culturas perenes (café, seringa e cacau)
ocupavam cerca de 18% das terras cadastradas e as pastagens, 46% (ARNT &
SCHWARTZMAN, op.cit., p.139). Estes autores citam que a área desmatada em
Rondônia, que era de 3% em 1980, chegou a 17,0 % em 1988 (idem, p.138).
No Estado do Acre o processo de pecuarização foi menos intenso do que em
Rondônia, porém não menos devastador e causador de grandes problemas sociais. A
partir de meados da década de 1970 a chegada de grandes pecuaristas do sul, chamados
pela população local de “paulistas”, ocasionou a perseguição, expulsão e morte de
seringueiros que há muito habitavam os seringais do Acre e aí se reproduziam.
Os seringueiros lutaram duramente contra a ocupação de suas terras
organizando seus Sindicatos de Trabalhadores Rurais – STRs e formando em 1985 o
Conselho Nacional dos Seringueiros. Dentre as principais lideranças dos seringueiros
acreanos destacaram-se Wilson Pinheiro e Chico Mendes, ambos assassinados a mando
do latifúndio, conforme ainda trataremos em outro tópico deste trabalho.
O POLONOROESTE foi o principal alvo das críticas dos ambientalistas e das
ONGs por ser considerado como a principal causa da devastação ambiental de
Rondônia, o que ocasionou denúncias e campanhas que pressionaram o Banco Mundial
a suspender o financiamento para o projeto, em 1985. Diversos autores estudaram este
processo, como Kolk (1996), Alegretti (2002). Segundo Arnt & Schwartzman (1992,
p.111), em 1983, movimentos ecologistas estadunidenses desencadearam campanhas
sobre os impactos socioambientais dos programas financiados pelos Bancos
multilaterais. Estas campanhas provocaram várias audiências no Congresso dos EUA
para que fossem avaliadas as denúncias. As primeiras organizações que deram eco
internacional a estas denúncias foram os movimentos de defesa dos direitos indígenas114
apoiados pela Igreja Católica principalmente e que passavam ao exterior a mensagem de
organizações empenhadas na promoção dos direitos humanos na Amazônia.
Arnt & Schwartzman (1992) descrevem e citam as organizações empenhadas
neste processo que envolvia ONGs e outras organizações de vários países: a Survival
International, nos EUA, a OXFAM, na Inglaterra, o WWF e Friends of Earth realizaram
grande pressão sobre autoridades estadunidenses e inglesas no Banco Mundial. Na
114
Em 1972 foi criado o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), fundado por padres, bispos e agentes
pastorais da Igreja Católica. Em 1978, surge a Comissão Pró-Índio,(CPI) e, em 1980, a União das Nações
Indígenas.
126
Holanda, o Work Group for Indigenous Affairs, e, na Áustria, a Gesellschaft fur
Bedrohte Volker (Sociedade Pelos Povos Ameaçados) denunciaram sobre a situação de
devastação na Amazônia. Na Alemanha solidarizaram-se grupos católicos e protestantes
e entidades locais como a Sociedade de Pesquisas Sociais e Ecológicas, a Campanha
pela Vida na Amazônia. O Partido Verde alemão, a Federação Alemã de Defesa do
Meio-Ambiente e a Liga Alemã de Defesa do Meio-Ambiente fizeram críticas à
Comunidade Econômica Européia por financiarem atividades prejudiciais ao meio
ambiente como o Programa Grande Carajás. Na Itália, ambientalistas, pacifistas,
sindicalistas e parlamentares fundaram, em 1987, a Campagna Nord-Sud, para
coordenar ações contra o endividamento externo e a destruição ambiental nos países
pobres (ARNT & SCHWARTZMAN (op.cit. p. 114).
A pressão de organizações de trabalhadores no Brasil, principalmente dos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais e do Conselho Nacional dos Seringueiros, e de sua
mais importante liderança, Chico Mendes, apoiados por grandes ONGs, foi decisivo
para pressionar o Banco Mundial e levar a suspensão do financiamento do trecho da
BR-364 que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco (AC). O líder seringueiro e sindicalista
Chico Mendes foi à reunião do BID de 1987, em Miami, convidado pela ONG
estadunidense Environmental Defense Fund. Em viagem a Washington Chico Mendes
visitou autoridades e congressistas norte-americanos denunciando a situação dos
seringueiros e a devastação ambiental na Amazônia. Para Arnt & Schwartzman (1992,
p.113) a intervenção de Chico Mendes foi decisiva para que, em agosto de 2007, o BID
congelasse o financiamento da pavimentação da BR-364, no trecho Porto Velho a Rio
Branco, e exigisse a implantação do Programa de Proteção ao Meio-Ambiente e às
Comunidades Indígenas (PMACI).
De 1980 a 1985 o BID e o BIRD, devido às fortes pressões das ONGs e
movimentos ambientalistas internacionais, passaram a fazer recomendações e
exigências ambientais aos países nos projetos por eles financiados. Arnt &
Schwartzman (op.cit, p.115-117) sintetizam as principais medidas destes Bancos para a
área ambiental dos países por eles financiados. Apresentamos a seguir as que
consideramos como principais:
127
a demarcação de terras indígenas em Rondônia, a criação de unidades de conservação e
programas de pesquisa ambiental.
3) Em 1985, pela primeira vez em sua história, o BID suspendeu o desembolso de US$
250 milhões para o POLONOROESTE.
8) Em junho de 1989 o BID liberou os fundos para a pavimentação da BR-364 até Rio
Branco, de acordo com o que foi negociado no PMACI115.
115
A liberação dos recursos ocorreu por conta de mudanças na política ambiental do Brasil. Em abril de
1988 o governo brasileiro enviou uma mensagem ao BID contendo: proposta de criação de quatro
128
9) Em janeiro de 1990 o Banco Mundial aprovou um empréstimo de US$ 117 milhões
para programas ambientais na Mata Atlântica e no Pantanal e para a consolidação do
novo Instituto Brasileiro de Meio-Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) (ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p.115-117).
129
A tabela acima é baseada na pesquisa realizada por Arnt & Schwartzman (1992)
entre 1988 e 1989. Os autores fizeram extenso levantamento das organizações que
tiveram papel importante na interferência de medidas de proteção ao meio-ambiente
naquele período de grandes denúncias da devastação ambiental da Amazônia. Os
autores selecionaram órgãos públicos e as então chamadas Sociedades Civis sem Fins
Lucrativos, atualmente denominados de Organizações Não-Governamentais – ONGs,
Sindicatos e Associações, Organismos de Pesquisa, Organizações de Direitos Humanos
e várias organizações ligadas à causa indígena, contabilizando no total 53 organizações.
Para a tabela apresentada acima selecionamos as que consideramos mais
representativas, totalizando 34 organizações.
Muitas das organizações públicas de meio-ambiente como o PMACI e o
PLANAFLORO foram criadas por exigência do Banco Mundial, que condicionava a
liberação de recursos ao trabalho de fiscalização de órgãos ambientais. Neste contexto
de grande repercussão internacional dos problemas ambientais que o Brasil vivia,
podemos entender como uma organização aparentemente sem importância como o
antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) deu lugar a um
organismo ambiental do porte do IBAMA e do atual Instituto Chico Mendes. Um dos
principais cargos públicos da administração nacional com destaque no exterior é o de
Ministro do Meio-Ambiente, lembrando que a ex-ministra Marina Silva, teve seu nome
anunciado pelo presidente Lula em Washington na mesma ocasião do anúncio do nome
de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central.
Algumas organizações de pesquisa selecionadas por Arnt & Schwartzman
(1992) têm, segundo estes autores, papel de destaque na Amazônia, como o Instituto
Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), o Núcleo de Altos Estudos da Amazônia
(NAEA / UFPA), a EMBRAPA do Pará, o Museu Paraense Emílio Goeldi. O papel das
fundações FUNATURA e da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza
(FBCN) são destacadas no campo da competência técnica porque segundo os autores:
130
tiveram papel importante e bastante destaque no exterior e foram as principais
responsáveis pela demarcação das terras indígenas. O CIMI teve papel fundamental na
Constituinte de 1988 sobre o capítulo dos direitos dos povos indígenas (ARNT &
SCHWARTZMAN, 1992).
As Secretarias Estaduais de Meio Ambiente foram criadas de formas diversas.
No Acre surgiu em 1985 com a denominação de Secretaria de Desenvolvimento Urbano
e Meio-Ambiente (SEDUMA) e, em 1987, foi fundado o Instituto de Meio-Ambiente do
Acre (IMAC). Em Rondônia foi criada, em 1987, como Secretaria de Meio-Ambiente
de Rondônia (SEMARO). No Pará o embrião do órgão público de meio-ambiente surgiu
em 1977 como uma Divisão de Ecologia da Secretaria Estadual de Saúde (ARNT &
SCHWARTZMAN, 1992). Para o Estado do Amazonas Arnt & Schwartzman (1992,
p.203) destacam o trabalho das associações ambientalistas ligadas à proteção do meio-
ambiente e educação ambiental como a Associação Amazonense de Proteção Ambiental
(AMAPAN), a Associação Amazônica de Educação para Preservação do Meio-
Ambiente (AAEMA) e a organização de defesa indígena Movimento de Apoio à
Resistência Waimiri-Atroari (MAREWA), que foi criada em 1983 em uma assembléia
regional do Conselho Indigenista Missionário - CIMI (ARNT & SCHWARTZMAN,
1992, p.210).
No campo da defesa nacionalista da Amazônia merece destaque a Campanha
Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA), fundada no Rio
de Janeiro, em 1967, no Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional, tinha como um dos seus objetivos “promover o desenvolvimento econômico e
social da Amazônia com o mínimo impacto ambiental, preservando as culturas locais”
(Arnt & Schwartzman, 1992, p.319). Em 1987, o geógrafo Orlando Valverde assume a
presidência da CNDDA.
Ainda cabe destacar que a origem da Fundação de Tecnologia do Acre
(FUNTAC) é o Laboratório de Madeira do Acre fundado em 1985116. A FUNTAC
estava ligada ao projeto de madeira do ITTO e terá como primeiro presidente Gilberto
do Carmo Lopes Siqueira e a participação do engenheiro florestal Jorge Vianna. Jorge
Vianna foi governador do Estado do Acre pelo PT (1999-2006) e Gilberto Siqueira foi
Secretário de Planejamento nas duas gestões do Governo da Floresta (1999-2006),
coordenador do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre e Secretário da
116
Sobre a origem da FUNTAC e as primeiras medidas de política ambiental no Acre ver Silva (1998).
131
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável - SEPLANDS no atual
governo de Arnóbio Marques (2007-).
A FUNTAC é o órgão mais importante da política ambiental do Acre, cujo
centro é a exploração madeireira. Uma de suas atividades é o Projeto Antimary, em
Sena Madureira, com 4 mil hectares de área, foi a primeira experiência da ITTO no
Estado do Acre. Orçada em US$ 1 milhão de dólares, em 1987, a primeira fase do
projeto foi concluída em 1993 quando recebeu mais uma injeção de US$ 1,875 milhões.
"O Acre tem sido um exemplo para o mundo na questão de conciliar o desenvolvimento
sustentável com a valorização do elemento humano", é o que afirmou Emanuel Ze
Meka, Secretário de Indústria Florestal da ITTO117.
O Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), fundado em 1985, passou a ter
importância no exterior através de sua vinculação com organizações ambientalistas
internacionais e da projeção no exterior de sua principal liderança, Chico Mendes. Esta
relação ocorreu da proximidade da antropóloga Mary Alegretti, do Instituto de Estudos
Sócio Econômicos (INESC) e posteriormente do IEA, com intelectuais estadunidenses
como o antropólogo e presidente do Environmental Defense Fund, Stephan
Schwartzman.
Em 1986 Mary Alegretti fundou o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), uma
ONG que estabelecia como sua finalidade garantir a proteção do meio-ambiente e dos
habitantes da floresta conciliando homem e meio-ambiente. Para tanto atuava com o
CNS, por este agregar os seringueiros, e o IEA, por ter os pesquisadores e ecologistas.
O IEA realizou a identificação de áreas para a criação de Reservas Extrativistas nos
Estados do Acre, Rondônia e Amapá. Em fevereiro de 1988 foi criado no Acre o Projeto
de Assentamento Extrativista São Luís do Remanso em uma área de 39 mil hectares e,
em março de 1990, a Reserva Extrativista Chico Mendes, com um milhão de hectares
(ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p. 297). Sobre estas vinculações abordaremos no
capítulo 6 da tese.
117
http://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=2053 , acesso em 02/03/2009.
132
4.2 - As ONGs na Amazônia
133
Quadro 01: Objetivos e finalidades de ONGs no estado de Mato Grosso, no ano de 2001
Organização Objetivos/finalidades Organização Objetivos/finalidades
ABEPLOAR Prevenir a poluição antrópica IC Estabelecer novos paradigmas de atuação sociocultural
e econômica/ações conjuntas com o poder público e a
iniciativa privada/afirmar comunidades sustentáveis
AME Proteger o ambiente FUNDHAM Promover desenvolvimento humano e ambiental
ICV Proteger o ambiente/melhorar a qualidade ECOTRES Proteger o ambiente/buscar o respeito pela vida, pela
de vida e cidadania liberdade e pelos direitos humanos
ECOTRÓPICA Conservar e preservar os recursos naturais / AVICA Defender a vida humana e do ambiente
melhorar a relação humana
ADERCO Preservar ambiente/assegurar a qualidade ASOSPAN Proteger a biosfera e os ecossistemas pantaneiro e
de vida/defender o rio Coxipó amazônico
BIOCONEXÃO Buscar ecodesenvolvimento/melhorar a PRODESUS Proteger o ambiente/buscar a economia ecológica e o
qualidade de vida desenvolvimento/valorar os recursos naturais
FORMAD Buscar o desenvolvimento sustentável de IPEM Defender, preservar e conservar o ambiente/promover
Mato Grosso/melhorar as condições de vida o desenvolvimento sustentável
da população
AMPARA Defender o ambiente AGUA Defender e proteger os recursos hídricos do Planeta
SADEP Conservar e defender os ecossistemas da ITAF Desenvolver e aprimorar a ciência, a tecnologia e a
região conservação dos recursos naturais
ITV Conservar ambiente INDEMA Proteger o ambiente/melhorar a qualidade de vida/
proteger e recuperar o Lago de Manso
BIOGENESE Defender ambiente/melhorar a qualidade de UNIECO Integrar o homem e suas atividades ao meio natural
vida/buscar uso sustentável dos recursos
naturais
UNIEMA Preservar a natureza/melhorar a qualidade FECGT Integrar o homem e suas atividades ao
de vida ambiente/melhorar a qualidade de vida
ECOPAN Apoiar e beneficiar a população do Pantanal ARARA Preservar e defender o rio Araguaia
e da Bacia Alto Paraguai/resolver
problemas ambientais
ACESMAR Atuar nos setores ecológicos/melhorar a REMOECO Preservar a natureza/congregar entidades do Meio
qualidade de vida Ambiente do bioma cerrado/melhorar a qualidade de
vida
TRÓPICOS Estimular o desenvolvimento RAEONGs Preservar a natureza/congregar as entidades de Meio
socioeconômico/gestão democrática e usos Ambiente da Bacia Hidrográfica do Araguaia/melhorar
ecologicamente sustentáveis dos recursos a qualidade de vida.
naturais
ECOSS Conservar e preservar os recursos INSESEC Defender a natureza/fortalecer ações locais e regionais
naturais/manter as culturas das populações dos setores sociais e ecológicos/melhorar a qualidade
tradicionais
ABRASSA Preservar o ambiente/promover a ARCA Recuperar e conservar o ambiente/assegurar a
profissionalização e requalificação dos qualidade de vida.
trabalhadores
IMADEA Difundir conhecimentos em direito FSCAVSOL Integrar o Homem e suas atividades ao ambiente
ambiental, educação ambiental informática
IHAO Difundir projetos orgânicos/melhorar a AARPA Preservar e defender o Rio Paraguai e Pantanal
renda e condições de trabalho
ASATEC Respeitar a natureza IESCBAP Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
ROECOPAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade AESCPAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
de vida
ADEPAN Preservar o ambiente/promover o APS Difundir experiências na área de saúde, agricultura,
desenvolvimento sustentado do Pantanal educação e meio ambiente nos municípios do Pantanal
Mato-Grossense Mato-Grossesnse
ARPA Conservar e melhorar o ambiente/vigiar o AARITI Conservar e melhorar o meio ambiente no município
cumprimento da legislação federal, estadual de Itiquira-MT
e municipal
ADE Defender o ambiente/promover o AEMA Defender o ambiente/melhorar a qualidade de vida
desenvolvimento sustentado
AMEC Preservar o ambiente natural / buscar o SCPS Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
equilíbrio ecológico
FCCESPD Defender o ambiente IESPOAR Preservar o ambiente
IESCCAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade ECODAM Desenvolver e proteger o ambiente de âmbito regional
de vida
ASDEMA Proteger o ambiente SOENORT Proteger o ambiente
IDEVAG Defender a vida do ser humano e do
ambiente
Fonte: Pignatti (2005, p. 151-153).
134
O estudo de Pignatti (2005) cita sobre a atuação da Fundação de Apoio à Vida
nos Trópicos (Ecotrópica), criada em mato Grosso em 1989, com a finalidade:
135
Quadro 02 - Atividades e financiamento da WWF, CI e TNC na Amazônia
brasileira em 2002
136
ONGs que atuam no estado do Pará e o quadro 3 detalha essas ONGs (BUCLET, 2002,
p.267-268).
Cristãs
Sócios - ambientais
EMAUS
CAC
Militante F. ESPERANÇA
SEARA , CVC
CEPEPO
MOPROM
MVV
MMCC
UNIPOP GEX
APACC CIPES
CEAPAC CEFTBAM GAENC
CEPASP FATA AEVCV
GDA SOPREN
SDDH IEA FFT
CEDENPA IDA PSA
CAC-BA ARGONAUTAS
GAPA-PA FASE
FUNDAC IMAZON
POEMA
IPAM
IARA
Pesquisa
137
Quadro 03 - ONGs com atuação no estado do Pará
AEVCV: Associação Ecológica Vamos Colorir o Verde
APACC: Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes
CAC: Centro Alternativo de Cultura
CAC-BA: Centro Artístico Cultural de Belém Amazônia
CEAPAC: Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária
CEFTBAM: Centro de Estudo Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas
CEPASP: Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular
CEPEPO: Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular
CEDENPA: Centro de Estudo e de Defesa dos Negros do Pará
CIPES: Centro de Intercâmbio de Pesquisa e Estudos Amazônicos
CVC: Centro de Valorização da Criança
EMAUS: República de Emaus
FASE: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FATA: Fundação Agrária Tocantins Araguaia
FFT: Fundação Floresta Tropical
FUNDAC: Fundo de Desenvolvimento e de Ação Comunitária
GAENC: Grupo de Ação Ecológica Novos Curupiras
GAPA-Pa: Grupo de Apoio a Prevenção Aids- Pará
GEX: Grupo Ecológico do Xingu
IARA: Instituto Amazônico de Manejo Sustentável dos Recursos Ambientais
IMAZON: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
IDA: Instituto de Divulgação sobre Amazônia
IEA: Instituto de Estudos Amazônicos
IPAM: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
MMCC: Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade
MOPROM: Movimento de Promoção da Mulher
MVV: Movimento Verde Vivo
POEMA(R): Pobreza e Meio Ambiente
PSA: Projeto Saúde e Alegria
SDDH: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SEARA: Sociedade de Estudos e Aproveitamento dos Recursos da Amazônia
SOPREN: Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais da Amazônia
UNIPOP: Universidade Popular.
Fonte: (BUCLET, 2002, p.267-268).
138
A tipologia das ONGs definidas por Buclet (2002) é:
1) ONGs Cristãs: fundadas por padres ou ex-padres. São financiadas por instituições
ecumênicas européias e suas atividades estão voltadas para a “educação, formação e
conscientização dos mais despossuídos”.
2) ONGs sócio-ambientais: criadas nos anos de 1990. Estas ONGs também têm
atividades na área de pesquisas. Atribuem a si valores ideológicos no campo do
humanismo, do bem-estar social e da vida em harmonia com a natureza. Centram suas
atividades na questão ecológica e na sensibilização da população com a qual trabalham
sobre o tema da preservação do meio ambiente. O desenvolvimento sustentável é o foco
principal de seus objetivos e atividades.
3) ONGs militantes: segundo Buclet estas são definidas como militantes por serem as
mais engajadas politicamente. As organizações selecionadas se dizem herdeiras da
Teologia da Libertação. Sua militância está voltada para a causa das mulheres, dos
negros, direitos humanos, cultura, dos mais despossuídos e das organizações populares.
139
do IPAM. Neste mesmo período realizamos uma visita à sede da ONG, Fundação
Vitória Amazônia, na cidade de Manaus, porém seus responsáveis não estavam
presentes naquele momento. As demais informações apresentadas foram levantadas nas
respectivas páginas das ONGs na Internet.
118
ONG ambientalista estadunidense com forte presença na Amazônia, atua principalmente via seus
pesquisadores residentes no Brasil que trabalham em conjunto com organizações de pesquisa nacionais
como universidades e outras. http://www.whrc.org/
119
http://www.imazon.org.br/programas/index.asp, acesso em 22/10/2008.
140
O IMAZON possui um banco de dados de mapas, o Imazon Geo120, com mapas
gráficos e relatórios que podem ser gerados neste programa. Para esta atividade seus
apoiadores são a Fundação Moore, USAID, David e Lucile Packard Foundation121 e a
122
ONG suíça AVINA . Na tabela 09 apresentamos as doações recebidas pelo IMAZON
para o período de 2003 a 2007.
120
http://imazongeo.org.br/galeria_de_mapas.php , acesso em 22/10/2008
121
Segundo a página da Fundação Packard na internet seu objetivo é: “Trabalhar para melhorar a vida das
crianças, capacitar abordagens criativas para a ciência, melhorar a saúde reprodutiva, e conservar e
restabelecer os sistemas naturais da terra”. http://www.packard.org/home.aspx
122
Fundada pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny, é financiada pelo VIVA Trust, corporação de
Schmidheiny voltada para os negócios da sustentabilidade.
Fonte: http://www.avina.com/web/siteavina.nsf/page?open, acesso em 22/10/2008.
141
Tabela 09 - Doações recebidas pelo IMAZON (em R$)
Organizações doadoras 2003 2004 2005 2006 2007
Albert Ludwig Universitat ------ ------ 141.862,00 138.508,00 133.736,00
Freiburg – INCO
Amigos da Terra – ADT ------ ---------- 204.147,00 237.421,00 212.100,00
CIFOR 201.600,00 50.252,67 55.206,00 ------ ------
Conservação Internacional 64.000,00 ------ ------ ------ ------
Embaixada da Holanda ------ 76.800,00 ------ ------ ------
Embaixada do Reino dos ------ ----------- 18.998,00 ------ ------
Países Baixos
Embrapa (Dengrogene) 11.910,00 47.274,05 3.533,00 ------ ------
Fundação AVINA ------ 155.227,99 233.692,00 231.425,00 114.529,00
Fundação Ford 522.462,85 383.306,78 185.707,00 176.000,00 ------
Fundação Hewllet 287.280,36 768.381,71 ------ ------ ------
123
Fundação Moore ------ 2.222.663,00 1.698.987,00 1.623.128,00 ------
124
Fundação Packard ------ ------ 635.933,00 613.056,00 ------
Governo do Acre 23.245,00 60.710,00 ------ ------ ------
Governo do Pará ------ ------ 22.658,00 ------ ------
GTZ 211.595,00 80.332,07 6.614,00 ------ ------
IEB ------ 8.154,00 ----------- 896.970,00 549.900,00
Imaflora ------ 6.297,78 ------ ------ ------
ITTO ------ ------ 44.704,00 164.746,00 173.880,00
LBA-NASA 17.605,61 14.887,27 ------ ------ ------
PFCA 6.400,00 ------ ------ ------ ------
PNUD ------ ------ 32.750,00 ------ ------
Promanejo-Ibama 65.213,62 ------ ------ ------ ------
TNC ------ ------ 12.408,00 ------ ------
125
União Européia ------ ------ 1.052.334,10 652.429,00 810.000,00
126
USAID 261.650,40 1.197.378,10 1.375.582,00 ------ ------
WRI 95.623,54 ------ ------ ------ ------
WWF 541.621,46 251.014,23 73.252,00 ------ ------
Outros 55.573,58 2.514,54 ------ ------ ------
Total 2.365.781,40 5.325.194,19 5.798.367,10 4.733.683,00 1.994.145,00
Fonte: elaboração própria a partir dos dados dos relatórios de Atividades do IMAZON
123
Contrato de preservação e conservação das Florestas Nacionais utilizando sistema de mapeamento e
identificação de áreas de conservação.
124
Conservação da biodiversidade e função ecológica da Floresta Amazônica e de seu ecossistema,
melhorando a qualidade de vida da população.
125
Recurso destinada a reduzir o desmatamento ilegal no Estado do Mato Grosso com programas de
monitoramento.
126
O objetivo deste acordo é a implantação de um programa para conservação do meio ambiente nas
regiões da Amazônia e Mata Atlântica brasileiras.
142
A lista de doadores e o alto valor dos recursos recebidos pelo IMAZON mostra
que os interesses envolvidos nas atividades desta ONG vão muito além da simples
preocupação com a preservação do meio-ambiente. Vemos que organizações poderosas
e representantes dos interesses de grandes corporações, como ONGs e outros, são seus
principais financiadores. Em 2008 o IMAZON é citado na lista de ONGs investigadas
pela Agência Brasileira de Informação (ABIN). Ao citar esse aspecto e toda a análise
que efetuamos das ONGs, marcamos nossa diferença de análise teórica e política com
127
os autores do livro “Máfia Verde” , (EIR, 2001), ao fazerem uma abordagem
nacionalista de direita do papel das ONGs.
IPAM
Fundado em 1995 por dois pesquisadores que saíram do IMAZON. Localizado
em Belém realiza pesquisas no Acre, Macapá, Pará entre outros estados. Também ficou
inicialmente localizado no campus da UFPA, ocupava um espaço no departamento de
psicologia. Originou-se do trabalho realizado pelo pesquisador norte-americano Daniel
Nepstad que coordenava no Pará um convênio da EMBRAPA com o Woods Hole
Research Center (WHRC), que era financiado pela USAID e pela Fundação Nacional de
Ciência dos Estados Unidos (LEITE, 2005). Em 2004 seu orçamento anual foi de US$ 3
milhões, e deste valor consegue transferir US$ 1,677 milhões para instituições que
trabalham em conjunto como a EMBRAPA, UFPA, INPE, UFMG e outras (LEITE,
op.cit, p. 23). Tem também realizado trabalhos com a UFAC (Universidade Federal do
Acre) através do pesquisador do WHRC, professor Foster Brown, que vem
desenvolvendo pesquisas no Acre desde os anos de 1990. Os resultados das pesquisas
do IPAM têm sido publicadas em revistas científicas internacionais como a Nature.
Segundo a publicação em comemoração aos dez anos do IPAM, esta ONG tem
como missão:
(...) manter a Amazônia habitável, preservando para isso as funções do ecossistema e a
biodiversidade; chegar a uma distribuição de renda mais positiva para a população
local, (...); conservar a maior área possível de floresta em pé e de recursos hídricos
saudáveis, buscando, para isso, reconhecimento e remuneração econômica pelos
serviços ambientais prestados pela floresta (LEITE, 2005, p.7)
127
A Executive Intelligence Review (EIR) é uma revista criada pelo direitista norte-americano Lyndon
La Rouche.
143
O IPAM, desde sua fundação, desenvolve programas e ações de pesquisas nas
seguintes áreas: Ecologia Florestal, Manejo de Várzea, Floresta e Comunidades,
Políticas Públicas que a partir de 2003 se transformaram no projeto Cenários. Buclet
(2002) sintetiza estes programas:
144
e do banco HSBC (LEITE, op. cit., p.26).
O IPAM juntamente com outras organizações propôs e foi aceito como
programa de financiamento pelo governo federal, o Proambiente, que passou a ser
incluído no programa da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do
Meio-Ambiente (MMA). Este projeto tem como diferencial o Programa de Serviços
Ambientais: o produtor que aderir ao Proambiente terá apoio para o estabelecimento de
sistema de produção rural sob a condição de que seu projeto possua viabilidade
econômica, processos participativos de planejamento e tomadas de decisão,
fortalecimento da organização social, assessoria técnica e extensão rural, manejo
integrado dos recursos naturais e mecanismos de verificação de serviços ambientais,
mediante certificação participativa e monitoramento ambiental. Se dentro destas
condições for comprovada a prestação de serviços ambientais “o produtor familiar terá
direito a receber uma parcela mensal de um terço do salário mínimo, como remuneração
desses serviços ambientais prestados à sociedade nacional e internacional” (LEITE,
2005, p. 14). Enquanto estes camponeses brasileiros recebem uma ínfima quantia por
prestarem serviços, que no discurso da sustentabilidade poderiam salvar o planeta,
grandes ONGs ambientalistas como a TNC acumulam riqueza e seu presidente pode
morar em mansão de mais de um milhão de dólares, conforme matéria publicada no
Washington Post (04/05/2003, p. AO 1).
As ONGs ambientalistas pesquisadas denominam de parceiras as organizações
que, do ponto de vista de uma sociedade de classes, têm interesses diversos e até
antagônicos dos camponeses, pequenos agricultores, ribeirinhos, indígenas e demais
populações alvo dos projetos ambientalistas. Podemos verificar no quadro 04 abaixo as
organizações que desenvolvem projetos com o IPAM:
145
Quadro 04: Organizações parceiras do IPAM
128
Fonte:
http://www.ipam.org.br/web/sobre/nossos_parceiros.php?PHPSESSID=39b96c5dc109c0fa4d96cb3a59fa
399d , acesso em 23/10/2008.
146
POEMA
O Centro de Ação para o Desenvolvimento Sustentável (POEMA) foi criado em
1992 vinculado ao Núcleo de Meio-Ambiente (NUMA) da Universidade Federal do
Pará (UFPA). A si atribui a proposta de experimentar, sistematicamente, formas
inovadoras de cooperação entre a Universidade, o poder municipal e as “populações
vulneráveis da Amazônia e declara que seu objetivo é o de contribuir para a geração e a
implementação de vias de desenvolvimento sustentável para a Região Amazônica”129.
Sua sede é uma casa no campus da UFPA. Segundo Buclet (2002) o grupo POEMA se
define como uma engenharia institucional por ter além do projeto da UFPA, a ONG
POEMAR, a empresa POEMATEC e o programa Bolsa Amazônia (BUCLET, op.cit.,
p.272). POEMAR foi criado em 1996 para financiar as pesquisas do grupo de
pesquisadores do POEMA. POEMATEC foi fundado como empresa industrial com o
objetivo de fabricar os produtos de fibra natural, principalmente de coco. Também
existe a proposta de ser criado o POEMAInvest como instituição de micro crédito. Para
captar recursos e divulgar as informações produzidas pelo POEMA foi criado a
POEMA-Stuttgart130 (idem, p.272).
129
http://www.ufpa.br/poema/cooperacao_g.htm, acesso em 22/10/2008
130
http://www.poema-deutschland.de/, acesso em 24/10/2008
131
http://www.ufpa.br/poema/cooperacao_g.htm, acesso em 25/10/2088.
147
Os principais financiadores do POEMA são as empresas Daimler Chysler,
Mercedes Benz e Body Shop (empresa de cosmética Suíça) e de organizações
internacionais como a UNICEF, Banco Mundial, UNESCO, Foundation Tierra,
Foundation Henrich Boll e outras instituições do Brasil. O orçamento anual da
POEMAR alcançou o valor de US$ 900 mil no ano de 2000 (BUCLET, 2002, p.273).
Em 1998, a POEMAR, em parceria com a Iniciativa de Biocomércio da
UNCTAD e um consórcio de atores privados, estabeleceu o Programa Bolsa Amazônia.
Segundo a assessoria da Fundação Interamaericana (IAF)132 no Brasil, um dos
financiadores da Bolsa Amazônia, este programa apóia agroindústrias sustentáveis de
comunidades na Amazônia. Para isto todos os membros da Bolsa Amazônia
comprometem-se com a responsabilidade ambiental e social quanto ao uso sustentável
do meio ambiente133. O primeiro programa foi financiado pela empresa Daimler-
Chrysler e a Mercedes-Benz do Brasil que financiaram o grupo POEMA para a pesquisa
inicial com fibra de coco, a fim de substituir materiais sintéticos usados nos assentos de
caminhões. O valor inicial da pesquisa foi de US$ 1,4 milhão. Depois da pesquisa e com
a produção de peças para o interior dos automóveis feitos com fibra de coco já em
funcionamento, a Daimler-Chrysler financiou US$ 4 milhões de maquinaria importada e
proporcionou o treinamento para o uso destes equipamentos134. Segundo o mesmo
documento da assessoria da IAF a produção de fibras de coco é de 80.000 toneladas,
atendendo à demanda da Daimler-Chrysler e expandindo para atender também a GM e a
Honda. Para esta produção oito distritos do Pará fornecem a fibra de coco à
POEMATEC. Incluindo os trabalhadores que produzem a fibra de coco e aqueles da
produção, os empregos gerados nesta atividade chegam a 4.000135. Com este projeto a
Daimler-Chrysler pôde assegurar que a produção de seus veículos atendessem aos
padrões de reciclagem e exigências ambientais na Alemanha. Não podemos avaliar sob
132
Segundo sua página na Internet: “A Fundação Interamericana é um órgão independente do governo
dos Estados Unidos que oferece doações a organizações não-governamentais e de base comunitária da
América Latina e do Caribe, a programas de auto-ajuda inovadores, sustentáveis e participativos. A
Fundação financia primordialmente parcerias entre organizações de base e sem fins lucrativos, empresas
e governos locais, destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas de baixa renda e a fortalecer a
participação, responsabilidade e práticas democráticas. No intuito de contribuir para um melhor
entendimento do processo de desenvolvimento, a Fundação Interamericana também compartilha a sua
experiência e as lições aprendidas”. Fonte: http://www.iaf.gov/index/index_po.asp, acesso em
25/10/2008.
133
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf,acesso em 25/10/2008.
134
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf,acesso em 25/10/2008.
135
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.
148
que condições de produção e de trabalho os trabalhadores das comunidades do Pará, que
foram envolvidas neste programa, estavam submetidos.
A IAF, interessada nos resultados ambientais destes projetos, financiou o
POEMAR nas seguintes atividades: 1) fez uma doação, de valor não especificado, à
POEMAR para esta consolidar em três comunidades paraenses a produção de peixe,
frutas secas e processamento de bananas. 2) A IAF financiou para a Associação de
Pescadores Artesanais (ASPAR) de Porto de Moz a instalação de uma fábrica de gelo
para diminuir a perda do pescado, além da construção de sete barcos de pesca. 3) No
projeto do POEMAR com a Sociedade Agroindustrial de Camarituba-Beira
(SOAGRO), o IAF disponibilizou recursos para aquisição de novos equipamentos na
fábrica de secagem de frutas. No mesmo ramo de atividade a doação da IAF para
POEMAR serviu para consolidar as atividades da planta de processamento de polpa,
com a assistência prestada à Associação de Moradores e Pequenos Proprietários de
136
Grotão dos Caboclos de Novo Paraíso . A conclusão da consultora de programas do
IAF, Juliana Menucci, é que “as relações comerciais inovadoras podem ser mutuamente
benéficas tanto para uma empresa como para as comunidades locais, aderindo ao
mesmo tempo a princípios ambientalmente sólidos de desenvolvimento sustentável”137.
Os adeptos da sustentabilidade capitalista negam de todas as maneiras as contradições
que existem nas relações mercantis, porque para estes o mundo do desenvolvimento
sustentável, que de fato até agora só existe no discurso, é o paraíso verde dos
ambientalistas, porém não é a solução das graves contradições a que estão submetidos
os camponeses da Amazônia.
Neste capítulo colocamos sobre as origens do ambientalismo ongueiro na
Amazônia a partir do histórico do surgimento das organizações ligadas a temática
ambiental e o papel desempenhado pelas ONGs. Nosso objetivo foi procurar demonstrar
as relações das grandes ONGs ambientalistas que atuam na Amazônia e suas relações
com seus parceiros e financiadores. Os primeiros apresentam uma miscelânea de
organizações que envolvem desde organizações dos trabalhadores, ONGs, organismos
do governo, empresas e organizações internacionais diversas; enquanto que os
principais financiadores, ONGs e Fundações estrangeiras, são organizações que
representam interesses de grandes corporações, conforme demonstramos no capítulo III
sobre as vinculações das grandes ONGs ambientalistas. No próximo capítulo tratamos
136
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.
137
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.
149
da atuação das ONGs no estado do Acre a partir da exposição dos projetos de três
importantes ONGs locais, PESACRE, CTA e SOS Amazônia, e suas vinculações com
as organizações do imperialismo.
150
Capítulo 5 - As ações do ambientalismo ongueiro no Acre
138
Segundo Osmarino Amâncio em entrevista realizada por nós em Brasiléia, em 02/01/2009.
139
Sobre a história do movimento dos seringueiros ver os trabalhos de Paula (1991, 2005), Esteves (1999)
e Porto-Gonçalves (2003).
140
A região de fronteira do Acre com o Peru e a Bolívia é local de intensos movimentos populares e
revolucionários, como o processo da Guerra Popular dirigido pelo Partido Comunista do Peru (PCP) e
iniciado no Peru em 1980.
141
Fonte: www.edf.org
151
Em meados dos anos de 1980, com apoio de várias ONGs norte-americanas e
inglesas, um grupo de intelectuais organiza um projeto no Acre que buscava atuar nas
áreas de cooperativismo, saúde e educação com seringueiros, o Projeto Seringueiro. As
cooperativas visavam enfrentar os atravessadores (marreteiros) que atuavam na
comercialização da borracha, em um momento em que a maioria dos seringalistas
estavam falidos e já tinham transferido suas propriedades para fazendeiros pecuaristas
142
. Neste contexto é importante compreendermos quem eram os seringueiros e a visão
da cultura dominante sobre eles.
Ao final dos anos setenta do século XX na Amazônia os seringueiros são
considerados, dentre aqueles que vivem no campo, os mais miseráveis, e símbolos da
decadência do período do extrativismo do látex. Toda a riqueza produzida pelos
seringueiros era realizada e apresentada como tal, distante dos seus centros de produção,
os seringais, Manaus e Belém eram a expressão mais concentrada de parte do esforço
brutal dos seringueiros; a cadeia de aviamento e as dívidas contraídas pelos seringueiros
eram o outro polo.
O extenuante esforço esgotava sua capacidade de trabalho antes dos trinta anos,
como relatam muitos seringueiros que começavam sua vida quando crianças
acompanhando seus pais na extração da seringa. As duras condições de vida na floresta
tropical, uma alimentação precária, a inexistência de serviços de saúde e educação
deixavam poucas esperanças para o seringueiro e sua família. Entre as possibilidades de
melhoria estava a migração, marca profunda contada por seus ancestrais que vieram do
nordeste do Brasil.
No período de decadência e abandono nos seringais, a agricultura praticada
sempre foi marcada pelo caráter rudimentar de sua técnica, pela inexistência de
instrumentos de trabalho que aumentassem a produtividade de seu trabalho e criassem
condição para ampliar sua produção e excedente. As cadeias do aviamento, no período
da decadência, foram substituídas pelo papel do marreteiro, que seguiu a política de
extração e exploração do seu trabalho, comprando barato e vendendo caro.
As condições de isolamento, distância de outros trabalhadores, de organizações
que fortalecessem seus vínculos na luta contra a exploração levaram esses seringueiros a
142
Os seringueiros, em sua maioria nordestinos, que vieram para a Amazônia a partir de 1870, ficaram
abandonados à própria sorte após os períodos de auge da borracha (após a década de 1910 e após o fim
dos Acordos de Washington). A caça, o uso de plantas e de madeira, etc., resultou em um conhecimento
sobre a Floresta Amazônica que permitiu, a partir dos anos de 1980, alardear uma harmonia homem-
natureza que é sintetizada no termo “povos da floresta”.
152
fazer manifestações contra as odiosas condições apenas como levantes que sempre
foram sufocadas com promessas e cooptações. As formas organizativas estiveram quase
sempre vinculadas à manutenção de uma cultura de dominação, de postergação, de
esperanças que não se realizavam. A decadência da produção material que mina as
esperanças de melhores dias leva ao alcoolismo e às soluções trágicas que decorrem do
desespero.
O campo identificado como o polo de menor dinamismo econômico e, dentro
dele, as atividades extrativas como as mais atrasadas, contrapõe-se às cidades, expressão
do federalismo, dos serviços e da presença ostensiva da autoridade governamental. As
atividades dinâmicas do campo, tidas como modernas, são aquelas que excluem de
forma clara a presença de grandes contingentes de trabalhadores, a pecuária extensiva
um exemplo claro. Fadados a serem eliminados enquanto tal, os seringueiros, com a
esperança no passado e não no futuro, eram socialmente considerados como sujos,
bêbados, com todos os tipos de taras, sem expressão na sociedade local.
O Projeto Seringueiro, além dos materiais didáticos, preparava os professores, os
seringueiros, que, num primeiro momento, recebiam algum recurso financeiro (do
próprio projeto) e a partir daí passavam a reivindicar a contratação pelo Estado. As
escolas eram construídas pelos próprios seringueiros com materiais da região, madeira e
palha. Os postos de saúde passavam pelo mesmo processo. Na perspectiva de um
atendimento mínimo aos graves problemas de saúde, o projeto passou a oferecer cursos
de capacitação para agentes de saúde e a construção de postos de atendimento em
algumas localidades.
O Projeto Seringueiro passa a ser, em 1983, o Centro de Trabalhadores da
Amazônia – CTA. O CTA vai assumindo, especialmente a partir do primeiro governo
do engenheiro florestal Jorge Viana, em 1999, a responsabilidade de introduzir o
manejo de madeira143 nas áreas de reservas extrativistas144. Neste processo o CTA
constituiu-se em uma máquina poderosa de captação de recursos.
O CTA atua desde o ano de 2000 no Projeto de Assentamento Extrativista Porto
Dias, no município de Acrelândia (na região do Vale do Acre), desenvolvendo projetos
na área de manejo madeireiro. O governo estadual tem atuado em formulações de
143
O manejo madeireiro no Acre está estreitamente vinculado à criação da FUNTAC (Fundação de
Tecnologia do Acre) fundada durante o governo de Flaviano Melo (1986-1990) com recursos do ITTO
(The International Tropical Timber Organisation). Este governo iniciou medidas de políticas ambientais,
conforme estudo realizado por Silva (1998).
144
Para uma discussão mais aprofundada sobre manejo madeireiro na área de Porto Dias ver Balzon
(2005).
153
políticas públicas e estratégias de manejo madeireiro, atuando com técnicas que ainda
não foram comprovadas como sendo de baixo impacto ambiental.
Desde 1987, um consórcio dirigido por uma organização de compradores de
madeira, sediado no Japão – ITTO (The International Tropical Timber Organisation) –
desenvolve experimentos de manejo florestal no Acre. Este organismo foi criado em
meados dos anos de 1980 com o objetivo de administrar a organização ITTA
(International Tropical Timber Agreement), criada em 1983. Vale dizer que o Japão é o
maior importador mundial de madeiras e possui o maior número de votos no ITTA.
Todo este processo foi desencadeado pelas discussões de organizações que tinham na
sua pauta a preocupação com a preservação das florestais tropicais.
A partir da repercussão internacional do assassinato de Chico Mendes e do eco
que teve o movimento dos trabalhadores acreanos no movimento ambientalista
internacional, são criadas várias ONGs no Acre, atuando principalmente na área de
preservação ambiental, com estreitos vínculos com países imperialistas, principalmente
o EUA. Dentre estas ONGs tem destaque o Centro de Trabalhadores da Amazônia -
CTA, o PESACRE e a SOS Amazônia que se tem revelado, desde 1999, uma parte
importante na elaboração de políticas e execução destas com o governo estadual145.
Lima (2005), em pesquisa realizada sobre o impacto sócio-econômico de ONGs
na cidade de Rio Branco, classifica-as pelo seu âmbito de atuação nas áreas de meio-
ambiente, direitos humanos e pesquisa. Apresentamos abaixo o levantamento efetuado
por Lima (op.cit):
a) Meio Ambiente (onde se concentra a atuação das mais importantes ONGs do
Estado):
- Objetivos gerais: conscientização ambiental; elevação do nível de qualidade de vida e
redução da pressão sobre a floresta; consolidação das Reservas Extrativistas
promovendo saúde, educação e desenvolvimento econômico dos recursos naturais;
proteção da floresta e defesa dos povos indígenas.
145
O PT ganha às eleições ao governo do Acre em 1999, em aliança com outros partidos, sendo eleito o
engenheiro florestal Jorge Viana, que foi reeleito em 2002. Em 2007 foi eleito Arnóbio Marques (PT)
cujo vice, César Messias (PP), é ligado ao latifúndio da região do Vale do Juruá.
154
dos recursos naturais; formação de agentes florestais de uso múltiplo em comunidades
extrativistas; representação da população indígena junto aos governos.
b) Direitos Humanos
c) Pesquisa
146
O Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Projeto RECA) foi formado por
um grupo de agricultores em 1989 que contaram, para sua fundação, com o apoio da CEBEMO, uma
agência de financiamento holandesa ligada à Igreja Católica. Situava-se inicialmente numa área do Estado
do Acre, na localidade Nova Califórnia, que hoje pertence ao Estado de Rondônia.
155
(Cooperativa Agroextrativista de Xapuri). Esse projeto possuía como principal objetivo
a articulação dos trabalhos das ONGs no estado do Acre, em especial:
(...) ações que gerem experiências piloto eficientes no trato das problemáticas sociais e
que possam subsidiar políticas públicas comprometidas com o desenvolvimento
humano e ambientalmente sustentável da Amazônia (AQUIRI, 1997, p.4).
(...) com as conquistas acumuladas nos vinte anos de apoio ao movimento social do
Estado, as ONGs do Acre têm muito que contar. Das reservas indígenas e extrativistas
que mudaram o perfil de distribuição de terras no Acre à influência em políticas
públicas e projetos de desenvolvimento; da luta contra a violência e impunidade ao
desenvolvimento de experiências inovadoras nas áreas de saúde, educação, geração de
renda, entre outras tantas. Mas há muito chão pela frente para se chegar perto do sonho
de uma sociedade mais justa. E o Aquiri representa um passo a mais nessa busca ao
articular as ONGs do Estado em torno de um Projeto que objetiva fortalecer a
capacidade político e técnico das entidades, integrar ações e ampliar o impacto dos
trabalhos junto às populações beneficiadas. Com recursos extremamente limitados, estas
experiências só podem ganhar maior amplitude se assumidas como políticas públicas
municipais, estaduais e federais. Essa é a grande meta. E isso depende do arco de
alianças que, independente de origens partidárias-ideológicas, acredite no poder da
sociedade civil em gerar alternativas positivas para os problemas sócio-ambientais do
estado. As ONGs e sua história fazem parte do patrimônio de luta do Acre, simbolizam
a esperança e a criatividade de um povo que sabe buscar novos varadouros e que ainda
vai quebrar o encanto da cobra grande (AQUIRI, 1997, p.3).
156
1) WHRC- Woods Hole Research Center: ONG norte-americana que tem presença na
região amazônica através de pesquisadores em várias áreas; parte de sua atuação dá-se
através de universidades e de outras ONGs, algumas das quais essa mesma entidade é
fundadora ou participante. Seus pesquisadores (tanto brasileiros quanto estrangeiros)
têm papel importante no projeto LBA - Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment
in Amazonia .
3) WWF – World Wildlife: Fundo Mundial da Vida Silvestre: Trata-se de uma das
maiores ONGs atuando na região e tem presença em quase todos os Estados amazônicos
financiando projetos na área ambiental.
6) Oxfam: ONG inglesa que agrega uma confederação de treze organizações que
trabalham em conjunto com 3000 organizações locais em mais de 100 países. Atribui a
si o objetivo de “encontrar soluções definitivas para a pobreza, o sofrimento e a
147
www.oxfam.org, acesso em 18/07/2009.
157
injustiça”. Tem atuado no Acre financiando entidades de direitos humanos, cooperativas
e outros.
8) Conservation International – CI: é, juntamente com a WWF e TNC, uma das três big
ONGs da conservação. Atua em todos os continentes onde tem floresta tropical. Tem
atuação destacada na fronteira trinacional do Acre com o Peru e a Bolívia, no Projeto
MAP (Madre de Díos- Peru, Acre-Brasil, Pando - Bolívia).
10) SIL- Instituto Lingüístico de Verão: As missões religiosas protestantes tiveram uma
atuação mais presente com as populações indígenas. O caso mais conhecido é do
Instituto Lingüístico de Verão (SIL – Summer Institut Linguistic), atualmente
denominado International Partners in Language Development149, atua em vários países
da América Latina, evangelizando populações nativas. Um dos instrumentos principais
do SIL é o uso da “ciência” apropriando-se da língua dos povos nativos para publicar a
Bíblia.
11) NYBG – New York Botanic Garden – Jardim Botânico de Nova Iorque: A
colaboração entre os jardins botânicos e organizações congêneres em todo o mundo é
148
Fonte: www.ifpri.org, acesso em 18/07/09.
149
Fonte: www.sil.org, acesso em 18/07/09.
158
feita em nome da ciência150; a existência de novas descobertas interessa a todos, sem
exceção, a capacidade de utilização dos recursos e sua industrialização somente a
alguns. Isto permitiu no caso da Amazônia instalar centros de coleta em toda região
através das universidades. No Acre, a relação com o NYBG permitiu constituir um
centro de pesquisa, o Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre, PZ-UFAC.
Das pesquisas aí realizadas estima-se que o NYBG tenha catalogado 25.000 espécies da
flora amazônica. Eles recebem principalmente recursos da Fundação Ford, Programa
Piloto de Proteção de Florestas Tropicais - PPG-7 e da USAID.
150
Atualmente existe o projeto Flora Brasiliensis Revisitada, com representação do Jardim Botânico de
Nova York, Jardim Botânico do Missouri, Herbário do Museu Nacional de História Natural de Paris,
Jardim Botânico de Berlim, Jardim Botâncio Real de Kew (Inglaterra), Instituto de Botânica da
Universidade de Viena. Este projeto conta com o financiamento da Natura e Fundação Vitae e como
executores o Jardim Botânico do Missouri. Fonte:
http://www.revistameioambiente.com.br/2006/07/18/flora-brasileira-on-line/ , acesso em 19/07/09.
151
Fonte: http://www.sfrc.ufl.edu/acli/ , acesso em 22/07/09.
159
produtividade, de ampliar a comercialização de produtos florestais não-madeireiros
(açaí - Euterpe oleracea, cupuaçu - Theobroma grandiiflorum, e outros). Possui
vinculação estreita com a Universidade da Flórida recebendo muitos dos seus
pesquisadores visitantes, oriundos dos EUA, que atuam também em outros países
dominados pelo imperialismo. Um dos seus principais financiadores é a USAID.
15) SOS Amazônia - A SOS Amazônia, fundada em 1988, tem como principal
financiador a USAID; foi responsável pela elaboração do plano de manejo do Parque
Nacional da Serra do Divisor. Atua juntamente com a TNC – The Nature Conservancy,
uma das mais importantes ONGs ambientalistas do mundo.
152
Formada em 10/09/2002 a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico ilegal de
animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileira (CPI TRAFI).
153
Conforme conversa com o professor Frederico Mendes Arruda, na Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) em 25 de julho de 2007.
160
O Brasil disputa de forma subordinada uma participação minoritária nos
projetos pretensamente científicos dos países imperialistas na Amazônia. O Sistema de
Vigilância da Amazônia – SIVAM154, iniciativa de instalação de radares e uso de aviões
que vigiam o território amazônico, está sob o “guarda-chuva” de projeto dirigido pela
NASA, onde o principal problema para a realização de seus planos é a existência de
populações camponesas, de seringueiros, garimpeiros e outros habitantes que, segundo a
visão do ecologismo, são predadores da natureza dando uma sobrevida ideológica à já
derrotada teoria malthusiana155. Castells (1976) cita a obra de Ehrlich (The Population
Bomb), que foi presidente da Zero Population Growth, que considera o excesso da
população como responsável por todos os males e defendia o controle da natalidade
com medidas como o lançamento de produtos esterilizantes na água das grandes
cidades, a taxação dos filhos e a criação de um imposto de luxo sobre os produtos para
bebês (CASTELLS, 1976, p. 3-4).
A presença de organizações não governamentais dos países imperialistas abarca
uma imensidade de ações que vão desde a prestação de serviços nas periferias das
cidades da Amazônia, preservação do meio-ambiente, pesquisas vinculadas às
universidades da região, estudo de populações indígenas, dentre outras. Tais atividades
são financiadas principalmente pelo governo dos EUA através da USAID, da Fundação
Ford, da Fundação Interamericana – IAF, da Fundação Moore, e outros. Essas agências
desenvolveram durante mais de duas décadas um sistema de informação privilegiado
que vem servindo para a gestão de políticas e interferência de ações com o discurso de
preservação da Amazônia.
A intervenção direta de ONGs onde há populações de índios, seringueiros,
ribeirinhos etc., como um “ato heróico” de salvação das florestas tropicais deu-se a
partir de atividades vinculadas diretamente às necessidades básicas da população como
educação, saúde, organização da produção, etc. Estas reais necessidades decorrentes da
pobreza e miséria das massas de camponeses, aliadas à crise ambiental, criaram
Para maiores informações ver artigo do professor Arruda: “Convênios escondem biopirataria”:
www.farolbrasil.com.br/arquivos/re_biopiratria.htm>
154
O SIVAM, criado em 1990, e administrado pelos militares brasileiros, foi objeto de várias negociatas
quando da aquisição de radares e outros equipamentos. A vencedora da licitação foi uma empresa norte-
americana da área militar (Raytheon) apesar dos protestos moderados de empresas européias que também
concorreram para vender os equipamentos.
155
Segundo Speth (2005) o mais importante caminho para alcançar a sustentabilidade é atacar mais
diretamente as causas da degradação ambiental: 1) a população mundial que poderia permanecer nos
mesmos patamares do século XX, e 2) a pobreza e o subdesenvolvimento que contribuem de modo
significativo com a deterioração do meio ambiente: “os pobres, em geral, têm pouca escolha e dependem
substancialmente de recursos ambientais (...)” ( SPETH, 2005, p. 34-35).
161
condições excepcionais para esta intervenção (legitimidade) ao mesmo tempo em que as
ONGs na região não têm como princípio, e nem preocupação, a legitimidade. Estas
ONGs reuniam-se em um dia com seringueiros que lutavam contra fazendeiros, no
outro, com o governador do Estado, profundamente interessado nos benefícios da causa
ambiental (recursos) e, no outro dia, com as entidades nacionais do governo federal que
converteram a pauta das ONGs ambientalistas em política governamental.
A maior parte dos críticos à chamada biopirataria não enxerga nenhuma saída a
não ser a negociação possível tal como propõem as leis, contratos e outros caminhos
mercantis em que essas populações, que vivem e produzem nas florestas tropicais,
seriam pagas por conhecerem os recursos. Outros mecanismos de mercado são
propostos para diminuir o desmatamento como a certificação florestal (as madeiras que
saíssem da Amazônia teriam um selo – verde – que identificassem sua origem e a forma
de extração – menos predatória), outros produtos teriam um preço mais elevado e
beneficiariam as populações que extraem os recursos, etc. Todas são medidas que
supõem um mercado de concorrência perfeita, sem monopólios.
Esta foi a situação que se configurou no Estado do Acre onde, da luta dos
trabalhadores por sua terra e o que ela contém, a floresta, as ONGs buscaram
transformar esses trabalhadores camponeses em defensores do meio-ambiente através
de uma infinidade de organizações e projetos voltados para o “desenvolvimento
sustentável”. Todo este processo está permeado por muitas contradições, como o ainda
não solucionado problema da terra, do acesso à saúde, educação e outros. Tudo envolto
em um pano de fundo de clamor mundial de defesa ambientalista de salvação do planeta
engendrado pelas ONGs e governo local.
162
Castells (op.cit) coloca que o presidente Nixon, o mesmo que jogou toneladas de
bombas sobre a população vietnamita, declarava a sociedade norte americana em 1969:
A principal preocupação do terceiro terço de nosso século, creio que será a continuação
da felicidade... Em futuros esforços para a felicidade de todos, não haverá
provavelmente objetivo mais importante do que a melhoria do nosso meio-ambiente (...)
(...) Se devemos melhorar materialmente o nosso meio-ambiente nos próximos meses e
anos, todo o nosso povo deve se unir neste esforço. Será necessária uma ação firme por
parte do governo – em nível federal, dos Estados e em nível local. Os cidadãos
individualmente e grupos de voluntários devem unir-se nesta cruzada. Não só o mundo
dos negócios da indústria, mas as organizações operárias e agrícolas, o ensino e a
ciência e todas as categorias da sociedade... As conseqüências imprevisíveis da nossa
tecnologia degradaram muitas vezes o nosso meio ambiente; devemos de hoje em diante
fazer apelo para que essa mesma tecnologia seja restaurada e preservada. Se eu
conseguir lá chegar, os próximos dez anos não serão o começo do nosso terceiro século
enquanto nação, mas também a época de renovação, de infinitas possibilidades para a
nação americana (CASTELLS, 1976, p.1).
156
Para Raffestin os meios ou mediatos podem ser: meios financeiros, forças militares, discursos,
trabalho, produtos, etc. (RAFFESTIN, 1993, p.42)
163
ambientalistas locais fossem as agentes táticas das políticas ambientalistas, as
executoras. E isto se configurou não apenas na Amazônia brasileira, mas na ampla faixa
dos países detentores de florestas tropicais. Neste capítulo apresentamos como, no
estado do Acre, a política ambiental do imperialismo foi implementada pelas ONGs
ambientalistas locais.
Segundo Lima (2005), existem no Acre em torno de 850 organizações na
categoria de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). A
economista Maria da Conceição Tavares afirmou que o “Acre é uma ONG”, assertiva
com a qual parece concordar a ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
enfatizando o papel das ONGs na Amazônia e no Estado do Acre, quando declara:
Na Amazônia, especialmente no Acre, o papel das ONGs foi e continua sendo vital para
a consolidação de um modelo alternativo, realmente adaptado às condições da região,
fundado no aproveitamento sustentável dos recursos naturais e na cultura da população.
(Maria da) Conceição Tavares certa vez disse que “o Acre é uma ONG”. No meu
entendimento é uma expressão feliz que pode ser interpretada como se referindo a um
estado que começou a forjar a sua identidade moderna firmemente assentada sobre a
organização da sociedade civil, aproximando o poder público dos métodos de ação da
sociedade. Podemos dizer que não só aqui, mas em vários lugares da Amazônia, a ação
das ONGs educa o poder público para mudanças que o aperfeiçoam e o colocam cada
vez mais a serviço do interesse público. Creio que como nenhuma outra região
brasileira, a Amazônia tem hoje uma dinâmica inseparável do papel das ONGs.
Aqui se constrói, de fato, algo novo, embora as inúmeras experiências que atestam isso
ainda não estejam sistematizadas e amalgamadas em escala institucional. Fica, tanto
para os governantes quanto para as ONGs que atuam na Amazônia em parceria, um
desafio permanente: manterem o caráter inovador dessas alianças, investir sem cessar no
seu aperfeiçoamento democrático, no seu caráter público, na sua interação com a
população. Talvez a Amazônia possa realmente dar lições sobre a construção de uma
sociedade sustentável, justa e ambientalmente sadia (...) (CTA, 2002, p.3, destacado
nosso).
164
No estado do Acre os projetos desenvolvidos pelas ONGs estavam em
consonância com as políticas do imperialismo em criar “estados democráticos”, ao
associarem ao papel das ONGs à idéia de democracia, e aliados à concepção da social
democracia petista que chega ao poder executivo do Acre em 1999, e aí permanece pelo
terceiro mandato consecutivo (1999-2002; 2003-2006; 2007- 2010).
Elegemos no Estado do Acre a atuação de três ONGs locais, Pesquisa e
Extensão em Sistemas Agroflorestais (PESACRE), Centro de trabalhadores da
Amazônia (CTA) e SOS Amazônia e, a partir de informações das respectivas páginas
destas ONGs na Internet e de seus relatórios disponíveis, traçamos um quadro de suas
principais ações no Acre com o objetivo de mostrar o caráter dos projetos
desenvolvidos, suas áreas de atuação, as principais instituições que com elas operam,
seus parceiros e financiadores. A exposição a seguir das três ONGs possui um caráter
descritivo e analisaremos o significado destas ações no próximo capítulo, sobre as
conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo ongueiro no Acre.
157
Segundo a EMBRAPA, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) “são formas de uso da terra em que há um
consórcio de espécies arbóreas, cultivos agrícolas e/ou criação de animais numa mesma área de maneira
simultânea ou ao longo do tempo. Alguns sistemas são práticas antigas de produção e representam um
grande desafio para o campo científico. Na Amazônia, os SAFS vêm sendo utilizados há anos pelos
índios, na forma de capoeira enriquecidas e por agricultores através da agricultura itinerante.”
Fonte: http://www.cpafac.embrapa.br/chefias/cna/artigos/sistagroflo.htm , acesso em 24/07/09.
158
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009
165
- organização comunitária para a autogestão de comunidades rurais, com ênfase em
gênero;
- difusão de alternativas de uso sustentável de recursos;
- capacitação de profissionais e de produtores rurais para o fortalecimento da
competência local instalada.
Para alcançar estes objetivos e atingir sua missão o PESACRE afirma ter como
filosofia:
(...) necessidade de preservação do meio ambiente cada vez mais se junta à preocupação
em gerar renda e garantir melhor qualidade de vida para as populações que moram e
vivem da floresta. Por isso, nos últimos dez anos, o Pesacre vem realizando pesquisas e
desenvolvendo projetos de uso sustentável dos recursos naturais em comunidades
organizadas de agricultores, índios e seringueiros. Nossa filosofia inclui a certeza de que
nesse processo é fundamental a participação e a troca de informações, aliando ao
conhecimento técnico e acadêmico a sabedoria tradicional dos povos da floresta. Todos
os nossos projetos, bem como as mais distintas atividades, têm como princípio a
participação das comunidades locais garantindo, aos produtores, o papel de sujeitos na
discussão e adoção de práticas sustentáveis160.
159
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009
160
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009
161
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm , acesso em 07/01/2009
166
Localiza-se no km-7 do Ramal Granada, no município de Acrelândia, estado do Acre. O
uso da terra é feito de forma diversificada como os Sistemas Agroflorestais - SAFs162
(café, pupunha, cupuaçu, banana), monocultivos agrícolas (café, banana, pupunha) e
pecuária extensiva. Este projeto foi financiado pela USAID163 e, segundo o PESACRE,
a meta é estruturar uma metodologia de avaliação econômica, social e ambiental, “que
permita corrigir as distorções existentes em comunidades rurais da Amazônia, visando
melhorar o padrão de vida das famílias e o acesso à informação, saúde e educação”.
162
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são formas de uso da terra em que há um consórcio de espécies
arbóreas, cultivos agrícolas e/ou criação de animais em uma mesma área de maneira simultânea ou ao
longo do tempo. Está vinculado a propostas de agroecologia (ver Altieri). A proposta de SAFs para o
Acre está ligada à concepção do ambientalismo de “educar” os seringueiros e agricultores no padrão da
sustentabilidade ambiental.
163
Nenhum dos projetos do PESACRE disponibilizados na página na Internet tinha seus valores de
financiamentos divulgados. Pela quantidade de projetos e área de atuação podemos inferir que esta ONG
deve ter recebido da principal financiadora, a USAID, um montante de recursos significativo.
167
Projeto 3: REACRE - Recuperação de Áreas Alteradas com Base no
Desenvolvimento Sustentável no estado do Acre
164
Segundo o Governo do Acre os Pólos Agroflorestais são uma opção para o reassentamento dos antigos
seringueiros que foram expulsos de suas terras. Fonte:
http://www.ac.gov.br/contratobid/coexecutores/seater.htm , acesso em 29/05/09.
165
Os Projetos de Assentamento Dirigidos (PADs) foram criados no período da ditadura militar no Brasil.
O PAD Pedro Peixoto, o primeiro a ser criado, no Acre, com uma área de 317.588 ha, foi estabelecido
pelo INCRA em 1977. Sobre a política de assentamentos rurais no Brasil ver LEITE & MEDEIROS
(2004).
168
Projeto 5: Apoio a criação de pequenos animais
166
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm , acesso em 07/01/2009
167
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm ,acesso em 07/01/2009.
169
Em relação ao projeto na comunidade Apurinã, dos resultados alcançados
elencados pelo PESACRE destacamos:
- Apresentação e publicação da metodologia para Manejo Comunitário da espécie
Tucumã (Astrocaryum aculeatum) no Simpósio Internacional da IUFRO168 que ocorreu
no ano de 2000 em Belém (Pará);
- Realização de 02 (dois) cursos de padronização de peças para artesanato;
- Fundação de uma Associação na comunidade indígena Apurinã;
- Comunidade indígena Apurinã comercializou o artesanato com sementes florestais
manejadas nos mercados locais, nacionais e internacionais (contrato com o
GREENPEACE da Áustria).
168
IUFRO – The Global Network for Forest Science Cooperation, uma ONG que representa uma rede
internacional de cientistas florestais que diz ter por objetivo a promoção da cooperação global de
pesquisas relacionadas a florestas e aumentar o entendimento dos aspectos ecológicos, econômicos e
sociais do meio ambiente florestal. Fonte: http://www.iufro.org/ , acesso em 29/05/09.
169
CIFOR – Center for International Forestry Research, importante organização internacional com
atuação em vários países da África e América Latina. Afirma como objetivo: “Os propósitos e avanços do
CIFOR no bem-estar humano, na conservação ambiental e na equidade ao realizar pesquisas para relatar
as políticas e práticas que afetam as florestas nos países em desenvolvimento”.
Fonte: http://www.cifor.cgiar.org/ , acesso em 27/05/09.
170
Termo traduzido do inglês empowerment , e presente no discurso das ONGs, é proposto por
Vasconcelos (2003) no sentido de “aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e
grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações
de opressão, discriminação e dominação social”. A nosso ver condição impossível de ser alcançada no
capitalismo pelo conjunto da classe dos oprimidos.
170
Projeto 8: Implantação do Sistema de Informação Mercadológica da Bolsa
Amazônia – SIMBA
Este projeto foi desenvolvido desde 1999 no antigo Seringal São Salvador, às
margens do rio Môa, município de Mâncio Lima, Acre. Em junho de 2001 foi criado o
PDS São Salvador, que tem como áreas limítrofes as terras indígenas Nukini e
Poyanawa, além do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). Segundo o
171
Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), modalidade de assentamento criado pelo INCRA em
1999, é voltado para o modelo de sustentabilidade. O PDS São Salvador foi o primeiro a ser criado na
Amazônia em junho de 2001.
172
Ambas são fundações norte-americanas que financiam importantes ONGs ambientalistas na
Amazônia, conforme colocamos no capítulo 4. Um excelente trabalho sobre as fundações do EUA nos
diversos campos de atuação como saúde, educação, energia, democracia, meio ambiente e outros, ver
Dowie (2001). Ver também Roelofs (2003), estudo sobre as fundações que financiam ONGs e seus
serviços ao imperialismo estadunidense. Uma resenha deste livro está disponível pela The Research Unit
for Political Economy (RUPE): http://www.rupe-india.org/38/foundations.html
171
PESACRE, o objetivo foi o de “definir mecanismos e instrumentos, baseados num
planejamento integrado e participativo, para implantação de assentamentos rurais
sustentáveis e do PNSD”. Os financiadores foram: PRODETAB (Projeto de Apoio ao
Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuária para o Brasil), Fundação W. Alton
Jones, Fundação Hewlett e USAID. O PESACRE ressalta como resultados alcançados
os estudos de socioeconomia, ecologia, atividade pesqueira e comercialização; a
elaboração de mapas de solos, aptidão agrícola e agroflorestal e tipologias florestais
(madeireira e não-madeireira).
173
Segundo a EMBRAPA a pimenta longa (Piper hispidinervum) só foi encontrada no Vale do Acre. Esta
espécie tem alta concentração de teor de safrol (acima de 90%) que é obtido através do óleo essencial
extraído das folhas e talos finos da planta por meio de um processo de destilação. No estado do Acre
foram identificadas outras duas espécies, a Piper aduncum e a Piper hispidum. O safrol é um componente
químico aromático utilizado pela indústria como matéria prima na manufatura de heliotropina (fixador de
fragâncias) e butóxido de piperolina (agente sinergístico nos inseticidas e pesticidas naturais à base de
Piretrum). Fonte: http://www22.sede.embrapa.br/pimentalonga/faqs.htm
172
dirigentes da associação, quanto aos aspectos técnicos, organizativos e gerenciais,
apoiando a associação e a equipe do projeto no desenvolvimento de estratégias para
administrar a área piloto com o término do projeto. O projeto foi financiado pelo
Department For International Development – DFID/ Conselho Britânico.
174 ONG italiana fundada em 1966, tem sede na cidade de Verona. Está presente em 17 países com 830
voluntários e realizou 230 projetos. Tem como objetivo: estudar e ativar os projetos seguintes:
- a promoção do voluntariado e da solidariedade na África e na América Latina;
- o desenvolvimento social e cultural com respeito aos direitos humanos;
- a conscientização das instituições religiosas ou não, e da população em relação à ativação das políticas
de cooperação internacional;
- o desenvolvimento de programas de formação e atualização e de desenvolvimento da educação. Fonte:
http://it.wikipedia.org/wiki/Movimento_Laici_America_Latina , acesso em 02/06/2009.
173
Projeto 15 - Manejo de Produtos Florestais Não-Madeireiros no Seringal São
Salvador
174
- Requisitar avaliação de certificação florestal independente (FSC - Forest Stewardship
Council) para o sistema de manejo florestal implantado no Projeto.
Para este projeto o PESACRE contou com as seguintes organizações: Secretaria
Executiva de Florestas e Extrativismo/Governo do Estado do Acre (SEFE), Parque
Zoobotânico da UFAC (PZ/UFAC), CASAVAJ - Cooperativa do Vale do Juruá,
EMBRAPA e TAWAYA – Comércio de Produtos do Vale do Juruá. O financiamento
foi proporcionado pelo Fundo de Parceria Ford/Funbio.
Não temos como objetivo analisar os projetos executados ou que estão sendo
implementados pelo PESACRE. Pretendemos aqui compreender o caráter da atuação
desta organização ao ter como aliada e principal financiadora a USAID, organização
responsável por banhos de sangue no mundo em nome da “democracia”, conforme
relatado por Chomsky & Herman (1976) e sua vinculação com as demais organizações
do imperialismo.
Os projetos que elencamos fazem parte da agenda imposta pela política
ambiental, principalmente estadunidense, e das grandes ONGs, que organizações locais,
como o PESACRE, resolveram assumir. Para isto não levam em conta os objetivos
estratégicos de quem os mantêm e financia, porque a estes objetivos estas organizações
já aderiram. Executam os projetos definidos de fora para abrir o terreno e implementar
as políticas necessárias para o alcance das estratégias que descrevemos em capítulos
anteriores, qual seja, da preservação dos recursos naturais para o uso da indústria da
biotecnologia dominada pelos países imperialistas e a criação de grandes áreas de terras
para uso futuro.
Cabe aqui a pergunta, o que organizações tão importantes como o Programa de
Segurança e Educação Nacional do EUA, a Fundação Nacional de Saúde do EUA e
tantas outras estão fazendo ao financiar projetos do PESACRE nos municípios
longínquos do Acre, conforme visualizado no mapa 02.
Ao se aliar a estas organizações cumprindo a agenda ambientalista de
implementação de projetos como os Sistemas Agroflorestais, educação ambiental,
“empoderamento” das minorias e outros, o PESACRE coloca-se a serviço das
organizações do imperialismo que não têm como meta a democracia e tampouco o
desenvolvimento da nação, e sim de organizações que têm um plano claro de obtenção
de recursos naturais, utilização e apropriação dos conhecimentos e saberes dos
camponeses da Amazônia e, principalmente, servem à construção da retirada das
175
populações de camponeses de grandes áreas de reserva de terra para o uso dos países
dominantes.
175
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
176
de atuação o Vale do Acre. Constituiu-se em uma importante ação da atividade de
educação para os seringueiros, pois, segundo o CTA, o Projeto Seringueiro tinha como
principal objetivo:
A partir dos anos da década de 1990, o CTA afirma que trabalhou em busca de
soluções econômicas para o desenvolvimento das áreas de reserva extrativista. Para isto
destaca a atuação em cadeias produtivas da piscicultura, sistemas agroflorestais e, desde
1986, com o manejo florestal comunitário de uso múltiplo. Destaca o trabalho com
manejo madeireiro em comunidades assessoradas pelo CTA, em Porto Dias e São Luís
do Remanso que, ao serem certificadas pelo sistema FSC177, representam “um modelo
inovador de manejo comunitário adotado hoje como prioritário de replicação do
Governo do Estado”178. O CTA assim sintetiza o caráter de suas ações com a população
das comunidades extrativistas:
(...) a atuação institucional do CTA vem se dando através de ações de assessoria técnica,
política e de formação, objetivando a estruturação de alternativas econômicas e sociais
que garantam o desenvolvimento social, econômico e cultural destas populações dentro
de um conceito de uso sustentável dos recursos naturais e reforço da identidade sócio-
cultural dessas populações179.
176
http://www.cta-acre.org/pg_acoes1.htm# , acesso em 05/05/2009.
177
FSC (Forest Stewardship Council) tem como representante no Brasil a FSC-Brasil (Conselho
Brasileiro de Manejo Florestal), cujo objetivo principal é o de promover o manejo e a certificação
florestal no Brasil. Fonte: www.fsc.org.br , acesso em 14/05/2009.
178
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
179
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
180
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009
177
- 1982: edição do primeiro material didático adaptado-Cartilhas Poronga181 de português
e matemática. Em 22 de maio de 1982 é realizada a primeira aula em uma escola na
Floresta no Seringal Nazaré182;
- 1983: fundação do Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA). É realizado o
primeiro curso para delegados sindicais do Acre e o primeiro curso para professores
seringueiros;
- 1985: o CTA fornece suporte para a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros
(CNS);
- 1986: fornece suporte à luta para a criação das Reservas Extrativistas;
- 1989: inicia o programa de saúde – Programa de Formação de Agentes Comunitários
de Saúde;
- 1990: inicia o Programa de Desenvolvimento Econômico (Sistemas Agroflorestais e
produção de mel de abelhas nativas) – Programa de formação de agentes para-florestais;
- 1991: Consolidação do Programa de Educação (52 escolas, 1000 alunos / por ano);
- 1992: Início da proposta de consórcio dos Sistemas Agroflorestais; Consolidação do
Programa de Saúde (32 postos, 54 agentes de saúde comunitários formados);
- 1995: Fornece suporte à criação da Rede de ONGs da Amazônia – GTA (Grupo de
Trabalho Amazônico).
- Recebe menção honrosa no prêmio Itaú / UNICEF de Educação, na categoria de
formação continuada de professores;
- 1996: Inicia o primeiro Projeto de Manejo Florestal Comunitário da Amazônia
Brasileira - Projeto Porto Dias. Neste mesmo ano recebe o Prêmio Semana da Amazônia
em Nova York, concedido pela ONG Amanakaa 183;
- 1997 - Prêmio Itaú / UNICEF de educação – primeiro lugar na Categoria Formação
Continuada de Professores;
- 1998 - Elabora o primeiro Plano de Manejo Florestal Comunitário de Produtos não
Madeireiros – Projeto São Luis do Remanso.
- 1999 - inicia a implementação do Projeto de Manejo Florestal Comunitário do
Assentamento Extrativista Chico Mendes. Elaboração do primeiro Plano de Manejo
Florestal da Floresta Nacional do Macauã184.
181
Poronga é o nome da lamparina que os seringueiros utilizavam no auge da produção extrativista de
borracha, o que era também o período de maior exploração do seringueiro.
182
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
183
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
184
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
178
Primeiro premiado no IV Concurso do Programa de Incentivo à Leitura
MEC/PROLER/FNLIJ – Projeto “Mala de Leitura”;
- 2000 - inicia a implementação do primeiro projeto de Manejo Florestal Comunitário
de Uso Múltiplo no Projeto de Assentamento Agroextrativista São Luís do Remanso.
Início do Projeto “Mulheres Vivas, a Mãe Natureza Agradece”, com apoio do
Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde e Saneamento”185.
- 2001- Primeira Certificação Florestal – FSC para manejo florestal comunitário no PAE
Cachoeira186.
- 2002 – Consolidações da Rede de Produtos Florestais Comunitários – FSC.
- Recebe o prêmio internacional Board on Books for Young People (Suíça), pelo
trabalho da ‘Mala de leitura’.
- 2003 – PAE Porto Dias é a segunda comunidade a receber a certificação FSC no
manejo florestal comunitário na Amazônia.
- Implantação do Projeto de Saneamento em parceria com o governo do estado do Acre.
- 2004 – Condecoração da Ordem da Estrela do Acre no grau comendador ao CTA
pelos trabalhos desenvolvidos no apoio ao manejo comunitário.
Início do programa de formação de lideranças sócio-ambientais: 50 lideranças ligadas a
sindicatos, associações e cooperativas.
- 2005 – Apoio à criação da Cooperativa de Produtos Florestais Comunitários –
COOPERFLORESTA.
- 2007 – Estruturação do programa de produção de conhecimento e políticas públicas do
CTA.
- 2007 – Publicação do livro – “Lições aprendidas no manejo florestal comunitário, oito
anos de assessoria a comunidades”.
- 2008 – Assessoria à criação de grupos de mulheres para produção de artesanato em
áreas de reserva e assentamentos agroflorestais.
185
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
186
O PAE Cachoeira está localizado no município de Xapuri, oficialmente denominado de PAE Chico
Mendes, foi criado pela portaria do INCRA nº 158 de 08/03/89 como Projeto de Assentamento
Extrativista Chico Mendes. Porém, a portaria do INCRA nº 286 de 23 de outubro de 1996 resolve criar,
em substituição à modalidade de Projeto de Assentamento Extrativista, à modalidade de Projeto de
Assentamento Agroextrativista. Esta localidade era o antigo seringal Cachoeira, palco de importantes
lutas dos empates efetuados pelo movimento dos seringueiros neste local. No Cachoeira vivem muitos
membros da família de Chico Mendes e é hoje um local de ‘vitrine’ dos projetos do Governo da Floresta,
tanto pelo manejo comunitário de madeira, como pela pousada ecológica que o governo estadual
construiu neste local. Como expressão da propaganda em torno dos projetos desenvolvidos neste local, foi
capa do caderno ‘Razão Social’ do jornal O Globo de 04 de agosto de 2009.
179
Segundo o Relatório do CTA de 2007 em relação à atuação desta ONG na área
de educação e saúde, no início da década de 1990 o CTA era responsável pelo
acompanhamento de 51 escolas que tinham mais de mil crianças matriculadas por ano.
Para este mesmo período o CTA acompanhava 32 postos de saúde (CTA, 2007, p.3).
Segundo este relatório, as ações do CTA na educação, de 1981 até o final dos anos de
1990, foram responsáveis pelo acompanhamento (e em alguns casos a criação) de mais
de 63 escolas, com uma população estudantil de mais de mil alunos, entre adultos,
jovens e crianças. A partir de 1988, foram iniciadas parcerias para a formação de
agentes locais de saúde, envolvendo a Secretaria Estadual de Saúde e o Centro de
Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular.
O Relatório do CTA de 2007 apresenta as áreas onde esta ONG atua nas
comunidades extrativistas localizadas nas seguintes áreas (ver mapa 03).
180
Segundo o CTA, um dos seus eixos temáticos de trabalho, o Programa
Comunidades e Floresta, tem como objetivos:
- gerar referências para a ocupação territorial sustentável de áreas extrativistas na
Amazônia;
- contribuir com a disseminação de experiências de Manejo Florestal Comunitário de
Uso Múltiplo (MFCUM), com enfoque no Desenvolvimento Local Sustentável (DLS);
- prestar assessoria técnica a comunidades interessadas, através de processos de
formação, capacitação/treinamento, assessoria e supervisão;
- gerar estudos estratégicos que subsidiem a tomada de decisão pelas associações locais
nas diversas etapas da cadeia produtiva do MFCUM;
- fortalecer o espaço de interação, debate e reflexão sobre políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento comunitário, através do Grupo do Programa Comunidade e Floresta
(Relatório do CTA, 2007, p.6). O primeiro dos objetivos acima é resultado do projeto
estratégico de ocupação de terras na Amazônia dos financiadores das ONGs.
Para o alcance desses objetivos o CTA afirma ter como fontes principais de
atuação: o fortalecimento da organização social, o fortalecimento de cadeias produtivas
da floresta (produção e mercado) e a formação em serviço desenvolvido em parceria
com o eixo educação (transversal a todas as ações) (CTA, 2007, p.6). O CTA elege
como princípio orientador de trabalho a “formação para autonomia” e complementa que
para isto:
181
ambientais desenvolvidos pelo programa da USAID, podemos observar tal preocupação
na declaração do coordenador de educação do CTA:
Em 1902, houve a grande revolução, onde aconteceram muitas lutas e o Acre foi
anexado ao Brasil. O Acre é um estado que custou muito sangue aos brasileiros que nele
lutaram para conseguir este pedaço de terra. Se hoje temos este estado no mapa do
Brasil, foi às custas de sangue dos índios, nordestinos e acreanos (CTA, 1995, p.60).
187
A tese de doutorado de Morais (2008) mostra a forma como foi construída essa imagem e a
apropriação que dela fizeram no governo estadual.
182
Por fim constata a presença dos latifúndios no país, da alta concentração de terra,
porém da otimista perspectiva para os seringueiros como posseiros de terras que são de
propriedade do Estado brasileiro:
As Reservas Extrativistas são uma libertação para nós seringueiros. Com ela nos
livramos, em parte, dos grandes latifundiários e madeireiros, para que possamos criar
nossos filhos e netos em nossas colocações.
Reserva Extrativista (...) é a reforma agrária conquistada por todos nós seringueiros,
representados pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais. Conquistamos resistindo à
expulsão dos latifundiários que estavam ocupando grandes áreas de terras dos seringais.
Com muito suor e muito sangue esses novos direitos deram a nós seringueiros e aos
índios, mais possibilidades de sobrevivência em nossas colocações, sem mais sermos
mandados pelos patrões.
Nas reservas extrativistas vivem muitas pessoas nascidas e criadas lá mesmo,
produzindo, tirando dela o seu sustento. São ricas em vegetação, têm muitas espécies de
animais, tem óleo de copaíba, mel de abelha, palheiras, madeiras para construção das
casas na floresta, além dos nossos principais produtos que são a borracha e a castanha.
O Governo Federal, representado pelo IBAMA, regulamentou a proposta
desapropriando algumas áreas de terras, constituindo a Reserva Extrativista Chico
Mendes.
Hoje nas Reservas nós temos escolas, postos de saúde, núcleos da Cooperativa,
armazéns para estocagem dos produtos, rádios-amadores, peladeiras de arroz, micro-
usina para beneficiamento de castanha (CTA, 1995, p. 83).
Todo este discurso faz parte do projeto de tomar a constituição das áreas de
Reserva Extrativista no Acre como solução do problema da terra e das demais
dificuldades dos camponeses e seringueiros. Conforme mostraremos no capítulo 6 este
processo é hoje desmascarado pela pressão da polícia e do IBAMA sobre os
camponeses com ações de multas, violências e humilhações e a ameaça de serem
retirados das terras onde vivem. A isto respondem os seringueiros organizando-se e
lutando em Xapuri, e Brasiléia, além de tensões latentes ou já expostas no Vale do
Juruá, em um processo renovado da luta pela terra que todo o projeto implementado
pelas ONGs e governo local não conseguiu apagar.
188
As entrevistas citadas com Osmarino Amâncio foram realizadas em Brasiléia em 02/01/2009.
183
Manejo Florestal de Uso Múltiplo aplicado no AntiMary189. Segundo Osmarino
Amâncio este projeto é responsável pela grave situação de desmatamento e suas
conseqüências sobre as atividades extrativistas e da subsistência (como a caça) para a
população deste local.
O CTA, no seu relatório de 2007, ressalta a importância de suas ações no apoio à
produção madeireira ao afirmar:
Esta atividade (a madeireira) tem sido uma das principais frentes de atuação do CTA,
fazendo parte da proposta de desenvolvimento econômico a partir da metade da década
de 1990, em que muito se aprendeu junto às comunidades, principalmente no que diz
respeito ao conhecimento construído e a forma de trabalho (técnica). Tal frente tem
como objetivo principal o uso racional da floresta pelas comunidades extrativistas,
contribuindo assim para a redução do desmatamento e agregação da renda familiar
(CTA, 2007, p.8).
189
A Floresta Estadual do AntiMary possui uma área de 66.168 ha e está localizada no município de
Bujari (AC). Desde 1986 o ITTO (Organização Mundial para o Comércio de Madeira Tropical) realizou o
financiamento de US$ 3.000.000,00 para estudos de manejo madeireiro que visam estimular o “uso
sustentável” desta floresta estadual (FRERIS, N. & LASCHEFSKI, K. ,2001, p.5).
190
A COOPERFLORESTA (Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários) foi, constituída em
agosto de 2005, tem como objetivo desenvolver políticas comuns de estruturação do manejo florestal
madeireiro comunitário, nos processos de licenciamento, produção, beneficiamento e comercialização.
Fonte: http://www.iiba.com.br/
184
certificados, como também por políticas de convencimento das comunidades para
aderirem ao manejo de madeira, ação executada pelo CTA com o governo do estado. A
COOPERFLORESTA estava atrasada, em um ano e três meses, com o pagamento das
famílias de manejadores das duas associações do PAE Cachoeira, conforme informação
do Sr. Sebastião Teixeira Mendes (em conversa conosco no PAE Cachoeira, em
18/12/2008).
Segundo Freris & Laschefski (2001), a certificação propagandeada pelo FSC é
uma “fachada verde da exploração madeireira”. Segundo os autores, o FSC ao ser
criado em 1993 teria como tarefa definir os princípios e critérios globais para florestas
que fossem bem manejadas ecologicamente. Baseado nisto, o FSC executa a
certificação ambiental que nada tem de independente. Isto ocorre devido aos interesses
econômicos que estão em jogo no mercado mundial de madeiras.
Neste processo aparecem também as grandes ONGs ambientalistas que
paradoxalmente passaram a defender as atividades de extração madeireira sob o véu do
manejo madeireiro. A WWF estabeleceu grupos de compradores de madeira em vários
países que foram organizados numa rede mundial de comércio madeireiro certificado
intitulado Global Forest and Trade Network (FRERIS & LASCHEFSKI, 2001, p. 2).
Além disso, o WWF realizou uma consultoria que reverteu o quadro da tendência de
financiamento do Banco Mundial para a atividade madeireira. Esses financiamentos do
BM tinham sido anteriormente suspensos pelas denúncias efetuadas por ONGs, WWF,
Greenpeace e Amigos da Terra, que a atividade madeireira era a responsável pelo
desmatamento das florestas tropicais. Posteriormente serão estas mesmas ONGs as
principais gestoras dos controvertidos planos comunitários de manejo madeireiro
efetuados na Amazônia.
Freris & Laschefski (2001) apontam sete mitos sobre a certificação
ambientalmente sustentável do manejo madeireiro: 1) a exploração madeireira, dentro
dos critérios de certificação, tem um impacto mínimo sobre a floresta; 2) a vocação
florestal da Amazônia como algo inevitável frente ao mercado global de madeira; 3) a
certificação pelo FSC incrementa o valor econômico das florestas “bem manejadas”,
desestimulando o desmatamento, como no caso do corte raso para a agricultura e a
pecuária; 4) a exploração madeireira por empresas certificadas estimula a economia
regional, oferece oportunidades de emprego e representa uma alternativa ao
desmatamento pelo uso tradicional da terra; 5) as empresas certificadas são
comprometidas com a transparência total e por isso evitam a exploração ilegal; 6) a
185
exploração seletiva de madeira aumenta a capacidade florestal para fixar carbono,
reduzindo o efeito estufa; 7) muitos consumidores na Europa e no EUA pagariam mais
caro pelos produtos com um selo verde (FRERIS & LASCHEFSKI, 2001). Os autores
concluem que a certificação tem um impacto insignificante na exploração predatória das
florestas tropicais e que a FSC é a responsável, juntamente com ONGs, pela abertura do
mercado para madeira tropical na Europa e no EUA que haviam ficado restritos com as
campanhas de boicote ao comércio madeireiro efetuado pelas mesmas ONGs nos anos
de 1990.
Embora o CTA tenha divulgado as benesses da atividade de manejo para as
comunidades, tendo como base a certificação do FSC, cabe mencionar que esta
certificadora trabalha basicamente com as grandes companhias madeireiras para
exportação. De um total de 3.225.044 hectares de áreas certificadas pela FSC, apenas
0,7% (23.397 hectares) representam projetos de base comunitária (ZHOURI, 2006,
p.169). Esta lógica de certificação madeireira para grandes negócios foi reforçada com a
Lei de Gestão de Florestas Públicas (PLC 62/2005)191 que permite o arrendamento de
áreas de florestas na Amazônia, acelerando e aprofundando o saque sobre os recursos
desta região.Segundo o CTA o reconhecimento das Reservas Extrativistas - RESEX e
Projetos de Assentamento Agroextrativistas – PAE garantiram “às comunidades
extrativistas o acesso à terra e foi a grande conquista das populações tradicionais com
importante participação do CTA”. Disto resultou, segundo o CTA, a solução do
problema da terra:
191
Sobre as conseqüências da Lei de Gestão de Florestas Públicas ver os artigos recentes publicados na
internet de Ariovaldo Umbelino de Oliveira:
http://www.noticiasdaamazonia.com.br/3859-a-grilagem-de-terras-publicas-na-amazonia-por-ariovaldo-
umbelino-de-oliveira/
192
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm#, acesso em 15/05/2009.
186
o problema da Amazônia é a questão ambiental.193 No próximo capítulo abordaremos
como ocorreu no Acre o processo de desmobilização da luta dos camponeses e como o
imperialismo, através de ONGs e do governo local, apresenta como solução ao
problema da terra a constituição de áreas de preservação.
O CTA atribui a si a manutenção das “comunidades da floresta” na floresta. Para
isto ressalta a importância das organizações que os apóiam:
193
Esta visão é sintetizada no documento “O fim da floresta? A devastação das Unidades de Conservação
e Terras Indígenas no Estado de Rondônia”, publicado pela rede de ONGs GTA (Grupo de Trabalho
Amazônico) em 2008. Disponível em : http://www.amazonia.org.br/arquivos/274515.pdf
194
Fonte: http://www.cta-acre.org/pg_parcerias.htm. Acesso em 12/05/2009
195
Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa parceiro significa “que não apresenta diferença,
ou quase não apresenta diferença em relação a outro; igual, semelhante, par.”
187
Quadro 05 - Organizações parceiras do CTA
Organizações do imperialismo
USAID – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
CIFOR – Centro Internacional para Pesquisa Florestal
Universidade da Flórida – UF
Fundação Moore
WWF Brasil – Programa Amazônia
FSC – Brasil – Conselho Brasileiro de Manejo Florestal
GTZ – Cooperação Técnica Alemã
Organizações do governo
Governo do estado do Acre
Ministério do Meio-Ambiente
Serviço Florestal Brasileiro
Secretaria de Agroextrativismo
Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA
IBAMA – CENAFLOR
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE
Fundação de Tecnologia do Acre – FUNTAC
Ministério do Trabalho – Programa Primeiro Emprego
ONGs e outros
IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
SOS – Amazônia
COOPERACRE – Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do
Acre
Organizações dos trabalhadores
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros
FETACRE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado do Acre
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CTA de 2009 196
196
Fonte: http://www.cta-acre.org/pg_parcerias.htm , acesso em 12/05/2009.
197
Não consta no Relatório informações sobre os valores de financiamento, entretanto pela magnitude das
ações e a área de abrangência das ações do CTA, podemos inferir que suas atividades requerem quantias
consideráveis já que englobam desde projetos de educação sexual até projetos de manejo madeireiro.
188
representantes de movimentos sociais, que “se aliaram para denunciar, conscientizar e
mobilizar a sociedade frente às crescentes agressões sofridas pela Floresta
Amazônica”198. Segundo sua página na Internet, a SOS possui como eixos de trabalho a
educação ambiental, áreas protegidas e políticas públicas e foi criada com o objetivo de:
198
SOS Amazônia. Relatório de atividades 2002-2004, p.3.
199
http://www.sosamazonia.org.br/site2/, acesso em 20/05/2009.
200
Relatório de Atividades da SOS Amazônia (2005-2007):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2005_2007.pdf , acesso em 20/05/2009
189
ambiental do imperialismo sobre os projetos e estratégias que as organizações estatais e
grandes ONGs desenvolveram para as áreas de florestas tropicais: as políticas
conservacionistas, a educação ambiental e a implementação de áreas de reserva fazem
parte deste programa.
A seguir apresentamos os projetos desenvolvidos pela SOS Amazônia que
reproduzimos dos seus Relatórios de Atividades referentes aos períodos de 2002-2004 e
2005-2007201; nosso objetivo é ter uma dimensão dos projetos desenvolvidos por esta
ONG no Acre.
1) Consórcio AMAZONIAR
201
Relatório de Atividades SOS Amazônia (2002 -2004):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2002_2004.pdf ,acesso em 20/05/2009
Relatório de Atividades da SOS Amazônia (2005-2007):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2005_2007.pdf , acesso em 20/05/2009
202
Sobre a relação de setores da intelectualidade brasileira com projetos do ambientalismo ver Bentes
(2005).
190
Porto Walter, Marechal Thaumaturgo e no estado de Rondônia, no município de Campo
Novo (ver mapa 04).
Projeto financiado pela TNC e Fundação Moore, a SOS contou com as seguintes
parcerias: TNC, Comissão Pró-Índio(CPI-AC) e do Peru as seguintes organizações:
ProNaturaleza, Sociedade Peruana de Derecho Ambiental, Universidade Nacional de La
Molina e Centro de Dados para a Conservação.
203
Termo utilizado pelo Banco Mundial e FMI é definido como: “A governança é a capacidade das
sociedades humanas para se dotarem de sistemas de representação, de instituições e processos, de corpos
sociais, para elas mesmas se gerirem, em um movimento voluntário. Esta capacidade de consciência (o
movimento voluntário), de organização (as instituições, os corpos sociais), de conceitualização (os
sistemas de representação), de adaptação a novas situações é uma característica das sociedades humanas.
É um dos traços que as distinguem das outras sociedades de seres vivos, animais e vegetais”. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Governan%C3%A7a
192
9) Comunidades: melhorando condições de vida e protegendo o Parque Nacional
da Serra do Divisor
Projeto financiado pelo BID; segundo a SOS Amazônia este projeto teve como
objetivo incentivar comunidades e famílias rurais residentes no Vale do Juruá a
protegerem o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). As atividades
desenvolvidas foram:
- Orientar famílias residentes no entorno do PNSD a acessar os benefícios que esta
unidade de conservação deve proporcionar;
- Apresentar às famílias que moram no entorno do Parque, perspectivas e oportunidades
econômicas de uso sustentável dos recursos florestais;
- Apoiar as associações das Comunidades Triunfo e Grajaú no acesso de recursos junto
ao Pró-Florestania204.
Em relação aos recursos financeiros, segundo o Relatório da SOS Amazônia de
2007, o montante de recursos para esse ano foi de R$ 1.130.290,00, sendo que 75%
destes recursos foram doados por agências internacionais, 12% por agências nacionais,
11% por convênios com o governo e 2% de receitas sociais e operacionais. Como
exemplo apresentamos no quadro 06 as organizações do imperialismo financiadoras dos
projetos das ONGs PESACRE, CTA e SOS Amazônia. Como diz o sociólogo espanhol
Gómez Gil: “Me diga quem te financias e te direi quem és”.
204
Financiado pelo BID o Pró-Florestania é um programa do Governo do Acre que elenca como seu
objetivo: “(...) apoiar populações tradicionais e agricultores familiares visando melhoria na qualidade de
vida com o uso sustentável dos recursos naturais. O PRÓ-FLORESTANIA é coordenado e executado pela
SEPROF e possui as seguintes áreas temáticas: recuperação de áreas alteradas; promoção da cadeia
produtiva; promoção da pecuária orgânica; extração sustentável de recursos naturais”. Fonte:
http://www.ac.gov.br/contratobid/coexecutores/seprof.htm , acesso em 30/05/09
193
Quadro 06 - Organizações do imperialismo que financiam o PESACRE, SOS
Amazônia e CTA
Organizações financiadoras por procedência
EUA:
USAID
Programa de Segurança e Educação Nacional do EUA (NSEP)
Comissão Fulbright (EUA e Brasil)
Fundação Nacional de Ciência do EUA
Fundação W. Alton Jones
Fundação Hewlett
Fundação Ford
Fundação Moore
Universidade da Flórida
WWF
TNC
IUCN
CIFOR
BID
Europa
União Européia
Departamento para o Desenvolvimento Internacional / Conselho Britânico
NOVIB
UNCTAD
Ásia
ITTO
Fonte: Elaboração própria a partir das informações divulgadas nos relatórios do CTA,
PESACRE e SOS Amazônia.
Das ações e projetos que mostramos das ONGs, neste capítulo e nos anteriores, é
importante ressaltar o caráter de sua legitimação. O primeiro passo para constituição de
uma ONG é o contato com o financiador, a ONG é constituída para atender em primeiro
lugar os interesses que aparecem como globais, universais e não de uma classe. Seu
reconhecimento por parte daqueles que receberão seus serviços, recursos, etc., decorre
da sua própria ação de doar e prestar serviços. Primeiro ela se legitima diante das
organizações do imperialismo e depois busca uma relativa legitimação com os
beneficiários de suas ações no país; sempre haverá possíveis beneficiários de suas ações
em um país dominado pelo imperialismo. Não há nenhum razão para uma ONG expor
os objetivos estratégicos de quem a financia, ao contrário, ela definirá seus objetivos em
função das ações que vai desenvolver no país, da relação com outras organizações do
mesmo caráter, governamentais ou privadas, com objetivo de lucro. A possibilidade dos
beneficiários das ações das ONGs poderem modificar os objetivos da organização não
está em questão, seu pretenso caráter democrático está em tornar supostamente
democrático o Estado do país dominado e por conseqüência falar em nome da
194
democracia praticada pelo imperialismo.
Scherer-Warren (2001), como uma concepção pós-modernista defende a idéia do
que foi denominado como uma “sociedade civil planetária”; para tanto seriam
necessárias as formas de articulação política e de socialização de experiências que para
a autora poderiam estar expressas no Brasil no processo de integração das ONGs do
Norte e do Sul:
(...) o fato de uma ONG ser partícipe de uma rede de movimento e ter uma
identidade própria não significa ser vanguardista ou pretender ser protagonista
exclusiva. Significa, sim, ser um elo de um tecido social movimentista que vem
se formando no seio da sociedade civil. Significa, sim, ser um dos atores em
torno de uma nova concepção de movimento social (enquanto rede) e de uma
ação política mais democrática, mais horizontal e mais pluralista, em
consonância com uma nova ética política, transnacional, que vem sendo gestada
(SCHERER-WARREN, 2001, p. 179).
Outro termo bastante divulgado pelas ONGs é a governança como proposta para
a sociedade; especificamente para as ações relacionadas ao meio ambiente é proposta a
‘governança ambiental global’205 e para isto é destacado o papel das ONGs nas
seguintes atividades, que parecem ser um manual de constituição de ONGs:
205
Sobre o projeto da governança ambiental global ver, ESTY, D. & IVANOVA, M. (2005).
195
Ao analisar as questões teóricas dos chamados “novos movimentos sociais206”,
nos quais se inserem o discurso das ONGs, Inda & Duek (2007) discutem acerca do
significado da defesa de parte considerável da intelectualidade das ciências humanas
que compactuam com a análise do fim da luta de classes. Esta corrente alega que a
sociedade apresenta múltiplas contradições, maior heterogeneidade e fragmentação dos
autores sociais e dos conflitos, portanto a sociedade seria mais complexa. As autoras
respondem às críticas de atribuir à análise marxista uma definição simplista e dualista
entre classe burguesa e proletária, e lembram que a distinção central no marxismo é
entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção (INDA & DUEK, 2007,
p. 3). Os termos que revelam a classe como proletariado, classe trabalhadora são
substituídos por pobres, vulneráveis e excluídos. Isto tem como conseqüência a prática
presente no onguismo de servir de apaziguador da luta de classes.
A ativista e escritora indiana Arundhati Roy designou como conseqüência da
prática das ONGs o termo “onguização da política”. Isto ocorre pelas conseqüências da
grande ação das ONGs em todos os continentes que, segundo Roy (2007), contribui
concretamente para acalmar a fúria política de movimentos organizados e de frear a
organização de outros ao distribuírem ajuda e benevolência no que de fato as pessoas
possuem por direito. Por isto para Roy (2007) as ONGs vão servir de “amortecedores”
entre o governo e o público, entre o “império e seus súditos”. As ONGs, ao imporem
uma agenda definida segundo os interesses de quem as financia, convertem o confronto
em negociação e são por isto as “missionárias seculares do mundo moderno” (ROY,
2007).
Piqueras (2001) citando Petras (1999, 2000a, 2000b), para o qual as ONGs são
bombeiros da luta de classe, acentua como características comuns das ONGs: a) são
organizações “privadas” altamente dependentes dos centros de poder financeiro (dos
países imperialistas); b) são ofertadoras de recursos necessários, diante da ausência do
Estado, porém nunca suficientes e disto criam “clientelas”; c) são formadas por setores
das classes médias que se promovem como intermediárias entre os pobres e o Estado,
tanto nacional quanto internacionalmente; d) agem politicamente conscientes para
substituir as organizações populares e classistas; e) são vias de promoção social e
treinamento social e político (muitas vezes como quadros para o Estado), assim como
206
Os “novos movimentos sociais” são precisamente definidos pelo fato de que suas bases e consignas
transcendem os limites de classe (INDA & DUEK, 2007).
196
empregadoras de camadas privilegiadas das classes médias (PETRAS apud
PIQUERAS, 2001, p. 12).
Para Piqueras (2001), a ação das ONGs como processo, o onguismo, não
promove nenhuma transformação estrutural da sociedade, senão medidas paliativas e
maquiadoras da ordem capitalista. As políticas das ONGs não alcançam sequer um
reformismo e criam uma “clientela” dependente dos seus projetos porque estas ações
são seletivas e paliativas, assistencialistas e segmentadas territorialmente (PIQUERAS,
2001, p.13).
No estado do Acre verificamos, a respeito das ações dos projetos descritos das
três ONGs (CTA, PESACRE e SOS Amazônia), a definição desta “clientela” quando as
ONGs elegem determinadas comunidades como alvo de execução de seus projetos.
Poderíamos denominar que no Acre caberia para as populações das comunidades a
expressão “com ONGs” e “sem ONGs”. Longe de um projeto emancipatório o
onguismo caminha com os projetos da reestruturação neoliberal que atribui à classe
trabalhadora a culpa e a responsabilidade de seus problemas. Neste locus cabe bem o
conceito de sociedade civil como é entendido pela líder sindicalista Dercy Telles Cunha:
“sociedade civil é tudo aquilo que hoje o Estado não deseja assumir como
responsabilidade, ou seja, tudo que o Estado não assume socialmente, ele atribui à
sociedade civil”207. Portanto o onguismo é também:
197
e disto resulta uma promoção das identidades das mulheres, negros, quilombolas,
seringueiros e “povos da floresta”, que representam movimentos parcializados e
fragmentados, e reforça reivindicações pontuais.
Então o foco não é mais a violência exercida pelo Estado e classes dominantes e
a exploração do sistema e, sim, como exemplo, a violência doméstica (entendemos que
a luta pela emancipação das mulheres faz parte da luta de libertação dos oprimidos), a
garantia de terra para minoria em detrimento da grande maioria dos camponeses, no
lugar da exploração a que estão submetidos os grupos étnicos se promove a discussão de
suas identidades. Neste campo o onguismo soube transformar a luta pela terra dos
seringueiros do Acre na luta pela preservação do meio-ambiente, os “grandes sujeitos”
do processo da luta se transformam nos “micro sujeitos” que o ambientalismo ongueiro
elevou à categoria dos salvadores do planeta e “guardiões da floresta”.
198
Capítulo 6 - As conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo ongueiro no
estado do Acre
A grande maioria era constituída por homens, jovens ou adultos, que tinham como força
de trabalho, despojada de qualquer condição ou instrumento de produção, engajar-se na
empresa extrativista da borracha. Basicamente não era mais uma migração “espontânea”
e, sim, uma migração organizada pelo capital mercantil, representado pelas Casas
Aviadoras e pelos seringalistas, interessados tão somente na capacidade de trabalho da
população. Foi, sem dúvida, uma migração de força-de-trabalho, porém em um contexto
típico de uma região em que a coexistência de relações de produção indicava as
limitações do desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista
(OLIVEIRA, 1985, p. 15).
208
A economia da borracha teve seu auge no primeiro ciclo (1879-1912), depois passa por um período de
decadência e ocorre o segundo ciclo desta economia (1942-1945). Este último período foi resultado dos
incentivos dados pelo governo brasileiro à atividade de produção da borracha para suprir o mercado
internacional dos países aliados, devido ao fato dos demais países asiáticos produtores da borracha
estarem sob o domínio do Japão. Ver Martinello (2004).
199
1975. p.35). As relações a que estavam submetidos o seringueiro ao patrão seringalista
são descritas por Oliveira (1985):
A vinda dos nordestinos para a Amazônia era resultado do problema agrário que
há muito os camponeses enfrentavam no sertão, conforme relata Oliveira (1985):
(...) A organização econômica que caracterizava o sertão era moldada nos limites dos
grandes latifundiários formados desde o século XVIII, na rota de penetração da
pecuária. Mais tarde, esses latifundiários corresponderam às fazendas mistas, onde a
pecuária consorciava-se à produção de algodão e gêneros de subsistência. As relações
sociais vigentes induziram a que a força de trabalho fosse imobilizada nos domínios da
grande propriedade, trabalhando em “meia” ou “terça” para o proprietário ou em
“sujeição”, fornecendo dias de trabalho gratuito. As relações de coação extra econômica
assemelhavam-se às relações “semi-servis” e correspondiam à repressão e imobilização
de força de trabalho nos marcos senhorial. Por outro, a família do “morador” praticava
agricultura de subsistência e tinha participação nas vendas dos produtos
comercializados. Desse modo, a imobilização da força de trabalho não era compatível
com o caráter camponês da produção direta familiar, embora o latifundiário se
apropriasse de parte da renda-trabalho (OLIVEIRA, 1985, p.92).
209
Guimarães (1989), no estudo sobre as relações de parceria das fazendas paulistas de café, esclarece
que estas relações representavam uma regressão às formas mais atrasadas de renda pré-capitalista,
assemelhando-se por muitos casos à meação praticada nos latifúndios do Brasil. Em Marx encontramos a
definição de parceria: “A parceria, ou sistema de exploração com partilha do produto, pode ser
considerado como uma forma de transição entre a forma primitiva da renda e a renda capitalista; o
explorador (parceiro) emprega, além de seu trabalho (próprio ou alheio), uma parte do capital aplicado, e
o proprietário, além do terreno, fornece a outra parte do capital (por exemplo, o gado), o produto é
repartido entre o parceiro e o proprietário em proporções determinadas que variam segundo os países.
Para uma exploração inteiramente capitalista, falta ao parceiro, nesse caso, capital suficiente. A
participação que cabe ao proprietário não constitui uma forma pura de renda. Pode conter os juros do
capital por ele adiantado, assim como uma renda excedente. Pode também absorver todo o sobre-trabalho
do parceiro ou deixar a este uma parte mais ou menos importante. O essencial, porém, é que a renda não
aparece mais aqui como a forma normal da mais-valia. Por um lado, o parceiro, seja com o trabalho
próprio ou alheio, pode pretender uma parte do produto não na qualidade de trabalhador, mas de
possuidor de uma parcela dos instrumentos de trabalho, por ser ele seu próprio capitalista. Por outro lado
200
de arrendamento primitivo, ora aproximando-se da renda-trabalho, ora da renda
produto, todas estas como formas feudais ou semi-feudais da renda pré-capitalista, e
cuja principal característica são as formas de coerção extra-econômica caracterizada na
limitação da liberdade do cultivador ou sua dependência servil ao senhor da terra.
Relações estas que ainda vigoram no campo brasileiro com as mais variadas espécies de
constrangimento jurídico exercidas pelos latifundiários sobre os camponeses como a
obrigação de o cultivador submeter-se ao preço e às medidas impostas pelo dono da
terra, a obrigação de dar dias gratuitos para conserto de cercas, limpa de pastos,
conservação de ramais e estradas, etc. (GUIMARÃES, 1989, p.99).
O Brasil não resolveu o problema agrário e é considerado um dos países que tem
a maior concentração de terras do mundo. Parafraseando Alberto Passos Guimarães,
podemos denominar que neste país imperam “cinco séculos de latifúndio”. No quadro
07 apresentamos a partir de Oliveira (2001a) a relação dos maiores latifundiários do
Brasil; e no quadro 08 no estado do Acre:
o proprietário da terra pode pretender a sua parte, não somente por ser o dono do terreno, mas por ser
fornecedor de capital” (MARX, Livro III, vol. 8, p. 182).
201
Quadro 08 - Grandes latifúndios no estado do Acre na década de 1970
Município e/ou Seringal Tamanho Proprietários ou Grupos Econômicos
(ha)
Sena Madureira (um dos casos 1 milhão Colonizadora Agropecuária de São Paulo-
mais escandalosos de grilagem de ha Amazonas-COLOAMA (Pedro Aparecido
e especulação de terras no Dotto, Alcebíades Bernardes e Juvenal
Acre) Girardelli de Jales-SP).
Sena Madureira – Seringal 975.000 Nelson Taveira
Vale do Rio Chandless
Tarauacá - Parte dos seringais 600.000 Companhia Paranaense de Colonização
dos rios Gregório, Acuraua e Agropecuária e Industrial do Acre-
Tarauacá PARANACRE (Grupo Viação Garcia e
outros), seringais adquiridos do ex-senador
Altervir Leal
Feijó 510.000 Cia. de Desenvolvimento Novo Oeste do
grupo Atlântica Boa Vista
Rio Branco e Sena Madureira 440.000 José Maria Junqueira, Ismerindo Ribeiro
(seringais Nova Empresa e do Vale, Líbero Luchesi e outros.
Santa Rosa)
Feijó 427.000 Fazenda Califórnia (Grupo Atalla)
Cruzeiro do Sul 350.000 Santana Empreendimentos Agropastoril
Tarauacá - Parte dos seringais 300.000 Condomínio Tarauacá do grupo Agapito
São Vicente, Tocantins, Lemos
Estrela do Norte e Havre (AC)
e Lorena e Atalaia no AM
Sena Madureira – Seringal 187.000 Cooperativa Agropecuária Alto Iaco-
Icuriã COAPAI (IBC do Paraná)
Tarauacá – Seringais Havre 160.000 Agronorte (grupo Agapito Lemos),
(AC), Lorena e Atalaia no AM seringais adquiridas do ex-senador Altervir
Leal
Tarauacá 114.000 Agropastoril Leal Indústria e Comércio
Ltda. Seringais adquiridos do ex-senador
Altervir Leal
Tarauacá 63.000 Condomínio Acuraua (Paraguai Pablo)
Tarauacá – seringais 60.000 Fazenda Morungaba do grupo Agapito
Tocantins, Independência e Lemos adquiridas do ex-senador Altervir
Foz do Acuraua Leal
Tarauacá – Seringal Araripe 37.000 Agropecuária Cinco Estrelas, do grupo
Cruzeiro do Sul
Tarauacá 16.000 Fazenda Boa Esperança (José Bento Valias
e Pedro Bento Valias)
Total 5.391.000
Fonte: Varadouro, maio de 1980, apud Morais (2008, p. 115).
Segundo Oliveira (2001 b), os dados do INCRA de 1992 mostravam que havia
no Brasil 3.114.898 imóveis rurais entre eles 43.956 (2,4%) com área acima de mil
hectares, ocupando 165.756.665 hectares. Os imóveis, com área inferior a 100 hectares,
202
equivalente a 2.628.819 (84% dos imóveis) ocupavam apenas 17,9% da área, o que
correspondia a 59.283.651 hectares. O Atlas da Questão Agrária publicado em 2009210
demonstra que estes dados em nada se modificaram. O Brasil possui uma estrutura
fundiária extremamente concentrada (OLIVEIRA, 2001 b, p.187), conforme o quadro
09 do índice de Gini para a concentração fundiária no Brasil:
210
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/
211
Acessível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/ , acesso em 16/07/09.
203
classificadas como indigentes, e mais 38% delas, mais de 14 milhões, como pobres
(OLIVEIRA, 2001 b, p.187).
O quadro da concentração de terras também revela o grande atraso a que está
submetida a agricultura camponesa no Brasil. Segundo Oliveira (2001 b), esta
agricultura ocupa 70,5 milhões de hectares (18% do total do país); no entanto apenas
5% destes produtores têm acesso ao crédito rural, ficando com 30% do total. Quanto à
tecnologia, 10% possuem trator, 38% utilizam fertilizantes e 1% tem máquina
colheitadeiras. A produção da agricultura camponesa é responsável por mais de 50% da
produção de batata inglesa, feijão, fumo, mandioca, tomate, agave, algodão em caroço
arbóreo, banana, cacau, café, coco, guaraná, pimenta-do-reino, uva e a maioria absoluta
dos hortigranjeiros. Produzem, também, mais de 50% do rebanho suíno, das aves, dos
ovos e do leite (OLIVEIRA, 2001 b, p. 189).
Os grandes latifúndios no Brasil estão concentrados nas mãos de poderosos
grupos econômicos, porque no país a terra funciona ora como reserva de valor e ora
como reserva patrimonial. Em sua essência, a política agrária desenvolvida pelo estado
brasileiro tem como conseqüência a capitalização dos latifundiários, a disponibilidade
de força de trabalho farta e barata ao latifúndio através de projetos de assentamentos, ata
o camponês ao latifúndio através da dívida e da ruína, levando ao despovoamento de
áreas rurais que é agravado pela repressão sistemática do Estado e dos grupos armados
dos latifundiários.
204
Tabela 10 - Terras cadastradas no Acre (1970-1980-2000)
Área (ha) 1970 (*212) 1980 (*) 2000 (**213)
1 a 100 2.807 72 71.946 1,8 7.591 68,89 325.667 2,7 2.115 66 104.675,9 3,4
101 a 1.000 526 13,7 187.767 4,6 2.229 20,23 630.372 5,3 589 18 183.832,2 5,9
1.001 a 9.999 396 10,3 971.348 23,9 990 8,98 1.717.723 14,5 444 14 1.512.008,3 49
Acima de 118 3,1 2.820.609 69,6 208 1,88 9.169.134 77,4 52 1,6 1.265.698 41
10.000
Fonte: Paula (2005, p.203), para os dados de 1970 e 1980. Para o ano de 2000: INCRA -
Divisão de Cadastro Rural. SR 14 / AC – 2004.
212
*Inclui a área de posseiros
213
** Não inclui a área de posseiros
214
Ferreira de Castro, escritor progressista, no seu livro "A Selva”, retrata todo o processo da cadeia de
aviamento que utilizava os migrantes nordestinos na intricada rede de exploração da economia da
borracha. O seringueiro, migrante nordestino, já chegava nos seringais da Amazônia preso ao sistema de
endividamento, pois tudo lhe era debitado e pesadamente onerado. O atrelamento do seringueiro ao patrão
seringalista pela dívida representava o brutal sistema de exploração do período da economia da borracha.
205
vida muito piores e miseráveis215. Nestas cidades as atividades exercidas pelos homens
eram principalmente de diarista, trabalhador braçal, ambulante, servente, pedreiro,
carpinteiro e pequeno comércio e as mulheres trabalhavam principalmente como
lavadeiras e empregadas doméstica (OLIVEIRA, 1985, p.71).
Os antigos seringalistas, agora falidos, passaram a vender os seringais para os
“paulistas”216 que adquiriam grandes extensões de terras e a desmatavam para a
atividade pecuarista de grandes empresas do ramo como a Bordon. Para resistir e lutar
pela terra os seringueiros e trabalhadores rurais do Acre organizaram-se em sindicatos, e
tinham nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri e Brasiléia sua
principal força. O STR de Brasiléia foi fundado em novembro de 1975 e o de Xapuri em
abril de 1977.
Paula (1991) esclarece que a luta pela terra no Acre iniciou-se no Vale do Acre,
tendo a frente à luta dos posseiros, à qual, posteriormente, se juntaram os seringueiros.
O autor destaca como fatores importantes para a luta da categoria a atuação da Igreja
através da Prelazia do Acre e Purus que era defensora da Teologia da Libertação, e
também a instalação, em Rio Branco, da delegacia regional da Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em maio de 1975. Na região do Juruá, a
Igreja era representada pelo setor mais reacionário da prelazia do Juruá dirigida por
bispos alemães que vieram para esta região no período da segunda guerra. Aliado ao
fator da presença mais forte do latifúndio nesta região, a organização dos trabalhadores
não possuiu a mesma força do que ocorreu no Vale do Acre.
O processo da luta dos seringueiros em Brasiléia e Xapuri foi vigoroso e do
calor da luta surgiram importantes nomes e lideranças que impulsionaram a luta dos
camponeses no Acre e na Amazônia. Da entrevista que realizamos com Osmarino
215
Moro (1993) retrata de forma realista e com profunda identidade com um povo do qual é distante, o
problema da terra no Acre e na Amazônia. Seu livro reflete o processo de luta dos seringueiros do Acre, a
expulsão de suas terras e as consequências disto ao migrarem para a principal cidade do estado.
Paralelamente, retrata os problemas do estado do Pará, sob o mesmo enfoque: o problema da terra. Sua
análise é contextualizada pela presença econômica do capital na Amazônia mostrando os ciclos de
ocupação econômica da fronteira, como as atividades da pecuária, mineração e outras, e as consequências
deste processo sobre a população do campo.
216
Designação dada pelos seringueiros aos grupos pecuaristas do centro-sul que passaram a explorar os
antigos seringais para a atividade da pecuária, causando grandes desmatamentos e expulsão dos
seringueiros de suas terras. Os latifundiários e seus jagunços usavam de toda espécie de terror para
apropriaram-se das terras dos seringueiros. Queimavam colocações, ameaçavam os seringueiros e suas
famílias de morte, destruíam as plantações e criaram um braço armado que contava com a benevolência
do Estado. Este período é relatado de forma contundente no Jornal Varadouro, editado em Rio Branco no
período de 1977 a 1981. Todas as edições do jornal estão disponíveis em:
http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/biblioteca/
206
Amâncio e Dercy Teles Cunha217 eles destacaram os principais nomes de lideranças da
luta do movimento dos seringueiros pela terra: Chico Mendes, Wilson Pinheiro,
Osmarino Amâncio Rodrigues, Raimundo Mendes de Barros, Dercy Telles de Carvalho
Cunha, Simplicío Pereira de Araújo, Luiz Targino de Oliveira, Ivair de Souza, José
Conde de Andrade, João Ferreira Sena, Manoel Custódio da Silva, Antonio Miranda da
Fonseca, Elias Gadelha, Osmar Facundo de Oliveira, Pedro Sebastião Rocha,
Francisco Ramalho de Souza, Luiz Damião do Nascimento, Alberto Rocha Amorim,
Antonia Pereira Vieira, Vicente Lira, Sebastião Marinho, Pedro Teles, João Monteiro,
Paulo de Souza Silva, Antonia Ribeiro da Silva, Maria Lino dos Santos.
Para Chico Mendes um dos momentos vigorosos da luta dos seringueiros
ocorreu na liderança de Wilson Pinheiro218 no sindicato de Brasiléia, nas palavras do
próprio Chico Mendes219:
217
Entrevista realizada com Dercy Teles Cunha no Pimenteira (Xapuri), em 18/12/2008, e com Osmarino
Amâncio, em Brasiléia em 02/01/09. Ambos ressaltaram que iriam citar os nomes das lideranças
conforme suas lembranças, mas que tinham receio de cometer alguma injustiça ao se esquecerem de
algum.
218
Wilson Pinheiro foi assassinado pelo latifúndio em 21/07/1980. Sete dias depois os seringueiros
decidiram pelo justiçamento de um dos mandantes de sua morte (GRZYBOWSKY, 1989, p.20).
219
As falas de Chico Mendes aqui transcritas foram retiradas da entrevista que ele concedeu em Xapuri,
nos meses de novembro e dezembro de 1988, organizadas e publicadas por Grzybowsky (1989).
207
área. Em seguida, os seringueiros costumam desmontar os acampamentos e forçar a
retirada dos peões. Muitas vezes são atacados pelas forças de segurança, porque os
fazendeiros sempre recorrem judicialmente, pedem o apoio policial. Sempre contaram
com este apoio, o que ocasionou muitas prisões (GRZYBOWSKY, 1989, p.38).
O importante para nós, como tática, é criar sempre fatos políticos, porque nós achamos
que com a pressão da imprensa, das entidades, hoje a nível internacional, é possível
resistir. Nós avaliamos que não é o caso de partir para um confronto. Por exemplo, esse
ano, no caso do Cachoeira, houve um momento numa assembléia muito agitada, em
maio, que eu passei um apuro muito grande e se a gente não tem pulso forte eu não sei
qual seria o nosso destino porque, de repente, depois de muito confronto, de muito tipo
de piquete, um grupo de companheiros decidiu que agora deveríamos levar a luta de
uma forma mais radical e que se deveria partir para um confronto armado contra a
polícia e contra os jagunços. Uma briga logo de frente a frente. E eu fiz essa assembléia
temendo as conseqüências. Nós lançamos a proposta da necessidade que tínhamos de
manter esse movimento de uma forma pacífica, pelo menos por enquanto, e mostrando
qual seria a repercussão que nós iríamos ter fora, qual o apoio político que a gente ia ter
se fosse radicalizar. Entretanto na Assembléia, muito agitada, com 400 companheiros,
ainda assim 85 votaram a favor do confronto armado. E a assembléia foi muito
democrática, muito bem discutida, o restante votou pela continuidade do movimento
pacífico (GRZYBOWSKY 1989, p.40).
208
outras entidades, também, assumiram. Inclusive a OXFAM, uma agência inglesa,
decidiu ajudar financeiramente o encontro (GRZYBOWSKY, 1989, p. 21-22).
(...) em outubro de 1985, nós conseguimos reunir 130 seringueiros de toda a Região
Amazônica, em Brasília. Esse encontro contou com a participação de observadores,
tanto a nível nacional, como internacional. Durante os dias, nas discussões que
transcorreram em Brasília, no final, nós descobrimos uma proposta que seria a criação
da reserva extrativista na Amazônia. Com esta proposta nós passamos a ter uma
alternativa econômica para justificar nossa luta contra o desmatamento (...)
(GRZYBOWSKY, 1989, p.23).
Esta declaração está marcada pela mudança da pauta da luta classista dos
seringueiros, que lutavam pela terra, para a pauta preservacionista dos ambientalistas.
Isto ocorreu pelo processo que viveu o movimento seringueiro de se aliarem a
organizações como as ONGs e organizações ambientalistas. Isto percebemos na
declaração de Chico Mendes que a nosso ver demonstra a mudança de pauta da luta dos
seringueiros:
O Conselho Nacional dos Seringueiros não pretendia e nem pretende ser um sindicato
paralelo, mas uma entidade de seringueiros, porque os seringueiros nunca foram
reconhecidos como classe. Os sindicatos surgiram com uma importância muito grande,
num momento muito importante. Mas os sindicatos dos trabalhadores rurais congregam
seringueiros e ao mesmo tempo agricultores, os peões, os trabalhadores de fazenda, os
diaristas, qualquer que seja o trabalhador rural. As outras classes todas têm o seu
reconhecimento como classe, o seringueiro não. Parece uma coisa que foi do passado e
que não existia mais. Então, uma das razões do Conselho Nacional dos Seringueiros é
fazer reconhecer o seringueiro como uma classe que já deu a sua contribuição, que luta
e que tem uma luta importante, luta por um objetivo muito importante que é a defesa
da Amazônia (GRZYBOWSKY, 1989, p.26, destacado nosso).
209
E nesta declaração de Chico Mendes está colocado o projeto do que seria a
constituição da Reserva Extrativista:
Bom, o que a gente quer exatamente? Lutar, mesmo sabendo que existe uma ameaça
pela frente, lutar pelo fortalecimento de uma política de comercialização e garantia de
preço pra borracha. Lutar por uma política de melhor comercialização e de melhores
condições pra produção de castanha. Mas lutar, também, para que o governo dê
prioridade à industrialização e comercialização de outros produtos que existem na
floresta, que até hoje não tiveram nenhuma prioridade, que até hoje o governo não se
preocupou com essa questão. Nós temos infinidades de riquezas naturais na mata.
Produtos vegetais que nem o tucumã, que tem óleo importante. O açaí também é um
outro produto importante. A copaíba, a bacaba, o babaçu, a pupunha têm importância
muito grande. Enfim, a abelha nativa que nós temos na mata, que pode se pensar, o
governo pode, até mesmo, quem sabe, as universidades, elas podem muito bem
pesquisar isto, como vamos criar a cortiça, aproveitar essas abelhas, tem milhares e
milhares, milhões no meio da mata produzindo mel nativo. Se pode pensar numa
alternativa de melhorar toda essa produção, como também tem outras questões. A
própria questão da pesca pode ter uma nova política, de não depredação, com
exploração do peixe de forma racional. Nós temos uma variedade enorme de árvores
medicinais nessa floresta que pode ter uma importância muito grande para o país, basta
que haja pesquisa. Eu acho que é um papel muito importante das universidades não só
do Acre, mas de todo o Brasil, se envolverem nesta área de pesquisa na Amazônia. Eu
acredito que se acontecer, se o governo levar isso a sério, em 10 anos tenho certeza que
a Amazônia será uma região riquíssima e que terá uma importância muito grande para a
própria economia nacional (GRZYBOWSKY,1989, p.25).
220
Entrevista concedida em Brasiléia em 02/01/2009.
210
de luta pela terra dos seringueiros em movimento ecologista. Conforme nos esclareceu
Osmarino Amâncio:
Eu participei de vários encontros nesse sentido. (...) Recordo que, em alguns desses encontros,
eu tive algumas divergências com várias pessoas, como, por exemplo, a Mary Alegretti. Com
ela eu me desentendi inúmeras vezes.
Depois, numa outra reunião, a Mary Alegretti disse: "Os ambientalistas venham para cá, os
sindicalistas venham para lá". Isso influenciou muito a Marina e vários companheiros, que
hoje, até se denominam ambientalistas, sem entender a questão ecológica.
Nós que lutamos no movimento dos seringueiros não éramos ambientalistas, nem ecologistas.
Eu quando ouvi pela primeira vez a palavra ecologista pensei até que era nome de sobremesa.
Nós pensamos no ser humano. O fato da gente defender a floresta não era uma defesa de
ecologia, de salvar o planeta. Nós defendíamos a floresta em pé por uma questão de
sobrevivência, se ela tinha alguma coisa a ver com o planeta era uma conseqüência da
natureza. Pela floresta, que é a nossa sobrevivência, lutaram os seringueiros, índios,
quebradeiras de coco babaçu, balateiros, pescadores e ribeirinhos (...) Os ambientalistas que
chegaram na época só viram uma coisa. A gente na ingenuidade achava que esse pessoal
ecologista estava preocupado conosco, com os seringueiros. Mas hoje nós vemos que estes
projetos que vem para cá não levam em consideração a população que defendeu a floresta e
que vive na floresta.
Para você ter uma idéia só o Céu do Mapiá recebeu de uma vez só meio milhão de dólares. Na
época eu era secretario do CNS. Foi quando colocaram a idéia do Céu do Mapiá ser o modelo
para Amazônia, e este lugar era de uma seita, que deve ser visto e respeitado como seita. Isto é
só para termos uma idéia do tipo de projeto que foi proposto para a Amazônia.
221
Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (CAEX), fundada em 1998, com o objetivo de combater os
atravessadores, marreteiros que exploravam os seringueiros ao comprar deles a borracha por preços
subestimados.
211
pela cooperativa, no período de dezembro de 1988 a julho 1989, alcançou o montante de
US$ 1.650.000,00. Estes valores correspondiam a doações de recursos efetuados por
organizações como a Fundação Ford, Cultural Survival, NOVIB, Fundação
Interamericana, WWF e governo da Áustria (CAMELY, 2001, p. 27). A despeito da
cooperativa ser apontada como a responsável pela “libertação” dos seringueiros do jugo
dos patrões e marreteiros, ela engendrava, com as mulheres quebradoras de castanha da
fábrica da cooperativa, relações de aviamento do período do patrão seringalista, ao
pagar em produtos pelo trabalho realizado pelas mulheres.
222
A história do Conselho Nacional dos Seringueiros é analisada por vários autores como Esteves
(1999), Paula (1991), Aymone (1996), entre outros. Paula (2005) delimita duas fases históricas da atuação
do CNS, a primeira fase (1985-1989) e a segunda fase (1989-1995), ‘marcada pela tentativa de
instrumentalização do CNS por parte de algumas organizações ligadas à questão ambiental’ (PAULA,
2005, p.253).
223
O Instituto de Estudos Amazônicos – IEA, é uma organização não-governamental criada em outubro
de 1986, com sede em Curitiba. Segundo Grzybowsky(1989) esta ONG surgiu do “ (...) trabalho de
técnicos na região amazônica liderados por Mary Helena Allegretti. O IEA sucede o Centro de
212
Na ata da reunião do Conselho Deliberativo do CNS, realizado em 05 de
novembro de 1991, são ressaltados os problemas do CNS como: a) o não cumprimento
dos compromissos firmados pela executiva das bases de Carauari e Boca do Acre no
Amazonas, b) falta de socialização das informações sobre ações da executiva para a
base; c) ausência de definição política para o direcionamento do CNS; falta de uma
política de formação e de atuação unificada; d) subordinação da direção a
determinadas entidades, ONGs e Estado; e) ausência de critérios para relação de
intercâmbio nacional e internacional; f) pouco interesse em conhecer os problemas
gerais da Amazônia; g) privilégio para investimento em algumas áreas em detrimento de
outras; h) ausência de política clara para programas de desenvolvimento da Amazônia,
do extrativismo e pequena agricultura e falta de definição de políticas de alianças (CNS,
1991, destacado nosso).
As relações das ONGs com organizações de trabalhadores, associações e
cooperativas na Amazônia e no Acre são de larga escala. Relataremos aqui o exemplo
ocorrido entre o CNS e a CAEX com o Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais
(IEA). Em 28 de julho 1992, o CNS divulgou nota de sua diretoria a respeito de acordo
firmado entre o IEA e a NUTRIMENTAL S.A.224 que envolvia a CAEX e o CNS. Este
acordo tinha como objetivo a implantação do “Projeto Castanha do Brasil”. A nota do
CNS considerava anti-ética e desleal a forma como foi obtida pelo IEA a assinatura de
membro da direção do CNS e da CAEX, já que não foram informados do teor do
documento e do significado dele. A nota do CNS esclarece o conteúdo do acordo que
claramente beneficiava a empresa NUTRIMENTAL e o IEA em detrimento dos
interesses dos seringueiros e castanheiros, conforme:
213
b) existe uma clara intenção de auto-promoção do IEA às custas do CNS (...) que coloca
‘Compromete-se a NUTRIMENTAL a emitir um selo para ser colocado nas embalagens
ou rótulos do referido produto in natura e daqueles formulados com a Castanha do
Brasil, onde se irá dar destaque à participação do Instituto de Estudos Amazônicos e
Ambientais no resultado da respectiva comercialização (...).
c) O Protocolo coloca também que, todos os recursos serão geridos por um Conselho
Curador idealizado e definido, sem participação da Executiva do CNS. (...) ‘Como
previsto acima, competindo ao Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais a gestão
dos recursos subvencionados pela Nutrimental S.A., será ele acometido, pois o papel
de órgão executivo encarregado de fazer cumprir as respectivas aplicações, observadas
para tanto as diretrizes firmadas no presente Protocolo.
d) O Protocolo dar poder total para NUTRIMENTAL, para decidir sobre a quantidade
de castanhas a serem adquiridas da cooperativa (...) ‘cumprirá unicamente a
NUTRIMENTAL dimensionar a quantidade de matéria-prima extrativa a ser adquirida,
limitada a sua demanda, no que respeita aos fornecimentos feitos diretamente pelas
RESERVAS EXTRATIVISTAS DA AMAZÔNIA, a critérios de sustentabilidade dos
ecossistemas das regiões produtoras, para não causar pressão sobre a oferta, e para não
provocar efeitos destrutivos sobre as florestas (CNS, 1992).
225
Segundo Paula (2005) a proposta da Reserva Extrativista não apresenta diferença em relação aos
Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEs). Estas modalidades diferem na institucionalização
jurídica, pois a RESEX é criada por decreto-lei na forma de Unidade de Conservação com a finalidade de
garantir a “exploração auto-sustentável e conservação dos recursos renováveis, por populações
214
pensadas inicialmente como alternativa para a regularização jurídica das áreas ocupadas
tradicionalmente pelos seringueiros e outros trabalhadores extrativistas. Ou seja, a
propriedade da área é da união e os seringueiros têm o direito à concessão real de uso
conforme contrato estabelecido entre o IBAMA e uma organização representante dos
seringueiros (associação ou cooperativa). O artigo quarto do decreto de criação da
Resex determina: “A exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais
será regulada por contrato de concessão real de uso”. O contrato contempla a União
com o domínio sobre a área e a população da reserva extrativista o direito de uso real,
que pode ser rescindido se descumpridas as cláusulas e condições. A rescisão ocorre em
casos de danos ao meio ambiente e na transferência da concessão inter-vivos
(DECRETO 98.897/90). Portanto a criação da Reserva Extrativista não garante aos
seringueiros a propriedade da terra e submete a população camponesa da reserva à tutela
do Estado, pois sua forma de viver e produzir está regulada pelas regras ambientais
impostas, além de estarem submetidos a normas estranhas ao seu modo de vida e de
produção.
No entendimento de algumas lideranças a RESEX era uma modalidade de
reforma agrária que compreendia o modo de vida do seringueiro, conforme explica
Dercy Teles Cunha:
Quem trouxe a idéia da Reserva extrativista para nós, foi uma intelectual, a Mary Alegretti.
Nós aderimos ao projeto de Reserva porque era algo que nós buscávamos, a terra, mas não
tínhamos como denominar. Não era assentamento, nem loteamento, os seringueiros tinham
claro que precisavam ter a terra nos moldes que eram os seringais, mas não tinham claro como
é que ia definir este modelo.
extrativistas” e são regulamentadas pelas regras do SNUC e geridas pelo IBAMA. Os PAEs foram
instituídos por Portaria Interna do INCRA na forma de instrumentos de Reforma Agrária.
215
aberto o debate sobre as alternativas ao desmatamento das florestas tropicais, não surgiu
outra proposta que, de forma tão contundente, expressasse o conjunto de parâmetros
necessários para se estabelecer o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação na
definição de uma política para a Amazônia (ALEGRETTI apud MURRIETA &
RUEDA, 1995, p.49).
226
A Rodovia BR – 364 é uma importante rodovia que se inicia em Cordeirópolis (São Paulo), indo até a
divisa com Minas Gerais, passando por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
227
Assinaram a carta endereçada ao BID: Bruce Rich (Advogado da EDF), Stephan Schwartzman (EDF),
Barbara Bramble (Diretora do Programa Internacional da National Wildlife Federation), Larry Williams
(Representante de Washington Sierra Club) e Brent Blackwelder (Diretor do Programa Internacional
Environmental Policy Institute).
217
O IEA foi a principal organização assessora do Conselho Nacional dos
Seringueiros e teve bastante influência na definição da pauta ambientalista para a
Amazônia. Um de seus documentos, “Política Florestal para a Amazônia”, foi aprovado
pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, e continha um conjunto de ações que o IEA
afirmava “precisarem ser desencadeadas pelo poder público”:
- Realizar o Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia;
- Disciplinar e regulamentar o processo de ocupação urbano e rural e a estrutura
fundiária regional;
- Demarcar e regularizar as terras indígenas;
- Ampliar as áreas de preservação e de conservação;
- Implantar Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, para uso ecologicamente
sustentado de seus múltiplos recursos;
- Institucionalizar um sistema de administração florestal na Amazônia para coordenar a
utilização ecologicamente sustentada dos recursos naturais;
- Promover pesquisas, formação e especialização de recursos humanos;
- Promover educação conservacionista;
- Fomentar a implantação de criadouros de animais silvestres para fins econômicos ou
de repovoamento (IEA, 1987, p.12).
Todo este processo do ambientalismo ongueiro que foi desencadeado na
Amazônia teve no Acre as articulações que descrevemos neste tópico. As ações e
estratégias desencadeadas pelas ONGs tiveram como conseqüências principais a
reconfiguração do espaço agrário da Amazônia, e, no Acre, o processo que pesquisamos
levou a ampla desmobilização da luta dos camponeses pela terra e conseqüências graves
para aqueles que vivem e produzem em áreas que foram transformadas na categoria de
unidades de conservação, conforme descrevemos nos próximos itens.
218
Homem e Meio-Ambiente na Amazônia - IMAZON, que lista em seu relatório de 2005-
2006 o que considera como sendo suas contribuições importantes nos seus 16 anos de
atividade. Reproduzimos a seguir estes fatos para termos um quadro da atuação desta
ONG nas ações que consideramos importantes:
b) Extensa produção científica sobre recursos naturais na Amazônia com mais de 260
publicações até 2006.
219
e especialmente a interferência para a criação das unidades. É sobre estas atividades que
se concentram os projetos e ações do ambientalismo ongueiro na Amazônia.
A situação atual das áreas protegidas nos países da Amazônia228 é apresentada
na tabela 11 e para os estados da Amazônia brasileira na tabela 12 e visualizada no
mapa 05.
Tabela 11 - Áreas protegidas e terras indígenas na Amazônia (km²)
Uso Uso Uso Total Participação das áreas
indireto229 direto230 transitório protegidas na Amazônia de
231
cada país
Bolívia 54.444 46.448 605 101.497 24
Brasil 435.950 564.260 --- 492.406 20
Colômbia 66.816 ---- 306.335 373.151 77,2
Equador 29.843 --- --- 29.843 26,0
Guiana 26.210 35.584 --- 61.794 71,4
Francesa
Guiana 5.914 --- --- 5.914 2,8
Peru 77.535 45.565 32.143 155.243 19,8
Suriname 19.683 5.655 --- 25.338 15,5
Venezuela 171.145 --- --- 171.145 37,7
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAISG (2009)232
Tabela 12: Áreas Protegidas na Amazônia Legal por Estado
Estado UC Proteção % da UC Uso % da Terra % da % do
Integral (ha) área do Sustentável área do Indígena (ha) área do Estado sob
Estado (ha) Estado Estado TI ou
UC(233)
Acre 1.596.277 9,68 3.526.721 21,39 2.428.291 14,73 45,81
Amapá 4.726.658 33,72 4.188.585 29,88 1.185.953 8,46 72,06
Amazonas 8.813.198 5,63 17.255.001 11,02 42.871.861 27,38 44,03
Maranhão234** 1.313.432 4,99 72.765 0,28 1.921.991 7,30 12,56
*
Mato Grosso 2.775.311 3,06 60.699 0,07 13.512.927 14,90 18,03
Pará 12.656.723 10,24 18.217.434 14,75 28.439.714 23,02 48,01
Rondônia 1.912.863 8,02 3.735.090 15,66 4.965.945 20,82 44,50
Roraima 1.065.143 4,73 381.512 1,69 10.384.250 46,13 52,55
Tocantins 1.057.970 3,86 9.217 0,03 2.391.416 8,73 12,62
Amazônia 35.917.576 7,16 47.447.025 9,46 108.102.349 21,56 38,18
Legal
Fonte: http://www.socioambiental.org/uc/quadro_geral
228
A distribuição da população nos diversos países da Amazônia é um dos indicadores das grandes
diferenças da vida nacional desses países. No Brasil, embora a Amazônia ocupe 58,8% do território
nacional, é habitada por apenas 13,3% da população brasileira. Percentual semelhante possui a Bolívia
com 14,9% de sua população na área da Amazônia que corresponde a 43,3% deste país. O Peru, com
60,9% de sua área na região amazônica, sendo que sua população nesta região é de 13% do total nacional.
A Venezuela tem praticamente a metade de sua área na Amazônia (49,5%), com 8,2% de sua população.
A Colômbia e o Equador possuem indicadores bem semelhantes, de 4 % e 5% de suas respectivas
populações habitam a região amazônica destes países, sendo que para o primeiro a área da Amazônia é de
42% e o segundo de 46,9%.
229
Uso indireto: Proteção da biodiversidade, paisagem geológica e cênica (caráter estético)
compatibilizada com turismo, educação e pesquisa.
230
Uso direto: Proteção de recursos compatibilizando com uso controlado Segundo planos de utilização.
231
Uso transitório: Áreas de floresta reservada que podem ou não se converter em áreas protegidas ou
concessões, de acordo com estudos.
232
RAISG – Red Amazónica de Información SocioAmbiental Georreferenciada, acessível em:
WWW.raisg.sociambiental.org
233
TI: Terra indígena ; UC: Unidade de Conservação
234
Somente a parte do Maranhão incluída na Amazônia Legal
220
Mapa 05 – Amazônia: terras indígenas e unidades de conservação
221
No Estado do Acre a criação de áreas de unidades de conservação no período do
Governo da Floresta é apresentada na tabela 13 e espacializada no mapa 06.
222
Mapa 06 - Unidades de preservação ambiental do Acre
Parque Nacional
Resex Riozinho
da Liberdade
AMAZONAS
da Serra do Divisor
Resex do Alto
Tarauacá
Resex do Alto
Juruá
Floresta Nacional
Santa Rosa do Purus
Resex do Cazumbá
- Iracema
Parque
Estadual
do Chandlles Floresta Nacional
São Francisco
Floresta Nacional
Macauã
Á r e a de R e le v a nt e
Estação
Int e r e s s e Ec ológic o
Ecológica
do Rio Acre Se r inga l N ov a Es pe r a nç a
BOLÍVIA
0 50 100 200
Legenda Km
Unidades de Conservação
Unidade de Proteção Integral
Unidade de Uso Sustentável
Terras Indigenas
Fonte: Base Cartográfica SEMA/IMAC- ZEE 2007.
rodovias Elaborado por Allana Maia
rios
235
Colocação é uma unidade social e produtiva onde o seringueiro e sua família vivem e desenvolvem
suas atividades econômicas. Em média cada colocação possui entre duas a três estradas de seringa, sendo
que cada estrada tem uma área que varia entre 70 a 100 hectares. Na colocação o seringueiro constrói sua
moradia, coleta produtos florestais e alimentos, desenvolve agricultura e pecuária, possui casa de farinha
e explora os produtos extrativistas como a borracha, castanha e madeira.
223
No quadro a seguir apresentamos as atividades desempenhadas pelos homens e
mulheres na Resex, o que nos permite ter uma dimensão das características de
semifeudalidade que ainda prevalecem no campo amazônico. Segundo o CNS236 (1992),
os dados indicam que se os filhos forem adultos, melhores condições de vida têm a
família. O número de meeiros e empregados é elevado. Do total de 12.017 habitantes da
Resex 6.133 são concessionários e meeiros237 e 5.884 são dependentes, conforme
apresenta os dados do quadro 10:
A criação da RESEX não resolveu o problema da terra. Hoje os seringueiros estão sob a tutela
dos órgãos do estado, como o IBAMA, que impõe regras que impedem a produção. Viver
apenas do extrativismo não é possível. Durante estes dezoito anos não foi desenvolvida uma
política que garantisse mercado para os produtos extrativistas. Hoje viver exclusivamente do
extrativismo é estar condenado a viver na miséria. A situação da maioria dos extrativistas é ter
de colocar dez latas de castanha num burro e andar dois ou três dias para vender este produto.
O mesmo com a borracha e para esta a situação do mercado é muito pior. Dentro da RESEX
falta caminho, ponte, o que dificulta e até impossibilita o escoamento da produção. A
agricultura também é uma dificuldade, um agricultor me disse que “cansou de plantar milho
para criar gorgulho”. É por estas dificuldades extremas que alguns foram criar gado, porque
para o gado não falta mercado e ele chega até o mercado com as próprias pernas ou mesmo o
comprador vai até lá buscar. Isto é o principal problema dos seringueiros, não ter como viver
236
Estes dados do CNS (1992) referem-se ao primeiro e único levantamento socioeconômico da RESEX
Chico Mendes.
237
Segundo conversa com Pedro Telles, em setembro de 2009, a produção por meia sempre ocorreu na
região, principalmente na produção de borracha.
224
com dignidade. O acesso à saúde e à educação são inexistentes, se nem na cidade se tem
acesso, imagine no campo.
A ideia que se tinha era que a Reserva Extrativista seria gerenciada pelo seringueiro. Toda
essa mudança, essa burocratização, ela se deu ao longo da pelegagem, depois que os líderes do
movimento deixaram de representar os interesses dos trabalhadores. Porque este Plano de
Utilização da Resex acaba sendo um tiro no pé da pessoa. Porque do jeito que este plano do
IBAMA veta todas as atividades complementares, mas que na realidade são principais, porque
o extrativismo está desvalorizado, e os produtos extrativistas que são citados como
possibilidades, simplesmente não existem, porque não existe uma política de mercado que dê
alguma garantia a estes produtos. Então os trabalhadores da Reserva estão sem alternativas de
continuarem vivendo na Reserva, porque do extrativismo é impossível viver e as atividades
complementares são inviabilizadas pelas normas estabelecidas pelas regras ambientais.
238
Segundo informação da diretoria do STR de Xapuri, estas organizações foram o STR de Brasiléia, a
AMOPREAX e o CNS.
239
Para uma discussão sobre questão agrária e meio ambiente e os impactos sobre a vida dos camponeses
em um estudo de Rondônia, ver Miranda de Souza (2006).
225
Mapa 07 – Resex Chico Mendes: área da pesquisa de campo
240
Na reunião do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes Realizada em 30/10/2008 o IBAMA requeria
neste conselho o pedido de áreas do INCRA para reassentamento das famílias que poderiam ser retiradas
da Reserva.
226
de Souza (CAEX), Luiz Rodrigues da Silva (Saúde), Reginaldo da Silva de Souza
(Escola da Floresta), Renato Ferreira (AMOPREX), Sebastião Nascimento de Aquino
(professor na RESEX).
Neste evento a presidente do STR de Xapuri expôs os problemas que os
seringueiros da RESEX estão enfrentando com a aplicação da operação do IBAMA, as
multas e restrições as atividades produtivas. Foi lembrado que o próprio IBAMA diz
que estar cumprindo a solicitação feita por representantes do movimento social ao
Ministério Público para fazer o IBAMA cumprir o Plano de Utilização da RESEX,
solicitação esta feita em 2005. Um dos participantes afirmou que o Plano feito pelo
IBAMA é tendencioso porque não foi amplamente discutido e construído pela
comunidade. O representante do CNS refutou a afirmação citando as reuniões das quais
ele participou como representante do CNS na elaboração do Plano de Uso da Resex
Chico Mendes.
O que ressaltamos da reunião no STR é que a única organização que colocou-se
à frente para defender os interesses dos seringueiros foi o STR de Xapuri. A posição do
sindicato sobre as conseqüências da operação do IBAMA compreendia os seguintes
pontos: 1) entendia que o problema de pecuarização da Resex Chico Mendes era
conseqüência da falta de alternativas de geração de renda para os extrativistas; 2) as
multas inviabilizavam a vida das famílias; 3) a retirada das famílias da Reserva
agravaria o problema agrário na região; 4) o STR de Xapuri não assinou em 2005 o
documento encaminhado ao Ministério Público requerendo a operação que o IBAMA
realizou; 5) a situação das famílias da Reserva é de grande dificuldade devido à falta de
políticas que garantam preços, escoamento e mercado aos produtos extrativistas. Além
disso a população da Resex não tem acesso aos serviços de educação e saúde.
Entendemos este encontro e a delimitação das posições tomadas pelos
representantes das organizações dos seringueiros como reflexo do que aqui estamos
denominando da onguização dos movimentos de luta nesta região. Alguns aspectos
reforçam nossa hipótese para este processo. Ocorreu, a partir da morte de Chico
Mendes241, uma desmobilização dos seringueiros e dos pequenos agricultores e o
conseqüente afastamento da principal demanda de luta, que era o problema da terra,
decorrente da efetivação de alianças com várias ONGs e com o poder público local.
241
O período pós morte de Chico Mendes é apontado, em entrevista, por Osmarino Amâncio e Dercy
Telles Cunha, como o marco na inflexão do caráter combativo das organizações dos seringueiros no Acre.
227
Em 17/12/2008 ocorreu no STR de Xapuri uma reunião convocada pelo IBAMA
para discutir os problemas ocasionados pela Operação Reserva Legal, na qual
participaram mais de 150 seringueiros. Assistimos a este evento e constatamos a
desmobilização da categoria242 e o caráter de atrelamento das organizações dos
trabalhadores ao poder estatal. Isto ficou evidenciado no posicionamento dos
representantes de organizações como o CNS, AMOPREX, FETACRE, STR de
Brasiléia e CAEX ao defenderem a operação do IBAMA em detrimento dos interesses
dos seringueiros, duramente afetados por esta operação. Neste evento as intervenções
dominantes foram das autoridades locais como vereadores, o prefeito eleito de Xapuri
pelo PT e o superintendente do IBAMA. Este conclamou os seringueiros a não
aprovarem a nota de repúdio do STR de Xapuri contra a operação do IBAMA, pois
dizia que “os tempos atuais são de consenso”. Os seringueiros por unanimidade
aprovaram a nota de repúdio contra a Operação Reserva Legal do IBAMA que
reproduzimos a seguir:
242
Segundo informações do STR de Xapuri, nas eleições da diretoria do sindicato em 2006 apenas 230
sindicalizados votaram, de um total de 3.000. A mesma situação de desmobilização no STR de Brasiléia,
de 8.000 sindicalizados, em torno de 300 votaram nas últimas eleições.
228
Nota de repúdio
Comemorar a semana Chico Mendes243 com repressão aos seringueiros, sem dúvida é manchar
toda a luta que tivemos até aqui!
1) Nestes dezoito anos de criação da Reserva não existe uma política que garanta uma renda
para os seringueiros viverem com dignidade exclusivamente da produção extrativista. Portanto a
utilização da atividade da pecuária é um complemento de renda que tem sido utilizado pela
grande maioria dos moradores;
4) Os seringueiros não podem ser responsabilizados pela mudança do clima do planeta, este se
deve à ação dos grandes pecuaristas, mineradoras e do grande capital;
5) As multas aplicadas inviabilizam seu comprimento. As famílias de seringueiros têm uma vida
de duro trabalho na floresta e o pouco rendimento e benfeitorias conseguidas pelas famílias não
podem ser disponibilizadas para o pagamento destas multas porque isto inviabilizaria a
reprodução das próprias famílias.
Os seringueiros e trabalhadores rurais do Acre lutam com todas suas forças pela posse de suas
terras que secularmente foram ocupadas por seus antepassados. A luta que custou a vida de
tantos e estimados companheiros não pode ser em vão.
Se ontem lutamos contra o latifúndio, inimigo declarado, parece que a política governamental
tornou-se auxiliar dos interesses do latifúndio, que sempre tentou ignorar os que vivem da terra
com trabalho. Hoje temos na política ambiental de criminalização dos pequenos produtores um
novo impedimento para a garantia de atividades que permita aos seringueiros uma vida digna.
243
De 17/12 a 22/12/2008 ocorreu em Xapuri um conjunto de eventos, patrocinados pelo governo do
Acre, pela ocasião de 20 anos do assassinato de Chico Mendes.
229
diferente dos demais seringais da Reserva. O Seringal Nova Esperança transformou-se
na Fazenda Nova Esperança no período da entrada dos pecuaristas nesta região. Está
ocupado por 100 famílias de camponeses pobres e pequenos agricultores que fundaram
a Associação dos Moradores e Produtores da Maloca e Juracir. Em 21/12/2008
assistimos à reunião da Associação que discutiu os problemas da operação do IBAMA.
Nesta reunião compareceram mais de 100 seringueiros e agricultores. Foi
relatado a forma de truculência e violência da operação, pois os camponeses se sentiram
humilhados e constrangidos pela presença da Polícia Federal e pela forma de atuação
dos fiscais do IBAMA. Ocorreu uma denúncia de que técnicos do IBAMA tinham
batido nas mãos de um menor e uma senhora denunciou que o técnico do IBAMA, José
Carlos, ameaça e zomba dos agricultores.
Neste local entrevistamos oito camponeses. Destes, um foi multado pelo
IBAMA no valor de R$ 70.000, outro em R$ 26.000,00 e uma camponesa no valor de
R$ 9.000,00. Um camponês está com hanseníase há oito anos, trabalha por diária nas
terras dos pequenos agricultores ou de fazendeiros locais. O que averiguamos na ida ao
Nova Esperança é que, ao contrário do que dizia o IBAMA, este local é ocupado por
pequenos agricultores e camponeses pobres e que as multas aí aplicadas inviabilizam a
vida destas famílias.
Estas famílias vivem da pequena agricultura e do extrativismo. Em torno de 60
% de sua produção agrícola são destinadas para consumo próprio e o excedente agrícola
é vendido no mercado local244. Utilizam esta renda monetária, que segundo as
entrevistas não alcança um valor do salário mínimo mensal, para comprar os demais
produtos de sua necessidade como o sal, açúcar, café, óleo, sabão, combustível e
munição para a atividade da caça.
No Nova Esperança a divisão da terra é diferente das demais localidades da
Resex Chico Mendes. Ocorre que para ter o direito de uso na Reserva Chico Mendes
tem-se que se adequar ao que está estabelecido no Plano de Manejo e no contrato de
Cessão de Uso que é estabelecido entre o IBAMA e a Associação dos Moradores e
Produtores de Xapuri (AMOPREX). A Reserva é composta de vários seringais que é
dividido em colocações que tem em média 300 ha. A comunidade Maloca e Juraci no
Nova Esperança possuem 100 famílias organizadas em lotes de 30 a 60 ha. São
244
A análise sobre a produção familiar rural do Acre é encontrada no projeto ASPF (Análise Econômica
da Produção Familiar Rural no Vale do Acre), do departamento de economia da UFAC.
Fonte: http://www.ufac.br/projetos/aspf/index.htm
230
camponeses pobres que ocuparam esta área como pequenos agricultores e da terra têm
sobrevivido com as condições que são possíveis e sem nenhuma determinação estatal.
231
preservativos Nátex245 na cidade de Xapuri: em 2006 foi de R$ 43,05, em 2007 R$
515,06 e em 2008 R$ 496,09.
Os problemas enfrentados na RESEX estão estreitamente relacionados à
estrutura das causas do problema da terra no Acre e na Amazônia, ao problema da
desmobilização da luta dos trabalhadores e da tutela e repressão dos órgãos ambientais
sobre os que vivem em unidades de conservação, conforme esclarece Dercy Teles
Cunha:
Eu acho que, na realidade, o problema da terra só mudou o cenário. Antes a luta pela terra
estava entre os pequenos trabalhadores rurais e o grande latifúndio. Hoje o latifúndio deu
espaço para as instituições governamentais, como é o caso do IBAMA.
Na verdade, o problema da terra não foi resolvido, e a minha avaliação é que os trabalhadores
nadaram para morrer na praia. Eu lembro que no início da discussão sobre a RESEX Chico
Mendes, ela tinha um caráter de ser um novo modelo de reforma agrária que contemplasse os
seringueiros, a partir da colocação de seringa. Porque a colocação de seringa é um espaço
amplo que, dentro dos padrões de reforma agrária tradicional, não teria como ser viabilizado.
Como o seringueiro só sabe cortar seringa, trabalhar nesse espaço, denominado de colocação
de seringa, que é a unidade de produção dele, não teria como fazer uma reforma agrária para
ele mudando o estilo de seringal.
A reserva extrativista teve a origem de sua discussão a partir desse pensamento. Só que ao
longo desses anos, houve essa cooptação das lideranças e com a eleição de um partido, que
deram o nome de partido dos "trabalhadores", isso vem mudando. Mudou drasticamente o
comportamento dos líderes, que antes defendiam a posse da terra. Que defendiam que aqueles
que sempre viveram na Zona Rural permanecessem vivendo lá, com dignidade.
Agora, com a junção da defesa do ambientalismo, que foi inventada ao longo desse tempo por
alguns intelectuais, criou-se uma situação que não vai ser diferente da do tempo do empate com
o grande latifúndio. Porque, hoje, ocorrem os mesmos problemas, que é manter a vida com um
mínimo de dignidade dentro dessas comunidades, sem ter uma alternativa de geração de renda.
Então, o seringueiro está sendo condenado a deixar a sua colocação. Condenado a migrar da
sua colocação por falta de condições de sobrevivência.
245
Fábrica de preservativos do governo do estado do Acre, fundada em 2007. Localizada na cidade de
Xapurí, custou 35 milhões de reais e é apontada pelo governo como solução ao problema de garantia de
venda do látex dos seringueiros da Reserva. Além da Nátex o governo incentivou outros
empreendimentos estatais como a fábrica de tacos em Xapuri, a despolpadora de frutas e uma de
beneficiamento de frango em Brasiléia. Estes empreendimentos são apontados pelo governo estadual
como solução de emprego e renda para a população local. Embora já tenham sido inauguradas mais de
uma vez apenas a Nátex estava funcionando até janeiro de 2009.
232
É uma coisa disfarçada. Uma política de expulsão de forma muito sutil, que se nós não
tivermos muita esperteza nem conseguimos perceber. Porque o discurso em defesa na natureza,
do meio ambiente está acima de qualquer ser humano.
Para mim, o problema da terra não foi resolvido, porque só seria resolvido se além de garantir
a posse da terra garantisse também as condições para as pessoas continuarem sobrevivendo,
com um mínimo de dignidade, que é o que eles sempre tiveram a partir do extrativismo, e isso
está sendo tirado. Porque o extrativismo não está mais propiciando isso e outros meios de
atividades não são permitidos, como a agricultura e a criação de animais dentro da Reserva.
Então, as pessoas vão viver de quê? Fica uma interrogação no ar. Se não têm do que viver,
então, a tendência é o êxodo rural, com certeza.
246
As atividades desse projeto estão sendo desenvolvidas nos seringais Belo Horizonte, Macapá, São
Francisco do Espalha, Humaitá e Boa Vista (no município de Rio Branco), nos seringais Floresta, Boa
Vista e Nazaré (Xapuri) e nos seringais Pindamonhangaba e São Cristóvão (Brasiléia), abrangendo
comunidades localizadas na Resex Chico Mendes (ATA do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes,
2008).
233
informou que 200 produtores da Reserva já foram capacitados e que este projeto é
importante para a geração de renda familiar e o uso sustentável dos recursos naturais. A
empresa de cosméticos NATURA S.A. também tem projetos na Resex Chico Mendes
aprovados pelo Conselho Gestor, para utilizar semente de jatobá (Hymenaea) e sangue
de dragão (Cróton sp)247 (ATA do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes, 2008).
Sobre a propaganda de que a representação da sociedade civil nos Conselhos
Deliberativos, como do que aqui tratamos das áreas de preservação, garantem a
participação democrática de todos os representantes, Mori (2004) questiona sobre a
composição dos Conselhos:
(...) A pergunta que se põe frente a essa composição é: de que seus membros, tão
heterogêneos na natureza, nos interesses, no poder econômico no porte político, no
preparo técnico, nas fontes financeiras de sustentação e na própria base geográfica de
sua sede, poderão formar uma opinião conjunta válida a respeito de qualquer medida a
ser tomada (...)? (MORI, 2004, p.70).
234
estadual da Floresta. Desde a campanha eleitoral de 1990, o PT do Acre aciona a
trajetória do movimento seringueiro como símbolo da identidade acreana, da
acreanidade. Segundo Morais (2008) esta construção identitária tem contribuído para o
consenso em torno das políticas públicas de cunho ambientalista no estado do Acre
(MORAIS, 2008).
Marina Silva foi Ministra do Meio-Ambiente (2003-2008) no governo Lula. Seu
nome foi indicado em Washington pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva,
juntamente com a indicação do nome de Henrique Meirelles para a presidência do
Banco Central do Brasil. Durante a gestão de Marina Silva foi aprovada a Lei de Gestão
das Florestas Públicas que significa a regularização do saque e da pilhagem sobre os
recursos da Amazônia. Sobre este processo de ascensão de antigos militantes ao
aparelho do Estado, explica Osmarino Amâncio:
Nós achávamos que tínhamos chegado ao poder, era vereador, prefeito, governador, senadora
e até presidente, tudo companheiro. Aí eu achei que a gente até podia ir para casa. Mas não
podia, porque os problemas pioraram. A política da Marina Silva no Ministério do Meio
Ambiente foi uma traição. Nenhum governo anterior aceitou o que ela fez. Primeiro foram os
transgênicos, depois criou a Lei de Gestão das Florestas Públicas, que significa o entreguismo
de 60 milhões de hectares da Amazônia. Ela ajudou a consolidar e entregar para a iniciativa
privada, multinacionais e ONGs um processo de arrendamento destas terras por 40 anos, que
podem ser renovados por mais 30 anos. Isto significa a mercantilizarão de toda a região. Agora
foi legalizada a grilhagem de terras, são mais de 60 milhões de hectares. Tudo projeto para
monocultura de soja e cana para o etanol e o biodiesel, e também para pecuária.
235
Tabela 14: Acre: levantamento dos imóveis rurais (2007-2009)
101 a 1.000 1.480 6,6 387.977 6,5 1.546 6,3 413.499 6,6
1.001 a 5.000 409 1,8 1.000.623 16,7 463 1,9 1.116.407 17,9
236
Esta concentração de terras e a enganosa propaganda e projetos do Estado para
convencer que a constituição da reserva extrativista é a nova modalidade de reforma
agrária na Amazônia começa a ser desvendada pelas novas lutas que têm sido
desencadeadas nos sindicatos de trabalhadores rurais. A repressão do Estado sobre os
camponeses tem aberto novas trincheiras de luta para os trabalhadores.
As eleições para direção do STR de Xapuri, em 30 de maio de 2009, representou
a disposição dos seringueiros e pequenos agricultores de retomarem sua luta, ao
derrotarem o candidato do governo, Assiz Monteiro, e reelegerem Dercy Teles de
Carvalho Cunha para presidência do STR de Xapuri. No dia das eleições o governo do
estado do Acre enviou cinco secretários de governo para Xapuri, além de contarem com
o apoio de toda a máquina administrativa municipal.
O processo eleitoral no STR foi marcado por uma série de manobras da chapa do
governo no intuito de impedir a vitória da chapa encabeçada por Dercy Teles e também
seguiu tentando impedir a posse da diretoria eleita em 30 de maio de 2009. Inicialmente
a chapa opositora entrou com pedido para a justiça permitir o voto dos sindicalizados
inadimplentes, ao contrário do que prevê o estatuto do sindicato. Derrotados nas
eleições, a chapa do governo entrou na justiça para impedir a posse da diretoria
democraticamente eleita, com a manobra da FETACRE para assumir a direção do
sindicato, alegando irregularidades no processo eleitoral.
Novamente perdedores, a diretoria eleita tomou posse em 18 de junho de 2009
em uma assembléia no sindicato com a participação de mais de 250 seringueiros que
lembrava, segundo alguns seringueiros, os tempos anteriores da luta combativa no STR
de Xapuri. A retomada da luta, que foi iniciada no STR, em 2006, representa um novo
processo para os trabalhadores rurais de Xapuri que ao derrotarem o onguismo,
aparentemente triunfante, levam novas esperanças àqueles que têm sido duramente
atingidos pela repressão dos órgãos ambientais do Estado e a todos que precisam de
terra para viver e produzir.
Em 21/07/09 o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri divulgou nota249 e
entrou com ação no Ministério Público de Rio Branco contra o servidor do IBAMA,
conhecido como Zé Carlos, que foi acusado de humilhar o seringueiro Raimundo
Nonato Venâncio Flores na reserva extrativista Chico Mendes; aqui reproduzimos a
íntegra da nota:
249
Disponível em: http://altino.blogspot.com/2009/07/como-no-tempo-da-ditadura.html , acesso em
31/07/09.
237
Escrevo para denunciar o fiscal do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) conhecido como Zé Carlos. Ele abusou e humilhou o seringueiro Raimundo Nonato
Venâncio Flores, conhecido por Caboquinho que em dezembro próximo passado adoeceu e, por
morar só, foi realizar tratamento de saúde em Porto Velho (RO), onde tem familiares,
retornando em março deste ano. Ao chegar em Xapuri foi informado de que sua casa havia sido
arrombada pelo fiscal, que deixou as portas abertas com todos pertences do seringueiro dentro.
Caboquinho conta que antes de ir pra colocação, foi chamado pelo fiscal pra dizer que não
botasse mais os pés na colocação, alegando que o fato do mesmo ter se ausentado por três
meses caracteriza abandono de posse e o local passará a ser a sede do ICMBio. O seringueiro
argumentou que iria voltar por ser aquele seu local de trabalho e moradia desde 1992.
Segundo Caboquinho, ao dizer isso, Zé Carlos o ameaçou dizendo que se voltasse iria sair de lá
preso e moído de pau pela Polícia Federal. Mesmo assim o seringueiro não se intimidou e foi
pra sua colocação.
Ao chegar lá, encontrou as portas arrebentadas, dando por falta dos seguintes pertences: duas
botijas de gás, quatro machados, dois terçados, dez rastelos, cinco trenas, quatro regadores,
quatro enxadas, cinco bocas-de-lobos, oito pratos, dez talheres e uma foice. Mesmo assim
continuou trabalhando no local sem reclamar do ocorrido a ninguém.
Na semana próxima passada, o seringueiro foi surpreendido em seu local de trabalho pelo
fiscal que estava acompanhado de policiais militares, mandando que o seringueiro desocupasse
a colocação. O seringueiro resistiu. Porém, Zé Carlos o ameaçou dizendo: "hoje tu não sai,
mas eu vou voltar aqui com a Polícia Federal e vou te mostrar como você tem que desocupar.
Você é um invasor, essa terra é da União". E ofendeu o seringueiro com palavras de baixo
calão.
Indefeso e humilhado, o seringueiro não teve outra alternativa a não ser obedecer. Vejamos a
que ponto nós chegamos. Lembro dolorosamente esse filme na época da ditadura militar,
quando os seringueiros eram expulsos de suas colocações sob ameaça dos pistoleiros, jagunços
e polícia, todos a serviço dos fazendeiros.
Jamais imaginei que no atual governo pudéssemos reviver fatos como esse. Funcionários do
governo federal, exercendo os mesmos métodos da ditadura: terrorismo, humilhação,
criminalizando os trabalhadores. Será que não basta os mesmos estarem condenados à fome e
extinção por estarem proibidos de fazerem seus roçados de subsistência? Lembro toda nossa
luta em defesa da floresta, quando tínhamos a ilusão de que estávamos defendendo o que era
nosso. Grande engano. A prova está aí: só porque o seringueiro se ausentou três meses de sua
colocação por motivo de doença perdeu o direito. Cadê o direito de posse que conquistamos?
Não vale mais não? Quer dizer que se o trabalhador ficar doente é obrigado a morrer à
mingua? Porque se sair perde o lugar.
238
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri repudia com veemência essa atitude do fiscal
do ICMBio e solicita providência por parte de seus superiores no sentido de coibir os abusos,
humilhações e constrangimentos causados pelo fiscal ao seringueiro.
239
Foto 02 – Família camponesa de José Alves Pereira, do Seringal Nova Esperança,
na RESEX Chico Mendes
240
6.4 – As conseqüência do “silêncio”250 da reserva ambiental. Com a palavra os
camponeses
250
Um dos camponeses do PNSD nos relatou sobre a fome em sua casa dizendo: “(...) lá em casa hoje
está no silêncio...”, ele queria dizer que naquele dia nada tinha para comer. O silêncio como forma de
designar a fome nos remete ao silêncio das áreas de reserva ambiental, em contraposição aos sons da
produção. Silêncio decorrente da proibição de produzir que tem como conseqüência mais fome e miséria.
251
O IBAMA utiliza o termo “moradores do Parque”, denominá-los de moradores tem também a
conseqüência de querer minimizar os impactos que as restrições deste órgão têm sobre a vida dos que
vivem e produzem nas áreas de conservação.
241
O PNSD está localizado no extremo oeste do Estado do Acre, na sub-bacia do
Alto Rio Juruá, na fronteira do Brasil com o Peru, sendo considerada a unidade de
conservação que fica no ponto mais ocidental da Amazônia (ponto do país mais
próximo ao Oceano Pacífico), abrangendo áreas de cinco municípios: Cruzeiro do Sul,
Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo.
No PNSD vivem 722 famílias, aproximadamente 2 200 pessoas. São oriundos de
antigos seringais da região do Juruá e foram viver na Serra do Môa (como era
denominada a região que hoje é o PNSD) por terem sido expulsos das terras em que
viviam. As famílias mais antigas residem aí há mais de 50 anos, sobrevivem da pequena
agricultura, pesca e caça para subsistência e do extrativismo.
Atualmente o IBAMA atua ostensivamente na área norte do Parque, denominada
por eles de “coração do Parque”, terminologia que a USAID utiliza no seu guia de
parceiros para a conservação da biodiversidade. A situação destes camponeses é
bastante difícil porque se encontram no limite da garantia da sua sobrevivência devido
às restrições impostas pelo IBAMA às atividades produtivas que eles praticam há muito
tempo.
O INCRA baixou uma portaria criando o PAF Havaí (Projeto de Assentamento
Florestal), uma área de 30.000 hectares no município de Mâncio Lima, para alocar os
camponeses da área norte do Parque. Nenhum aceitou ir para este local e a situação dos
camponeses do Parque ainda está indefinida. O que a realidade parece indicar é que o
IBAMA, com suas regras ambientais que impedem a produção, inclusive que garanta a
subsistência das famílias, irá pressioná-los de tal forma que eles vão migrar para as
cidades próximas, como já aconteceu com um bom número de famílias do Parque.
242
Mapa 08 – PNSD: área da pesquisa de campo
252
Para uma excelente discussão sobre os impactos da criação de unidades de conservação sobre a vida
dos camponeses ver Diegues (2004).
243
porque os camponeses atribuíam aos funcionários da SOS Amazônia status de fiscais do
IBAMA.
Na área Sul do Parque, a mais povoada, a situação dos camponeses é dramática
devido à enchente do Rio Juruá, no início de 2008, que foi considerada a pior alagação
dos últimos 80 anos. Toda a produção de bananas, a maior da região, foi perdida. Os
camponeses perderam todo o seu roçado de mandioca, milho, arroz e feijão e muitos
perderam suas casas. Atualmente sobrevivem da venda nas cidades próximas de
pequenas retiradas de madeira e de vassouras de piaçava e de cipó. Ambas as atividades
são duramente reprimidas pelo IBAMA porque ele conta com olheiros que ficam no
porto da cidade de Cruzeiro do Sul que os avisam quando os pequenos agricultores
chegam com as vassouras e as madeiras.
A política de repressão amplamente realizada pelo IBAMA em todos os estados
da Amazônia, criminalizar os pequenos camponeses por danos ambientais, acarreta
ainda mais graves ameaças às tradicionais formas de vida de milhares de camponeses,
índios e ribeirinhos que secularmente vivem e produzem na floresta. Esta é uma das
principais conseqüências que a política de preservação ambiental, engendrada por
organismos do imperialismo, como as grandes ONGs ambientalistas, provocou como
nova reconfiguração do espaço agrário da Amazônia brasileira, que já possui hoje 43%
de seu território, 209 milhões de hectares na categoria de áreas protegidas.
No início da área norte do Parque tem uma base do Exército que justifica sua
presença devido ao controle do tráfico de drogas que existe nesta região de fronteira
com o Peru. Os camponeses sentem-se humilhados e constrangidos ao terem suas
canoas e barcos revistados pelo Exército. Percebemos nas entrevistas que as restrições
ambientais impostas têm várias conseqüências sobre os modos de vida da população
local.
Reproduzimos a seguir as entrevistas que realizamos com os camponeses das
áreas norte e sul do Parque, assim como com outros atores envolvidos com a questão.
Nosso objetivo é mostrar as condições de vida das famílias e os impactos após a criação
do PNSD, principalmente a ameaça de serem retirados das terras onde vivem e as regras
de restrição imposta sobre a produção e seu modo de vida. Para evitar que os
entrevistados sofram algum tipo de perseguição, omitiremos os nomes daqueles
depoimentos que possam gerar algum tipo de perseguição aos camponeses e outros
entrevistados.
244
Francisco Antônio Correia Lima (trabalhou na SOS Amazônia e foi chefe do
PNSD), entrevista concedida em Cruzeiro do Sul em 28/03/2009. Sobre as
conseqüência da criação do PNSD na vida da famílias, relata:
(...) desde que foi criado o Parque as famílias de lá da Serra do Môa não tem mais sossego.
Todas as noites vão dormir com o futuro incerto. A situação fica cada vez mais difícil que as
famílias vão acabar saindo. Não pode haver um financiamento, um desmate para agricultura.
Então não tem condição.
Ninguém gosta de ter um espião, uma sombra acompanhando. Cada pessoa tem que ser
autônomo, consciente de suas atividades.
(...) eu não quero sair daqui. Meu pai e minha mãe estão aqui a vida inteira, meu pai tem 63
anos. Aqui é um ótimo lugar, eu não tenho nada a reclamar, só queria que tivesse estudo pra
gente.
Como conselheiro do Parque eu escuto muito as reclamações das pessoas aqui. Eles têm uma
preocupação grande, um grande medo de que chegue o dia e alguém diga ‘agora você tem que
sair daqui.
Já falei com o Zezito (secretário municipal de saúde de Mâncio Lima), já falei com o prefeito,
com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e nunca resolveram minha situação.
Muitas vezes eu tenho vontade de desistir. Mas aí eu vejo as mulheres chorando e me pedindo
para não abandoná-las, porque a situação aqui é muito difícil. Eu tenho que ter muita
responsabilidade porque eu luto com duas vidas. E quando vejo que tem perigo a gente luta
atrás de um combustível para mandar a mulher que vai parir para Mâncio Lima, mas até isto é
difícil pois não querem dar nem o combustível.
Aqui todo mundo corre pro meu rumo quando tem um problema de doença: uma dor de cabeça,
uma febre, uma malária, um golpe, uma hemorragia, o pessoal vem logo aqui. Tem muitas
ervas aqui que servem para malária. Nós conhecemos a medicina e sabemos fazer remédio até
para picada de cobra. Eu mesma fui picada de cobra e me curei. Essa daí que a sra. tá vendo já
foi picada por uma surucucu e eu curei ela. Mas a situação é difícil porque tem coisa que a
245
gente não pode resolver e aí precisava de um enfermeiro, um médico, um posto de saúde e nós
não temos.
(...) ocorre que quando foi criado o Parque os Nukini já estavam aqui. Alguns Nukini
construírem aqui no Parque uma sede, tinha até uma escola. Era uma organização boa. O
Paulo era o cacique na época e aí acusaram ele de traficante, tudo para justificar o que eles
iam fazer: veio aqui a Polícia Federal e o IBAMA, chegaram de helicóptero e tocaram fogo na
sede, só deu tempo do pessoal sair correndo. Tocaram fogo na moradia dos índios e da sede
que funcionava como uma escola. Também queimaram o posto de saúde. A polícia federal
jogou gasolina e tocou fogo. São 25 famílias Nukini que aqui nasceram e se criaram.
Há uma reivindicação nossa de que aqui seja regularizada a nossa terra, porque não existe
lugar igual a este. O que ocorre é que agora não se pode mais plantar, não se pode fazer o que
fazia antes.
Nós nem sabia que isto aqui era Parque, há pouco tempo foi que colocaram esta placa aí de
Parque Nacional.
246
O problema de acesso a terras dos povos originários253 da Amazônia e do Acre
longe está de ser solucionado a despeito da propaganda do governo do Acre de que
neste estado estas questões estão resolvidas. Reproduzimos a seguir o documento da
reunião do conselho deliberativo da OPIN (Organização dos Povos Indígenas do Acre,
Sul do Amazonas e noroeste de Rondônia) realizado na Terra Indígena
Katukina/Kaxinawá, Aldeia Morada Nova, no município de Feijó, estado do Acre, em
05 de setembro de 2005:
253
Sobre o problema da terra dos povos originários ver Mariátegui, 7 ensayos de interpretación de la
realidad peruana, disponível em: http://webpages.ull.es/users/capburoc/Textos-Clasicos/Mariategui2.htm
254
Florestania ou cidadania da floresta é o termo utilizado pelo governo do Acre, autodenominado
Governo da Floresta, para traduzir que suas políticas públicas estão, supostamente, inspiradas e voltadas
para os “povos da floresta” (MORAIS, 2008).
247
- Repudiamos a absolvição dos assassinos de nossa liderança, Raimundo Silvino
Shanenawá, que foi morto com um tiro na cabeça pelo policial militar Rossini José de
Moura que foi absolvido com a tese de legítima defesa, onde para sustentar esta tese
seus advogados, Salete Maia e seu assistente Sanderson Moura, ainda foram capazes de
caluniar com afirmações preconceituosas e matéria no Jornal escrito ‘A Gazeta’ contra
todos os indígenas em um ato de arrogância e falta de conhecimento de nossa realidade.
- Repudiamos a paralisia do governo federal em relação aos processos de regularização
das terras indígenas do Acre e do sul do Amazonas (....)
- Dos governos democráticos e populares das instâncias estadual e federal, aos quais o
movimento indígena contribuiu e contribui para chegada ao poder, esperamos o
cumprimento de nossas reivindicações, reconhecimento dos direitos constitucionais e
condições para exercício de nossa autonomia e representatividade, desta forma
queremos reafirmar que vamos continuar lutando junto com todos os parentes, porque
mesmo com nossas diversidades internas e externas, sempre soubemos nos manter
unido, enfrentando corajosamente eventuais crises, problemas, resistindo a tudo e a
todos (OPIN, 2005).255
(...) o pessoal aqui do São Salvador reclama quando se faz discussão com o PESACRE, eles
dizem que precisam é de financiamento. Eles ainda não compreenderam o problema da
organização. Se tivesse educação ambiental a gente já teria avançado muito mais. Se desde há
vinte anos atrás tivesse num processo de educação ambiental as coisas seriam diferentes. Saber
dos recursos naturais e como usar e preservar. Os jovens estariam assimilando isto e as
crianças também, é um problema de geração. (...) A comunidade não tem assimilado bem o
255
Assinaram o documento da OPIN: Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE),
Organização dos Povos Indígenas Kaxinawá do rio Jordão (OPIKARJ), Organização dos Povos Indígenas
do Rio Juruá (OPIRJ), Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá (OPITAR), Organização dos Povos
Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre-AM (OPIAJABAM), Associação do Movimento
Agroflorestal Indígena do Acre (AMAIAC), Associação das Comunidades Agroextrativistas Jaminawa
(OCAERJ), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Organização
dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e noroeste de Rondônia.
248
papel do trabalho das organizações aqui. É um problema de organização social, de educação,
não compreende que precisamos ver a qualidade do produto, o preço de mercado.
A respeito dos motivos que levaram à criação do Parque, José Francisco atribui
ao fato de se querer “evitar alguma catástrofe ambiental, porque mais cedo ou mais
tarde grandes mudanças estarão ocorrendo”.
O discurso de sustentabilidade e preservacionista das ONGs assimilados por
algumas lideranças de comunidades, como este que entrevistamos, demonstra a própria
contradição com as reais condições de vida destas populações. Quando chegamos ao
PDS São Salvador, em 16/03/2008, nos hospedamos na casa da mãe de Sr. José
Francisco, D. Isabel, 74 anos. Seu pai veio do Ceará para a atividade da seringa no Rio
Azul. Neste dia que aí chegamos D. Isabel nada tinha para alimentar-se. Ela nos contou
que alguns moradores da vizinhança estavam há dias na mata caçando e nada
conseguiram, pois a caça e a pesca estão escassas.
As mulheres do Parque realizam várias atividades como o trabalho em casa, na
agricultura, na casa de farinha, na moagem da cana-de-açúcar e algumas pescam e
caçam. Transcrevemos alguns depoimentos que relatam as condições de vida das
mulheres e de como as restrições impostas pelo IBAMA alteraram a vida dos
camponeses. Como nos relatou um dos entrevistados “no Parque é proibido viver,
porque todas as atividades que sempre fizemos para nossa sobrevivência estão
impedidas. Como vamos viver se não podemos caçar, pescar e plantar?”. As placas do
IBAMA no PNSD refletem o que declara o camponês:
249
Nós fazemos farinha. Desde os sete anos que eu faço farinha (...) eu gosto de morar aqui na
Serra do Môa porque quando eu quero pegar um peixe eu sei onde estão os igarapés e aí já é
uma janta para meus filhos. (camponesa)
Às vezes eu vou caçar com meu marido, a gente caça anta, porco, jacu, macaco. Também
mariscamos. Podemos mariscar de anzol miúdo, não pode mariscar de tarrafa, porque eles
dizem que pegamos o peixe pequeno. Mas aqui pro interior isto é errado porque é nosso meio
de vida, temos que viver é desse material mesmo...(camponesa)
Às vezes eu tenho vontade de ir embora daqui porque o IBAMA humilha muito a gente. Estamos
fazendo as coisas e eles ficam dizendo ‘não pode fazer isto e nem aquilo’. Estamos brocando o
roçado e não pode, não pode aumentar o roçado. Não pode nada. Um tempo desse eles
disseram que quem tem vinte galinhas deve ficar só com dez. Porque eles não querem que a
gente plante milho para dar para as galinhas. E quem é que pode criar galinha sem plantar
milho? Nós não podemos é comprar milho para dar para as galinhas. (camponesa)
Eu me sinto humilhada porque eles corrigem tudo na canoa da gente. Até o saco de farinha eles
furaram na canoa de um rapaz. Eu me sinto humilhada porque eles não acreditam na gente.
Eles perguntam se a gente leva carne de caça e mesmo a gente dizendo que não, eles olham
tudo. (camponesa)
A gente tem filhos que estudam na cidade, moram na casa de parentes. E aí quando baixamos
para Cruzeiro do Sul levamos rancho para eles, quando temos um pouco mais de uma carne de
caça levamos. Se o IBAMA ou o Exército ver eles pegam tudo. Não querem nem saber. Mesmo
a gente dizendo que é para o rancho eles dizem que não pode. Não deixam passar nem um só
jabuti.(camponesa)
(...) aqui nós só temos valor quando chegam às eleições. Votou, acabou, perdeu o valor. E aí
mais quatro anos sem valor. (camponesa)
Deixei uma pessoa aqui tomando conta de minha casa quando fui para Cruzeiro. Como
pagamento ele pediu que eu trouxesse uma pituzinha para ele. Na base do Exército eles
250
tomaram a garrafa e derramaram na minha frente. Eu fiquei com vergonha, porque havia
mentido dizendo que não tinha álcool comigo. Eu nem sabia que era proibido andar com
cachaça, e a sra. sabe que regra é regra, a gente tem que cumprir a lei. Eles disseram que está
proibido entrar com bebida no Parque. E aí eu gastei R$ 6,00 com o litro da bebida e ainda tive
que pagar o rapaz. (camponês)
De primeiro a gente passava com até 10kg de carne de caça, que é o rancho de uma família
grande. Agora só pode 2 kg. Eles dizem que apreendem a carne para a gente não vender. Agora
o que são 10 kg de carne? Não dar para nada e se vender não dar nem uma feira. Agora eu lhe
pergunto o que são 2kg de carne para o rancho de uma família? (camponesa)
Ontem à noite lá em casa tinha na janta porquinho de casa, macaco e tatu. Mas tem dias,
muitas vezes, que não tem nada para comer, nada mesmo..... Os meninos procuram e não
acham o que comer. Aí a gente come uma jacuba 256 .(camponês)
Eu fico triste de ver meus filhos com fome. Porque realmente não é bom não, a gente tá com a
necessidade de comer e não ter o que. Aqui a gente pega comida na mata e no rio e quando não
tem, vamos passar fome! Comemos jacuba, farofa de óleo.... Hoje era um dos dias que aqui em
casa tava no silêncio, não tinha nada. Mas ainda bem que o vizinho mandou um pedaço de
porco pra cá. (camponês)
Eu fiz uma canoa e tive o maior prejuízo, porque nada se pode mais fazer em paz. Tive foi que
vender 10 porcos para cobrir o prejuízo. A agricultura não tá dando, só podemos ter uma
quadra257 e de capoeira. Queimar não pode. Preciso de pelos menos 5 quadras para poder
alimentar minha família e vender a farinha em Cruzeiro. A sra. veja lá eles pagam vinte e
cinco reais na saca de farinha e em Manaus essa saca vale cem reais. É um roubo de nós. Com
uma quadra eu não dou conta nem de alimentar meus filhos. (camponês)
Maria José Conceição dos Santos, 13 anos e filha do Sr. Mondico, vai para
escola há seis anos. Ainda não sabe ler. Trabalha alguns dias da semana na casa de um
vizinho que vive melhor de vida do que a família dela. Trabalha apenas pela comida.
Um dos irmãos dela, Messias Conceição dos Santos, 15, anos, também não sabe ler. Às
vezes realiza serviços de brocar o caminho de uma das cachoeiras do Parque para o
256
Mistura de farinha de mandioca com sal ou açúcar e água.
257
Uma quadra corresponde a um hectare.
251
IBAMA, que paga diárias de dez reais para os menores de idade e de vinte reais para os
adultos.
Numa das casas de um agricultor que vive em condições melhores, trabalha e
vive um homem neste local. Realiza todas as atividades da produção, cuida dos porcos e
do gado, trabalha na agricultura todos os dias da semana. Não recebe nenhuma
remuneração por isto, em troca do seu árduo trabalho diário ele recebe alimento e mora
na casa desta família, onde dorme na cozinha.
Devido às restrições impostas pelo IBAMA muitos moradores já deixaram o
Parque. Fomos ao Igarapé Jordão onde residiam mais de dez famílias, apenas ficou o Sr.
Francisco Eliézio da Costa, 55 anos. Neto de cearenses, ele também foi seringueiro no
seringal de um patrão de Cruzeiro do Sul chamado Manoel Benvindo Pinheiro. Com a
falência dos seringais foi trabalhar na extração de madeira para uma empresa madeireira
de Cruzeiro do Sul. O Sr. Eliézio mora há 33 anos no Igarapé Jordão e resiste a sair do
lugar, conforme nos relatou:
Nunca tive nada meu, e aqui eu tenho minha plantação para subsistência e criação para a
alimentação como uns bodes, galinhas e umas cabeças de gado. A agricultura já é pesada para
mim. Vivo aqui com um dos meus filhos e a mulher, todo mundo da família já saiu258.
O IBAMA sobrevoa aqui de helicóptero no verão, eles passam bem baixinho. Eu sinto é um
desgosto, não sou criminoso pra ser vigiado. Valor a gente só tem destes políticos na hora do
voto. Eu mesmo cobri minha casa todinha com estas placas de alumínio com a propaganda do
César Messias259. Depois a justiça eleitoral proibiu, eu achei ruim porque pelo menos da época
da política a gente tinha estas placas que serviam para cobrir a casa e empatar a chuva, agora
nem isso.
O Sr. Francisco Campos (conhecido como Chico Sombra), 64 anos, casado com
D. Selma, neta de peruanos. Ambos trabalharam na seringa, no Seringal Triunfo e em
outros seringais. Na região do Juruá trabalhou 32 anos na seringa e teve como patrões:
Armando Geraldo, Elias Barbari, Neo Correa, Amarino Sales e Agamede Sales. D.
Selma e Sr. Chico tiveram 14 filhos, destes, quatro foram para Porto Velho (RO), dois
para Cruzeiro do Sul e um para Rio Branco, todos em busca de trabalho. No Parque
ficaram três filhos e quatro já morreram. Sr. Chico chegou na região da Serra onde
trabalhou durante muitos anos para uma fazendeiro de Cruzeiro do Sul. Segundo uma de
258
Ele nos fala o nome de todos que saíram do Igarapé Jordão depois da constituição do Parque: João e o
Raimundo, o Dico, o Bio e o Mamão, também o Basto, o Ci (Moacir), o Zé Francisco, a Isabel e o
Aldenor.
259
César Messias é latifundiário em Cruzeiro do Sul, onde foi prefeito desta cidade pelo Partido
Progressista (PP). É vice-governador do estado do Acre, na gestão de Arnóbio Marques (PT) eleito em
2006.
252
suas filhas este fazendeiro não pagava ao Sr. Chico, e por isto tiveram que ir com ele à
Justiça do Trabalho, mas de nada adiantou. Com a constituição do Parque o fazendeiro
tirou o gado e pagou com algumas cabeças de gado ao Sr. Chico Sombra pelo trabalho
de anos na fazenda e com um pedaço da terra que ele cultivava no período que trabalhou
para o fazendeiro. Quando realizamos a entrevista o Sr. Chico tinha 30 cabeças de gado
e a fazenda que ele tomava de conta tinha 700 cabeças. O Sr. Chico Sombra nos diz que
“a vida aqui está uma perturbação, a gente não tem licença para brocar para nada. Mas
mesmo assim por que eu vou sair daqui se fora daqui eu não tenho nada?”
Um casal de camponeses nos relatou sobre a situação que tem vivido deste a
constituição do Parque Nacional da Serra do Divisor. O camponês que vive há 50 anos
na região nos relatou que um dos locais em que ele vivia quando o Parque foi criado era
o Pirapora, um belo sítio perto de várias cachoeiras. Neste local ele trabalhava para o
proprietário deste sítio que residia em Cruzeiro do Sul. Depois da constituição do
Parque o proprietário do sítio desistiu do empreendimento que pretendia realizar aí e
passou o sítio e um motor para o camponês como pagamento pelo período que ele
trabalhou nesta terra. Depois teve que sair do Pirapora, conhecido como “Coração do
Parque”, e nos relatou sobre este processo:
Falaram que eu não podia ficar no Pirapora, porque lá era o ‘coração do Parque’. O IBAMA
junto com o Deda260 pediram para eu sair e prometeram uma indenização que eu nunca vi. Fui
para Mâncio Lima com minha família, ficamos por três anos, uma miséria, lá não tinha nada
para a gente fazer. Aí eu voltei aqui para Serra e abri este lugar para mim. Lá no Pirapora eu
tinha de tudo, café, abacate, cupuaçu, pupunha, muita galinha. Eu só me retirei do Pirapora
porque eles me prometeram uma indenização. E daí eu tive que começar tudo de novo e a sra.
sabe que quando a gente muda uma planta de um lugar para outro ela murcha. Eu estou igual a
planta e quando que eu terei alguma coisa na vida? (camponês, 52 anos)
Teve um pessoal da SOS Amazônia aqui e a encarregada era a Verônica. Eles queriam saber
tudo que a gente conhecia aqui na Serra do Môa. Era sobre planta, sobre animais, era sobre
cobras, sapo, aranha e borboleta... todo tipo. Sobre passarinho também. Eu trabalhei com um
gringo de nome Brente261 dos Estados Unidos. Eu trabalhei dezenove dias com ele gravando
canto de passarinho. Também coletava passarinho. Alguns ele ouvia só o canto, e outros ele
coletava. Uns ele abria deixava só o couro e enchia de algodão, levaram para um parque nos
260
Funcionário do IBAMA e prefeito de Rodrigues Alves (AC) no período de (2005 – 2008)
261
Ele se refere ao pesquisador norte americano Brent Milikan.
253
Estados Unidos. Você jurava que o passarinho tava era vivo. Eles acharam foi três espécies
novas aqui no Parque para o museu, né? Ele dizia que era para uma pesquisa. Só que nós não
sabia o significado desta pesquisa. Foi depois disto que o IBAMA passou a vir para cá e dizer
que iam tirar todo mundo, que a gente não podia ficar aqui porque era um Parque. (camponês,
50 anos)
Além das regras de preservação impostas pelo IBAMA que ameaçam a sobrevivência
das famílias, o discurso e a atuação dos gestores e fiscais ambientais munidos de uma fala
preservacionista causam prejuízo e estranheza para os agricultores e extrativistas que por toda a
vida conviveram com suas próprias regras de sobrevivência e de uso dos recursos da floresta,
conforme nos relatou um dos camponeses do Parque:
O IBAMA proíbe a gente de matar onça e de ter cachorro para espantar onça. Outro dia esteve
aqui o Baiano da Polícia Federal, com a Camila que é chefe do Parque. O Baiano disse que eu
não podia ter cachorro em casa. Eu disse que o cachorro era para espantar a onça para não
atacar minha criação. E aí ele me disse que se alguma onça atacasse minha criação era para
eu tirar uma foto da carniça e levar lá em Cruzeiro do Sul para ele, que ele vinha aqui e dava
um jeito na onça. Agora veja se isto tem cabimento. De onde eu vou ter uma máquina para
bater foto? Como que vou ter condição para ir até Cruzeiro do Sul? Outro dia também o
pessoal andava para o rumo da cachoeira formosa com a chefe do Parque, viram uma ruma de
cobra e não puderam matar porque a chefe do parque disse que a cobra ‘é da natureza’. Ela
diz isto porque não mora aqui, só passa aqui e vai embora. E aí ficou essa fera solta que é mais
um perigo para nós. (camponês, 52 anos)
O meu roçado fica a 20 minutos aqui de casa. Eu queria ter um garrote para servir de
transporte da casa de farinha para cá. Pedi ao IBAMA para fazer um pequeno desmate para
criar umas cabeças e eles dizem que não pode. (camponês)
Antes do Parque eu brocava e fazia alguma derrubada que fosse necessário. Tinha aqui meu
roçado, milho arroz e feijão. Colocava meu roçado, criava meus porcos e tinha um gadinho. O
IBAMA chegou a dizer que se nascesse um bezerro eu deveria matar uma cabeça de gado. Não
pode caçar com cachorro. E se o bicho pega um animal meu eu nem posso fazer nada. O
pessoal do IBAMA come e bebe do salário deles e nós come e bebe do que nós planta, eu falei
isto para eles.” Agricultor, 49 anos, está na Serra do Môa desde os 5 anos.
Teve um período que eu trabalhava direto de três a quatro meses na retirada da madeira. Toda
as escolas da República fui eu que tirei a madeira. Hoje em dia tenho dificuldades de trabalhar
na agricultura porque o trabalho no pesado agravou o problema que eu tinha decorrente da
paralisia que tive quando era menino.
Eu fui processado pelo IBAMA, o processo estava na Polícia Federal. Foi por causa de uma
carne de caça que eu trazia da caçada com outros companheiros. Foi um desgosto isto, nunca
fiz nada de errado na vida. A gente caça para dar o alimento em casa e não para vender. A
gente trazia uma anta, um veado e quatro macacos. Eles falaram que os macacos estavam em
254
extinção. Um filho meu ficou tão desgostoso com esta situação que foi-se embora para o Peru.
(camponês)
Foi depois que vieram estes gringos aqui é que veio aparecer esse negócio do IBAMA. Eu acho
que eles vieram é cobiçar nossas florestas, as cachoeiras. Era tanta coisa que eles
pesquisavam, era cobra, era sapo, era aranha. Depois disso é que veio esse negócio de
preservação. Meu esposo trabalhou dezoito dias com um gringo. (camponês)
Um parceiro importante aqui nosso é o PESACRE. Trabalhos muito junto. Fizemos uma
reunião de planejamento aqui no sindicato com eles e várias organizações, o pessoal do
governo também participa. A principal conclusão que chegamos é que para resolver os
problemas aqui temos é que formar as associações.
Antes do Parque esta área aí da Serra do Môa era muito rica. Na época do verão tinha locais
que contratavam mais de 150 homens. Era muita produção de tudo, açúcar, farinha, café, gado.
Este Rio Môa vivia era cheio de batelão que abastecia esta cidade de Mâncio Lima todinha, e
aqui tem 15.000 habitantes. Só de farinha era 8.000 sacas, ia para Cruzeiro do Sul também.
Não era para ter mais ninguém no Parque, porque a lei não permite. Mas como o Parque não
foi criado no nosso governo, esse que é o nosso governo há dez anos, o Parque está nesta
situação. Porque se tivesse sido criado no nosso governo ele teria feito todo um trabalho de
conscientização e educação ambiental com o pessoal aí do Parque e se acharia outra terra
para eles porque terra nós temos.
Com relação ao conflito com os Nukinis foi correta a ação da polícia federal, eles usaram a lei.
O Parque é uma área de conflito. O STR já reivindicou a desapropriação destes seringais junto
ao INCRA para assentarem o pessoal do Parque.
O IBAMA junto com o INCRA criaram este PAF Havaí262 para assentarem 81 famílias do
Parque neste local. Nenhuma família foi, se recusaram. Fizeram bem, porque lá não tem nada.
262
PAF – Projeto de Assentamento Florestal, propagandeado pelo governo estadual como modalidade de
reforma agrária. Todas as famílias do Parque que foram conhecer o PAF Havaí, em Mâncio Lima,
recusaram-se a ir para este local, principalmente pelo isolamento já que é uma localidade sem rio e sem
ramal.
255
O pessoal aqui do Parque só produz agricultura com o apoio do STR, porque o IBAMA não
deixa e multa o pessoal. Tem muita multa. O sindicato apoia o pessoal para trabalhar. São
mais de cinqüenta multas aqui em Mâncio Lima. É errado estas multas do IBAMA. Ele tem que
primeiro dá educação ambiental. Se alguém faz algo errado o IBAMA tem que exigir uma pena,
como por exemplo plantar duas mil mudas de árvores, algo que compense o que foi feito de
errado com a natureza. Nós chamamos todo o nosso pessoal, governo, deputado, senador, todo
mundo, para resolver esta situação das multas.
Se o INCRA resolver tudo e disponibilizar uma terra, eu já disse para eles que eu mesmo tiro o
pessoal do Parque, é só disponibilizar um local bom com água e construir uma casa. Aqui na
área do Môa tem 120 famílias e tudo fica resolvido.
O sindicato mais atuante do Juruá é o nosso. Temos 3.000 filiados, o de Cruzeiro do Sul tem
15.000. O nosso é forte por isto chegamos na direção da FETACRE. Nós temos carro, barco,
sede com auditório, gerador de luz. Tudo que nós arrecada aqui é pro povo. Por isto que nós
temos um nome muito forte para ser candidato a prefeito aqui, que é o meu nome. Sou
candidato pelo PT.
Nós já fizemos vários documentos pedindo para transformar o Parque em área de reserva
extrativista. O Parque deveria ser do pé da serra para lá, porque não tem gente nesta área.
Porque aqui tem gente e há muito tempo. É daqui que sobrevivemos e para isto precisamos de
um financiamento, de um trator para fazer um açude para piscicultura, com isto já melhora
muito. E com o Parque não pode nada disto.
O IBAMA olha a manga de nossas tarrafas. Eles não querem que a gente pegue peixe pequeno.
Só que quando as pessoas não têm nada para janta não vão pensar em tamanho da manga
porque com fome não se escolhe o tamanho do peixe.
Aqui já foi multada foi gente. Eu tenho conhecimento do caso do Nilo Rebouças, porque o
IBAMA viu do helicóptero, o roçado dele era de 15 quadras. O Francisco Cordeiro também foi
multado por um desmate de 15 hectares para pasto pois ele tinha umas 200 cabeças de gado,
depois disso foi embora daqui. Tem gente aí multado só porque tem uma carne de caça para o
rancho.
Na época do seringal a gente fazia de tudo, cortava seringa, caçava, tirava alguma madeira,
vendia umas peles de animal. Todo mundo fazia isto, era assim que se vivia. Mas isto já no meu
tempo, porque antes só se podia cortar a seringa, era assim antigamente. Eu trabalhei muito
tirando madeira na mão, não tinha nem moto serra, a gente tirava as toras e levava para a
beira do rio. Esta madeira que eu tirava era para as firmas de Cruzeiro da Marmude Cameli,
para o Benedito Rocha e a Firma Moraes.
Temos aqui a nossa estrada de verão a inverno que é o rio Môa. No PAF Havaí não tem acesso
de nada. Eu conheço um pessoal que mora lá perto. Quando um adoece se tira a pessoa de pau
com uma rede e aí é dois a três dias de viagem a pé até chegar na cidade. Nem carro toyota
traçada consegue cortar aquela lama.
256
E assim é a vida, eu vim para cá com cinco anos, nasci no Seringal São Salvador e estou aqui
há trinta e três anos. Não quero sair daqui e nem vou sair. Eu nem gosto de cidade, lá a gente é
atacado pelos marginais.
(...) estas leis ambientais lá para o Parque só diz que não pode, não pode caçar, não pode
colher, não pode viver então.
O Havaí263 é um campo de guerra. Eu fui até a entrada dele. O que nós vimos lá foram
assentamentos próximos do INCRA que já estavam todos abandonados e abandonados por
causa da miséria que se estendeu. As pessoas que aí estavam passaram a vender suas terras
para outras que tinham mais condição, como um carro. Cadê o transporte, o socorro, a
comunicação?
Tem um assentamento, Bom Sossego, fica no Rio Azul. Umas casinhas do INCRA, tudo
parecendo umas casas de pombo, nem beneficiada a madeira é. Porque até parece que o
INCRA pensa que o pessoal bebendo água já está com a sobrevivência feita. De que adianta eu
ter uma casa na beira do rio e alguns que ficam mais longe da beira e nem tem como escoar a
produção e tudo apodrece. Isto que eu falo aqui para a sra. eu contei em Brasília, e não
melhorou em nada.
O Parque foi criado por interesse nacional e internacional. Eu chorei uma vez quando disse
numa reunião que os homens de pasta que criaram o Parque estão sorrindo porque tem o bolso
cheio de dinheiro. Agora para nós os moradores o Parque é motivo de choro e miséria, porque
somos nós que estamos sofrendo as amarguras.
Esse Parque é um rio de dinheiro. Vem dos Estados Unidos, da Alemanha, o ARPA264 recebe
milhões. Esses países têm interesse porque eles não têm mais floresta.
Sabe o que é que me revolta? O nosso Brasil tem essa Amazônia tão rica onde o homem só pisa
em cima do ouro, do brilhante, o petróleo flutua, madeiras de todas as espécies nós temos. E
temos tanta gente sofrendo fome e miséria, isto é que me revolta. E a gente sabe que em cima de
cada palmo de terra da Amazônia já tem dois olhos medindo e dizendo “aquele pedaço é meu”.
Fico revoltado e preocupado, por que será que vai servir para os brasileiros?
Esse pessoal ecologista que anda no Parque quer que a gente troque a nossa produção pela
coleta de sementes para artesanato. Isso não tem cabimento. Eu já andei e vi em Rio Branco,
Manaus, Belém e Brasília um monte de lojas com artesanato só não vi foi comprador. Ora o
que tem de semente aqui dá para encher um navio.
263
Refere-se ao Projeto Agroflorestal Havaí (PAF Havaí), local criado pelo INCRA para assentar famílias
do Parque. Todos se recusaram a ir para este local.
264
Projeto ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia, coordenado pelo WWF tem orçamento de 400
milhões de dólares.
257
do Parque, em torno de seiscentas. De dezembro de 2007 a março de 2008, esta região
teve um período grave de alagação e as famílias residentes na margem do Rio Juruá de
toda esta área perderam seus roçados. Muitas famílias têm sobrevivido da confecção e
venda de vassouras de cipó e piaçava para Cruzeiro do Sul. Alguns realizam pequenas
retiradas de madeira e são ostensivamente perseguidos pelo IBAMA devido à ação de
repressão e vigilância que este órgão exerce sobre as famílias de camponeses pobres da
região. As cidades de Porto Walter e Cruzeiro do Sul são as que recebem as famílias
que migram desta área para as cidades mais próximas.
Além da ameaça constante de serem retiradas de suas terras, as famílias desta
região sofrem com a falta de assistência à saúde e educação. Os principais problemas de
saúde são a malária e hepatite. No Riozinho das Minas faleceram várias pessoas de
hepatite e outras começaram a sair da área com receio de que estivesse ocorrendo uma
“praga e que fosse morrer todo mundo”.
Na área Sul do Parque a SOS Amazônia desenvolve um projeto de criação de
quelônios com financiamento da USAID. No Riozinho das Minas, em 21/03/2008,
realizamos entrevista com o Sr. Amarízio Silva Barreto, conselheiro do Conselho
Consultivo do Parque e atualmente envolvido na formação de uma cooperativa chamada
de “Povo Unido do Riozinho das Minas”. Ele nos relatou que com a formação da
cooperativa vai haver trabalho no Riozinho. Depois do curso realizado pela Secretaria
de Florestas (SEFE) Sr. Amarízio iniciou a organização da cooperativa. Defende para a
região um modelo de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e de ecoturismo, conforme ele
assistiu em curso promovido pelo IBAMA e SOS Amazônia para os conselheiros do
Parque estado do Amazonas, tendo como modelo a experiência da localidade de Silves.
Ele nos relatou:
Lá em Silves quem deu o dinheiro para a comunidade fazer o hotel de ecoturismo foram uns
gringos italianos, foi US$ 300 mil. Lá o projeto é uma beleza, é aquilo que a gente tem que
fazer aqui. Os lagos que eles tem para piscicultura. Tudo para o turismo. A comunidade lá com
o dinheiro adquiriram o hotel, que tem um restaurante, duas motos, dois barcos voadeira, um
viveiro, uma máquina para tirar óleo de pau-rosa e outras coisas. Eles vendem sabonete,
cosmético. Trabalham com cipó. Os gringos disseram que não querem nada em troca só um
lugar para ficar quando eles vierem. Eu gostei muito deste projeto de turismo é um projeto
enorme. O turismo pode vir até aqui. Muita coisa da floresta que a gente pode oferecer. A
cooperativa é o primeiro passo, tem que organizar a comunidade.
A minha família é grande, tenho 10 filhos e tudo homem. Por isto meu roçado é maior tenho
seis hectares para agricultura, temos mandioca, arroz, tabaco. E aqui atrás eu fiz este Sistema
Agroflorestal, tem palmeiras, tem cupuaçu, isto tudo aí. Nossa renda aqui com todos os filhos
258
trabalhando alcança uns dez mil reais por mês, mas só quando a gente consegue vender a
farinha. Mas todos aqui têm família. Temos também umas galinhas e um gado para leite.
(...) eu tenho um pouquinho de conhecimento, de educação ambiental. O pessoal fica com raiva
das regras. Eu também ficava com raiva do IBAMA dos pesquisadores que vinham aqui. Mas
agora eu já entendo que o homem precisa viver em harmonia com a floresta. Na época do
extrativismo, da borracha, a gente não conhecia, agora sabemos da copaíba, dos óleos, das
sementes, das palmeiras.
Eu sou contra a caça com cachorro e a retirada de cipó e piaçava para a vassoura. A gente
sabe que isto dá uma renda, mas com a grande derrubada de piaçava vai acabar com a
floresta. Além de faltar o ar porque a gente sabe que a respiração da terra é a floresta, ela é a
pele da terra. Há dez ou doze anos que estão derrubando e com isto não tem caça também.
Aqui se tirarem a gente do Parque vai virar é uma guerrilha, como dizem os peruanos. Nesta
área aqui e do Juruá Mirim tem muito problema .265
Criaram este Parque aqui porque esta região aqui é muito rica. É a nascente do Alto Juruá, que só se
mantêm com esta quantidade toda de água por causa destes Paranás aqui. Todas as nascentes estão aqui
nos pés desta Serra. Aqui nesta região eram trinta e seis seringais. Depois andou um pessoal aqui com o
Leôncio (foi técnico da SOS Amazônia), e disto colocaram tudo no papel e foi lá para o Sarney assinar e
criaram o Parque.
Eu já conversei em Brasília com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que a gente aqui
se sente inseguro desde que constituíram o Parque. Nós não podemos fazer um plantio de café,
de coqueiro, de cana, como os outros brasileiros podem, por isto nós nos sentimos inseguros
aqui. Nós não podemos é sair daqui com a mão na cabeça. Uma tristeza quando a gente vê
gente daqui que foi embora para Cruzeiro, as filhas viraram mulher da vida e os filhos
marginal.
265
A área do Riozinho das Minas e do Juruá Mirim faz parte da rota do tráfico de drogas na Amazônia.
259
No Riozinho das Minas e no Igarapé Reforma a alagação de 2008 não provocou
a perda do roçado das famílias, porém as famílias que moram nas margens do Rio Juruá,
por onde viajamos durante dois dias de barco, perderam toda sua produção. Como nos
relatou um casal de camponeses com oito filhos:
260
Na alagação acabou tudo que a gente tinha roça, tudo, o milho, arroz, feijão. Nunca tinha visto
uma alagação como esta. Agora a gente vive de vender estas vassouras266 em Cruzeiro do Sul.
Não temos outra coisa a fazer porque não temos agricultura. Até a farinha a gente tem que
comprar. (camponês)
A única coisa que o governo fez depois desta alagação toda foi trazer aqui um sacolão.
(camponesa)
Com o problema da alagação a única saída para os camponeses é a fabricação de
vassouras e a pequena retirada de madeira para vender na cidade de Cruzeiro do Sul, a
maior da região do Juruá:
Eu também faço vassoura, vou fazer o que para dar de comer aos filhos? Este ano passado nos
fizemos 500 vassouras, mas agora só fizemos 100. (camponesa, 36 anos).
266
São vassouras de cipó e piaçava que são vendidas aos comerciantes de Cruzeiro do Sul, onde a
vassoura de piaçava, a mais valorizada, é vendida por R$ 2,00. O IBAMA não permite esta atividade
porque alega que os agricultores derrubam a palmeira de piaçava para retirar o ‘cabelo’ da palmeira para
fazer as vassouras. De uma palmeira é possível fazer até 30 vassouras, porém segundo os entrevistados
isto é muito variável, pois tem palmeiras que não é possível fazer nem 15 vassouras. Esta é uma atividade
realizada principalmente pelas mulheres, com o período da alagação os homens também passaram a
realizar este trabalho.
261
de barco. Na entrevista D. Marieta declarou como principal problema das condições de
vida no Parque:
Primeiro a dificuldade com a escola, além de andar mais de uma hora na mata até a escola,
eles não tem merenda e estes meninos vão para escola e não aprendem nada. A saúde aqui nós
nunca vimos. Pois até em Porto Walter é difícil um médico. Se uma cobra pega alguém aqui até
chegar na cidade já morreu, porque daqui ao hospital mais próximo é mais de um dia de canoa
a motor. Agora eu gosto daqui porque é tranqüilo, aqui eu tenho minha plantação, pego um
peixe no igarapé e na cidade tudo é difícil porque minha condição é pouca, muito pouca.
262
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273
Conclusão
274
piedade” que desvenda as relações que permeiam as ações das organizações da
caridade.
As políticas do ambientalismo ongueiro, a serviço de uma estratégia para a
biodiversidade, começamos a tratar ainda no capítulo 3, a partir da literatura que
pesquisamos sobre as ações das grandes ONGs ambientalistas, quais sejam, a WWF, CI
e TNC. Neste capítulo mostramos como as articulações destas grandes ONGs com
organizações imperialistas, por sua vez, determinam a estratégia que as ONGs devem
colocar em prática. Ou seja, as ONGs principalmente em sua ação nos países
dominados, são os agentes táticos da estratégia para a apropriação de recursos da
biodiversidade; para isto atuam na delimitação de áreas de preservação e em projetos
nas comunidades dos países em áreas de florestas tropicais.
A vinculação das ONGs com uma das principais organizações do imperialismo,
a USAID, é definida ainda em 1994, dois anos depois da Eco-92, onde também ocorreu
o fórum das ONGs. A USAID traçou programas e políticas de preservação ambiental
para todos os locais de floresta tropical e elegeu grandes ONGs, como a WWF, CI,
TNC, AWF e a WCS como seus principais “agentes”. Suas atividades são encontradas
no Brasil e em vários países da América Latina e Caribe, além de atuarem no Quênia,
Tanzânia, Madagascar, Filipinas, Indonésia, Mongólia, Nepal, Vietnã, Moçambique e
em outros. O Brasil recebe 33% de todos os recursos destinados para projetos de
preservação da biodiversidade, cifra que corresponde ao dobro do segundo colocado, o
México. Isto se deve ao fato de as imensas riquezas da Amazônia brasileira terem sido
alvo do saque e pirataria do colonizador há séculos.
Além de serem executoras e gestoras das políticas ambientais, as grandes ONGs
ambientalistas possuem como parceiros e financiadores as maiores corporações de
ramos como o do petróleo, gás, farmacêutica e minas: Dow Chemical, Monsanto
Chemical, W.R. Grace, Du Pont, Merck, Nalco, Union Caribe, General Eletric,
Westinghouse, Combustion Engineering, Honeyweel, Beckman Instrumento, Alcoa
Universal, Oil Products, North American Rockewell, que também são as maiores
poluidoras do meio-ambiente. Pouco evidenciadas ou até mesmo propositalmente
esquecidas, as políticas ambientais defendidas pelas ONGs não têm em sua pauta o
combate ao padrão de utilização dos recursos naturais e da depredação do meio-
ambiente efetuado pelas grandes corporações. Além de seu caráter malthusiano, as
políticas ambientais promovidas pelas ONGs acarretam a criminalização dos
camponeses e pequenos agricultores que são colocados como os responsáveis pelo
275
“aquecimento global” por desenvolverem atividades como a queima de um terreno para
o roçado, uma pequena retirada de madeira, uma caça para alimentação, etc.
Devido à amplitude da Amazônia, nós nos baseamos, no capítulo 4, em
levantamentos de estudos sobre as ONGs realizados por outros pesquisadores. A partir
disto e de levantamento nosso, conseguimos fazer uma exposição da atuação de grandes
ONGs na Amazônia e de seus principais financiadores, ver suas vinculações com as
organizações do imperialismo que as financiam. As altas somas doadas para as ONGs
na Amazônia, na preservação da fauna e flora, nos mais diversos municípios, nos
permitem concluir sobre os interesses estratégicos das organizações imperialistas sobre
os recursos naturais da região. Dentre as principais organizações financiadoras constam
o BM e o BID, a USAID, o PPG-7, GTZ, e fundações como a Moore, Packard, Ford,
como as principais; além de ONGs como a CI, TNC, WWF e WHRC.
Os objetivos pretendidos pelas ONGs nos países dominados e ricos em
biodiversidade da América Latina, Caribe, Ásia e África estão inseridos no discurso da
promoção do desenvolvimento, combate à pobreza, educação e desenvolvimento de
capacidades, proteção ao meio-ambiente, financiamento de pequenos produtores e
promoção do “empoderamento” das comunidades fartamente propagandeadas nos
documentos oficiais de organismos do imperialismo para promoção do
“desenvolvimento sustentável” nos países dominados. Sobre esta pauta atuam as ONGs
no Acre, CTA, PESACRE e SOS Amazônia no desenvolvimento de projetos que são
ditados e financiados pelas organizações do imperialismo conforme desenvolvemos no
capítulo 5.
Estes objetivos são colocados em prática pela ação das ONGs, na maioria dos
casos, apoiados na estrutura de projetos estatais e de organizações, como a Igreja
Católica, principalmente, e outras, especialmente no campo dos chamados direitos
humanos, na área rural, onde está a principal contradição dos países dominados pelo
imperialismo que é o problema do acesso à terra. Nos projetos desenvolvidos pelas
ONGs serão eleitas determinadas comunidades e lideranças que serão formadas e
treinadas pelos projetos de capacitação e educação desenvolvidos por estes organismos.
A grande maioria da população camponesa pobre na Amazônia mantêm-se sob
condições de vida bastante difíceis a despeito do montante de recursos e da quantidade
de projetos que os organismos do imperialismo, via ONGs, têm promovido nos países
dominados. Além disso, estes projetos criam, no país, uma casta de técnicos e
276
intelectuais que trabalham por consultorias vultosas para os projetos coordenados e
implementados pelos quadros das agências dos países ricos.
O estado do Acre, com a projeção internacional do líder seringueiro Chico
Mendes, foi um campo fértil para a ação das ONGs. A luta dos seringueiros pela terra, a
partir de meados dos anos de 1970 e até final dos anos de 1988, contava com poucos
aliados locais, velho problema das possíveis alianças dos camponeses, em sua histórica
luta pela terra, que Engels tratou no livro “As guerras camponesas na Alemanha”.
Também para os seringueiros do Acre este foi um problema fundamental. Aliados a
setores radicalizados da pequena burguesia e posteriormente às ONGs ambientalistas, o
movimento dos seringueiros foi alterando sua pauta de luta ao realizarem uma aliança
com as ONGs internacionais. Mesmo que disso não tivessem necessariamente
consciência, as lideranças dos seringueiros acabaram aliando-se aos agentes do
imperialismo e foram alçados, por um convencimento retórico, a salvadores do planeta e
defensores da humanidade pelas ONGs e outras organizações imperialistas.
Ancorado na luta dos seringueiros e na figura do líder Chico Mendes, o PT do
Acre alcançou projeção nacional e internacional. Em 1999, assume o governo do estado
do Acre, onde continua atualmente. Este governo, autodenominado de “Governo da
Floresta”, colocou em prática a agenda de grandes grupos internacionais, como o
madeireiro, ao promover a chamada exploração sustentável do manejo madeireiro. Para
isto contou com o trabalho do CTA junto às comunidades que vivem na floresta. O
CTA, que nasceu em 1983 de um projeto de educação para os seringueiros, o “Projeto
Seringueiro”, tornou-se uma importante ONG local e executora de projetos e ações do
governo.
O Acre tornou-se importante palco de atuação das ONGs e de projetos do
imperialismo para o meio ambiente. Outras duas ONGs locais se destacam: o
PESACRE e a SOS Amazônia. A primeira forneceu muitos de seus quadros para os
executivos do governo local que assumiram cargos de secretários de estados, gerentes e
outros. Possui forte vinculação com a Universidade da Flórida de onde recebe e envia
estudantes de pós-graduação.
A SOS Amazônia, de característica conservacionista, tem como principal
parceiro a TNC, com a qual executou o Plano de Manejo do PNSD. Sua política de
vinculação com o imperialismo é no trabalho de retirar a população do PNSD. A SOS
Amazônia atuou no PNSD e, na entrevista com os camponeses do Parque, verificamos
que sua ação estava voltada para o convencimento dos camponeses a se retirarem do
277
local. Embora os camponeses atribuíssem a esta ONG o papel do IBAMA, os nomes
que eles citavam dos técnicos que trabalhavam em projetos no Parque eram do quadro
da SOS Amazônia. Estas três ONGs tiveram a USAID como seu principal
financiador. Também contaram com o financiamento das fundações W. Alton Jones,
Hewlett, Ford e Moore; das ONGs WWF e TNC; do BID e da União Européia; além do
Programa de Segurança e Educação Nacional e da Fundação Nacional de Ciência,
ambos do EUA, entre outros. Dos projetos destas ONGs, que mostramos no capítulo 5,
não tivemos como objetivo fazer um levantamento da efetividade de suas ações, das
quais tanto se orgulham. Pretendemos elencar os projetos propostos, os parceiros e
financiadores para a compreensão de sua área de atuação, redes de relações e
financiadores. Sem dúvida, a população pobre do estado do Acre, a maioria do povo,
nos lugares onde estas ONGs atuam, possue uma série de necessidades que até hoje não
foram solucionadas. Sobre isto as ONGs atuam ao oferecerem seus projetos
“salvadores” com o discurso da sustentabilidade e ancoradas na memória do líder
sindical Chico Mendes.
No capítulo seis tratamos do problema da terra no Acre. As lutas dos
seringueiros acreanos pela terra e por manter os recursos necessários a sua reprodução
não resultou na solução do grave problema agrário ao qual os camponeses da Amazônia
estão secularmente submetidos; a solução dada pelas ONGs foi a propriedade estatal da
terra e a posse dos seringueiros, aos moldes das reservas indígenas, as Reservas
Extrativistas (RESEX). Para isto a constituição da Resex Chico Mendes no estado do
Acre foi alardeada como a solução e modelo do problema da terra na Amazônia.
O problema das relações no campo nas áreas de preservação ambiental que
pesquisamos apresenta as características de semifeudalidade que ainda dominam no
campo brasileiro. Em ambas as áreas pesquisadas, o PNSD e a Resex Chico Mendes,
encontramos estas relações:
- presença de trabalho servil e semi-servil;
- relações de parceria (meeiro);
- atividades realizadas com pagamento em diárias e em produtos;
- tutela do Estado sobre as atividades dos camponeses, como as regras ambientais
impostas;
- violência exercida pela polícia ambiental e outros aparatos repressivos sobre os
camponeses.
278
A estrutura agrária da Amazônia é reflexo da mesma estrutura latifundiária que
domina o Brasil há cinco séculos. A constituição de unidades de conservação cria na
realidade áreas de reserva para o imperialismo. Isto é possível no Brasil e em outros
países semicoloniais porque são dominados pelos países imperialistas. Neste sentido,
nosso país encontra-se ainda dominado por uma estrutura latifundiária que, por não ter
sido derrubada, mantém sob condições de escravidão e de servidão milhares de
trabalhadores e camponeses. Estas características aparecem nas relações de produção
que permanecem no campo como a parceria e formas de coerção econômica que apenas
deixam de existir com o completo desenvolvimento das relações capitalistas de
produção.
Ao tomarem como socioambiental os problemas até hoje não solucionados,
como o grave problema da terra e o acesso à educação e saúde, as ONGs no Acre, em
íntima relação com o aparelho do estado, converteram a pauta da luta dos camponeses
pela terra em luta pela preservação da Amazônia. Neste campo nossa pesquisa conclui
que as ONGs conseguiram efetuar a política estratégica do imperialismo, que colocamos
como nossa questão do trabalho, qual seja, conseguir grandes extensões de terras como
áreas de reserva para o imperialismo e transformar os “grandes sujeitos” da luta de
classes em “micro sujeitos” do consenso.
A política ambientalista engendrada por organismos do imperialismo para a
Amazônia resultou em grandes extensões de áreas de preservação ambiental. Os dados
de 2007 mostravam que 38,18% da Amazônia Legal encontravam-se na categoria de
áreas protegidas, sendo o Amapá o estado com maior área de preservação, 72%. No
Acre este percentual era de 45,80%. A gravidade desta política está na manutenção da
histórica concentração de terras no Brasil e do processo de restrições impostas pelos
organismos ambientalistas às atividades de reprodução das populações que residem nas
áreas de preservação ambiental, promovendo criminalização das atividades dos
camponeses e a expulsão de suas terras.
Para a Amazônia brasileira estas políticas levaram a uma nova reconfiguração
do espaço agrário da região. No estado do Acre, as Unidades de Conservação de
Proteção Integral representam 9,68% do estado, as de uso sustentável (algo que vem
sendo questionado pelo aumento de áreas degradadas) 21,39% e as terras indígenas
14,73%, representando as unidades de conservação 45,80% da área total do estado. O
restante é área de grandes latifúndios e uma área insignificante de pequenas
279
propriedades, sendo o Acre o estado que possui um dos maiores índices de concentração
fundiária do país.
Longe de resolver os problemas de acesso à terra o ambientalismo ongueiro
criou no estado uma situação que agravou ainda mais as condições de vida das
populações da floresta (com o aumento também das populações nas cidades vivendo de
forma precária) porque retirou delas possibilidades de desenvolver suas tradicionais
formas de reprodução que têm garantido sua subsistência e a manutenção e preservação
do meio em que estas populações têm secularmente vivido.
Na Amazônia e no Acre prevalecem os problemas no campo que foram tão
duramente enfrentados por gerações de camponeses e que tiveram na organização dos
seringueiros, ribeirinhos e extrativistas do Acre, nos anos de 1970, grande repercussão
de suas lutas difundida no exterior, pelas razões que buscamos esclarecer. Ao fazerem
uma aliança com organizações do ambientalismo perderam também o rumo do teor da
luta de classes que estes enfrentaram contra os poderosos latifundiários locais e que
tantas vidas custaram. A difusão pelo ambientalismo dos valorosos combates que
ocorrem no campo são apenas uma parte da longa marcha que enfrentam os camponeses
em todo o país para manterem ou conquistarem um pedaço de terra; seu reconhecimento
e apoio efetivo ainda não se efetivaram como se torna necessário, no que pese a justa e
heróica luta dos condenados da terra, porém parte fundamental da libertação de nosso
povo e do país.
As políticas do imperialismo norte-americano na região anunciam seus
desdobramentos se tomarmos a Amazônia brasileira como um todo, saque e pirataria
como regra. Onde os camponeses se organizam enfrentam os bandos armados do
latifúndio apoiados pelas forças armadas do Estado com a importante ação também
militarizada dos órgãos de proteção ambiental que atuam como verdadeiros agentes do
imperialismo contra os camponeses que lutam por terra, que trazem em sua memória e
dos seus parentes a constante perseguição do latifúndio e do Estado em todos os locais
que já viveram, restando-lhes resistir na última fronteira. A sustentabilidade tão
decantada significa para a maioria dos que vivem no campo seu extermínio, proteger a
terra contra os camponeses, defender as gerações futuras mantendo a situação de
miséria das gerações presentes. Mesmo diante de tanta violência continuam sendo os
que vivem da e na terra os mais ativos em buscar um caminho de superação da
expropriação e exploração os que vivem inspirando e também dando vida aos que lutam
nas cidades.
280
Buscar apoio às suas lutas, assim fazem os camponeses há tanto tempo e todos
que lutam em condições tão desiguais. Encontrar “globalmente” aliados é muito
importante, porém decisivo é a busca da aliança fundamental com os operários das
cidades, grandes e pequenas, de nosso imenso país; aí estão as soluções para salvar o
planeta, ou seja, responsabilizar-se os oprimidos de libertarem toda a humanidade. Tudo
mais é uma tergiversação sobre os grandes problemas que na realidade objetiva já
apresentam sua solução mesmo que formalmente como nos foi ensinado por Marx e
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281
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Lista dos entrevistados
01 - Camponeses entrevistados nas áreas norte e sul do PNSD e na RESEX Chico Mendes – na
Associação dos Moradores e Produtores da Maloca e Juraci, Seringal Nova Esperança, e na Colocação
Sossego (Seringal Sibéria)
03 – Outros
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