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Isabela Minatel Bassi é turismóloga pela Faculdade Internacional de Curitiba e cursa a especialização em
Educação Ambiental pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX. Contato com a autora:
isaminatel@yahoo.it
institui uma idéia específica de natureza. A natureza é definida por algo que vai em oposição à
cultura. A cultura é tida como uma virtude superior capaz de controlar e dominar a natureza.
Justifica-se assim tornar-se a revolução neolítica, da agricultura, um marco histórico. Foi a
passagem que o homem fez entre coletar aquilo que se produz espontaneamente na natureza,
para a coleta do fruto que voluntariamente se planta e se cultiva.
A questão da dominação da natureza a partir de épocas tão remotas pode ser
exemplificada pelo controle da técnica da irrigação cujo resultado foi a domesticação da
natureza pelas práticas da agricultura e a fixação dos povos em territórios propícios,
originando o berço das antigas civilizações. É a partir daí que surge a concepção de domínio
sobre a natureza tendo em vista que a dominação da natureza significaria controlar algo de
características inconstantes, imprevisíveis e instintivas. Considerando a proposta relação de
dominação, a natureza passa a assumir o papel de objeto a ser dominado pelo sujeito que, por
sua vez, é representado pelo homem.
Nesse ponto é válido considerar o que observou Gonçalves (in SOAREZ DE
OLIVEIRA, 2002), sobre essa visão de natureza-objeto versus homem-sujeito: o termo sujeito
– atribuído orgulhosamente ao homem – apresenta, além do significado de ser ativo, dono de
seu destino, a significação de um ser submetido a determinadas circunstâncias. Essa segunda
conotação do termo é esquecida por influência da visão antropocêntrica de mundo, na qual o
homem é o senhor de todas as coisas, fazendo assim com que se esqueça que o termo sujeito,
pode significar tanto o ser que age como aquele que se submete. É lamentável a constatação
que essa visão de natureza separada do homem é característica do pensamento dominante no
mundo ocidental atual.
Um dos responsáveis por essa segmentação na visão entre homem e natureza, foi o
avanço do cristianismo, já que Deus passou a ser o ser supremo e o homem, à sua imagem e
semelhança, também – excluindo-se, assim, todos os outros elementos naturais relegados à
posição de inferioridade em relação ao homem. Platão defendia que exclusivamente a idéia
continha a perfeição, e não a realidade encontrada no mundo. Tal afirmação remete o
indivíduo à crença de que o que se encontra concretamente no mundo natural – o meio
ambiente como um todo – é imperfeito e aquém das nobres características do mundo ideal.
Por ter o cristianismo assimilado a visão aristotélico-platônica, apregoou, durante a Idade
Média – e o faz até os dias atuais – a separação entre espírito e matéria, difundindo com
grande ênfase a perfeição de Deus em oposição à imperfeição do mundo material. É
decorrente dessa filosofia que se deu a divisão entre corpo e alma, objeto e sujeito, a saber, a
alma, o sujeito é que dá vida ao corpo. Quando o corpo morre passa a ser apenas objeto. A
matéria é objeto sem vida se não possui alma, sendo assim minerais, vegetais e outros
elementos naturais não passam de objetos inanimados e inferiorizados em relação ao homem.
Foi com René Descartes e sua visão cartesiana de mundo que essa oposição homem-
natureza, espírito-matéria, sujeito-objeto se completou e ganhou grande força assumindo
importantes pilares do pensamento moderno e contemporâneo. Foi devido à filosofia
cartesiana que se deu a atribuição ao conhecimento de um caráter pragmático e tal
conhecimento vê a natureza como um recurso. (SOAREZ DE OLIVEIRA, 2002) A dimensão
de mundo sob a visão antropocêntrica e cartesiana coloca o homem no centro do universo,
opondo-se à natureza, ou seja, o sujeito em oposição ao objeto.
O desenvolvimento da ciência e da técnica impulsionado assombrosamente durante
o século XIX foi um estopim para o triunfo do cartesianismo. Mais e mais a natureza passou a
ser concebida como um objeto – um recurso – a ser possuído e dominado.
Na visão da ciência, a natureza foi fracionada em disciplinas – física, química,
biologia – e também o estudo do homem – transformado em economia, antropologia, história.
Cada um dentro de seu espaço limitado, analisado separadamente como entes distintos que
são. Sob esse contexto, qualquer tentativa de pensar o homem e a natureza orgânica
integradamente tornou-se falha, visto que a separação não se deu somente no nível do
pensamento, mas atingiu também a realidade objetiva construída pelo homem.
A ciência moderna também foi acometida pela concepção de influência cartesiana
sobre o entendimento de homem e natureza, tendo sempre o indivíduo por referencial. Nas
ciências ditas naturais como a física, o átomo era o indivisível – sabe-se atualmente que este é
um conceito ultrapassado pois já foram constatadas partículas ainda menores na composição
dos elementos; na biologia, o organismo, tendo por unidade a célula e nas ciências sociais, por
sua vez, o indivíduo – o homem – é indivisível, o elemento reinante.
À medida que foram se desenvolvendo os estudos a respeito dos hábitos dos
animais, ficou mais complexa a compreensão sobre a evolução da vida das espécies animais
tendo como referência somente o comportamento de um indivíduo isolado, estudado em
laboratório. Foi a partir daí que se deu o reconhecimento de que a convivência social já se
fazia presente no que era denominado natureza. Gonçalves (in SOAREZ DE OLIVEIRA,
2002) chama atenção para essa questão quando faz referência àqueles que afirmam que "o
homem é um ser social" alegando ser esta uma característica que o diferencia e o eleva em
relação aos demais animais. Segundo ele, os outros animais também vivem socialmente e esta
não é uma característica apenas do homem, portanto não se pode estabelecer separação entre o
homem e a natureza através dessa afirmação.
Segundo SOAREZ DE OLIVEIRA (2002), nos primórdios da humanidade, existia o
que se pode denominar de unicidade orgânica entre o homem e a natureza, sistema no qual o
ritmo de trabalho e de vida dos homens acompanhava e se prostrava ao ritmo da natureza.
Passando ao contexto do modo de produção capitalista, este sistema tem o vínculo rompido, já
que a natureza, tida antes como um meio de subsistência do homem, agora passa a integrar o
conjunto dos meios de produção do qual o capital se beneficia.
Foi Karl Marx (in SOAREZ DE OLIVEIRA, 2002) quem defendeu a prerrogativa
de que através do trabalho o homem passa pelo processo de apropriação e de transformação
dos recursos naturais e, concomitantemente a isso ocorre o processo de socialização da
natureza. Torna-se o trabalho, então, o mediador universal na relação do homem com a
natureza. É partindo desse pressuposto que se pode constatar que a separação do homem de
suas condições naturais de existência não é "natural", mas sim histórica, considerando que a
prática humana encontra-se totalmente vinculada a sua história.
Atualmente vivemos sob o regime do capitalismo que intrinsecamente se caracteriza
pela reprodução ampliada do capital e que tem suas bases na produção de mercadorias como
veículo produtor da mais-valia para viabilizar sua expansão. A relação homem-meio
apresenta-se como contradição capital-trabalho, afinal, pensando sob o ângulo abstrato, os
homens se relacionam com a natureza para transformá-la em produtos e pensando pelo ponto
de vista real, o trabalho nada mais é do que um processo de produção/reprodução de
mercadorias.
Debaixo das leis e normas do capitalismo, o contato com os recursos pertencentes à
natureza passa, necessariamente, pelas relações mercantis, uma vez que sua apropriação pelo
capital implica a eliminação de sua "gratuidade natural". (SOAREZ DE OLIVEIRA, 2002)
Sendo assim fica nítida a observação de que a incorporação da natureza e do próprio homem
ao circuito produtivo pode ser caracterizada pela base responsável para que o capital alcance a
almejada expansão.
O próprio trabalhador – aquele que propriamente coloca sua força para que o
trabalho seja realizado – neste processo de acumulação do capital, encontra-se obrigado a
fazer de sua força de trabalho mais uma mercadoria, sempre a serviço do próprio capital, em
troca de um salário. Assim, o trabalho "que deveria ser a forma humana de realização do
indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído". (ANTUNES in
SOAREZ DE OLIVEIRA, 2002, p. 12)
O capital é responsável pela separação dos homens e da natureza, através de seu
processo de produção/reprodução e, dessa forma, impõe que o ritmo das atividades humanas
não seja mais o ritmo da natureza, mas o ritmo do capital.
A partir do panorama exposto, é fácil constatar que a perda da identidade orgânica
do homem com a natureza encontra sua causa a partir do capital que, gerando a perda da
identificação entre homem e natureza escancara as portas, consequentemente, para a cultura
atual de degradação ambiental desmedida se a essa degradação estiver vinculada a produção e
o acúmulo de capital. O estimulado processo social de produção que domina a sociedade
capitalista, que tem suas bases referenciais na produção de valores de uso, condiciona a força
de trabalho e os meios de produção aos seus objetivos e desígnios, dando incentivo e impulso
à utilização irracional dos recursos naturais, ao desperdício de matérias-primas, de energia e
de trabalho, ocasionando, desta maneira, a degradação da natureza e a conseqüente "crise
ecológica" que tanto perturba os ambientalistas atualmente. (SOAREZ DE OLIVEIRA, 2002)
No modelo de atividade produtiva própria do capitalismo a cultura que prevalece é a
de fragmentação e atomização do trabalhador, reificando ou coisificando o homem bem como
suas relações. Sendo assim, a interação do homem com a natureza não é realizada
adequadamente e fica prejudicada.
Uma outra conseqüência nítida do desenvolvimento das sociedades capitalistas é o
considerável e rápido avanço da tecnologia que não é indiferente aos propósitos de sua
criação, ou seja, outra potência que está a serviço do capital – voltada para a produção de
mais-valia. Dessa maneira, à medida que aumenta a capacidade de extração de sobretrabalho,
aumenta também a quantidade de matéria-prima transformada e, obviamente, de recursos
naturais explorados, mas tudo isso é justificado pois somado a todo este desgaste, vem o que
realmente interessa aos grandes capitalistas: o aumento do lucro.
É este contexto de capitalismo e desenvolvimento acelerado de tecnologia para
aumento desenfreado de produção e consumo visando lucro que trouxe a sociedade
contemporânea ao panorama catastrófico no qual se encontra. Uma mobilização de
ambientalistas e profissionais preocupados com o futuro da humanidade, levando em conta a
característica finita dos recursos naturais não-renováveis, busca novas formas de
desenvolvimento baseadas na sustentabilidade das ações antrópicas em relação à natureza.
O ambiente natureza, para ser admirado, respeitado e preservado é o ambiente
original e puro do qual os seres humanos estão dissociados e com o qual devem reaprender a
se relacionar para resgatar e enriquecer a qualidade de viver e fugir da atual crise ecológica
que traz graves problemas para o futuro da vida na Terra.
Tal crise ecológica requer um repensar sobre a forma como está estruturada e como
funciona a sociedade moderna: o tratamento dispensado à gestão dos recursos da natureza, o
modo de produção e de consumo, os meios de produção, o modo de vida, as técnicas
aplicadas, a tecnologia utilizada e a ciência a seu serviço, tudo deve ser reformulado no
sentido de reaproximar o homem da natureza (BIHR, 1999).
Sendo assim, essa consciência do estágio avançado de crise ecológica e ambiental
evidenciada através dos dois elementos característicos da sociedade atual, a saber, a
tecnologia e o crescimento, coloca em xeque o estilo de desenvolvimento internacionalizado
apregoado até então – um modelo que se revela ambientalmente predatório e socialmente
injusto – manifestado, essencialmente nos processos de modernização da agricultura, de
urbanização e de exploração desmedida dos recursos naturais.
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Os conceitos deste capítulo do artigo que não possuem referência direta foram adaptados daqueles apresentados
pelo site Ambiente Brasil disponível em
http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./educacao/index.php3&conteudo=./educacao/educacao
.html - acessado em 12/07/2007.
Um processo contínuo no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio
ambiente e adquirem o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e a determinação
que os tornam aptos a agir, individual ou coletivamente, e a resolver os problemas ambientais
presentes e futuros.
O ideal seria que a compreensão dos processos educativos considerasse uma dessas visões
complementares do ambiente, de uma forma cumulativa, através de uma cuidadosa orquestra de
intervenção, ou preferencialmente, utilizando um enfoque pedagógico integrado. Infelizmente, as
propostas da educação ambiental são restritas em uma dessas concepções, limitando o principal
objetivo da educação: o ambiente não é percebido de uma forma global e consequentemente, a rede
de interrelação pessoa-sociedade-natureza (que é o centro da educação ambiental) é percebida
somente parcialmente. Por exemplo, certas teorias e práticas relativas à educação para o
desenvolvimento sustentável adotam uma visão limitada do ambiente, essencialmente como um
recurso, assim como a visão de que o ambiente é um grande armazém genético que precisa ser
gerenciado ou que precisa ser assegurado para os benefícios a longo prazo. Nesse contexto, as
intervenções focalizando a atenção para a campanha dos 3 Rs, prescrevendo o comportamento cívico
individual para a reciclagem, podem ser pertinentes num determinado contexto, mas são limitadas se
forem consideradas na perspectiva de um processo holístico. Por outro lado, o fórum democrático
sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos numa comunidade cria uma interrelação entre o conceito
do "ambiente como recurso" e o "ambiente como projeto comunitário", enriquecendo o propósito da
educação em sua prática de intervenção. (SAUVÉ, 2007, p. 5)
Diante do grave cenário no qual está envolvido hoje o planeta Terra em
consideração às questões ambientais, os objetivos de desenvolvimento sustentável têm de ser
dissipados em caráter de urgência e a educação para o desenvolvimento sustentável – com
suas diversificadas concepções a serem analisadas e entrelaçadas – será, portanto, o principal
papel da universidade no século XXI.
REFERÊNCIAS:
SITES: