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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

YASMIN FREITAS SOUSA SANTOS

CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO

Salvador

2023.1
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

COMPONENTE CURRICULAR: HACA43 – LINGUAGEM E CULTURA NA ATUALIDADE


DISCENTE: YASMIN FREITAS SOUSA SANTOS
DOCENTE: ALDO LITAIFF

RESUMO

Nessa obra de Roque de Barros Laraia – antropólogo brasileiro nascido em São Paulo,
em 1924, e falecido em 2018 –, traz-se a luz o desenvolvimento do conceito de cultura. Tendo
em vista essa máxima, bem como a extensa carreira acadêmica do autor – formado em
Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e constituido mestre na área da
Antropologia Social por meio da Universidade de Manchester –, encontramos nesse projeto
literário um vasto acervo bibliográfico. No qual Barros, dissertando para o seu leitor, respinga
em suas linhas: reflexões dos seus estudos sobre as sociedades indígenas e a cultura brasileira
em geral, além de – como um dos fundadores da Associação Brasileira de Antropologia
(ABA) –, contribuições da área. Assim, a partir das manifestações iluministas até os autores
modernos, ele procura demonstrar em seu texto, como a cultura influencia o comportamento
social e diversifica enormemente a humanidade.
Em seus escritos iniciais, Barros atesta que as diferenças de comportamento existentes
entre os seres humanos não podem ser explicadas através das diversidades somatológicas e
nem das mesológicas. Assim, já na primeira parte do capítulo, há uma crítica que assegura
como que tanto o determinismo geográfico e ambiental, como o determinismo biológico, são
incapazes de resolver o dilema proposto do livro. Para tal, o autor usa-se dos dados colhidos
por antropólogos, especialistas e biólogos do pós-nazismo, em 1950, os quais comprovaram,
cientificamente, como o comportamento social dos indivíduos depende de um aprendizado –
endoculturação –, e que a explicação para homens e mulheres agirem diferentemente resulta
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da educação divergente: deles aprenderem a se comportarem de acordo com as expectativas e


normas da cultura em que vivem, não havendo qualquer ligação hormonal nesse âmbito.
Em consonância com essa máxima, Laraia aborda os fatores que possuem
preponderante papel nesse processo evolutivo do homem: a sua faculdade de aprender e a sua
plasticidade; bem como a sua dupla aptidão (o apanágio de todos os seres humanos,
característica específica do Homo sapiens). Assim, ele refuta, com críticas veladas, o racismo
fundamentalmente infiltrado na ideia do determinismo biológico, genético e histórico; assim
como refuta a xenofobia acorbertada pelo determinismo geográfico e ambiental, atestando
que:

“[...] não é possível admitir a idéia do determinismo geográfico, ou seja, a admissão


da "ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente receptiva".
a posição da moderna antropologia a respeito do determinimso geográfico é que a
"cultura age seletivamente", e não casualmente, sobre seu meio ambiente,
"explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual
as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura.” (LARAIA,
2001, p.21)

Com isso concluimos, junto ao autor, que a grande qualidade da espécie humana é (e,
historicamente, sempre foi) a de romper com suas próprias limitações, dominando o topo da
cadeia alimentar e diferindo dos demais animais justamente por ser a única espécie possuidora
de cultura.
Nesse ponto do livro inicia-se a montagem da linha temporal sobre como se
estabeleceu e definiu, historicamente, essa organização simbólica denominada Cultura. A
primeira definição do seu conceito, formulada sob o ponto de vista antropológico, pertence a
Edward Tylor, que explicou cultura como sendo “todo o comportamento aprendido”, ou seja,
tudo aquilo que independe de uma transmissão genética – como poderia ser dito na atualidade.
Entretanto, por detrás de cada um dos estudos de Tylor, predominava a idéia de que a
cultura desenvolvia-se de maneira uniforme, de tal forma que era de se esperar que cada
sociedade percorresse as etapas que já tinham sido percorridas pelas "sociedades mais
avançadas". O que evidenciou, assim, um pensamento discriminatório, que classificava as
diferentes sociedades humanas hierarquicamente, com nítida vantagem para as culturas
européias (atestando como o etnocentrismo e a ciência sobrepunham-se).
Nessa mesma égipe, Stocking surgiu e criticou Tylor por “deixar de lado toda a
questão do relativismo cultural” – implicitamente associado à de evolução multilinear – e
tornar impossível o moderno conceito da cultura. Afinal, como Tylor acreditava na "unidade
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psíquica da humanidade" e, mesmo que isso lhe tenha sido útil para não cair nas armadilhas
do difusionismo, ele falhou em "não reconhecer os múltiplos caminhos da cultura".
A principal reação ao evolucionismo iniciou-se, então, com Franz Boas, que atribuiu a
antropologia a execução de duas tarefas: a reconstrução da história de povos ou regiões
particulares; e a comparação da vida social de diferentes povos. Desse modo, Boas propôs, em
lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos
estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições
psicológicas e dos meios ambientes.
Seguindo nessa linha, Barros traz o antropólogo americano, Alfred Kroeber, para
mostrar como a cultura atua sobre o homem, e como, graças à ela, a humanidade distanciou-se
do mundo animal e o Homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas
limitações orgânicas. Nesse sentido, a preocupação de Kroeber foi de evitar a confusão entre
o orgânico e o cultural. Visto que, para se manter vivo, independente do sistema cultural ao
qual pertença, o Homem tem que satisfazer um número determinado de funções vitais, como a
alimentação, o sono, a respiração e a atividade sexual, por exemplo. Entretanto, embora estas
funções sejam comuns a toda humanidade, ele ressalva que a maneira de satisfazê-las varia de
uma cultura para outra, sendo essa grande variedade na operação, em um número pequeno de
funções, o que faz do Homem um ser predominantemente cultural, no qual os seus
comportamentos não são biologicamente determinados (crítica ao determinismo biológico).
O autor explica, ao utilizar-se destes exemplos de Kroeber, que o homem criou o seu
próprio processo evolutivo, no decorrer de sua história, sem se submeter a modificações
biológicas radicais. Concluindo, assim, que ele é o resultado do meio cultural em que foi
socializado; um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a
experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam. Destarte, ressalva-se que
Tylor e Kroeber tiveram trabalhos complementares na luta do afastamento entre Cultura X
Natureza.
Dito isso, a contribuição de Kroeber para a ampliação desse conceito se relaciona com
a assertiva de que, mais do que uma herança genética, a cultura determina o comportamento
do ser humano e justifica suas realizações – afinal, todo Homem age conforme os seus
padrões culturais – ; compreendendo-a, assim, como também “o meio de adaptação aos
diferentes ambientes ecológicos”, fato que explica toda a sua capacidade de romper com as
barreiras erguidas pelas diferenças ambientais e transformar toda a terra em hábitat.
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Com efeito, ao decorrer de toda a primeira parte do livro vimos essas e algumas outras
definições sobre a cultura; além de explicações – tanto de cunho social quanto físico – a
respeito de como o seu aparecimento se sucedeu. Algumas que, inclusive, tenderam a admitir,
implícita ou explicitamente, que a cultura surgiu de maneira repentina, algo como o chamado
“ponto crítico” – expressão dada por Kroeber para nomear esse suposto acontecimento súbito.
Entretanto, avançado os estudos, tal ponto se comprovou como uma impossibilidade científica
porquê: a natureza não agia – e não age – por meio de saltos: o primata não foi promovido ao
posto de homem da noite para o dia (o conhecimento científico atual está convencido de que o
salto da natureza para a cultura foi contínuo e incrivelmente lento).
Entrando nesse assunto, Clifford Geertz, antropólogo que demonstrou como o corpo
humano formou-se gradualmente, igualmente constatou que a cultura desenvolveu-se de
modo simultâneo ao equipamento biológico sendo, por isso mesmo, compreendida como uma
das características da espécie.
A suma de todas essas constatações emergem e transbordam na assertiva elaborada no
capítulo, “Teorias modernas sobre cultura”, o último da primeira parte do livro. No qual o
autor trabalha a questão “o que é Cultura?” e traz uma síntese dos principais esforços
empregados na reconstrução da resposta para essa pergunta, usufluindo-se do esquema
elaborado pelo antropólogo Roger Keesing em seu artigo "Theories of Culture".
Com efeito, trazendo Keesing para o centro, Laraia aborda, inicialmente, às teorias que
consideram a cultura como um sistema adaptativo, difundidas por neo-evolucionistas como
Leslie White, que partilham do pensamento de que: Culturas são sistemas (padrões de
comportamento socialmente transmitidos) dos quais servem para adaptar as comunidades
humanas aos seus embasamentos biológicos; que uma mudança cultural é um processo de
adaptação equivalente à seleção natural; e que a tecnologia, a economia de subsistência e os
elementos da organização social – estando diretamente ligada à produção –, constituem o
domínio mais adaptativo da cultura; assim como que os componentes ideológicos dos
sistemas culturais podem ter conseqüências adaptativas no controle da população, da
subsistência, da manutenção e do ecossistema.
Em segundo lugar, Keesing refere-se às teorias idealistas de cultura, que subdividem-
se em três diferentes abordagens: a primeira delas é a dos que consideram cultura como
sistema cognitivo, produto dos chamados "novos etnógrafos" e que tem se apropriado dos
métodos lingüísticos. A segunda, considera cultura como sistemas estruturais – perspectiva
desenvolvida por Clau de Lévi-Strauss, que define cultura como um sistema simbólico; uma
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criação acumulativa da mente humana (abordagem que teve grande aceitação no meio
acadêmico brasileiro por formular uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade). Por
fim, a última das três abordagens considera cultura como sistemas simbólicos – posição
desenvolvida nos Estados Unidos pelos antropólogos Geertz e Schneider.
Para Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para receber um programa, e
este programa é o que chamamos de cultura. Assim, essa formulação permitiu a afirmação de
que:

“[...] "um dos mais significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação
de que todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas terminamos
no fim tendo vivido uma só!" Esta amplitude de possibilidades, entretanto, será
limitada pelo contexto real e específico onde de fato ela crescer.” (LARAIA, 2006,
p.59).

Geertz também considera a abordagem dos novos etnógrafos como um formalismo


reducionista e não genuíno, sendo que, para ele, os símbolos e significados são partilhados
entre os atores (os membros do sistema cultural), mas não dentro deles. Dessa maneira,
estudar a cultura é estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura.
Considerando, desse modo, que a antropologia busca interpretações. Com isto, ele abandona o
otimismo de Goodenough – que pretendia captar o código cultural em uma gramática –, e a
pretensão de Lévi-Strauss em descodificá-lo.
Por fim, Barros constata que a discussão acerca dessa temática nunca terminará, pois
uma compreensão exata do conceito de cultura significa a compreensão da própria natureza
humana, tema perene da incansável reflexão social. Assim, no final desta primeira parte,
concluimos que a cultura é um apanhado vasto de História, biólogia, geografia e sociologia;
nunca se fechando em um determinismo, ela é empoderada, política e politizante; só podendo
ser modificada no presente de quem a vivencia.
Destarte, Laraia nos afirma a frase de Murdock: “Os antropólogos sabem de fato o que
é cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento”. Partindo desse
pressuposto, é essencial pensar sobre como esse conceito de cultura é aplicado na sociedade,
no rotineiro das pessoas – temática mais latente da segunda parte do livro, nos capítulos: “ A
cultura condiciona a visão de mundo do homem”; “A cultura interfere no plano biológico”;
“Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura”; “A cultura tem uma lógica
própria” e “A cultura é dinâmica”.
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O fato de cada pessoa vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a
propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e natural. Tal tendência,
denominada etnocentrismo, é responsável pela ocorrência de múltiplos conflitos sociais.
Nesse sentido, torna-se fundamental refletir sobre como a coerência de um hábito cultural só
pode ser analisada a partir do sistema do qual esse hábito pertence, não passando de um ato
etnocêntrico a transferência de uma lógica social sistemática para outra. Afinal, como
enfatizou Lévi-Strauss: "o sábio nunca dialoga com a natureza pura, senão com um
determinado estado de relação entre a natureza e a cultura, definida por um período da história
em que vive, a civilização que é a sua e os meios materiais de que dispõe."
Nesse sentido, um bom exemplo de aplicabilidade da cultura é a sensação de fome,
pois ela depende não apenas do biológico, mas também dos horários de alimentação que são
estabelecidos diferentemente em cada sociedade. De igual modo, outros exemplos de
aplicabilidade da cultura são: quando a mesma torna-se capaz de curar doenças a partir da fé
do doente, seja na eficácia do remédio ou no poder dos agentes culturais; ou quando, perante
as classificações etárias dos filmes, ela delimita o que é permitido cada indivíduo assistir.
Dessa maneira, concluímos, junto ao escritor Barros, que a cultura possui diversas
aplicabilidades, dentre as quais podemos destacar: ser um meio de adaptação humana ao
ambiente natural e social; um sistema de significados e símbolos compartilhados por uma
determinada sociedade; um meio geracional de transmissão de conhecimentos; além de um
meio de diferenciação e identificação de grupos sociais distintos; tanto quanto um instrumento
de transformação social capaz de questionar e transformar as normas e valores vigentes.
Assim sendo e, como exposto no Manifesto sobre aculturação, compreende-se que a
cultura é um fator dinâmico e, por consequência, seja através de estimulos internos ou
externos, todo o sistema social está submetido a um processo contínuo de modificação.
Entretanto, como a participação do indivíduo dentro de qualquer cultura é sempre algo
limitado, nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os seus elementos (nem mesmo
Einstein que, sendo um gênio na física, foi um medíocre violinista). Por conseguinte, tanto
nas sociedades complexas, quanto nas simples – onde a especialização restringe-se as
diferenças de sexo e de idade – importa apenas que exista um mínimo de participação do
indivíduo na pauta do conhecimento a respeito das suas questões culturais: algo que permita a
sua articulação com os demais membros.
Tendo em vista todas essas máximas, Laraia conclui o seu livro de modo a deixar
sinalizada tais questões norteadoras. Ele incentiva a busca pela compreensão social e coletiva,
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em face do pluralismo cultural existente nas sociedades modernas e, por meio das teses
conflitantes e convergentes dos autores mencionados no bojo da sua literatura, explica
questões fundamentais sobre a Cultura. Assim como, também, lhe define, aplica, conceitua,
contextualiza e aprimora; criticando o determinismo biológico, genético, ambiental e histórico
que lhe perpassa para, por fim, costurar, de modo coeso, todo o acervo bibliográfico do livro,
bem como as suas contribuições pessoais sobre a temática da cultura.
REFERÊNCIAS

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. Ed Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.

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