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Teorias da Cultura

PPG IELA – UNILA

RESENHA DO LIVRO CULTURA: UM CONCEITO


ANTROPOLÓGICO, DE ROQUE DE BARROS LARAIA

Luciana de Paula Freitas

Professor Emérito da UnB, Laraia é formado em História pela UFMG e uma especialização no
Museu Nacional do Rio de Janeiro seguiu como antropólogo, trabalhando ao longo de sua
trajetória com diversas comunidades indígenas, como os Akuáwa-Asurini e os Kamayurá.
Também publicou vários artigos e livros, dentre os quais está o Cultura: um conceito
antropológico, publicado pela primeira vez em 1986.

Nesta obra, Laraira nos apresenta, de maneira lúdica, uma revisão bibliográfica desde a
antropologia a fim de traçar um panorama e compreensão do que é a cultura. Divide o livro em
duas partes: na primeira, traz um apanhado histórico de pensadores e desenvolvimento do
conceito de cultura; e no segundo, demonstra a diversidade humana e o comportamento social
a partir do entendimento de cultura. Aqui nos atentaremos apenas à primeira, composta pelos
seguintes capítulos: i) O determinismo biológico; ii) O determinismo geográfico; iii)
antecedentes históricos do conceito de cultura; iv) O desenvolvimento do conceito de cultura;
v) Ideia sobre a origem da cultura; e vi) Teorias modernas sobre cultura.

Antes de adentrar aos tópicos em si, nos introduz aos pensadores de séculos antes de cristo,
como Confúcio e Heródoto, que já começavam a abordar a questão da natureza do ser humano
e a diversidade comportamental com as quais vivem de acordo com cada comunidade ou
região. Vai ampliando as referências autorais à medida que expõe questões sobre a diversidade
cultural, como as sociedades matriarcais, o casamento, os tipos de construções de casas ou
como se dão as relações parentais. Trata de contextualizar o momento histórico de escrita dos
autores citados, e não deixa sua colocação acerca de como, em muitos casos, os autores partem
de visões etnocêntricas, como o próprio Heródoto ou Montaigne, quando aponta o não uso de
calças pelos Tupinambá mesmo após amparar a prática da antropofagia.

No primeiro capítulo é abordada a questão do determinismo biológico. Laraia logo expõe que
“Os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são
determinantes das diferenças culturais” (p. 11) e indica algumas situações que exemplificam
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sua hipótese, tais como o não-aprendizado de certos costumes por uma pessoa que foi retirada
ainda criança de sua comunidade de origem, e reprodução de comportamento do local em que
foi criado. Neste momento, Laraia deixa de lado a influência do racismo no percurso deste
indivíduo, como no caso da criança xinguana criada numa família de alta classe média de
Ipanema. Ela, provavelmente com cor e traços indígenas, terá as mesmas oportunidades de
desenvolvimento que os seus novos irmãos?

A partir daí discorre sobre as questões anatômicas, pensando o comportamento dos gêneros,
como a divisão sexual do trabalho. E como em distintas sociedades os papéis ditos femininos
e masculinos se exercem de maneiras e por sujeitos distintos, reforçando a ideia de que “o
comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de
endoculturação” (pp. 15-16), indo além da mera questão biológica.

Da mesma maneira, traz teorias acerca da influência do meio geográfico sobre o


comportamento humano. Primeiro abarcando algumas teorias – populares entre os séculos XIX
e XX - de que a diversidade cultural é condicionada pelo ambiente físico e logo apontando
teóricos que contestaram essas hipóteses, com o principal argumento de que frequentemente
há, num mesmo espaço geográfico, expressões culturais diversas. Um dos seus exemplos é
também do Xingu, onde os Kamayurá, Kapalo, Trumai, Waurá etc. se alimentam basicamente
de peixes e aves, enquanto os Kayabi se dedicam a caça de mamíferos de grande porte.

Ao finalizar, indaga então sobre o que seria a cultura. Assim sendo, aborda neste terceiro
capítulo as origens do termo cultura e suas aplicações. Cita Edward Tylor quando conceitua
Culture: “todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade”. Aponta ainda que sua definição, mais que ampliar o conceito de cultura, serviu
para emaranhar a discussão dentro da antropologia. Não obstante, pensadores que precederam
a Tylor, como John Locke, Marvin Harris, Jacques Turgot e Jacques Rousseau são ressaltados
por Laraia ao esboçarem sobre o tema em suas obras.

No quarto capítulo, é abordado o desenvolvimento do conceito de cultura, ampliando as


discussões de Tylor e expondo as barreiras de âmbito metafísico e teológico para o avanço das
investigações sobre a natureza humana. Novamente Laraia expõe certo etnocentrismo de Tylor
quando demonstra uma escala de civilização na qual a Europa se sobrepõe perante as “tribos
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selvagens” e justifica que à época estavam sob efeito da publicação da Origem das espécies.
Durante a década de 1860, o darwinismo social ganhou força entre os estudiosos e serviu para
explicar as vantagens da sociedade europeia, a partir de uma escala evolutiva onde se pensava
o “desenvolvimento das instituições sociais”. De maneira que “[...] diferentes sociedades
humanas eram classificadas hierarquicamente, com nítida vantagem para as culturas europeias.
Etnocentrismo e ciência marchavam então de mãos juntas” (p. 30). George Stockinc vai criticar
Tylor por não considerar o relativismo cultural, enquanto o antropólogo francês Paul Mercier
considera Tylor um dos propulsores do disfuncionismo cultural, compreendendo sua
“capacidade de avaliar evidências”. Já Laraia reforça seu argumento, quando expõe que “O seu
grande mérito na tentativa de analisar e classificar cultura foi o de ter superado os demais
trabalhadores de gabinete, através de uma crítica arguta e exaustiva dos relatos dos viajantes e
cronistas coloniais” (p. 31).

Na contrapartida dessa visão mais unilinear da humanidade está o método comparativo, que
originou a Escola Cultural Americana, iniciado com o alemão Franz Boas. Nele, coloca que
este método não deve ser “puro e simples”, mas “[...] a comparação dos resultados obtidos
através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições
psicológicas e dos meios ambientes” (p. 32).

Laraia, a partir de Kroeber, discorre sobre o processo evolutivo do ser humano, e o compara
com de outros animais cujo desenvolvimento geralmente vem acompanhado de ganho ou perda
de membros e, por consequência, novas capacidades de ação na natureza. Um dos exemplos é
o da baleia, que deixou suas pernas, pelo, garras e orelha para poder viver em meio aquático.
O ser humano, por outro lado, tem ampliado sua atuação – para não dizermos domínio – no
mundo através de instrumentos inventados e construídos a partir dos elementos que nos
rodeiam. Transformação de matéria prima, plasticidade do corpo e poder de adaptação. A
contribuição de Kroeber nesse sentido de ampliação do conceito de cultura, é dada em oito
pontos que discutem as questões aqui colocadas.

A linguagem é posta também em questão, pensando em outros animais que por mais que viva
longe dos seus e em meio a outras espécies, continuarão a reproduzir seus sons característicos;
já o ser humano produz o código linguístico não necessariamente de onde foi gerado, mas de
onde foi criado, principalmente na fase da infância. Nesse sentido, Laraia diz que “O homem
é o resultado do meio cultural em que foi socializado” e discorre sobre o uso de argumentos
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baseados no determinismo biológico e/ou geográfico para reprodução de discriminação racial,


social (e amplio: de gênero ou sexual).

Continua com uma breve discussão sobre os “gênios”, homens e mulheres inteligentes que
tiveram à sua disposição instrumentos pertinentes naquele momento e lugar. [...] não basta a
natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com frequência, mas é necessário
que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade
de uma maneira revolucionária” (p. 42)

No capítulo cinco, Laraia aborda a origem da cultura, questionando como o primata chegou à
dimensão do ser humano com sua faculdade do saber. A visão estereostópica acompanhada da
utilização ágil das mãos, o bipedismo e o tamanho do cérebro são alguns dos fatores apontados.
Cita Lévi-Strauss e Leslie White que pensam o momento em que obtivemos tais capacidades
culturais, para o primeiro foi quando se criaram as normas (incesto etc); enquanto para o
segundo aparece quando começamos a gerar (e ler) símbolos. Ainda reforça que “[...] para
perceber o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou” (p. 52)

E conclui: “A cultura desenvolveu-se, pois, simultaneamente com o próprio equipamento


biológico e é, por isso mesmo, com- preendida como uma das características da espécie, ao
lado do bipedismo e de um adequado volume cerebral” (p. 54)

Para analisar a cultura desde a perspectiva das teorias modernas, no capítulo 6, Laraia utiliza o
esquema feito por Keesing. Primeiramente embasado nos pensadores neo-evolucionistas,
apresenta quatro pontos sobre a cultura e suas implicações, e logo referindo-se às teorias
idealistas com três abordagens. E por último cita o conceito de Davi Schneider quando define
cultura como um sistema de símbolos e significados.

O trabalho de Laraia, portanto, é muito rico para se definir e pensar o conceito de cultura,
ampliando conhecimentos sobre práticas em distintas sociedades e compreender as correntes
teóricas ligadas a trajetória dessa busca que, como ele põe, é interminável.
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Referências bibliográficas

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 2001.

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