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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ANTROPOLOGIA I

DOCENTE MARTINHO TOTA

ANA LIVIA PAULO SOBRINHO

LAPLANTINE E OS TIPOS DE ANTROPOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE:


Aprendendendo antropologia pelas lentes da antropologia linguística e cultural

FORTALEZA
2023
1. INTRODUÇÃO
O estudo da antropologia e seus diversos campos é bastante diverso, delimitar as
áreas da antropologia é um trabalho difícil. O evolucionismo cultural transformou de
muitas formas os conceitos de antropologia nos últimos cinco séculos e o avanço do ser
humano acompanha diretamente o avanço da disciplina. Entretanto, análises etnocêntricas
e que tentam apagar a troca de experiências entre o objeto de estudo e o antropólogo,
além de desconsiderar literatura em suas análises, atrapalha a evolução desse segmento. O
processo de interdisciplinar nas áreas de estudo da antropologia gera questionamentos e
discussões até entre os próprios antropólogos, o que a deixa para trás em termos de
desenvolvimento e compreensão científica.

2. O PIONEIRISMO NA ANTROPOLOGIA E A EVOLUÇÃO SOCIAL


Antes de pensar no conceito de antropologias variadas e abrangentes, é preciso
entender que o termo em si é algo muito novo e que por muitos anos não foi delimitado de
forma clara. O olhar para si como objeto de curiosidade ou questionar a própria existência
sempre aconteceu em sociedades variadas, mas a antropologia só começou a ser formada
como uma ciência no século XVIII, porém antes disso existe algo como “a pré-história” da
antropologia.
Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o
próprio sistema e atribuir aos demais alto grau de irracionalidade.
(LARAIA,1986, p. 87)

O que inicia a abordagem do método antropológico na perspectiva de Laplantine é a


descoberta das américas(ou novo mundo) e o encontro com o “selvagem”. No momento do
encontro se põe em evidência o conceito de alteridade, cabe ao “descobridor” estabelecer os
critérios essenciais para considerar ou não esse ser novo como humano ou não. O mito do
“bom” civilizado e “mau” selvagem percorre grande parte das obras históricas desse período.
As lendas em relação aos nativos se originam das regras morais impostas por aqueles que
julgavam o que tinha alma e o que não tinha. Um ponto importante para destacar aqui é a
noção de que esses seres por não ter acesso a linguagem “comum” não tinham acesso ao
conhecimento, pondo o que vai ser chamado séculos a frente de “antropologia linguística”
como mais uma afirmação do etnocentrismo europeu, mas isso será melhor discutido em outra
parte do texto.
Durante o XX, quando finalmente a antropologia estabelece seus métodos de pesquisa
a evolução social atinge também os povos primitivos causando algo como uma “crise de
identidade” na metodologia antropológica, a falta de um objeto “estranho” fez com que a
antropologia se aprofundasse nas dimensões do ser humano, e perdesse mesmo que
minimamente seu viés etnocêntrico é também nesse contexto que autores brasileiros começam
a pensar antropologia de uma forma mais orgânica.
O livro “Aprendendo antropologia” cita inclusive Gilberto Freyre como um autor que
tenta compreender a formação da sociedade brasileira em sua conjuntura, mesmo que seja um
autor originalmente da sociologia, seus estudos também são antropológicos. Laplantine cita a
sociedade brasileira de diversas formas na obra, principalmente o nordeste e seus aspectos
sincretistas, além da experiência de outros autores com os povos indígenas. Nos três livros
presentes nessa dissertação a figura do indigena e dos povos negros se liga muito ao cerne de
antropologia brasileira, antropologia essa, que está muito presente também na literatura, como
o autor faz questão de destacar a frase de Roger Bastide, ”o sociólogo que quer compreender
o Brasil deve transformar-se em poeta”.

3. OS CINCO TIPOS DE ANTROPOLOGIA PARA FRANÇOIS LAPLANTINE


A nossa sociedade já vem, há alguns séculos, construindo um conhecimento ou, se
quisermos, uma ciência sobre a diferença entre os seres humanos. Esta ciência
chama-se Antropologia Social. Ela, como de resto quase todas as atitudes que temos
frente ao “outro”, nasceu marcada pelo etnocentrismo. Ela também possui o
compromisso da procura de superá-lo. Diferentemente do saber de “senso comum”,
o movimento da Antropologia é no sentido de ver a diferença como forma pela qual
os seres humanos deram soluções diversas a limites existenciais
comuns.(ROCHA,1988, p. 31)

Durante a modernidade, François Laplantine dividiu a antropologia em cinco


categorias de pesquisa ou estudo, essas são; antropologia biológica;Inclui o estudo das
mudanças nas características biológicas humanas ao longo do espaço e do tempo (fatores
culturais que afetam o crescimento e amadurecimento individual). Antropologia
pré-histórica; É o estudo do ser humano através dos vestígios da matéria (ossos e qualquer
vestígio de atividade humana) enterrados no solo(a arqueologia se deriva dessa forma de
estudo), bem como suas obras culturais e artísticas. Antropologia linguística;Examina a
linguagem, a expressão dos valores, preocupações e pensamentos da sociedade, bem como
os meios de comunicação de massa, os dialetos e a cultura audiovisual. Antropologia
psicológica; Voltada para o estudo da psique humana. Por último a antropologia social e
cultural; que estuda tudo que se encontra na sociedade desde e economia a crenças
religiosas.
Essas três últimas muito ainda pautadas no individualismo cultural de cada estudioso.
A antropologia linguística como citada anteriormente principalmente na produção de
conteúdo antropológico escrito tende a pender para o etnocentrismo. Laplantine deixa claro
que não é custoso denunciar o etnocentrismo dos autores evolucionistas nas suas obras
publicadas, porém também a experiência de ser arrancado de si próprio age como uma auto
revelação, entrar em contato com outras civilizações faz com que se perceba o que está em
perigo na nossa sociedade. Para Laplantine a antropologia é estrutural e sistêmica, então é
como se todas as formas que é estudada, formassem um quebra cabeça de alguma forma.

4. A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE A ANTROPOLOGIA LINGUÍSTICA E A


ANTROPOLOGIA CULTURAL
Para a antropologia cultural, cada cultura é caracterizada por um conjunto de
tendências observadas empiricamente, Laplantine apresenta as combinações de uma
antropologia dinâmica em como a partir do século XX não se fala mais o termo primitivos e
sim “povos colonizados”. Essa antropologia da modernidade(termo de Balandier) instaura
uma ruptura na tendência estruturalista francesa e leva o pesquisador a se interessar pela sua
própria sociedade.
Apenas o estudo da língua permite compreender: o como os homens pensam o que
vivem e o que sentem, isto é, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas
(etnolinguística); o como eles expressam o universo e o social (estudo da literatura,
não apenas escrita, mas também de tradição oral); o como, finalmente, eles
interpretam seus próprios saberes e saber-fazer) (LAPLANTINE,2009, p. 31)

Existem, com certeza, grandes diferenças entre as correntes da antropologia


contemporânea, por exemplo a partir dos anos 50 nos estados unidos e na europa um modelo
chamado de “modelo orquestral de comunicação” onde as interações não são aleatórias e
tudo está interligado. Os antropólogos dessa corrente defendem que é impossível não
comunicar todo o comportamento humano, o pesquisador tem como trabalho desvendar
todas essas linguagens, sejam verbais ou não, por isso a antropologia cultural se liga muito a
antropologia linguística.
Na obra, “cultura, um conceito antropológico” , Laraia apresenta a visão de Ruth
Benedict, que escreveu em seu livro “o crisântemo e a espada” que a cultura é como uma
lente através da qual o homem vê o mundo. Laraia também exemplifica que a nossa herança
cultural nos condiciona a rejeitar e depreciar comportamentos diferentes dos aceitos pela
maioria da comunidade.
Laplantine destaca no capítulo XVIII do seu livro a relação entre a antropologia e a
literatura de forma aprofundada, focando principalmente nos livros de romance. Ele cita três
razões fundamentais para essa discussão ser levada adiante. A primeira é que a etnologia e o
romance visam especificamente um estudo não especulativo do ser que é esquecido pela
direção cada vez mais hiper tecnológica e não reflexiva da ciência. A segunda é o interesse
da literatura pelo detalhe, pelas minúcias das relações sociais, a vida é inclusão e confusão
cabe ao escritor a análise dos fatos e a criação de leis gerais. A última, o nascimento do
romance, como o da etnologia, é a nossa história atual com o momento em que os valores
começam a vacilar onde a ordem do mundo afirmada pelas crenças divinas é questionada.
Logo, ocorre uma descentralização dos pontos de vista, abandonando uma ideia de verdade
absoluta. O romance propõe a lógica multiplicidade de personalidades entre os personagens,
assim como a etnologia supõe multiplicidade nas sociedades. A abordagem é análoga, mas
não idêntica, porém contribui para essa análise.

Estamos chegando a uma época em que, como as fortunas vão se igualando e


portanto diminuindo, tudo empobrecerá: queremos roupa de baixo e livros baratos,
assim como começamos a querer quadros pequenos, por falta de espaço para
pendurar os grandes. Só que as camisas e os livros não durarão, é isso! A solidez dos
produtos vai desaparecendo em todo lugar. Assim, o problema a resolver é da maior
importância para a literatura, as ciências e a política. (BALZAC,1994, p. 132)

As relações convergentes que acabaram de ser citadas entre o romance e a


antropologia exigem uma alinhamento. Delimitar do que o romance se trata e também do que
a antropologia se trata. Da mesma forma, a perspectiva de Balzac, que prioriza a natureza
social especial e até socioeconômica das situações e personagens, corresponde à tendência
sociológica da antropologia. Explorar trabalhos literários nas obras antropológicas é um
caminho possível na perspectiva de Laplantine.
No capítulo XIX, Laplantine escreve sobre as tensões da prática da antropologia, o
autor escreve primeiro sobre se intoxicar do próprio objeto de estudo e sobre a perspectiva do
distanciamento e da separação, na perspectiva dele é próprio da linguagem, principalmente a
científica atuar no sentido da separação. O autor escreve sobre a unidade e a pluralidade,
novamente citando o nordeste e suas formas de sobrevivência, o concreto e o abstrato é o
exame daquilo que é vivo de uma outra maneira, algo como o campo e o método.
O livro termina com Laplantine reafirmando que as tensões causam uma antítese
estimulante e a rejeição dessas acabam com as especificidades da disciplina. Isso demonstra a
impossibilidade ou fraqueza para enfrentar a disciplina, a antropologia é plural e precisa de
suas tensões.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo geral deste trabalho foi abordar de forma dissertativa as práticas
antropológicas em suas definições contemporâneas e a interdisciplinaridade entre elas, usando
o livro “Aprendendo antropologia” de François Laplantine como a base do texto. Relaciona-se
a antropologia cultural e a linguística principalmente usando literatura não acadêmica para
exemplificar essa relação.
A partir dos conteúdos abordados neste trabalho, conclui-se que obras literárias
empregadas de forma correta e relacionadas à antropologia são sim objetos de estudo que
proporcionam o entendimento das transformações culturais de maneira mais ampla. É preciso
olhar criticamente para as tensões da antropologia, mas não condená-las, é de determinado
assim, o caráter plural das análises dessa disciplina.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALZAC, Honoré. Ilusões Perdidas. IN: NOVAES, Adauto (Org). Ética. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.

LAPLANTINE, François. Aprendendo antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Ed., 2005.

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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