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FACULDADE SANTA FÉ

COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO
CURSO: SERVIÇO SOCIAL

ANTROPOLOGIA APLICADA AO SERVIÇO SOCIAL

TEMA 1 – ANTROPOLOGIA: Conceitos e objeto de estudo

TEXTO E CONTEXTO

1 Antropologia e Ciência

O termo Antropologia é composto por dois substantivos de origem grega:


antrophos, que quer dizer “homem”, e logos, cujo significado pode ser “estudo”, mas
também “razão” e “lógica”. Ao pé da letra, a Antropologia pode ser definida, então,
como “Estudo do homem” ou, então, “Razão ou lógica do homem”. Essas duas
possíveis definições do termo remetem a diferentes direcionamentos que a
Antropologia seguiu ao longo do tempo.
No primeiro caso, como “Estudo do Homem”, a Antropologia se localiza
no campo das ciências, e seu objeto de estudo é o ser humano em sua totalidade.
Isto é, o ser humano tanto como parte da natureza quanto como parte da cultura. No
segundo caso, está mais relacionada a temas relacionados à Filosofia, Lógica e
Metafísica, sendo, por vezes, considerada mais uma reflexão coadjuvante a esses
campos do que uma ciência particular.
Esta discussão remete também ao momento de criação das Ciências
Humanas no século XIX, marcado por uma tensão essencial entre o Iluminismo e o
Romantismo, entre a razão(objetividade) e a subjetividade. O nascimento da
Antropologia ocorreu na imbricação entre diferentes correntes filosóficas, ora mais
pautadas no objetivismo, ora mais marcadas pelo subjetivismo.
A mudança, aparentemente trivial para o público leigo, causou, no
entanto, um debate acalorado entre os antropólogos, mostrando uma divisão entre
os que defendiam a Antropologia como ciência e os que defendiam que, mais do
que uma ciência, a Antropologia abarca também questões políticas e humanitárias:
de um lado, defendendo o aspecto científico, estavam os arqueólogos, antropólogos
físicos e biológicos; do outro lado, a maioria dos antropólogos culturais e sociais.
Nossa abordagem das temáticas antropológicas se estabelece,
sobretudo, a partir da perspectiva da Antropologia Social ou Cultural.
No campo acadêmico, a base disciplinar da Antropologia deu origem a
quatro campos de estudos:
1) Arqueologia: estuda as populações e culturas desde a Pré-História até o
passado recente. Para tanto, analisa vestígios materiais como artefatos, ferramentas
de pedra, ossos e ruínas arquitetônicas.
2) Antropologia Física ou Biológica: está interessada em compreender o
entrelaçamento entre processos biológicos e culturais no
desenvolvimento humano. Divide-se, ainda, em ramos específicos como o estudo de
primatas, chamado primatologia.
3) Antropologia Linguística: faz estudos comparativos sobre o modo como a
linguagem reflete e influencia a vida social.
4) Antropologia Social ou Cultural: examina as práticas e normas culturais em
diferentes sociedades.
Em alguns países, como nos Estados Unidos, a formação do antropólogo
ocorre no interior dessas quatro subdisciplinas. No Brasil, ao contrário, quando
falamos da Antropologia praticada nas universidades, a referência é, em geral, à
Antropologia Social ou Cultural, uma vez que as outras áreas de base antropológica
desenvolveram-se como disciplinas independentes.
Relativismo
Para se falar de etnocentrismo, é também necessário lembrar sua
contraparte, o relativismo, que foi uma das formas de a antropologia combatê-lo,
inclusive na prática etnográfica. O relativismo busca enfatizar que a cultura de cada
grupo é distinta e que nenhuma cultura pode ser julgada como superior ou inferior a
partir dos valores de outra cultura.
Na história da Antropologia, essa questão seria retomada por vários
antropólogos, cada um tentando, a seu modo, equacionar o etnocentrismo e o
relativismo. Nesta direção, vale citarmos uma famosa frase do antropólogo Franz
Boas, que foi um dos pioneiros da Antropologia Cultural norte-americana. Boas
afirmava que o olho que vê é o órgão da tradição, ou seja, cada um vê o mundo a
partir da perspectiva da cultura em que nasceu.
Relativismo: postura que busca superar a visão etnocêntrica de mundo, apontando
que os valores, as normas e os costumes não são universais e absolutos, mas
culturalmente variáveis.
Para Benedict(1933), a cultura molda a experiência individual, e, nesta
direção, é importante que o antropólogo analise o papel que os costumes
desempenham na formação do indivíduo.

2 Antropologia: uma Análise do Social

Este movimento de lançar o olhar sobre o outro e voltá-lo para nós


mesmos é, portanto, fundamental não só para conhecermos melhor outras culturas,
como também para desnaturalizarmos costumes, hábitos e tradições de nosso
próprio grupo social que, em geral, tendemos a considerar como dados naturais.
Do ponto de vista antropológico, até mesmo a maneira como nos
emocionamos em decorrência de certos eventos pode ser analisada como um
comportamento que é condicionado social e culturalmente. No clássico ensaio “A
expressão obrigatória dos sentimentos”, de 1921, o antropólogo francês Marcel
Mauss, analisa os rituais de luto de grupos indígenas australianos, que expressavam
seu pesar por meio de gritos, uivos, cânticos e choros. A questão interessante é que
os parentes do morto expressavam esses sentimentos todos os dias, sempre no
mesmo horário.
Assim, naquela hora determinada do dia, paravam tudo o que estavam
fazendo para chorar e gritar em sinal de luto. E, do mesmo jeito que haviam
interrompido suas atividades triviais e conversas banais para explodir em choro,
essas mesmas pessoas voltavam, depois disso, às suas atividades cotidianas, como
se nada houvesse ocorrido.
Mauss não questiona se esse tipo de luto, com hora marcada para se
manifestar, é ou não sincero, o que ele destaca é a condição social e obrigatória da
expressão deste tipo de sentimento. Uma expressão que é tanto sociológica quanto
fisiológica. Para traçarmos uma comparação com nossa própria sociedade, vale
lembrar, por exemplo, o choro em casamentos. É muito comum, em nossa
sociedade, que algumas mulheres, independentemente de sua proximidade com os
noivos, chorem emocionadas em todo e qualquer casamento.
Do ponto de vista antropológico, a questão não é se essas expressões
dos sentimentos são falsas ou verdadeiras, mas que elas nunca são completamente
espontâneas. Melhor dizendo, os sentimentos de alegria, raiva, desgosto e dor são
desencadeados por fatores psicológicos e fisiológicos tanto quanto pela convenção
cultural. Mais do que simplesmente uma manifestação psicológica individual, a
expressão dos sentimentos é fundamentada em símbolos e significados
compartilhados por determinado grupo social.
As análises antropológicas contribuem, deste modo, não só para
demonstrar as diferenças entre as culturas, mas também para alargar a
compreensão sobre certos costumes e hábitos de nossa própria sociedade que
tendemos a considerar naturais.
Para além dos condicionantes da natureza, a Antropologia Social ou
Cultural busca, então, compreender como a humanidade organiza o mundo social,
estabelece convenções simbólicas e tem seu comportamento e suas ações ligadas a
uma coletividade.
Na história da Antropologia, o debate em torno das noções de
etnocentrismo e relativismo é de fundamental importância. Esta discussão
apresenta, no entanto, muitos pontos de controvérsia, principalmente quando
tratamos de temas polêmicos. Por exemplo, quando um antropólogo presencia,
durante uma pesquisa de campo, uma situação que ele considera moralmente
condenável – por exemplo, o infanticídio –, ele pode justificar aquele comportamento
em nome do relativismo cultural? Ou, então, ao contrário, ao condenar a prática do
infanticídio em dada sociedade, estaria o antropólogo sendo etnocêntrico?
Estas questões extremas levam ao limite a problemática da Antropologia
em torno do etnocentrismo e do relativismo. Se, de um lado, não é desejável que um
antropólogo se prenda apenas aos valores de sua própria sociedade, tampouco é
desejável que ele se apoie em um relativismo absoluto, em que todo e qualquer ato,
mesmo os mais moralmente condenáveis, possam ser justificados como parte da
cultura. Deste modo, embora o relativismo seja fundamental para a pesquisa
antropológica, ele não deve ser usado para validar ou legitimar comportamentos e
regras sociais. A tarefa da antropologia não é julgar as diferentes culturas, mas
buscar compreender suas lógicas internas.
Geertz argumenta, ao contrário, que é exatamente a distância entre o que
sentimos, cremos, fazemos e aquilo que os outros sentem, creem e fazem que nos
situa no mundo, que mostra quem nós somos em relação aos outros.
Ele mesmo afirma: não se trata de amarmos uns aos outros, mas de
conhecermos uns aos outros e de vivermos com esse conhecimento.
3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Alteridade 1: remete à relação de contraste estabelecida entre o “eu” e o “outro”,


fundamental na pesquisa antropológica. Essa noção remete à ideia de que, na
interação humana, o contato com o outro nos permite, por meio do contraste e da
diferença, voltar a nós mesmos com uma visão ampliada sobre nós mesmos e sobre
nossa própria sociedade.
Alteridade 2:
Em um texto já clássico, “O ofício do etnólogo ou como ter
Anthropological Blues”, o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta resume bem a
tarefa do antropólogo na seguinte fórmula: “transformar o exótico no familiar” e “o
familiar em exótico” (DAMATTA, 1978, p. 28). Para cumprir essa dupla tarefa, é
necessário, segundo ele, que um mesmo sujeito tenha a vivência em dois universos
distintos de significação – o seu e o do outro – para, assim, situá-los e apreendê-los.
Neste sentido, um elemento central à perspectiva antropológica é a ideia
de alteridade. Isto é, para conhecer o “outro”, é necessário estabelecer um diálogo
e uma relação com as diferenças e os contrastes existentes entre a cultura do
pesquisador e a cultura daqueles que ele pesquisa. O movimento de lançar o olhar
sobre o outro e, então, voltar esse olhar para si mesmo e para o próprio grupo
social, identificando seus contrastes e estabelecendo um diálogo entre as
diferenças, é o que constitui a alteridade. Este é o primeiro passo para a construção
da análise antropológica.
Ciência: ramos particulares e específicos de conhecimento, caracterizados por
métodos específicos. Tradicionalmente, esta noção é marcada também pela ideia de
objetividade.
Etnocentrismo 1: visão de mundo que afirma a própria cultura como superior às
demais.
Franz Boas: antropólogo alemão que viveu entre 1858 e 1942. Suas
reflexões sobre a noção de cultura, sua oposição ao racismo e seu relativismo
metodológico foram fundamentais para a constituição da Antropologia moderna.
Etnocentrismo 2:
Para se alcançar este tipo de análise é fundamental que superemos
nosso próprio etnocentrismo. O etnocentrismo é uma visão de mundo segundo a
qual os indivíduos e os grupos interpretam os eventos, as situações e avaliam as
ações, os comportamentos e os valores de outros indivíduos e grupos a partir de
suas próprias perspectivas culturais, vistas como superiores. Trata-se, portanto, de
uma oposição entre os próprios valores – considerados melhores e mais complexos
– e os valores dos outros, considerados errados, inferiores ou maus. Não
necessariamente o etnocentrismo tem a ver com racismo, uma vez que no
etnocentrismo a oposição entre essas diferentes perspectivas culturais não
necessariamente é feita com base em argumentos étnicos ou raciais.
Na história da Antropologia, a caracterização de uma pesquisa
antropológica como etnocêntrica poderia se tornar uma acusação, no sentido de que
o etnocentrismo passa a ser tomado como algo contrário à própria razão de ser da
disciplina.
Objetivismo: perspectiva que atribui maior importância aos fenômenos objetivos do
que à experiência subjetiva na explicação do mundo.
Subjetivismo: perspectiva que afirma que a realidade do mundo objetivo depende
das interpretações elaboradas a partir da subjetividade humana.

Tema 2 – MÉTODOS DA ANTROPOLOGIA

1 O Nascimento do Método Etnográfico

Imagina-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa


praia tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o
trouxe afastar-se no mar até desaparecer de vista. Tendo encontrado um
lugar para morar no alojamento de algum homem branco – negociante ou
missionário – você nada tem para fazer a não ser iniciar imediatamente seu
trabalho etnográfico. Suponhamos, além disso, que você seja apenas um
principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém que o
possa auxiliar – pois o homem branco está temporariamente ausente ou,
então, não se dispõe a perder tempo com você. Isso descreve exatamente
minha iniciação de campo, no litoral sul da Nova Guiné (MALINOWSKI,
1976, p. 19)

Este texto é parte da introdução à obra Argonautas do Pacífico Ocidental,


do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski. Sua imagem chegando a uma ilha
distante, vendo seu barco se afastar e, a partir de então, estabelecendo contato com
os nativos e mergulhando na convivência cotidiana e intensiva de outra cultura
tornou-se uma das imagens mais emblemáticas que viriam a ser consideradas a
metodologia por excelência da pesquisa antropológica: o método etnográfico.
A publicação da obra Os Argonautas do Pacífico Ocidental, em 1922,
entrou para a história da Antropologia como um marco ao propor o trabalho de
campo como metodologia central e como parte fundamental da narrativa etnográfica.
Foi a partir daí que o trabalho de campo tornou-se um elemento central à
disciplina.
Malinowski propõe o estudo intensivo de uma sociedade no presente e
enquanto totalidade a partir da observação detalhada dos elementos que a
constituem. Segundo ele, para entender a lógica interna de cada cultura, é
necessário um trabalho de campo minucioso, no qual o pesquisador esteja
pessoalmente envolvido. É a convivência cotidiana com os nativos que tornaria
possível a observação dos imponderáveis da vida real: rotinas de trabalho, cuidados
corporais, como as pessoas preparam suas comidas e se alimentam, qual é o tom
das conversas, como desenvolvem as amizades e inimizades, quais as sutilezas dos
contatos cotidianos, as vaidades individuais, as intrigas e brincadeiras.
O que esta metodologia propõe, então, é a importância da observação
não apenas de atividades específicas, mas também de situações corriqueiras que
permitem apreender quais são as peculiaridades mentais e culturais dos nativos. Isto
é, tudo que não pode ser inferido a partir de questionários, mas que pode ser
compreendido por meio da observação minuciosa do cotidiano dos nativos.
Malinowski descreve, inclusive, estratégias e regras que o pesquisador
deveria seguir para o sucesso de sua etnografia, as quais, até hoje, são
consideradas dicas preciosas. Uma dessas táticas seria observar os fatos
importantes ou dramáticos no momento em que eles ocorrem. Por exemplo,
quando o antropólogo questiona sobre como os criminosos devem ser tratados
naquela sociedade, ele obtém um tipo de resposta. Provavelmente, a resposta sobre
a mesma questão pode ser muito distinta quando o antropólogo tem a oportunidade
de conversar com os nativos sobre uma situação concreta. Nestas ocasiões, as
pessoas tendem a discorrer mais livremente sobre determinada situação social, sem
maiores censuras e com maior riqueza de detalhes.
Este tipo de observação apenas é possível por meio do contato
propiciado pelo trabalho de campo, realizado durante longos períodos de tempo,
sendo, ainda, requisitos fundamentais a proximidade e a confiança entre o

pesquisador e aqueles que ele pesquisa (Figura 2.2).

2 Etnografia como Análise do Social

A proximidade e o diálogo com os nativos não tem a ver, contudo, com


comunhão de espíritos, conforme destaca o antropólogo Clifford Geertz. Ainda que o
antropólogo possa ter empatia, e até simpatia, pelos pesquisados, a etnografia visa
primordialmente uma análise do social.
Mas você deve estar se perguntando: O que é, afinal, o social? “Pense,
por exemplo, nos padrões de moradia, nas formas de organização política e
econômica, nas regras matrimoniais, nos padrões estéticos, nos usos corporais ou
mesmo naquilo que consideramos adequado, em termos de comportamento ou
vestimenta, para pessoas de diferentes faixas etárias. Todas essas questões estão
inseridas no que podemos denominar social. Até mesmo as emoções têm um
aspecto social. Os sentimentos de raiva, amor, alegria, comoção, que tendemos a
acreditar que são estritamente psíquicos ou individuais, estão, muitas vezes, ligados
a uma convenção social”.
Como método de pesquisa, fazer uma etnografia tem a ver, então, com
estabelecer uma convivência prolongada com os nativos, conversar com as pessoas
estando no ambiente social delas e observando suas interações cotidianas. Isto é,
realizar o que os antropólogos denominam observação participante. É essa
observação in loco que possibilita ao antropólogo compreender outros modos de
vida, diferentes dos seus, para assim poder analisar como aqueles que ele pesquisa
organizam e refletem sobre seus próprios mundos sociais. É fundamental destacar,
no entanto, que a experiência particular de cada indivíduo pesquisado apenas
assume um sentido em correlação ao sistema social. O que a observação
etnográfica permite, portanto, é observar o indivíduo inserido em seu entorno social.

3 Outros Métodos e Técnicas

Durante a realização de uma pesquisa etnográfica, a observação


participante é fundamental, mas outras técnicas também são valiosas para compor
os dados de campo. As fotografias, por exemplo, podem ser usadas tanto como um
registro ilustrativo quanto como material analítico.
Do mesmo modo, os filmes etnográficos podem ser usados, de modo
mais simples, como material ilustrativo da pesquisa, mas podem também ser eles
próprios parte da análise antropológica.
A realização de entrevistas é também uma técnica de pesquisa muito
usada pela Antropologia. Por meio dela, é possível estruturar questões mais diretas
que estejam relacionadas aos interesses da pesquisa. O emprego das tecnologias é
válido e importante, mas, como qualquer outra técnica, seu uso deve ser explicitado
e problematizado na escrita final do trabalho.
Na história da antropologia, outra técnica muito frequente para
levantamento de dados foi o método genealógico. Desde os trabalhos mais
clássicos, esse método tem sido usado, pois permite construir quadros de
parentesco ou o que popularmente chamamos de árvore genealógica.
Nas pesquisas realizadas em sociedades indígenas, esse método é
fundamental, uma vez que, nessas sociedades, o parentesco tem um papel muito
importante na organização social e política.
Embora seu uso seja mais frequente em etnografias feitas em sociedades
indígenas, esse método também é usado em pesquisas de Antropologia Urbana,
que o reelaboram em termos de história de família. Uma variação desta técnica é a
da história de vida. Neste caso, o antropólogo escolhe uma ou mais pessoas, cujas
trajetórias biográficas possam contribuir para o tema que ele pretende analisar.
Na Antropologia, a escolha metodológica está fundamentalmente
relacionada ao tema de pesquisa e às questões específicas levantadas pelo
pesquisador. Dependendo do assunto e de seu objetivo, o antropólogo pode, por
exemplo, recorrer a dados demográficos, mapeamento de regiões, medições de
aldeias ou roças.
A pesquisa em arquivos também tem sido cada vez mais incorporada aos
trabalhos antropológicos. Documentos, romances, livros técnicos, processos
judiciais, jornais, revistas, devendo ter atenção e certos cuidados. Por exemplo, ao
se analisar um documento histórico, deve-se ter em vista quais foram as condições
de sua produção, qual era o contexto mais amplo no qual foi produzido, para quais
audiências foi destinado, e assim por diante.
Os antropólogos fazem, em geral, um uso combinado de mais de um
método de pesquisa, mas, independentemente de quais sejam os métodos
escolhidos, a questão mais importante é que tenha sensibilidade e senso crítico na
análise dos dados.
Para isso, é fundamental ter um amplo conhecimento das teorias e dos
conceitos da Antropologia. É a partir desse conhecimento teórico que o antropólogo
pode formular suas questões de pesquisa, revê-las ao longo do trabalho de campo
e, mais tarde, formular suas próprias análises, tendo em vista, tanto a teoria da
disciplina quanto os dados produzidos em sua pesquisa de campo.

4 A Etnografia para Além da Pesquisa de Campo

Se a etnografia é a metodologia por excelência da pesquisa


antropológica, o desafio de todo antropólogo, ao produzir seu trabalho final, é
transpor para uma linguagem acadêmica a relação entre sua experiência particular
de pesquisa e os conceitos e teorias presentes no debate antropológico mais amplo.
Ao estudarmos a importância do método etnográfico na história da
Antropologia, sempre destacamos o pioneirismo do livro Argonautas do Pacífico
Ocidental, de Bronislaw Malinowski. Esta obra é representativa não só por ser uma
das primeiras a propor o trabalho de campo etnográfico como metodologia central à
disciplina, mas também pelo tipo de narrativa que inaugura.
Na introdução da obra, antes de apresentar hipóteses e tecer análises,
Malinowski descreve todos os estágios da pesquisa: desde a aproximação inicial do
antropólogo em campo, suas tentativas de comunicação e diálogo com os nativos
até as estratégias discursivas usadas na escrita final do trabalho. Segundo ele, é
somente por meio da descrição minuciosa que o leitor pode avaliar a familiaridade
do pesquisador com seu campo e distinguir aquilo que é resultado da observação
direta do que é proveniente de declarações nativas e, ainda, quais das inferências
do autor são fundamentadas em sua própria intuição.
Deste modo, na escrita final do trabalho, o antropólogo, em geral, volta-se
a seu diário de campo não só como uma fonte de dados objetivos, mas também
para tecer reflexões mais refinadas sobre os sentidos iniciais da pesquisa, sobre as
questões conjunturais enfrentadas em campo e também sobre o modo como sua
subjetividade afetou e foi afetada pelas interações estabelecidas em campo.
Uma das particularidades do método antropológico refere-se ao modo
pelo qual, na escrita final do trabalho, a experiência de campo torna-se parte
fundamental da análise. Nesta direção, você já deve ter notado que, em muitos
trabalhos acadêmicos, é comum que o autor dê ares de neutralidade a seu texto por
meio de expressões como “observou-se” ao invés de dizer, por exemplo, “eu
observei”. Esta é uma forma de escrita considerada, em geral, mais científica. No
caso da Antropologia, contudo, o procedimento usual é o inverso. Mesmo nos casos
em que, o antropólogo não utiliza a primeira pessoa no decorrer de todo o texto, é
frequente que, ao menos na introdução, ele discorra sobre sua experiência em
campo usando o pronome “eu”, relatando, inclusive, os percalços de sua pesquisa.
Quando um pesquisador relata suas dificuldades ele não tem, contudo,
um objetivo anedótico, mas uma intenção analítica. Por exemplo, quando uma
pesquisadora se depara com dificuldades para ter sua presença aceita em
determinado campo de pesquisa, pelo fato de ser mulher, isso pode levá-la a
reflexões específicas sobre as relações de gênero naquele determinado grupo
social.
Um exemplo já clássico na história da disciplina é o do antropólogo
britânico Evans-Pritchard. Tendo escrito duas etnografias exemplares sobre
sociedades distintas: os Azande e os Nuer, ele teceu uma reflexão fundamental
sobre os métodos e a prática antropológica:

Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os
Azande tinham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me
interessava particularmente por vacas quando fui aos Nuer, mas os Nuer
sim; e assim, tive aos poucos, querendo ou não me tornar um especialista
em gado (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 244-245).

Isto é, quando iniciamos uma pesquisa de campo, formulamos questões e


fazemos um recorte temático com base em nosso conhecimento teórico sobre o
assunto. Nesta direção, é fundamental que o pesquisador esteja atento às situações
inesperadas que possam ocorrer durante um trabalho de campo. É apenas por meio
deste olhar atento que o antropólogo pode se prevenir do risco de traçar uma
interpretação equivocada, ao tentar, por exemplo, encaixar forçadamente suas
observações a uma teoria que não encontra correspondente na realidade
pesquisada.
A frase de Evans-Pritchard (2005) resume muito bem a ideia de que,
embora o antropólogo chegue a campo com hipóteses e questões levantadas a
partir de seu conhecimento teórico prévio, é apenas depois da convivência
prolongada com os nativos que suas questões iniciais, e às vezes até seu tema de
pesquisa, sofrem uma transformação, e, assim, novos problemas e novas questões
podem vir à tona.
Desse modo, muitos antropólogos consideram que a etnografia não é
apenas a pesquisa de campo, mas também uma forma de mudar e sofisticar a teoria
antropológica. Nessa direção, é a partir deste conhecimento que suas questões
iniciais podem ser formuladas e que, mais tarde, na escrita final do trabalho suas
observações sobre a vida social ganharão densidade e relevância analítica.

5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Bronislaw Malinowski (1884-1942): antropólogo polonês. É considerado um dos


fundadores da Antropologia moderna. Propôs o método etnográfico, com base em
trabalho de campo intensivo, o que viria a se tornar central à pesquisa antropológica e
uma característica da disciplina.
Diário de Campo: usado pelo antropólogo para registrar o andamento do trabalho de
campo. Na escrita final do trabalho, é empregado como um instrumento analítico. Nele,
podem ser registradas desde observações e descrições mais objetivas até percepções
subjetivas do pesquisador.
Etnografia: a etnografia tem muitos sentidos na Antropologia. Pode se referir à análise
descritiva, escrita pelo antropólogo com base em seu trabalho de campo, como também
pode se referir à própria metodologia de pesquisa, que envolve o trabalho de campo e a
convivência prolongada e cotidiana entre o antropólogo e aqueles que ele pesquisa.
Metodologia: conjunto de regras, lógicas e técnicas que podem ser empregadas para a
realização de uma pesquisa.
Observação participante: metodologia popularizada por Malinowski com base no
contato prolongado e na observação detalhada da vida diária. Supõe a interação entre
pesquisador e pesquisado.

TEMA 3 – CULTURA E SEUS SIGNIFICADOS

1 CULTURA UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO


O conceito de cultura tem sido largamente utilizado pela Antropologia em
toda a história da disciplina. Há, no entanto, pouco consenso entre os antropólogos
sobre como definir o que é cultura ou, até mesmo, se o termo deve ou não ser usado
como um conceito analítico pela Antropologia. O ponto de maior consenso neste
debate é o de que a cultura – considerada enquanto o conjunto de formas de agir,
pensar e se relacionar comuns a uma coletividade – não é estático. Ao contrário, a
cultura está em constante mutação.
Introduzido na Antropologia americana entre fins do século XIX e início do
XX pelo antropólogo de origem alemã Franz Boas, o conceito de cultura passaria a
ser largamente acionado no campo antropológico a partir do início do século XX. A
ênfase de Boas recaía sobre a ideia de que as culturas são formadas por contatos,
intercâmbios, movimentos de populações, de modo que não seria adequado falar
em “a cultura”, no singular, mas em “culturas”, no plural. Boas circunscreve deste
modo, não a história da evolução humana, mas as histórias de culturas particulares
em suas especificidades.
A invocação da noção de cultura por Boas apresenta também um viés
político importante: a oposição ao racismo. Ao tomar a noção de cultura e afirmar a
ideia de que nós nos tornamos o que somos por termos crescido e nos desenvolvido
em determinado ambiente, Boas se opunha às explicações sobre as diferenças
fundamentadas em critérios raciais.
Deste modo, ao compararem as formas pelas quais cada sociedade
concebe o masculino e o feminino, o poder e o amor, a sobriedade e a
agressividade, os discípulos de Boas buscavam as atitudes que modelavam os
comportamentos, os pensamentos e as emoções humanas.

2 Reavaliações do Conceito de Cultura

Na antropologia americana da segunda metade do século XX, o conceito


de cultura passa por uma série de reavaliações críticas. Entre os principais
expoentes desta renovada forma de pensar sobre cultura estão os antropólogos
Clifford Geertz e Marshall Sahlins.
O conceito de cultura que Geertz propõe é muito influenciado pela teoria
filosófica e literária. Seu interesse recai, principalmente, sobre o modo como ocorre
a construção de significados e de subjetividades. Dando início a uma nova vertente
antropológica, que ele denominaria Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa,
ele propõe um conceito semiótico, isto é, para ele, a cultura é um sistema de
significados, e o comportamento humano é uma forma de ação simbólica.
Geertz defende, então, que o etnógrafo em busca da visão de mundo de
um grupo de nativos circule por duas questões principais: “como é sua maneira de
viver de modo geral?” e “quais são precisamente os veículos através dos quais esta
maneira de viver se manifesta?” (GEERTZ, 2008, p. 106). A noção de cultura traz à
tona a dimensão dialógica, ou melhor, na interlocução entre o nativo e o etnógrafo.
Geertz acrescenta a essa discussão outro ponto importante que diz
respeito ao aspecto público da cultura. Ele próprio dá um ótimo exemplo para
compreendermos esta dimensão ao apontar que só podemos dar uma piscadela e
compreender o que é uma piscadela se o significado sobre a piscadela for
socialmente compartilhado, entre pelo menos duas pessoas.
O movimento em si pode ser idêntico. No entanto, as diferenças entre
uma piscadela de tique nervoso e uma piscadela conspiratória são imensas.
Enquanto uma diz respeito a um movimento involuntário, a outra transmite uma
mensagem particular com base em um código socialmente estabelecido. Deste
modo, a cultura é pública porque seu significado é compartilhado, pode ser gestos
dependendo do contexto cultural, pode suscitar um tipo de interpretação.
Sahlins publicou, na década de 1970, Cultura e razão prática. Ao
demonstrar que a produção destinada a suprir a alimentação e o vestuário é pautada
por necessidades culturalmente produzidas, a obra rompeu com uma visão que
tendia a explicar nosso consumo por questões utilitárias.
Desse modo, embora toda sociedade necessite de certas condições para
sua sobrevivência – tais como construir uma casa, diferenciar alimentos comestíveis
de alimentos não-comestíveis –, os homens não sobrevivem simplesmente, mas
sobrevivem como culturas específicas. A questão central não é, então, que a cultura
se molda às pressões materiais, mas que o faz de acordo com um sistema simbólico
específico. Esse sistema simbólico nunca é o único possível. Por exemplo: nós
determinamos que a carne de boi seja comestível e a carne de cachorro não o é, a
base está não nas qualidades inerentes a esses animais, mas em nosso sistema
simbólico.
Na China, por outro lado, a carne de cachorro é considerada comestível.
Do mesmo modo, o que determina que as saias sejam de uso feminino não é a
natureza desta vestimenta, mas nossos valores culturais.
Uma das questões que incomodavam os pós-modernos era a abordagem
antropológica da cultura como uma totalidade que tudo governa. Outro ponto de
desagrado se dirigia ao modo como o uso do termo cultura tendia à essencialização.
Por exemplo, ao associarmos a cultura brasileira a características como festividade,
alegria e preguiça para o trabalho, estaríamos essencializando e homogeneizando
uma coletividade, sem levarmos em consideração como a experiência é construída
historicamente, quais são suas mudanças ao longo do tempo e como internamente
ela se diferencia.
Para a crítica pós-moderna, a cultura deve ser abordada, então, como um
processo histórico plural, sendo importante que o antropólogo esteja atento à
multiplicidade de sentidos culturais e aos aspectos políticos envolvidos na relação
entre pesquisador e pesquisado.
As controvérsias em torno dos usos do conceito de cultura têm sido tantas
e tão diversas na Antropologia produzida nas últimas décadas que muitos
antropólogos abandonaram o uso do termo enquanto conceito analítico. Outros
antropólogos, no entanto, posicionaram-se em defesa do conceito de cultura, entre
os quais o próprio Sahlins, que vimos há pouco.

3 Cultura e Política

A importância do termo vai, contudo, além da teoria antropológica,


estando também relacionada à sua dimensão política. Como vimos, desde Franz
Boas, o conceito de cultura, usado em oposição ao de raça, tem um viés político
fundamental na oposição ao racismo. Ao contrário da noção de raça, a cultura seria
adquirida, e não biologicamente dada.
Essa ideia de que a cultura é adquirida levou, contudo, à noção de que
ela é passível de ser perdida. O conceito de aculturação foi, então, inventado,
supondo a possibilidade de perda de diversidade cultural em situações em que, uma
cultura se impõe à outra. A noção de aculturação(reinvenções da cultura) é usada,
por exemplo, quando se diz que os índios perderam sua cultura em virtude do
contato com os brancos.
O resgate de certos elementos da cultura também pode ter a função de
resistência política. A antropóloga Manuela Carneiro Cunha (1986) conta, por
exemplo, que os índios Pataxó, do sul da Bahia, mandaram alguns de seus
membros aprender maxakali, sua língua original, em Minas Gerais, para se
afirmarem como índios. Para abordar este fenômeno, Cunha (2009) passou inclusive
a distinguir dois termos distintos: cultura e “cultura” (com aspas). A cultura sem
aspas seria o patrimônio geral de costumes de um povo. E a “cultura” com aspas
teria a ver com as formas de apropriação particular que cada povo faz do conceito,
muitas vezes com o objetivo de homogeneizar uma coletividade para a obtenção de
direitos.
O antropólogo Adam Kuper (2002), por exemplo, que escreveu uma obra
dedicada a analisar o conceito antropológico de cultura, mostra-se muito cauteloso
em relação aos usos políticos do termo. Kuper (2002) destaca que, embora os
antropólogos façam uma distinção radical entre as noções de raça e cultura, não é
incomum que, na linguagem popular, o termo cultura seja usado para se referir a
algo inato. E, ainda pior, muitas vezes “cultura” é usada como um eufemismo para
“raça”. Isto é, em certos contextos, as pessoas falam em cultura, em vez de raça,
por ser um termo mais politicamente correto, mas o conteúdo preconceituoso é
mantido.
Ainda a este respeito, a antropóloga Verena Stolcke (1993) destaca que
no fenômeno da xenofobia na Europa – presente nas políticas anti-imigração e na
violência contra estrangeiros – frequentemente são usados argumentos culturalistas
ao invés de argumentos racistas. É comum que a justificativa dada pelas políticas
xenofóbicas para o sentimento contra os imigrantes afirme que a presença dos
imigrantes é indesejável não pela questão racial, mas porque eles são culturalmente
diferentes. Neste sentido, o uso do termo cultura como argumento político anti-
imigração, no lugar de raça, pode ter efeitos ainda mais devastadores, levando a
uma divisão radical na sociedade e gerando uma espécie de fundamentalismo
cultural.
Deve-se estar atentos aos discursos políticos, em que, o uso do termo
cultura é feito para excluir o diferente, devemos também nos atentar para outras
situações em que, o conceito de cultura é mobilizado para celebrar a diversidade e
para defender direitos de grupos historicamente vitimizados.
A cultura é assim mobilizada não só para marcar a identidade de um
grupo, mas também para reivindicar direitos.
O antropólogo Marshall Sahlins (1997) retoma como um exemplo dessa
última postura o trabalho do etnógrafo Terence Turner, que fez pesquisa entre os
Kayapó na Amazônia, na década de 1960, tendo retornado à região no fim dos anos
1980. Em 1962, quando ele foi pela primeira vez à região, os Kayapó pareciam viver,
segundo ele, uma vida dupla. Dependendo da circunstância, eles tiravam seus
batoques labiais e vestiam roupas ocidentais se assim parecesse apropriado à
situação social, mas não havia um uso reflexivo de sua própria cultura contra as
forças externas que os oprimiam.
Ao retornar à região em 1987, tudo havia mudado. A relação com o
governo nacional e com as forças internacionais passou a ser feita em nome da
cultura. Assumiram o escritório da FUNAI, compraram casas, comercializavam
castanhas com aviões próprios.
Nesse sentido, fizeram um uso autoconsciente da cultura, ou seja,
passaram a acionar elementos de sua cultura para reagir ao imperialismo ocidental.
Para alguns antropólogos, como Marshall Sahlins, esta é uma forma legítima que
estes povos, antes vítimas do colonialismo, têm usado para adquirir seu próprio
espaço político dentro da sociedade mais ampla.
Sahlins fornece uma definição abrangente sobre o termo ao apontar que a
cultura é o modo como nomeamos “a organização da experiência e da ação
humanas por meios simbólicos” (SAHLINS, 1997, p. 41). Isto é, quando falamos de
cultura, estamos nos referindo aos diferentes modos pelos quais cada grupo social
atribui diferentes sentidos aos objetos, costumes, sentimentos e simbolizam de
distintos modos suas experiências sociais, criando, desse modo, uma identidade
coletiva.

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Aculturação: processo por meio do qual o contato entre duas culturas faz com que
uma delas absorva a cultura da outra, gerando, assim, mudanças culturais.
Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa: vertente antropológica proposta por
Clifford Geertz, cujo foco está no texto, na linguagem e no discurso. A analogia mais
comum é a de que esta perspectiva antropológica faz uma leitura das sociedades
como texto. De acordo com Geertz, a interpretação ocorre em todos os aspectos da
pesquisa, desde a sociedade (lida como texto), passando pela escrita do texto, até
chegar à interpretação daqueles que leem o texto antropológico sem ter passado
pela mesma experiência que o antropólogo.
Eufemismo: uso de um termo em substituição a outro para suavizar ou minimizar
um termo grosseiro ou politicamente incorreto, sem, no entanto, alterar seu sentido
original.
Racismo: refere-se a um tipo de preconceito que hierarquiza as pessoas em termos
de raça ou etnia. Para a Antropologia, raça não se refere a uma diferença biológica,
mas a uma naturalização das diferenças sociais. Deste modo, considera-se que,
frequentemente, o racismo é usado como forma de explicar diferenças sociais e
culturais a partir de diferenças tomadas como naturais.
Xenofobia: sentimento de desconfiança ou repulsa aos que vêm de fora,
principalmente aos estrangeiros em determinados países. No âmbito político, a
xenofobia se expressa nas políticas anti-imigração.

TEMA 4 – FAMILIAS E CONCEITOS AFINS

1 OS ESTUDOS CLÁSSICOS

Nas pesquisas antropológicas sobre sociedades não ocidentais há,


basicamente, duas teorias de parentesco: a teoria da descendência, presente,
sobretudo, nos estudos britânicos, e a teoria estruturalista da aliança, proposta pelo
antropólogo Claude Lévi-Strauss.
As teorias de descendência britânicas consideravam a linhagem ou o
grupo de descendência como o elemento central às sociedades sem Estado ou
instituições governamentais, por proporcionarem a continuidade e a estabilidade da
ordem política. A questão principal era a relação de filiação, e o objetivo era
compreender como ocorria a transmissão de status, direitos e deveres. Seu
interesse central era, portanto, o aspecto jurídico-político do parentesco.
Por exemplo, quando fazemos uma árvore genealógica, em alguns
grupos sociais, teremos uma longa cadeia de relacionamentos, estendendo-se a
muitas gerações passadas. Este é frequentemente o caso das famílias de elite, cuja
memória e o registro dos antepassados têm uma extensão muito longa. Em outros
grupos, essa memória pode ser mais superficial, chegando apenas aos avós.
A organização do parentesco e os direitos e deveres podem variar
também de acordo com a linhagem ou descendência. Se uma sociedade possui
descendência patrilinear, os relacionamentos são traçados apenas a partir das
ligações masculinas; se a descendência é matrilinear, eles são observados por
meio da linhagem feminina; e quando se trata de descendência cognática, como é
o caso de nossa sociedade, traçam-se as relações e os direitos tanto a partir do lado
paterno quanto do materno.
Muitas das pesquisas clássicas sobre parentesco nos trazem exemplos
de conceituações distintas das nossas. Em geral, tendemos a pensar que pais, filhos
e irmãos estão ligados uns aos outros por meio de uma substância biológica comum,
o mesmo “sangue”. Pensamos, também, que os filhos são concebidos por meio da
relação sexual entre um homem e uma mulher que culmine na fecundação do óvulo
pelo espermatozoide, e que os filhos fazem parte igualmente da família de seu pai e
de sua mãe. O que os estudos clássicos mostravam, contudo, era que nem todas as
sociedades pensavam essas relações deste modo.
Ao descrever o parentesco entre os trobriandeses, Malinowski apontava
que eles acreditavam que os filhos seriam concebidos pelos espíritos dos
antepassados da mãe da criança. Em uma sociedade matrilinear como aquela, o
direito de propriedade vinha também por meio do irmão da mãe, o tio materno.
Então, embora o filho tivesse uma relação afetiva com seu pai, a figura de
autoridade que tinha de respeitar era o tio materno; se formos simplificar usando um
termo de nossa sociedade, era como se o direito de herança fosse também
proveniente do tio materno, e não do pai.
Já a teoria estruturalista da aliança estava mais preocupada em analisar
as sociedades que possuem regras sobre a escolha do cônjuge. O grande expoente
desta vertente teórica é o antropólogo Claude Lévi-Strauss. Em oposição à
antropologia inglesa, que via no grupo de descendência o elemento central do
parentesco, a teoria de Lévi-Strauss estava mais interessada em compreender as
regras que norteiam quem é legítimo de se casar com quem em determinada
sociedade. Assim, uma questão central para Lévi-Strauss é saber por que o tabu do
incesto é uma regra universal.
O tabu do incesto – que proíbe relações sexuais e o casamento entre
parentes – está presente em todas as sociedades, ainda que as regras de proibição
possam variar de sociedade para sociedade. Por exemplo, enquanto em algumas
sociedades o casamento entre primos é proibido, em outras pode até mesmo ser a
união recomendada. Assim, embora no senso comum muitas vezes se afirme que
certos casamentos são proibidos por causas biológicas, Lévi-Strauss atribuiu essa
proibição a causas sociais.
O tabu do incesto fundaria, segundo ele, o caráter social das relações
humanas, pois, ao impedir o casamento entre os próprios parentes, os grupos
seriam obrigados a fazer alianças e a estabelecer relações por meio do casamento.
Mais do que casamento, em sentido estrito, a aliança tem a ver, então, com o
estabelecimento de uma relação entre dois grupos sociais. Para Lévi-Strauss, a
proibição do incesto seria, deste modo, um fenômeno que distinguiria humanos de
animais, representando, assim, o primeiro passo na transição entre natureza e
cultura.
Na teoria estruturalista de Lévi-Strauss, a atenção se volta para o
parentesco como um todo, que envolve as relações de afinidade (marido-mulher), de
consanguinidade (entre irmãos) e de filiação (pai-filho) –, e esses três elementos
configurariam o átomo de parentesco, a unidade mínima. Lévi-Strauss acrescenta,
no entanto, ao átomo do parentesco, a figura do irmão da mãe. Aí está a importância
do tabu do incesto, isto é, para que haja o marido e a mulher, algum homem tem de
renunciar à sua irmã e “dá-la” a outro homem. As famílias podem, assim, casar entre
si, mas não dentro de si mesmas.
Este é um resumo bastante simplificado de uma teoria de parentesco
muito complexa e sofisticada, que foi delineada de forma altamente abstrata. O tabu
do incesto representa, neste modelo teórico, a passagem da natureza para a cultura,
algo que particulariza a humanidade, fundando o caráter social das relações:

O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é


que, na humanidade, uma família não poderia existir sem existir a
sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que
existem outros laços para além dos consanguíneos e que o processo
natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social
da afinidade (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 34).

2 As Críticas aos Estudos de Família e Parentesco


(1960 e 1970) Uma das questões fundamentais nesse debate era um
questionamento sobre o etnocentrismo dos próprios antropólogos ao olharem para
as outras sociedades. Por exemplo, a crença trobriandesa de que as crianças
seriam concebidas pelos espíritos matrilineares era vista por Malinowski como uma
prova da ignorância daquele povo sobre a paternidade biológica. Quando se iniciou
esse questionamento sobre o etnocentrismo da antropologia, outros antropólogos,
como Edmund Leach, passaram a argumentar que isso se referia mais a um dogma
de outros povos do que ignorância propriamente. Leach comparou com o exemplo
dos cristãos, em nossa sociedade, que acreditam que Jesus é filho de Deus e da
Virgem Maria. Essa crença religiosa não é, contudo, tomada, em nossa sociedade,
como sinal da ignorância dos cristãos sobre a paternidade biológica. Para Leach, os
antropólogos viam certos comportamentos como ignorância porque isso
correspondia a uma fantasia etnocêntrica deles sobre a ignorância dos nativos.
Mais ou menos no mesmo período, com o fortalecimento do feminismo,
houve também uma revisão não só da antropologia clássica do parentesco, mas
também da própria ideia de família, conforme concebida nos estudos sobre
sociedades ocidentais. A crítica feminista buscava desfazer uma crença muito
presente no senso comum de que a família seria uma espécie de “refúgio do
mundo”, lugar do afeto e da compreensão. Alertando para as inúmeras situações de
violência e abuso ocorridas em contextos familiares, as feministas passaram a
enfatizar que as pesquisas sobre família deveriam contemplar não só a dimensão do
afeto e do amor, mas também da violência e do conflito.
Desde então, muitas pesquisas antropológicas têm enfocado a violência
contra a mulher e contra as crianças a partir de contextos familiares. Outra questão
fundamental levantada a partir daí é que a família não é uma dimensão isolada da
vida social. Ao contrário, está ligada à vida econômica e política mais ampla.
Nesse sentido, basta lembrarmos que sobre as famílias são aplicadas
políticas públicas, e elas são importantes espaços de consumo e de constituição da
força de trabalho, ligadas ao Estado e à dimensão econômica, além das dimensões
de gênero, raça e geração.
Nos anos 1980, a antropologia do parentesco também passou por
renovações e deixou de se focar apenas nos aspectos formais do parentesco, como
as classificações genealógicas, as regras de casamento e de transmissão de
direitos. Em vez disso, a atenção das novas pesquisas passou a se dirigir para a
experiência cotidiana de parentesco em diferentes sociedades.
A antropóloga Janet Carsten (2004) sugere, por exemplo, o termo
relacionalidade para se pensar o parentesco. Na mesma direção, o antropólogo
Marshalll Sahlins (2012) tem proposto pensar o parentesco como “mutualidade do
ser”, buscando enfatizar que o parentesco tem a ver com pessoas que são
intrínsecas à existência umas das outras.
Essa mutualidade está também relacionada ao fato de que em qualquer
sociedade aqueles que contam como parentes estão mutuamente envolvidos. E não
apenas em termos de atividades e comportamentos, mas de um modo ainda mais
profundo e, por vezes, até anterior ao próprio nascimento da pessoa.
Pense como um exemplo nessa direção o modo como um bebê ganha
existência muito antes de seu nascimento. A ele é atribuído um nome, um conjunto
de relações sociais – padrinhos, tios, avós –, sendo inserido até mesmo em um
universo de consumo particular – um quarto pode ser providenciado ou redecorado,
roupas são adquiridas; muitas vezes, uma família troca inclusive de carro ou se
muda de casa ao planejar um bebê. A inserção do bebê em um mundo social e em
um universo de parentesco pode ser feita, desse modo, não só antes de seu
nascimento, mas até mesmo anteceder à sua concepção.
Neste sentido, muitos antropólogos têm pensado o parentesco enquanto
relacionalidade, ou seja, em vez de se tomar o conteúdo do parentesco como dado
natural, esses estudos buscam questionar como as relações são construídas a partir
da experiência vivida do parentesco em contextos específicos.
Desta perspectiva, a família corresponde a uma rede de “parentes entre
si”, que não necessariamente tem a ver com um modelo específico de família. A
ideia de parentesco nem sempre tem a ver com consanguinidade, mas, muitas
vezes, com proximidade e identificação, enfim afinidades. Desse modo, ao se
pesquisar o tema, uma das formas de se livrar de noções preconcebidas sobre
parentesco é deixar que os próprios sujeitos pesquisados digam quem são seus
parentes. No Brasil, por exemplo, os laços de compadrio ampliam as noções de
parentesco. Não é incomum que o fato de uma pessoa apadrinhar o filho de alguém
faça com que ela seja considerada, a partir deste ato, parte daquela família.
A antropóloga Marilyn Strathern (1999), que tem pesquisado tanto
sociedades tradicionais da Melanésia quanto as novas tecnologias reprodutivas,
conta um caso que nos ajuda a pensar também sobre a possibilidade de
comparação cultural do parentesco. Certa vez, em uma conversa com um de seus
informantes melanésios, ela lhe contou que, em nossa sociedade, as mulheres
podem engravidar a partir da fertilização in vitro feita com a doação de gameta de
um homem com quem elas não tiveram relações sexuais.
O nativo da Melanésia, segundo ela, teria ficado muito surpreso, pois em
sua sociedade uma mulher jamais poderia “fazer” um filho sozinha. Para se “fazer”
um bebê, segundo ele, seria necessária a contribuição sexual contínua do pai da
criança ao longo de toda a gravidez. Da perspectiva deste grupo social, então, os
bebês não são formados pela simples fecundação do óvulo, mas pelo ato sexual
que, ao longo da gravidez, nutre e forma o feto.
Apesar de este tipo de raciocínio nos parecer tão distante, é possível
pensar em paralelos em nossa própria sociedade. A antropóloga conta, então, outra
história sobre uma mulher inglesa debatendo acerca da possibilidade científica de
que os bebês sejam “feitos” em um útero artificial. Ao falar sobre o tema, a
preocupação da mulher inglesa era de que, em um útero artificial, a mãe não poderia
transmitir seus sentimentos ao bebê, de modo que o desenvolvimento do bebê
poderia ser comprometido por essa artificialidade.
Se pensarmos bem, essa não é uma visão incomum em nossa sociedade:
de que os sentimentos e o amor da mãe também são responsáveis pela formação
do feto em seu útero. Deste modo, apesar de parecerem tão distantes – o modo
como alguns grupos melanésios e nós pensamos o processo de procriação –, há
também semelhanças: em ambos os casos há uma preocupação similar com o
modo pelo qual o comportamento dos pais influi no desenvolvimento dos filhos.
Assim, é fundamental que tanto antropólogos quanto outros profissionais
que trabalhem com intervenção em contextos familiares (como educadores e
assistentes sociais) desconstruam estereótipos preconcebidos e reflitam sobre as
configurações familiares dentro de contextos sociais, econômicos e históricos
necessários.
Também no campo profissional, estas questões estão, com frequência,
presentes. De modo mais direto em algumas profissões, como no Serviço Social,
na Educação e no Direito de Família, mas também de forma indireta na Publicidade
e Economia (já que a família é um importante espaço de consumo) e em muitas
outras profissões.
A partir dos debates antropológicos sobre parentesco e família, que vimos
nesse tema, reflita, em seu próprio campo de trabalho, como esses temas estão
presentes e em que medida as reflexões antropológicas podem contribuir para sua
atuação profissional.

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Afinidade: no contexto dos estudos de parentesco, o termo afinidade refere-se às


relações adquiridas por meio do casamento, tais como sogros ou cunhados.
Consanguinidade: refere-se às relações de parentesco fundamentadas na
ancestralidade comum; na ideia de laço de sangue; ou genética. Por exemplo: pais e
filhos; avós e netos; primos.
Descendência cognática: refere-se a sociedades que atribuem igual importância à
linhagem materna e paterna.
Descendência matrilinear: refere-se a sociedades que traçam as relações de
direitos e deveres a partir da linhagem materna.
Descendência patrilinear: refere-se a sociedades que traçam as relações de
direitos e deveres a partir da linhagem paterna.
Feminismo: movimento social e político que tem por objetivo mais geral igualar os
direitos das mulheres aos direitos dos homens. Historicamente, o feminismo teve
diferentes demandas específicas, tais como o direito ao voto feminino, o direito à
propriedade, os direitos reprodutivos, a proteção das mulheres contra a violência
doméstica e os direitos trabalhistas. O feminismo teve forte influência na teoria
social, especialmente com a constituição do campo de estudos de gênero.
Incesto: refere-se à relação sexual entre parentes que são interditos para o
casamento de acordo com as regras culturais e/ou legais.

TEMA 5 – ANTROPOLOGIA POLÍTICA

1 Pierre Clastres e a Sociedade contra o Estado

As sociedades indígenas foram, por muito tempo, caracterizadas pelo que


nelas faltava: a família monogâmica, a propriedade privada, a religião monoteísta, o
Estado. Denominadas primitivas pela antropologia evolucionista, da virada do
século XIX para o XX, estas sociedades estariam, segundo eles, estacionadas em
uma eterna infância. O modelo valorizado era, portanto, o do progresso obrigatório
medido pela acumulação e pela tecnologia.
Na primeira metade do século XX, o evolucionismo foi altamente
contestado pela antropologia funcionalista britânica, que passou a enfocar cada
sociedade em si mesma, enquanto uma totalidade, sem recorrer a elementos
externos como a história e a evolução.
Entre as décadas de 1960 e 1970, contudo, o antropólogo Pierre Clastres
escreveu um conjunto de artigos que questionava tanto a visão evolucionista como
problematizava de modo novo a questão política em sociedades ditas primitivas.
A partir do trabalho de campo que desenvolveu em sociedades indígenas
da América do Sul, Clastres questionou, então, porque as sociedades ditas
primitivas não teriam Estado. A resposta a que chegou foi que estas sociedades
eram sociedades de recusa ao Estado, ou melhor, sociedades contra o Estado.
Um primeiro ponto a dizer sobre essas sociedades é que suas economias
eram de subsistência, isto é, produziam apenas o suficiente para o próprio consumo.
A visão que tradicionalmente se tinha sobre essas sociedades é que elas não
produziam excedentes por serem tecnologicamente inferiores e, portanto, incapazes
dessa produção, imperava o etnocentrismo.
Clastres aponta, contudo, que essas sociedades dominavam o meio
ambiente que ocupavam, produzindo apenas o suficiente para satisfazer suas
necessidades. Nessa direção, não se poderia falar em hierarquia técnica, uma vez
que apenas faria sentido, segundo ele, medir uma tecnologia pela sua capacidade
de satisfazer as necessidades de um grupo social.
Clastres estava também se opondo ao argumento que Friedrich Engels
havia apresentado no clássico trabalho “A origem da família, da propriedade privada
e do Estado”, publicado na segunda metade do século XIX. Engels argumentava que
a humanidade teria passado por uma fase de barbárie, na qual não existiam classes
sociais nem propriedade privada.
A primeira divisão da sociedade em classes teria sido via senhores e
escravos. Mais tarde, com a separação entre artesanato e agricultura, e o
surgimento do comércio, houve uma nova divisão de classes entre ricos e pobres.
A sociedade dividida em classes produziu antagonismos que só seriam
minimizados, segundo Engels, por uma terceira força, acima das classes sociais,
que regulamentaria a luta de classes para que ela ocorresse apenas no campo
econômico. Essa força seria o Estado.
Para Clastres, ao contrário, as origens do Estado não podiam ser
buscadas nas sociedades primitivas, uma vez que elas proíbem a desigualdade e
não se deixam levar pela obrigação do trabalho. Segundo ele, nas sociedades
primitivas não há o desejo de possuir mais do que os outros.
Desse modo, a proposição de Engels de que o Estado surgiria como
representante dos proprietários seria impossível em uma sociedade que recusa a
propriedade. Clastres exemplifica com a figura do chefe, que, nessas sociedades, é
encarregado de resolver conflitos em razão do prestígio que a sociedade lhe
confere. Esse prestígio não significa, contudo, poder, no sentido do poder de
coerção. Segundo Clastres, é a sociedade em si mesma o lugar do poder.
Desse modo, ao contrário do que outros autores argumentavam – que o
Estado emergiria da divisão de classes –, para Clastres o oposto seria verdade: é o
poder político que gera a divisão de classes. A análise de Clastres é inovadora, pois
mostra que a existência de uma sociedade pode prescindir da presença de uma
instituição como o Estado, propondo, então, uma leitura distinta sobre a política em
sociedades indígenas.

2 Política e Diferença

A questão da política na Antropologia vai, contudo, muito além da


discussão sobre a relação entre o Estado e as sociedades indígenas. O interesse
antropológico sobre o tema reside, de maneira mais ampla, em questionar qualquer
aspecto sobre o modo pelo qual as pessoas concebem e experimentam objetos e
práticas políticas, tanto relativas ao Estado como em relação às questões políticas
da vida cotidiana.
Deste modo, “a identidade não é fixa nem singular; ela é uma
multiplicidade relacional em constante mudança” (BRAH, 2006, p. 371).
Stuart Hall, bem como outros antropólogos, tem ressaltado os riscos das
políticas de identidade que, ao essencializar uma única identidade (como a de
mulher ou negro), fixam um significado único e desconsideram a diversidade de
experiências que podem ser englobadas em uma mesma identidade.
Estes são assuntos bastante complexos e atuais que se mostram de
grande interesse para as análises da Antropologia Política e, de modo mais amplo,
para compreendermos como ocorre a articulação de identidades na vida social e nas
situações específicas de reivindicação de direitos políticos.

3 Identidade de Gênero

Um dos campos em que esta questão da identidade se complexifica de


modo particular diz respeito às identidades de gênero e de orientação sexual. Em
geral, tendemos a pensar que nossa identidade de gênero é dada pela natureza e
que nascemos com determinado sexo, que nos fornecerá uma identidade fixa com a
qual teremos de viver ao longo de toda nossa vida.
Há, no entanto, pessoas que em determinado momento da vida podem se
identificar e ser identificadas, pelos outros, como pertencentes a determinada
identidade de gênero – homem ou mulher – e em outra época da vida passam a se
identificar com o gênero oposto. Junto a isso, há também a questão da orientação
sexual.
Como se podem usar as classificações de gênero ao tratarmos de
homossexuais masculinos, femininos, transexuais, drag queens? No caso específico
da identidade de gênero, a questão envolve muitos elementos: o sexo anatômico; o
jeito de se vestir e se portar; e o desejo sexual.

4 Identidade, Subjetividade e Cultura

Indo além da questão de gênero, todo processo identitário tem tanto


dimensões subjetivas quanto sociais e culturais. A dimensão relativa à subjetividade
tem a ver com a experiência pessoal de cada um com suas múltiplas identidades, as
questões emocionais e psíquicas pelas quais passou ao longo da vida, o modo
como à diferença foi interiorizada por cada um. Por exemplo, episódios de
discriminação racial compõem uma das dimensões subjetivas da constituição de
uma identidade étnico-racial.
Mas há também uma dimensão que está relacionada ao contexto social e
ligada a questões econômicas, culturais e políticas. Essa dimensão pode estar
presente em uma identificação com a nação durante a Copa do Mundo; com uma
categoria profissional em um movimento de greve; com as mulheres ao se evocar a
igualdade salarial em termos de gênero. Essa dimensão articula uma identidade
particular do indivíduo a uma identificação com uma coletividade.
Nesse sentido, muitas políticas públicas que visam, por exemplo, a
equidade de gênero e de raça tem por objetivo atingir as estruturas sociais mais
profundas, em que a existência das diferenças leva a desigualdades e
discriminações entre as pessoas.
Nesse sentido, as identidades são pessoais e subjetivas, mas, ao mesmo
tempo, são também sociais, na medida em que, a constituição de identidades
coletivas constitui-se parte importante de processos políticos que podem levar à
reivindicação de direitos de grupos específicos.

5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS / GLOSSÁRIO

Antropologia evolucionista: a antropologia evolucionista, cujo desenvolvimento


ocorreu no século XIX, era fundamentada na construção de tipologias supondo a
passagem de um estágio menos evoluído da humanidade para um estágio mais
evoluído.
Antropologia funcionalista: o funcionalismo britânico apresenta particularidades
nos trabalhos de seus dois principais expoentes: Bronislaw Malinowski e Radcliffe-
Brown. Em linhas gerais, contudo, a abordagem funcionalista buscava explicar os
fenômenos sociais em termos de suas funções em determinada cultura. A
antropologia funcionalista representou também uma oposição ao evolucionismo.
Para os funcionalistas, a sociedade em si mesma poderia ser considerada uma
totalidade, sem a necessidade de recorrer a elementos externos, como história e
evolução, como os evolucionistas tendiam a fazer. Outro ponto enfatizado pelos
funcionalistas é a importância do trabalho de campo para a antropologia. Neste
sentido, havia também uma oposição à metodologia evolucionista mais
fundamentada em documentos e textos de viajantes.
Contingente: casual, imprevisível. As identidades são contingentes porque não são
fixas, visto que elas são contextualmente acionadas.
Essencialismo: filosoficamente, o essencialismo corresponde à ideia de que as
coisas existem por si mesmas sem necessidade de referência a um contexto. Na
Antropologia, o termo pode ser usado quando se critica o modo como algo ou
alguém é caracterizado a partir de uma característica única e essencial. Por
exemplo, quando são usadas expressões como “o brasileiro”, “a mulher” ou “o
negro” sem que sejam consideradas as diferenças e particularidades internas a cada
uma dessas categorias.

TEMA 7 – RELIGIÃO VISÃO ANTROPOLÓGICA

1 Religião e Categorias do Pensamento

Na antropologia, há uma grande tradição de estudos sobre religiões,


mitos e rituais, cujas análises incidem tanto sobre as práticas de povos ocidentais
como também de povos não ocidentais.
Uma das obras clássicas sobre o tema é As Formas Elementares da Vida
Religiosa, do sociólogo francês Émile Durkheim, publicada pela primeira vez em
1912 e fundamental para o estabelecimento da Antropologia empírica na França.
Durkheim considerava que a complexidade da vida social apenas poderia ser bem-
compreendida a partir do estudo dos fenômenos sociais mais simples.
Compartilhando com seus contemporâneos a ideia de que as sociedades
não ocidentais seriam mais simples, ele recorreu, então, às etnologias de povos não
ocidentais para elaborar sua teoria da religião. Segundo ele, os fenômenos
religiosos estariam no centro da sociabilidade primitiva.
A partir desse estudo, Durkheim elaborou, também, uma teoria sobre as
categorias do pensamento humano – tais como as categorias de tempo e de espaço.
Um dos interesses de Durkheim era compreender como a humanidade
criou para si os sistemas de representação coletiva. Ele apontou que o primeiro
sistema de representação criado teria sido o religioso. Para chegar a esta conclusão,
Durkheim analisou o totemismo. A prática do totemismo, que era uma espécie de
religião sem deus, usava como totens espécies animais e vegetais que
simbolizavam cada clã. O clã referia-se a um grupo de parentesco constituído por
laços (que não necessariamente precisavam ser de sangue), e a transmissão
geracional do totem era feita, quase sempre, pelo lado materno.
O totemismo tem sua origem no reconhecimento do sagrado como uma
força derivada da coletividade. Segundo Durkheim, as atividades coletivas, como
festas e cerimônias, levam os indivíduos para fora de si, fazendo com que eles
participem da força coletiva do grupo.
Esses fenômenos são exemplos claros do processo psicossocial que
favorece o surgimento das religiões. As sociedades são levadas a criar as religiões
quando entram em estado de exaltação, isto é, nos momentos em que intensificam a
vida coletiva. Os ritos religiosos teriam, assim, a função social de unir a comunidade
e acentuar a participação no grupo, revigorando a crença e a fé.
Durkheim concluiu, a partir desse estudo, que as crenças religiosas não
têm a ver, necessariamente, com uma concepção sobre divindade ou vida eterna. O
que as religiões teriam em comum é que elas dizem respeito a formas de
representar o mundo.
E essas formas de representação do mundo são universalmente
fundamentadas em uma divisão entre um domínio que compreende aquilo que é
sagrado e outro domínio que abarca tudo o que é profano. O conjunto da realidade
estaria dividido, desse modo, entre as coisas profanas (por exemplo, a atividade
econômica) e as coisas sagradas (como as plantas, os animais e suas
representações).
À medida que buscava compreender as maneiras de pensar associadas a
cada religião, Durkheim chegava também à conclusão de que a origem do
pensamento científico estava também na religião. Foi a partir do pensamento
religioso que os homens teriam criado e passado a operar com categorias mentais
abstratas, tais como a de espaço, tempo e gênero.
Lévi-Strauss também estava interessado no totemismo e nos mitos
indígenas visando, mais do que um estudo das religiões primitivas, a elaboração de
uma teoria sobre o conhecimento humano.
Em dois artigos publicados pela primeira vez em 1949, A eficácia
simbólica e O feiticeiro e sua magia, Lévi-Strauss discute a eficácia das curas feitas
pelos xamãs. Com base em um texto mágico-religioso sobre os índios Cuna, do
Panamá, em que o xamã intervém em casos de parto difícil por meio do canto, Lévi-
Strauss faz uma análise estrutural da cura xamânica. Combatendo o simples rótulo
de que seria uma cura psicológica, ele chama a atenção para a necessidade de se
definir como as representações psicológicas são invocadas para combater as
perturbações fisiológicas.
Na cura pelo cântico, o xamã trata o paciente sem tocar em seu corpo,
tampouco há a administração de remédio; o canto constitui uma manipulação
psicológica do órgão doente. Espíritos bons ou maus, animais mágicos, monstros
fazem parte do sistema que fundamenta a concepção indígena do universo, e os
elementos que seriam estranhos a esse sistema são as dores arbitrárias que o
xamã, por meio de um apelo ao mito, vai reintegrar em um sistema coerente. O
doente, então, sara. O xamã forneceria ao doente, segundo Lévi-Strauss, uma
linguagem para se expressar. É, então, essa expressão verbal que permite ao
doente viver a experiência real sob uma forma ordenada e inteligível, de modo a
promover o desbloqueio do processo fisiológico.
Assim, a eficácia da prática mágica reside na crença na magia. Essa
crença ocorre em três dimensões: a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas;
a crença do doente no poder do xamã; e a opinião coletiva que forma um campo de
gravitação onde se definem as relações entre o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça.
Não são as poções ou os cânticos em si mesmos que curam os doentes. Pouco
importa se a mitologia do xamã corresponde a uma realidade objetiva, o que é
relevante é que o doente acredita e é membro de uma sociedade que também
acredita. É este consenso em torno da crença que estabelece, segundo Lévi-
Strauss, a eficácia simbólica.

2 Bruxaria, Oráculos e Magia

Uma das etnografias mais fascinantes sobre as crenças religiosas de


outros povos é Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande, do antropólogo
britânico Evans-Pritchard, publicada em 1937. Focando um grupo social que residia
na região do então Sudão Anglo-Egípcio, o antropólogo aborda as práticas mágicas
dos Azande, um povo cuja crença na bruxaria era o elemento central de sua
organização social.
Evans-Pritchard descreve tanto as práticas e crenças de bruxaria e
feitiçaria quanto o aparato que aquela sociedade dispunha para lidar com as
situações mágicas, como os oráculos de veneno, - as ervas e os medicamentos.
Um dos exemplos clássicos que o antropólogo conta no livro é o da queda
de um barracão, corroído por cupins, sobre uma pessoa. A morte dessa pessoa é,
logo, atribuída à bruxaria. O antropólogo questiona, então, às pessoas, se a causa
da morte não teria sido o peso do barracão sobre o corpo do homem, e elas
respondem que sim, mas não apenas, porque, segundo elas, se não houvesse
bruxaria, certamente não haveria pessoas sentadas ali embaixo no exato momento
da queda. Do mesmo modo que nós atribuiríamos a causa da queda do celeiro aos
cupins e ao desgaste da madeira, também o fazem os azande, mas eles
acrescentam algo a mais, que une os eventos. A bruxaria é, assim, o que une as
duas cadeias de eventos.
Assim como neste caso, os azande atribuíam muitos infortúnios à
bruxaria: um rapaz andando em uma trilha no mato dá uma topada em um tronco de
árvore e se machuca. Uma situação relativamente comum alguém se machucar em
uma situação dessas. Mas, quando o ferimento infecciona, o rapaz atribui a causa à
bruxaria. Evans-Pritchard nos conta que discute com os azande tentando lembrá-los
de que o rapaz havia sido descuidado, que a bruxaria não colocara o tronco no meio
do caminho, pois ele havia nascido naturalmente no local.
Os azande concordam com ele e afirmam que a bruxaria não tinha nada a
ver com o toco na trilha. A questão é que o rapaz estava atento durante todo o
trajeto, já que os troncos no caminho eram comuns, e, se ele não tivesse sido
embruxado, certamente o teria visto. O antropólogo aponta que o argumento final do
rapaz, para decretar que havia sido bruxaria, era que os machucados não levam
tanto tempo para cicatrizar. Assim, esta cadeia de eventos, que envolve o tropeço, o
corte e a infecção, só podia ser bruxaria.
Uma das formas utilizadas pelos azande para desvendar a identidade do
bruxo era o oráculo de veneno. Administrado a uma galinha, o veneno era
espremido no bico das aves, que eram forçadas a engoli-lo. Os eventos que se
seguiam eram, em geral, os espasmos e a morte da galinha. Muitas vezes, contudo,
a galinha se recuperava ou, então, não era sequer afetada pelo veneno.
Desse modo, a partir da morte ou da sobrevivência da galinha, os azande
obtinham a resposta da pergunta que haviam formulado ao oráculo. Toda decisão
importante da vida social era também feita com base na resposta do oráculo de
veneno, tais como: decisões políticas ou relativas à guerra, caçadas, casamentos,
adultério, feitiçaria e muitas outras. Embora houvesse outros oráculos, o de veneno
era o mais importante, pois era considerado mais imparcial, na medida em que,
possuía menos intervenção humana.
Evans-Pritchard tenta aproximar as crenças azande em bruxaria e a
concepção de azar que existe em nossa sociedade :
Talvez tenha ocorrido ao leitor que há uma analogia entre o conceito azande
de bruxaria e nosso conceito de azar. Quando, apesar do seu
conhecimento, previdência e eficiência técnica, um homem sofre um revés,
dizemos que isso se deve à má sorte, enquanto os Azande dizem que ele
foi embruxado. As situações que evocam essas duas categorias são
similares (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 155).

Muitas vezes, usamos também os termos “olho gordo”, “mau olhado” ou


“energia negativa” para argumentar que algo deu errado em nossas vidas por causa
da inveja de outras pessoas. Apesar de acreditarmos na ciência e na medicina, não
é incomum alguém sugerir que um tumor foi causado por sentimentos não
expressos. Há muitas ocasiões, em nossa sociedade, em que as pessoas apelam
para o sobrenatural para explicar as doenças e os infortúnios.
Diferentemente de nós, contudo, os azande consideram a bruxaria
onipresente na vida social. Ela está presente na lei, na moral, na etiqueta, na
religião, na tecnologia e na linguagem. Não existe, segundo Evans-Pritchard,
recanto da cultura azande em que, a bruxaria não esteja presente.
Evans-Pritchard buscava compreender os sentimentos e a racionalidade
religiosa dentro do próprio sistema social e religioso dos azande. Do mesmo modo,
muitas de nossas crenças apenas fazem sentido dentro de nossa própria cultura e
tradição. Essa é uma questão central ao abordarmos a diversidade de práticas
religiosas. Muitas vezes, crenças que nos parecem sem sentido ou absurdas só
podem ser compreendidas quando a estudamos em correlação a um sistema social
e cultural mais amplo.

3 Geertz e a Antropologia da Religião

Com uma abordagem bastante distinta das que vimos até aqui, Clifford
Geertz inaugura, na segunda metade do século XX, uma antropologia interpretativa
ou simbólica. Ele considera que a religião é uma questão fundamental para se
compreender a vida social e se volta para o modo como os símbolos religiosos
induzem a uma disposição religiosa.
Uma de suas primeiras publicações, “Observando o Islã”, foi
fundamentada nos primeiros trabalhos de campo que realizou na Indonésia e em
Marrocos em vários períodos entre as décadas de 1950 e 1960.
O livro foi publicado em 1968 e aborda uma temática que até hoje
mobiliza reflexões antropológicas e políticas ‒ o sentido contemporâneo do
islamismo. Trata-se, também, de uma pesquisa sobre religião feita em duas
sociedades altamente complexas. Ao contrário das análises com base nas práticas
religiosas de pequenas sociedades indígenas, o trabalho de Geertz visava analisar
sociedades com alta densidade populacional e complexidade política. No campo
religioso, em específico, uma das questões políticas que se colocava era se as
tradições étnicas e religiosas tradicionais poderiam se acomodar às novas formas
políticas.
A obra de Geertz foi considerada, no período, inovadora, por fazer uma
crítica a uma visão, até então muito comum no Ocidente, de que o Islã seria
caracterizado pelo atraso, pela irracionalidade e pelos fundamentalismos. Ao
contrário disso, a análise dele aponta para a diversidade de práticas no interior de
uma mesma religião e para os distintos sentidos que uma religião ganha conforme
ela é atualizada em contextos sociais diversos.
Para Geertz, a religião é compreendida como um sistema cultural. O que
ele busca é estabelecer uma relação entre as características locais, regionais ou
mesmo nacionais do Islã e o ethos da civilização para a qual ele ganha sentido.
Dois conceitos são, então, fundamentais para compreendermos essa
reflexão: ethos e visão de mundo.
 Ethos: refere-se à ação, à maneira como as pessoas fazem as coisas e gostam
que sejam feitas, são os aspectos morais (e estéticos) de dada cultura, os
elementos valorativos e o tom emocional de uma cultura.
 Visão de mundo: centra-se na crença, nas noções de um povo sobre como as
coisas são, seus aspectos cognitivos e existenciais.
As duas dimensões são inseparáveis e, mais que isso, são reflexos
mútuos uma da outra. Os símbolos religiosos ligam essas dimensões de maneira
que elas se confirmem mutuamente.
Esses símbolos tornariam crível a visão de mundo e justificariam o ethos,
um em apoio ao outro. Os padrões religiosos têm, segundo Geertz, um duplo
aspecto. Eles são:
 molduras da percepção: telas simbólicas pelas quais a experiência é
interpretada;
 orientações para a ação: guias de conduta.
Geertz destaca que o ritual é o principal mecanismo por meio do qual as
pessoas aderem à religião e encontram não só uma visão de mundo, mas chegam a
adotá-la e a internalizá-la como parte de sua personalidade. Os símbolos sagrados
teriam a função de fundir ethos e visão de mundo. E ao fundi-los, a religião dá ao
conjunto de valores sociais uma aparência de objetividade. Assim, em rituais e nos
mitos, os valores aparecem não como preferências subjetivas, mas como condições
de vida.
A religião foi um tema de estudo importante na história da Antropologia e
ainda é fundamental para se analisar a vida social. A diversidade de crenças, o
modo como às religiões tradicionais se alteram e estão associadas às mudanças
sociais são temas fundamentais para se compreender o mundo contemporâneo.
Como instituição, as religiões possuem também um papel importante na
organização social, uma vez que fornecem um direcionamento para os
comportamentos e uma compreensão específica sobre os sentidos do mundo.

4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Ethos: o sentido mais amplo do termo refere-se ao conjunto de costumes, hábitos e


crenças de determinado povo em um período histórico específico. Na antropologia
culturalista norte-americana, o termo foi bastante usado para se referir a traços
psicológicos e sociais dominantes em determinada cultura. Na Antropologia da
Religião, Clifford Geertz faz referência ao termo para caracterizar o tom emocional
de uma cultura refletido em seus símbolos religiosos .
Psicanálise: campo clínico e teórico proposto por Sigmund Freud (1856-1939). Em
linhas gerais, fundamenta-se na escuta do paciente e na interpretação dos
conteúdos inconscientes por ele expressos por meio de associações livres.
Profano: tudo aquilo que é mundano, isto é, que não tem finalidade religiosa. A
noção de profano é importante para a Antropologia da Religião, pois apenas
podemos compreender o que é sagrado para determinada sociedade em oposição
àquilo que é considerado profano.
Ritual: o termo pode se referir a cerimônias religiosas de diversos tipos, bem como
ao conjunto de regras e comportamentos estabelecidos para determinada ocasião.
Nas pesquisas antropológicas, a noção de ritual é usada não apenas para abordar
os ritos religiosos, mas também os rituais profanos, tais como festas populares,
jogos e outras interações sociais.
Sagrado: a noção está ligada à dimensão religiosa de uma sociedade. No entanto, a
definição do que é sagrado para cada grupo social apenas pode ser compreendida
por meio da definição do que é profano. Desse modo, o sagrado é aquilo que está
acima das coisas profanas e mundanas.
Xamanística: refere-se a uma grande diversidade de práticas mágicas e religiosas
que podem envolver estados de transe e êxtase por meio dos quais o xamã se
comunica com o mundo espiritual e pode promover curas.
Totemismo: refere-se a um conjunto de práticas e rituais que relacionam um grupo
social a um objeto do mundo natural, como uma planta ou animal, representado por
um totem.

TEMA 8 – ANTROPOLOGIA URBANA

1 Cidade como objeto de investigação

Na Antropologia, a cidade como objeto de estudos e campo de


investigação social consolida-se na segunda metade do século XX com a
constituição de uma área específica denominada Antropologia Urbana. A reflexão
social sobre o meio urbano é, contudo, muito anterior à constituição dessa área e
influenciará de modo importante sua institucionalização.
Uma das influências nessa direção é o conjunto de estudos sociais
desenvolvidos pelo que ficou conhecido como a Escola de Chicago. Entre o final do
século XIX e início do XX, a Universidade de Chicago possuía um Departamento de
Sociologia e Antropologia, cujos pesquisadores estavam interessados em
compreender como se articulavam as diferenças socioculturais em ambientes
urbanos que, naquele período, experimentavam um acelerado crescimento.
Nos anos de 1920, a cidade de Chicago passava por um rápido
crescimento populacional, ocasionado principalmente por migrações. Com o
crescimento da cidade, novos problemas urbanos também irrompiam, como o
aumento da violência e o surgimento de gangues.
Os pesquisadores reunidos em torno deste departamento não eram
apenas antropólogos, mas também sociólogos e historiadores – todos interessados
em compreender a vida nas grandes cidades. Apesar da diversidade da formação
profissional desses intelectuais, eles utilizavam algumas metodologias muito
identificadas com a Antropologia, tais como, o trabalho de campo e a observação
participante. O primeiro campo em que desenvolveram suas pesquisas foi a própria
cidade de Chicago, depois se estenderam para os Estados Unidos e, então, para o
mundo. Suas questões eram muito variadas, abarcando: as relações raciais, as
profissões, a educação, a comunicação de massas, as minorias étnicas, as
gangues, entre muitas outras.
Uma das características desses trabalhos foi trazer o debate sobre
etnicidade para o âmbito urbano. Ao contrário da distinção rural/urbano, que
marcava o debate da Escola de Chicago, os trabalhos desenvolvidos pela Escola de
Manchester tinham por questão a oposição tribalização/destribalização em cidades
africanas, cujo crescimento populacional estava relacionado à migração de grupos
tribais que vinham para as cidades ocupar trabalhos assalariados.
Uma das ferramentas analíticas centrais à Escola de Manchester é a
análise de situações sociais. A análise situacional tinha como proposta ampliar as
análises do material etnográfico, deixando de se focar apenas em valores e regras
sociais, para analisar como na vida “real”, de sujeitos concretos, esses valores e
regras, muitas vezes contraditórios, era, de fato, postos em prática. Essa perspectiva
permitia abordar a relação entre os grupos e os indivíduos e o modo como às
pessoas se adaptam a determinadas situações.
A partir de então muitas pesquisas começam a enfocar os contextos
urbanos, que passavam por transformações sociais aceleradas.
No Brasil, o interesse pela pesquisa nas cidades começa a surgir a partir
da década de 1970 e a se consolidar especialmente nos anos de 1980, quando
proliferam muitos estudos sobre as camadas populares nas grandes cidades e
também sobre violência urbana, movimentos sociais, relações de gênero e
sexualidade, práticas religiosas, entre muitos outros.

2 Fazer pesquisa na própria sociedade

Uma das questões levantadas pelas pesquisas realizadas em contextos


urbanos é a relação entre o antropólogo com seu campo de estudos, já que, muitas
vezes, as pesquisas são realizadas na própria cidade do pesquisador. A
proximidade com o tema introduz assim uma nova dimensão para o trabalho do
antropólogo.
Nessa direção, entre os trabalhos que marcam de modo particular essa
dimensão da proximidade versus distância está à obra pioneira de Gilberto Velho.
Publicada em 1973, A Utopia Urbana é considerada uma das obras fundadoras da
Antropologia Urbana no Brasil. A pesquisa foi realizada entre fins da década de 1960
e início de 1970 no edifício onde o próprio antropólogo residiu em Copacabana.
Tratava-se de um prédio composto por muitos apartamentos conjugados.
O objetivo era compreender o imenso crescimento do bairro e saber quem eram
seus moradores, o que faziam, em que, acreditavam. De modo particular, a pesquisa
colocava em destaque a questão de estudar “nós”, ao invés do “outro”, conforme a
Antropologia estava habituada.
Essa foi uma questão que permeou grande parte da obra de Gilberto
Velho, que foi um dos antropólogos mais representativos do campo da Antropologia
Urbana brasileira. Ele constantemente indagava sobre o significado de se fazer
pesquisa nas grandes cidades, nas quais, em geral, o próprio pesquisador reside.
Para ele, o lugar social ocupado pelo antropólogo e suas relações com os
diversos grupos socais tendiam, obviamente, a interferir em seu modo de ver e
analisar as cidades.
Desse modo, a imparcialidade não seria possível. Seguindo, no entanto,
as lições clássicas da Antropologia, a atitude recomendada era buscar estranhar
aquilo que antes lhe era familiar. Ao mesmo tempo, a relação entre o pesquisador,
os grupos que ele pesquisa e a vida na cidade também se tornam um elemento
analítico importante.
Nesse sentido, ao pesquisar a própria cidade é interessante que o
antropólogo produza distanciamento e estranhamento, problematizando sua própria
posição em campo e as relações subjetivas que estabelece. Embora pareça um
exercício complicado, este “estranhamento do familiar” é próprio da pesquisa
antropológica e é uma questão que está presente ao longo de toda a formação do
antropólogo, que é marcada pelo exercício constante de questionar o etnocentrismo
e problematizar os conceitos sociais.

3 Outras alteridades

Um ponto de vista que perdurou por muito tempo na antropologia é o de


que o estranhamento, necessário para a descoberta da alteridade, seria mais
facilmente obtido se a pesquisa de campo comportasse uma distância em relação ao
universo social do pesquisador. De modo mais radical, tratava-se de uma distância
geográfica, quando o campo de pesquisa era literalmente uma ilha, conforme a
imagem icônica, imortalizada por Malinowski.
Desde a institucionalização da Antropologia, entre fins do século XIX e
início do XX, a disciplina foi caracterizada como uma ciência que buscava analisar o
“outro”, o exótico, o distante. No início da Antropologia, buscava-se, assim,
compreender a diversidade de culturas e costumes de diferentes povos. A questão
da diversidade cultural é até hoje a tônica da disciplina.
O distanciamento, necessário à pesquisa antropológica, não é, no
entanto, tão difícil assim de se alcançar quando o antropólogo estuda sua própria
cidade. Gilberto Velho (2003) lembra, nessa direção, as múltiplas formas de
pertencimento dos próprios antropólogos, que nunca são membros exclusivos de
nenhum grupo social.
Todos nós somos marcados por uma multiplicidade de formas de
pertencimento: de gênero, classe social, orientação sexual, religião, como residentes
de uma região da cidade, membros de um determinado clube, profissionais, enfim,
há uma infinidade de identidades que agrupamos em nós mesmos, de modo que
sempre há uma alteridade possível.
Um dos temas tratados por Claudia Fonseca (2004) são as relações de
parentesco dos grupos de camadas populares. A antropóloga destaca a dificuldade
que há em se conceber, inclusive nas teorias acadêmicas, a alteridade em termos
familiares.
No Brasil, a organização familiar das camadas populares é bem diferente
do modelo conjugal estável, predominante nas camadas médias. O que ela faz é,
então, revisitar alguns conceitos que têm sido utilizados nas teorias sobre famílias
de camada popular a partir de seus próprios dados etnográficos.
Ela afasta-se assim de perspectivas que tendiam a ver qualquer variação
da família nuclear como antinorma e busca compreender a lógica interna à
organização familiar dos grupos de camada popular residentes em grandes cidades.
Quando falamos de proximidade e distanciamento, sabemos, contudo,
que esse afastamento pode ser geográfico, de classe social, de gênero, mas num
sentido mais amplo é porque o antropólogo não viveu as mesmas experiências
daqueles que ele pesquisa e também porque ao construir o próprio tema de
pesquisa, o antropólogo carrega toda a tradição teórica da disciplina.

4 A configuração das cidades – um exemplo

As periferias das grandes cidades são um dos campos importantes de


investigação da Antropologia Urbana. O interesse pelo tema está relacionado ao
surgimento de movimentos sociais que levou à constituição de novos atores
políticos. As pesquisas que tomavam as áreas periféricas das cidades como foco de
interesse buscavam compreender as particularidades das estratégias de
sobrevivência, as redes de parentesco e vizinhança, as formas de sociabilidade, a
criminalidade e as representações políticas.
Ao retomar as diferentes formas de organização do espaço urbano, ao
longo do século XX, na capital paulista, a autora destaca três pontos importantes de
mudança:
1. Entre o final do século XIX até os anos de 1940: a cidade estava concentrada, de
modo que diferentes grupos se comprimiam numa área urbana pequena,
segregados por diferentes tipos de moradia.
2. Dos anos de 1940 aos anos de 1980: tratava-se de uma organização do tipo
centro-periferia – na qual os grupos sociais estavam separados por grandes
distâncias – as classes média e alta em bairros centrais com boa infraestrutura e os
mais pobres na periferia.
3. A partir dos anos de 1980: outro padrão vem se desenvolvendo, em sobreposição
ao padrão centro-periferia, no qual os grupos sociais estão próximos, mas
separados por muros e tecnologias de segurança, de maneira que não circulam ou
interagem em áreas comuns.
Segundo a antropóloga, o principal instrumento deste padrão de
segregação espacial mais recente seriam os enclaves fortificados, que são
espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e
trabalho. Trata-se do que conhecemos como condomínios fechados. A justificativa
das pessoas para a mudança para estes espaços é, em geral, o medo do crime
violento, mas um dos efeitos dessa configuração espacial é o abandono da esfera
pública tradicional.
Nos anos de 1990, Caldeira (2000) identificava que São Paulo havia se
tornado uma “cidade de muros”, cuja população estava obcecada com a segurança
e a discriminação social. A vida nos condomínios gerou também uma falta de
noções de interesse público, regras, responsabilidade e respeito ao direito de outras
pessoas, tanto fora quanto dentro dos condomínios.
Em sua pesquisa, a antropóloga encontrou, por exemplo, um alto número
de acidentes de carro, inclusive com mortos, dentro de condomínios, nos quais
saltava à vista a desvalorização da esfera pública e do cumprimento da lei, já que
muitos desses acidentes eram ocasionados por filhos de moradores, menores de
idade, que não eram responsabilizados.
Ao mesmo tempo, havia um fortalecimento de discursos preconceituosos,
nos quais se atribuía ao “outro”, frequentemente o migrante que vem de outros
estados do país, a condição de criminoso. A análise de Caldeira (2000) é muito
interessante, pois entrelaça as questões relativas à configuração das cidades à vida
cotidiana e aos aspectos políticos, o que é sempre um desafio para as pesquisas de
Antropologia Urbana.
Embora em seu nascimento a Antropologia tenha centrado suas
pesquisas em outras sociedades, que não a do antropólogo, há muitas décadas a
disciplina tem também lançado seu olhar para a própria sociedade e, de modo mais
específico, para as relações sociais urbanas. Em termos de diversidade, as grandes
cidades não ficam em nada a dever às análises sobre exóticas sociedades distantes.
Numa mesma cidade, encontramos uma imensa diversidade de personagens,
pontos de vista, modos de viver, crenças e valores.

5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Análise situacional: refere-se à ferramenta analítica proposta pelos autores ligados


à Escola de Manchester. O objetivo desta metodologia é se focar menos nas normas
e valores abstratos de uma sociedade e mais no modo como, na vida social
concreta, essas normas e valores são postos em prática, de acordo com a
racionalidade de agentes sociais concretos.
Enclaves fortificados: por meio deste termo, Caldeira (2000) descreve os espaços
privados, altamente monitorados, que são usados para residência, consumo, lazer
ou trabalho. Os condomínios, residenciais ou comerciais, são exemplos de enclaves
fortificados.
Etnicidade: refere-se ao conjunto de características de um grupo ligado por uma
cultura, idioma ou costumes comuns. Antropologicamente, têm-se dado prioridade à
autodefinição dos grupos mais do que às atribuições externas. A etnicidade é,
assim, uma linguagem que um grupo usa para se diferenciar de outros grupos.
Família nuclear: refere-se ao modelo de família composto por um casal e seus
filhos, sem considerar a rede mais extensa de parentesco, como avós e tios.
Também referida como família conjugal.

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