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Fichamento: DA MATTA, Roberto.

O ofício do etnólogo ou como ter “anthropological


blues”. In: NUNES, Edson de Oliveira (org.). A aventura sociológica. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1978. p. 23-35.

Apresentando o autor:

Roberto DaMatta nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1936. É bacharel em


História, especializado em Antropologia Social, Mestre e Doutor pela Universidade de
Harvard. Lecionou no Museu Nacional da UFRJ e na UFF, onde dirigiu o Programa de
Pós-graduação em Antropologia Social e é professor titular de Antropologia Social da
PUC-Rio e professor emérito da Universidade de Notre Dame. realizou pesquisas
Etnológicas entre os índios Gaviões e Apinayé. Foi pioneiro nos estudos de rituais e
festivais em sociedades industriais, tendo investigado o Brasil como sociedade e sistema
cultural por meio do carnaval, do futebol, da música, da comida, da cidadania, da
mulher, da morte, do jogo do bicho e das categorias de tempo e espaço.

Nesse texto, DaMatta trata de um aspecto da pesquisa antropológica, mais precisamente


da etapa do trabalho de campo, e dos sentimentos e acontecimentos que se tornam
anedotas de campo, que ele vai chamar de “anthropological blues”. Ele referencial
inicialmente trabalhos importantes sobre o aspecto pragmático do fazer pesquisa em
antropologia, mas se propõe a tratar de um “outro lado” da tradição oficial.

“Nas estórias que elaboram de modo tragicômico um mal-entendido entre o pesquisador e o


seu melhor informante, de como foi duro chegar até a aldeia, das diarreias, das dificuldades de
conseguir comida e - muito mais importante - de como foi difícil comer naquela aldeia do Brasil
Central. Esses são os chamados aspectos <românticos> da disciplina...”

A sua questão é justamente de que, mesmo compreendendo a antropologia social como


uma disciplina de comutação e mediação, esses aspectos ainda são tidos como anedotas.
A antropologia é uma área onde se estabelece uma ponte entre dois universos de
significação, com um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediação.
Ele que tornar esses aspectos da subjetividade ocultos, ou apenas anedotas, demonstra
certa insegurança de assumir o quanto de subjetividade está presente nas pesquisas de
campo, principalmente no campo da etnologia. Ai ele diz, “o medo de não assumir o
oficio de etnólogo intergralmente, ou de sentir o que Dra. Jean Carter Lave chamou de
anthrological blues.

II

O anthropological blues implica em incorporar no campo das rotinas oficiais de


pesquisa aspectos extraordinários, emocionais, subjetivos, que emergem do
relacionamento humano. E nesse sentido ele vai afirmar que só se tem antropologia
social quando há de algum modo o exótico, e o exótico depende da distância social, e
essa distância por sua vez é composta pela marginalidade, que se alimenta de um
sentimento de segregação e esta segregação implica em estar só e tudo isso desemboca
na liminaridade e no estranhamento. Ou seja, o exótico necessário para que se faça
etnologia está ligada a uma posição de liminaridade, no sentido da ambiguidade entre o
isolamento do pesquisador e a construção do processo de familiaridade com a
comunidade estudada para que consiga compreender seu funcionamento e produzir
teoria.

Nessa direção, ele diz que “vestir a capa do etnólogo” é realizar duas tarefas: a)
transformar o exótico no familiar e/ou b) transformar o familiar em exótico. E são essas
transformações que permeiam momentos críticos da historia da disciplina. A primeira
transformação, corresponde ao movimento de origem da antropologia, quando os
pesquisadores buscavam os enigmas sociais em universos de significação
incompreendidos pelo seu meio social em comunidades isoladas, e foi assim que o kula
se tornou um sistema de trocas compreensível. A segunda transformação, que ele diz
corresponder “ao momento presente”, o texto é de 1978, é quando a pesquisa se volta
para a nossa própria sociedade, ou seja, ao invés de buscar “praticas primitivas” em
outros povos, buscamos isso nas nossas próprias instituições, práticas políticas e
religiosas. Nessa transformação o problema é de “tirar a capa de membro de uma
classe/grupo social específico para poder estranhar alguma regra social familiar e
descobrir (ou recolocar) o exótico naquilo que está petrificado em nós”.

Ele argumenta que essas duas transformações estão relacionadas de forma intrínseca, a
primeira transformação leva ao encontro daquilo que, na cultura do pesquisador, cabe
no envelope do bizarro, é o trabalho de buscar as regras, valores e ideias do outro. Na
segunda transformação, ele compara com uma viagem do xamã, um movimento drástico
onde de forma paradoxal não saímos do lugar, são viagens para dentro ou para cima,
mas que também conduz para um encontro com o outro e ao estranhamento.

Essas transformações indicam um ponto de chegada – quando o antropólogo se


familiariza com uma cultura diferente da sua – e um ponto de partida, pois para estudar
um ritual brasileiro precisamos torna-lo exótico. Isso significa que a apreensão no
primeiro processo é realizada intelectualmente, a familiarização do exótico é realizada
por apreensões cognitivas, e no segundo caso é necessário um desligamento emocional,
pois a familiaridade foi obtida via coerção socializadora. Mas em ambos, a mediação é
realizada pelas teorias antropológicas, e conduzida por conflitos “dramáticos” que são
pano de fundo das anedotas antropológicas. Portanto, os anthropological blues devem
ser definidos durante os processos de transformação.

Ele pontua então, que a área básica dos anthropological blues como a do elemento que
se insinua na pratica etnológica, mas que não era esperado. Ele traz vários exemplos,
mas achei mais interessante a passagem sobre a etnografia de Maybury-Lewis que fala
apenas no ultimo paragrafo sobre a lagrima nos olhos de seu interlocutor. É como se a
graduação nos preparasse para sistemas políticos, matrimonial, parentesco, mas não
para o fato de que as situações etnográficas não acontecem num vazio.

Ele também coloca uma passagem do caderno de campo sobre um momento de


descoberta etnográfica, e da solidão de não ter com quem compartilhar aquela euforia,
de não ter um par pra validar seu insight. Mas em outro fragmento do diário de campo
ele, um dos seus interlocutores, de forma inesperada, quando ele já aguardava uma
situação exaustiva de troca de colar e miçanga lhe trouxe um presente.

Sua conclusão sobre isso é que o etnólogo nunca está só. Quando ele adentra em um
sistema de regras ainda exótico, ele está relacionado e ligado a sua própria cultura.
Quando aquele sistema de regras se torna familiar, ele retorna a própria cultura, ele traz
imagens e relatos daquelas pessoas com as quais conviveu, que fora do alcance imediato
do mundo dele instigam uma ligação nostálgica do anthropological blues.

III

A última parte do texto são deduções dos aspectos que ele apresentou que formam o
anthropological blues.
“Uma dedução possível, entre muitas outras, é a de que, em Antropologia, é preciso
recuperar esse lado extraordinário e estático das relações entre pesquisador/nativo. Se
este é o lado menos rotineiro e o mais difícil de ser apanhado da situação antropológica,
e certamente porque ele se constitui no aspecto mais humano da nossa rotina”

E esse aspecto, ele diz, é o que permite escrever uma boa etnografia, invocando a
questão de Geertz de distinguir um piscar de olhos e uma piscadela de comunicação. Pra
essa distinção é necessário passar pelos processos de marginalidade, solidão e saudade.
E conclui que a antropologia é um mecanismo de deslocamento da própria
subjetividade.

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