O documento discute as ideias de Bruno Latour sobre a desconstrução da dicotomia natureza-cultura e a proposta de uma ontologia baseada em redes de agenciamentos entre atores. Latour critica a visão ocidental de separação entre natureza e cultura e defende que o mundo é composto por zonas metamórficas de interpenetração de agências múltiplas. Ele substitui o conceito de cultura por ontologias e defende a existência de múltiplas realidades possíveis.
O documento discute as ideias de Bruno Latour sobre a desconstrução da dicotomia natureza-cultura e a proposta de uma ontologia baseada em redes de agenciamentos entre atores. Latour critica a visão ocidental de separação entre natureza e cultura e defende que o mundo é composto por zonas metamórficas de interpenetração de agências múltiplas. Ele substitui o conceito de cultura por ontologias e defende a existência de múltiplas realidades possíveis.
O documento discute as ideias de Bruno Latour sobre a desconstrução da dicotomia natureza-cultura e a proposta de uma ontologia baseada em redes de agenciamentos entre atores. Latour critica a visão ocidental de separação entre natureza e cultura e defende que o mundo é composto por zonas metamórficas de interpenetração de agências múltiplas. Ele substitui o conceito de cultura por ontologias e defende a existência de múltiplas realidades possíveis.
Aluno Francisco Savoi de Araujo Disciplina Natureza, cultura e política Prof. Thiago Cardoso 2018.2
Ontologias possíveis em Bruno Latour
Charles Darwin revolucionou a humanidade quando constatou o homo sapiens como a espécie mais evoluída dentre todos os seres que habitam a Terra. Dentre as habilidades específicas exclusivas ao ser-humano que o permitem que ocupe tal posição figuram-se a razão, a consciência, a linguagem, o domínio sobre os elementos da natureza, a capacidade de organização sociocultural, etc. Nesse sentido, o homo sapiens é amplamente aceito como a única espécie do reino animal capaz de controlar os seus instintos através da razão, capacidade que lhe confere o status de um “animal racional”, mais do que um mero “animal” - palavra utilizada de modo pejorativo, em muitos casos, na intenção de se ofender uma pessoa que tenha agido de maneira “inconsciente”, “sem pensar”. Embalado pelos efeitos da efervescência cultural que ocorria na Europa pós-medieval, Darwin ajudou a legitimar o humanismo na visão de mundo ocidental (leia-se: europeia) que “iluminou” as trevas em que se encontrava uma mentalidade coletiva subjugada pela autoridade da religião católica e seus dogmas. Agora, o valor maior incide sobre a supremacia do ser-humano no mundo enquanto espécie dominante sobre os outros seres da natureza, dotado de livre-arbítrio e capacidade individual de agir e arcar com as consequências de seus atos. Senhor de si, o ser-humano é também senhor da natureza, detendo o controle e hegemonia sobre ela (a natureza). Nesse caso, a dicotomia entre uma natureza pura e virgem face ao mundo da humanidade tornou-se comum; aos efeitos da ação antrópica sobre o planeta Terra, sobre o clima e os ecossistemas, tendo em vista a longa crise ambiental que já vem ocorrendo devido à exploração inadequada e abusiva dos recursos naturais, designou- se Antropoceno, a era geológica que vivemos atualmente. Para aquelas pessoas educadas na tradição de pensamento ocidental, o que foi apresentado acima pode ser lugar-comum. Essas pessoas podem tomar como “dado”, ou “fato” a exclusividade do homem como um animal racional, e por isso a sua capacidade de controlar a natureza que o rodeia, utilizando-a como matéria prima para a fabricação de objetos e artefatos. Do mesmo modo, não seria questionável que a crise ambiental global seja efeito das ações humanas sobre o planeta. Por outro lado, Bruno Latour, em seu livro “Facing Gaia”, procura desconstruir radicalmente o imaginário do paradigma ocidental, questionando a separação e a própria existência de “natureza” e “cultura”. Nesse caso, o Antropoceno seria um argumento geológico eurocentrado marcado pelo dualismo natureza/cultura, cuja pretensão global consideraria a Terra como um espaço unificado que não leva em conta as diferentes formas locais de se sentir as mudanças climáticas. O Antropoceno só pode ser explicado no plural, tendo em vista as disputas de narrativas sobre as formas de ser e estar no mundo dentre as diversas ontologias possíveis existentes. Para Latour, a ontologia ocidental considera que a existência da natureza implica o mundo estar como está, retirando-se a agência e des-animando as coisas do mundo em benefício da hegemonia do ser-humano nos espaços que ocupa; nesse sentido, o que anima (no sentido de dar vida) as coisas da natureza é a sua antropomorfização. O pensamento ocidental, com todo seu embasamento científico, seria apenas mais uma ontologia possível dentre as possibilidades de mundos sempre plurais. Latour considera o mundo, então, enquanto zonas metamórficas de interpenetração de agências. Os agenciamentos são balizados por outros discursos e questões ontológicas que não os ocidentais. Se natureza e cultura deixam de existir para Latour, quem seria o responsável pela crise ambiental? E por que a ecologia nos perturba tanto? Entre natureza e naturezas, de que natureza somos nós, os humanos? O discurso ocidental se apresenta nas polaridades entre natureza/cultura, contudo na prática aparecem os híbridos. A solução de Latour é dar um reset na modernidade, trabalhando as mudanças climáticas do Antropoceno a partir dos híbridos, não mais usando a dicotomia Natureza/Cultura. O acordo ontológico de Latour propõe um conjunto de redes, interconexões e agência de cada ente; o actante significa o mundo a partir da agência. Entre ação e reação Latour localiza e situa a ideia de natureza/cultura para falar das redes, ao contrário do pensamento moderno que pega os entes da rede e coloca em caixinhas natureza/cultura. O mundo são zonas metamórficas de actantes, existindo uma figuração não no sentido ontológico, mas sim para falar das agencialidades. Com a intrusão dos híbridos, a natureza questionada por Latour dá lugar à Gaia, que se constitui como uma ação, uma figuração para as ações múltiplas. Trata-se, antes de tudo, de mundear os processos da vida através da intercambialidade e compartilhamento de agências. Nas redes que constituem o mundo, as entidades interligadas por meio de agenciamentos são fases – processos de mundeação que coloca em cheque a noção de representação social e construção simbólica do mundo material. Entre categorias de representação e redes de agenciamento, diferentes narrativas estão em jogo, em um pluriverso onde cada ontologia é uma realidade, um mundo paralelo. Trata-se de uma negociação de múltiplas realidades que estão em jogo: por um lado a construção da modernidade que separa e purifica natureza/cultura (natureza só existe em função da cultura); de outro está o fim da natureza, em que pese a mundeação que constitui processos de múltiplas agências onde os substantivos se transformam em verbo. Latour substitui o conceito de cultura pelo de ontologia, num cenário marcado pela anti-representação e anti-discurso. Trata-se de uma rede composta de diversos entes os quais são dotados de agenciamentos específicos que incidem uns sobre os outros. Considerando a existência de múltiplas ontologias, a ontologia humanista – naturalista considera que os animais não têm epistemes, agindo por instinto. Por outro lado, Gaia é potência, fenômeno que aparece sob várias formas. O que faz a Terra ser viva?A agênncia de micro-atores é o que vai definir o balanço da vida na Terra. Nesse sentido, as ações humanas afetando a Terra saem do “centro”, o que gera uma Inversão do Antropoceno. O sistema de Latour não é o dos engenheiros que buscam uma totalidade geral, mas sim uma totalidade de pequenas coisas que agem entre elas, questionando-se a ideia de totalidade em favor das singularidades (micro-relações). O Antropoceno é entendido então não como totalidade, mas como relações entre micro-atores com agenciamentos diferenciados - não existe um “nós” antropos. Latour romper ainda com a ideia de adaptação, quando defende que a natureza não está dada, mas sim é o jogo de construção do ambiente (micro relações) o que vai definir o ambiente. Gaia nos convida a pensar os agenciamentos como solução para os dualismos ocidentais entre Natureza/Cultura, a partir da noção de mundeação, quando as coisas agem e são verbo. Todo ser vivo é construtor de seu ambiente, e diferentes percepções sobre a realidade consideram as tradições ontológicas específicas (confito ontológico) as quais cada pessoa foi educada.