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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Aluno Francisco Savoi de Araujo


Disciplina Seminário de Métodos de Produção e Análise em Etnografia
Prof. Luis Nicolau Parés
2018.2

Atividade: Resenha 3 - GASKELL, George. “Entrevistas individuais e grupais”. IN: BAUER,


M. W. e GASKELL, G. (orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual
prático. São Paulo: Vozes, 2002, pp. 64-89.

Entrevistas qualitativas e trabalho de campo

O professor britânico de psicologia social George Gaskell, em seus mais de 25 anos


de atuação, apresenta em “Entrevistas individuais e grupais” diretrizes prático-teóricas
fundamentais para a realização de uma pesquisa qualitativa. Neste capítulo do livro “Pesquisa
qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático”, organizado em parceria com o
também psicólogo social britânico Martin Bauer, Gaskell discute especificamente sobre a
dimensão das entrevistas no trabalho de campo, que são classificadas como entrevista em
profundidade, quando realizada com uma única pessoa, e o grupo focal, que consiste em
uma entrevista com um grupo de pessoas da cultura que se está estudando.
As entrevistas qualitativas permitem que o pesquisador tome contato com a
diversidade de pontos de vista sobre uma dada realidade, quando os membros de uma cultura
específica, cada qual com sua interpretação pessoal e subjetiva sobre o mundo em que estão
inseridos, constroem e modificam ativamente este mundo. A dinâmica das relações sociais
pode ser, assim, compreendida segundo um grau de profundidade que alcance as motivações
que levam as pessoas a se comportarem de determinadas formas em contextos específicos.
Nesse sentido, as entrevistas devem ser preparadas e planejadas de acordo com um
referencial teórico que guie a investigação na direção do tema e objetivos da pesquisa.
O formato das entrevistas abertas semiestruturadas consiste no delineamento de um
"tópico guia”, que se refere ao conteúdo das perguntas - “o que perguntar?” - direcionadas a
entrevistados - “a quem perguntar?” - que devem ser selecionados segundo critérios
específicos. Deste modo, para além da familiaridade com a literatura especializada sobre o
tema de pesquisa, o entrevistador deve ter um reconhecimento prévio de campo para a
preparação de seu empreendimento. A entrevista não deve se limitar ao tópico guia,
assumindo antes o tom de uma conversa natural que permita ao entrevistado exercer certa
autonomia e liberdade ao que está sendo discutido, podendo surgir na maioria dos casos
assuntos relevantes que não constam no tópico guia, que consiste mais em um lembrete, um
referencial para que a entrevista não se desvie dos objetivos da investigação. Do mesmo
modo, temas considerados a princípio centrais na fase de planejamento das entrevistas podem
se tornar irrelevantes quando o entrevistado não demonstra interesse em tais temas.
É importante que se registre, então, todo o processo no qual se desenvolveram as
entrevistas, desde o planejamento, passando pelas técnicas empreendidas para a sua
realização, incluindo por fim as relações entre as expectativas iniciais do que o pesquisador
encontraria em seu desenrolar e os resultados obtidos. A análise destes resultados iniciais
permite a formulação de hipóteses que podem ser confirmadas ou não mediante a realização
de novas entrevistas, conformando uma figuração cíclica que se retroalimenta e se solidifica a
cada nova empreitada ou investida realizada pelo pesquisador em busca de novas
informações. Neste caso, às entrevistas podem se somar outros métodos de pesquisa
qualitativa, como a observação participante, por exemplo, quando o pesquisador pode
presenciar fatos do cotidiano - corriqueiros ou não - que podem extrapolar o âmbito do
discurso entre um “Eu” e um “Outro”.
Diferentemente das generalizações que são encontradas nas “amostragens” estatísticas
das pesquisas quantitativas, as pesquisas qualitativas buscam estabelecer uma “seleção” a
partir de um número reduzido de casos concretos que exploram pontos de vista distintos
sobre uma realidade aparentemente homogênea. Do mesmo modo, diferentes entrevistas
podem revelar percepções compartilhadas sobre certos aspectos da vida social, o que
demonstra o rico potencial que este método de investigação possui de, mais do que captar a
base social comum, compreender as dimensões da relação que incide entre membros de um
determinado grupo em contextos e situações específicos de acordo ou desacordo entre si.
Da entrevista individual, sendo uma relação de interação um-a-um entre um “Eu”
pesquisador e um “Outro” interlocutor em que se desenrola um processo dialógico de
produção de conhecimento, o grupo focal consiste em uma interação entre um “Eu”
pesquisador e um “Nós” pensado enquanto identidade compartilhada de uma “unidade social
mínima”. O social adquire aí grande relevância, quando as manifestações individuais sobre a
realidade se revelam mediante às negociações com outros membros do grupo a respeito das
expectativas que exercem entre si no tocante aos valores sociais comuns que pretendem
sublinhar com maior ou menor ênfase. Os participantes de um grupo focal estabelecem,
então, uma interação social que é catalisada na figura do pesquisador, o responsável por
conduzir e direcionar a conversa de acordo com os objetivos da investigação, podendo se
apropriar de diversas técnicas e recursos utilizados para estimular o debate, como imagens,
fotografias e até mesmo dramatizações.
Nesse caso, consensos e divergências a respeito da vida social podem aparecer de
modo bastante notável em um grupo focal, tendo em vista as subjetividades que dialogam
entre si. No caso das entrevistas individuais, tais consensos e divergências podem ser
encontrados quando se compara diferentes entrevistas. Por outro lado, se o grupo focal pode
revelar a formação de lideranças comunitárias localizadas nas pessoas que apresentam maior
influência de decisão em meio ao encontro, as entrevistas individuais permitem que as vozes
mais tímidas que não se manifestam em uma conversa coletiva de um grupo focal possam se
expressar.
Por fim, Gaskell ressalta a relevância de se incorporar na análise das entrevistas mais
do que simplesmente as narrativas registradas durante a sua realização, mas também o tom
emocional e o ambiente em que ocorreu o encontro entre o pesquisador e o seu interlocutor.
O autor considera, contudo, que a observação participante possa ser um parâmetro sob o qual
se julgue outros métodos de pesquisa qualitativa que não sejam capazes de captar com
tamanha abrangência determinados aspectos da vida social, geralmente escamoteados e
manipulados durante entrevistas em razão de interesses pessoais de interlocutores que
apresentam ao pesquisador uma realidade distorcida.

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