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Fazemos referência aqui ao movimento que toma força na década de 60 e chega
ao Brasil por volta da década de 70. Além de R. Lourau e R. Hess, encontra expressão em
outros nomes como A. Savoye, R. Barbier, G. Lapassade, etc., atuando no campo da
disciplina Análise Institucional e da intervenção socioanalítica; algo sobre a autodefini-
ção desse movimento e desses conceitos pode ser encontrado em Hess et al. (1993a,
1993b).
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em Minayo, salvo engano, esta citação não é de Malinowski, mas de Schwartz & Schwartz, além de não
corresponder ao que se cita à página 135, de O Desafio do Conhecimento; favor esclarecer.
204 ♦ A ZEVEDO & C ARVALHO
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A implicação pode ser sumariamente definida como uma forma de engajamento
do pesquisador em uma prática clínico-política, em função de sua historia familiar,
política, econômica e libidinal, de sua inserção nas relações de produção, de seu engaja-
mento em projetos sociopolíticos, de tal modo que o resultado desse investimento seja a
expressão da dinâmica de toda uma atividade de conhecimento.
206 ♦ A ZEVEDO & C ARVALHO
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Essa é a tradução do original “hors-text” empregada no livro, utilizado como
referência, René Lourau: Analista Institucional em Tempo Integral. Outra tradução, empre-
gada em outras referências, seria “fora do texto”, talvez mais clara por si só do que o termo
significa.
208 ♦ A ZEVEDO & C ARVALHO
fazer uma reflexão sobre a prática e servir de fonte para trabalhar a con-
gruência entre teoria e prática. É no momento em que se constrói essa
distância que o diário pode ser considerado um instrumento para a pes-
quisa científica, tanto quanto serve para a coleta de dados (Hess, 2006).
Ao considerar que a produção de um diário permite analisar a arti-
culação de aspectos de natureza individuais, intersubjetivas, grupais, orga-
nizacionais e institucionais da vida em sociedade, Hess propõe a elabo-
ração de um diário institucional. Considera que este diário, ao se centrar
na descrição cotidiana de fatos marcantes que se organizam em torno da
vivência de uma instituição, pode desvelar as implicações que se fazem
presentes no trabalho e no estabelecimento e “assinalar as contradições
entre os projetos anunciados e as práticas institucionais” (Hess, 2006).
Sem negar a utilidade que o diário pode, em qualquer situação, ter
para seu autor, Hess afirma que a sua utilização pode servir a outros
sujeitos e esferas da vida social. É o que ocorre quando este é disponibili-
zado para a leitura e análise por outros atores da (ou fora da) instituição.
Diferentemente do que se poderia pensar em um primeiro momento —
ao encará-lo como uma escrita pessoal — o diário pode tornar-se uma
ferramenta coletiva de análise de uma determinada situação ou problema.
Para isso é importante que o esforço de sua leitura seja empreendido por
um grupo que busque, nas suas reflexões, vivenciar e entender conflitos
e contradições em oposição a uma postura de recusa delas (Hess, 1988).
E é assim que o diário tem o potencial de se caracterizar como disposi-
tivo que explicite as linhas de força e de tensão, o texto, o contexto e o
extratexto de uma dada situação social que, ao serem expostas, afetam e
deixam afetar-se, produzem e transformam a realidade (Kastrup, 2008).
A passagem do diário íntimo para um material publicável, que
possa ser utilizado como ferramenta coletiva não é simples. É necessá-
rio realizar uma re-escrita do diário, ora resumindo-o e ora censuran-
do-o para adequar-se ao entrelaçamento das forças presentes na dimen-
são onde tal escrito será publicado (sejam códigos éticos ou morais,
políticos, institucionais ou conjunturais). Será uma análise do espaço
em que será publicado ou veiculado que conduzirá o trabalho de re-
escrita do autor (Hess, 1988).
Temos, assim, dois momentos de escrita desse diário. O primeiro
momento podemos dizer que seja o do presente. É aquele em que o
diarista está em campo, registrando o que passa por sua pele, o que toca
O diário de campo, o ensino, a gestão e a pesquisa ♦ 209
Práticas diarísticas
Relatamos agora uma série de experiências com os diários. Os
relatos inscrevem-se nas esferas do ensino, da gestão e da pesquisa, qua-
se sempre com altos graus de intervenção no campo de trabalho. Todas
as experiências que aqui se descreve, exceto a última, foram vivenciadas
por um dos autores deste texto durante o programa de Residência Mé-
dica em Medicina Preventiva e Social (RMPS) da Universidade Esta-
dual de Campinas (Unicamp) nos anos de 2007 e 2008.
Esta pós-graduação lato sensu tem desenvolvido suas atividades de
ensino em parceria com a rede de saúde do município de Campinas há
vários anos. Por seu caráter prático e interventor o início de novos alu-
nos é sempre esperado com ansiedade, pois costuma mobilizar as equi-
pes de alguma forma. Uma das principais cargas horárias do programa
é na área de Políticas Públicas, Gestão e Planejamento. Durante o pro-
grama são desenvolvidas atividades na rede de serviços da Secretaria
Municipal de Saúde de Campinas tendo como referência, no primeiro
ano, um Centro de Saúde e, no segundo ano, a instância de direção
de um Distrito de Saúde. Uma das principais funções do estágio é o de
apoiar a gestão das ações desenvolvidas em consonância com diretri-
zes municipais que preconizam, desde 2001, que o “apoiador” deveria
procurar
Paula disse. . .
Oi Bruno!!!
Sobre a saúde do trabalhador na Venezuela. Pelo q entendi
do seu portuñol cada vez melhor (parabéns!). As atividades do
INPSASEL estão mais relacionados ao ministério do trabalho, a
minha curiosidade está em saber como são realizadas as ações de
saúde que perpassam o campo do trabalho. Especificamente me
interesso em saber como é feito a readaptação de cargo ou função
dos trabalhadores acometidos de doenças ocupacionais e se esse
trabalho tem a parceria dos SRI’s?
O autor responde:
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“Alguns companheiros me pediram que escrevesse também em espanhol. Agora
começo a ter um pouco mais de confiança para tentar fazê-lo. O problema é que meu
tempo em um computador é pequeno e demoro mais para escrever em castelhano”.
O diário de campo, o ensino, a gestão e a pesquisa ♦ 215
Considerações finais
O diário pode, então, ser usado em diversas áreas, de diversas for-
mas e com diversos propósitos, em ensino, gestão e pesquisa. O caráter
que terá, como qualquer outra ferramenta, dependerá do uso que se faz
dele: pode ser uma coleta ou produção de dados pessoalista, mas tam-
bém pode ser de análise coletiva, pode intervir, ser participativo, ser
includente de pessoas e opiniões diferentes e até contrárias.
A aposta é ter no diário mais um instrumento de uma caixa de fer-
ramentas, para qualquer uso que dela se faça. Além disso, a aposta é ter na
escrita uma forma de dar visibilidade, de fazer falar, de fazer contar, de
trazer algo que é pessoal, mas que pode extrapolar-se e trazer outras coisas
à cena, incluindo e sendo participativo. Muito bem expresso por Deleuze:
Bibliografia
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