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Há infindáveis situações de pesquisa (na verdade, cada uma é 4. Consolidação do trabalho de campo
diferente da outra), mas como norma geral e em todas elas a figura
do pesquisador é construída com a sua colaboração apenas parcial, É bom que nos lembremos, mais uma vez, que no campo, as-
pois a imagem que projeta reverbera no grupo a partir das referên- sim como durante todas as etapas da pesquisa, tudo merece ser en-
cias que este possui, dentro de seus padrões culturais específicos. tendido como fenômeno social e historicamente condicionado: o
Da mesma forma, a visão que o investigador constrói sobre o gru- objeto investigado, as pessoas concretas implicadas na atividade,
po que é objeto de seu estudo e com o qual interage depende das o pesquisador e seu sistema de representações teórico-ideológi-
pessoas com quem travar relações. Concluímos, pois, que a visão cas, as técnicas de pesquisa e todo o conjunto de relações interpes-
das duas partes será sempre incompleta e sempre imprecisa. soais e de comunicação simbólica.
Essa construção mútua do pesquisador e dos pesquisados atra- Uma pesquisa não pode se restringir à utilização de instru-
vés da interação é analisada por vários estudiosos que ressaltam mentos apurados de coleta de informações. Para além das infor-
sempre a necessidade de levá-la em conta como um dado de rea- mações acumuladas, o processo de trabalho de campo nos leva,
lidade. freqüentemente, à reformulação de hipóteses ou, mesmo, do cami-
nho da pesquisa. Enquanto construímos dados colhidos e os arti-
Se a entrada em campo tem a ver com os problemas de identi- culamos a nossos pressupostos exercitamos nossa capacidade de
ficação, obtenção e sustentação de contatos, a saída é também um análise que nos acompanha em todas as fases.
momento crucial. As relações interpessoais que desenvolvemos
durante uma pesquisa não se desfazem automaticamente com a Outro ponto importante de ressaltar ao fmal é o que se refere
conclusão das atividades previstas. Há um "contato" informal de à interação entre nós, pesquisadores e nossos interlocutores. No
processo investigativo, mesmo partindo de posições sociais dife-
favores e de lealdade que não dá para ser rompido bruscamente
rentes e assimétricas, ambos buscamos a compreensão mútua que
sob pena de haver uma forte decepção dos interlocutores. Como nos permita transcender ao senso comum. No entanto, o pesquisa-
investigadores, trabalhamos com pessoas, logo, com relações e dor nunca deve buscar ser reconhecido como um igual. O próprio
com afeto. Não há receitas para esse momento, mas podemos for- entrevistado espera dele uma diferenciação, uma delimitação do
mular algumas questões que nos ajudam a estarmos atentos, aler- próprio espaço, embora sem pedantismos, segredos e mistérios. A
tas e eticamente comprometidos: em que pé ficam as relações pos- sua função social lhe pede uma colaboração específica que não é e
teriores ao trabalho de campo? Qual o compromisso do pesquisa- não pode ser a mera repetição do que observou e do que ouviu nas
dor com o grupo, no que concerne aos dados primários recolhidos, entrevistas. O pesquisador em qualquer hipótese temo ônus da com-
seu uso científico e as formas de retorno? preensão contextualizada e da interpretação.
Em resumo, a saída do campo envolve problemas éticos e de Em resumo, o trabalho de campo é em si um momento relacio-
prática teórica. A relação intersubjetiva que criamos pode contri- nal, específico e prático: ele vai e volta tendo como referência o
buir para definição do tipo e do momento do corte necessário nas mundo da vida, tendo em vista que a maioria das perguntas feitas
relações mais intensas e um plano de continuidade possível ou em pesquisa social surge desse universo: da política, da economia,
desejada. das relações, do funcionamento das instituições, de determinados
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problemas atinentes a segmentos sociais, da cultura geral ou local, guisa social e também responde a algumas questões correntes entre os
e outros. No entanto, as perguntas que fazemos sempre nos reme- pesquisadores: o status científico da palavra e da observação da realida-
tem a algo desconhecido, ao que permanece oculto para nós, ao de, o sentido de uma entrevista enquanto representação da realidade dos
que nos é estranho na linguagem, na cultura, nas relações ou nas grupos, as controvérsias sobre os vários procedimentos e técnicas qua-
estruturas. litativas e a articulação de várias estratégias. Por ser proveniente de uma
vasta experiência, este estudo contribui muito para a formação de pesqui-
O trabalho de campo é, portanto, uma porta de entrada para sadores sociais.
o novo, sem, contudo, apresentar-nos essa novidade claramente.
São as perguntas que fazemos para a realidade,a partir da teoria BERREMAN, G. Por detrás de muitas máscaras. In: Zaluar, A. (org.).
que apresentamos e dos conceitos transformados em tópicos de Este texto faz parte de um livro importante organizado pela antropóloga
pesquisa que nos fornecerão a grade ou a perspectiva de observa- Alba Zaluar, a propósito do método de pesquisa antropológica, denomi-
ção e de compreensão. Por tudo isso, o trabalho de campo, além de nado Desvendando máscaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
ser uma etapa importantíssima da pesquisa, é o contraponto dialé- 1975, p.77-96.O autor descreve com simplicidade e complexidade a prá-
tica que teve de trabalho de campo numa pesquisa realizada na Índia. Re-
tico da teoria social. corre às idéias do teatro, palco e bastidores para falar das relações entre
pesquisadores e interlocutores, mostrando como, na prática, não há obje-
tividade e, sim, subjetividades em relação. Mas o autor se serve desse ar-
Referências gumento para falar da urgente necessidade do pesquisador não só prepa-
rar muito bem seu estudo como de explicitar as condições de produção de
MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: seu trabalho.
Abril, 1984.
DESLANDES, S.F. Trabalho de campo: construção de dados qualitativos
MINAYO, M.C.S. Trabalho de campo: teoria, estratégias e técnicas. In: e quantitativos. Este texto faz parte do livro Avaliação por triangulação
O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 2006. de métodos: abordagem de programas sociais, organizado por Minayo,
SCHRIMSHAW, S. & HURTADO, E. Anthropological approaches M.C.S.; Assis, S.G.; Souza, E.R. e publicado no Rio de Janeiro: Fiocruz
for programmes improvement. Los Angeles: Ucla, 1987. em 2005, p.157-184. A autora do referido capítulo desenvolve minuciosa-
mente a idéia de campo, o sentido e a prática dos procedimentos, as rela-
SHUTZ, A. Common-sense and scientific interpretations of human ções sociais entre os observados e o observador, as implicações da presen-
action. Haia: Martinus Nijhoff Editions, 1973. ça do pesquisador e, sobretudo, seu texto inova em dois sentidos; quando
articula a pesquisa qualitativa e a quantitativa e quando descreve em deta-
lhes o que foi observado num trabalho de campo específico. O capítulo so-
Referências comentadas bre o assunto se insere no contexto de um livro que subsidia o pesquisador
nas estratégias de combinação ou "triangulação" de métodos.
MINAYO, M.C.S. Trabalho de campo: teoria, estratégias e técnicas.
Este estudo faz parte do livro O desafio do conhecimento. São Paulo:
Hucitec, 2006, Ted. ampliada e aprimorada, p.201-261. A autora desen-
volve detalhadamente a teoria e a prática do trabalho de campo em pes-