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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Aluno Francisco Savoi de Araujo


Disciplina Seminário de Métodos de Produção e Análise em Etnografia
Prof. Luis Nicolau Parés
2018.2

Atividade: Resenha 2 - HAMMERSLEY, Martin; ATKINSON, Paul. Etnografia. Metodos


de Investigación. Barcelona: Paidós Básica, 1994. Cap 3 “El acceso”, pp. 71 - 96.

O acesso à informação no fazer etnográfico

A obra “Etnografia. Métodos de investigación” (1994) dos sociólogos britânicos


Martin Hammersley e Paul Atkinson visa refletir sobre o fazer etnográfico de modo geral.
Em seu capítulo 3, “El acceso”, os autores evocam uma série de etnografias já realizadas por
outros pesquisadores para discutirem sobre o acesso às informações de campo, incluindo os
potenciais e limitações metodológicos nas relações entre o pesquisador e seus interlocutores.

Em uma etnografia a inserção do pesquisador no seu campo de estudos se apresenta


como um cenário marcado por constantes negociações com seus interlocutores. Estas
negociações dizem respeito sobretudo ao acesso por parte do pesquisador às informações que
serão coletadas durante a pesquisa, tendo em vista as relações interpessoais estabelecidas no
transcurso do trabalho de campo. Nesse sentido, a depender do modo como se caracteriza tais
relações, o grau de abertura do que é ou não é compartilhado com o pesquisador é muito
particular, o que pode demonstrar indícios de questões de ordem prática, mas também da
organização do espaço social no qual possa se desenvolver certos tipos de atividades.

No contexto de uma antropologia urbana, por exemplo, realizada em lugares públicos


onde a interatividade entre as pessoas é muito pouco incentivada, no que se configura no que
Goffman designou por uma “desatenção civil”, o investigador pode passar despercebido em
campo, priorizando-se muitas vezes a observação do que a participação. Aqui, a problemática
reside sobre um maior aprofundamento dos dados coletados para que a pesquisa não seja
superficial, uma vez que travar contato com as pessoas em campo pode ser considerado um
grande desafio.
O acesso do pesquisador aos dados de campo pode ser facilitado, por exemplo, por
meio de apadrinhamentos junto a figuras-chave do grupo que se está estudando, com a
inclusão do pesquisador no círculo de amigos e familiares de seu padrinho. O padrinho
exerce uma influência por vezes determinante sobre a evolução da pesquisa, oferecendo sua
proteção e amizade além de ensinar a conduta e comportamento adequados em campo. Por
vezes, contudo, o apadrinhamento possui limitações, quando o pesquisador se fecha ao
“horizonte social” do padrinho. De fato, o desenvolvimento da pesquisa etnográfica não pode
ser previsível nem pelo pesquisador e tampouco pelos seus interlocutores, sendo determinado
antes de tudo pelos acontecimentos casuais que ocorrem durante a estadia em campo.

Nesse sentido, há uma relação direta entre o acesso e a qualidade dos dados coletados
em campo, a depender da intimidade e confiança que o pesquisador conquista de seus
interlocutores. Muitas vezes a informação resultante da pesquisa pode ser pouco significativa,
e o acesso a determinadas informações pode ser de difícil penetração, cujos limites muitas
vezes são vigiados por “porteiros” com os quais o pesquisador deve negociar para que lhe
seja permitida a investigação. Os porteiros são um dos principais mediadores entre o grupo e
o pesquisador, quem concede a permissão de acesso a certos tipos de informação.

Contudo, a introdução do etnógrafo no grupo que pretende estudar nem sempre se


inicia pelos porteiros, sendo importante também o contato prévio com outras pessoas que já
tenham acesso ao que se pretende pesquisar. O pesquisador enfrenta dificuldades quando se
interessa por aspectos mais delicados e muitas vezes problemáticos para os sujeitos de
pesquisa, como questões que dizem respeito ao conflito, períodos de mudanças e transições
que muitas vezes podem ser de grande interesse de pesquisa.

Nesse sentido, em contextos como o crime organizado, instituições policiais e práticas


ilegais em geral os porteiros podem bloquear o acesso e a investigação ser realizada
secretamente, podendo a identidade do pesquisador ser encoberta, o que pode gerar questões
de ordem ética e moral. Por outro lado, sendo revelada sua identidade, o pesquisador pode
conquistar a confiança plena de seus interlocutores ou ser completamente rechaçado. Na
cumplicidade do pesquisador com seus interlocutores estes se transformam em confidentes, e
a pesquisa negociada explicitamente com o detalhamento aberto das propostas junto aos
interlocutores.

Concluindo, durante as circunstâncias cotidianas da realidade que se apresenta ao


pesquisador os problemas delineados previamente ao trabalho de campo se transformam em
meras especulações. É no decorrer do próprio trabalho de campo, com a confiança e abertura
que o pesquisador vai conquistando junto de seus interlocutores, que o acesso a certas
informações vai sendo permitido. Para tanto, são de importância fundamental os porteiros e
os padrinhos, mas também as redes de amizade e inimizade que o pesquisador vai formando.
A qualidade dos dados coletados em campo pode variar de acordo com as expectativas e
credibilidade que recaem a partir dos sujeitos de pesquisa sobre o pesquisador, cujo
comportamento apresentado em campo gera efeitos diretos nos resultados da pesquisa, sendo
o acesso à informação uma negociação constante que não se resolve com a simples entrada
do pesquisador em campo.

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