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Fichamento. Bateson, Gregory.

Naven : um esboço dos problemas sugeridos por um


retrato compósito, realizado a partir de três perspectivas, da cultura de uma tribo da
Nova Guiné / Gregory Bateson ; tradução Magda Lopes. – 2. ed. – São Paulo : Editora
da Universidade de São Paulo, 2006.

CAPÍTULO 8: PROBLEMAS E MÉTODOS DE ABORDAGEM

Relacionar os detalhes do ritual naven com seu cenário (contexto)

 Análise estrutural das cerimônias


 Ao enfatizar alguns relacionamentos classificatórios da sociedade iatmul, as
cerimônias contribuem para a sua integração, cumprindo uma função
importante na manutenção dessa estrutura cultural como um todo.
 O crescimento das aldeias só é possível devido às realizações periódicas do
naven e seus análogos sociológicos
 Dois fatores que contribuem para o “complexo naven”: estruturais e
sociológicos.
 Características do “complexo naven”:
o Identificação do wau (irmão da mãe) com a mãe do menino
o Gestos grotescos do wau
o Aspecto imundo e repulsivo do wau: veste as piores roupas femininas
o Já a irmã do pai veste as melhores roupas masculinas
 Bateson questiona sobre o tamanho da aldeia e o nível de integração da
comunidade através do ritual naven.
 Supões que um fator para o crescimento e integração da aldeia seja a guerra de
caça às cabeças, mas logo cita um caso Mundugumor no qual há uma fraca
integração social, mas, por outro lado, é um povo exímio na caça às cabeças.
Bateson descarta, deste modo, a ligação “caça às cabeças – integração social”.
 Levanta, assim, reflexões sobre a motivação individual: os motivos subjacentes
ao comportamento humano são, para Bateson, subjetivos e individuais, não
podendo se fundar sobre razões lógicas, estruturais e sociológicas.
 Motivo convincente: o naven fortalece a lealdade de um laua para com seu
wau.
 Mas Bateson problematiza a ideia de lealdade:
o Condicionada pela cultura,
o Podendo se expressar de diferentes formas e graus.
o Variadas formas de gratificação que podem conquistar a lealdade entre pares
 Suposição grosseira: todos os homens desejam a lealdade de seus companheiros,
não revelando nada sobre os motivos do wau no naven.
 Bateson busca, assim, refletir sobre as funções afetivas e emocionais como
explicação para a conformação da estrutura cultural e desenvolvimento social
dos iatmul, bem como para as motivações individuais que os levam a agir de
determinado modo.
 O estudo das funções afetivas envolve um estudo preliminar do ethos da cultura
(método etológico; etologia).

Zeitgeist e configuração:

 Crítica à antropologia funcionalista: ignora a importância de uma abordagem


histórica no estudo cultural.
 Narrativas especulativas e busca pelas “origens” – crítica realizada pelo
funcionalismo ao método histórico
 Mas Bateson justifica sua defesa pelo método diacrônico: a história, como
ciência, procura formular generalizações (leis gerais) baseadas no estudo
comparativo, realizado a partir de diferentes narrativas sobre processos de
mudança cultural e social. O autor incentiva os estudos nessa área do processo,
mudança cultural, a diacronia da vida social.
 Bateson reflete sobre uma abordagem sincrônica à descrição do processo
sincrônico, de forma a empregar conceitos funcionais e econômicos dos estudos
sincrônicos aos processos diacrônicos.
 Mas não deixa de considerar as interferências dos historiadores (método
diacrônico) nos estudos sincrônicos: Conceito de Zeitgeist – o espírito dos
Tempos (Dilthey-Spengler), logo adotado pela antropologia sincrônica:
o as mudanças culturais são controladas por alguma entidade abstrata da
cultura
o tal entidade pode variar de tempos em tempos
o toda mudança implica em inovações
o mas nem sempre uma inovação é apropriada à sua época, podendo ser
acionada de acordo com as necessidades mais proeminentes de cada período. Ou
seja, uma inovação só pode ser considerada inadequada em relação à época em
que está inserida.
 Conceito correlato ao de Zeitgeist: “configuração cultural” (Ruth Benedict).
o As configurações específicas a cada cultura condicionam os
comportamentos de seus membros.
 Alguma revolução torna o mundo “pronto” para receber inovações
 Zeitgeist, configuração etc.:
o são conceitos que invocam um tipo de misticismo
o estudo mais holístico que analítico da cultura
o a cultura considerada como um todo, sendo possível a visualização de
seus sistemas de pensamentos e escalas de valores.
o Pensamento e valor: termos extraídos da psicologia individual
o mente grupal - pensamentos e sentimentos culturais
o “Assim, quando atribuímos a uma cultura um sistema de pensamento ou
uma escala de valores, devemos querer dizer que a cultura afeta de algum
modo a psicologia dos indivíduos, fazendo com que grupos inteiros de
indivíduos pensem e sintam de modo similar (: 165, grifo nosso)”
o Recursos utilizados pela cultura para afetar a psicologia individual:
 Educação: induz e promove certos tipos de processos
psicológicos
 Seleção: valorização de uma tendência inata a determinados tipos
de comportamentos e processos psicológicos
 Ambos os métodos (educação e seleção) ocorrem em todas as
sociedades
 Bateson, então, para fugir da dicotomia, prefere definir a cultura,
inspirado por Benedict, “como algo que padroniza a psicologia dos
indivíduos” (: 165, grifo do autor)
 Axioma fundamental da abordagem holística: o objeto estudado é
composto por unidades cujas propriedades são de certo modo
padronizadas por sua posição na organização como um todo.
 A padronização afeta os instintos e emoções, bem como os
sentimentos suscitados por aqueles em suas específicas reações aos
vários estímulos da vida
 Efeitos da cultura sobre o sistema de pensamentos dos indivíduos são ainda
nebulosos.
 Uma reflexão mais clara sobre os sistemas de pensamentos permanece por ser
feita. Mas, primeiro, Bateson se aventura pelos reinos da psicologia individual para
estudar como os seus aspectos afetivos (individuais) podem se padronizar nas
diferentes culturas.

Teorias psicológicas e etologia

 a cultura pode padronizar a constituição afetiva dos indivíduos


 explicação dos fenômenos sociais em bases psicológicas
 padrões fixos de reação emocional
 teoria aplicada às cerimônias naven: os homens e mulheres têm naturalmente
algumas atitudes uns para com os outros, sendo afetados de maneiras específicas
quando se travestem do outro sexo. São naturalmente gregários.
 Potencialidades psicológicas utilizadas na interpretação das culturas.
o Ao descrever uma cultura algumas potencialidades específicas podem ser
invocadas
o Como sustentar tal posição frente às diferentes e contraditórias
tendências subjetivas dos seres humanos: definir um critério satisfatório.
 Sentimentos e emoções individuais organizados e padronizados pela cultura
 Finalmente Bateson chega a uma definição para o seu entendimento sobre
cultura:
“Concluímos que a cultura padroniza as reações emocionais dos indivíduos e
modifica a organização dos seus sentimentos”, formulando sua própria definição
para uma teoria psicológica de cultura “em termos como os seguintes: um ser
humano chega ao mundo com potencialidades e tendências que podem ser
desenvolvidas em várias direções, e é perfeitamente possível que indivíduos
diferentes tenham potencialidades diferentes. A cultura em que ele nasce
enfatiza algumas de suas potencialidades e suprime outras, além de atuar
seletivamente, favorecendo os indivíduos mais bem dotados com as
potencialidades preferidas na cultura e descriminando os que apresentam
tendências estranhas. Dessa maneira a cultura padroniza a organização das
emoções.” (: 167).
 Explicar a cultura a partir dos estímulos que ela gera em sentimentos individuais
específicos
o Mundugumor: hostilidade como um aspecto da natureza humana
enfatizado pela cultura, sendo um fator importante na conformação do
tamanho das aldeias (aldeias pequenas)
o Iatmul: ênfase na “tendência gregária” e sua contribuição no
crescimento das aldeias. Porém Bateson toca nesse ponto gregário
apenas a título de exemplo, ressaltando que de fato não é uma faceta da
natureza humana especialmente enfatizada entre os iatmul, descartando
tal explicação
o Constata, contudo, que a dimensão exacerbada das aldeias iatmul cumpre
a função de gratificar o orgulho. grande centro de gratificações em torno
do qual crescem as aldeias iatmul
o Orgulho: atributo da natureza humana muito enfatizado pelos iatmul
 Descreve, assim seu método:
o Determinar o sistema de sentimentos enfatizado pelas instituições
culturais
o Tal sistema pode ser entendido enquanto um “fator ativo na formação
das instituições” (: 168).
o Circularidade: observar vários fenômenos comparáveis para formular
uma afirmação teórica sobre qualquer fenômeno em particular. Mas no
presente caso tal circularidade se deve à própria natureza dos fenômenos
estudados.
o P. ex. o ciúme, que é ao mesmo tempo enfatizado pelas instituições que
participa (em especial as instituições sexuais) como ele mesmo molda
essas instituições.
o Circularidade: propriedade universal dos sistemas funcionais. Cada
elemento do sistema funcional contribui/depende para/das atividades dos
outros.
 Bateson propõe, admitindo tal circularidade, uma reflexão sobre o
funcionamento interno dos sistemas funcionais, para além de uma visão externa.
 Trata-se da função holista de cultura em que todos os seus elementos estão
ligados em um sistema funcional.
 A visão circular dos sistemas funcionais não admite a crença em uma “causa
primeira” dos fenômenos culturais, uma vez que eles são interdependentes
 As descrições culturais baseadas neste tipo de abordagem só podem ser
comprovadas por meio de um estudo comparativo que rompa as fronteiras dos
“círculos culturais”, considerando as funções exercidas por um mesmo elemento
em diferentes sistemas culturais, possibilitando a comprovação das afirmações
realizadas sobre tais fenômenos.
 Abordagem etológica: identificar e abstrair o ethos de uma cultura
o Sistematizar aspectos da cultura mais significativos e fundamentais na
sua conformação, para além de uma classificação simples das
instituições, por exemplo.
o Ethos: “expressão de um sistema de organização culturalmente
padronizado dos instintos e das emoções dos indivíduos [...] uma
abstração de toda a massa de suas instituições e formulações.” (: 169)
o Dentre a diversidade de ethos possíveis em cada cultura é o conteúdo da
vida afetiva que se altera, ao passo que seria improvável classificar os
tipos de ethos existentes

Exemplos de ethos na cultura inglesa:

 Indicativos de um ethos:
o Tons de comportamentos adequados a circunstâncias específicas
o Expressões de um sistema padronizado de atitudes emocionais
o Conjunto definido de sentimentos
o Atitude definida em relação à realidade
o A receptividade e repercussão para determinados tipos de
comportamentos são definidos pelas circunstâncias
o Fator real na determinação das condutas
o O processo de desenvolvimento do ethos no interior de um grupo é um
fenômeno cotidiano, não havendo nada de misterioso ou raro
o O ethos pode deste modo, variar no interior do grupo, tendo em vista as
tendências e tônicas comportamentais que o conduzem.
o Sendo assim, a estabilidade de uma posição etológica dentro de um
grupo é maior quanto mais este grupo estiver continuamente nas mesmas
condições – como no exército ou entre professores da faculdade; igreja etc.,
ou seja, em grupos menos causais.
o Grupos menos causais, ou seja, mais estáveis e permanentes, tendem a ter
um ethos mais constante e estável.
o É quando entra em ação o poder do tabu, uma vez que o tabu cria
interdições que separam e classificam o mundo, estabilizando um ethos.
o Mas o ethos de qualquer grupo nunca está absolutamente fixado. Os
processos de mudança etológica possuem diferentes ritmos tendo em vista a
estabilidade dos grupos sociais, nos quais deve-se empregar uma força
maior para tal mudança do que em grupos mais instáveis.
 Bateson pontua, ainda, outro fator social paralelo ao ethos: a tradição
o Ethos e tradição são fatores que andam juntos na conformação dos
costumes de uma sociedade
o A tradição pode ser mais bem evidenciada em grupos mais estáveis
o E também está ligada à estrutura cultural do grupo
o Costumes e comportamentos típicos de determinado grupo já mais
estável podem estar fundados, ou serem guiados, tanto pelo ethos quanto à
tradição deste grupo, cujo efeito ocorre sobre a própria estabilização desse
ethos.
o Ethos e tradição atuam juntos
o Sistema circular: atitudes formadas historicamente (com relação ao
passado) como expressão do próprio ethos de um grupo.
o Relação íntima entre ethos e estrutura cultural
 Características dos pequenos grupos segregados
 O ethos é uniforme e a “tradição”, viva
 Tradição viva: conexão persistente com o ethos
 Culturas complexas: variedade de ethos, donde determinados
contextos etológicos podem se tornar inadequados em circunstâncias
específicas
 Contudo Bateson acredita que o conceito de ethos possa ser
aplicado à sociedade ocidental, quando diferentes setores da sociedade
com seus ethos específicos podem conviver harmoniosamente
 Tratam-se de sistemas diferenciados que persistem ao longo das
gerações até serem abalados por
 Questionamentos e dúvidas sobre as escalas de valores; “quando
os senhores começarem a duvidar da ética de sua posição e os servos
começarem a duvidar da propriedade da submissão” (: 172).

CAPÍTULO 9: O ETHOS DA CULTURA IATMUL: OS HOMENS

Bateson vai em busca de uma descrição etológica da cultura iatmul:

 Posições sociais simples, em contraste com o modelo ocidental


 Diferença social mais marcante: diferenças entre os sexos
 Ritual naven está ligado ao travestismo, sendo relevante para a sua compreensão
um entendimento adequado sobre as posições sociais ocupadas pelos homens e
mulheres iatmul
 A cultura iatmul apresenta de forma geral os mesmos contrastes entre os homens
e mulheres, podendo-se dizer como um “fato social total”:
o Homens: atividades espetaculares, dramáticas e violentas centradas na
casa cerimonial
o Mulheres: rotinas úteis de cunho doméstico e familiar, como cozinhar e
criar os filhos, centradas no espaço da casa de moradia
o Ao contraste homens/mulheres se reflete o contraste casa
cerimonial/casa de moradia, sendo tal contraste entre estes espaços o ponto de
partida para a reflexão de Bateson sobre a etologia dos iatmul.
 Casa cerimonial:
o Esplendor da construção como numa igreja
o Semelhança com uma igreja se reflete nas atitudes em relação ao prédio:
respeito aos tabus que visam a não profanação do espaço, com maneiras de agir
e de se comportar adequadas ao caráter atribuído ao espaço
o A analogia entre casa cerimonial e igreja para por aí, pois não funciona
como apenas um espaço de ritual, mas também como um lugar de encontro entre
os homens para discutir fatos relevantes do cotidiano da comunidade
o Além disso, presta-se não como um símbolo de devoção, mas sim um
símbolo de orgulho dos homens como caçadores de cabeças
 Ethos de uma igreja ocidental: local sagrado e calmo
 Ethos da casa cerimonial: local quente, impregnado de calor devido à
violência e à morte necessárias para a sua construção e consagração;
distante da austeridade e suave devoção associadas às igrejas
o Ou seja, o ethos da casa cerimonial pode ser representado como um misto
de orgulho e constrangimento.
o Um homem adquire posição na comunidade devido aos seus feitos
notáveis (guerra; feitiçaria; xamanismo etc.)
o Ênfase contínua na cultura iatmul para a autoafirmação
o Os debates que ocorrem na casa cerimonial assumem um tom exaltado e
dramático
o A posição notável de um homem na comunidade permite-lhe que ele
chame mais atenção pública quanto possível para seus atos de bufonaria e
zombaria, reservando sua dignidade para as ocasiões em que está no fundo
o Orgulho e bufonaria são aceitos como comportamento respeitável e
normal
o Os homens mais jovens tendem a um maior autocontrole
o Estar em público na casa cerimonial em vistas de alguma atividade
formal ou ritual implica em constrangimentos
o Bateson faz, assim, uma reflexão sobre os debates que ocorrem na casa
cerimonial, pontuado seu tom exageradamente dramático, exaltado e
performático, onde as emoções se afloram de tal modo a mobilizar uma série de
forças no interior da casa cerimonial
o Chegando à “raiz da questão” do debate: questões sobre os ancestrais
totêmicos “do outro lado”, enfatizando seus mitos ora lembrados por algum dos
debatedores
o Para além do orgulho individualista recorrente na comunidade, há um
orgulho pelos ancestrais totêmicos do clã
o A maior parte dos debates diz respeito a detalhes do sistema totêmico
o Função afetiva do sistema totêmico iatmul: proporcionar aos membros
do clã um motivo de autocongratulação
o O ethos orgulhoso da cultura reage sobre o sistema totêmico

Descrição do sistema totêmico iatmul:

 Pano de fundo emocional das cerimônias naven


 A maior parte dos debates que ocorrem na casa de cerimônia diz respeito a
detalhes do sistema totêmico
 Importância dos ancestrais totêmicos para a manutenção do clã
 Cada pessoa porta uma série de nomes pessoais ligados aos ancestrais, que
podem ser espíritos, aves, estrelas, animais etc. Uma pessoa pode portar mais de
30 nomes
 A memorização desses nomes é fundamental para a sobrevivência dos mitos de
origem de cada clã. Cada nome está ligado a um mito
 Feitos esotéricos dos ancestrais totêmicos nas origens do mundo
 Todas essas questões estão relacionadas com a ênfase que a cultura iatmul
atribui ao orgulho, individual, mas também em relação ao clã
 Cantos onomásticos: performance em que ocorre a lembrança constante aos
membros dos clãs para a importância de seus ancestrais
o Característica importante de toda cerimônia iatmul
o Só não está presente nos ritos de iniciação

Ou seja, o ethos do orgulho está muito marcado entre os homens iatmul, quer seja em
suas performances rituais ou atividades cotidianas visando sempre atrair a atenção das
mulheres e causar-lhes boas impressões. A ênfase no orgulho ocorre em muitos
contextos da vida dos homens.

Do mesmo modo que os rituais, as atividades cotidianas dos homens também são
marcadas por um caráter espetaculoso, podendo ser ritmadas pelo toque de instrumentos
musicais e apresentações de danças ou realização de alguma cerimônia ao se concluir
determinado serviço.

Bateson define algumas características para as cerimônias naven:


 Importância ritual
o Efeitos mágicos
o Origens totêmicas esotéricas
o P. Ex. Garantir (ou agradecer) a fertilidade e prosperidade
 Comemorar algum trabalho realizado de forma a sublinhar a grandeza dos
ancestrais do clã
o A concretização de um trabalho reforça o orgulho de um membro em
relação ao próprio clã
o P. Ex. Conclusão da reforma de um novo chão para a casa cerimonial

A importância ritual com seus efeitos mágicos é ignorada pela maioria dos participantes

Em função da ênfase no orgulho, os elementos cerimoniais que mais despertam


interesse aos iatmul seriam a “comemoração por algum trabalho concretizado” em
relação com as revelações sobre as “origens totêmicas esotéricas” do clã, este último
elemento reconhecido por apenas poucas pessoas que prestam interesse à “importância
ritual” das cerimônias, menosprezando-se, contudo, seus efeitos mágicos.

O ethos masculino do orgulho e do espetacular molda a cultura iatmul

Bateson procura refletir, na sequência, sobre o ethos da iniciação, sendo esta uma das
dimensões da vida na casa cerimonial.

 Jejuns aplicados aos noviços e iniciadores


 Noviço – risco espiritual
 Uma série de interdições e obrigações são aplicadas ao noviço por conta de tal
risco, como “beber água suja”; “não deve tocar seu alimento com a mão e é
submetido a um banho drástico que sugere purificação ritual” (: 178 – 179)
 Mas antes de lidar com os noviços em tom de proteção e cuidado ante às
contaminações inerentes de seu estado de risco espiritual (perigo), os iniciadores
agem com a típica bufonaria conforme dita a regra da cultura iatmul.
 Os noviços são submetidos a uma série de feitos como numa “brincadeira de
mau gosto” (: 179) nos quais seus iniciadores estão preocupados em enganá-los,
fazê-los sofrer e se sentirem humilhados e infelizes.
 As escarificações são realizadas sob um espírito cínico e sádico; as bocas abertas
com um pedaço de osso e examinadas não dizem respeito a nenhum tabu
alimentar, mas sim espetar o osso na gengiva do menino fazendo sangrar; o
banho no rio após as escarificações não serve para a purificação, mas sim o frio
e a dor nas costas que serão esfregadas com a água gelada pelos iniciadores.
 Os noviços são submetidos, assim, a uma série de provas rudes e cruéis, sempre
embasadas por um pretexto ritual por detrás
 Intimidação dos noviços: “contexto no qual os diferentes grupos de iniciadores
podem marcar pontos de orgulho uns contra os outros. Por exemplo, uma
metade dos iniciadores decidiu que os noviços haviam sido tão atormentados
quanto podiam suportar e optou por omitir um dos episódios rituais. A outra
metade começou então a se jactar de que os moderados estavam com medo da
bela maneira como eles aplicariam os tormentos; então o grupo dos moderados
endureceu seus corações e executou o episódio com uma selvageria extra” (:
179, grifo do autor).
 Deste modo, os ritos de iniciação iatmul, com a intimidação dos noviços, serve
também ao fortalecimento do ethos do orgulho nessa cultura, sendo ao mesmo
tempo o fator subjacente aos comportamentos rituais.
 Após iniciado, o menino já pode ser introduzido na casa cerimonial
 E ele só suporta as aflições as quais é submetido devido ao orgulho histriônico
e bufonaria irresponsáveis característicos desta instituição, se adaptando
invariavelmente a estas características.
 Segundo Bateson, tais características edificam um homem rude,
supercompensado, “quente”, do mesmo modo que um tipo de comportamento
disciplinado imposto a noviços de outras culturas pode servir no futuro à
autoridade.
 O ethos da iniciação é relevante porque expressa o ethos contrastante entre os
dois sexos, o contato entre dois ethos, exprimindo um “padrão cultural coerente
perpassando o contrastante ethos dos sexos” (: 180). Bateson define diferentes
períodos da iniciação:
o Primeiro período: noviços – esposas
 Obrigados a manusear o pênis de seus iniciadores como se fossem suas
esposas.
 O papel passivo característico do sexo feminino é vergonhoso aos
noviços.
 Submissão desprezível
 Analogia etológica entre homem/esposa e iniciador/noviço
 Ethos do iniciador: exagero do ethos masculino na casa cerimonial
 Ethos dos noviços: ainda é nebuloso, em função de sua situação liminar.
“Até certo ponto, sobretudo nos primeiros estágios da iniciação, eles
desempenham o papel das mulheres” (: 180). “os meninos absorveram o
ethos das mulheres no início de suas vidas e assim chegaram à sua
iniciação com algumas atitudes emocionais características das mulheres
dessa cultura” (: 180)
 Deste modo os iniciadores obrigam os noviços a assumir uma posição
complementar de “esposas”, tendo que assumir papéis característicos
dessa posição social.
 Finalidade da iniciação: adoção, pelo noviço, de um ethos masculino
 Mas antes devem ser, paradoxalmente, obrigados a se comportarem
como mulheres
 O tom marcadamente exagerado que iniciadores e noviços
desempenham seus papéis representando homens/mulheres cumpre uma
função contra-sugestionável aplicada ao noviço, que se rebela com a
submissão exacerbada (esposa, mulheres) pela qual tem que passar
perante o seu iniciador (homem). O ethos submisso característico das
mulheres é aceitável por elas porque no curso da vida cotidiana é mais
brando, enquanto nos ritos de iniciação seu caráter exacerbado e drástico
gera revolta nos meninos a este tipo de ethos.
 Como consequência o noviço fica orgulhoso do ethos masculino,
extraindo sentimentos de superioridade de sua separação do universo das
mulheres, também devido ao fato de passarem por todo o processo ritual
do qual estão excluídas.
 Na sequência, a relação entre iniciadores/noviços se altera. O iniciador
assume um papel de “mãe” do noviço, com a função de protegê-lo,
alimentá-lo e ensiná-lo tudo o que diz respeito ao universo masculino,
como tocar flautas e realizar tarefas comunitárias.
 Como já dito acima, Bateson reitera a competição entre os iniciadores no
tocante aos diferentes estilos de desempenhos que exercem, havendo
provocações e rivalidade.

Sistema de caça de cabeças: expressão mais completa do ethos masculino

 Um crânio inimigo jamais deve ser tocado


 A caça às cabeças é tida como um “esporte”
 Estrangeiros (membros de outras aldeias) são os principais “alvos”
 Dois motivos principais:
o Orgulho pessoal do indivíduo
 Homicídio bem sucedido: dá direito a ornamentos e pinturas corporais
especiais
 Homicida: herói do naven; patrocinador de banquetes; admirado pelas
mulheres
 Vingança: um parente morto jamais deve ser esquecido, sendo uma
vergonha não vingá-lo.
 A não vingança pode levar a doenças e morte no grupo daquele que
morreu
 A maioria dos assassinatos está relacionada com a vingança
o Orgulho e satisfação pela prosperidade e força de sua comunidade
 A morte não vingada pode ferir também, de certo, ao orgulho do clã.
 O corpo do inimigo é levado à aldeia para a sua morte simbólica,
realizada por um homem vestido com a máscara do kau – espírito da águia
que representa um “grupo invasor” qualquer ao clã
 A prosperidade está diretamente ligada com caças de cabeças bem
sucedidas
 As cabeças dos mortos são colocadas sobre os mbwan, marcos de pedra
caracterizados por símbolos fálicos que representam os ancestrais
 A prosperidade depende dos ancestrais
 Copulação: mbwan tou-, “instalar uma pedra”.
 Ato sexual masculino: violência e orgulho
 Principal fonte de orgulho da aldeia
 Ao mesmo ethos masculino estão relacionados a vergonha, luto e nwgglambi.
 Orgulho/vergonha fazem contrapontos de um mesmo ethos masculino
 Lado espetacular da caça de cabeças: toda vitória era comemorada com
grandes danças e um cerimonial que envolvia toda a aldeia
 Matador: herói e anfitrião dessas comemorações

CAPÍTULO 10 – O ETHOS DA CULTURA IATMUL: AS MULHERES

Ao contrário dos homens, há pouca ênfase no orgulho e exibição espetacular.

Ocupação: cuidados com o ambiente doméstico, alimentação (pesca; roça etc.) e


crianças.

 Atividades realizadas de maneira privada e discreta, ao contrário dos homens


cujas atividades demandam grupos grandes, assumindo um caráter público.
 Não há nada de espetaculoso nas atividades das mulheres.

Na divisão da casa, Bateson reflete também sobre as relações de gênero:

 Uma única casa é dividida por dois ou três homens com laços de parentesco
patrilineares. Esta divisão é mantida com extrema rigidez e formalidade
 Os espaços que são criados dentro das casas por cada homem não devem ser
invadidos pelos demais
 Tal constrangimento não cabe às mulheres, livres para circular por toda a casa
 Contudo, cada mulher tem o seu local separado para cozinhar
 As mulheres de uma casa não possuem laços de parentesco
As mulheres vão ao mercado

 Alegria
 Negócios pequenos
 Não há ostentação, diferente dos homens

O cooperativismo das mulheres contrasta com o orgulho dos homens

Iniciativa feminina (ethos orgulhoso das mulheres):

 Casamento
 As mulheres de personalidade forte e corajosa são respeitadas, revestidas de
poder e autoridade
 O marido depende das atividades da mulher (como a pesca e alimentação dos
porcos) para se exibir na casa cerimonial
 Situações ocasionais em que a mulher assume um papel assertivo

Apesar de todas essas situações ocasionais, “a ênfase mais habitual do ethos da mulher é
sobre atitudes cooperativas e tranquilas” (: 194, grifo meu)

Muito embora seja ressaltada a iniciativa feminina nos avanços sexuais, a cópula
enfatiza o protagonismo dos homens, menosprezando-se o papel das mulheres

Ethos das mulheres: ênfase dupla

 Atitudes emocionais contrastantes aos dos homens


o Homens: a vida como uma representação teatral (melodrama)
o Mulheres: a vida como uma alegre rotina cooperativa de provimento do
alimento e cuidados domésticos, animada pelos dramas representados pelos
homens. Submissão.
 Porém, ocasionalmente as mulheres assumem um ethos orgulhoso mais
próximo aos dos homens, gerando admiração em toda a comunidade
 Atividades cerimoniais das mulheres: esta dupla ênfase etológica fica também
evidente
o Cerimoniais internos (ausência de homens)
 Ênfase jovial e cooperativa
 Danças frequentes realizadas pelas mulheres dentro das casas que
representam os homens com desprezo
 Tabus sexuais
 A oposição sexual atinge seu ápice: os homens tentam as mulheres para
quebrarem os tabus de modo que se adie a cerimônia, enquanto as
mulheres se vingam dos homens recusando-se a cozinhar para eles
 As mulheres assumem o comando total da casa; os homens retiram seus
pertences limpando o espaço para a dança alegre e festiva que irá ocorrer
 Os homens se recusam a assistir a celebração, em tom de desprezo

o Cerimoniais públicos (audiência composta pelos homens)


 Ethos orgulhoso
 Atitude orgulhosa e leve travestismo
 Danças realizadas na “área de dança”, com a presença dos homens
 A jovialidade característica dos cerimoniais internos não aparece aqui
 Marcha em procissão até a “área de dança”, quando assuem um ethos
masculino orgulhoso diferente dos padrões de comportamento joviais e
discretos que apresentam nos cerimoniais internos e situações do
cotidiano

RESUMO DA OBRA: diferente das mulheres os homens não apresentam uma dupla
ênfase etológica, assumindo seu ethos orgulhoso independentemente das ocasiões. Já as
mulheres, tendo em vista os trajes que vestem, podem representar tanto
orgulho/drama/espetacularização/quente quanto submissão/jovialidade/descrição/frio.

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