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A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA MORAL ATRAVÉS DA

CULTURA INSTRUMENTALIZADA PELA PROPAGANDA NAZISTA

Tema: Em que medida os factos morais são relativos à cultura?

Por Lucas Sabino, aluno 162393,

do curso de Licenciatura de Filosofia

pela orientação do Professor Pedro Galvão

2023
RESUMO

O propósito deste ensaio é refletir sobre o o sistema social de factos morais e a cultura, suas
implicações, suas referências, seus princípios e seus impactos no que chamamos de
comunidade ou nação. A idéia central passa por contextualizar sobre o que são os factos
morais em si e a cultura a fim de criar uma plataforma exploratória dos assuntos a serem
apresentados em profundidade. A fim de provar o relativismo às verdades universais,
iniciamos o percurso com o darwinismo social, eugenia, ética das raças através da visão de
Francis Galton, e por fim a imersão ao nazismo como expoente instrumentalizador da cultura
através da propaganda a fim de alcançar seus objetivos moralmente aceitos pelos próprios
nazistas. O que aconteceu na Alemanha talvez seja o experimento filosófico e sociológico mais
intenso que tivemos ao longo dos séculos, e consequentemente, gerador de muita reflexão e
perplexidade, ainda hoje, em todos os utilizadores de qualquer forma de moralidade.

Palavras-chave: Ética; Moralidade, Cultura, Propaganda, Crenças, Nazismo, Darwinismo Social

OS FACTOS MORAIS E A CORRELAÇÃO COM A CULTURA

Para Vázquez (2008), ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.
Assim, a moral é entendida como ato e a ética como reflexão sobre esse ato. Dessa maneira,
moral é prática e ética é teórica. Vásquez (2008) define que a ética está ligada à justificação
do comportamento moral do indivíduo em sociedade. A ética estuda as práticas da sociedade.
Pode-se perceber a prática do campo da moral do ponto de vista da cultura. Às vezes, o
comportamento tem um significado de imoralidade porque o indivíduo tem conhecimento
das regras sociais e mesmo assim não as vive. Em outros casos, pode ser amoral. Isto é, age
sem conhecimento das normas, mas, mesmo assim, é punido socialmente. Diante disso, é
possível perceber que o relacionamento travado na sociedade estabelece regras de
convivência para o indivíduo e desse para com a sociedade. Então, as regras de condutas
humanas são fruto de necessidades de controle social.

Nesse aspecto, é preciso entender que a ética não cria a moral. Pois, por meio da reflexão
filosófica, é possível verificar a existência de princípios éticos fundamentando a ação humana,
na interação com a coletividade e a prática cotidiana manifestando atitudes morais, portanto,
valorativas. Assim, os princípios são interiorizados pelo indivíduo de maneira que em todo ato
manifesta um conjunto de valores pessoais advindo da história pessoal e coletiva. A moral
humana sempre foi alvo de curiosidade e investigação devido à sua diversidade e
complexidade.
E ainda, conforme (CHALITA, 2003), a moral é ação, isto é, solidificada por princípios. Tais
princípios são entendidos como sentido e significado que o homem atribui à realidade, aos
objetos, aos fenômenos e aos homens. Em outros termos, valores. Estes são obtidos,
elaborados, implantados em cada ser humano, aqui entendidos como cultura, através de
observações dos atos, das ações, reflexões, e suas implicações no comportamento do homem
para com o outro. A cultura passa a ser então o lócus de onde advêm os valores, manifestados
nos comportamentos humano. Chalita (2003) define um conceito de ética que nos mostra ser
um conjunto de reflexões sobre as normas escolhidas por um grupo social e reflete as
discussões pregressas sobre a moral e os princípios que foram aceitos pelo mesmo grupo.

De acordo com o historiador Alfredo Bosi, a palavra cultura advém da palavra “colo”, que
significa em latim “eu moro, eu cultivo”. Inicialmente, a palavra designava as culturas agrícolas
(de beterraba, de cenoura) e, posteriormente, o verbete passou a se referir ao conjunto de
ideias e tradições de um povo. Como os antepassados eram enterrados no mesmo solo no
qual o alimento do povo era plantado, a palavra cultura passou também a designar o cultivo
das tradições, dos cultos, ritos e identidade de cada população. A cultura tem um papel
importante para estabelecer tais valores. Em todas as instâncias sociais, digam-se culturais,
onde o homem está, ou seja, na família, na escola, na vivência cotidiana, em todos os
relacionamentos os valores estão presentes. E quanto mais o homem se relaciona, mais
valores ele vai incorporando e estabelecendo sua maneira de ver, julgar e agir socialmente.
Ou seja, a cultura tem um papel importante na constituição valorativa do homem.

As culturas fazem com que as pessoas tenham maneiras próprias de viver. E, em cada uma
dessas culturas, o homem pode buscar respostas aos movimentos reflexivos, aos medos e às
explicações da existencialidade pessoal e coletiva e atribuir eticidade a tais fenômenos. Com
o antropocentrismo, a discussão central passa a ser o indivíduo em sociedade. Portanto, não
se pode pensar em ética sem levar em conta a cultura. Se a ética é reflexão e a moral é prática,
então podemos pensar que a moral está na cultura e é nela que os valores são criados para o
ato humano. Dessa maneira, a ética é o espelho que reflete os valores, os princípios, as
normas, as regras de comportamento do homem em sociedade no conjunto de manifestações
culturais. No entanto, da mesma forma como ocorre com as demais convenções sociais, juízos
morais também podem expressar diferentes perspectivas do que seja “certo” e “errado”.
Nesse caso, o problema é que a pretensão de validade universal desse tipo de juízo acaba
gerando sérios conflitos entre as pessoas. Desde então, essa esfera de exigências mútuas
criada pela existência dos juízos morais passa a exigir também que os justifiquemos. Já não
basta, portanto, dizer que esta ou aquela conduta está “certa” ou “errada”, mas é necessário
também explicar o porquê e como ela deriva ou se subscreve à cultura.
A ÉTICA DAS “RAÇAS” HUMANAS

A fim de compreendermos como a ética advinda da cultura tem sido construída ao longo do
tempo, precisamos ter o entendimento do seu início e evolução. No passado, século XVII, os
conceitos de monogenismo e poligenismo tornaram-se populares, embora só fossem
sistematizados epistemologicamente durante o século XIX. O monogenismo afirma que todas
as raças têm uma única origem, enquanto o poligenismo é a ideia de que cada raça tem uma
origem separada. Até o século XVIII, as palavras "raça" e "espécie" eram intercambiáveis. o
racismo científico, uma pseudo-ciência, investigava e postulava as razões pelas quais uma raça
era superior à outra. Elenquemos dois principais filósofos (entre outras ocupações): Robert
Boyle (filósofo irlandês) e Henry Home, Lord Kames (filósofo escocês). Enquanto o primeiro
acreditava que todas as raças, não importa quão diversas, vieram da mesma fonte, Adão e
Eva. Ele estudou histórias relatadas de pais dando à luz diferentes albinos, então ele concluiu
que Adão e Eva eram originalmente brancos e que brancos podiam dar à luz diferentes raças
coloridas. As teorias de Robert Hooke e Isaac Newton sobre cor e luz via dispersão óptica
influenciaram diretamente suas deduções. Enquanto o segundo, o escocês, acreditava que
Deus criara diferentes raças na Terra em regiões separadas.

Interessante notar que o darwinismo social, como pensamento, fortalecia o imperialismo, o


racismo e o nacionalismo. Os darwinistas sociais insistiam que os indivíduos e as raças estavam
dentro de uma luta pela sobrevivência, em que apenas o mais forte sobrevive e, na realidade,
apenas o mais forte merece sobreviver. Eles dividiam a humanidade em raças superiores e
inferiores e consideravam o conflito racial e o nacional uma necessidade biológica e um meio
para o progresso. O darwinismo social é a doutrina respeitada no mundo não-cristão assim
como os grupos intelectuais cristãos do passado acreditavam que possuíam a autoridade para
deter todas as riquezas e subjulgar nações do mundo, uma vez que, a posse do mundo foi
dada simplesmente por serem cristãos. A diferença é que o critério do cristão é ser “Fiho de
Deus”, enquanto o critério darwiniano é que a superior raça deve subjulgar a inferior pelo seu
mérito de qualificação evolutiva. Ou seja, o argumento que uma raça é melhor do que a outra
, seja pela sua origem, seja pela sua pseudo-natureza distinta ou qualquer outro argumento
falacioso, gera corrupção na integridade social através de crenças erradas projetadas a partir
de pseudo-ciência. Africanos, pagãos, judeus, pessoas que não se encontravam na normativa
sexual da época, mulheres e crianças sofreram intensamente ao longo dos séculos por conta
de falácias argumentativas que foram responsáveis por limitar o Homem em sua evolução
ética através de novos factos morais de sua cultura coexistente. Ao passo que, mulheres,
escravos e crianças não eram considerados “homens livres”, mas sim propriedade. Deste
modo, todos os direitos dos homens livres não poderiam ser fornediso às pessoas de “ordem
inferior”, isto é, natureza de objeto. E por isso, matar alguém inferior tem o mesmo peso ético
que destruir sua própria fazenda ou matar um inseto. Isto é, o homem livre tem total direito
à sua ação sem que o julgamento individual ou social confronte sua própria consciência.
Francis Galton, primo de Charles Darwin, criou o conceito de "eugenia" que seria a melhora
de uma determinada espécie através da seleção artificial. O primeiro livro importante para o
pensamento de Galton foi Hereditary Genius (1869). A sua tese afirmava que um homem
notável teria filhos notáveis. Galton acreditava que a "raça" humana poderia ser melhorada
caso fossem evitados "cruzamentos indesejáveis" o que acompanhava o sentido racista da
eminente burguesia europeia da época. O desenvolvimento de testes de inteligência para
selecionar homens e mulheres brilhantes, destinados à reprodução seletiva são obras de
Francis Galton em caráter de promover estes ideais para reafirmar o senso de superioridade
e como propaganda a fim de deturpar as possibilidades de enfraquecimento da comunidade
branca europeia contra imigrantes. Esta ideologia teve papel fundamental na formação do
fascismo e nazismo.

A CAPTURA DA ÉTICA PELA CULTURA DO REGIME NAZISTA

Quando se estuda o nazismo e o processo de instituição do Terceiro Reich por Adolf Hitler,
uma das características mais evidentes é a retórica antissemita, isto é, o conjunto de discursos
elaborados contra a população judaica européia. Entretanto, é necessário ressaltar que a
esses discursos estavam associados a outros, que se referiam propriamente ao “sequestro”
da consciência da própria população alemã, que foi progressivamente “inflamada” pela
linguagem do nazismo. Pensamos: como é possível que o povo alemão tenha seguido por
aquele caminho averso a qualquer tipo de ética e empatia?

O nazismo fez desmoronar o conceito de moral para que seus fins fossem atingidos.
Resgatando o significado original da palavra “moral”: mores, isto é, o conjunto de costumes,
que pode ser trocado sem grande dificuldade, como se trocam os padrões de comportamento
social e os modismos. Dessa maneira, o nazismo anunciava um novo conjunto de valores e
construiu um sistema legal e filosófico completo para sustentá-los. Por essa razão, é complexa
a tarefa de “legitimar o veredito de imoralidade formulado contra as ações de um grande
número de pessoas que fielmente seguiram as normas morais de sua sociedade”, como
argumenta Bauman.[1] Ou seja: o comportamento dos nazistas, de seus simpatizantes e
mesmo dos alemães que apenas não reagiram ao nazismo estava de acordo com as normas
morais em vigor no país naquela ocasião, normas estas construídas com o objetivo explícito
de desafiar a própria idéia de moral como a concebida pela tradição judaico-cristã ocidental.

1. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 205
O nazismo tentou estabelecer uma ética científica por meio de uma radicalização biopolítica
do darwinismo social.[2] Alegando moralidade para estar em conjunto com as leis da natureza
e da vida, tinha a intenção de garantir sua plausibilidade em uma época em que acreditava-se
em soluções científicas e técnicas para problemas reais ou problemas sociais ideologicamente
construídos. A cosmovisão nazista era altamente compatível com a visão de mundo intuitiva
de muitas pessoas, a quem aliviou do ônus de fazer seus próprios julgamentos morais e cujo
valor sistema deu coerência sistemática e plausibilidade científica.[3]

Quando o povo está indignado contra o que acredita-se serem injustiças, torna-se cego e frágil
para qualquer promessa fácil de restituição a ponto de sucumbir e entregar seu código ético
social por conta da sua incapacidade emocional em transitar em sua resiliência. A cultura e a
pressão que a mesma aplica no campo social pode sequestrar toda a ética de uma sociedade.
Assim o código moral de um homem, que é adorado como líder perfeito, pode se tornar a
ética de um povo inteiro. Vimos isso acontecer com inúmeros povos, mas destacaremos o
povo alemão e o movimento nazista.

“A Lei que será como Lei base de toda a propaganda, orquestrar e instrumentar em
prol da ideologia do Partido. Fazer todos os possíveis para que a mentira se torne
verdade, um verdadeiro teatro de encobrimento. Não se trata de fazer de conta, mas
sim de embelezamento da realidade que se quer transmitir de modo a que seja
grandiosa e convincente mesmo que a mensagem seja o mais simples possível. "A
propaganda deve limitar-se a pequeno número de ideias e repeti-las incansavelmente.
As massas não se lembrarão das ideias mais simples a menos que sejam repetidas
centenas de vezes.” (Goebbels, 1970)

2. On social Darwinism see Richard Weikart, From Darwin to Hitler: Evolutionary Ethics, Eugenics and
Racism in Germany (New York: Palgrave MacMillan, 2004); Paul Weindling, Health, Race and German
Politics between National Unification and Nazism, 1870-1945 (New York/Cambridge: Cambridge
University Press, 1989), pp. 11-60.

3. Peter J. Haas, “Doing Ethics in an Age of Science,” in Jack Bemporad/John T. Pawlikowski/ Joseph
Sievers (eds.), Good and Evil After Auschwitz. Ethical implications for today (Hoboken/NJ: Ktav
Publishing House, 2000), pp. 109-118.
O culturalismo - cunhado pelo filósofo e sociólogo polonês-americano Florian Znaniecki em
seu livro Cultural Reality (1919) - é a corrente que defende a importância central da cultura
como uma força organizadora nos assuntos humanos. Provavelmente, Goebbels sabia da
intensidade psicológica das crenças humanas das múltiplas sombras da alegoria da caverna
de Platão. Goebbels entendia nitidamente que o conhecimento existe apenas para os seres
mais desenvolvidos em suas faculdades, enquanto ao resto do bando social deve deter apenas
idéias simples e intensas. O intelecto serveria às aspirações nazistas a fim de manipular
verdades complexas em estruturas simples pela propaganda.

Não há evidência irrefutável que Goebbels tenha dito o que definimos como a máxima dele:
“uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”. Todavia, este enunciado com um quê
filósofico sintetiza a proposta de implicação psicológica da propaganda nazista e a sua força
coercitiva capaz de transpor verdades do código moral em qualquer crença. Podemos inferir,
sob as ordens filosóficas, uma posição sofista, protagoriana, subjetivista e anti-realista de
Goebbels – que provavelmente conhecia toda a dinastia do pensamento filosófico que
aplicava por ser doutor em filosofia pela Universidade de Heidelberg.

Goebbels sabia como manipular essas sombras no intelecto humano a ponto de tornar as
pessoas em algo oco. Capazes de serem apenas parte de um organismo coletivo, o Partido. A
perda da individualidade em prol do coletivo. Qualquer base nacionalista precisa desses
elementos ideológicos para se sustentar: a projeção do “Eu” não na individualidade, mas na
dinâmica do grupo. Virtudes, ética, comportamentos, pensamentos – tudo é derivado da
hierarquia, do maior até o menor. E por fim, o laço de captura se dá pela subserviência e
obediência da mente controlada. A partir desse momento, qualquer forma de existência moral
é inexistente. A cultura através do hábito é capaz de cegar qualquer natureza do
discernimento:

Diga-se, pois, que acaba por ser natural tudo o que o homem obtém pela educação e
pelo costume; mas da essência da sua natureza é o que lhe vem da mesma natureza
pura e não alterada; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito. - Étienne
(Discurso da servidão voluntária, 2006), p29
Sendo que o ser humano é um ser de construção externa através dos dizeres de Sartre em sua
doutrina existencialista: se não temos essência, o ser humano parte do conceito de tábula
rasa ou tela em branco a fim de trilhar seu caminho de construção como total responsável por
esse caminho cunhado pela liberdade individual.

Por isso, o existencialismo prega que “a existência precede a essência”, entretanto


antes do homem estabelecer-se, ele surge e descobre-se no mundo onde está
inserido, ou seja, ele existe para definir-se. Com efeito, a essência do homem não é
inata e sim algo que se estabelece a partir de sua existência – Silva (2013)

Claro que cada homem deve cuidar da sua ética de maneira individual como item essencial,
quem não exerce proteção à sua liberdade a fim de deter tal faculdade intelectual será
dominado por outro homem conforme o discurso da servidão voluntária de Étienne de La
Boétie:

Muitas vezes perdem a liberdade porque são levados ao engano, não são seduzidos
por outrem mas sim enganados por si próprios.[...] Incrível coisa é ver o povo, uma vez
subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a
recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter
perdido não a liberdade mas a servidão. - Étienne (Discurso da servidão voluntária,
2006), p.22.

Após a perda da própria consciência, da própria faculdade moral e da própria existência, as


pessoas tornam-se massa de manobra. A igualdade entre homens deixa de ser um pilar para
que tenhamos um senhor e um escravo, um líder e um subordinado, um führer imoral e um
povo que o obedece irrestritamente:

Com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia. As pessoas escravizadas


não mostram no combate qualquer ousadia ou intrepidez. Vão para o castigo como
que manietadas e entorpecidas, como quem vai cumprir uma obrigação. - Étienne
(Discurso da servidão voluntária, 2006), p.22.
A elaboração da máquina de propaganda nazista contava com a instrumentalização de
intelectuais e pessoas ligadas às artes (arquitetos, escultores, pintores, músicos, cineastas
etc.). Aqui temos a cultura sendo predominantemente moldada a fim de criar uma ética
comum do partido, e portanto, para toda a Alemanha.

“A propaganda política busca imbuir o povo, como um todo, com uma doutrina... A
propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma ideia,
e o prepara para quando da vitória daquela opinião" (Hitler, 2016)

Com confiança ilimitada no "poder mágico da palavra falada",Hitler visava nada menos que
uma transformação dos valores relativos à vida humana e à natureza da sociedade. Goebbels,
mestre da persuasão pública, exerceu uma influência extraordinária na nova era das
comunicações de massa. Anos antes, Max Weber havia antecipado as técnicas de poder na
era moderna quando definiu o poder como a capacidade de fazer as pessoas fazerem o que
você quer que elas façam - quer elas queiram ou não.[4] Mais recentemente, Michel Foucault
nos lembrou do impacto generalizado do conhecimento como poder. Hitler aplicou um
entendimento semelhante:

"A conquista do poder quando fez da formação do weltanschauung de seus


seguidores o centro de sua estratégia. Em 1922, ele explicou por que a
conversão funcionou melhor do que a coerção: "A construção de uma
organização de propaganda fornece a melhor preparação para o sucesso
futuro. Tudo o que pudermos vencer com munição de papel não precisa ser
alcançado por armas de aço mais tarde." [5]

4. H. H. Gerth and C. Wright Mills, eds. and trans., From Max Weber: Essays in Sociology, 2d
ed. (New York:, 1958), p. 180.

5. “Power is everywhere. not because it embraces everything, but because it comes from
everywhere [...] power is not an institution, nor a structure, nor a possession. It is the name
we give to a complex strategic situation in a particular society"- (Michel Foucault, The History
of Sexuality, vol.1 ,An lntroduction, trans. Robert Hurley [New York, 1978), p. 93). Eberhard
Jackel, ed.. Hitler: Samtliche Aufzeichnungen: 1905- 1924 (Stuttgart, 1980), p. 705.
A REVELAÇÃO DA MORALIDADE DETURPADA PELA CULTURA NAZISTA

Segundo Hans Maršálek (2016), em seu livro entitulado: “A história do campo de concentração
de Mauthausen: Documentação” nos apresenta a normalização da ética nazista:

Promotor: Você foi condenado a matar pessoas que não têm condições de viver?

Krebsbach: Sim. Fui condenado a matar aquelas pessoas se as considerasse um fardo


para o Estado.

Promotor: Voce já parou para pensar que se tratava de seres humanos, pessoas que
tiveram o azar de serem presas ou que foram abandonadas?

Krebsbach: Não. As pessoas são como animais. Animais que nascem deformados ou
incapazes de viver são mortos rapidamente. Isso deve ser feito por razões
humanitárias também com as pessoas. Isso evitaria muita miséria e infelicidade.

Promotor: Essa é sua opinião. O mundo discorda de você. Você já pensou que matar
um ser humano e um crime terrivel?

Krebsbach: Não. Todo Estado tem o direito de se proteger contra pessoas sociais,
incluindo pessoas que não podem viver.

Promotor:Em outras palavras, nunca lhe ocorreu que o que você estava fazendo era
um crime?

Krebsbach: Não. Eu realizei meu trabalho da melhor maneira possível, porque era
necessário

Desse diálogo, podemos ressaltar:

1. A estipulação que o detentor do poder da morte é “condenado” a ordenar quem


morre como se ele fosse obrigado através de alguma responsabilidade moral, isto
é, abaixo de um dever normativo. Se o existencialista defende a liberdade como
premissa inicial e longíqua, mas que a consequência é a auto-responsabilização,
aqui encontramos o oposto: Um subserviente que apenas executa sem pensar em
auto-consciência de seus atos e auto-responsabilidade sobre as consequências.
2. A afirmação que as pessoas que são um fardo para o Estado e devem morrer por
obrigação moral – caso necessário. A morte individual pela
sobrevivência/evolução do coletivo. Do indivíduo para o grupo.
3. O argumento darwinista quando se expõe a questão dos animais e suas
deformações que os sentencia à morte na natureza. E que por isso, somos
misericordiosos ao não deixar que esses “animais” sejam mortos pela crueldade
natural, mas sim pelo ato de compaixão de quem entende a sua situação.
4. O Estado tem o direito de se proteger contra qualquer ameaça à sua ideologia. Ele
é soberano e não deve ceder a qualquer forma de individualidade. É melhor um
Estado forte que mata, ao Estado fraco que não mata. Do grupo para o indivíduo.
5. Insensibilidade ou falta de consciência do mal gerado. Neste caso, a morte de
outros seres humanos. Não há reconhecimento do mal imposto sobre o outro.
Apenas a materialização do dever como imperativo obrigatório de maneira a
buscar a excelência em sua entrega ao Estado.

Portanto, podemos dizer que a propaganda nazista foi capaz de retirar a mais fundamental
característica humana e subvertê-la. Através da evolução, aprendemos que a raça humana
evoluiu graças à sua cooperação com indicadores tais como: empatia, compaixão,
colaboração, confiança, responsabilidade, etc. Sem isso não haveria um ambiente saudável
para seguir em frente com a qualidade mínima evolutiva. Impressionante é notar que, através
de ferramentas filosóficas e pela cultura através da propaganda,, o nazismo nos demonstra
que os factos morais podem ser constituídos de informações equivocadas ou manipuladas.
Atualmente vemos o discurso inflamado de políticos de alguns países no que tange
transformar a nação na maior potência do mundo. De forma alguma lembramos da ameaça
nazista ou nos afastamos desse tipo de discurso. Na realidade, alinhamos-nos a eles,
desejando que o nosso grupo seja superior e mais adaptado à maneira darwiniana, e portanto,
conquistando o êxito. Aparentemente, esse conjunto de crenças do imaginário advindo do
nosso inconsciente coletivo, explanado por Jung, aproxima-nos desse tipo de discurso sem
que nos preocupemos, eticamente, quais são os meios para chegarmos ao fins.

É nesse sentido que proponho uma reflexão nesses tempos em que não sabemos das origens
de nossa ética, e como ela tem se desenvolvido ao longo do tempo. Será que somos ativos na
construção da ética contemporânea? Será que vivemos para adicionar e participar dessa ética
ao atribuir valores do que realmente achamos valoroso? Ou apenas seguimos vozes do que
nos disseram através da cultura cultivada por homens, que agora, estão abraçados às suas
essências de Não-ser?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992

CHALITA, Gabriel; Os dez mandamentos da ética. 2. Ed. Rio de Janeiro – Editora Novas
Fronteiras, 2003

De La Boétie, Étienne. DISCURSO SOBRE A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA, 2006.


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2014171/mod_resource/content/1/Servidao_volu
ntaria_Boetie.pdf. Acesso em 15 de Maio de 2023.

GOEBBELS, J. The Goebbels Diary. Garden City, New Yotk, Estados Unidos da América, 1970.

MARSÁLEK, Hans. Die Geschichte des Konzentrationslagers Mauthausen", Edition


Mauthausen, Mauthausen Komitee, 2016, p. 174

HITLER, A. Mein Kampf. Lisboa, Lx, Portugal: Guerra / Paz, 2016.

KOONZ, Claudia. “Ethical Dilemmas and Nazi Eugenics: Single-Issue Dissent in Religious
Contexts.” The Journal of Modern History, vol. 64, 1992, pp. S8–31. JSTOR,
http://www.jstor.org/stable/2124966. Acessado em 15 de Abril de 2023.

SILVA, Aline. A concepção de liberdade em Sartre. Vol. 6, nº 1, 2013.


https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/alinesilva.pdf. Acesso
em 20 de Abril de 2023.

BIALAS and FRITZE, Wolfgang and Lothar, Nazi Ideology and Ethics. Cambridge Scholars
Publishing, 2014. https://www.cambridgescholars.com/resources/pdfs/978-1-4438-5422-1-
sample.pdf. Acessado em 25 de Abril de 2023.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. tradução de João Dell’Anna. 28. ed. Rio de Janeiro: 2006

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