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CONCEITOS FUNDAMENTAIS: CULTURA, IDENTIDADE,


SENSO COMUM, PRECONCEITO E MULTICULTURALISMO
Texto de Milene Peixoto Ávila (Adaptado e complementado por Fransérgio Follis)

1. CULTURA

O conceito de cultura é amplo e não há uma definição única entre os estudiosos. É o


objeto de estudo da Antropologia.
Assim, como a Antropologia, o conceito de cultura foi se modificando, ao longo dos anos,
seguindo o desenvolvimento de diferentes correntes teóricas. O primeiro antropólogo a sintetizar a
noção de cultura que temos hoje foi Edward Tylor (1832-1917). Para este autor, a cultura "é este
todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (TAYLOR apud
LARAIA, 1989, p. 18).
Em 1950, Alfred Kroeber (1876-1960) contribui para a ampliação do conceito de cultura,
ao afirmar que a cultura é mais determinante do que a herança genética, pois determina o
comportamento do homem e justifica as suas realizações. O homem, segundo Kroeber, age de
acordo com os seus padrões culturais, pois seus instintos foram parcialmente anulados pelo
processo evolutivo pelo qual passou. Nesse sentido, ao admitirmos que as ações humanas são
resultado do meio cultural em que vive, deixando o reino dos instintos, é impossível admitir, por
exemplo, que “toda mulher tem instinto materno”. Essa ideia de instinto materno é passada às
mulheres desde a mais tenra infância, através da socialização. Um exemplo? Porque será que
presenteamos nossas meninas com bonecas e todo o tipo de brinquedos que remetem aos
cuidados com a casa e com os “filhos”? Outro exemplo é a definição das personalidades
masculinas e femininas. Elas nos são passadas como sendo naturais, ou seja, da natureza de ser
homem e de ser mulher. Mas não são naturais, e sim definidas culturalmente. Na nossa cultura
ocidental, mulheres não nascem mais meigas, mais motivas e mais vaidosas que os homens.
Como se tivessem uma genética que lhes confeririam essas características naturalmente. Assim
como os homens não nascem naturalmente mais valentes e corajosos, mais aventureiros, mais
rudes e ríspidos, menos emotivos, menos vaidosos e menos afetuosos que as mulheres. Na
cultura ocidental homens e mulheres são socialmente educados para serem assim, com
personalidades básicas diferentes um do outro. Os antropólogos encontraram culturas em que a
educação de homem e mulheres são bem diferentes, gerando personalidades femininas e
masculinas diferentes da cultura ocidental. Culturas que não fazem diferenciação entre
personalidade masculina e feminina, não fazendo distinção entre educação de homens e
mulheres. Encontraram também outras culturas que como as nossas fazem essa diferenciação,
mas mais aparentemente inversa às personalidades feminina e masculina que vigora no ocidente.
Além disso, a cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos e, por
conta disso, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar
toda a terra em seu hábitat. Assim, adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais
do aprendizado do que do agir através de atitudes geneticamente determinadas. Sendo assim, a
cultura implica um processo de aprendizagem, o qual determina o comportamento humano.
Roque Laraia, em seu livro “Cultura: um conceito antropológico” (2001), rebate a ideia de
que o comportamento de um indivíduo é condicionado por questões biológicas, ou por
determinismos geográficos. “Tudo que o homem faz, aprendeu com os seus semelhantes e não
decorre de imposições originadas fora da cultura”. (LARAIA, 2001, p. 27) Daí conclui-se que a
cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações
anteriores e que se desenvolveu simultaneamente com o próprio equipamento biológico, podendo
ser considerada como uma característica da espécie humana.
Laraia afirma que os indivíduos participam diferentemente de cada cultura. O grau de
participação de cada um numa cultura depende de inúmeros fatores, como idade, gênero, posição
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social etc. Neste sentido, destaca também a importância de cada um conhecer minimamente o
sistema cultural no qual está inserido, porque é a partir destes sistemas que as pessoas sabem
como agir, o que é lícito fazer ou não, de modo a se enquadrarem socialmente nos códigos
vigentes.
Ainda de acordo com Laraia (2001), a cultura:
1. Condiciona a visão de mundo do homem.
2. Interfere no plano biológico. A respeito da atuação da cultura sobre o biológico, Laraia refere-se
ao campo das doenças psicossomáticas, dizendo que estas são fortemente influenciadas pelos
padrões culturais. Se pode causar doenças, a cultura também pode curar. As curas de doenças,
reais ou imaginárias, ocorre quando o indivíduo tem fé nos remédios ou no poder dos agentes
culturais (médicos, curandeiros, benzedeiras, xamãs, médiuns, etc).
3. Tem uma lógica própria.
4. É dinâmica (Para Laraia há dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante da
dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um sistema
cultural com outro).
O antropólogo Clifford Geertz (1989, p. 32 -33) propõe conceber a cultura como “um
conjunto de mecanismos de controle - planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros
de computação chamam “programas”) - para governar o comportamento”. Isso porque, para esse
antropólogo, o homem é o animal “mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de
controle”, ou seja, o homem é dependente desses programas culturais para ordenar seu
comportamento.
Geertz (1989) compreende a cultura como uma "teia de significados" que o homem tece
ao seu redor e que o amarra, já que “é por intermédio dos padrões culturais – amontoados
ordenados de símbolos significativos – que o homem encontra sentido nos acontecimentos
através dos quais ele vive” (GEERTZ, 1989, p. 150). O autor ressalta que o estudo da cultura –
entendida como uma totalidade acumulada de padrões culturais – é, portanto, “o estudo da
maquinaria que os indivíduos ou grupos de indivíduos empregam para orientar a si mesmo num
mundo que de outra forma seria obscuro”. (GEERTZ, 1989, p. 150)
Uma questão muito comum quando se fala em cultura é a imposição de uma cultura sobre
as outras. Implícito a essa imposição está a ideia de que há culturas melhores do que outras,
resultante de uma concepção etnocêntrica. Um exemplo atual é a imposição da cultura norte
americana ao resto do mundo, difundida, em grande parte, pelo cinema, pela música e por suas
empresas transnacionais. Dessa forma, há uma exportação do “American Way of Life”, ou seja, do
jeito norte americano de ser.
Outra característica da cultura é a diversidade, isto é, em cada espaço a cultura irá se
desenvolver de um jeito. Está baseada em costumes, crenças, valores que são repassados de
geração para geração, mas, em contato com novos elementos (como, por exemplo, a introdução
do computador, do celular, do MSN, do Facebook, da mensagem de texto, etc). Assim, além de
ser diversa, a cultura é altamente aberta, isto é, sofre influência da tradição, mas também de
novos elementos, quando está em contato com outra cultura, é possível a absorção desses
elementos. Um exemplo? Os índios brasileiros atualmente já incorporaram muito da cultura
branca, tanto na forma de se vestir, como nos valores. E a cultura branca, por sua vez, também
incorporou elementos da cultura indígena, o que foi, inclusive, de fundamental importância para a
sobrevivência e êxito dos colonizadores europeus na América e em outras partes do mundo.

2. IDENTIDADE

A noção de identidade está relacionada com traços próprios de um sujeito e à consciência


que a pessoa tem de si mesma. Para a Sociologia, a identidade é formada “na interação entre o
eu e a sociedade‟ e preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”, ou seja, entre o mundo
pessoal e o mundo público. (HALL, 2006, p. 11)
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É, pois, um movimento duplo, já que:


O fato de projetarmos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao
mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os
“parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos com os lugares
objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então,
costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos
culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais
unificados [...]. (HALL, 2006, p. 12)
A identidade, no século XXI, torna-se, então, uma “celebração móvel”, ou seja, é “formada
e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2006, p. 13). Sendo assim, a
identidade é definida historicamente, e não biologicamente. Isso porque o sujeito
Assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há
identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal
modo que nossas identificações estão continuamente deslocadas. Se
sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a
morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nos
mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”. (HALL, 2006, p. 13)
À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam –
situação intensificada com o processo de Globalização – nós humanos somos confrontados por
“uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (HALL, 2006, p. 13). Um exemplo?
A estudante de pedagogia, por quatro anos, interiorizou o fato de ser estudante, a identidade de
estudante. Incorporou em sua vida, hábitos, valores, problemas e comportamentos de estudante.
Ao final dos quatro anos de faculdade, após cumprir todos os créditos, apresentar o TCC e
participar da formatura, seu status muda de estudante para professora, fato que irá exigir dela
outros hábitos, valores e responsabilidade. É preciso, pois, assumir a identidade de professora e
deixar a de estudante, mas isso não ocorre “do dia pra noite”: leva tempo e implica em
conhecimento e absorção de novos elementos identitários.
Diante do exposto, percebe-se que a identidade é fluída, dinâmica e está em constante
mudança, de acordo com o papel social e o contexto em que se encontra.Aqui vale lembrá-los de
que uma só pessoa, fato que também se estende às crianças e adolescentes, desempenha, ao
longo de sua vida, vários papéis sociais diferentes. Em casa você é a esposa, a dona-de-casa e a
mãe. No trabalho você não poderá agir como sendo a dona da casa, ou como a esposa, ou
mesmo agir como mãe. No trabalho, você precisa desempenhar o papel de professora, com toda
a carga social que se espera de uma professora. Já quando você sai e visita os amigos, você está
exercendo o seu papel de mulher, que quer se divertir. Enfim, basta parar e pensar: há diferentes
funções e papéis sociais que devemos desempenhar, sendo que, para cada papel social, é
esperado um determinado tipo de comportamento. O mesmo ocorre com os nossos estudantes:
na Escola ele é o aluno e deve se comportar como um “bom aluno”, mas em casa ele pode ser o
“filho querido”, “o filho mimado”, pode ser o “irmão mais velho”, ou mesmo “o filho revoltado e
rebelde”. Ou seja, a mesma criança irá se compreender de diferentes formas, sabendo que em
cada lugar, ele deve (ou deveria) se comportar de determinada maneira e assim por diante.
Conclui-se que a identidade, na era moderna, não é fixa, nem estática, mas, ao contrário,
o sujeito pós-moderno é fragmentado, com uma identidade aberta, contraditória, inacabada e
fragmentada.
Uma identidade bastante difundida é a identidade nacional. O Para o sociólogo Jessé de
Souza (2009, p.41), “o tema da gênese da identidade nacional peculiar a cada sociedade
moderna é fundamental para a compreensão da forma como essa sociedade e seus membros se
percebem a si próprios”. Isso porque, conhecendo a forma como as e os brasileiros se
indentificam como povo, formado com uma base cultural semelhante e que nos confere a ideia, o
sentimento e a certeza de que pertencemos a uma cultura comum. A investigação dessa
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autorepresentação que o e a brasileira faz de si, permite explicar “o desenvolvimento social e


político em uma dada direção, e não em outra”(SOUZA, 2009, p.41). É, pois, investigando a forma
como o brasileiro se vê e como ele entende sua cultura, que seria possível saber os valores que
são imperantes na nossa sociedade, inclusive, compreender as noções de justiça social, isto é,
identificar os valores de justo, injusto e o grau de desigualdade permitido e aceitável nesta
sociedade.
A esse respeito, percebe-se que a construção da uma dada identidade, ligada à difundida
ideia de que o brasileiro é pacífico, cordial e não desiste nunca, contribui para que aceitemos
resignados a condição de pertencermos a um dos países socialmente mais desiguais do mundo.
O Brasil é um dos países mais ricos do mundo (em 2012 atingiu a posição de 6ª economia
mundial), mas, também, um dos países mais desiguais na distribuição de renda, no qual a parcela
da renda apropriada pelos 50% (86,5 milhões de pessoas, aproximadamente) mais pobres da
população é ligeiramente maior que a parcela apropriada pelo 1% mais rico (1,7 milhão de
pessoas). Isso equivale a dizer que a parcela da renda apropriada pelos 10% mais ricos
representa mais de 40% da renda total, ao passo que a parcela apropriada pela metade mais
pobre da população corresponde a apenas 15%. Dito de outra forma, dos 126 países que se têm
informações sobre o grau de desigualdade na distribuição de renda, 90% dos países apresentam
distribuições de renda menos concentradas do que o Brasil (IPEA, 2010).
Por Estado entende-se a concentração do poder político e a criação de instituições
responsáveis pela gestão da política. Já a ideia de Nação remete a algo mais amplo, pois “implica
uma generalização de vínculos abstratos que se contrapõem efetivamente aos vínculos concretos
estabelecidos por relações de sangue, vizinhança ou localidade” (SOUZA, 2006, p. 99). Sendo
assim, a Nação disponibiliza aos sujeitos todo um “arsenal simbólico” em ideias e imagens (tais
como: “todo brasileiro ama futebol”; “todo brasileiro é bom de samba”, “o povo brasileiro é sem
memória”, etc) que tem de ser poderoso o bastante para se contrapor com sucesso suficiente às
lealdades locais e às estrangeiras.
Haveria, pois, ainda de acordo com Souza (2006), um “mito de pertencimento nacional”,
que foi criado e amplamente utilizado pelas elites políticas, com destaque para o papel de Getúlio
Vargas na construção da noção de que há uma identidade nacional, que perfaz todos os
brasileiros e nos confere o sentimento de que vivemos em uma Nação9 - o Brasil –, com uma
história comum, com valores comuns e compartilhamos a mesma cultura, a cultura brasileira. O
fato de nascer e viver no Brasil, faz com que compartilhemos muitos signos comuns: a mesma
história, a mesma língua (mas com sotaques distintos), problemas sociais, etc. E esse fato de ter
nascido no Brasil e não na Argentina, por exemplo, faz com que aceitemos e reconhecemos um
fator importante em nossa identidade: sou brasileira! E isso não muda nunca. Então, acoplamos,
mesmo sem saber, em nossa identidade social, um elemento da cultura, ou seja, o fato de sermos
brasileiros e não argentinos, o que acarreta assumir uma série de características, consideradas
próprias do Brasil.
Esse “mito de pertencimento” faz parte de uma éspecie de “núcleo político” do senso
comum.
Diante do exposto, podemos concluir que:
- Há uma identidade nacional, isto é, valores, crenças, história em comum, etc que
é amplamente compartilhada por todos os brasileiros e brasileiras. Essa noção não
surgiu “do nada”, foi criada e é recriada constantemente pela mídia, pelo Governo,
pelas pessoas “comuns” e pelas instituições sociais, como a escola.
- Junto à noção de identidade nacional, está acoplada a ideia de que, por temos a
mesma origem, compartilhamos da mesma cultura, dos mesmos códigos morais e
culturais, afinal de contas, compartilhamos da cultura brasileira.;
- Esses valores iguais que compartilhamos e reproduzimos, nos aparecem como
sendo naturais, mas na verdade foram criados/inventados.
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3. SENSO COMUM

Adquirimos conhecimento de várias formas: há o conhecimento institucionalizado,


disponível nas escolas e universidades, e também o conhecimento que é adquirido “com a vida”,
isto é, aprende-se com a experiência, com a família, com a televisão, com os amigos, enfim, com
o convívio em sociedade. Esse conhecimento difundido entre as pessoas de modo geral, que
corresponde a uma visão de mundo compartilhada pelo grupo social e sempre atualizada pelas
experiências cotidianas que continuam a ocorrer, é chamado de senso comum. Sendo assim, de
acordo com o sociólogo Jessé Souza (2009, p. 41), o Senso Comum é:
a forma como as pessoas comuns, ou seja, nós todos, conferimos sentido
às nossas vidas e ações cotidianas. Como a enorme maioria das pessoas
não é especialista no funcionamento da sociedade, mas necessita
conhecer regras básicas de convívio social para levar suas vidas adiante, o
„senso comum‟ preenche precisamente esta lacuna.
O senso comum nada mais é do que os conhecimentos, ideias e valores que são
adquiridos no convívio social, sendo, portanto, constantemente ampliado pelas experiências
cotidianas. É, como o próprio nome diz, comum às pessoas, ou seja, são conhecimentos que, de
uma forma geral, são compartilhados por uma grande parcela da população.
Mas, apesar de ser um conhecimento de fácil acesso a todos, nem sempre o senso
comum é suficiente para explicar as questões e os problemas sociais. Para tanto, a disciplina
Sociologia foi criada, com o objetivo de pensar criticamente e cientificamente as relações dos
homens e mulheres em sociedade. Isso não significa que o senso comum “não sirva para nada”,
mas sim, o contrário, já que o senso comum surge da própria sociedade e da interação das
pessoas e, muitas vezes, age como um reprodutor das desigualdades e do poder dominante.
É importante que vocês professores tenham em mente que o senso comum tem um lado
duplo, como nos explica Jessé Souza (2009, p. 48):
De um lado o senso comum nos transmite conhecimentos pragmáticos
fundamentais como nos esclarecer sobre como descontar um cheque,
pegar um ônibus ou andar no trânsito das grandes cidades. Por outro,
reproduz os esquemas do poder dominante, que só podem se perpetuar
enquanto tal se as causas da dominação e da desigualdade injustas nunca
puderem ser reveladas.
Um elemento muito difundido pelo senso comum na sociedade como um todo é o
Preconceito.

4. PRECONCEITO

O preconceito é, como o próprio nome indica, um pré-conceito, ou seja, é uma ideia que
se tem de algo ou alguém que se formula sem saber se, de fato, aquilo é realmente o que
pensamos/julgamos ser.
De modo geral, o ponto de partida do preconceito é o estereótipo, um tipo de
generalização superficial. Exemplos: "todos os homens são iguais", ou "todos os ingleses são
frios".
Sendo assim, o preconceito costuma indicar desconhecimento pejorativo sobre alguém,
ou sobre um grupo social, sobre um costume, tradição, crença etc, ou seja, sobre algo que lhe é
diferente, que lhe é estranho. Esse desconhecimento, com base no senso comum, na maioria das
vezes leva à discriminação, ao rebaixamento e desvalorização do outro ou de elementos de sua
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cultura. Caracteriza-se por ser um erro, que faz parte do domínio da crença e não do
conhecimento. Ou seja, o preconceito tem uma base irracional e, por isso mesmo, escapa a
qualquer questionamento fundamentado num argumento ou raciocínio.
Dessa forma, o preconceito nunca é isento ou neutro, pois costuma vir acompanhado por
uma atitude discriminatória perante pessoas, lugares ou tradições, considerados diferentes ou
estranhos.
Apesar de estar associado a uma atitude de desvalorização, o preconceito é diferente de
discriminação. A discriminação é um conceito mais amplo e dinâmico que o preconceito. Ambos
têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por indivíduos e por instituições e o
preconceito, só pelo indivíduo. O preconceito pode permanecer só no aspecto interno
(permanecer no pensamento e sentimentos), sem que tenha uma correspondência na prática, isto
é, o preconceito pode não se materializar em ações, estando restrito ao pensamento e aos
sentimentos. Já a discriminação decorre do preconceito, fazendo com que determinados
segmentos, grupos ou atividades sejam socialmente prejudicados, excluídos ou estigmatizados. É
uma atitude violenta e que tem sérias consequências sociais e psicológicas para o grupo ou
pessoa que está sendo discriminado.
As formas mais comuns de preconceito são: social, étnico, racial, religioso, sexual e de
gênero. É importante destacar que, em certa medida, todos nós temos a atitude de pré-julgamento
de pessoas, elementos culturais, lugares, coisas, etc. O preconceito faz parte da sociedade e da
nossa socialização. O problema reside em não termos consciência de nossos preconceitos e, por
isso mesmo, colocamos nosso preconceito em prática e discriminamos algo ou alguém. E
fazemos isso, justificando nossa atitude em algo que, de fato, não corresponde com a verdade,
pois é um julgamento prévio e baseado na nossa ignorância ou intolerância.

5. MULTICULTURALISMO

É difícil traçar um período exato para o surgimento do multiculturalismo enquanto corrente


de pensamento. As origens são antigas, mas foi ao longo da década de 1960 que ele surgiu de
forma mais organizada, principalmente nos Estados Unidos, com a luta pelos Direitos Civis e na
Europa Ocidental. Porém, foi apenas a partir da década de 1990 que os preceitos multiculturais
começaram a se expandir e a ganhar espaço nos debates públicos e no mundo acadêmico. Seu
surgimento está intimamente ligado a processos sociais e históricos, tais como a globalização, a
emergência de novos sujeitos sociais e a “crise de identidade”. Durante o século XX vivenciamos,
a partir dos movimentos sociais, a emergência de novos atores sociais, como as mulheres, os
negros, os gays, as lésbicas e os transexuais, por exemplo.
O multiculturalismo surge, primeiro, como uma espécie de reivindicação por parte dos
movimentos sociais, para somente depois ser incorporado pelo mundo acadêmico. Para Vera
Candau (2008, p. 45) “são as lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos de uma
cidadania plena, os movimentos sociais, especialmente os relacionados às questões étnicas e,
entre eles, de modo particularmente significativo, os relacionados às identidades negras” que
constituem o lócus de produção do multiculturalismo. Sendo assim, para a autora, uma das
características fundamentais das questões multiculturais é exatamente o fato de estarem
atravessadas pelo acadêmico e o social, por uma produção de conhecimentos, pela militância e
pela pressão por políticas públicas.
Como o próprio nome indica, o multiculturalismo trabalha com o fato de que há, no mundo
e até mesmo em um mesmo país, múltiplas culturas, múltiplos valores, múltiplas identidades,
convivendo, ao mesmo tempo, mas não em harmonia e em igualdade. Apesar de parecer óbvia
essa afirmação da existência de uma diversidade de culturas, no nosso dia-a-dia, é muito comum
o não reconhecimento do direito à diferença e, consequente, desrespeito e discriminação de
grupos sociais, ou mesmo de pessoas. Os escritos multiculturalistas partem do pressuposto de
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que há grupos sociais, práticas sociais e valores que, por se diferenciarem da cultura padrão e
hegemônica (dominante), não são reconhecidos e, inclusive, são excluídos e inferiorizados.
Com isso, percebe-se que o multiculturalismo levanta questões relacionadas a: cultura,
diversidade cultural, identidade social e cultural e identidade nacional. O estranhamento que a
diferença cultural pode causar, e as consequências que isso acarreta (bullying, discriminação,
intolerância, violência física e simbólica, exclusão, etc.), muitas vezes são decorrência do
desconhecimento, do preconceito e de ideias amplamente difundidas no senso comum. Observa-
se, então, que outros conceitos se interconectam, tais como: senso comum, preconceito e
discriminação.
Andrea Semprini (1999), autor italiano, destaca que a diferença é o ponto central do
multiculturalismo, por ser, antes de tudo, um dado real, concreto: de fato, somos diferentes,
apesar de haver a igualdade formal diante da lei.
A diferença não é simplesmente, ou unicamente, um conceito filosófico, uma forma
semântica. A diferença é antes de tudo uma realidade concreta, um processo humano e social,
que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se inserida no processo
histórico. (SEMPRINI, 1999, p. 11)
Mas, embora haja a ideia generalizada de que “somos todos iguais”, princípio do conceito
de Cidadania; a constatação de que, na prática, somos diferentes, não acarreta, automaticamente,
o respeito às diferenças, sejam elas de cunho religioso, físico, relacionada à orientação sexual, à
classe social, aos gostos e valores que se tem. Porque é relativamente novo esse discurso de que
é necessário reconhecer e promover a diversidade de ideias, culturas e valores.
Para Semprini (1999, p. 83-85) há quatro pilares que fundamentam a “epistemologia
multicultural”, a saber:
1. A realidade é uma construção, ou seja, o multiculturalismo põe em cheque a afirmação de que
a realidade existe independente do sujeito que a narra e da linguagem utilizada para tanto;
2. As interpretações da realidade são subjetivas;
3. A verdade é relativa;
4. O conhecimento é um ato político.
Do exposto, podemos concluir que: não existe “a” cultura, uma única cultura, mas sim
várias culturas. Sendo assim, um dos grandes feitos do multiculturalismo é demonstrar os vários
processos de imposição cultural e de violência que a anulação das diferenças cria. Como o
multiculturalismo é resultado dos movimentos reivindicatórios de grupos excluídos, uma de suas
premissas básicas é a necessidade de reconhecimento da diferença e do direito de ser diferente.
Mas, como nos indica a vertente crítica do multiculturalismo, não basta o reconhecimento
formal das diferenças, é preciso ir além, e efetivamente, promover políticas que promovam o
reconhecimento da diversidade cultural.
O multiculturalismo tem como base: a cultura é dinâmica, está presente em todas as
agrupações humanas. É a base de nossos valores, julgamentos, ideias, etc. Logo, se a base do
multiculturalismo é a cultura, um fato relevante é o reconhecimento e o respeito da DIVERSIDADE
CULTURAL. Ressalto que o movimento multicultural só tem sentido se há esse reconhecimento
de que não há uma cultura que deva ser seguida e imposta, mas sim, garantir meios (através de
políticas públicas, por exemplo) de que outras culturas convivem num mesmo espaço, país, etc.
Fenômenos sociais relacionados com o multiculturalismo: emergência de novos atores
sociais com demandas específicas e a emergência de um mundo cada vez mais globalizado e
interligado pela internet, que é um fio invisível e artificial que liga todas as partes do mundo.
Essa condição do momento atual permite o encontro de diferentes culturas, o que pode ser
positivo, se houver uma perspectiva intercultural, ou seja, de troca, de intercâmbio entre culturas,
com assimilação de novos elementos culturais. Porém, pode, ao contrário, gerar movimentos de
resistência e de reafirmação da identidade, baseado na discriminação e, até, eliminação do outro.
Como exemplo podemos citar o fundamentalismo islâmico e todo o problema criado em torno do
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“terrorismo” que, em nome de uma pretensa “defesa nacional”, justifica a invasão de um país (o
Paquistão) e faz com que a morte de uma pessoa (Bin Laden) seja comemorada, em público,
como se fosse uma vitória de determinados valores sobre outros.
A escola é a instituição responsável pela formação e desenvolvimento do ser humano,
logo, a escola, através, principalmente, das professoras e professores, é o espaço privilegiado
para essa prática de uma educação que reconheça a diversidade, mas que também não se
caracterize como uma educação ingênua, já que é preciso reconhecer a força da Indústria Cultural
no seu papel de massificação de valores, hábitos e comportamentos.
É cada vez mais comum nos depararmos com a necessidade de inserirmos elementos que
propiciem uma educação que considere a diversidade cultural (de valores, ideias, crenças, etc), ou
seja, uma educação que permita que as pessoas compreendam que há um núcleo de valores que
são hegemônicos, mais disseminados do que outros, mas que isso não anula a existência de
outros valores, significados, sentidos, verdades, etc.
Um exemplo desse núcleo de valores dominantes é a heteronormatividade. A
heteronormatividade tem sido denunciada por autores que trabalham com as questões de gênero
e da homossexualidade e consiste na predominância, durante séculos, de um modelo único e
legítimo de relacionamento entre pessoas: pessoas de gêneros distintos (homem e mulher).
Nota-se, então, que a prática de uma educação que considere a diversidade cultural exige
a desconstrução de valores e ideias tidas como naturais, porque “sempre foi assim”. Por isso
mesmo, constitui-se um desafio porque exige dos professores o reconhecimento, a discussão e o
enfrentamento de preconceitos, essencializações, generalizações e de “verdades absolutas”,
contidos na própria prática pedagógica e na cultura, de um modo geral.
Nesse enfrentamento em prol do avanço civilizatório da cidadania, faz-se muito importante
entender que, como bem lembrou o filósofo francês Alexis de Tocqueville, a democracia não pode
se tornar a ditadura da maioria, e que, conforme bem ressaltou o celebrado intelectual português,
Boaventura de Souza Santos: “As pessoas têm direito a serem iguais sempre que a diferença as
tornar inferiores; contudo, têm também direito a serem diferentes sempre que a igualdade colocar
em risco suas identidades.”

6. Referências Bibliográficas
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e
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Acesso em: 03. set. de 2012.
CANEN, A.; OLIVEIRA, A. M. A. de. Multiculturalismo e currículo em ação. In: Revista Brasileira de
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SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. São Paulo: Edusc, 1999.
SOUZA, Jessé. O casamento secreto entre a identidade nacional e “teoria emocional da ação” ou por que é
tão difícil o debate aberto e crítico entre nós. In: Souza, J. (Org.) A invisibilidade da desigualdade
brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
________. Senso Comum e a justificação da desigualdade. In: SOUZA, J. (Org.). A ralé brasileira: quem é
e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

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