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DESIGN, CULTURA E

SOCIEDADE
AULA 2

Profª Cristiana Miranda


CONVERSA INICIAL

Olá! Esta aula tem como objetivo o estudo do termo cultura, identificando
seus principais elementos sob o viés das ciências sociais.
Existem inúmeras variáveis a serem observadas no conceito de cultura,
como a construção da identidade do indivíduo, a relação entre um indivíduo e
sua comunidade, bem como entre uma comunidade e outra. Por meio da análise
de todos os conceitos, espera-se a melhor compreensão do mundo social. Os
temas abordados serão:

• O que é cultura?
• Manifestações culturais;
• Ambiente cultural;
• Multiculturalismo;
• Globalização.

CONTEXTUALIZANDO

A palavra cultura tem várias aplicações no nosso dia a dia. Pode significar
a ação de cuidar da terra e da plantação, a criação de certos animais, como a
cultura de abelhas, e desenvolvimento de algumas espécies microbianas e de
células. Naturalmente, não iremos trabalhar com essas abordagens para cultura.
Também existe o termo cultura organizacional para se referir ao conjunto
de comportamentos específicos de uma organização, como no exército, na
escola, na igreja, na indústria automotiva etc. Você perceberá que, apesar de
não ser o tema da disciplina, vários dos assuntos abordados nesta aula poderão
ser aplicados (mediante alguma adaptação) à cultura organizacional.

TEMA 1 – O QUE É CULTURA?

O termo cultura provém do latim culturae, cujo significado representa


cultivar. Assim, cultura, nos estudos sociais, pode ser entendida como aquilo que
é cultivado no indivíduo, aquilo que afeta o seu desenvolvimento pessoal.
A palavra cultura pode ser utilizada para qualificar o conjunto de
conhecimento de uma pessoa sobre um ou vários assuntos, geralmente
relacionado à educação formal: “fulano é muito culto (tem cultura), fala cinco
idiomas, é doutor em administração, viveu na Europa por 15 anos”.

2
No contexto desta disciplina, cultura é a soma dos comportamentos,
saberes, técnicas, conhecimentos e valores acumulados por um grupo social ao
longo do tempo. Complementa esse raciocínio a ideia de que a cultura é algo a
ser aprendido pelo sujeito, transmitido de geração para geração. Não é algo
relacionado à natureza fisiológica humana, mas ao processo de socialização.
Portanto, todas as pessoas têm cultura e não existe uma cultura melhor que a
outra. O que existem são culturas diferentes.
Cada cultura tem sua própria e distinta forma de observar e classificar os
fatos sociais. E com percepções diferentes, teremos manifestações diferentes.
Entender e respeitar as diferenças entre grupos sociais distintos, seja um grupo
pequeno, como os torcedores de um time de futebol, ou um grupo grande, como
a etnia árabe, é o elemento-chave para combater todo e qualquer tipo de
preconceito.
O etnocentrismo, que é a propensão de determinada pessoa a considerar
a sua cultura como superior à cultura do outro, que é diferente, é uma forma de
preconceito, mas quando sentido com exagero, é o responsável por movimentos
radicais como a escravidão de povos africanos e indígenas, o Ku Klux Klan, o
Apartheid, o Nazismo etc.

Saiba mais
Para saber mais sobre Ku Klux Klan, Apartheid e Nazismo, acesse os links
disponíveis em: <https://escola.britannica.com.br/artigo/Ku-Klux-Klan/481680>;
<https://escola.britannica.com.br/artigo/apartheid/480627>;
<https://escola.britannica.com.br/artigo/nazismo/482017>. Acesso em: 26 ago.
2020.

Toda pessoa de determinada cultura, quando passar a viver em outra


(migração temporária ou permanente por motivos de estudo, trabalho, segurança
pessoal etc.) sente muitas dificuldades em entender e aceitar outros costumes.
Em alguns casos, não é preciso nem viver em outra região ou país, pois basta
ter o conhecimento de alguma prática cultural diferente da nossa para provocar
manifestações de repúdio.
É fundamental ampliarmos nossa compreensão de outras culturas,
entendendo que compreensão não significa, necessariamente, aprovação ou
incorporação daquela característica cultural em nossa atitude pessoal. O que se
propõe é a relatividade cultural como ação oposta ao etnocentrismo. É o

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entendimento de que, para “julgar” determinada cultura, devemos analisá-la com
base nos valores e costumes da cultura em análise, e não dos valores e
costumes daquele quem julga.
Conforme Dias (2004), a cultura apresenta cinco características
fundamentais:

1. É exclusiva às sociedades humanas: só as sociedades humanas têm


cultura (na definição dos estudos sócio-antropológicos). Naturalmente, os
primeiros hominídeos apresentavam quase nenhuma cultura, sendo mais
evidente com a evolução da espécie humana.
2. Compreende todas as criações humanas: tudo aquilo que não for uma
construção da natureza é construção humana, portanto é cultura. Toda
cultura apresenta elementos materiais (ou tangíveis), resultantes de
ciência e tecnologia; e elementos imateriais (ou intangíveis) como valores,
ideologia, mitos etc.
3. É transmitida pela herança social: os grupos primários (família, amigos)
transmitem cultura aos indivíduos mais novos através das manifestações
culturais (como relações interpessoais, vida material, linguagem, visão
estética, religião, folclore etc.).
4. Influencia a maneira como a pessoa entende o mundo: a influência ocorre
pelo processo de socialização, a partir das heranças culturais recebidas
e comportamentos dos grupos sociais de onde estamos inseridos. A
cultura também determina os limites da ação social, por exemplo, se uma
sociedade aceita a emancipação da mulher ou é receptiva com a
imigração.
5. É um instrumento de adaptação: considerando que a humanidade é a
espécie animal que se tornou dominante no planeta em razão da sua
capacidade de adaptação, transformação da natureza e transmissão de
conhecimento, a cultura é a ferramenta que possibilita o ato de adaptação.

Trazendo a cultura (produção da sociedade humana) para o contexto


pessoal, cada sujeito traz consigo diferentes aspectos culturais, adquiridos em
momentos distintos ao longo de sua jornada. Desta maneira, a cada nova etapa,
o mesmo indivíduo será culturalmente diferente do que era antes. Ter
consciência que essa mudança é natural ao ser humano ajuda entender por que
nossa identidade cultural não é fixa no tempo.

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Identidade cultural é a afirmação pessoal das semelhanças e diferenças
culturais que o indivíduo acredita e incorpora na sua vida, gerando sentimento
de solidariedade e pertencimento em relação a um grupo cultural. Conforme
Rodrigues (2020):

Em outras palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma


como vemos o mundo exterior e como nos posicionamos em relação a
ele. Esse processo é continuo e perpétuo, o que significa que a
identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse
sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação entre
o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o
mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos
nossas particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de
vontade ou desejo particular), também internalizamos o mundo exterior
(normas, valores, língua...). É nessa relação que construímos nossas
identidades.

Apesar de identidade cultural ser uma posição pessoal, o termo é também


usado para se referir ao posicionamento de um grupo cultural, de uma
comunidade, de uma empresa, de uma nação.

TEMA 2 – MANIFESTAÇÕES CULTURAIS

Uma vez que cultura é toda e qualquer produção humana, material ou


imaterial, as manifestações culturais são categorizadas nos seguintes temas:

• Relações interpessoais: comportamentos individuais e coletivos, status,


papéis, grupos e as instituições sociais (como visto em outras aulas);
crenças, valores, normas e sansões. Crenças (não apenas religiosas,
mas também relacionadas ao saber popular) são conhecimentos e ideais
compartilhados entre todos os que têm a mesma cultura e que orientam
as atitudes. Por exemplo, nas cidades do Sul do Brasil, há a crença de
que, se chover sobre a geada, o frio será mais intenso. Valores são
conceitos coletivos sobre o que é bom, certo, desejável (também vale para
o oposto). Normas são crenças e valores que orientam e regulam o
comportamento individual, ou seja, especificam o que pode ou não pode
ser feito pelo indivíduo em determinada cultura. As normas podem ser
detalhadas com formalidade (Direito) ou de maneira informal, pelos
costumes socialmente aceitos. Sanções (físicas e/ou morais) são as
penalidades e gratificações que o indivíduo (ou grupo) recebe por cumprir
ou não as normas.

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• Vida material: ciência (matemática, astronomia medicina), tecnologia
(moinhos, máquinas de guerra, formas de produção) e produção material,
enfim, todos os elementos relacionados ao conhecimento e à economia.
• Linguagem: todos os elementos relacionados à comunicação oral e à
escrita, expressões idiomáticas (por exemplo, “agarrar a oportunidade de
emprego com unhas e dentes”, gírias etc.), à comunicação pictórica e
simbólica, aos gestos físicos (que acompanham a fala ou isolados:
determinado movimento com os olhos ou mãos).
• Visão estética: conceitos de beleza e arte (pintura, escultura, música,
literatura), formas de identificação de status social (tipo de carro, roupas,
relógio que usa).
• Religião: entendimento e conceituação sobre vida e morte. As crenças
religiosas influenciam diretamente vários comportamentos socioculturais.
• Folclore: mitos, roupas e comidas típicas etc. são manifestações no
presente sobre comportamentos do passado.

Não existe cultura que não tenham um significado essencial para uma
determinada comunidade. Sendo assim, entender os aspectos culturais
contemporâneos somente será possível a partir da análise de todo o processo
evolutivo daquela comunidade.
Como podemos perceber no dia a dia, existem diversas subculturas
dentro de uma cultura maior. A subcultura acontece quando há elementos sociais
(costumes, alimentação, sotaque, gírias etc.) que são identificados em grupos
de indivíduos. A cultura baiana, por exemplo, é uma subcultura da cultura
brasileira.
Isso ocorre, principalmente, devido à construção social daquela sociedade
em específico, como as migrações humanas para a região no momento de
fundação da cidade ou durante os anos seguintes. Entretanto, fatores ambientais
(clima quente ou frio, períodos de chuvas etc.) e econômicos (produção industrial
ou agronegócio) também ajudam a formar as subculturas sociais.
A existência de subculturas não invalida a cultura “maior”, da mesma
forma que uma mesma pessoa ou grupo pode pertencer a uma ou várias
subculturas e, ao mesmo tempo, pertencer à cultura mãe.
Na mesma lógica, a distinção entre cultura mãe e subcultura é contextual,
pois cada subcultura tem suas próprias subculturas. Por exemplo, a cultura

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latino-americana tem como subculturas a brasileira, a argentina; a cultura
brasileira tem como subculturas a mineira, a católica, a flamenguista etc.
Cada indivíduo é incentivado a agir conforme o comportamento padrão de
determinada cultura (herança cultural e socialização). E para que esse padrão
seja respeitado, é imprescindível que a compreensão de um mesmo fato, entre
os indivíduos de uma mesma cultura, seja o mesmo. Formam-se, assim, os
signos culturais (representações, linguísticas ou sensoriais, de um determinado
objeto ou sentimento, são expressões que carregam uma ideia, um significado
específico).
Os signos representam épocas e períodos diferentes da humanidade.
Cada símbolo e seu respectivo significado mudam de acordo com cada
comunidade. Dentro do aspecto multicultural, os signos nem sempre têm as
mesmas representações. A suástica, por exemplo, é utilizada como símbolo
tanto pelo nazismo, com grave conotação, quanto pelo budismo, para
representar a felicidade.
Os signos culturais estão em todas as manifestações de uma sociedade.
Às vezes, são bem evidentes, como nas representações estéticas (na pintura,
escultura, arquitetura, artesanato e música) ou folclore. Em outras situações, os
signos culturais são pouco percebidos, como na ciência e sua aplicação. O fato
de determinada sociedade não permitir a manipulação genética em embriões
humanos é um signo cultural pouco evidente, mas que caracteriza aquela
cultura.

TEMA 3 – O AMBIENTE CULTURAL

Todo o agrupamento de pessoas forma um ambiente cultural, não


necessariamente uma sociedade (para que ocorra a efetiva caracterização de
sociedade, o agrupamento humano deve apresentar os seguintes elementos:
finalidade social, manifestações de conjunto ordenadas e poder social).
Independentemente disso, o ambiente cultural apresenta uma estrutura básica
formada por traço e contexto cultural:

• Traço cultural: é o elemento cultural básico, que pode distinguir uma


cultura de outra. O traço cultural não existe isolado, mas interligado a
outros traços da mesma cultura (ou subcultura, dependendo do contexto
analisado). Por exemplo, a interjeição "mas báh, tchê” é um traço social

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identificado como da cultura gaúcha. Determinado traço cultural pode ser
utilizado em culturas distintas, como falar o português.
• Contexto cultural: é o conjunto de traços culturais. Seguindo o exemplo
anterior, o contexto social da cultura gaúcha é a soma do "mas báh, tchê”
com o sotaque característico, o chimarrão, a fama de fazer bom
churrasco, as roupas típicas dos Centros de Tradição Gaúcha (CTG), o
vanerão etc. Importante comentar que, apesar de ser identificado com o
mesmo nome, dois ou mais contextos culturais podem apresentar
diferenças, como no caso do Carnaval. O Carnaval é uma tradição
europeia que chegou ao Brasil com a colonização. O Carnaval do
Carnaval no Rio de Janeiro (capital) tem traços culturais diferentes do
Carnaval em Olinda, em Pernambuco.

É justamente a “distribuição” de traços culturais de uma cultura em vários


contextos culturais, que se organizam com traços sociais de outras culturas e
que se modificam devido a fatores sociais, geográficos e econômicos, o motivo
de existirem tantas subculturas dentro de uma cultura mãe.
No ambiente cultural, as pessoas criam, alteram e transmitem cultura. A
transmissão da cultura acontece de maneira informal, a partir das relações
interpessoais nos grupos primários (família, amigos, comunidade, organização)
e formalmente pelos grupos secundários (livros, revistas, rádio, teatro, cinema,
jornais).
Normalmente, os grupos primários transmitem cultura aos indivíduos mais
novos no ambiente cultural sem grandes alterações na estrutura (traços e
contexto cultural), o que é chamado de herança cultural. A cultura é produzida e
consumida pelos participantes do próprio grupo. Quando uma cultura se altera
abruptamente, geralmente é devido a fatores externos ao grupo cultural, como a
entrada de um ou vários indivíduos muito influentes e com outras práticas
culturais; em casos de migrações (principalmente as forçadas); e devido a
eventos ambientais e econômicos não previstos.
Nos grupos secundários, a transmissão da cultura pode ser segmentada
(para atender a determinados grupos culturais) ou em massa. Massa é a
aglomeração de pessoas formando, em termos socioculturais, um grupo
heterogênico (com várias subculturas), mas que é tratada como homogênea
pelos meios de comunicação, indústria, prestador de serviço e governo.

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A transmissão de cultura em massa acontece, por exemplo, quando o
veículo de comunicação não tem a preocupação de atender às características
particulares de subculturas, apenas “nivelando” todos em um mesmo padrão.
Lembramos de um programa de TV1 “com os maiores sucessos nas rádios
brasileiras”. Só havia música popular brasileira (MPB), que de popular não tinha
nada, pois as rádios “ferviam” com música sertaneja e nunca vimos um sertanejo
se apresentando nesse programa. Podemos encontrar exemplos semelhantes
em jornais (qual informação é oferecida aos leitores), na produção industrial, na
educação etc. Lembre-se: tudo o que é produzido pela espécie humana é cultura.
Provavelmente você está se perguntando como comunicação e a
produção em massa determina seu padrão para produzir e transmitir cultura. No
exemplo mencionado, do programa de TV, o padrão cultural estava relacionado
às classes sociais mais altas, que poderiam comprar os discos dos cantores de
MPB ou que, assistindo ao programa, davam status a ele.
No caso da indústria de bens duráveis, critérios como tamanho da
população e influência de outra cultura “desejável” são direcionadores
importantes para a produção em massa. Por exemplo: se 70% da população é
magra, então só vamos produzir roupas para magros; se todas as mulheres
brasileiras querem ser lindas como as europeias, vamos produzir e vender tintas
para deixar o cabelo loiro e cremes alisantes.
Outro tema relacionado ao ambiente cultural é a ideia de cultura erudita
versus cultura popular. Cultura erudita é aquela produzida e consumida pela
classe dominante2, ou que significa, para as sociedades ocidentais dos últimos
300 anos, a cultura europeia (principalmente a originária da Inglaterra, França,
Alemanha, Itália e Suíça) e/ou norte-americana, considerada como ideal “devido
ao alto padrão de desenvolvimento artístico, científico, intelectual e econômico”
– etnocentrismo, porém agora considerando a cultura “do outro” melhor.
A cultura popular é o conjunto de saberes empíricos3, crenças e valores
das pessoas e/ou grupos “fora” da classe dominante. Em palavras corriqueiras,
a cultura do povo que, aos olhos da classe dominante, é subdesenvolvido
quando comparado à cultura ideal (etnocentrismo). Mas nos últimos 30 anos, a

1
Este programa acontecia a mais de 40 anos - se hoje existem similares, nosso exemplo é pura
coincidência.
2
Em aspectos sociais, econômicos, ideológicos e/ou militares.
3
Saber empírico: é aquele conhecimento adquirido durante toda a vida, no dia a dia.
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dicotomia4 entre cultura erudita e popular encontrada em tantas sociedades está
sendo desestruturada, criando diferentes manifestações culturais no ambiente
cultural.
Parte dessa desestruturação se deve à indústria da música e os meios de
comunicação de massa que usam cada vez mais elementos da cultura “popular”
para comercialização. Assim, a comunicação em massa propaga a música e
outros elementos da cultura menosprezada, como dança, comportamento,
moda, culinária etc. por toda a sociedade (pois não há distinção de subculturas),
diminuindo com os preconceitos sociais e raciais.
Para finalizar nosso estudo sobre o ambiente cultural, gostaria de
destacar o folclore, que é o conjunto de manifestações culturais populares, mas
que aconteceram no passado e que hoje são apropriados pela sociedade,
reapresentados, relembrados, refeitos. Além da questão temporal (é a cultura
dos antepassados), devemos ter em mente que, no folclore, alguns ou vários
componentes culturais foram modificados. Troca-se o tempero antigo pelo atual,
o tecido das roupas é industrializado, o real objetivo foi esquecido, a cada
geração, a história “real’ ganha contornos de fantasia e a dança recebe
movimentos contemporâneos.
Sendo assim, o folclore deve ser valorizado como expressão e
identificação da sociedade atual pelas tradições culturais em desuso, mas não
como representação fidedigna da cultura dos nossos antepassados.

TEMA 4 – MULTICULTURALISMO

Antes de falarmos sobre multiculturalismo, vamos rever os conceitos de


território, Estado e nação.

Quadro 1 – Território, Estado e nação

Território É o espaço geográfico apropriado e delimitado por relações de


soberania e poder.
Estado É um conjunto de instituições públicas que administra um
território, procurando atender os anseios e interesses de sua
população. Dentre essas instituições, podemos citar as escolas,

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Dicotomia: oposição entre duas coisas, geralmente entre dois conceitos.
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os hospitais públicos, os departamentos de política, o governo e
muitas outras.
Nação Significa uma união entre um mesmo povo com um sentimento
de pertencimento e de união entre si, compartilhando, muitas
vezes, um conjunto mais ou menos definido de culturas, práticas
sociais, idiomas, entre outros.
Fonte: Pena, 2015.

Como você pode observar, não existe Estado sem um território e nação
não é sinônimo de Estado. Podemos ter um Estado multinacional como a
Espanha, que tem dentro do seu território a nação espanhola, a basca, a catalã,
a navarra e outras que lutam para construir seus respectivos Estados. Também
é possível uma nação, como a curda, que não tem território e, portanto, não tem
um Estado.
Assim, o termo Estado-nação significa que uma nação ocupa um território
e que se organiza como Estado. Desde o surgimento desse conceito no século
XVIII, o papel do Estado-nação foi o fortalecimento da própria soberania, através
do crescimento econômico, poder bélico e identidade cultural.
Alguns Estados-nação foram constituídos a partir de uma única
comunidade cultural, com seus indivíduos compartilhando uma identidade
cultural fortalecida, sem conflitos internos. Por razões diversas (colonização,
ocupação do mesmo território por culturas semelhantes, guerra), vários Estados-
nação foram constituídos onde várias comunidades com culturas diferentes
ocupavam o mesmo território – o multiculturalismo.
A maneira com que cada Estado-nação se relaciona com o próprio
multiculturalismo varia do tempo, conforme situações bem específicas, entre
elas, forma de governo. Conforme Salaini (2012), podemos identificar vários
tipos de multiculturalismo:

• Crítico: valorização e oficialização da cultura da classe dominante (por


critérios econômicos, políticos e/ou militares) sobrepondo outras culturas,
muitas vezes majoritária em indivíduos, mas sem poder. Sendo assim, os
grupos culturais desalinhados com a cultura dominante podem ser
marginalizados (ignorados) pelo Estado e comunidade cultural dominante;
e/ou sofrerem impedimentos legais (criados pelo Estado com o apoio do
grupo social dominante) para manifestar sua cultura; e, em casos

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extremos, forçados a emigrar ou serem eliminados (genocídio5) sem a
chance de deixar o país.
• Conservador: valorização e oficialização da cultura da maioria dos
indivíduos da sociedade, em que as minorias culturais são marginalizadas
e/ou sofrem impedimentos legais.
• Liberal: propõe a integração dos grupos sociais minoritários à cultura e
sociedade majoritária e, baseando-se na cidadania individual, tolera que
as manifestações culturais rejeitadas pela maioria sejam realizadas
apenas no ambiente particular.
• Corporativo: é possível administrar as diferenças culturais da minoria
(principalmente aquela que estão em oposição a algum critério da cultura
majoritária) se isso for de interesse e promover vantagem para a maioria.
• Comercial: considerando que a diversidade seja reconhecida
publicamente, se pressupõe que as diferenças culturais são resolvidas
através das relações privadas, não precisando que os governos adotem
políticas específicas para intermediar eventuais contratempos ou
redistribuir o poder.
• Pluralista: adoção de estratégias e políticas governamentais que
permitam a manobra de conflitos em potencial e a permissão de
manifestação igualitária para todas as culturas ali existentes.

Com base na lista acima, percebemos que os vários tipos de


multiculturalismo podem ser divididos em duas categorias: a) prática ou
inclinação a homogeneização cultural – crítico, conservador e liberal; b) prática
ou inclinação a interculturalidade: corporativo, comercial e pluralista.
A interculturalidade surge por meio das relações entre as culturas e seus
membros, os quais mantêm seus próprios contextos culturais. Por isso é
fundamental conhecer e preservar as manifestações culturais distintas, para
impedir que uma pessoa ou grupo cultural determine a identidade cultural de
outro indivíduo. Nesse cenário, percebe-se a importância da adoção de medidas
a favor da manutenção histórica da identidade dos povos e nações. O
rompimento dos vínculos com as gerações anteriores é, historicamente, uma
medida que levará as gerações futuras a sofrerem com os mesmos erros
continuamente.

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Genocídio: extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou
religioso.
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TEMA 5 – GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL

Nos últimos 70 anos, o papel do Estado-nação como regulador e/ou


incentivador da economia nacional foi enfraquecido por causa da globalização.
O termo globalização surgiu nos Estados Unidos da América na década de 1980
para se referir à produção e comercialização global de produtos e serviços, ou
seja, um viés totalmente econômico.
A globalização surgiu principalmente por dois motivos: abrir novos
mercados de consumo e baixar os custos de produção. Após o grande
crescimento econômico entre anos 1950 a 1970, principalmente nos países com
forte parque industrial, o consumo nos países desenvolvidos diminuiu. Assim, as
empresas precisavam “entrar” em novos mercados para vender e continuar o
crescimento econômico, ou seja, precisavam tornar a oferta global. Ao mesmo
tempo, as indústrias buscavam novas fontes de recursos naturais e mão de obra
mais barata, itens que não encontravam no país de origem, para serem mais
competitivas no mercado nacional e internacional.
Com o início da globalização da economia, a oferta de bens duráveis
(carros, computadores, roupas etc.) pelos países industrialmente desenvolvidos
“abriu” caminho para a oferta de seus outros produtos culturais, como idioma,
música, alimentação e costumes. Para vários países do oriente, por exemplo,
globalização significa ocidentalização ou americanização.
A globalização enfraqueceu o Estado-nação no controle econômico (a
abertura de empresas estrangeiras, as migrações a trabalho) e incrementou os
avanços tecnológicos na comunicação. Por isso, ela foi responsável por
importantes mudanças sociais, dependendo do contexto local:

• Sociedade com uma única cultura: a identidade cultural era bem


estabelecida, e a globalização surgiu como uma oportunidade de tornar a
cultura local conhecida aos outros países e a descoberta de outras
culturas pela população local.
• Sociedade multicultural: os diversos grupos culturais, principalmente os
marginalizados, passaram a ter a oportunidade de se expor, de valorizar
e reafirmar sua própria identidade cultural, principalmente quando, por
pressões internas e externas, o Estado-nação eliminou os impedimentos
legais que promoviam o preconceito e a segregação.

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Muitas pessoas consideram que a globalização destrói a cultura local e/ou
favorece que o indivíduo (ou o grupo) perca a sua identidade cultural devido à
oferta e consumo de cultura estrangeira massificada, como ciência, tecnologia,
bens duráveis e não duráveis, serviços, procedimentos, ideologias política,
econômica e religiosa, literatura, música, cinema etc.
No entanto, devemos ter em mente que a base da globalização é o viés
econômico e não a valorização de uma cultura em específico. Não importa qual
é a cultura que gerou o produto, mas a aceitação e consumo global, como por
exemplo, o k-pop.
A globalização é um processo complexo e, por vezes, contraditório. Para
muitas pessoas, globalização significa ocidentalização e massificação de
produtos (bens e serviços). No entanto, temos exemplos da cultura oriental,
como música e cinema, sendo consumidos globalmente; assim como há casos
de vários produtos globais sendo modificados para atender aos consumidores
locais, como o hambúrguer do McDonald’s, que usa carne kosher em Israel
(Dias, 2004).
Através das inúmeras cargas culturais presentes na sociedade
contemporânea representadas por imagens, sons, características ou crenças, o
ser humano é moldado por todos os lados e identifica múltiplas facetas
comportamentais a serem seguidas. Por meio desse novo processo de
transformação, rápido, constante, simultâneo e desuniforme, não há como se
estabelecer uma única identidade cultural global.
O que sabemos, pelos últimos anos, é que não existe a aceitação passiva
de influências externas em um grupo cultural. Ou há resistência ou há a
integração mediante alterações locais, ambos em diversos níveis, conforme a
cultura local. Além disso, há a reação de volta, quando a cultura local influencia
e modifica a cultura externa. Dias (2004) chama esse movimento de interações
de mão dupla de transculturação.
Na transculturação, as manifestações culturais não se baseiam em
herança cultural, mas nas interconexões culturais contemporâneas, na
apropriação de elementos externo à cultura, para o contexto local, à sua
conveniência e realidade. É como diria qualquer designer nos últimos 100 anos:
“vamos oferecer cultura conforme a necessidade e a expectativa do cliente”.

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TROCANDO IDEIAS

Foi comentado no Tema 4 sobre a Espanha, com várias nações juntas


sob o mesmo Estado, e o caso dos curdos, que são uma nação e não têm
território. Pesquise outros casos de Estado-multinacional e nações sem Estado.
Compartilhe a sua pesquisa com seus colegas no fórum de seu ambiente virtual.

NA PRÁTICA

Vamos exercitar relatividade cultural? Siga o passo a passo:

1. Escolha uma cultura que você gosta ou tem interesse em conhecer, bem
distante geograficamente, como a cultura alemã ou chinesa ou árabe.
2. Escolha um tema entre estes: religião dominante e religiões minoritárias,
alimentação, classes sociais, idioma (s), regime político, regime
econômico, etnia(s), papel da mulher na sociedade.
3. Pesquise o tema escolhido, na cultura escolhida: como é hoje e a sua
evolução histórica.
4. Depois crie um texto de 500 palavras dizendo por que esta cultura age
desta forma em relação ao tema que você pesquisou.

FINALIZANDO

Nesta aula apresentamos, pelo olhar da sociologia, o conceito de cultura,


suas manifestações e ambiente. Sabemos que todas as produções humanas são
cultura, como ciência, tecnologia, produção de bens, ideologias, comportamento
individual e coletivo, relações interpessoais, linguagem etc. e não apenas
aspectos específicos como música, dança, arte ou moda.
Também conversamos sobre globalização e as possibilidades de criar
uma cultura global ou da manutenção da diversidade.

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REFERÊNCIAS

AQUINO, R. S. L. et al. História das sociedades: das sociedades modernas às


sociedades atuais. Rio de Janeiro: Record, 2001.

DIAS, R. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2004.

FARIA, G. G. M. et al. Patrimônio histórico: como e por que preservar. Bauru:


Canal 6, 2008.

JOHNSON, G. A. Dicionário de sociologia, guia prático da linguagem


sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LOPES, R. J. Civilização Amazônica. Povos Indígenas no Brasil, 3 dez. 2015.


Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/Not%C3%ADcias?id=158003>. Acesso em:
25 ago. 2020.

NETO, E. S.; MALANSKI, L. M. Território, cultura e representação. Curitiba:


Intersaberes. 2016.

PENA, R. F. A. Diferenças entre Estado, País, Nação e Território. Mundo


Educação, 15 jan. 2015. Disponível em:
<https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/diferencas-entre-estado-pais-
nacao-territorio.htm>. Acesso em: 25 ago. 2020.

PLÜMER, E. et al. Sociedade e contemporaneidade. Curitiba: Intersaberes,


2018.

RODRIGUES, L. de. O. Identidade cultural. Brasil Escola, 29 set. 2015.


Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/identidade-
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SALAINI, C. J. et al. Globalização, cultura e identidade. Curitiba: Intersaberes,


2012.

SOBRAL, G. Linguagem, sociedade e discurso. São Paulo: Edgard Blücher,


2015.

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