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UNIVERSIDADE LUSIADA DE ANGOLA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

SEBENTA

DE

HISTÓRIA DA CULTURA ANGOLANA 02

DOCENTE

ANICETO DO AMARAL GOURGEL

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LUANDA/2021

NOTA PRÉVIA

SEBENTA OU APOSTILA, é uma compilação de várias obras para facilitar o estudo


de determinada disciplina. Aqui trata-se da disciplina de História da Cultura Angolana,
ministrada em alguns cursos de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Lusíada
de Angola.

A história de cada um, a história da família ajuda a compreender quem somos, ajuda a
criar uma identidade pessoal. Ela estabelece laços com os que vivem próximo, ajuda
também a desenvolver uma identidade comunitária e social. Essa identidade social vai-
se alargando com a percepção de pertença a várias comunidades locais, mas não outras.
O desenvolvimento de uma dimensão de identidade regional e nacional, a percepção de
se pertencer a uma comunidade que engloba várias outras comunidades com
semelhanças e diferenças faz também parte do conhecimento de nós próprios. A
História também ajuda a criar laços com uma comunidade mais alargada; a comunidade
Africana e Universal. A história pode assim contribuir para desenvolver uma identidade
multidimensional, promoção do patriotismo, e ao mesmo tempo, proporcionar o
desenvolvimento da capacidade de aceitar perspectivas.

Por carência de obras ligadas a disciplina em causa, resolvemos elaborar esse meio
didáctico, muito usual nas universidades, isto é, nos dias de hoje, pois, os professores de
cada disciplina reúnem fotocópias de trechos e capítulos de diferentes livros, muitas
vezas acompanhados também de resumos, esquemas de aulas e textos suplementares de
apoio aos discentes.

Assim sendo, a recolha de textos em causa, baseiam-se no programa lectivo da


disciplina que comportam vários capítulos e subcapítulos.

Esperemos que esta SEBENTA venha colmatar a falta de obras académicas nas
bibliotecas do ensino superior, bem como nas bibliotecas públicas. Se eventualmente ao
longo do nosso estudo surgirem outras obras que possam enriquecer o estudo do nosso
programa serão bem-vindas, pois, em ciências nada é acabado, a todo instante a
dinâmica da ciência como tal, nos proporciona novas informações relativos ao saber.

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INDICE

Conceito de Cultura

Características e Alguns Conceitos Inerentes a Cultura

Desconstrução da Visão Europeia sobre a Cultura Africana

Povos não Bantu (Khoi-San)

Arte Rupestre

Povos Bantu e suas origens

Estrutura Socioeconómica, Política e Cultural

Rituais de Iniciação (nascimento, puberdade, casamento e morte)

Sincretismo Religioso: Beatriz Kimpa Vita, Tokoismo e Kimbanguismo

Fenómeno Cultural Ambaquista

Cultura Angolense

Geração da Luz

Geração da Cultura Nativista

Movimento Cultural Vamos Descobrir Angola

Conjunto Musical Nzaji e Ngola Ritmos

O Teatro

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ORIGEM DA PALAVRA CULTURA

O termo cultura provém do termo francês, culture, cultivar ou instruir, cultus, cultivo,
instrução. O vocábulo francês culture é oriundo da palavra latina, cultura significa os
cuidados prestados aos campos e ao gado, na França surge para designar uma parcela de
terra cultivada.

Muitas vezes o termo cultura é empregue para designar o desenvolvimento do indivíduo


por meio da educação, da instrução. Os antropólogos não empregam os termos culto ou
inculto, de uso popular, e nem fazem juízo de valor sobre esta, ou aquela cultura, pois,
não consideram uma superior à outra. Elas apenas são diferentes do ponto de vista da
tecnologia ou da imaginação dos seus elementos. Todas sociedades possuem cultura e
não há individuo desprovido de cultura.

É a cultura que distingue o homem dos outros animais: por maia perfeito que os animais
façam o ninho… A diferença está na consciência presente no acto humano.

A cultura, é uma tarefa social e não um assunto individual. É um conjunto de


experiências vividas pelo homem através da História.

A cultura é um produto humano. É neste sentido que o ser humano se distingue do


mundo animal.

A cultura pertence a comunidade, ao grupo social de que o indivíduo é membro, pelo


que ela não depende do indivíduo, mas sim da colectividade.

A cultura é algo que transcende o ser humano, porque nenhum indivíduo pode viver
todos os elementos de uma determinada cultura.

CONCEITO DE CULTURA SEGUNDO ALGUNS ESTUDIOSOS

Muitas vezes ouvimos falar que uma determinada pessoa tem cultura por ter lido muitos
livros ou por ter conhecimento apurado na área artística. Também já ouvimos falar de
manifestações culturais que são relacionadas ao folclore, crenças, danças, lendas de uma
determinada região. É um termo muito difundido actualmente é o de cultura de massa
que faz referência ao cinema, televisão, rádio etc.

O primeiro intelectual a formular um conceito de cultura foi Edward Burnett Tylor


(1832-1917) antropólogo que nasceu no Reino Unido. Na sua obra Cultura Primitiva, o
conceito cultura engloba todas as coisas e aconteci8mentos relativos ao homem. Já para
Ralph Linton (1936), a cultura “consiste na soma total de ideias, reacções emocionais
condicionadas a padrões de comportamentos habitual que os seus membros adquiriram
por meio da instrução ou imitação e de que todos, em maior ou menor grau,
participaram” (LINTON).

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Franz BOAS (1858-1942) entende cultura como “a totalidade das reacções e actividades
mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um
grupo social (…)” (BOAS, 1964, p. 166).

Bronislaw Malinowski (1884-1942) antropólogo polaco, define cultura como “o total


global consiste de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os
vários agrupamentos sociais de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes”
(Malinowski, 1962, p. 43).

Como vimos, são várias definições acerca da cultura, e podemos perceber que elas
variam com o passar do tempo, para Tylor, Linton, Boas e Malinowski cultura é o
conjunto de ideias; para Kroeber e Kluckhon, Beals e Hoijer cultura é abstracção do
comportamento; para Keesing e Foster cultura é o comportamento apreendido. Leslie A.
White apresenta uma abordagem diferenciada: cultura, segundo ele, deve ser vista não
como comportamento, mas em si mesma, fora do organismo social. White, Foster e
outros entendem cultura como elementos materiais e não matérias e não materiais. A
definição de Geertz propõe a cultura como um “mecanismo de controlo” do
comportamento (MARCONI; PRESSOTO, 1989, p. 42-43).

Embora existam varias definições para o termo cultura, duas concepções são discutidas
e aceites.

- Culturas são todos os aspectos de uma realidade social

- Cultura é o conhecimento, ideias e crenças de um povo.

Vamos englobar essas duas concepções para definir qual conceito de cultura iremos
utilizar ao longo do nosso estudo. Cultura, portanto, será entendida por nós como a
variedade de modos de vida, crenças, hábitos, valores e práticas de diversos povos.
Assim, o termo cultura também pode ser entendido como modo de produção já que
ambos significam o jeito de ser de uma determinada sociedade e o que ela produz.

Aprendemos que o ser humano é colectivo e que necessita do grupo para dar início ao
seu processo de humanização e que, por meio do trabalho e da sua capacidade d pensar
modifica a natureza para sanar as suas necessidades. Além disso, cria códigos de
comunicação que são utilizados pelo grupo ao qual pertence.

Não podemos julgar culturas, pois cada grupo social constrói seu jeito de viver de
acordo com o que acha certo, assim devemos apenas buscar compreender as
diversidades culturais e respeitá-las acima de tudo. Portanto, somente através da
tolerância pode construir um mundo melhor onde todos terão direito de expressar suas
verdades.

A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários enfoques: ideias
(conhecimento e filosofia), crenças (religião e superstição), valores (ideologias e moral),
normas (costumes e leis), atitudes (preconceitos e respeito ao próximo), padrões de
conduta (monogamia, tabu), abstracção do conhecimento (símbolos e compromissos),

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instituições (família e sistemas económicos), técnicas (artes e habilidades) e artefactos
(machado de pedra, telefone), (MARCONI;PRESSOTO. 1989, p. 44).

1.2 - ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA CULTURA

ACULTURAÇÃO É a fusão de duas culturas diferentes que entrando em contacto


contínuo originam mudanças nos padrôes da cultura de ambos os grupos. Pode abranger
numerosos traços culturais, onde um grupo acaba sempre por dar mais e receber menos.

AQUISIÇÂO Ninguém nasce com cultura, todos nós passamos num processo de
aquisição da nossa cultura.

COLECTIVA A cultura diz repeito a colectividade de uma comunidade.

CULTURA MATERIAL São coisas materiais que foram criadas pelo ser humano
com uma finalidade. São, por exemplo, vestuários, arco, flechas, vasos, talheres,
alimentos, habitações e outros materiais.

CULTURA IMATERIAL São elementos não concretos da cultura como valores,


hábitos e costumes, crenças.

DIVERSIDADE CULTURAL São os vários aspectos que representam


particularmente as diferentes culturas, como a linhagem, as tradições, a culinária, a
religião, os costumes, o modelo de organização familiar.

DIREITO CONSEUETUDINÁRIO É o direito que surge dos costumes de uma certa


sociedade, não passando por um processo formal de criação de leis.

ESTÁVEL-DINÁMICA A cultura é passada de geração à geração, todavia, ela não é


estática pelo contrário ela é dinâmica, pois adapta-se aos tempos. Exemplo: rituais de
iniciação e outros.

ETNOCENTRISMO É na verdade a sobrevalorização da própria cultura em relação as


demais. Quando nos referimos a povos primitivos e civilizados deve ser feita em termos
de culturas diferentes e não na relação superior ou inferior.

ENDOCULTURAÇÃO É o processo de aprendizagem e educação em uma cultura


desde a infância é chamada de endoculturação, pois cada individuo adquire as crenças, o
comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence.

EXORCISMO É um ritual executado por uma pessoa devidamente autorizada para


expulsar espíritos malignos de outra pessoa que esta num estado de possessão
demónica.

FEMINISMO Pode ser definido como um longo processo com raízes que se estendem
desde o passado remoto até o presente.

Por outro lado, o feminismo também pode ser apresentado como o discurso de busca de
igualdade entre os sexos. Todavia, se queremos definir o feminismo como movimento

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de massas, ele é um movimento de massas, ele é um fenómeno bastante
contemporâneo , que pode ser datado em torno das décadas de 1960-1970, no mundo
ocidental.

Esse feminismo contemporâneo surgiu em um contexto no qual emirgiram diversos


movimentos de libertação denunciando a exisência de vários tipos de opressão.
Movimento pelos direitos civis, pela igualdade racial ecologista, movimento de
homossexuais e mulheres surgiram, então, como forma de pensar a opressão de modo
mais amplo do que a partir da ideia de luta de classes, até então o fundamento das
principais críticas é à desigualdade social.

Cada vez mais esses grupos foram percebendo que suas vidas estavam carregadas de
estigmas preconceitos, bem como que seus objectivos políticos nem sempre se
confundiam com os objectivos do operariado, então considerado a classe social que
seria a vanguarda de uma nova forma de organização social, o socialismo. Foi nesse
contexto que as mulheres começaram a perceber que o sexo é político, ou seja, que é
permeado por relações de poder e de hierarquia, essa situação (marcada pela
desigualdade continuaria a existir mesmo em um regime no qual inixistisse a luta de
classes. Com o afloramento dessa consciência a partir dos anos 1960, nos Estados
Unidos, surgiu o movimento feminista que assumiu e criou uma identidade colectiva de
mulheres bem como, indivíduos do sexo feminino, possuidoras de interesses
compartilhados: o fim da subordinação aos homens da invisibilidade e da importância, a
defesa do direito de igualdade e do controle sobre seu corpo e sobre sua vida.

O principal objectivo das feministas é superar o autoritarismo e a desigualdade entre os


homens e mulheres nas relações pessoais com a organização política pública.

Assim, foram sendo organizados grupos de reflexão nos quais as mulheres


compartilhavam suas agruras e o que antes parecia um problema individual, tornava-se
colectivo.

FOLCLORE Termo cunhado em inglês a partir das palavras folk (povo), e lore (saber).

A palavra folclore foi usada pela primeira vez pelo arqueólogo inglês Willian John
Thoms, o folclore é o conjunto de ritos, crenças religiosas, danças linguagem, música,
artesanato etc. Folclore, portanto, vai muito além da ideia de tradição popular; ele está
associado à vida do povo, à sua disposição de criar e recriar algo. Não somente as
celebrações populares, mas o lastro da vida quotodiana de um determinado grupo.

GÊNERO É uma categoria relacional ou seja, género é entendido como estudo das
relações sociais entre homens e mulheres, e como essas relações são organizadas em
diferentes sociedades, épocas e culturas.

Os pesquisadores que utilizam essa categoria de análise fazem questão de frisar que no
campo das relações entre homens e mulheres há uma distinção entre a esfera biológica,
que é o sexo propriamente dito e suas características físicas, e a esfera social e cultural,
que é identidade do género. Assim não há uma essência feminina imutáveis e

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determinadas por características biológicas. O que há são construções sociais e culturais
que fazem que homens e mulheres sejam educados e socializados para ocupar posições
políticas e sociais distintas normalmente cabendo aos homens as posições hierárquicas
mais elevadas, enquanto às mulheres são reservadas as posições menos privilegiadas.
Deste modo, o conceito de género tem muito a ver com a forma como são percebidas as
relações de poder entre homens e mulheres.

As identidades masculinas e femininas são construções sociais e culturais que impõe aos
sexos condutas, práticas, espaços de poder e anseios diferentes.

Tudo isso baseado nas instituições que a própria sociedade constrói para o feminino e o
masculino e não em diferenças naturalmente predeterminadas entre homens e mulheres.

Historicamente , o conceito de género surgiu para se contrapor a uma visão que


enfatizava as diferenças biol+ogicas, ou sexuais entre homens e mulheres que acabava
naturalizando a dominação masculina.

GLOBALIZACÃO É o processo de aproximação entre as diversas sociedades e nações


existentes por todo o mundo, seja no âmbito económico, social, cultural ou político.

MULTICULTURALISMO É a convivência pacífica de várias culturas em um mesmo


ambiente. É um fenómeno social directamente relacionado com a globalização e as
sociedades pós-modernas.

MISCIGINAÇÃO É o processo gerado a partir da mistura entre diferentes etnias


humanas. Os seres humanos miscigenados apresentam características físicas típicas de
várias raças.

IDIOSSINCRASIA É o comportamento estranho ou diferente do usual, diferente


daqueles que geralmente é visto como comum, também como comportamento social
diverso que podemos ver em várias culturas.

SOCIAL Só há cultura onde há sociedade, a cultura é inerente a sociedade, pois, o


homem é que faz a cultura.

SUBCULTURA Pode ser considerada como um meio particular da vida de um grupo


menor dentro de uma sociedade. A subcultura não tem conotação valorativa, não é
superior ou inferior a outra; apenas são diferentes, devido a organização e estrutura dos
seus elementos.

Os sociólogos distinguem as subculturas segundo classes sociais, mas também, segundo


grupos étnicos.

UNIVERSAL-REGIONAL Toda cultura tem origem numa determinada região,


expandindo-se para o mundo fora, exemplo: o cristianismo.

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RAÇA A palavra raça foi introduzida há aproximadamente a 200 anos nos estudos
científicos. No entanto, pouco se sabe sobre a sua origem. Etimologicamente a palavra
raça viria de “radix”, palavra latina que quer dizer raiz ou tronco.

Raça é uma categoria das espécies de seres vivos, utilizada pela biologia como forma de
classificação. Em termos sociais, o uso do termo raça é usado enquanto senso comum
para determinar grupos étnicos a partir de suas características genéticas.

As” raças humanas” seriam determinadas pela cor da pele e características físicas,
associadas a origem social dos indivíduos, mas que caiu em desuso pela comunidade
científica.

Estudos genéticos já provaram que não existem subgrupos de humanos, sendo errado
classificar, negros, asiáticos, indígenas ou outros grupos enquanto diferentes raças. A
abordagem antropológica e sociológica da questão estabelece que os diferentes grupos
entre humanos são etnias, e apresentam diferenças fenotípicas, como a cor de pele.

RELATIVISMO CULTURAL Nega a existência de cultura superior e inferior, pois,


toda cultura é saudável.

MITO São narrativas utilizadas pelos povos antigos para explicar factos de realidades e
fenómenos da natureza, as origens do mundo e do homem, que não eram
compreendidos por eles. Os mitos se utilizam de muita simbologia, personagens
sobrenaturais, deuses e heróis. Todos estes componentes são misturados a factos reais,
características humanas e pessoas que realmente existiram.

LENDA É uma narrativa fantasiosa pela tradição oral através dos tempos. De carácter
fantástico ou fictício, pois as lendas combinam factos reais e históricos com factos
irreais que são meramente produto da imaginação de uma aventura humana. Uma lenda
pode ser também verdadeira, o que é muito importante. Como exemplos bem definidos
em todos os países do mundo, as lendas geralmente fornecem explicações plausíveis e
até certo ponto aceitáveis, para coisas que não têm explicações científicas comprovadas,
como acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Podemos entender que a lenda é
uma degeneração do mito. Como diz o dito popular; “quem conta um conto aumenta um
ponto”. As lendas, pelo facto de serem repassadas oralmente de geração a geração
sofrem alterações à medida que são contadas.

Um dos objectos do mito era transmitir conhecimentos e explicar factos que a ciência
ainda não havia explicado, através de rituais em cerimónias, danças, sacrifícios e
orações. Um mito também pode ter a função de manifestar alguma coisa de forma forte
ou de explicar os temas desconhecidos e tornar o mundo conhecido ao homem.

IDENTIDADE CULTURAL É o conjunto, das características de um povo, oriundos


da interacção dos membros da sociedade e da forma de interagir com o mundo, através
da cultura, tradição, música, culinária, religião, o modo de vestir, de falar, entre outros,
que representam os hábitos de uma nação.

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Identidade Cultural é um conceito muito abordado nas últimas décadas, no entanto, ela
sempre existiu, ou seja, desde os primórdios os homens se organizavam em grupos
sociais, os quais compartilhavam informações sobre identidade, com os seus membros.

O sentimento de pertença, surge então, a partir das experiências que os seres humanos
desenvolvem durante sua vida social.

Assim, fica claro que existem várias identidades culturais no mundo e em particular em
Angola onde há um mosaico cultural de várias etnias, raças, línguas heterogéneas.

PRÁTICA MÁGICO – RELIGIOSO É utilizada por todos os aspectos religiosos,


míticos e espiritualistas que consiste em evocações, orações, exorcismos, curas, unções,
transes, rituais de iniciação de consagração, projecção astral, rituais festivos de
celebração, manipulação de símbolos, vidências, búzios, etc. Dentro de um processo
mágico-religioso, acredita---se que o indivíduo é capaz de manipular (intervir) nas
forças da natureza, como vento, a luz, as águas as chuvas, trovões, relâmpagos, funções
e todo fenómeno natural ou de ordem psicológicas, destino? Doenças? Ou como é o
caso das curas milagrosas?

Desconstrução de Visão Europeia Sobre a Cultura Africana

Para justificar a inferioridade do homem africano, a ciência torna-se grande aliada no


processo de colonização, que é acção dos povos civilizados de trazer os não civilizados
à civilização, justificando todas as medidas que seriam tomadas pela administração
colonia,l para com este processo de inferiorização. Excluir os africanos de quaisquer
direitos de cidadania portuguesa.

Para forçar a realização do pensamento de António Enes, no período de 1899 à 1910, o


estudo da colonização passou a ser feito em carácter científico. Estudavam-se as
características biológicas do negro e a sua inferiorização sistemática. A Antropologia é
utilizada para inquerir e justificar a inteligência do negro (preto). A fisionomia do preto
é ressaltada para caracterizar a sua a animalidade cujo estudo do crânio do negro ratifica
a sua inferioridade.

Para justificar os seus argumentos sobre a pretensão colonial, Portugal realizou várias
exposições e conferências internacionais onde aludiam de uma forma «científica» a
inferioridade do negro, tais como a Exposição Industrial do Cabo de Boa Esperança
(Africa do Sul) de 1904, e na Exposição Colonial de París (França) de 1906, e que foi
promovido pela Sociedade de Geografia onde foram abordados os mais variados temas
da problemática colonial, como por exemplo, “classificar os povos e estabelecer
tipologias raciais e culturais.

OS POVOS DE ANGOLA

Os Povos Não Bantu (Khoisan)

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Os Povos não Bantu ou Khoisan são povos que habitaram as zonas mais longínquas do
actual território angolano, antes da chegada dos Bantu, o que aconteceu a partir do
século XIII. Estes comportam os grupos, Ovakwis, Ovakwepe e Nkung.

Os holandeses deram ao povo Nkung o nome de Bosquímanos, termo rejeitado pelos


próprios, porque significa “homem da selva ou do bosque”. Também são conhecidos
pelos seus vizinhos bantu como kamusekele, Mukakhala ou Bosquimanos.

A partir do século XIII, foram empurrados para zonas mais afastadas ou inóspitas pelos
Bantu, que começaram a chegar ao território no mesmo século.

Hoje em dia, habitam nas províncias do Kunene, Huíla (Wila), Kuango Kubango
(Kwango Kuvango) e Namibe.

KOISAN

Os Khoisan nunca formaram reinos ou estados em Angola, viveram sempre em tribos e


alimentavam-se de frutos silvestres.

Caçadores recolectores, a sua actividade socioeconómica é dividida de acordo com o


sexo e a idade dos seus elementos. Ao homem cabem as tarefas ligadas à caça, à
elaboração dos azagaias e respectivas flechas; à preparação do veneno para as flechas; o
curtir a pele desses animais, e iniciar os rapazes em idade púbere nas lides de adultos.

À mulher cabem as tarefas domésticas, a recolha de produtos alimentares, a educação


das raparigas e, eventualmente, acompanhar o homem na caça quando esta não implica
grandes caminhadas. Exímia conhecedora das plantas comestíveis e medicinais
existentes no deserto, ela representa um elemento fundamental na estrutura do grupo. A
mulher tem um envolvimento afectivo muito prolongado com a criança, amamentando-a
durante um longo período. Os seus haveres reduzem-se ao mínimo indispensável ao
facilmente transportável, de modo a facilitar a constante mobilidade a que se vê
obrigada, não só pela exiguidade de recursos alimentares, mas também pelo rigor das
condições climáticas em determinadas épocas do ano, ou por morte de algum elemento
do grupo.

A existência de um fogo aceso é algo de essencial na cosmologia desta comunidade.


Está associado às crenças e ao misticismo, e é assim que os Khoisan evidenciam crenças
e práticas similares, embora algumas possam ser diferenciadas de grupo para grupo e
entre indivíduos.

Acreditam num grande deus muitas vezes identificado por N!dii que também pode
significar céu nalgumas línguas do Kalahari Central. Muitas vezes deus é chamado pelo
seu nome N!dade, Ga//ua ou Hishe. Acreditam ter sido ele o criador do universo.

Esse ser não afecta significativamente a actividade diária dos Khoisan, embora seja
identificado como aquele que faz crescer as plantas ou quem possibilita a um casal ter
filhos.

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A dança e a música têm um significado muito particular na vida dos Kung.
Eventualmente um ou mais homens entram gradualmente em transe. Na crença Kung
têm entra no corpo do homem curandeiro e tornam-se num só. O homem é o
instrumento utilizado pelo espírito ancestral para que se estabeleça o contacto entre as
duas instâncias. Os Kung têm critérios únicos de introspecção. A sua educação em
relação ao transcendente é gradual e passa ultimamente pela aceitação individual de
todo um processo que envolve a sua prática. Acreditam que a possibilidade de viver a
transcendência, conduz a uma vivência superior como o objectivo de elevar o espírito.

Este grupo sociocultural está em vias de extinção, por razões intrínsecas (um número
reduzido de filhos, geralmente não mais que dois, e por não se cruzarem com outros
grupos), e extrínsecas à sua filosofia de vida, que perigam de forma incisiva a sua
existência.

São de cor acastanhadas, estatura baixa, tez clara, nariz largo e achatado, olhos claros e
cabelo muito enroscado, possuem características físicas próprias não falam uma língua
bantu, mas sim por estalidos da língua, os conhecidos “clicks” que se produzem na
região dental, labial, palatal ou gutural e de forma mono ou dupla, consoante o grupo
sociolinguístico a que pertencem. Graficamente representam-se por um ponto de
exclamação (!) ou traço duplo (//).

A sua desorganização sociopolítica, e o facto de não dominarem a técnica do uso dos


metais, sobretudo do ferro, foram determinantes para que acabassem subjugados ou
empurrados para zonas mais afastadas ou inóspitas pelos Bantu, povos que começaram
a chegar ao território angolano a partir do século XIII.

Em relação aos Khoisan, Pedro de Castro Maria, na sua obra intitulada Minoria Étnicas
de Angola o caso dos San, afirma que os Khoisan não existem, “foi uma imaginação do
colonialismo, fundindo indevidamente vários grupos para satisfazer os seus propósitos
políticos administrativos”. Mais adiante o autor assevera que os “os Khoisan tratam-se
de uma junção forçada de dois povos, os San e os Khoi-Khoi, sem se ter em conta o
facto mais relevante de classificação étnica, que é a identidade”.

Perante estas afirmações do autor em referência, remetemos a abordagem do assunto


para historiadores, arqueólogos profissionais, assim como para representantes de outras
áreas auxiliares da história, para apurarem a veracidade dos factos históricos. Pois, este
assunto não se esgota neste Atlas resumido.

ARTE

(Introdução)

A arte é um termo que vem do Latim, e significa técnica/habilidade. A definição de arte


varía de acordo com a época e a cultura. Actualmente, a arte é usada como actividade
artística.

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A arte é um produto humano, que popularmente se chama de imaginação ou fantasia,
uma actividade espiritual, inata, faz a síntese das experiências sensoriais.

A arte é uma criação humana com valores estéticos, como a beleza e o equilíbrio,
harmonia, que representam um conjunto de procedimentos utilizados para realizar
obras.

Para os povos primitivos, a arte, a religião e a ciência andavam juntas na figura,


originalmente a arte poderia ser entendida como o produto ou processo em que o
conhecimento é usado para realizar determinadas habilidades.

A arte é o reflexo do ser humano e muitas vezes representa a sua condição social e
essência do ser pensante.

A arte apresenta-se de diversas formas como, a plástica, música, escultura, cinema,


teatro, dança, arquitectura, etc. existem várias expressões que servem para descrever
diferentes manifestações de arte, por exemplo: arte plástica, arte ciência, arte gráfica e
arte visuais, etc.

ARTE RUPESTRE

A arte rupestre termo que domina as representações artísticas pré-históricas realizadas


em paredes, tectos o outras superfícies rochosas ao ar livre. A arte rupestre divide-se em
dois tipos: a pintura rupestre, composições realizadas com pigmentos (material que
muda a cor da luz) e a gravura rupestre, imagens gravadas em incisões na própria rocha.

Em geral, trazem representações de animais, plantas e pessoas, sinais gráficos,


abstractos, as vezes usadas em combinação. Sua interpretação é difícil e está cercada de
controvérsias, mas pensa-se correctamente que possam ilustrar cenas de caça, ritual,
quotidiano, ter carácter mágico e expressar, como uma espécie de linguagem visual,
conceitos simbólicos, valores e crenças.

Por tudo isso, muitos estudiosos atribuem à arte pré-histórica funções e características
comparáveis às da arte como hoje é largamente entendida, embora haja uma tendência
recente de substituir a denominação “arte” rupestre por “registro” rupestre,
considerando a incerteza em torno do seu significado. Permanece de todo modo, como
testemunho precioso de culturas que exercem grande fascino contemporaneamente, mas
são ainda pouco conhecidas.

As gravuras rupestres de Tchitundo-hulo localizadas em Capolo-polo, município do


Virei, Província do Namibe no deserto. Trata-se de um dos tesouros culturais mais
valiosos de Angola. Datam de 2000 anos a.C., consistem essencialmente em círculos
cósmicos acompanhados de curvas, relevos e linhas. Segundo registos antropológicos,
confirmam que as populações kwisi mantêm uma veneração pelo monte, afirmando que
os círculos concêntricos gravados no Tchitundo-hulo são os astros, principalmente, o
sol. Em nenhuma outra estação de arte rupestre de Angola há tão grandes números de

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desenhos, representações de pequenos animais, como os desenhos esquematizados de
Tchitundo-hulo.

ALGUMAS PINTURAS RUPESTRES ENCONTRADAS NO ACTUAL


TERRITÓRIO DE ANGOLA

Pinturas Rupestre da Pedra do Feitiço, Nóqui;

Pinturas Rupestre de Caningiri, Huambo, 2000 a. C.;

Pintura Rupestre de Bambala, Lunda 2000 a. C.;

Pintura Rupestre de Calola, Lunda, 2000 a. C.

Pintura Rupestre e Tatuagens das populações da Lunda;

Estação Arqueológica de Tchitundo-hulo, Namibe.

POVOS BANTU E SUAS ORIGENS

MIGRAÇÕES BANTU

Os Bantu constituem um conjunto de povos da África Central, Oriental e Austral que,


nas suas respectivas línguas, denominam o ser humano através do radical ntu. Esses
Bantu iniciaram a invasão do Sul da África há 2000 ou 2500 anos, partindo da região do
Benué (afluente do rio Níger).

Ao sul chegaram no século XV e, ai, constituíram grandes Estados. Formaram,


igualmente, o maior estado na África Central, politicamente gerido pelo “Mani”. Desde
o século XIII, e até à chegada dos europeus, este espaço assumiu as características de
uma Confederação de Estados, designado por Kongo.

Daí provém o mais antigo grupo entre aqueles que, em Angola, têm origem
etnolinguística Bantu, os Bakongo. Eram caçadores e agricultores que habitavam no
Norte de Angola, nas províncias do Uíge, Cabinda e Zaire.

CLASSIFICAÇÃO BANTU

Do ponto de vista etnológico, os Bantu de Angola dividem-se em vários grupos e são


classificados como pertencentes ao grupo Ocidental, e a uma pequena vaga de Bantu
meridionais, que formam uma dezena de variantes com mais de uma centena de
subgrupos. Os Bantu de Angola é o grupo que demograficamente tem uma distribuição
territorial mais abrangente, pois encontra-se disseminado por todo o território angolano.

BAKONGO

Os Bakongo que falam a língua Kikongo, desde o século XIII até à chegada dos
europeus no século XV viveram num espaço que assumiu características de estado,
sendo designado por Kongo.

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Os Bakongo de Angola são formados por catorze subgrupos Bayombe, Bavili, Basundi,
Balwango, Balinji, Bakongo, Bawoyo, Basolongo, Bachikongo, Bazombo, Bakano,
Basoso, Bayaka e Basuku. Encontram-se nas actuais províncias de Cabinda, Zaire,
Uíge, na parte nordeste da província do Bengo e no Kwanza-Norte.

São catorze subgrupos com uma subtil diferença linguística que

não chega a impedir, de forma considerável, o entendimento entre os Bakongo. Pelo


contrário, o facto de serem da mesma religião, de terem consideráveis afinidades
linguísticas, de haver entre eles um intercâmbio e entrosamento fortalecidos pelos laços
familiares através de casamentos, cria um crescente e conciso espírito de solidariedade
regional com o qual se identificam dentro e fora da região.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Bakongo (Bacongo) são agricultores na estação das chuvas e afirmam-se com


capacidade notável para escultura.

Alguns subgrupos Bakongo, como os Bazombo e os Basolongo, mostram-se muito


aptos para o negócio. Sendo esta uma das suas principais actividades, permite-lhes
salientarem-se nas quitandas ou mercados.

Na organização social tem evidência o Kanda ou clã. Muito ligado ao terreno agrário
sob protecção dos antepassados, aos quais pertencem. Resta aos vivos o direito de
usufruto do mesmo, apesar de o princípio das terras clânicas apresentar sempre
implicações de vária ordem, como é o regime de concessão sob orientações do Mfumo a
Ntoto (donos ou senhores das terras).

AMBUNDU

Os Ambundu que falam a língua Kimbundu, chegaram ao território angolano no século


XIV, logo depois dos bacongo, e constituíram importantes Estados políticos,
nomeadamente Ndembu, Ndongo, Kissama (Kisama), Matamba, e Kasanji. Entre estes,
o reino mais conhecido é o do Ndongo, cujo poder constitui-se em torno de uma história
dinástica que começou com Ngola-a-Njinga, o fundador lendário. Formaram, assim, a
segunda etnia do território, com catorze subgrupos, entre eles, os Jindembu, Mahungu,
Tulandula, Jinjinga, jingola, Maholo, Mbondo, Imbangala, Isama, Malubolo, Masongo,
Mahako, Ibala e Isende.

Estão repartidos numa grande extensão entre o mar e o rio Kwanza, e que envolve as
províncias de Luanda, Bengo, Kwanza-Norte, Malanje e partes de Kwanza-Sul.

Os Ambundu, do corredor de Luanda, Ambaka (Mbaka) e Malanje, foram os primeiros


povos a sentirem os efeitos do colonialismo, tendo sofrido o fenómeno da aculturação
profunda. Tanto mais que alguns Ambundu civilizados não deixavam os filhos falarem
a língua nacional (Kimbundu), mas somente o português, na tentativa de obter uma
maior ascensão na sociedade colonial.

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O rei Ngola foi um magnata, um dos patriarcas, um caçador profissional e dono de
terras e gente. Assenhorando-se da faixa entre os rios Dange e Kwanza, ali estabeleceu-
se uma monarquia absoluta. O comércio de escravos via reino do Kongo, com o
governo português era uma das actividades mais rendosas que, associados à sua bravura
e opulência real, o tornaram muito famoso. Ngola era tão falado em Portugal que,
quando as caravelas se preparavam para viajar de Lisboa para essas paragens, os
portugueses diziam “vamos à Ngola” ou “vamos para Ngola”.

SAIBA MAIS

A pronúncia constante de Ngola ou para Ngola suscitou, segundo José Quipungo


(Kipungo), o nome de ANGOLA, nome pelo qual é chamado o território angolano.
Portanto estamos perante uma corruptela, que é a deformação de palavras originada
pela má compreensão.

NJINGA

A rainha Njinga, de ascendência nobre, nasceu em Cabassa (Kabasa), em 1582,


território de Angola, e faleceu a 17 de Dezembro de 1663.

Era filha de Njinga a Mbandi Ngola Kiluanji e de Guenguela Cakambe, e irmã de Ngola
Mbandi, que se revelou contra o domínio português

Conhecida por rainha Njinga ou Dona Ana de Sousa, foi rainha dos reinos do Ndongo e
de Matamba no século XVII.

Njinga viveu durante um período em que o tráfico de escravos e a consolidação do


poder dos portugueses na região estavam a crescer rapidamente.

Mulher de forte personalidade e de rara beleza de espirito, Njinga torna-se na mulher


mais poderosa de toda a África. Com uma notável visão de estadista para a época, a sua
figura está ligada à génese dos movimentos nacionalistas angolanos e sobretudo, ao
tráfico de escravos.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Ambundu, são bons agricultores de subsistência. Entre os Ngola e os Njinga,


manifesta-se o talento musical expresso em marimbas (xilofones) curvos de doze e
trinta e duas teclas, cujas caixas-de-ressonância são constituídas por cabaças. São
igualmente propensos ao artesanato, praticando a escultura e, em algumas zonas, a
arquitectura tumular de pedra para campas dos soberanos.

Na ilha do Cabo, Luanda, essa comunidade dedica-se à actividade piscatória associada à


crença de uma padroeira do mar, conhecida por Kyanda (sereia).

O IMPÉRIO LUNDA

O império Lunda, também conhecido por Estado do Mwatianvwa, tinha como capital
Mussunda. Foi fundado no século XVI, por volta do ano de 1550, por Mwata Yala
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Maku, e ocupou, no território angolano, uma região que abrangia territórios da actual
Lunda (Norte e Sul), a sul do Moxico e Kuando- Kubango.

As maiores concentrações deste povo deram-se no século XIX. Hoje, os povos Lunda
de origem bantu que falam as línguas lunda, kioko ou tuchokwe e suas variantes (luvale,
mbunda, lutchazi) localizam-se na região que compreende as províncias de Lunda-
Norte, Lunda-Sul, um terço do nordeste de Moxico, parte nordeste da província do Bié e
uma larga faixa no sentido norte-sul da província de Kuando - Kubango. São, ao todo,
seis grupos que se identificam pelos respectivos nomes linguísticos: Tulunda,
Tuminungo, Tutchokwe, Tukongo, Tumatapa e Tuxinji.

Este povo dividia-se em classes: a dos aristocratas (governadores de províncias e


parentes do rei), dos chefes das aldeias, dos nobres habitantes da corte (de onde vieram
os Mwatas), dos artesãos, dos juízes, sábios e defensores públicos (Nganji), dos artistas
(pintores, escultores) e, por fim, classe dos escravos.

A partir da segunda metade do século XVI, surgiu a vasta confederação Lunda, irmã dos
povos Luba, cujos chefes se ligaram por juramento de amizade, elegendo um deles,
Mwata Yala Makwu, como figura principal.

Descontente com a decisão do seu pai, por este ter entre o trono a Lueji, Tchinguri
juntou-se a Ndumba Watembo, outro dos irmãos de Lueji, retirou-se do reino e formou
os grupos Imbangala e Lwena do Alto - Zambeze. Tchinguri estendeu o poder do reino
Lunda, tornando-o numa das potências da África Central. As suas conquistas
estenderam-se ao Shaba (Congo), às bacias do Zambeze (a sul) e do Kasai (a nordeste) e
ainda aos rios Kwangu, Kwanza e Kamweji.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Lunda, oriundos de uma velha cultura de caçadores savânicos, revelam-se peritos e


hábeis nas técnicas siderúrgicas, na escultura, em várias espécies de artesanato e na
construção de habitações. As suas instituições de educação tradicional, como a
Mukanda para os rapazes e a Sikumbi para as raparigas, constituem a base de
transmissão e manutenção da cultura e tradição ancestrais.

Os cultos à caça e aos antigos caçadores, seus padroeiros por excelência, predominam.

Em relação à economia, são propensos ao negócio, consequência das suas extensas


viagens de comércio a diversas partes do litoral, e também das trocas com os povos
vizinhos do interior (Ndongo, Kasanji e Matamba), com os povos do planalto e, ainda,
com os portugueses. De facto, muitas vezes compravam o sal que pagavam com tecidos
de ráfia e marfim. A sua actividade comercial atingia a região Luba (Kongo)

Trabalhavam o ferro no fabrico de armas para guerrear e caçar. Aperfeiçoaram o


artesanato (especialmente entre os Vacókwe) e as várias técnicas de trabalho com o
ferro, o cobre e os tecidos de palma. Desenvolveram a caça, assim como a pintura, a

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escultura, a arte de construção de habitações, o fabrico de móveis (bancos, troncos,
mesas), para além da técnica dos entretecidos com fabrico de cestos e esteiras.

Nos dias de hoje, a agricultura, a extracção artesanal de diamantes, a pesca na época das
chuvas e a caça são as suas principais actividades.

SAIBA MAIS

Entre as artes, tipicamente palacianas, podemos destacar as suas máscaras


excepcionalmente bonitas, assim como a figura do pensador.

OVIMBUNDU

Os Ovimbundu que falam a língua umbundu chegaram no actual território de Angola no


seculo XVII, são constituídos por catorze subgrupos: vambui, Vapinda, Vasele,
Ovisanji, Vambalundu, Vandombe, Vtchyaka, Vauambo, Vavyie, Vaanya, Vakakonda,
Vangalanji, Vasambo e Vanganga. Os seus principais centros habitacionais localizam-se
numa região que compreende toda a província do Huambo, Benguela, centro leste do
Bié, metade sul de Kwanza-Sul, uma parte da Huíla e região norte de Namibe.

Os Ovimbundu foram o quarto grande grupo a instalar-se no território de Angola e é


bastante heterogéneo. Os Ovimbundu são compostos por indivíduos oriundos das zonas
do litoral. Por volta de 1600 instituíram cerca de quinze Estados políticos: o Wambu
(Huambo), o Viyé (Bié), o Ndulu (Andulu), entre outros.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Ovimbundu são caçadores savânicos, criadores de gados, que acima de tudo,


herdaram a vocação agrícola, praticam a cuja técnica apresenta uma laboriosa
agricultura cuidada, regada e estrumada, empregando, na generalidade, charruas
puxadas por tracção de bois. Praticam a siderurgia caracterizada por aspectos originais
na construção de fornos, explorando e fundindo malaquites de cobre, sobretudo na zona
de Benguela.

No campo artístico, mantiveram uma escola animalista e uma variedade de máscaras,


tidas como padroeiras da iniciação masculina, evemba ou circuncisão.

SAIBA MAIS

Os Ovimbundu tiveram notáveis organizações e foram hábeis construtores de fortes nas


embalas ou muralhas.

NGANGELA

Os Gangela que falam a língua tchingangela são constituídos por doze subgrupos:
Valuimbi, Tulwena ou Baluvale, Balutchazi, Balunda, Vakangala, vamachi
(Akuakwando), Vayauma e Valunyo.

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Estes povos estão concentrados na região leste do país, mais concretamente nas
províncias do Moxico, metade norte de Kuando – Kubango, parte ocidental do Bié e
uma parte da província da Huíla.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONOMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Oriundos dos antigos caçadores, os Ngangela têm hoje a agricultura na estação chuvosa
e a pecuária como principais actividades económicas. A extracção do mel, a cera e a
pesca lacustre e fluvial fazem igualmente parte da sua economia. Os Ngangela são
hábeis na fundição de ferro e na confecção de admirável cerâmica negra, polida e, às
vezes, modelada artisticamente.

No aspecto social, predominam os ritos de iniciação ou de passagem masculina, sem os


quais o homem não tem realmente o estatuto de homem.

NYANEKA

O termo Nyaneka é utilizado para designar um conjunto de etnias agropastoris do


sudoeste de Angola.

Os povos de língua olunyanyeka ou lunhaneka têm como os principais centros


habitacionais a região do sul e sudoeste do país, nas províncias da Huíla e uma parte do
Kunene.

São, ao todo, onze grupos: Ovamila, Ovangambwe, Ovankhumbi, Ovandongwe,


Ovahinga, Onkwankwa, Ovahanga Vampwa, Ovahanda Vatchipungu, Ovatchipungu,
Ovatchilenge Humbi e Ovatchilenge Muso.

O poder político entre o Nyaneka é feito de uma forma tradicional, pois as autoridades
derivam de sistemas de legitimidade diferentes dos actores estatais modernos.

Cada grupo tem as suas características próprias e não se consideram como fazendo parte
de um conjunto abrangente. Uma parte significativa dos Nyaneka passou a viver nas
zonas urbanas abandonando em parte o seu modo de vida tradicional.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA CULTURAL

O povo Nyaneka revela aspectos culturais muito significativos, sobretudo relacionados


com as cerimónias de noivado e o casamento, assim como com a importância da
virgindade na tradição Humbi.

São hábeis nas artes e ofícios e têm uma filosofia que lhes permite combinar a natureza
com a sua própria vida. O barro, os animais, as plantas e as aves confundem-se no dia-a-
dia dos Nyaneka.

São práticos, um pouco reservados, mas peritos em transmitir tudo pelo processo de
repetição e memorização.

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A mulher mumuila, cuja estética natural do seu busto sempre se apresenta parcialmente
nua, é um real deslumbre e encanto para os olhos dos visitantes daquela zona sul de
Angola.

O gado é a mais importante fonte de alimentação e riqueza deste povo. O prestígio de


um homem e consequentemente a sua autoridade sociopolítica perante os pares é
proporcional à quantidade de gado que possui, e que pode chegar às 1000 cabeças.

A importância atribuída às cabeças de gado está associada à relutância deste povo em


vender os animais para além do essencial para requisitos cerimoniais. Em consequência,
os rebanhos têm um grande número de animais em idade avançada.

Apesar de a economia deste povo depender da pecuária, a agricultura de subsistência


não deixa de ser importante. Normalmente, cultivam os cereais em terras previamente
ocupadas por currais de gado. E, em períodos de seca, acabam por vender cabeças de
gado para adquirir massango para alimentação.

HELELO

O povo Helelo que falava a língua herero é de origem Bantu. Está dividido em Ndimba,
Huimba, Kavicua, Kwanyoka, Kuvale e Kwendelengo. Vive na zona que desenha o
extremo sudoeste de Angola, precisamente na orla do deserto do Namibe, parte do
território de Huíla, e também na província do Kunene, com grande extensão para a
República da Namíbia, com quem partilha características sociolinguísticas, assim como
semelhanças históricas e antropológicas.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

O povo Helelo é, tradicionalmente, um povo criador de gado e, até certa medida,


pode ser considerado como um povo nómada, visto que muda de residência com
frequência em busca de melhores zonas de pasto.

O poder económico do povo Helelo é reconhecido de acordo com o número de cabeças


de gado que cada família possui. O gado, tal como acontece com outros povos que
habitam o sul de Angola, é a principal riqueza. É por esse motivo que, por norma, o boi
não deve ser sacrificado arbitrariamente, de forma a garantir uma gestão racional de
recursos.

AMBÓ

O povo Ambó que fala predominantemente a língua kwanyama é historicamente


conhecido como povo kwanyama e localiza-se na região Sul de Angola, mais
concretamente, no território da província do Kunene, com bolsas nas províncias da
Huíla e Namibe. Vinte por cento do kwanyama vive em Angola, e oitenta por cento vive
na República da Namíbia. Na verdade, não existe uma fronteira étnica entre este povo,
pois falam a mesma língua e têm os mesmos hábitos e costumes.

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No Sul de Angola os subgrupos são: os Kwanyama, os Kwamatu, os Ndombola, os
Evale, os Kafina e os Ambó.

Os Kwanyama destacam-se por uma resistência tenaz à ocupação colonial dos alemães,
dos sul-africanos mentores do apartheid (regime de segregação racial implementado na
África do Sul em 1948-1994).

No combate contra os regimes coloniais sobressaiu a liderança do rei Mandume Ya


Ndemufayo, o último chefe dos Ovambo que enfrentou os colonizadores em várias
batalhas.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Ambó são agricultores de gado bovino com predomínio actividade agro-pecuária e


em especial da bovinicultura. Conservam algumas crenças e tradições ancestrais: são
supersticiosos e acreditam na existência de um espírito supremo, o Kalunga.

RITUAIS DE INICIAÇÃO

NASCIIIMENTO é o primeiro passo que inicia o ser bantu na série

De passagem que marcam e condicionam a sua existência. Depois, virá a iniciação na


puberdade, no matrimónio e a morte, os grandes «ritos de passagem» comuns a todos.
Os da chefia, das sociedades, secretas, das possessões, e a eleição para especialidades
são excepcionais.

Todo o «rito de passagem ou de trânsito» ocasiona uma ruptura com o estado ou


posição anterior, e, depois de permanecer num estado intermédio ou de transição,
origina um novo estado, uma nova maneira de ser e de estar, uma transformação
ontológica, porque a força vital fica alterada pela mudança quantitativa. Opera também
uma mutação radical no estatuto social.

Na África Ocidental parece que acreditam na reencarnação de um antepassado que,


deste modo, regressa à vida terrena. Os Bantu não admitem esta forma de reincarnação.

O nascimento é algo extraordinário porque se conjugam a força vital-fecundidade do


casal com o beneplácito activo de outras forças mágico-misteriosas. É o resultado
misterioso e propício da interacção com a força vital individual. Cada nova concepção é
contabilizada como uma combinação feliz e «mística».

Por isso, a gravidez é um período carregado de tabus. A mulher grávida é influente e


pode transtornar muitas situações. Rodeia-a um halo mágico-religioso; é ritualmente
impura.

Os tabus defendem-na e protegem a criança. Devem abster-se de certos alimentos, e de


trocar ou utilizar alguns utensílios de trabalho. Em alguns grupos, abstêm-se de toda a
relação sexual desde o começo da gravidez: noutros, só no sexto ou sétimo mês.

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A gravidez inicía o momento, «rito de passagem», no qual uma pessoa entra no mundo
e na comunidade. Não pode dar-se nenhum «rito de passagem» sem a influência
decisiva das forças mágicas benévolas que foram propiciadas ou manipuladas. Como a
gestação escapa a qualquer manipulação material, os tabus preservam a mulher de
frustrar a «passagem»; os amuletos e talismãs defendem-na de influência mágica
nefastas.

Os curandeiros e sobretudo os adivinhos dispõem de variadíssimos recursos


assistenciais e mágicos. Permanecem em contacto com a mulher para a proteger e
libertar. A ginecologia desenvolve-se dentro do campo da magia.

A concha de tartaruga, por exemplo, preenchida de ingredientes virtuosos e pendurada


ao pescoço, defende a mulher e a criança. Também serve um chifre de cabra ou
antílope. O engenho dos especialistas da magia parece inesgotável. Pela importância da
fertilidade é lógico que o ginecólogo bantu tenha o seu consultório cheio.

Mas, a mulher grávida não altera a sua vida. Continua o ritmo de trabalho agrícola e
doméstico. As ideias diárias às culturas e ao trabalho facilitam o parto, que costuma
chegar sem complicações.

É crença comum que o adultério cometido durante este período por algum dos
progenitores, pode trazer taras e até a morte da criança. As dificuldades no parto
costumam atribuir-se, quase sempre, a relações sexuais proibidas. Por isso, a mulher se
costuma submeter, a partir do terceiro ou quarto mês de gestação, a ritos purificatórios
perante o adivinho.

A morte de uma grávida pode ser causada por uma maldição. Às vezes, é enterrada nua,
no meio da selva, e sem ritos fúnebres. Culpam-na da morte do feto.

O parto deve dar-se fora de casa, ao ar livre, e, se possível, num lugar sacralizado por
alguma presença tutelar no mundo invisível. Assistem a parteira, a mãe e a tia materna.

Dão à luz sobre a terra de cócoras. A parteira, sentada em frente, faz força com os pés
encaixados entre as partes superiores das pernas da parturiente, que deve aguentar
impávida as dores. A criatura cai ao chão, onde às vezes colocam esteiras.

Se o parto se dá durante a noite, em muitos grupos dão à luz na cozinha, não no quarto
de dormir. O marido deve sair de casa. Se tarda a expelição da placenta, queimam, às
vezes, gindungo, para que a parturiente espirre.

Depois do parto levam a mulher-mãe ao rio para que se lave. Recebe massagens da
parteira que lhe põe cataplasmas de argila e ervas. Em geral, no dia seguinte, continua
os seus trabalhos domésticos.

Cortam o cordão umbilical com um canivete, muitas vezes defeituosamente. Em certos


grupos guardam-no até que apodreça e seque pela acção do sol. As mulheres costumam

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usá--lo durante toda a vida, e os homens substituem-no por uma correia. Às crianças,
em lugar dele, atam-lhes um cinturão de fibras vegetais ou de missanga.

A placenta e o cordão umbilical simbolizam a dependência da criança de sua mãe.


Costumam enterrar a placenta num campo cultivável, que simboliza a fecundidade da
mulher, e pode propiciar novos nascimentos. Outros grupos destroem-nos, indicando
que a criança «passou» de feto a vivente na comunidade que o recebe com alegria.

Lavam o recém-nascido com água fria e colocam-lhe ao pescoço o amuleto protector:


um colar de trapos com um cominho de corça. Só lho tiram quando a criança é capaz de
sentar-se

Se o parto se complica, deve apresentar-se o pai e confessar os adultérios cometido.


Também a mulher deve confessar as suas aventuras amorosas. Se as dificuldades
continuam, chamam o adivinho-curandeiro.

A mulher, até passarem alguns dias, não pode tocar no fogo nem moer farinha. Lava-se
com frequência e faz irrigações que têm, provavelmente, mais um simbolismo mágico
que um fim higiénico. Os mesmos fazem à criança.

Sempre se seguem ritos de incorporação da criança na sociedade. Assim se completa o


«rito de passagem». O nascimento, sem estes ritos, não é reconhecido pela família nem
aceite pela sociedade. O menino, existente físico, pelos ritos que se seguem
imediatamente ao parto, passa e adquire a realidade ontológica e o estatuto social de
«vivente» integrado na comunidade.

A mulher fica impura, pelo menos durante 20 dias. Não pode coabitar com o marido. Os
tabus e purificações são quase tão variados como grupos.

Quando o menino traz algum defeito físico ou o seu nascimento foi precedido de algum
fenómeno extranormal, consideram o sucesso extraordinário e misterioso. Exige que se
ponham em marcha os mecanismos mágico-defensivos da comunidade. É bastante
comum a crença de que, se a concepção se deu sem menstruação anterior normal, a
criança pode prejudicar o grupo.

Detectam, nestes casos, sintomas de influências mágicas perigosas, que devem ser
contrafeitas com rapidez. Em alguns grupos, suprimem simplesmente tais crianças.
(Hoje, muitos destes costumes estão paliados pela cristianização, progresso e vigilância
das autoridades; isto não impede que, na intimidade inviolável dos segredos
comunitários, continuem certas práticas condenáveis.) boom dia

A culpa da deformidade pode ser imputada à mãe que não se comportou bem, quebrou
algum tabu ou não foi bem vista pelos habitantes do mundo invisível. Deve sofrer duras
provas purificatórias sob a direcção do especialista e retirar-se da vida social. Reintegra-
se passados alguns meses. De outra forma, toda a comunidade poderia sofrer as
consequências do contacto com este ser impuro.

23
Consideram muito nefasta a criança que, no parto, aparece pelos pés. O mesmo, se lhe
aparecem primeiro os dentes incisivos superiores ou nasce com algum dente.

É frequente as parteiras imporem à criança um nome que só elas conhecem. É que


poderia morrer antes de ser «chamado», ninguém recordaria a sua passagem pela terra.
Além disso, costumam tomar este nome de personagens ou animais protectores que a
defenderão. Não o revelam a ninguém para que não possa ser utilizado magicamente
contra a criança.

A mãe amamenta o menino. Se lhe falta o leite, deve intervir o curandeiro ou adivinho
que, com massagens, ervas e palavras rituais, lhes restituem o leite. Conhecem plantas
que provocam esta secreção.

A lactação termina com um ritual religioso-mágico. A mãe apresenta-se ao adivinho que


implora dos antepassados a protecção da criança. A mãe, que pode recomeçar a sua vida
sexual, procura um amante ocasional e ignorante da sua condição que leva a impureza
que ela ainda poderia trazer.

A maioria dos grupos considera o nascimento de gémeos como um acontecimento


extraordinário, ocasionado por um antepassado maléfico. Exigem que a mãe se submeta
a cerimónias libertadoras especiais.

Certos grupos bakongo asseguram que alguns génios, cujo habitat é a água, podem
introduzir-se no corpo do banhista. Pela cópula encarnam e originam filhos anormais,
como os albinos e gémeos. Outras vezes, atribuem o nascimento anormal à infidelidade
materna, pois que um só pai não pode gerar dois filhos.

Os gémeos são considerados, a morte violenta de ambos ou de um deles. Se eram de


sexo diferente, matavam o varão. Não parece que a dificuldade em amamentá-la seja a
razão primária, pois que, na sociedade bantu, sempre que uma mãe lactente morre, a
criança encontra uma mulher que a supre. O motivo tem de derivar-se de razões
mágicas. Buscam a libertação de agentes malfeitores. O nascimento de gémeos é um
acontecimento ambivalente porque, ao passo que traz alegria pela fecundidade e
continuidade vital realizadas, encerra um perigo de desgraça pela sua origem misteriosa.
Há casos em que lhes atribuem poderes especiais.

Os nomes dos gémeos são invariáveis em cada grupo. Levam os mesmos nomes, o que
nasceu primeiro, um, e outro, o segundo. Consideram-nos estreitamente unidos e não
fazem nada a um que não façam ao outro. Devem passar juntos os momentos mais
importantes da vida.

Iniciação à vida comunitária

Ritos de Puberdade

A iniciação às sucessivas etapas da vida do ser humano, nascimento, puberdade,


casamento, morte, adquire uma importância constitutiva, fundamental. Sem ela, o ser

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humano não se vai fazendo, completando, realizando. Só ela a situa no lugar religioso,
social e ético exacto, a torna apta para os seus direitos e responsabilidades e lhe permite
movimentar-se sem traumas e com eficácia na pirâmide vital interactiva.

Cada especialização, ofício ou cargo exige também uma iniciação, por exemplo a
chefia, especialista da magia, forjador, guerreiro, pastor, oleira, ou ingresso numa
sociedade secreta.

Os ritos bantu e negro-africanos de iniciação ainda não são bem conhecidos, não se
chegou a descobrir a sua complexidade. O negro guarda no maior sigílo o que neles
viveu; há referências mítico-místicas que desconhecemos e utilizam linguagem e nomes
cifrados, esotéricos, que nunca revelam ao profano [ao estranho]. Entre os segredos
familiares, clânicos e étnicos que o bantu guarda zelosamente, os segredos sobre a
iniciação ocupam lugar à parte. É nosso intento explicar o significado dos ritos de
iniciação na puberdade do homem e da mulher bantu. Não podemos duvidar de que, na
mentalidade bantu, o ser humano nunca aparece acabada. Os diversos ritos de passagem
só são momentos decisivamente modificantes de um período da vida. O pensamento
bantu concebe a iniciação como um processo nunca consumado na vida humana. O
homem pode penetrar sempre mais no mistério da vida participa e nunca pode chegar a
conhecer, manejar ou dominar por completo as enormes possibilidades da interacção
entre os dois mundos, muito fecundos em potencialidades. Além disso, o Criador, Deus,
permanece sempre como o «Outro» misterioso. O bantu tem consciência de que nunca
esgotará o mistério da participação vital, e ainda menos conhecerá ou poderá prever as
incessantes e imprevistas acções do dinamismo vital dependente de tantas forças
diferenciadas.” A iniciação converte-se numa operação de longa duração, num
enfrentamento do homem consigo mesmo que não cessa senão com a morte; converte-se
numa experiência que se enriquece dia a dia».

A iniciação do rapaz e da rapariga para a vida comunitária, os chamados «ritos de


iniciação na puberdade», além de se apresentarem como os mais chamativos desta
cultura, revestem-se dum claro significado e da mais vistosa exterioridade. Como
situam os jovens no seu lugar dinâmico da vida cultural, social, política e religiosa do
grupo, podemo-los considerar como o fundamento da comunidade, o suporte da religião
e a garantia da continuidade da solidariedade. A consciência—experiência, que o bantu
possui de ser pessoa responsável no dinamismo humano-místico arranca da iniciação.
Por isso, o adulto não-iniciado, não gerado por esses ritos, é um indivíduo que não é
apreciado; carece do estatuto de homem; permanece excluído da sociedade dos homens.
As mulheres rejeitam-no e a sua condição social equipara-o a um ser estranho à
comunidade. Fica um ser incompleto. Não «passou», por isso não «renasceu». Não é
homem perfeito nem encontra lugar na sociedade por causa da sua ambiguidade. Não
legalizou a virilidade nem está emancipado.

Há que advertir que nem todos os grupos bantu realizam estes ritos de iniciação. Mesmo
em Angola, há grupos que a desconhecem e outros que a praticam parcialmente. Por
isso, as nossas afirmações referem-se só aos grupos que exigem os ritos de iniciação.

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INICIAÇÃO MASCULINA NA PUBERDADE

Esta iniciação completa-se com os seguintes ritos sucessivos: separação da família e da


comunidade, circuncisão, reclusão num local reservado (acampamento aberto na selva),
situação marginal, ressurreição-regeneração na comunidade na qualidade de homem
novo, renascido. Situações que, por estarem carregadas de emoção, mistério,
dramatismo, religiosidade e alegria, originam uma vivência psíquica que marca e
determinam para toda a vida o homem bantu.

Separam as crianças de várias famílias ou grupos afins e reclu -em-nas num


acampamento separado das aldeias e construídos toscamente com cabanas de ramos e
capim seco, perto dum rio, à sombra dum bosque sacralizado pela presença de
habitantes do mundo invisível e rodeado duma paliçada para evitar olhares
profanadores. Antes, a separação podia prolongar-se por dois ou três anos. Hoje, não
passa de três ou quatro meses, durante a estação seca e fria. Iniciam as crianças
compreendidas entre os sete e oito anos e os treze ou catorze.

Dirigem a iniciação especialistas da magia, mestres e educadores qualificados e


especialistas da magia, mestres e educadores qualificados e especializados, sob a
responsabilidade do chefe comunitário aos quais os jovens obedecem cegamente.
Presidem aos ritos os feitiços protectores da comunidade e outros com poder
revitalizador, especializados neste mister.

CIRCUNCISÃO

No início do rito do rito de separação, no primeiro dia, circundam-nos. Embora a


maioria dos grupos pratique a circuncisão, alguns não a realizam. E outros realizam-na
quando as crianças são de tenra idade.

Apesar da circuncisão ser uma prática quase universal, espalhada sobretudo pela África,
Oceânia e América, a sua origem perde-se nos tempos. As crianças bantu são
circuncidadas com pequenas lâminas de pederneira, se bem que já começaram a usar
facas e até bisturis. Muitos costumam ficar defeituosos e a ausência de assepsia acarreta
graves infecções que causam, por vezes, a morte.

Como a maioria circuncida as crianças, precisamente como cerimónia inaugural dos


ritos de puberdade, alguns etnólogos viram nela um significado sacrificial. O resgate e a
propiciação exigem sangue. Por isso, o individuo imola parte do ser, oferece um
sacrifício parcial em vez de se oferecer como vítima.

A imolação de vida humanas, praticada antes na África negra, reduziu-se a um sacrifício


parcial. Os homens selam um pacto com os habitantes do mundo invisível oferecendo-
lhes o sangue da sua virilidade. A circuncisão estaria relacionada com a nova vida, com
o renascimento para uma vida superior mais dinâmica e poderosa.

A. J. Reinach sugere a hipótese de que os varões são obrigados a pactuar com a


«divindade» do clã oferecendo-lhe o sangue da sua vida virilidade. Camará

26
Laye, quando descreve estes ritos na África Ocidental, insiste em que recordam
com nitidez um sacrifício que através do sangue, consegue o estado de homem.

O sangue derramado e o corte do prepúcio substituiriam os sacrifícios humanos


aplicativos e propiciatórios. O homem, sacrificando só uma parte de si próprio,
adquiriria do mundo invisível o poder reprodutor e assegurá-lo-ia.

Outros vêem no sangue derramado uma aliança com a terra. «Opinamos que o rito da
circuncisão oferece a ocasião de deixar correr um pouco de sangue sobre a terra que,
segundo a maioria das sociedades africanas, origina ao mesmo tempo a vida e a criança.
Como a terra é também residência de mortos… os pais animam o jovem a restituir uma
parte da própria vida à fonte da qual deriva… O jovem estabelece assim uma aliança».

Hoje não se vê claro o sentido sacrificial na circuncisão. É realizada por um homem


normal, ainda que especializado, e não pelo adivinho; não é acompanhada de palavras,
símbolos nem gestos mágicos e sem eles não se realiza na África negra nenhum rito
religioso. Além disso, não têm inconveniente em que sejam circuncidados por uma
pessoa estranha ao grupo, um enfermeiro por exemplo, e até realizam-na separada dos
ritos de puberdade. Nunca o fariam, se ainda conservasse um acentuado simbolismo
religioso ou interferências mágicas.

Na realidade, a circuncisão motiva o começo da iniciação. Intenta é sua óbvia finalidade


preparar os homens para as funções fisiológicas da paternidade, determina a
especialidade sexual do jovem e mantém uma relação directa com o casamento. Como
prelúdio do exercício sexual, a sua finalidade é prática. Tanto a circuncisão como os
ritos de puberdade conseguem que o rapaz ou a menina fiquem definitivamente aptos,
fisiológica e ritualmente, para o casamento e funções sociais do adulto no grupo.

Muitos grupos bantus a exigem para o matrimónio, como condição indispensável.

Seja como for, não pomos de parte a hipótese que exista um substrato religioso, isto é,
que o sangue derramado redima a criança da sua vida passada e lhe proporcione uma
nova existência, um novo modo de ser. Pode-se admitir este simbolismo: a criança
abandona, juntamente com o prepúcio, a meninice, para poder assumir, nos ritos
seguintes, uma personalidade nova. A circuncisão pode acontecer que tenha sido sangue
sacrificial.

Outros opinam que o corte do prepúcio simboliza a ruptura definitiva com a mãe e com
estado infantil. O jovem, assim mutilado, prova, definitiva e visivelmente, a sua
transformação radical em adulto, sexualmente diferenciado, apto para procriar. «Pelo
mistério do sangue, tem acesso à sexualidade». Daqui a repulsa da mulher por contactos
sexuais com os homens incircuncisos do seu grupo.

Apontamos também algumas explicações que alguns psicanalistas têm dado das
mutilações sexuais masculinas. B. J. F. Laubsher, depois de analisar estes ritos entre os
grupos Fingu e Tembu (sudeste do Cabo), afirma que «a mutilação cirúrgica ou
circuncisão deve ser considerada não só como uma prova de aptidão para o estado

27
adulto e como uma iniciação a este estado, mas também como uma forma de
sacrifícios».

Aduz esta explicação: «Trata-se dum sacrifício ou expiação que se refere


simultaneamente ao passado e ao futuro. O Jovem não cede uma parte do próprio órgão
sexual como expiação de actos proibidos já cometidos, mas porque se sente culpado do
próprio carinho dispensado à mãe, e o sacrifício é, assim, um meio para conseguir um
compromisso com a própria consciência.

O horror, o profundo desgosto que os pagãos sentem pelos contactos sexuais entre uma
mulher casada e um jovem incircunciso, deixam transparecer o significado incestuoso
atribuído a tal acto. Com efeito, a expressão “mulher casada” indica a classe das mães.

«As mutilações genitais, ao praticar-se em todas as idades e nos dois sexos, e ao


assumir, em muitas circunstâncias, o caracter de um ataque voraz, e ao anal e uretral
contra os órgãos genitais afectados, não parecem reduzir-se a rituais de iniciação
púbere… senão que parecem surgir duma tendência mais universal dos filhos, em todos
os estádios do seu desenvolvimento psicossexual. E analisando o masoquismo primário
e os impulsos parricidas dos filhos, originados pela inveja primária da genitalidade
potente e fecunda dos pais, conclui que, «ao estruturar-se o seu complexo de Édipo, o
que era inveja se converte em ciúmes, na evolução natural os ataques filicidas e as
mutilações genitais, devidas à inveja primária, transformaram-se nos ciúmes e
rivalidades edípicos que se dramatizam através dos rituais de iniciação. A força
impulsionadora, porém, é a inveja primária.

«Ao nível das relações de geração, os pais, ao projectar a sua própria agressão,
tornaram-se temerosos da hostilidade e capacidade agressiva dos filhos adolescentes,
mas, ao criar a disciplina sangrenta dos rituais da iniciação, puseram em evidencia as
suas tendências tanatofilias mais reprimidas, as que foram dirigidas selectivamente
contra a genitalidade da geração filial».

Para Freud, a circuncisão substitui a contracção. Supõe que, nas origens da família
humana, um pai cruel e ciumento castrou os adolescentes; a circuncisão é um vestígio
claro dessa crueldade e um substituto da castração, «expressão da submissão ao pai».
Pela qual o jovem se compromete a respeitar o tabu do incesto. Tenhamos em conta
que, para Freud, a proibição do incesto é o fundamento das estruturas sociais
organizadas.

A INICIAÇÃO É UM «RITO DE PASSAGEM»

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Na sua dimensão pessoal, é um conjunto de ritos e técnicas que transformam o jovem.
Só por eles, as crianças se transformam social, política e religiosamente, em homens.
Iniciaram na validade. A criança deixa, definitiva e irremediavelmente, a infância, para
passar à plenitude de homem. Com eles finaliza uma fase da vida e começa a definitiva,
que se fundamenta numa renovação interior e na aquisição de nova quantidade de vida,
modificante do ser, conseguidas pelo drama vivido de morte-ressurreição.

Intenta e consegue converter-se num eficaz «rito de passagem», termina uma situação
existencial, sociológica e religiosa porque renasce outra.

Passa «de condição de criança-natureza à de homem-cultura 8ou, se se prefere, do


biológico ao social), da condição de criança sexualmente indeterminada à de homem
sexualmente especificado…, da autoridade materna à da avuncular) … da morte à
vida».

A SEPARAÇÃO

A separação da família conduz à reclusão do acompanhamento.

«Já nesta, aparece um símbolo da Morte: a floresta, a selva, as trevas, são o símbolo do
mais além, dos “Infernos”. Em certos lugares, pensa-se que um tigre leva sobre o seu
dorso os aspirantes à selva; a fera incarna o antepassado mítico, o Mestre da iniciação
que leva os adolescentes ao Inferno. Noutros lugares, quer-se que o neófito seja
engolido por um monstro: no ventre do monstro reina a Noite cósmica; é o mundo
embrionário da existência, tanto no plano cósmico como no da vida humana».

Esta separação, carregada de emoção, receio, mistério e de certa brusquidão, leva a


criança a um estado fetal. A separação é uma regressão com ruptura total.

RECLUSÃO E MARGINALIZAÇÃO

Durante vários dias e enquanto curam as feridas da circuncisão, deambulam pelo


acampamento. Só vêem os mestres e os educadores.

«Este período “simboliza a vida” do cadáver no túmulo e também a espera do feto seio
materno».

É um tempo à margem do tempo, em que está em gestação o novo nascimento e a


ressurreição. Comportem-se como «cadáveres».

O simbolismo da morte iniciática expressa-se de muitas maneiras. «Em certos povos, os


candidatos são enterrados ou sepultados em tumbas recentemente escavadas. São
cobertos de ramos e permanecem imóveis como os mortos, e cobrem-se de pó branco
para os assemelhar aos espectros. Os neófitos imitam o comportamento dos espectros.»

«A morte do neófito significa um regresso ao estado embrionário que deve ser


interpretado numa acepção cosmológica: o estado fetal equivale a uma regressão
provisória ao mundo em potência, ao pré-cósmicos».

29
A morte simbólica parece que tem uma «valência cosmológica». «O mundo inteiro,
simbolicamente, regressa, com o neófito, à Noite cósmica, para poder ser gerado… É
necessário abolir a obra do tempo, reintegrar o instante matinal anterior à Criação: no
plano humano isto equivale a dizer que é preciso voltar à “página em branco” da
existência, ao começo absoluto, quando ainda nada estava manchado, deformado.»

Esta morte é um regresso ao primordial indiferenciado, à «Noite cósmica». A


ressurreição equivale a uma cosmologia: «A morte iniciática reitera o retorno exemplar
ao caos, de tal guisa que se torna possível a repetição da cosmologia, a preparação do
novo nascimento».

As representações mímicas da morte enchem este período. Frobenius opina que têm um
significado mais religioso do que social. Procuram tornar o rapaz semelhante ao espírito
para que participe do seu poder e, assim, garanta a solução das necessidades sociais. Por
isso, se fazem «semelhantes aos mortos», «semelhantes aos espíritos», na tentativa
mágica de se apropriar da sua potência. Outros opinam que a representação intenta tirar
a alma do jovem para a transferir para o totem. Imaginam «matar» o jovem ou, pelo
menos, pô-lo em estado de alienação ou de êxtase físico, semelhante à morte e que com
dificuldade distinguem da morte verdadeira. A ressurreição deve-se à nova vida
recebida do totem.

Por isso, andam completamente nus, pintados com argila branca, silenciosos, fingem ter
esquecido tudo, não estendem nem conhecem nada, passam horas ao sol para cicatrizar
as feridas, copiam a posição do feto no seio materno, que nada sabe nem conhece,
imitam os antepassados, já que estes vivificam os ritos, ou fingem-se «devorados» por
eles.

Em muitas regiões, existe na selva uma cubata para a iniciação. É ali que os jovens se
submetem a uma parte das provas e são instruídos nas tradições secretas do grupo. A
cubata da iniciação é o símbolo do ventre materno.

RESSURREIÇÃO - RENASCIMENTO

À morte simbólica seguem-se, no acampamento, os ritos (cerimónias) de ressurreição,


regeneração, novo nascimento, vida nova.

«As iniciações africanas são uma educação para a unificação interior, isto é, para a
vitória humana da vida sobre a morte… Aparecem como uma celebração simbólica e
um certo modo sacramental do grande drama da vida sobre a morte. O homem aprende
a morrer para reencontrar a verdadeira vida…. É como uma revelação do mistério da
vida ao jovem que sai da infância.»

Como rito de passagem à sociedade dos adultos, a iniciação «é posição de objectivação,


mas de auto posição no interior do ministério que o engloba. Ali o homem adulto está
chamado a construir a sua própria personalidade, por uma tomada de consciência
madura, por uma opção livre, por uma ascese que prova o homem como força física e
força moral, isto é, como liberdade».

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O triunfo da vida sobre a morte, o culto duma vida pujante, o gozo do homem realizado
religiosamente como participante-comungante-interactivo, a responsabilidade adquirida
comunitária são em definitivo as conquistas da iniciação bantu e aquilo que lhe outorga
a sua riqueza.

Estes ritos realizam a passagem eficaz duma morte simbólica para uma ressurreição e
uma vida. Actuam como um «sacramento» que, pelo despojamento do homem velho,
consegue convertê-lo em homem novo.

Mas a transformação mais profunda deve expressar-se pela realidade dum renascimento.
O tempo que passa, breve em comparação da duração da aprendizagem, entre a morte
simbólica e a nova vida, expressa-se melhor por «tempo fetal», isto é, o tempo não para,
mas corre, realiza, amadurece. O feto vai-se formando. Assim, parece que o simbolismo
de nascimento ganha mais exactidão e realismo. O jovem renasce porque durante o
tempo marginal, fetal, se foi transformando.

«Com a iniciação tudo recomeça de novo. Às vezes, o simbolismo do segundo


nascimento expressa-se em gestos concretos. Em certos povos bantus, o jovem, antes da
circuncisão, é objecto duma cerimónia conhecida pela expressão «nascer de novo».

A partir deste momento, recebem outro nome que corresponde à sua nova personalidade
e que ninguém conhecerá fora dos seus companheiros. Aprendem uma linguagem
convencional, figurada e esotérica que só os iniciados do grupo falam. Também as
tatuagens, mutilações dentárias e escoriações permanecem como testemunho da
transformação alcançada.

REINTEGRAÇÃO

O regresso ás aldeias, à comunidade, é precedido do incêndio do acampamento.


Consegui, depois de muitas tentativas e por especial favor dum soba-banza, presenciar
este momento. Os jovens com o corpo nu e um cinturão de fibras vegetais, disparam
sobre as cubatas e sobre a paliçada uns diminutos arcos com flechas pequenas, que
levam espetados caroços d milho a arder. Do acampamento só resta um montão de
cinzas.

Aproximam-se da aldeia. É comovente ver as suas mães, inquietas, ofegantes, até ver os
filhos, para os quais preparam vestidos novos e alguma prenda especial. Elas
desconhecem tudo o que se passou e, se uma criança morre no acampamento, não lho
comunicam. Enterram-na em segredo. Por isso, as mães esperam ansiosas o regresso
dos filhos.

Na aldeia faz-se grande festa. A carne e a bebida abundam e os tambores animam uma
noite de dança. Os mascarados aparecem pelos caminhos, dançando e gesticulando, com
o halo do mistério para as mulheres e para os não-iniciados, toda comunidade goza com
a sua renovação-continuidade e com o enriquecimento que os novos iniciados lhe
trazem. Estes têm de fingir que desconhecem tudo e que esqueceram a sua vida anterior
porque na realidade são homens novos.

31
SIMBOLISMO EFICAZ DA INICIAÇÃO

«A iniciação parece-se em muitos aspectos com um “sacramento” que põe o homem em


contacto com o transcendente, quer porque lhe revela parte do sagrado (o iniciado
conhece os mistérios) quer porque sacraliza o homem»

O iniciado deixa definitivamente uma existência profana para passar a outra


medularmente sacralizada, de natural passa a consagrado já que é assumido pelos
antepassados, responsabiliza-se pela solidariedade e mover-se-á para sempre dentro do
circuito místico da participação vital.

Nenhum dos seus gestos será estranho aos mundos visível e invisível.

É radical ruptura com o mundo infantil, natural, irresponsável, assexuado e


desconhecedor da cultura, dos mitos e do misticismo vital. «É preciso considerar a
iniciação, no Continente Negro, mais como uma transformação lenta do individuo,
como um transito progressivo da exterioridade à interioridade». A descoberta que o
iniciado faz da sua realidade humano-comunitária e dos fundamentos mítico-religiosos
da sua cultura obrigam a uma introversão na qual descobre o dinamismo interior da sua
vida participada com variadíssimas potencialidades.

A iniciação consegue uma metanoia, consequência da mutação ontológica, da mudança


substancial de personalidade que operou no jovem.

«O homem da sociedade primitiva não se considera “acabado”, tal como se encontra,


“dado” ao nível natural da existência para chegar a ser homem propiamente dito deve
morrer para esta vida primeira (natural) e renascer para uma vida superior, que é ao
mesmo tempo religiosa e cultural».

Por outras palavras, o primitivo põe o seu ideal de humanidade num plano sobre-
humano. No seu entender: primeiro, não chega a homem completo senão depois de ter
superado, e, em certo modo, abolido a humanidade «natural»; segundo, os ritos
iniciatórios que comportam provas, a morte e ressurreição simbólicas, foram fundados
pelos deuses, pelos heróis civilizadores ou pelos antepassados míticos: estes ritos têm
pois uma origem sobre-humana e, ao cumpri-los, o neófito imita um comportamento
sobre-humano, divino… O homem religioso «quer ser outro», diferente daquilo que é a
nível «natural», e esforça-se por se «fazer» segundo a imagem ideal que foi revelada
pelos mitos.

O homem primitivo esforça-se por alcançar um «ideal religioso de humanidade».

«Nos contextos iniciáticos, a morte significa a superação da condição profana, não-


santificada, a condição do “homem natural”, ignorante do sagrado, cego de espírito. O
mistério da iniciação vai revelando, pouco a pouco ao neófito, as verdadeiras dimensões
da existência: ao introduzi-lo no sagrado, a iniciação obriga-lo a assumir a
responsabilidade de homem…; o acesso à espiritualidade traduz-se, para as sociedades
arcaicas, num simbolismo de morte e de novo nascimento».

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Estes ritos são religiosos porque põem o neófito em ligação com potências propícias do
mundo invisível e, sobretudo, porque se gesta dentro da essência religiosa bantu, tocam
o fundamental e o absorvem.

O culto à vida, essência da Religião Tradicional, talvez consiga nestes ritos o seu maior
esplendor, simbolismo e realização. A iniciação na vida sagrada, possuída em plenitude
depois dos ritos de ressurreição-renascimento, incorpora na corrente vital, fundamenta a
vida religiosa individual e comunitária, reactualiza o ancestralismo fundante e dinâmico,
assegura a solidariedade, a paz e a harmonia, já que os novos membros se alimentam da
ortodoxia tradicional e da seiva pura duma vida nova.

«Pela iniciação dos rapazes e das raparigas, a existência colectiva da nação vivifica-se,
o seu ritmo acelera-se e a sua vitalidade renova-se… Esta cerimónia tem um carácter
profundamente sagrado, porque sobre ela repousa a continuidade da nação. É a
dramatização solene e religiosa da conquista do homem sobre a morte e o
aniquilamento».

A INICIAÇÃO É UMA ESCOLA PARA A VIDA

Além da primordial função transformadora, estes ritos intentam dar à criança uma
formação completa para que cumpra o seu papel na comunidade. Constituem a principal
instituição social destes povos, porque iniciam na vida do grupo, descobrem os
mistérios ocultos e intentam conservar a classe dos homens como guardiã da tradição,
da região e da ética. Antes, também preparavam a classe dos guerreiros. Por isso, podem
ser o primeiro estádio duma sociedade secreta mais especializada.

Conseguem ser uma escola de conhecimentos e de vida. «A iniciação comporta


geralmente uma tríplice revelação: do segredo, da morte e da sexualidade… O iniciado
conhece-as i integra-as na sua nova personalidade^».

O iniciado deve ser preparado para a sua função de homem, pois que a mutação operada
o transformara em pessoa nova, com direitos e deveres sociais. Esta escola, por outra
parte, delimita a liberdade que esteve incontrolada e anárquica durante a infância.
Senghor chama-lhe «escola da vida».

A iniciação adquire um valor educativo eficaz, estrutura a personalidade para toda vida.

Os mestres ensinam o que o homem deve saber para cumprir com perfeição os seus
compromissos sócio-politico-religiosos. Têm em conta as funções que cada um deve
desempenhar no grupo, preparam e proporcionam os meios para a sua realização. Por
isso, empregam diversos processos mágicos que conseguem as virtudes sociais mais
valiosas. Os neófitos chegam a conhecer os segredos tribais através da recitação da
tradição oral repetida e acompanhada de danças e cantos.

O ensino não é só teórico, mas vivo e experimental, pois devem praticar na selva, rio e
acampamento todo o ensino explicado pelos mestres. Esta pedagogia, baseada em teoria
e prática, foi experimentada durante séculos. É comunitária, o grupo ouve, comprova e

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realiza as práticas e experiências. A escola dos ritos de puberdade concretiza uma das
experiências pedagógicas mais interessantes.

É também iniciação religiosa. A criança, num ambiente ascético por vezes terroroso,
prática gestos e cerimónias, aprende o significado dos antepassados, a teodiceia, as
relações que deve observar com o mundo invisível e as normas éticas.

Recebem uma iniciação sexual completa. Descobrem à criança, em comunidade, os


mistérios da vida, o significado e valor do sexo e preparam-na para a sua função de pai
de família. O comportamento com as mulheres ocupa um lugar importante; depois da
iniciação, o jovem pode começar as suas aventuras amorosas.

Não é uma escola erótica, visto que o realismo do ensino fica suavizado pela intenção
vitalista-natalista. Certas danças estão carregadas de simbolismo erótico, embora não
nos devamos esquecer que a expressividade e mentalidade bantu restringem o erotismo
que aparece ao observador.

Como no lado visível o bantu descobre o invisível, a crueza desta iniciação sexual fica
mitigada pelo ambiente e pela finalidade que preside e que a criança descobre como um
dos valores básicos da vida.

O sexo toma «carácter sagrado a seus olhos, aos olhos dos espíritos, dos antepassados e
da comunidade». Desde esse instante, o sexo fica, em certo aspecto, entendido e
dirigido à fecundidade, não se reduz a erótico-pornográfico.

A iniciação sexual cumpre uma missão ritual de preparação para o casamento, para a
procriação. Por isso, os não-iniciados não se podem casar. A sexualidade põe-se ao
serviço da participação vital. O iniciado fica declarado apto para procriar, continuador
responsável da vida.

Pela revelação dos mitos, dos segredos sagrados, narrações etiológicas, genealogias,
gestos dos epónimos e significado das instituições sociais, políticas e religiosas,
chegada a ser um «homem culto». «O neófito renasce para um modo de ser que
possibilita o conhecimento, a ciência …É um homem que sabe, conhece os mistérios,
recebeu revelações de ordem metafisica… A iniciação equivale a maturidade espiritual,
e em toda história religiosa da humanidade encontramos sempre este tema: o iniciado,
aquele que reconheceu os mistérios, é aquele que sabe».

Aprendem a ética individual e social, noções de política, educação, higiene e as técnicas


da caça, pesca, agricultura e artesanato. A educação artística é importantíssima, por isso,
aprendem dança e canto e as manifestações estéticas do grupo.

A tradição oral, a história dos grupos, o porquê e como das manifestações e


comportamentos, completam o ensino. A criança fica preparada para manter e perpetuar
a tradição.

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Conhecem as palavras rituais, o significado de muitos gestos e símbolos e da
solidariedade, as relações com o mundo invisível, o perigo da interacção desvirtuada, o
significado dos mercados, São formados para obedecer à autoridade e aos anciãos,
guardar fidelidade aos ritos e costumes, comportar-se com independência da autoridade
materna e para a liberalidade e serviço da comunidade.

Como escola preparatória para a luta pela vida, o ensino ministrado submete a vontade a
duras provas. O regime de vida é duríssimo, esparto. A disciplina e as provas que devem
superar intentam mudar o seu comportamento, endurecê-los para vida e preparar os
homens aguerridos e bem-dotados que assegurem o bem-estar do grupo. Aceitando tudo
isso sem queixas, demostram que nasceram de novo e que abandonaram a debilidade
infantil.

Submetem-nos a provas físicas e morais: abando-nos na selva, flagelações diárias,


durante um longo período, obrigação de caçar durante a noite, sozinhos, intimidações
psicológicas e castigos duríssimos que devem aceitar sem a mínima queixa. Inculcam-se
audácia, coragem e domínio de si mesmos, necessários sobretudo em tempos pré-
coloniais quando abundavam as lutas. Aprendem a exercitar a memória e a comer
alimentos deteriorados ou a procura-los na floresta. De futuro, nunca se misturarão em
trabalhos femininos. Habituam-se a resistir à sede, à fome, aos rigores do meio
ambiente, a vigílias prolongadas.

Suportam a dor sem lagrimas, a contentar-se com pouco alimento e a dormir nus ao ar
livre sobre a terra. Abandonaram as vestes que lhes poderiam recordar a sua anterior
condição, e cobrem-se apenas com uma tanga de fibras vegetais que eles próprios
fabricam. Todos os dias, ao amanhecer, se banham nas águas frias do rio. Não se podem
deixar ofender pelos insultos e reprimendas propositadamente lesivos e exagerados.

Obrigam-nos a exercícios físicos violentos, como saltar sobre o fogo e sobre valas
profundas. Aprendem a nadar. Também devem flagelar-se e picar o corpo.

Nalguns acampamentos têm de fazer a comida. Na maioria, levam-lha diariamente as


mães até às proximidades. Aproximam-se a cantar para que se afastem ante a sua
presença. Actualmente e em vários grupos, permitem a presença de alguma mulher para
estes misteres.

Esta escola marca a pessoa para sempre. Graças a ela, a criança se fez homem, pode
alterar com os homens, as mulheres admiram-no e aceitam-no e fica preparado para
apoiar a comunidade, ser útil à solidariedade comunitária e assegurar a continuidade
vital fecunda entre o mundo invisível e o visível. A mutação-crescimento da sua força
vital entusiasma o iniciado.

Durante a iniciação não podem ver nenhuma mulher. Quando saem pela floresta, dão
assobios para que as mulheres se retirem. Talvez manifestem assim a independência de
suas mães, conseguida pelo abandono definitivo do estado infantil. Parece também que
a mulher, nesse período, pode trazer-lhe consequências mágicas nefastas.

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Este regime hermético consegue que todos os iniciados formem uma sociedade fechada,
cujos segredos as mulheres ou os não-iniciados nunca conhecerão. Integram-se na
sociedade dos homens. Origina grupos de idade mais restritos que podem desembocar
em sociedades secretas.

Os companheiros de iniciação ficam unidos para sempre por laços indestrutíveis.


Ajudam-se e defendem-se uns aos outros. Nasce um sólido sentimento de fraternidade,
chamam-se «irmãos». Estes laços podem prevalecer sobre os familiares e clânicos,
porque os preceitos da iniciação são sagrados. Juro pela «muhanda» (nome kimbundu
destes ritos de passagem), é uma expressão sagrada.

O grande rito termina por juramentos solenes: «Nem à mulher com quem dormires
poderás contar o que fizestes na muhanda; esconde, nega, desfigura, senão morrerás».

Não há dúvida que o segredo hermético que envolve estes ritos intenta fortalecer a
gerontocracia e o poder dos chefes e prestigiar e proteger os iniciados. Além disso, nas
manifestações da religião tradicional, o ministério-esotérico decorre do componente
mágico-místico vital. Não há um facto social que se concretize sem sacralidade, nem
esta sem mistério, nem este sem segredo.

INICIAÇÃO E A COMUNIDADE

A comunidade não só se torna responsável pela iniciação dos jovens, embora delegue
nos mestres, mas também sabe que possui um instrumento eficaz para tomar
consciência de si mesma e afirmar os princípios da sua razão de ser e da sua
continuidade.

Estes ritos nascem e realizam-se como cerimónias da comunidade, que se sente


revigorada, já que os iniciados estão conscientes de que a sua nova vida está interligada
e interactiva. É um tesouro comunitário para cujo serviço e fortalecimento foram
preparados. Aprenderam para sempre que estão imersos numa corrente vital supra-
individual, realidade prioritária nas suas avaliações: O estatuto social e a tradição ficam
mais bem conservados e definidos. Os restantes membros da comunidade ratificam-se
nas estruturas fundantes.

A comunidade sente assegurada a sua sobrevivência. A vida recebida continuará a


correr e os mais velhos alegram-se ao ver-se prolongados por estes descendentes que,
preparados para todas as funções éticas, os manterão vivos na pirâmide vital.

INCONVENIENTES DA INICIAÇÃO

A iniciação converte-se numa demora para a evolução destes povos. Em meios rurais
retirados, esta escola costuma fixar os neófitos na tradição, e mentaliza-os para a
guardar e defender contra qualquer investida inovadora. Sobre os infractores pesa a
ameaça de severas sanções podendo chegar à própria morte.

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A iniciação está ao serviço do conservadorismo e integrismo familiar e étnico e do
poder dos homens, sobretudo dos chefes e da gerontocracia. O etnocentrismo, que
inculca a todo o custo, pode impedir a normal convivência e obstaculizar a unidade
nacional, além de fechar a capacidade de abertura a outros valores e outros estilos de
vida, visto que os próprios do grupo foram postos como salvadores, sacralizados
também pelos antepassados e pelos ritos religiosos mais solenes.

O marco mágico-feiticista que a enquadra pode marcar para sempre a criança


impressionada. Torna-se difícil renunciar ou romper com conceitos, expressões, ritos
que acompanharam o seu novo nascimento. É indubitável que o homem, durante toda a
vida, se referirá, ainda que seja só a partir do subconsciente, a estes ritos que lhe deram
personalidade sócio religiosa.

O autoritarismo dos mestres consegue modelar a vontade dos jovens, que costumam
ficar submissos e dóceis aos poderes políticos, sociais e mágicos para o resto da vida.

A actividade sexual é, muitas vezes, consequência da aptidão que a iniciação outorgou


para o seu exercício. O jovem costuma começar então as suas experiências sexuais, e
não é raro que apareçam mulheres a desejar conquistar a sua liberdade sexual.

INICIAÇÃO FEMENINA

Os ritos de passagem e iniciação da rapariga púbre não têm quase relevo nas sociedades
matrilineares. Ou desapareceram ou ficaram reduzidos a insignificantes ritos
simbólicos.

Em Angola, a iniciação é praticada por vários grupos: Gangela, Tshokwe, nhaneka-


Humbe, Ambó.

A rapariga deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira menstruação. Nalguns
grupos, iniciam-nas antes e, noutros, depois de passar dois anos ou mais, ou associam-
na ao contrato matrimonial.

Nalguns grupos, estes ritos duravam meses e até anos. Assim as instruíam e preparavam
para todas as funções femininas. Normalmente duram poucos dias, apenas tr~es ou
quatro. Reduziram-se a uma cerimónia única, e realizam-se nas aldeias e na casa
paterna.

A rapariga deve apresentar-se virgem a estes ritos, de contrário sofre vexações e paga
uma indemnização, além de atrair a vergonha para ela e para a sua mãe, responsável
pela sua educação. Antes, podiam ser mortas com uma lança.

Se aparecer grávida, a desonra assume a maior gravidade. Costumavam ser mortas. Se


uma rapariga kuanhama dava à luz, antes da «efundula» (assim se chamam os ritos
iniciatórios), prenunciava a morte do soberano. O nascimento dum menino, cuja mãe
não passou por estes ritos, é um indício muito funesto.

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Embora menos conhecidos e bastante menos espectaculares, elaborados e simbólicos
que os ritos masculinos visto que duram poucos dias e se realizam com a participação
de mulheres familiares, encerram o simbolismo eficaz dos ritos de passagem.

A rapariga morre e ressuscita, renasce para uma condição nova com a personalidade
modificada. O isolamento-separação, embora muito breve, encerra o simbolismo de
morte-marginalização.

A iniciação feminina conserva o mesmo significado profundo em todos os grupos. «É


este um rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a influencia e
incorporação na idade adulta. A separação é o simbolo da morte… e o seu termo
representa a ressrreiçã para uma vida nova e responsável».

«Descobre-se facilmente um elemento comum: uma experiência religiosa profunda, que


está na base de todos estes ritos. O “acesso à sacralidade” tal como se revela ao assumir
a condição de mulher, constitui o ponto de mira tanto dos ritos iniciatórios de puberdade
como das sociedades secretas femininas.»

Por isso, muitos grupos conservam gestos mágicos que devem proporcionar à neófita a
desejada fecundidade.

Entre os Kuanhamas, no segundo dia da «efendula», as raparigas bebem uma cerveja


especial, misturada com drogas, em que se inclui um pouco de esperma dum
circuncidado doutro grupo, já que eles não praticam a circuncisão.

No «olufuko» dos kuamatos, a mesma anciã prepara uma cerveja com drogas da qual
retira uma porção numa taça; nela, um circunciso lava o seu membro viril três vezes. A
rapariga, que desconhece estas práticas, bebe um gole. O resto, a mãe vai-lho
derramando pelo baixo ventre até correr por uma enxada, que lhe colocaram debaixo
dos membros inferiores.

Todos os ritos femininos «estão sempre relacionados com o mistério do nascimento e da


fertilidade.

O mistério do parto, isto é, a descoberta da mulher como criadora de vida, constitui uma
experiêencia religiosa que não se pode traduzir em termos masculinos. É por isso que o
parto originou rituais secretos femininos que, por vezes, constituem verdadeiros
mistérios».

A rapariga fica apta para o casamento, para a sua missão fundamental: ser mãe. Os ritos
de puberdade definem, oficial e publicamente, a sua capacidade, valor e estima como
procriadora-vivificadora. Porque se transformou, também ontologicamente, recebe o
estatuto social, jurídico e religioso de mulher adulta em e para comunidade.

Se a circuncisão prova a ruptura com a idade infantil, em muitos grupos a jovem é


desflorada. A ruptura do hímen é prova da feminilidade adulta.

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Podem se chamar «ritos de nublidade» visto que procuram sobretudo a preparação e
disponibilidade imediata para o casamento.

Durante os ritos, são tatuadas no ventre e região púbica. Atribuem à tatuagem um poder
fecundante e sobretudo afrodisíaco. Por isso, muitas mulheres, onde esta iniciação não
existe, também são tatuadas.

A rapariga «aprende durante a sua iniciação que ela é, antes de mais, um “campo
vaginal” destinado a ser fecundado pelo homem».

A iniciação feminina não descobre os mitos, nem a história, as cosmogonias ou os


segredos, nem prepara primordialmente para a responsabilidade económica, politica,
social ou religiosa. Talvez porque é quase exclusiva das sociedades patrilineares onde a
supremacia masculina é preponderante.

MUTILAÇÕES SEXUAIS

As mutilações sexuais femininas, impostas pelos homens e posteriores à circuncisão,


aparecem menos espalhadas que as masculinas e sem significado sócio-religioso.
Normalmente são realizadas por mulheres, na intimidade da iniciação em família, e
desprovidas de ritualismo e simbolismo sacral.

Bastantes povos negro-africanos praticam a excisão ou clitoritomia. Aparece como


excepção entre alguns grupos bantu.

Numa operação dolorosa e cruel extirpam o clitóris com uma faca cadente, com pedaços
de vidro, com uma lâmina de barbear, com uma faca de sílex ou com um tição
incandescente. Muitas vezes também cortam os lábios pequenos e grandes da vavula. A
operação é feita por mulheres especializadas, que nalguns lugares, aplicam urtigas como
dolorosa anestesia. Costumam fazê-la quando a jovem chega à puberdade e, nalguns
grupos, longo que chega aos oito ou nove anos.

A excitação pratica-se sobretudo nos países árabes ou islamizados: Egipto, Sudão,


Djibuti, Emirados Árabes Unidos, Omã. Na África negra: na Nigéria, Mali Guiné, Costa
do Marfim (Côte d`Ivoire) e outros povos da África Oriental. Os Kikuyus, povo bantu
do Kénia (Quénia), parece que são os únicos que exigem inexoravelmente a excisão a
todas as mulheres. Jomo kenyatta nem concebia que se pusessse em duvida o valor
social e até religioso, além de ético, desta horrível prática. A clitoritomia é uma
iniciação pela qual a jovem alcança o estatuto social de mulher. Nenhum kikuyu casará
com uma mulher não iniciada, e, inclusivamente, é perigoso magicamente relacionar-se
sexualmente com quem não sofreu a excisão.

Alguns povos pensam que assim se propicia aa fertilidade e se favorece o


relacionamento sexual. Mas, em geral, procura-se sadicamente e com uma prepotência
masculina agressiva e brutal conseguir uma maior submissão da mulher ao mutilar a sua
sexualidade e refrear qualquer excitação. A mulher converte-se num objecto e num

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laboratório de filhos, sem afectividade nem carinho de esposa. O traumatismo é
irreparável.

É insultante que alguns etnólogos queiram encontrar justificações: «a excisão parece


jogar um grande papel: é o momento solene que marca profundamente o psiquismo da
jovem, realiza-se precisamente quando a mãe está ausente. Pela primeira vez na vida…
a jovem se encontra só, libertada da benevolência materna, e assume sozinha as
responsabilidades duma mulher adulta. Este aspecto do problema explica
vigorosamente, por si só, que a jovem aceite os sofrimentos da excisão.

Entre os Nandis, «a crença geral é que, se as jovens não são iniciadas, o seu clitóris se
alongará e ramificará, e que os seus filhos serão anormais. Nestas condições, é fácil de
compreender a importância psicológica da iniciação. Se uma mulher não passa por ela,
não chega a ser “pessoa”, fica incompleta e permanece “criança”…

A iniciação feminina nandi… tem o mesmo significado profundo que a dos outros
povos. É um rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a infância e
incorporação no estado adulto. O órgão sexual é o simbolo da vida: cortá-lo é como
abrir as comportas da vida para que o seu caudal possa ter livre curso».

Noutros lugares, como a Etiópia, pensam que é uma medida higiénica com
consequências morais positivas que garante a feminilidade. Na Côte d`Ivoire,
convencem-nas de que doutra forma não terão filhos.

Esta prática vergonhosa já foi denunciada pela ONU (Organização das Nações Unidas),
que avalia em 70 milhões as mulheres mutiladas.

À infubilação, procedida ou não da clitoritomia, sujeitam-se as mulheres dos países


islamizados do nordeste africano, Sudão, Etiópia, Somália, Eritreia, Djibuti, Chade.
Quase exclusiva dos muçulmanos, parece que esta prática não se conhece na área bantu.

Esta prática abusiva e desumana tenta garantir a virgindade da jovem e a fidelidade da


esposa sempre que o marido se ausenta durante grandes temporadas.

Está mais espalhada a desfloração da rapariga durante os ritos de puberdade. Muitos


grupos bantu realizam-na, embora muitos outros apreciem a virgindade até ao
casamento.

A ruptura do hímen é mecânica e é feita por uma mulher idosa com os dedos ou
utilizando um pequeno instrumento. «Na Costa ocidental da África, as jovens são
desfloradas com a ajuda dum bambu, que conservam dependurado da vagina cerca de
três meses. À volta da vulva colocam formigas que devoram as ninfas e o clitóris».

Ao que parece, pensam que assim se previne qualquer oclusão vaginal na menstruação.
Alguns etnólogos vêem nesta prática um presságio de fecundidade, pois que este rito, na
iniciação, significaria a penetração do sol na terra para a fertilizar. Também é certo que

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alguns povos pensam que o marido pode sofrer consequências nefastas se for ele a
desflorar a sua mulher. Esta já deve estar livre de lhe acarretar este perigo.

SAIBA MAIS

Em 2012, a Assembleis Geral das Nações Unidas reconheceu a mutilação genital


feminina como violação de direitos humanos e votou de forma unânime pela
intensificação dos esforços pela sua abolição.

A mutilação genital feminina vem sendo ilegalizada ou restingida em grande parte dos
países onde é comum, embora haja grandes dificuldades em fazer cumprir a lei.

O CASAMENTO TRADICIONAL BANTU

«O matrimónio é um assunto complexo em que os aspectos económicos, sociais e


religiosos estão por vezes tão intrincadamente misturados que não se podem separar…
Para nós, africanos, o matrimónio é o centro da existência. É o lugar de encontro de
todos os membros de uma comunidade: os defuntos, os vivos e os que ainda vão nascer.

Todas as dimensões do tempo convergem para aqui, o drama da história repete-se na


sua totalidade e começa dotado duma nova vida.

O matrimónio é o drama em que cada um participa como actor ou como actriz e não
como mero espectador. Por isso, é um dever, uma experiência fixada pela comunidade e
um ritmo de vida em que cada um deve tomar parte. Quem não participa é uma
maldição para a comunidade, é um rebelde: não só é um anormal como chega a um
nível inferior ao humano. Em geral, se um individuo não casa, significa que rejeitou a
sociedade e que a sociedade o rejeitou a ele».

O casamento bantu sistematiza e controla a vida social, visto que organiza as relações
entre parentelas e vai fixando a filiação. «O matrimónio em África é muito mais
englobante que na Europa, e a nossa polarização ocidental sobre a dimensão sexual e
conjugal do matrimónio resulta sempre um motivo de surpresa para o africano».

Por ele, as linhagens têm direitos sobre as descendências e dilatam-se no tempo e no


espaço, depois de ficar fixadas.

Desenvolve-se ao longo dum processo dinâmico prolongado e realizado por símbolos,


ritos e pactos que tenta e consegue situá-lo na sacralidade como instituição legal
fundante e indispensável.

«Os caminhos do casamento» são diversos, na África negra, tal como os usos e
costumes matrimoniais ou o valor da virgindade. Mas, em todos os grupos bantus
aparecem algumas constantes uniformes, uma base originante comum. Recordamos
mais uma vez a essencial unidade cultural negro-africana com quase tantas
concretizações acidentais na sua expressão como etnias existentes. Poor isso, se torna
possível descrever os traços fundamentais do casamento tradicional.

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O CASAMENTO FUNDAMENTA UMA ALIANÇA ENTRE GRUPOS

A mulher ou o homem, introduzidos pelo matrimónio no novo grupo, reforçam a


amizade e as alianças entre famílias, clãs, tribos e reinos amigos, ou inauguram-nas se
são estranhos, indiferentes ou hostis. Esta aliança, entre dois grupos, constitui o seu
valor social e político primário e mais profundo.

Nestas sociedades, onde por tradição se teme pela sobrevivência e, consequentemente,


se exige a colaboração de todos os membros, o casamento e a aliança-coesão social do
grupo. Ambos os cônjuges ficam valorizados porque aumentam a vitalidade e porque
são compensados economicamente pelo grupo que os cedeu. Além disso, são
responsáveis por que dois grupos se consolidem, intercomuniquem ou inagurem
amizade.

Primeiramente, o matrimónio bantu é uma aliança que legitima uma nova família
enriquecedora e une linhagens sem a intervenção de autoridades políticas. Os dois
grupos, baseando-se na união, firmam um contrato. «O matrimónio não diz só respeito a
uma pessoa, o rapaz ou a rapariga. Os dois grupos a que pertencem estão ali
comprometidos.

Dois jovens que casam… fazem-no enquanto membros de duas famílias, de dois clãs, e,
deste facto, nasce a sua dimensão comunitária e social».

Origina uma nova forma-instituição social com relações, que antes não existam, entre
um homem e uma mulher e as suas respectivas parentelas, embora nunca seja
independente nem autónoma, porque deve ficar imersa nas instituições comunitárias
mais amplas e prevalescentes.

Os interesses particulares dos esposos, embora sejam reconhecidos e gozem de cerca


agilidade, permanecem subordinados aos interesses superiores e dominantes das suas
linhagens compremetidas.

O bantu está consciente de que casa para revigorar a solideriedade comunitária. A


família alargada, o clã, sabe que, em vez de perder um membro, se reforçam a partir de
novas alianças e com os membros que irão nascer. Dispõem de mecanismos sócio-
religosos que assimilam com naturalidade os novos esposos, os quais só se sentem
realizados no interior da comunidade.

Este casamento contém um simbolismo carregado de eficácia: «Significa e realiza a


perenidade e expansão da vida de toda a família… e é um laço que introduz uma família
em outra».

As alianças matrimoniais têm servido para consolidar o poder político e dissipar perigos
golpistas entre linhagens rivais. O chefe tradicional não só teme os seus parentes
próximos, mas também outras linhagens que se julgam dignas e com direito ao poder.
Como a poligamia permite tomar esposas de linhagens rivais, que assim se sentem

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honradas e privilegiadas, os chefes conseguem, com estas alianças, a neutralidade ou o
apoio.

Os esposos fazem um laço de união intergrupal. Na matrilinearidade, a esposa nunca


perde a autenticidade de membro do seu grupo. Sempre que o casamento se desfaz,
volta à sua família, à qual pertencem também os seus filhos. Dentro do grupo do esposo,
ela perpetua e simboliza a presença do seu grupo e certifica a união de famílias.

A esposa, que deve enriquecer a corrente vital do seu grupo, integral-se no novo ao qual
dá a facundidade, o dom mais apreciado. Este laço transcende outros graus de amizade e
aliança, já quem entra nas profundidades do religioso. Nela e por ela, os antepassados
dos dois grupos convergem, simpatizam-se e fortalecem-se. Esta aliança deve ser
entendida dentro do contexto cultural de outras, por exemplo, os «pactos de sangue».

Como o casamento é laço vivificador de indivíduos e grupos, deve ser considerado


dentro da propriedade que a comunidade tem. A mulher, no lar polígamo, não pode
formar a perfeita sociedade conjugal esposo-esposa. No monogâmico, cumpre
separadamente os deveres religiosos com os seusantepassados e socialmente permanece
ligada à sua comunidade de sangue, à sua linhagem, que prolonga e vivifica. Não se
forma outra comunidade diferenciada a partir da união legal homem-mulher.

«O jovem casal não forma uma célula nova: converte-se num elemento novo de uma
família. Sentimentalmente, a mulher fica muito presa ao seu grupo e recebe a influência
dos seus, que visita com frequência . Muitas querelas nascem da complicação de
relações, quer porque um dos esposos se aborrece ao ver o consorte ligar pouca atenção
à sua família, quer porque as visitas e viagens são em demasias».

Dentro da aliança, cada grupo mantém a sua independência e liberdade, embora surjam
formas novas de cooperação.

H. Junod pensa que o casamento bantu de descendência uterina é o mais antigo. O


casamento «de dominação» seria posterior e devido às razias e a razões económicas.
Desde terá resultado o sistema patrilinear.

O CASAMENTO É UM FACTO SOCIAL

A plena integração social do homem e da mulher, iniciados nos ritos da puberdade, está
condicionada ao matrimónio. Ambos se realizam e adquirem o pleno estatuto social
quando se tornam progenitores.

Viver em comunidade exige, sem desculpas, prolongar a vida recebida. Por isso, o
casamento realiza socialmente os esposos e prova a sua responsabilidade social e ética.
Pelo matrimónio fecundo integram-se plenamente na ordem social estabelecida pela
tradição e exigida pelos antepassados, pois se convertem em participantes-vitalizantes.

Assim, o carácter comunitário e social desta instituição sobrepõe-se ao individual e


privado. O contrato comunitário antecede e condiciona o individual. É mais união de

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grupos que de indivíduos, um facto social que compromete sobretudo duas
comunidades. É a parentela (agregado familiar) que explica o casamento, e não são os
casamentos que, pela sua multiplicação, explicam a parentela.

O contrato-aliança de grupos fica «totalmente socializado: os indivíduos não são seus


próprios donos, do seu casamento e da sua família; e se o marido comprou a sua
independência, este facto corre o risco de ser interpretado como uma compra da
mulher».

O sistema matrilinear torna os flhos dependentes da potestade avuncular, a qual impõe a


sua autoridade sobre o esposo. No sistema patrilinear, a mulher fica com a sua liberdade
bastante diminuída dentro da família do marido, para cuja linhagem passam os filhos.

O casamento bantu intenta (diligenciar, empreender), como fim primário, a


continuidade ininterrupta da comunidade. Os filhos vitalizam o grupo, amparam os
velhos, continuam o culto aos antepassados e asseguram a sobrevivência dos esposos.

«Como o casamento organiza e estabiliza sobretudo a transmissão da vida e de bens


culturais, não pode pertencer aos indivíduos. A vida e as tradições pertencem, como
terra, a uma grande família em que muitos membros estão mortos… O matrimónio é
assim um facto social total, onde o universo e os valores ficam empenhados… O fim
social, a socialização da fecundidade e da continuidade, que domina com vigor as
relações dos próprios esposos, é uma expressão necessária da participação, da
concepção do homem como membro do todo».

Esta dimensão familiar social cria, pela aliança, uma afinidade entre dois grupos
amplos. A solidariedade cresce; (pagina304)

AS REGIÕES TRADICIONAIS AFRICANAS

O homem africano é um crente por vocação. A sua fé penetra a vida e constitui-o


religioso, cultural, simbólico, ritualista, celebrante, e sobretudo participante-
comungante.

Os africanos quase sempre reconhecem a existência de um Deus supremo ou Demiurgo


que criou o Universo (olodu mane, ou Olorun, Mawu, Zambi etc.) Muitas histórias
tradicionais africanas falam de Deus, ou seu filho, uma vez viveu entre os homens, mas
que, quando os homens fizeram algo que ofendeu a Deus, o divino retirou-se para os
céus.
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As religiões tradicionais africanas, também referidas como religiões indígenas africanas,
englobam manifestações culturais religiosas, e espirituais originárias do continente
africano e que continuam sendo praticadas em África nos dias de hoje. Há uma
multiplicidade de regiões dentro desta categoria, envolvem ensinamentos, praticam
rituais e visam a compreender o divino. Mesmo dentro de uma mesma comunidade, no
entanto, podem haver pequenas diferenças quanto á percepção do sobrenatural. São
religiões que não foram significativamente alteradas pelas religiões adoptadas mais
recentemente (cristianismo, budismo, islamismo judaísmo e outras).

Estima-se que estas religiões sejam seguidas actualmente por aproximadamente 100
milhões de pessoas em todo território africano.

As religiões tradicionais africanas são definidas em grande parte por linhagens étnicas e
tribais, como a religião yoruba e outras.

A maior parte das regiões tradicionais africanas tem, na sua existência transmitidas
oralmente.

SINCRETISMO CULTURAL EM ANGOLA

Etimologicamente, a palavra sincretismo tem origem a partir do grego “sigkretismo”


que significava reuniões das ilhas de Creta contra um adversário em comum que por sua
vez foi traduzido para francês syncrétisme, dando origem consequentemente, à variante
na língua portuguesa.

Sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para formação de uma nova, seja de


carácter filosófico, cultural ou religioso.

O sincretismo mantém características típicas de todas as suas doutrinas base, sejam


rituais, superstições, processos, ideologias.

Actualmente, o sincretismo mais visível é o religioso, mas o ideológico também esta


presente em várias áreas das ciências sociais e humanas.

Exemplo de algumas igrejas sincréticas: o Candomblé é uma religião afro-brasileira,


que foi levada para o Brasil pelos africanos escravos, isto é, criada no final do século
XVI. A crença segue as leis da natureza e suas divindades são os orixás (elementos da
natureza que representa uma força), vistos como ancestrais divinos que cuidam e
equilibram nossas energias.

A Umbanda é uma religião brasileira que surgiu em 1908, século XX no sudoeste do


Brasil, e mistura elementos do catolicismo, espiritismo e cultos africanos.

A religião acredita nos orixás como espíritos ancestrais, que se comunicam com a terra
por meio da incorporação.

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O Candomblé e a Umbanda, apesar de suas semelhanças, apresentam muitas diferenças
entre si, como a origem, a relação com os orixás, rituais, o fenómeno da incorporação,
entre outros.

Mais adiante veremos outras religiões sincréticas sedeadas em Angola e outras


geografias.

O MOVIMENTO RELIGIOSO KIMPA VITA

Dona Beatriz Kimpa Vita, também conhecida como Beatrice de São Salvador do
Congo, nasceu a 2 de Julho de 1684-1706, perto de Monte Kimbangu, no reino que faz
parte da actual República de Angola.

Kimpa Vita foi uma profetiza e líder política do reino do Congo, sendo também líder
política da capital congolesa, durante uma brevidade de tempo.

Sua família pertencia à nobreza do reino, provavelmente da classe aristocracia chamada


Mwana Kongo, e provavelmente foi baptizada logo após o nascimento, porque o Congo
era reino católico por cerca de dois séculos. Alguns estudiosos modernos acreditam que
foi ligada ao rei António I que morreu na batalha de Mbwila (Ulanda), em 1665. Na
época do seu nascimento o reino do Congo foi devastado pela guerra civil. Estas guerras
começaram logo após a morte de António.

O Movimento Antoniano, iniciado por Kimpa Vita, sobreviveu a ela, O rei do Congo
Pedro IV, utilizou-o para unificar e renovar o seu reino. As ideias de Kimpa Vita
perduraram entre os camponeses, aparecendo em diversos cultos messiânicos até que,
forma na pregação de Simon Kimbangu. Kimpa Vita baptizado com o nome de Beatriz
e popularmente conhecida como Dona Beatriz foi uma profetisa religiosa congolês e
líder do Movimento Cristão conhecido como Antonianismo Seus princípios e
ensinamentos religiosos surgiram principalmente, da igreja.

Kimpa Vita foi executada no dia 2 de Julho de 1706, ela foi queimada e no mesmo
espaço surgiu uma grande estrela. Circulam rumores de que Kimpa Vita foi reencarnada
poucos dias depois de sua execução, alguém disse que tinha visto Kimpa Vita na região
de Mbanza Kongo.

É imperioso restaurar a figura desta heroína, pois, ela entregou-se de corpo e alma
fazendo resistência a dominação colonial europeia e conhecida como figura dos
Movimentos modernos de democracia, autodeterminação e nacionalismo africano.

Dona Beatriz é uma figura venerada nos dois Congos, pois os seus ensinamentos deram
origem aos Movimentos religiosos tais como: M’peve a Longo Ma’ndona, Bundu Dia
Kongo, a Igreja Negra Ie noir de Simão Mpadi, da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo
no Mundo de Simão Toco, Kimbanguista, e outras igrejas, todas acreditadas em Angola.

Em memória a Kimpa Vita a Universidade do Uíge é baptizada Universidade Kimpa


Vita, que colhe estudantes a nível superior provenientes de todo país.

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TOKOISMO

Tokoismo é o nome dado aos seguidores do profeta angolano Simão Gonçalves Toko
(1918-1984). Actualmente estão constituídos eclesiasticamente sob a dominação Igreja
do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo.

Trata-se de um dos maiores Movimentos cristãos de Angola, contando igualmente com


sedes em vários países africanos e europeus.

Simão Gonçalves Toko nasceu em 1918, na localidade de Sadi-Zulumongo Ntaia


(Maquela do Zombo, município da província do Uíge), tendo recebido o nome bakongo
de Mayomona (na língua kikongo significa profeta, vidente). Após frequentar o ensino
primário na missão Baptista de Kibokolo, concluiu os estudos liceais. No ex-liceu
Salvador Correia em Luanda. Por esta altura terá conhecido um acontecimento
milagroso que terá despoletado a sua missão religiosa: o encontro com Deus em Catete
(17 de Abril de 1935). Depois regressa ao Uíge para trabalhar nas missões Baptistas de
Kibokolo e Bembe. Em 1942, decide partir para Leopoldville (Congo Belga) para
colaborar com a missão local e dirigir um coro musical com cantores zombos, oriundos
da mesma região (Maquela do Zombo). A este coro dará o título de coro de Kibokolo.

Em 1946, ao trabalho que fora reconhecido no âmbito da missão Baptista e do coro, foi
convidado, junto com outros dois compatriotas (Gaspar de Almeida e José Chipenda
Chiúla) para intervir nos trabalhos da Conferência Missionária Internacional
Protestante, realizada de 15 ao 21 de Julho de 1946, na localidade de Kalimá em
Leopoldville (actual República Democrática do Congo). Nesse momento, dirige uma
prece (oração) onde pede para o Espírito Santo descer em África. A prece é atendida a
25 de Julho de 1949 Quando após um desentendimento com a Missão Baptista de
Leopoldville, decide convocar uma vigília de oração na sua residência (rua de Mayenge,
número 195). Naquele momento, segundo contam os presentes, sentiram um vento e
começaram a tremer, realizando milagres invocando algumas passagens bíblicas. Este
momento é assumido pelo tokoísmo como momento que o Espírito Santo desceu em
África e a igreja cristã foi relembrada de forma a retomar o caminho da igreja original
do tempo dos Apóstolos. É portanto, a data fundacional do Movimento Tokoísta.

Após estes acontecimentos, Simão Gonçalves Toko e muitos dos seus seguidores foram
presos pelas autoridades “belgas”, sob a acusação de alterar a ordem pública. Em
Janeiro de 1950, são deportados do ex-Congo Belga e entregues no posto fronteiriço de
Nóqui (município da província do Zaire) as autoridades portuguesas.

Estes procuraram dar por terminado o Movimento daquilo que consideram ser uma seita
perigosa, dividindo o grupo em pequenos grupos que serão dispersos, no âmbito da
política de povoamento colonial vigente à época, em distintos colonatos e campos de
trabalho forçado por toda colónia. O líder é enviado numa primeira instância pelo Vale
do Loge e, após passagens por Luanda, Caconda e é enviado para Baía dos Tigres, na
província de Moçâmedes (hoje Namibe). Pouco tempo depois é enviado para trabalhar
como assistente num farol em Ponta Albina, na mesma região.

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Em 1961, quando tem início as campanhas de Libertação Nacional no norte do país, as
autoridades portuguesas, conhecedoras da capacidade de mobilização do profeta,
ordenam a sua ida para o Uíge e a região fronteiriça como Congo para chamar as
pessoas que tinham fugido para as matas na sequência das acções militares. Simão Toko
consegue mobilizar milhares de conterrâneos, mas a desconfiança das autoridades
portuguesas relativamente às suas intenções faz com que se decidam por enviá-los para
um segundo período para a ilha portuguesa de São Miguel, nos Açores, onde trabalhará
como assistente faroleiro na localidade de Ginetes. A sua permanência neste país
demorará onze anos. No entanto, não esmorecerá o seguimento da sua missão. Ao longo
deste período, o dirigente intercambiará milhares de cartas com seus seguidores em
Angola, com quem construirá um Movimento de carácter Nacional. Em 1974, na
véspera da saída de Portugal do território angolano, Toko e finalmente, autorizado a
regressar ao seu país, o que acontece a 31 de Agosto desse mesmo ano. Vê finalmente a
liberdade de expressão e de culto do seu Movimento.

Em 1984, tem lugar o desaparecimento físico de Simão Gonçalves Toko. No processo


de sucessão, do Movimento conhece tempos difíceis, devido a desentendimentos entre
vários sectores da igreja e à ordem de encerramento da igreja efectuada pelo próprio
governo de Angola em 1986, após um episódio de confronto entre crentes e as forças
policiais. Em 1992, quando o governo angolano abre uma campanha de reconhecimento
oficial de entidades religiosas é reconhecida três “Igrejas Tokoistas” distintas: a
Direcção Central (cúpula), os doze Mais Velhos e as 18 Tribos e 16 classes. No entanto,
havia ainda outros como sendo os verdadeiros Tokoistas.

Mas ao mesmo tempo que se verificam estes desentendimentos ocorre também um


processo de expansão da igreja para fora de Angola, nomeadamente através das redes
migratórias angolanas, que conheceram um aumento significativo a partir da década de
1990. Por esta altura, é inaugurada a primeira Igreja Tokoista em Lisboa, e pouco tempo
depois seguir-lhe-iam núcleos em Madrid, Paris, Londres, Roterdão.

“O comportamento psicológico dos tokoistas é doutrinalmente assente na profecia da


Libertação. Esta não se limitou apenas às independências africanas profetizadas nos
cânticos compostos por Simão Toko desde 1943. Ela começa pela libertação individual.
Isto é, eles promovem o diálogo, aceitam opções alheias sem se deslocar da Profética
Doutrina Tokoista. Os tokoistas compreenderam as contrariedades como aspecto
processual da Profecia. Exibem boas maneiras e trazem a ideia da Paz pela sua
vestimenta branca”. (Batsîkama, 2017:278).

KIMBANGUISMO

Igreja de Jesus Cristo Sobre a Terra (Igreja Kimbanguista) foi fundada no dia 6 de Abril
de 1921, no ex-Congo Belga, pelo seu enviado especial Simon Kimbangu,
autodeclarado profeta de Deus.

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Simon Kimbangu nasceu no dia 12 de Setembro de 1887, em Nkamba. Começou com a
sua missão, que lhe foi incumbida pelo Jesus Cristo ao 6 de Abril de 1921, em Nkamba,
por curar uma mulher que vivia anos com dor de cabeça, que se chamava Kiantondu.

Simon Kimbangu foi julgado e condenado injustamente a prisão perpétua onde cumpriu
trinta anos de prisão.

O FENÓMENO CULTURAL AMBAQUISTA

Ambaquistas, descendentes de Ambaca (Kwanza-Norte) educados durante o século


XVIII por Jesuítas e Capuchinhos na missão de Santo Hilário, no Ambango Aquitango,
os Ambaquistas transmitiram de pais para filhos o conhecimento da escrita, que vieram
a pôr ao serviço, quer dos sobas, redigindo a sua correspondência com as autoridades
coloniais, quer das caravanas comerciais, anotando registos e facturas, quer ainda dos
necessitados, através da redacção de documentos (mucandas) reivindicativos do direito
de propriedade dos camponeses espoliados pelos colonos. Este facto tornou-se suspeitos
aos olhos das autoridades coloniais portuguesas, sendo por estas perseguidos e sendo
frequentes os textos coloniais, que administrativos, quer literário, a descrevê-los como
excêntricos, charlatães e recalcitrantes. Com o recrudescimento do colonialismo após a
Conferência de Berlim (1884-1885), a chegada a Angola de colonos brancos em maior
número e a consequente marginalização dos africanos, prosseguida durante a década de
1920 pelo alto-comissário Norton de Matos, os ambaquistas foram totalmente
silenciados e desapareceram da sociedade angolana.

QUEM ERAM OS AMBAQUISTAS?

No Dicionário Aurélio Electrónico-Século XXI, o ambaquista é ainda hoje definido


como “individuo habilidoso, que, para compensar a sua posição subalterna,
(particularmente no contexto colonial), tenta ludibriar os outros” (BARROSO, 1999).
Porquê?

O chamado fenómeno ambaquista, que perdurou em Angola ao longo do século XIX e


até às primeiras décadas do século XX, pode ser considerado um caso histórico, singular
no mundo inteiro, de transmissão e imposição da escrita pela via da oralidade,
permitindo uma afirmação não apenas da própria identidade dos naturais de Ambaca,
mas também da de outros povos angolanos perante a administração colonial portuguesa.

Ambaca, aportuguesamento do termo Kimbundu mbaka, que significa, fortaleza


(MAIA, 1994, P.312), edificado nas margens do rio Lukala em 1617 e que, em 1625,
uma vez pacificado o conflito entre portugueses e o Mbandi-a-Ngola, retomaria a sua
função de pumbo, ou feira de escravos, transacionados por jesuítas e capuchinhos
(PARREIRA, 1990, p. 95, 125,  160-161). Nas imediações, no Ambango Aquitango
(na actual província do Kwanza-Norte), viria a ser constituída a missão de Santo
Hilário, com o fim de cristianizar cativos e futuros escravos. Os métodos de instrução
dos missionários jesuítas e capuchinhos, embora incrementados em função do destino
de servilismo reservado aos aprendizes na maioria dos casos ofícios como os de

49
sapateiro, alfaiate ou carpinteiro – pressupunham sempre o ensino da leitura e da escrita
e do catecismo, através da retroversão dos textos sagrados da língua portuguesa para o
Kimbundu. Ainda que a missão tenha sido encerrada em 1760, com a expulsão da
Companhia de Jesus, o conhecimento da escrita foi sendo transmitido de pais para filhos
(SANTOS, 1997, p.351-359). Daí que, em pleno século XIX, se encontrem textos de
autores coevos (antigos) descrevendo os ambaquistas a percorrer o território angolano
vestidos à europeia, munidos de tinteiro, pena de pato e folhas de papel, acompanhados
de ajudantes, jovens que lhes eram confiados para aprender o oficio, sempre prontos a
pôr ao serviço de alguém a arte da escrita (HENRIQUES, 1997, p. 119).

De início os ambaquistas prestavam os seus serviços de escreventes aos chefes africanos


locais, os sobas, de quem eram secretários, redigindo a sua correspondência com as
autoridades coloniais, capitães de presídios e feiras, chefes administrativos e o próprio
governador de Angola, destinada, na maioria das vezes, a conseguir por escrito ao
acordos de concessão de terras, ou lavrando o registo das suas decisões internas. Com o
tempo, foram-se integrando também, como anotadores de recibos e facturas comerciais,
das caravanas quibuca (kibuca) que, vindas de Luanda, percorriam o sertão angolano
(SANTOS, 1997, p. 351-359). Consta que terão redigido documentos (mucandas)
reivindicativos de direito de africanos às terras expropriadas pelos colonos.

Ao longo do século XIX, o termo ambaquista (aportuguesamento do Kimbundu muku a


mbaka, plural. Aku a Mbaka, literalmente gente de Ambaca) foi aplicado a todos os
indivíduos oriundos de Ambaca que soubessem ler e escrever e que, por esse facto, se
distinguiam dos kimbares, os guias das caravanas descendentes de escravos forros.

Encontram-se entre os ambaquistas alguns indivíduos que se diziam de origem europeia


e descendentes de portugueses, o que os levava a adaptar com frequência nomes
próprios portugueses e apelidos alusivos a localidades de Portugal, tais como Lisboa e
Coimbra. A maioria, no entanto, era constituída por africanos, negros antigos escravos
ou seus descendentes) e mestiços (HEINTZE, 2004, p. 59-61). Eram igualmente
conhecidos pelo termo moradores, uma vez que, vivendo à revelia da autoridade dos
sobados locais, habitavam casas quadrangulares, os quibangos, consideradas por isso
“europeia”, com paredes revestidas de barro com cerca de 1,40 m de altura, telhado de
colmo de duas águas, uma porta com cerca de 1 m de altura e janelas. O facto de
falarem a língua portuguesa e saberem ler e escrever conferia-lhes um estatuto especial
que os liberava do ofício de carregador, destinado à maioria dos súbditos dos sobas, e
como modo de ostentação desse mesmo estatuto calçavam sapatos ou botas e usavam
vestuário ocidentalizado, ao ponto de poderem ser identificados à distância como
ambaquistas em pleno meio rural africano.

Além de cortarem o cabelo à maneira europeia, por contraposição a outros povos das
margens do Kwanza e do Lukala, como os mbondo e os songo, os ambaquistas, no que
dizia respeito ao vestuário, revelavam preferências por tecidos pretos, sendo a
indumentária por eles usada no quotidiano constituída imprescindivelmente por camisa
branca e fato preto, com calças compridas, casaco e chapéu alto de abas largas. Nos

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meios não urbanos, o casaco e a camisa podiam combinar, em alternativa às calças
compridas, com um pano comprido de algodão atado à cintura. Do mesmo modo que,
nesses mesmos meios, era frequente serem os próprios ambaquistas a confeccionarem a
sua roupa a partir de fibras de ráfia (mabela) e o seu calçado com couro e algodão,
tingido artesanalmente, e com solas de madeira (HEINTZE, 2004, P. 229-259).

Conhecedores do português, os ambaquistas aprendiam o kimbundu em casa e falavam-


no entre si, introduzindo-lhe terminologia e construções sintéticas do português que
akimbunduavam. Os termos portugueses introduzidos no kimbundu ambaquista tais
como o substantivo mama (do português mãe, em alternativa ao genuíno ngudi), a
conjunção coordenativa maji (do português mas), a conjunção subordinante condicional
se ou o artigo definido o (desempenhando as funções dos quatro artigos definidos da
língua portuguesa o, a, os, as em género e em número), vieram a ser consagrados nos
maia conhecidos dicionários do kimbundu-português ou de português-kimbundu,
fazendo cair no desuso e no esquecimento as correspondentes expressões vernáculas
(ASSIS JÚNIOR, s.d., p. 272, 276, 330 e 336 e MAIA, 1994, p. 401, 412, 445, e 563).
Ao lado do fiote, no Norte, em Cabinda, criado a partir do kikongo com interferências
do francês e do português, e do vimbali, no sul, na região do Namibe, criado a partir do
umbundu com interferências do português, o kimbundu ambaquista pode ser
considerado um dos raros fenómenos linguísticos crioulizantes registados em Angola.

Saindo de casa bastante jovens, normalmente acompanhando os pais, e fazendo viagens


em caravana para territórios distantes, quer por conta própria, quer como guias, os
ambaquistas dedicavam-se sobretudo ao comércio, transaccionando com os sobas
mercadorias europeias ou americanas vindas da costa, tais como têxteis, espingardas,
tabaco, sal, aguardente e gado bovino, em troca sobretudo de escravos ou, à medida que
estes, ao longo da segunda metade do século XIX, foram sendo substituídos pelo
chamado “comércio lícito”, de marfim, cera e borracha. Também transaccionavam
cobre do Katanga, esteiras de mabela e azeite de palma oriundo da área kongo. Aliás os
seus itinerários não são se restringiram ao corredor do Kuanza nem às regiões
nordestinas Imbangala e Lunda, abrangendo também os sobados do planalto central do
Bié e do Huambo.

Mas dedicavam-se igualmente, quer à agricultura, quer a ofícios como os de alfaiate,


ferreiro, sapateiro, carpinteiro, fabricante de sedas, cozinheiro (inclusive sabiam fazer
bolos, lateiro ou serralheiro.

Espalhados pelo território de Angola e constituindo um dos embriões oitocentistas da


formação da identidade nacional angolana, como eram os ambaquistas vistos pelos
outros intervenientes no facto colonial angolano?

Os Ambaquistas Vistos Pelos Outros Africanos

Interessa-nos, em primeiro lugar, perceber como é que os ambaquistas eram encarados


pelos outros africanos, quer pelas autoridades tradicionais, os sobas, quer por todos

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aqueles que progressivamente foram afluindo às cidades coloniais do litoral e nelas se
fixando para servir o colonizador.

Era frequente, ao longo da segunda metade do século XIX e em territórios situados


entre o Kuango, o Lulua e o Zambeze superior, ou mesmo para leste do Kuando,
abrangendo o território Lunda para além do Kassai, os ambaquistas instalaram-se,
sozinhos ou aos pares, junto dos chefes africanos, entre os quais gozavam de grande
prestígio. O Facto de se considerarem “portugueses” ou “brancos” negros e serem
letrados levava a que os sobas os contratassem como seus secretários para, através das
cartas que os encarregavam de redigir, poderem dialogar com as autoridades
portugueses, capitães de presídios e feiras, chefes administrativos e o próprio
governador de Angola, ao seu nível, utilizando, à sua semelhança, a escrita, a qual se ia
impondo nas sociedades africanas como meio de comunicação “magico”, conferindo a
quem detinha o seu conhecimento um estatuto superior (GOODY, 1988, p. 31 e 1987,
p. 103-141). O acto da escrita entre os africanos foi mesmo ao ponto de entrar, a partir
de determinado momento, no domínio do sagrado, o que levou a que o vocábulo nkanda
ou mukanda, significando primitivamente pele, respectivamente, em kikongo e em
Kimbundu, daí o facto de designar os ritos de passagem masculinos, onde de “cortava a
pele” do prepúcio, sofresse uma evolução semântica no sentido de, por os pergaminhos
serem de pele, passar a ser aplicado também às cartas e aos documentos escritos em
geral (PINTO, 2003, p. 30 -31). Foi ao adquirirem este estatuto social superior,
atribuído aos que possuíam a ciência para praticar o acto sagrado da redacção de
mucandas, que os ambaquistas lograram desposar filhas, netas e sobrinhas de sobas e
participar assim, através de alianças de parentesco, nas decisões políticas mais
importantes da comunidade.

Mas se os ambaquistas gozavam de prestígio entre os chefes africanos das comunidades


do interior, em contrapartida foram sempre votados à indiferença ou mesmo ao desprezo
por parte das populações africanas das cidades coloniais do litoral. Essas populações
radicavam, em primeiro lugar, na migração de indivíduos que, por contacto comercial
com os europeus no tráfico de escravos ou mesmo tendo-o servido como escravos, se
foram progressivamente radicando nas cidades de Luanda e Benguela, ou na sua
periferia, entre o último quartel do século XVI, e meados do século XIX. Assimilando
os valores culturais ocidentais e perdendo as suas tradições de origem, esses indivíduos
originaram uma burguesia urbana, emergente do tráfico de escravos, e proclamaram-se,
em artigos publicados nos periódicos da imprensa livre ao longo da segunda metade do
século XIX, “filhos do país” ou “filhos da terra”, em várias manifestações públicas de
nativismo angolense (PINTO, 2004, p. 31-60). Como já o escrevemos noutro lugar, esta
burguesia urbana, não obstante haver procedido a uma operação de apropriação da
escrita e da língua do colonizador, de que os naturais de Ambaca foram percussores,
manifesta em relação aos ambaquistas uma perspectiva reducionista que não difere em
substância daquele que adiante veremos ter sido sempre a dos europeus (PINTO, 2003,
p. 69-71).

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Mas uma outra camada de população africana, esta essencialmente de origem rural,
começa a crescer sobretudo em Luanda em meados do século XIX, alargando
sobremaneira os musseques (do Kimbundu seke, areia), bairros periféricos, mercê das
transformações da política colonial que conduziriam à Conferência de Berlim de 1884-
1885. Durante a primeira metade do século, num tempo em que se dá a independência
do Brasil e em que o tráfico de escravos e a escravatura eram perseguidos pela recém-
industrializada Grã-Bretanha, a necessidade sentida pelos portugueses de procurar em
África novas fontes de matérias primas para o mercado mundial, e não já a mão-de-obra
escrava para o continente americano, levou à substituição das lavras tradicionais
africanas por grandes unidades produtivas agrícolas e acelerou o processo de exportação
e ocupação de terras do interior pertencentes a agricultores angolanos, os quais,
desapossados, se viram na necessidade de se refugiar na capital.

Por outro lado, a substituição do comércio de escravos pelo comércio de produtos


“legítimos” produzidos pelos africanos, e, sobretudo, a perda da importância destes
produtos para o mercado mundial em detrimento de outros provenientes das grandes
unidades de produção agrícola e industrial, vão determinar um enfraquecimento, e
mesmo uma desintegração, das estruturas dos estados africanos que, no passado,
tiveram contacto comercial com os europeus. As chefias africanas, mesmo as
provenientes das novas elites esclavagistas, impossibilitadas de se adaptarem a um novo
modelo de economia, revelar-se-ão incapazes de controlar o êxodo de indivíduos das
suas comunidades tradicionais para os centros urbanos coloniais, onde irão engrossar o
número de indigentes.

É neste enquadramento, e procurando servir a necessidade sentida pelo colonizador de


mão-de-obra barata para as suas explorações agrícolas, que a extinta escravatura é
juridicamente substituída pelo indigenato a partir de 1875, data em que é publicado o
primeiro Código de Trabalho Indígena. Foram considerados indígenas todos os
angolanos desprovidos da instrução escolar que lhes permitiria adquirir o estatuto de
assimilados e, consequentemente, de cidadãos portugueses. Estavam, por esse facto,
sujeitos ao que ficou conhecido por imposto de palhota, cobrado pelas autoridades
administrativas coloniais nas aldeias do interior, cujo não pagamento implicava a
sujeição ao trabalho forçado ou contracto. Procurando fugir ao imposto de palhota e ao
contracto, muitas famílias saíram das suas terras do interior para procurarem trabalho na
cidade como serviçais dos colonos ou, em alternativa e sobretudo no caso feminino,
como comerciantes ambulantes de peixe, fruta e outros produtos básicos, multiplicando-
se assim nas cidades o numero das chamadas quitandeiras.

É à medida que aumenta este êxodo para o litoral e que se assiste ao enfraquecimento
das autoridades africanas do interior que o prestígio dos ambaquistas entra em declínio.

Apegados ao mundo rural e desprezando a cidade, alguns procuraram resistir a este


fenómeno, ao mundo rural e desprezando a cidade, alguns procuraram resistir a este
fenómeno, nomeadamente redigindo cartas às autoridades, reivindicativas dos poderes
camponeses. Outros, sobretudo os que se dedicavam à agricultura, viram-se homiziados

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e votados ao descrédito nos musseques de Luanda, tidos pelos seus habitantes, na
maioria oriundos do meio rural como eles, por “feiticeiros”. Em 1880, um ambaquista,
natural do Golungo Alto mas residente junto ao Kassai com a família, terá confessado
ao viajante alemão Paul Pogge que, se no interior de Angola, por saber ler e escrever e
prosperar com agricultura, era considerado “português”, no litoral, pelo mesmo motivo,
seria visto como “feiticeiro” (HEINTZ, 2004, p. 254). Ou seja, se a escrita entre os
africanos era encarada como uma “magia” ou uma ciência benéfica de quimbanda, à
medida que o poder colonial alastra do litoral para o interior e se assiste, com migrações
para as cidades, à desculturação dos habitantes do musseque, vai-se transformando no
inverso, isto é, num maleficio de mulóji, uma uanga, e utilizá-la é sinónimo de acto
perverso de “feiticeiro”.

Ridicularizando-os, votando-os ao desprezo, tomando-os por “feiticeiros”, a perspectiva


dos habitantes dos musseques, vai-se transformando no inverso, isto é, num maleficio
de mulóji, um uanga, e utilizá-la é sinónimo de acto perverso de “feiticeiro”.

Ridicularizando-os votando-os ao desprezo, tornando-os por “feiticeiros”, a perspectiva


dos habitantes dos musseques de Luanda acerca dos ambaquistas acaba curiosamente
por coincidir com a dos “filhos do país” e com a dos colonos. Mas, no fim de contas,
como eram vistos os ambaquistas pelos europeus?

A Perspectiva dos europeus e o retracto dos ambaquistas na literatura colonial


portuguesa e na literatura nacional angolana

Ao longo de todo o século, XIX e do primeiro quartel do século XX, conviveram com
os ambaquistas todos os europeus que se embrenharam (penetrar) pelos sertões
angolanos, de que destacamos os comerciantes, na maioria portugueses degredados por
delito comum, e os exploradores que empreenderam viagens científicas ao serviço dos
seus países. Seria fastidioso enumerar os depoimentos acerca dos ambaquistas contidos
em relatos de viagens de diversas proveniências, tais como os alemães Schutt e Pogge,
os britânicos Livingstone e Cameron ou os portugueses Henrique de Carvalho, capelo e
Ivens ou Serpa Pinto. Todos, contudo, coincidem no ponto de considerarem os
ambaquistas, à semelhança aliás do que acontece com os mestiços (ou mulatos),
indivíduos perigosos devido ao seu “hibridismo”. Frequentemente manifestam
repugnância pela sua falsa “subserviência” aliada ao “descarregamento”, classificando-
os como ladrões e mentirosos e desconfiando da sua autenticidade na fé cristã, mesmo
em relação àqueles que, como era o caso da maioria, eram baptizados, acusando-os de
poligamia e “fetichismo” (HEINTZ, 2004, p. 234-236).

Esta perspectiva é extensiva às autoridades políticas ee administrativas coloniais, desde


cedo alertadas para o grau de “perigosidade” dos ambaquistas. Francisco António Pinto,
jurista português nomeado em 1877 juiz da recém-criada comarca de Ambaca, com sede
no antigo presídio d Pungo-Andongo agora promovido a vila, permanecera em contacto
com eles durante cerca de um ano, até ser nomeado, no ano seguinte, curador geral dos
serviços e colonos da província, percorrendo nessa qualidade várias regiões de Angola
ao longo de sete anos. Em duas conferências realizadas em Lisboa já em 1884 acerca de

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Angola e do Congo, uma intitulada Geografia física e botânica, a outra Geografia
zoológica e ética, este autor procede a uma descrição assaz depreciativa e enseivajadora
do comerciante e proprietário de terras ambaquista Manuel da Conceição Mendes
Machado.

“[…] tive ainda de arcar com o potentado de Ambaca, o preto Manuel Mendes
Machado, que por esse tempo fazia deputados em Angola, e criou, com 12 mil votos,
que duma vez mandou para Luanda numa situação difícil, a palavra ambacada,
consagrada para exprimir na província o processo eleitoral das grandes influências […]
Este desditoso (desgraçado) povo poderia ser hoje um bonito espécimen (amostra) da
civilização portuguesa em África, se não tivesse sido assolado pelo preto Mendes
Machado, e outros a quem o governo entregou poder, de que não sabem senão abusar”
(PINTO, 1888, p. 5 e p. 128).

Se Francisco António Pinto foi o introdutor, no discurso colonial português, da falácia


segundo a qual os cabindas seriam os “mais comodamente colonizáveis” dos angolanos,
fazendo deles os “bons selvagens” dos portugueses, o mesmo não se pode dizer em
relação aos ambaquistas, os quais este jurista etnólogo inclui numa categoria de “naus
selvagens”, que não se submetem nem reconhecem às autoridades coloniais o seu
“esforço civilizador” (PINTO, 2006, p. 113-125).

Também José Ribeiro Norton de Matos, Governador-Geral de Angola entre 1912 e


1915 e Alto-Comissário da República em Angola entre 1921 e 1924, responsável por
uma política repressiva em relação aos angolanos que exterminou definitivamente a
imprensa nativista, descreve os ambaquistas nos seguintes termos:

“Melhor seria deixar os pretos de Angola para sempre analfabetos, do que criar aquele
híbrido degenerado a que se deu o nome de “ambaquistas”, e cujas principais
características são o desprezo pelo trabalho manual e a não sujeição, a que obriga a
moral e a civilização ocidental, que declaravam, em português mascavado, ser a sua”
(MATOS, 1944, 3º VOL., p. 302).

Vale aa pena ainda fazer referência ao modo como foram perspectivados os


ambaquistas, que na literatura colonial portuguesa que emergiu do Concurso de
literatura Colonial criado pela Agência Geral das Colónias em 1926, quer na literatura
angolana nacional ou pós-colonial. Relativamente a um e outro caso evidenciamos dois
exemplos que tivemos oportunidade de analisar em estudos anteriores, sendo o primeiro
o romance de Guilherme de Ayala Monteiro Conquista do Sertão, premiado no
Concurso de Literatura Colonial da Agência Geral das Colónias em 1930, onde o
protagonista, um chefe administrativo português, se orgulha de encarcerar ambaquistas,
considerando-os: “[…] charlatães de uma loquacidade (falar muito) trapaceira, pelas
suas habilidades enredadoras, capazes de complicar as coisas mais simples e de criar as
maiores dificuldades à administração […] peritos na arte de redigir num bárbaro
português , inclassificável, alinhando argumentos em que a lógica aparecente (que
começa aparecer) e a má fé disputam primazias” (MONTEIRO, 1930, p. 118-119).

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O segundo como é o do romance de Arnaldo Santos A Casa Velha das Margens, onde
se assiste, quer à redacção de mucandas (cartas) reivindicativas dos direitos dos
camponeses espoliados, quer à situação posterior de declínio e desterro dos ambaquistas
na periferia de Luanda, sendo aqui os ambaquistas mostrados como arautos de uma
identidade angolana silenciada ou, no dizer de uma personagem, os kabokos da escrita
(PINTO, 2003, p. 30-36 e p. 46-51).

CRIAÇÃO DA IMPRENSA EM ANGOLA 1880

A sociedade luandense, após a abolição do tráfico transatlântico, por decreto de 1836


de Marquês de Sá da Bandeira, e a sua substituição gradual por uma colonização
baseada na agricultura e no comércio que o legislador preconizava fosse mediante leis
justas, Humanas e Politicas, começou a partir dessa data, a conhecer uma maior
estabilidade, dando origem a uma primeira burguesia africana, entendendo-se aqui por
negros e mestiços letrados.

Nesta época a população europeia era bastante reduzida comparada com a africana e,
dado esse número bastante reduzido de mulheres da sua raça e sua capacidade de
convivência com os outros povos, aproximou-se intimamente do agregado africano.

É nessa sociedade que se gera a primeira elite angolense, (negros, mestiços civilizados)
que desenvolvendo a sua actividade profissional no comércio, no funcionalismo
público, encontra no jornalismo florescente pelo decreto que torna extensiva às colónias
a liberdade de imprensa, da autoria do Marquês de Sá da Bandeira.

A GERAÇÃO ANGOLENSE DE 1890

A geração de 1890 produziu uma imensa literatura periódica (jornais), que pode ser
encontrada na biblioteca do governo provincial de Luanda.

Dos referidos periódicos destacam-se os seguintes:

Pharol do Povo (director Abrantes Braga), O Deserto (director Mamed Santana e


Palma), o Futuro de Angola (?) Mwenexi (director Cornélio Francina), O Arauto
Africano (director Carlos Silva).

Havia outros periódicos como: o Mercantil, o Tomate (era um jornal satírico).

(sátira - poesia em que o autor mete a ridículo os vícios ou defeitos de uma época ou
pessoa; discurso, texto ou obra que critica pessoas, entidades, costumes, vícios, etc., em
tom jocoso ou sarcástico; censura jocosa).

Nesses periódicos a geração cultural angolense apresentava temas diversificado desde


culturais, políticos sociais etc. Essa geração defendia o republicanismo pois todos eles
lutavam pelo derrube da monarquia, pensando que com isso a sua posição social fosse
melhorar. Defendiam também uma maior descentralização e até mesmo autonomia para
a colónia portuguesa de Angola, a construção de mais escolas, contra o racismo a
descriminação e pela ocupação de cargos administrativos.

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Quartel do século XIX poemas e literaturas em prosa, foi também linguista, historiador,
poeta, jornalista, ensaísta filólogo, filósofo e foi autor de uma cartilha para se aprender a
língua Kimbundu.

No Pharol do povo, Cordeiro da Mata assinava uma rubrica com o nome de jeremiadas
históricas, onde ele tentava retractar factos ou temas importantes da história de Angola e
dos seus heróis tais como: a Njinga Mbandi, a sua visão histórica sobre as coisas de
Angola, opunha-se a visão dos teóricos portugueses racistas da época como: Oliveira
Martins e António Enes.

Cordeiro da Mata publicou alguns poemas nos últimos anos XIX sendo que a negra o
poema mais relevante, onde ele retracta a beleza da mulher negra angolana chocando
assim com os princípios estéticos da cultura, divulgada pelos portugueses.

José de Fontes Pereira foi o integrante mais lúcido dessa geração com ideias muito
avançadas, suportados sobretudo pelas ideias da grande revolução francesa: igualdade,
liberdade, fraternidade.

Em 1890 através do periódico Arauto Africano, José de Fontes Pereira, reclama ou a


exigir uma independência para Angola, numa altura em que as fronteiras actuais de
Angola não estavam ainda definitivamente construídas tornando-se assim para alguns
intelectuais no primeiro nacionalista angolense mesmo antes de Agostinho Neto,
Holden Roberto e Jonas Savimbi.

GERAÇÃO DE 1902 - LUZ E CRENÇA

Integrantes: Augusto Silvério Ferreira, Pedro Paixão Franco e Francisco Castelo


Branco.

No entanto a crença nos dias mais iluminados de uma sociedade com luz prevalêcia, daí
o título do periódico se chamar, Luz e Crença.

Tal como a geração anterior, esta também foi republicana, pois lutava pela queda da
monarquia em Portugal, combateu o racismo, defendia igualmente para Angola uma
maior descentralização, e autonomia. O tráfico transatlântico de escravos e o trabalho
forçado ou trabalho indígena também eram criticados no periódico a Luz e Crença.

A Geração de 1902 criou o periódico Luz e Crença com objectivo de criar em Angola
uma nova sociedade com um conhecimento, o saber (luz) em vez de obscurantismo,
ignorância, e o analfabetismo.

O conceito Luz vem do Iluminismo (século das luzes), um termo bastante caro aos
enciclopedistas ou teóricos da grande Revolução Francesa de 1789, entre os quais
Jean Jacque Rosseau, Montesquiau o homem da separação dos três poderes: legislativo,
Executivo, Judiciário.

Era uma geração guiada pelas ideias da grande Revolução Francesa de 1789 que
defendiam como lema: liberdade, igualdade e fraternidade.

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Lutava igualmente por uma maior instrução no seio dos indígenas (autóctones)
angolanos, pela abertura de mais escolas, mais estradas que podiam tirar os angolanos
do atraso em que se encontravam relativamente a metrópole colonial e até mesmo a
outras colónias inglesas e francesas.

Por volta de 1902 os integrantes dessa geração fizeram sair a obra intitulada “A Voz de
Angola Clamando no Deserto” que é um testemunho contra o racismo e práticas
discriminatórias, essa foi publicada em várias edições pela União dos Escritores
Angolanos.

De um modo geral essa geração ainda não defendia a independência para Angola, o que
fazia dela uma geração entalada entre a espada e a parede. É de realçar que as fronteiras
de Angola ainda não estavam completamente consolidadas.

A crença numa sociedade iluminada era tanta que essa geração defendia abertamente: a
Liberdade, Igualdade, Justiça, Razão, Progresso e instrução, temas essências de
reflexão de 1890 princípios fundamentais do liberalismo, esses princípios entraram por
via do Brasil, depois de extravasarem do contexto europeu. Era uma geração de
intelectuais autodidactas que tinham nas prateleiras de suas casas autores e lutadores
como: Garibald, Victor Hugo Guerras Junqueiras, entre outros.

Francisco Castelo Branco escreveu a História de Angola diferente da visão dos


europeus sobre os angolanos, onde as abordagens, eram diametralmente opostas as
ideologias dos teóricos colonialistas portugueses da época.

Paixão Franco alertava os homens das emboscadas na noite da ignorância, para que se
convençam uma vez para sempre que o rebanho de carneiro vai desaparecer.

GERAÇÃO NATIVISTA (1914-1930)

Os integrantes foram António de Assis Júnior, Francisco António Octávio, Botelho


Alves do Nascimento, António Ferreira de Lacerda, Manuel Van-Dúnem e Narciso do
Espírito Santo.

O conceito de nativo, equivale a negro civilizado, o termo generalizou-se na segunda


década do século XIX em obras de direito colonial eventualmente por influência
britânica, enquanto os próprios angolenses adoptaram esse termo em alternativa a
“filhos de Angola”.

As autoridades coloniais por sua vez designaram como Movimento Nativista, todo tipo
de acções políticas de iniciativas de angolenses que pretendiam defender os direitos dos
africanos (negros e mestiços), sobretudo com base na interpretação da lei e ainda
qualquer aspiração a autonomia ou a administração e governo de Angola pelos seus
naturais.

Entre os esforços desenvolvidos pelo Movimento Nativista a fim de favorecer a sua


capacidade política, regista-se a criação dos mais influentes e prestigiadas Associações.

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Criaram-se Associações como: a Liga Angolana e o Grémio Africano e tinham os
seguintes objectivos:

- Promover a Instrução e defender os direitos dos seus membros;

- Denuncia dos mitos que circulavam sobre o negro (selvagem, bárbaro, e outros nomes
pejorativos);

- Denuncia das injustiças que sofriam os trabalhadores, nomeadamente: o roubo de terra


sobretudo depois de 1917, altura em que surgem as revoltas de Celes (hojr município da
província do Kwanza-Sul).

Amboim e a de Catete de 1922;

Os açambarcamentos tão criticados por um dos integrantes dessa geração nativista;

Denúncia do trabalho forçado, considerado escravatura.

Essa geração defendia o seguinte:

- O trabalho livre e remunerado;

- Defendia igualmente a educação, através do ensino formal e profissional;

Lutavam também pelo papel da imprensa como veículo de esclarecimento e difusora das
luzes da civilização e do progresso.

A existência dessas gerações será condicionada pela constante vigilância policial sobre
os nativistas mais reivindicativos acusados de estarem associados a grupos de
resistências no interior (revoltas de Catete, do Celes e Amboim 1917, como sucedeu em
1914 e 1917 quando a Liga Angolana foi acusada de conspirar com os gentios rebeldes
(camponeses), levando até muitos europeus hostis designarem-nas de ASSOCIAÇOES
DE MATA BRANCOS, forjando o clima de suspensão que levou a sua extinção em
1922, isto é, no segundo mandato de Norton de Matos.

Em 1907 funda-se o jornal angolense, porta-voz essencial da pretensão cívica de


orientar o governo na solução dos problemas da administração pública. Esse jornal foi
refundado em 1917 era sobretudo através do qual que a geração cultural nativista fazia-
se ouvir as suas reivindicações e protestos e contestações.

Norton de Matos foi governador gera (1912-1915) e depois Alto-Comissário (1921-


1924) da colónia portuguesa de Angola, foi o carrasco desta geração pois prendeu
muitos dos seus elementos, desterrou outros e eliminou uma boa parte.

O MOVIMENTO VAMOS DESCOBRIR ANGOLA

Jovens negros, mestiços e brancos que eram filhos da terra, filhos do país, iniciavam em
Luanda em 1948, o Movimento Cultural Vamos Descobrir Angola, com o objectivo de
estudar a terra que lhes fora berço, aquela terra que eles tanto amavam e mal conheciam.

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Este Movimento teve como nomes cimeiros os de António Agostinho Neto (1922-
1979), Viriato Clemente da Cruz (1928-1973), António Jacinto de Amaral (1924-1991)
e Mário António (1934-1989), entre outros.

Este grupo de intelectuais sentia uma forte necessidade de destruir a reinante literatura
colonial que falseava a realidade vivencial em Angola e que não entrava no âmago das
realidades e sentimentos do africano.

Este Movimento Vamos Descobrir Angola incitava os jovens a redescobrir o país em


todos os seus aspectos, através de um trabalho colectivo e organizado; apelava à
produção literária dirigida ao povo; exigia a expressão dos sentimentos populares e da
autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse qualquer concessão à sede do
exotismo colonial. Tudo deveria basear-se no senso estético na inteligência, na verdade
e na razão africanas. Enquanto estudam o mundo que os rodeia, o mundo angolano de
que eles faziam parte, mas que tão mal lhes havia sido ensinado começa a germinar uma
literatura de combate pelo seu povo. Começam então a aparecer as primeiras
composições literárias marcadas pelas condições ambientais resultantes de um
conhecimento perfeito do homem e da terra.

Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote (desafio): Vamos Descobrir Angola. A frase
tornou-se lema para os intelectuais angolanos que dois anos depois, fundaram o
Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos
elementos mais activos. Esse Movimento foi responsável pela publicação da revista
Mensagem, onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e
Arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que é fruto do endurecer
da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação
cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos
poemas de Viriato da Cruz, tais como, Makèzù ou mamã negra.

PAPEL DA CULTURA E DAS ARTES NA CONSCIENCIALIZAÇÃO DOS


ANGOLANOS PARA ADESÃO DO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO E LUTA DE
LIBERTAÇÃO

O GRUPO NZAJI

Nzaji, termo kimbundu que em português significa faísca era um agrupamento musical
que desempenhou papel muito importante, na motivação dos guerrilheiros do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Nesse agrupamento integrava
homens, mulheres e destacados militantes, tais como, Pedro de Castro Van-Dúnem
“Loy”, José Eduardo dos Santo (ex-presidente da República de Angola e do partido
MPLA) e Maria Mambo Café e outros.

O Grupo que começou ainda em Luanda consolidou-se em Moscovo (Rússia), onde os


jovens estudantes angolanos prosseguiram os seus estudos.

As suas músicas eram tocadas assiduamente na rádio “Angola Combatente” porta-voz


do MPLA, sediada em Brazaville (República do Congo Brazaville). Uma das canções

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mais forte é o Kaputo termo kimbundu que em português significa colono, um grito de
revolta.

AGRUPAMENTO MUSICAL NGOLA RITMOS

Carlos Aniceto Vieira Dias “Liceu” é considerado como fundador da música popular
angolana.

Nasceu no dia 1 de Maio de 1919 em Luanda, mas é assente em sua certidão de


nascimento, que ele nasceu em Banana no Congo Brazzaville. Vieira Dias fez parte da
classe social colonial designada de “assimilados” e, embora ele não fosse residente do
Bairro Operário, suas criações foram influenciados por outras pessoas que lá viviam.

Ele começou a sua carreira com aprendizagem de instrumentos musicais como a


guitarra e o piano. Em 1930 formou a Banda grupo dos Sambas com outros jovens
assimilados. O grupo tocava principalmente músicas brasileiras, uma experiência que
ajudou Vieira Dias a descobrir o valor que tinha a cultura angolana.

Em seguida, “Liceu”, como era carinhosamente tratado, e outros de sua geração


começaram a enfatizar a africanidade da sua herança cultural que era muito desprezada
pela sociedade colonial. Em 1947 ele criou a Banda Ngola Ritmos, que é geralmente
creditado como percussores do Samba, um novo género musical na época.

Outros membros do grupo eram Domingos Van-Dúnem, Mário da Silva Araújo, Manuel
dos Passos e Nino Ndongo. Na década de 1950, a Banda era composta por “Liceu”,
Nino, Amadeu Amorim, José Maria dos Santos, Euclides Fontes Pereira, José Cordeiro,
Lurdes Van-Dúnem e Belita Palma.

Ngola Ritmos apresentava canções tradicionais que recolhiam do campo, e que


teoricamente, a inovação baseava-se no uso de instrumentos locais. O som da dikanza
termo kimbundu que em português significa reco-reco foi traduzido para acordes de
guitarra e outros instrumentos europeus. Alguns solos famosos do guitarrista congolês
Francó foram adaptados e incorporados em instrumentações do Semba. “Liceu” tocava
com a sua guitarra músicas que ouvia sua mãe e avó cantar.

Vieira Dias transformou as práticas musicais locais em estilo que era semelhante ao das
músicas estrangeiras tocadas nas rádios e festas, mas com sabor de Angola e cantada em
Kimbundu, durante um período em que as línguas locais eram minimizadas e chamas
de “língua de cão”, pelos colonialistas portugueses. Algumas canções foram baseadas
em músicas tradicionais de diferentes partes do país, incluindo canções adaptadas do
carnaval, que se adaptaram para versões mais dançantes, apreciadas em festas e
facilmente aceites nas estações de rádios. Muitas músicas do Ngola Ritmos tornaram-se
padrões da música angolana.

Ngola Ritmos conseguiram com as suas canções despertar as consciências dos


angolanos ainda adormecidos, acordou muitos distraídos e inspirou o nacionalismo. A
mensagem era passada, na sua maioria, em língua kimbundu.

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Apesar de alguns esforços, os colonialistas travavam as iniciativas, pois estes tinham
que passar licença para que o conjunto efectuasse qualquer espectáculo.

Todavia, podemos analisar como exemplo o lado popular da canção para despertar a
angolanidade;

Mbiri, Mbiri da autoria de António Van-Dúnem é bem o exemplo:

Kisanguela Nguetu ni Mazundu

Woso ua dimuka, udiangô lumoxi.

Este trecho em português significa «não queremos convivência com os sapos», uma
referência aos colonialistas. A outra parte do verso ressalta que «não esqueçam que o
esperto só almoça, mas não janta» (dito popular).

Outra canção é o messene, mestre em português, da autoria de Euclides Fontes Pereira


«Fontinhas»;

Messene za tulonga ó kutanga

Tundé katuvalele ó kutanga nuca tuakimone

Lelu kituandala kukulala a tubingui kutanga

Ngó diondo messene kizua nguikalakala ngui futa ioso uandala.

Em português o verso quer dizer o seguinte: «Mestre venha ensinar-nos a ler e a


escrever é agora que precisamos trabalhar obriga-nos a saber ler e a escrever. Ao que o
mestre responde:

Sentem-se e vamos começar: «A-N-T-Ó-N-I-O». A mensagem orientava ao povo para


que estivesse atento e os professores começaram a ensinar, porque era necessário que o
povo soubesse ler a escrever, que dias melhores iriam surgir.

João Domingos é o titulo de uma outra canção de Fontinhas que o etnomusicólogo


angolano Jorge Macedo, considera como sendo um brado de protesto, convite a
aprender a ler e a escrever de grandes proporções panfletárias, escondida numa espécie
de sátira de intenções ingénuas de simples zombaria contra João Domingos que tinha
má burrice, não sabia ser burro, pois não tendo aprendido a ler e a escrever, só poderia
mesmo ter como trabalho oficio de carregador de cimento armado, vulgarmente
chamado de kimbangula, nas construções de prédios.

Musicalmente, refere o etnomusicólogo, trata-se de uma obra-prima mesmo perante o


juízo de valor de leigo na matéria. A letra assume forma poética elevada no espírito da
literatura oral kimbundu enquanto a música não fica atrás no quadro que nesta cultura é
realmente folclore. Tendo resultado na proibição da canção Mon`nami (filho).

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A dada altura, a canção refere que uma mãe estava embalando o filho no quarto: «Ó
meu filho, não chores, porque o teu pai é uma ave, deixou-te ficar aqui e foi-se embora.
E o vizinho do lado responde: O oh Samba Utanga Makuto Samba, não mintas para teu
filho, diz a verdade, diz que morrias de fome e que foste ao comerciante e trocaste
alimento pelo teu corpo; o teu filho é fruto dessa situação. A PIDE, não deixou passar
esta canção.

Todavia, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), introduzia angolanos na


sua agremiação, com objectivo de traduzir as canções de Kimbundu para português,

“Muxima” termo kimbundu que em português significa coração era como se fosse o
hino da nação, esta canção evoca o meio rural da década de 1950 e hoje quando uma
banda toca essa música todo público canta e se movimenta em conjunto. Os que não
sabem toda letra da canção pelo menos sabem o refrão. Mais do que qualquer outra
canção “Muxima” não tem um só autor, mas está associado com o trabalho dos Ngola
Ritmos e é um exemplo da maneira como eles recreavam as canções locais. Neste caso,
eles não visavam torná-la dançante, mas sim audível em salas de concerto e nas rádios.

“Muxima” é também o nome de uma cidade construída nas margens do rio Kwanza,
cerca de sessenta quilómetros ao sul de Luanda, onde está situada uma igreja católica
associada com benefícios espirituais. Peregrinos de todo país, particularmente de
Luanda, viajam para igreja em busca de bênçãos.

A Santa padroeira da Igreja é Santa Ana, mãe da virgem Maria e padroeira das mulheres
em trabalho de parto.

A popularidade dos Ngola Ritmos na década de 1950 deu-lhes o acesso às estações de


rádios nacionais e suas canções foram gravadas na rubrica chamada “folclore”, que
eram transmitidas em todo país. A música dos Ngola Ritmos teve um enorme impacto
na sociedade e mobilizou os Movimentos Nacionalistas que eram contra o regime
colonial. A maioria das festas animadas por Ngola Ritmos fora usada pelos
nacionalistas para as reuniões anticolonialistas. Em 1959 os membros dos Ngola
Ritmos, Vieira Dias, Amadeu Amorim e José Maria dos Santos, foram presos e
deportados para a prisão do Tarrafal em Cabo Verde por cerca de mais de dez anos,
devido aos conteúdos de algumas das suas músicas e pelo apoio que davam à causa
Nacionalista. Eles estavam ligados ao Movimento para a Independência de Angola
(MIA), e são considerados como parte dos membros da elite que fundaram o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Apesar de toda popularidade alcançada, gravações originais do Ngola Ritmos são raras.
Suas músicas são reproduzidas por muitos outros grupos e músicos que vieram depois
deles. Quando Liceu, Amadeu Amorim e José Maria foram enviados para prisão, o
grupo não terminou pois, os outros membros, liderados por Nino Ndongo, mantiveram a
produção do seu estilo característico, mas com um sabor mais comercial. Zé Cordeiro
Gégé e Xodó juntaram-se ao grupo nessa época.

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Em 1960 o grupo seguiu à Lisboa onde gravaram dois discos e um show de televisão
para a RTP.

Quando saíram da cadeia, no início dos anos 1970, Liceu, Amadeu Amorim e José
Maria dos Santos foram obrigados a apresentar-se à PIDE a cada duas semanas e foram
proibidos de efectuar qualquer apresentação pública ou actividade política. Após a
independência do país em 1975, veio a guerra civil e registou-se um grande declínio na
produção musical em Angola. O grupo se tornou decadente e perdeu a energia que tinha
décadas antes. Argumenta-se que Ngola Ritmos tenha enfraquecido muito antes de seus
limites, mas seu trabalho influenciou as gerações seguintes de músicos tais como, Elias
Dia Kimuezo, grupo musical os Kiezos, Jovens do Prenda e outros.

Em 1978 o produtor de cinema António Ole fez um filme com Ngola Ritmos, e foi a
última vez que o grupo apareceu em público com todos os seus membros. Incluiu a
actuação de Rui Mingas, que é sobrinho do Liceu Vieira Dias. Em 2009/2010, inspirado
no livro “Estórias para Histórias da Música Angolana”, escrito por Mário Rui e Jorge
António produziram um filme documentário em três partes sobre a história da música
angolana, onde se destacou o trabalho de Liceu e Ngola Ritmos incluindo partes do
documentário de António Ole de 1978. E os depoimentos dos dois únicos membros de
sobreviventes.

Os Ngola Ritmos pertencem à história da canção política, e ela divide-se em dois


momentos, o cantor popular e o espontâneo e as suas canções fazem parte do Amplo
Movimento (acto de consciencialização), que não envolvia apenas escritores, mas
também jornalistas, autores de textos literários, homens de teatro, declamadores,
intérpretes de canções políticas, operários e outros.

TEATRO

A palavra teatro provém da palavra grega Theuslatron, onde Theus, significa Deus, e
Latron significa originalmente um lugar onde se é curado mediante o encontro com o
divino. Ainda o termo teatro também vem do termo Theaomai, que significa: Ver ou
Assistir (BRANDÃO, 1992, P. 9).

Assim sendo, o teatro nasceu no período do paleolítico médio, estava ligado as forças da
natureza por intermédio dos espíritos com objectivo de atrair estas mesmas forças por
intermédio da magia simpática. Desta feita os lugares onde eram executadas práticas
eram totalmente arenas, como na antiguidade média porque muitos desses lugares eram
totalmente sagrados.

Há que fazer referência à máscara, elemento importante do teatro primitivo, que para os
povos africanos significa presença divina, o instrumento que domina os espíritos
malignos, também é usado como disfarce do caçador (NUNES, 1994, P. 43).

Podemos afirmar que o teatro sob forma de imitações e mimetismo existiu sempre para
todos os povos e em todas as épocas.

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Tais ritos existem ainda em algumas regiões de África, se apresentam como uma parte
religiosa, plástica, poética, dramática, rítmica, e tem por base a literatura oral tradicional
e a música instrumentada.

O Teatro como forma de expressão literária sempre tem uma relação, com a sociedade
onde surgiu. O teatro é, antes de qualquer coisa, uma arte. Mas é uma arte que se
associa à história do homem e à própria história da comunicação humana, uma vez que
se configura uma arte híbrida, envolvendo literatura e encenação.

Como se pode perceber, mesmo com o advento da tecnologia, o teatro continua


causando encantamento e, por isso, concretizando de maneira única o aprendizado, seja
de ordem informativa ou cultural.

O TEATRO EM ANGOLA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA

No contexto da colonização em Angola essa arte poderia ter contribuído para denunciar
a realidade que se vivia de modo a libertarem-se de uma determinada opressão.

Para contrapor o regime colonial surgiu no seio dos angolanos funcionários públicos, a
necessidade de se criar um grupo teatral, com objectivo de despertar as consciências dos
menos esclarecidos, sobre a dominação colonial e a aculturação que o regime colonial
imprimia.

Daí o aparecimento dos primeiros grupos teatrais, tais como: o Grupo Experimental de
Teatro – Gexto, foi criado nos anos 50 do século XX à imagem do Projecto brasileiro
teatro experimental do negro, de que Abdias do Nascimento foi o líder e o jornal
Kilombo o órgão divulgador e, entre os seus animadores, António Van-Dúnem, Higino
Aires e ainda Gabriel Leitão, tido como um humorista de grandes potencialidades
impares.

Sendo Gabriel Leitão, in O Ritmo do Ngola Ritmos, afirmava que: “no princípio era o
ritmo e o ritmo era clandestino. Então o ritmo fez-se Gexto (Grupo Experimental de
Teatro). As raízes no bem fundo do povo, os ritmos rebentam por todo o lado. Ganha
novas formas, teatro também. Do silêncio, ao Gexto. É o mesmo ritmo de teia de
aranha, construído pacientemente por cima da cabeça colonial. O Gexto foi fundado
para conservarmos o nosso património cultural. Também foi impulsionador da formação
do grupo o Higino Aires, um elemento do processo dos 50, que faleceu aqui em Luanda
depois de ter cumprido dez anos de prisão no Tarrafal. As peças que nós levámos à cena
foram todas escritas por António Van-Dúnem, com minha colaboração.

Quando fundamos o Gexto pensamos logo na integração do Ngola Ritmos, do qual eu


me sinto parte integrante, para vários trabalhos clandestinos, muito embora as pessoas,
enfim de um grupo que reflectisse os princípios quo o Bota-fogo defendia, normalmente
no domínio da cultura.

Sendo assim, no dia 5 de Outubro de 1961, na Liga Nacional Africana Associação


Cultural que na época servia para encobrir actividades nacionalistas), nasceu o Grupo

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Cultural Músico – Teatral Ngongo e a sua estreia ocorreu em Agosto de 1962 na festa
de aniversário da cidade de Luanda, no nacional Cine – Teatro, com a peça em três
actos intitulada: Muhongo – a – Kassule, adaptada de um conto extraído na obra Ecos
da Minha Terra, de Óscar Ribas (ABRANTES, 2005, P. 147), poetas, autores,
declamadores, dançarinos, vocalistas e arranjadores, o que lhe permitiu explorar vias
originais e tradicional, da musica popular urbana, do teatro da dança da poesia e da
declamação, O grupo Ngongo realizou centenas de espectáculos diversificados, com
uma sucessão regular de temporadas artísticas que chegavam a durar vários meses, tanto
na capital como no resto do pais e até mesmo no exterior. Foi considerado em Portugal,
o melhor grupo de África em 1956 (ABRANTES, 2005, P.149).

No seu reportório artístico constavam várias peças teatrais, onde se destacam as


seguintes; A taberna, A praga-Uanga, O ladrão, Qual dois dói mais, O alambamento
(carta), Eles, ela e eles, Namoro no Sambizanga e Muhongo-a-kassule. Ao passo que as
peças do grupo Gexto que mais se destacaram foram: a peça intitulada o Panfleto e a
Auto de nata (ROLDÃO, in entrevista no dia 18/08/2010).

A principal característica deste grupo foi concentrar no seu seio um grande número de
compositores, músicos, coreógrafos.

Permanentemente torcidas e escarnecidas pelo colonialismo português, muitas das


dinâmicas culturais de Angola tinham o teatro como espaço de resistência e resiliência
social. Através de um olhar crítico sobre a realidade colonial, o teatro
circunstancialmente politizado que as autoridades coloniais tentaram banir a todo o
custo. Desempenhou um papel fundamental na socialização política e sensibilização de
largos grupos populacionais de angolanos sobre as condições e possibilidades de luta
contra a dominação colonial portuguesa.

As marchas dos Movimentos de Libertação e Luta de Libertação Nacional rumo a


independência que teve lugar em 11 de Novembro de 1975, foram grandemente
assistidas por um teatro revolucionário, que animava, mobilizava e despertava
sentimentos emancipatórios, contra as pretensões coloniais de eternizar a subjugação
dos africanos. Por isso, parece difícil explicar o facto de haver escassez de literatura
sobre a contribuição do teatro no Movimento de Libertação nacional e Luta de
Libertação Nacional de Angola.

As lutas de resistência contra a opressão do colonizador português, em associação aos


projectos utópicos de organização social e política do país fazem parte da produção
teatral de Angola. Os escritores nutriram suas escritas com conflitos culturais e
decepções políticas, sobretudo diante das novas configurações de colonialismo surgidas
após independência.

Neste sentido, para (Freire 1970, p. 22), “os homens, empenhando-se na luta por sua
libertação: É preciso que o próprio oprimido tenha senso critico, onde a representação
teatral desempenhada uma grande função”.

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O teatro angolano durante a luta anticolonial, teve um carácter revolucionário, popular e
realista. Foi, um teatro preocupado em intervir, despertar e denunciar de forma real, os
problemas criados pela dominação colonial portuguesa.

GLOSSÁRIO DE HISTÓRIA

Acoitados – Acolhidos, abrigados

Adjacentes – Situados junto a outros, próximo

Afluxo – Grande concorrência de pessoas ao mesmo lugar.

Aglomeração – Grande concorrência de pessoas ou coisas juntas.

Anexação – Acto ou efeito de incorporar.

Animismo – Doutrina religiosa que considera que a vida do Homem tem uma origem,
uma essência: a alma dos seus antepassados.

ÁFRICA DO NORTE OU ÁFRICA BRANCA – Localiza-se na parte oeste, entre o


deserto do Saara e o Golfo da Guiné.

Abrange os territórios de países como Níger, Senegal, Mauritânia, Ghana (Gana), Cabo-
Verde, Guiné-Bissau, Serra Leoa, entre outros.

ÁFRICA ORIENTAL – É a parte da África banhada pelo oceano Indico e inclui, não
só os países costeiros e insulares, Comores, Djibouti, Eritreia, Etiópia, Kénia (Quénia),
Seychelles, Moçambique, Somália e Tanzânia, mas também, alguns do interior como
Burundi, Ruanda e Uganda, além de Zimbabwe, Zâmbia e Malawi.

ÁFRICA CENTRAL – É a sub-região que fica no centro do continente. Para o


Departamento de Estatística da ONU, compreende os seguintes países: Angola,
Burundi, Camarões, Chade, República do Congo, (Brazzaville), República do Congo
Democrático (ex-Zaire), Gabão, República Centro-Africana, Ruanda.

ÁFRICA AUSTRAL – Também chamada de África Meridional, é a parte Sul da Costa


Oriental e pelo Atlântico na Costa Ocidental. Normalmente considera-se a áfrica Austral
formada pelos seguintes países: África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madagáscar,
Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia Essuatini (Suazilandia), Zâmbia, Zimbabwe.

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Antropologia - É a ciência que tem como objecto o estudo sobre o ser humano e a
humanidade de maneira totalizante, ou seja abrangendo todas as suas dimensões.

Antropogeografia – Capitulo da geografia, fundado pelo geógrafo alemão Friedrich


Ratzel (1844-1904), que estuda as causas da distribuição geográfica das comunidades
humanas (rácicas, linguísticas, religiosas, políticas, etc.), considerando o homem como
um ser poderosamente subordinado ao meio geográfico (www.inforpedia.pt).

Antropológico – Relativos à origem, desenvolvimento físico, material e cultural,


características, raciais, evolução social, crenças etc. da espécie humana.

Argonautas – Na mitologia grega eram tripulantes da nau, segundo a lenda grega, foi
até a Coloquia (actual Geórgia) em busca ao Velo de ouro (ou velório de outro).

Agnatos – Correspondem aos indivíduos (masculinos e femininos) descendendo de um


mesmo ancestral pelos homens exclusivamente.

Armadas – Frotas.

Aristocracia – Pessoas pertencente à aristocracia, uma organização sociopolítica


baseada em privilégios de uma classe social formada por nobres que detêm o monopólio
do poder.

Aristocrático – da aristocracia. Nobres.

Artilharia - Ramo do exército que utiliza canhões, obuses e outras armas e poderosas.

Arauto – Mensageiro; pessoa que defende uma ideia ou causa.

Aportar – Atracar.

Arpões – Lanças usadas na caça.

Aterrorizante – Que suscita medo. Assustador.

Autenticidade – Qualidade do que é autêntico. Veracidade.

Autoridade – Agentes do poder.

Autónomo – Independente.

Autonomia – Autodeterminação. Regulamento dos próprios interesses.

Autonomização – Tornar-se autónoma, independência.

ASSIMILADO – Individuo que interiorizou hábitos e ideias próprias de uma cultura


diferente da sua; “ser assimilado é estar integrado no sistema capitalista colonial,
significa, estar integrado no sistema cultural e civilizacional ou ocidental”.

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Bárbaros – Povos oriundos da Escandinava, assim designados por um suposto atraso
no seu estado civilizacional quando comparados com Roma.

Beligerância – Situação de guerra.

Berberes – Povos oriundos da região do Magreb (Norte de África), nómadas e grandes


mercadores; homens livres.

Bélico-militar – Relacionado com a guerra.

Brado – Grito; voz propagada de modo intenso e forte, pode ser ocorrida a uma longa
distância; clamor, acção de reclamar ou suplicar em voz alta; o governo não ouve os
brados do povo.

Capital – Dinheiro. Riquezas acumuladas que têm por objectivo a criação de novos
valores.

Capitalismo – Regime económico caracterizado pela grande produção, pelo amplo


investimento, assim como pela propriedade individual do capital.

Capitania – Posto de capitão.

Caça – Perseguição e ataque aos animais para os capturar.

Casa Real – Conjunto de funcionários (servidores do rei e da família real) que participa
na administração e funcionamento da referida casa. Palácio onde mora o rei.

Centralização – Concentração da gestão administrativa de um país num poder central.

Chefaturas – chefiar, qualidade de chefe.

Civilizar – Melhorar, sob o ponto de vista intelectuale industrial. Tornar civil, cortês,
polido.

Cristianizar – Tornar cristão. Evangelizar.

Calhaus – cascalhos.

Cascalheiras - Terrenos onde se encontram cascalhos.

Ciências auxiliares – Ciências que ajudam a História no estudo e na explicação dos


fenómenos históricos.

Civilização – Conjunto de particularidades culturais, artísticas, morais e outras que


moldam a actividade do Homem enquanto ser organizado em sociedade.

Clãs – Agrupamentos formados por pessoas parentes e descendentes de um antepassado


comum. Cada clã era chefiado por um ancião nomeado no seio do grupo.

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Cláusula – Cada uma das disposições de um contrato, testamento ou outro documento
similar.

Comitiva – Grupo que acompanha alguém, companhia.

Coacção – Imposição.

Códice – Manuscrito antigo que contem as obras de um autor clássico.

Companhias – Associações.

Conchas – Revestimentos exteriores do corpo de alguns molúsculos.

Confederação de Estados – Aliança. União entre Estados. Outro povo e o território


deste.

Contratado - No contexto histórico colonial, contrato era uma forma subtil do trabalho
forçado (diretamente ou indirectamente) chamavam de «contrtato» é ser recrutado para
o trabalho nas fazendas agrícolas, obras públicas e outras actividades, com obrigação de
permanecer durante um ano.

Contrabando - Comércio ilícito; candonga (Kimbundu).

Colonos- Pessoas que se estabelecem numa região estrangeira para a povoar ou dela
tirarem proveito.

Colonização – Regime de exploração em que um povo mantém sob seu poder.

Coligação – Aliança.

Conselho – Organismo de consulta.

Consequências – Efeitos. Resultados.

Corrente – Ideologia. Concepção.

Corruptelas – Palavras cuja escrita ou pronúncia está errada.

Critérios – Normas. Requisitos.

Decapitação – Cortar a cabeça de alguém.

Decreto – Dispostos legais estabelecidos por um governo ou por um chefe de Estado.

Deportada – Desterrada, exilada.

Definição – Descrição especificada das características essenciais de um artigo objecto


que o distingue de outros.

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Degredados – Desterrados, Expatriado.

Desacordos – Divergências.

Desterrados – Expatriados, Expulsos.

Detrimento – Prejuízo.

Devastado – Desolado. Arruinado.

Dimensão – Amplitude.

Dinastia – Sucessão, no poder, de soberanos da mesma família.

Discussões – Problemas. Dúvidas.

Disseminação – Dispersão, propagação.

Dogmas – Princípios de fé defendidos pela igreja. Que não se questiona.

Embaixadas – Missões que representam os interesses de um Estado em território de


outro Estado.

Embaixadores – Representantes de um Estado junto de outro.

Enclave – Pequeno Estado autónomo envolvido por outro.

Engenho de açúcar – Propriedade agrícola onde se produz e se processa a cana-de


açúcar.

Espoliar – Expropriar, desapossar com violência ou fraude, a propriedade de um bem.

Espingarda – Armas de fogo de cano comprido, fuzil.

Escravos – Pessoas que são dominadas ou sujeitas à exploração de outrem. Servos.


Criados.

Eclosão – Desenvolvimento, Aparecimento.

Estratégico – Ardiloso, hábil.

Esquadra – Conjunto de navios de guerras – Armas de defesa utilizadas com protecção


contra os golpes da espada ou da lança

Escudo – É uma arma defensiva que consiste essencialmente numa chapa metal,
madeira ou coro usada para se proteger de golpes inimigos.

Escudeiro – Mancebo da guarda real armado de escudo e lança.

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Esclavagismo – Sistema baseado no trabalho escravo, na exploração do homem pelo
homem. Aromáticas utilizadas como condimento.

Étnico – Grupo humano unido pela mesma cultura.

Extermínio – Destruição.

Especiarias – Substâncias.

Estados – Nações politicamente organizadas.

Feudo – Terra concedida ao vassalo, pelo senhor feudal, em troca da prestação de


serviços e do pagamento de impostos.

Feitoria – Entreposto, casa de comércio pertencentes à Coroa.

Fontes – Bases. Origens.

Fortaleza – Construções fortificadas erguidas em locais estratégicos.

Formais – Que cumprem o procedimento oficial. De acordo com o protocolo.

Foz – Local onde desagua um rio.

FOLCLORE – Termo cunhado em inglês a partir das palavras folk, povo, e lore, saber.
Uma área do conhecimento muito prezada pelo turismo cultural e pela Antropologia.
Definindo inicialmente no século XIX, pelo arqueólogo inglês Willian Thoms, o
folclore designava então uma ciência cujo objecto de estudo eram as antiguidades.

Fósseis – Restos de plantas ou animais que se encontram enterrados há muitos milhares


de anos e que constituem testemunhos de épocas geológicas anteriores à nossa.

Fundada – Criada, Estabelecida.

Genocídio – Destruição de uma colectividade humana pelo extermínio dos seus


indivíduos. Um genocídio pode ter motivos, religiosos ou raciais.

Gradualmente – Que acontece de forma progressiva.

Grupo étnico – De etnia. Grupo humano unido pela mesma cultura.

Guia – Instrumento de orientação ou direcção.

GRIOTS- JALI OU JELI – É o individuo que na África Central, tem por vocação
preservar e transmitir as histórias, acontecimentos, canções e mitos do seu povo.
Existem GRIOTS músicos e GRIOTS contadores de história. Ensinam a arte, o

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conhecimento de plantas tradições, histórias e aconselhavam membros das famílias
reais.

Hegemonia – Supremacia. Superiorização.

Heterogéneo – Não homogéneo.

Horda – Tribo errante.

Hereges – Blasfemos, cristãos baptizados, mas que negam veemente ou põem em


dúvida algumas das verdades da fé católica.

Hipoteca – Sujeição de bens para garantir o pagamento de uma divida.

Historiografia – Estudo dos acontecimentos históricos ocorridos em cada etapa do


saber histórico, revelando assim o passado.

Idóneas – competentes; aptas.

Império – Estado cuja influência politica, económica e cultural se estende para além
das suas fronteiras.

Incursões – Invasões.

Industria Lítica – Produção, pelo Homem do Paleolítico, de instrumentos de pedra.

Indígenas – Pessoas naturais do país ou do lugar que habitam autóctones; no contexto


histórico colonial,indígenas são todos aqueles de raça negra ou delas descendentes que
pela sua ilustração e costumes se não distinguissem do comum daquela raça. Assim
estava definido no Art.º nº 2 do Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de
Angola e Moçambique publicado em 1926. Três anos depois, este Estatuto torna
extensivo à Guiné e aos moçambicanos sob administração das companhias com poderes
privilegiados.

Indigente – Pessoa que não tem condições financeiras para suprir ou sasfazer as suas
próprias necessidades; miserável.

Infantaria – Conjunto de tropas de um exército que combatem a pé, munidos de armas


ligeiras e pesadas, tendo por missão a conquista, ocupação e defesa de um território.

Introspecção – Análise intima e reflexiva que alguém faz sobre si mesmo; exame
profundo sobre as próprias experiências ou sobre o que ocorre de mais intimo em si
próprio, introversão.

Inscrições Murais – Inscrições em muros, bases rochosas ou estruturas parietais.

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Instituições – Organizações.

Inata – Que faz parte do indivíduo desde o seu nascimento; que nasce com o indivíduo;
inerente, congénito.

Instrumentos – Dispositivos utilizados para execução de uma actividade.

Islão – Religião professa dos muçulmanos, cujos Deus é Maomé.

Latifúndios – Grandes propriedades rurais.

Lendário – De lenda. Da tradição oral ou escrita.

Lendas – Tradição oral ou escrita.

Legítimo – Legal.

Mandatários – Delegados, representantes.

Meridional – De Meridiano. Círculo máximo da esfera que divide o globo em dois


hemisférios passando pelos pólos.

Mercenários – Soldados que, por dinheiro, combatem em exércitos estrangeiros.

Metalurgia – Arte de extracção e tratamento dos metais.

Método – Procedimento utilizado para se alcançarem os objectivos preestabelecidos.

Metrópole – Cidade mais importante de um país.

Mestiçagem – Miscigenação, cruzamento entre indivíduos de raças (humanas)


diferentes.

Messiânico – do Messias.

Migrações – Deslocações de um lugar para o outro.

Minas – Espaço natural subterrâneo de onde são extraídos diversos recursos naturais
(neste caso em particular, o ouro).

Miragem – Ilusão, Engano.

Miscigenação – Cruzamento de indivíduos de raças diferentes.

Misticismo – Espiritualidade. Crença religiosa; tendências para crer em entidades ou


forças sobrenaturais.

Monopólio - Propriedade de uma só pessoa ou entidade.

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Moluscos – Animais invertebrados de corpo mole.

Motivo – Causa.

Mosaico – Combinação de coisas diferentes, miscelânea.

Mosqueteiros – Soldados de infantaria armados de mosquete.

Ngola – Titulo de soberano no Ndongo.

Oásis – lugar habitável no meio de um terreno seco.

Objecto de estudo – Matéria especifica estudada por uma determinada disciplina


científica.

Oficiais – Legais, Formais.

Olduvense – De Oduvai (Tanzânia). Sitio arqueológico mais importante das indústrias


líticas dos hominídeos do Paleolítico, de instrumentos de pedra.

Ornamentados – Decorados.

Paço – Residência do rei, corte.

Padrão – Titulo autêntico, Modelo.

Papiro – Folhas de plantas ciperáceas onde os Homens antigos escreviam.

Paliados – Encobrir, esconder, mascarar, ocultar.

Paliçadas - Barreiras de estacas para defesa.

Patriarcal – Que diz respeito ao patriarca (chefe de família). Tipo de escravatura em


que o escravo era considerado uma pessoa da família.

Pau-brasil – Madeira rija e avermelhada utilizada na construção civil e naval.

Passado histórico – conjunto de sinais, de restos ou vestígios que, uma vez


descobertos, revelam pouco a pouco o passado de uma determinada comunidade, nação
ou do universo.

Pilhagem – Roubar. Saquear.

Pombeiros – Indivíduos que fazem a travessia dos sertões, negociando com os


indígenas, Intermediários do comércio de escravos entre o interior e o litoral.

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Potencialidades – Conjunto de qualidades naturais de alguém ou de alguma coisa.

Poliandria – Organização familiar em que uma esposa tem, legalmente, vários maridos
ao mesmo tempo.

Presídio – Prisão.

Púbere – Quem se encontra no período de puberdade, no qual ocorre o


desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e aceleração do crescimento,
pubescente.

Pré-coloniais – Antes da colonização.

Profetismo – Sistema religioso baseado nas predições dos profetas.

Preto ou Negro – Individuo que pertence à raça negra. Termos usados na época
colonial para inferiorizar e vilipendiar o negro.

Raça – Conjunto de características físicas (cor da pele, estatura, cabelo, etc.) que
explicam a origem de determinada família humana.

Razias – Destruição completa.

Recolecção – Colheita dos frutos da natureza não cultivados pelo Homem.

Reencarnação – Entrar em carne novamente.

Relativismo Cultural – Implica o reconhecimento da diversidade cultural de cada povo


com os seus valores e demais características, e abertura as outras culturas, como
componente estrutural e factor dinâmico de crescimento; nega, ao mesmo tempo a
superioridade de qualquer cultura sobre outra cultura e todo tipo de incomunicabilidade
entre as culturas.

Refutar – Contradizer. Negar.

Reinado – Período de governação de um soberano.

Repugnante – Desprezível. Condenável.

Rituais – Cerimónias de uma religião ou cultura

Roda de oleiro – Disco achatado movido por um pedal. O movimento rotativo permite
trabalhar o barro, modelando-o até ser possível obter o objecto desejado.

Seitas – Sistemas ou doutrinas que se afastam da crença geral, facções.

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Sine qua non – Indispensável.

Sobados – Território onde o titular do poder é o soba.

Soberanos – Monarcas. Autoridades politicam.

Soberania – Autonomia. Independência.

Soberbas – Magnificas. Dignas de admiração. (Noutros contextos, soberbo pode ser


sinónimo de arrogante, altivo vaidoso).

Subordinação – Submissão.

Subjugação - Submissão

Subsariana – A sul do deserto do Sara.

Subsistência – Qualidade do que é subsistente. Manutenção, conservação.

Socio demográfico – Relativo a factores sociais e demográficos.

Toponímia – Área da Linguística que estuda os nomes dos lugares, a sua origem e
evolução.

Trabalho Forçado ou Obrigatório – Designa todo trabalho ou serviço exigido de um


indivíduo sob a ameaça de uma pena qualque, ou para o qual o dito indivíduo não se
tenha oferecido de boa vontade.

Tráfico – Comércio. Negócio.

Transatlântico – Para além do Atlântico.

Transacções – Negócios ou operações comerciais.

Trégua – Suspensão temporária de conflitos

Tribos – Agrupamentos mais organizados do que os clãs. Cada tribo era formada por
um conjunto de clãs e liderada por um chefe cuja autoridade se apoiava na força.

Tributária – Relativo a impostos.

Troar – Estrondo.

Unânime – Geral. Consensual entre as várias convicções.

Usura- Juro de um capital ou de um empréstimo.

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Vassalo – Tributário.

Víveres – Géneros alimentares.

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