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Cultura: Um conceito antropológico.

O trabalho dos antropólogos vem demonstrando que existem sociedades com compreensão e soluções
diferentes umas das outras. Tais descobertas nos ajudam a entender quem somos, o que fazemos e, mais importante
que nunca, indicam que a solução encontrada por nosso grupo social, aquele em que nascemos e fomos criados, é a
única, nem sequer absoluta.

A humanidade busca compreender o mundo e organizá-lo para dar-lhe um sentido, colocar “ordem no caos”.
Para tanto, procura interpretar e conferir um significado ao ambiente que a cerca. A visão que um povo tem do mundo
está contida em sua cultura, ou seja, a cultura reflete a cosmovisão, a concepção de mundo desse povo. A concepção
de vida e de mundo difere de uma cultura para outra.

Tolerância, então, é fundamental, pois aquilo que para nós é uma verdade elementar (“verdade verdadeira”),
em outras sociedades pode não o ser.

O que a Antropologia nos mostra é a relatividade de tudo que diz respeito ao ser humano, aquilo que ele dá
importância _ valor _ muda no tempo e no espaço. Aquilo que era importante há duzentos anos para nós pode não
ter importância nenhuma atualmente.

Com o incremento do processo de globalização facilitado pelo avanço das telecomunicações, aumentam os
contatos interculturais, revelando-se cada vez mais uma enorme e diversa variedade cultural, hábitos e costumes
muito diferentes e muitas vezes opostos em seus julgamentos, revelando a relatividade da cultura.

Um primeiro problema que nos aparece ao definir cultura é a existência do uso popular da expressão para
significar alguém com mais conteúdo de conhecimento. Para o estudo antropológico esta definição não serve, pois
consideramos cultura com algo intrínseco a todo ser humano. O indivíduo só é humano por possuir cultura, em
contrapartida, só encontramos a cultura junto aos seres humanos. Desse modo, resumidamente, podemos afirmar
que todos os grupos humanos possuem cultura, e não podemos graduá-la como melhor ou pior. Ao emitirmos um
juízo de valor sobre determinada cultura estamos apresentando o ponto de vista de nossa própria cultura do que é
certo ou errado, feio ou bonito, melhor ou pior.

Todas as sociedades _ rurais ou urbanas, simples ou complexas _ possuem cultura. Cada cultura e cada
sociedade tem a sua integridade própria, o seu próprio sistema de valores e seus costumes.

Em sentido científico, isto é, antropológico, não podemos distinguir graus de cultura, mais avançada, atrasada,
melhor ou pior. Não faz nenhum sentido dizermos, por exemplo, que a cultura do homem branco é superior a do índio.
São apenas diferentes, desenvolveram-se cada uma ao seu modo, uma não é melhor, nem pior em relação à outra, e
nem superior e inferior.

Devemos, portanto, ao considerar a utilização cientifica da expressão, ignorar a forma como é empregada
vulgarmente. Para nós, devemos compreender cultura do ponto de vista formulado por Edward B. Tylor em 1871 onde
afirmou que, “Cultura é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, direito, costume e outras
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.

E de acordo com essa conceituação inicial, podemos detalhar o conceito chegando a algumas conclusões
acerca de cultura.

Em primeiro lugar, podemos afirmar que ela é transmissível pela herança social e não pela herança biológica.
Depende do processo de socialização do indivíduo.

Em segundo lugar, devemos entender que cultura compreende a totalidade das criações humanas. Inclui
idéias, valores, manifestações artísticas de todo o tipo, crenças, instituições sociais, conhecimentos científicos e
técnicos, instrumentos de trabalho, tipos de vestuário, alimentação, construções e etc.
Em terceiro lugar, é uma característica exclusiva das sociedades humanas. Os animais são incapazes de criar
cultura.

Toda e qualquer sociedade apresenta elementos de cultura material e não-material. A Cultura material se
refere aos aspectos físicos ou tecnológicos de nossas vidas diárias, inclusive a comida, casas, fábricas, vestuário,
transportes e matéria-prima. A cultura não-material se refere aos modos de usar os objetos materiais, aos costumes,
crenças, filosofias, modos de governo e padrões de comunicação. De modo geral, a cultura não-material resiste mais
às mudanças que a cultura material.

ELEMENTOS CULTURAIS INTERDEPENDENTES:

A cultura estrutura-se como um todo nas diferentes sociedades, formando sistemas culturais. Um todo
complexo porque compreende um conjunto de elementos interdependentes que se inter-relacionam de forma
harmoniosa numa dada sociedade.

Esses elementos culturais interdependentes e inter-relacionados podem ser decompostos em partes para fins
de estudo. Da diversidade de elementos que poderíamos identificar, nos interessam: os complexos culturais, os
padrões de cultura, os traços culturais e as subculturas.

TRAÇOS CULTURAIS:

É um elemento simples e unitário que distingue uma determinada cultura. Não existe isolado, mas encontra-
se ligado de múltiplas formas a outros traços culturais que, em seu conjunto, irão formar o complexo cultural. Pode
ser: uma expressão lingüística, um objeto, uma vestimenta, um ornamento, ou outros elementos simples. São
exemplos: um brinco, um colar, uma saia, a expressão “pai d’égua” e assim por diante.

Como exemplos de traços culturais que identificam determinadas culturas podemos citar: as expressões
“tchê” e “Pai d’égua” que distinguem as culturas gaúcha e paraense.

COMPLEXO CULTURAL

A combinação de traços culturais forma um complexo cultural de determinada cultura. Por exemplo: samba,
carro alegórico e fantasia são traços culturais que formam o complexo cultural que denominamos carnaval.

SUBCULTURA

Uma subcultura é um segmento da sociedade que compartilha um padrão de normas, valores e costumes que
diferem da sociedade maior onde está incluída. Os membros de uma subcultura participam da cultura dominante, e
ao mesmo tempo que ocupam de forma sem igual e distintiva de comportamento tal subcultura. Uma subcultura,
provavelmente, desenvolverá um idioma especializado que a distingue de uma sociedade mais ampla. Sociedades
complexas contem várias subculturas étnicas, regionais e ocupacionais com as quais as pessoas se identificam e das
quais assumem valores e normas.

Uma subcultura passa a existir dentro de uma sociedade qualquer quando um grupo de pessoas desenvolveu
um conjunto de variações nas normas culturais e nos valores mais gerais, e que fizeram estas pessoas se diferenciarem
dos outros membros de sua cultura. As subculturas podem se desenvolver por vários motivos, podem surgir em torno
de uma identidade étnica (os ciganos, os negros); de ocupação (os médicos); de interesses especiais (juventude), ou
mesmo de orientação sexual (homossexuais). No Brasil, os ciganos formam uma subcultura. Em Campinas existem
hoje, aproximadamente 5 mil ciganos que possuem a sua própria cultura _ costumes, hábitos e outros traços
distintivos _ que diferem da cultura dominante.

PADRÃO CULTURAL
Diferentes culturas dão maior importância que outras a determinados temas, a formas de agir, ou diferentes
concepções, estabelecendo padrões de comportamento que deverão ser seguidos por todos os indivíduos de uma
mesma cultura. Os ingleses são conhecidos no mundo todo por sua”pontualidade britânica”.

A maior parte de um grupo cultural orientará sua conduta, diante de determinada situação, pelo seu padrão
cultural. As sociedades estabelecem consensos a cerca de determinados aspectos que constituem um padrão. Em
nossa sociedade, por exemplo, temos um consenso de como deve ser cortados os cabelos masculinos, aqueles que o
fazem de forma diferente são considerados como esquisitos, porque não correspondem a expectativa, estão fora do
padrão.

ETNOCENTRISMO

Todas as culturas apresentam uma tendência de considerarem seus hábitos, costumes e valores como sendo
superiores ou melhores que os dos demais grupos sociais. A essa tendência de os indivíduos de uma sociedade julgar
a sua própria cultura superior a outras, denominamos etnocentrismo. O etnocentrismo ocorre também, em uma
mesma cultura quando um determinado grupo _ que aqui vamos chamar de “grupo do nós”_ desvaloriza, subjuga um
outro grupo _ que podemos chamar de “grupo do outro” .

A cultura de uma determinada sociedade pode diferir profundamente de outra, o que é sagrado para uma
pode ser repugnante ou repulsivo para outra como mostra bem o exemplo abaixo.

OS ROEDORES DIVINOS

Apavorada com a epidemia de peste pneumônica, uma variante da


Peste Negra que devastou a Europa durante a Idade Média, a Índia decretou
guerra aos ratos, animais causadores da disseminação da doença que matou
57 pessoas até outubro de 1994 e espalhou uma trilha de pânico. A campanha
mobilizou o país inteiro, menos na cidade de Deshnok, no norte da Índia, a
população prefere morrer a se livrar dos roedores. É um caso extremo em que
a tradição religiosa vira inimiga da saúde pública. Em Deshnok, os ratos são
reverenciados como divindades e, como tal, venerados num santuário hindu
de 600 anos, o templo da deusa Karni Mata. Mais de 100.000 roedores
perambulam pelo templo e seus arredores. Para os fiéis, as ratazanas são a
reencarnação dos descendentes da deusa. “quando um parente morre,
transforma-se em rato, e quando um rato morre, reencarna como membro de
nossa comunidade”, explica Ballu Dan Barth, um dos guardiões do santuário.

A adoração de animais, por sua identificação com divindades, não é


incomum no hinduísmo. Há templos para macacos e serpentes, e os ratos
ocupam um lugar de honra na mitologia da Índia. O caso dos adoradores da
deusa Karni Mata, uma congregação formada por 500 famílias, é bem mais
específico. Eles costumam atrair roedores depositando doces e leite sobre
bandejas de cobre na principal sala do templo. Os bichos se aproximam e são
acariciados pelos fies enquanto saboreiam as oferendas. Os fiéis chegam a
beber com veneração, na palma de suas mãos, o leite e a água que foram
tocados pelos ratos. (...)

O dilema atual da Índia é o de conciliar as tradições religiosas, que


levam a população a proteger animais repelentes e perigosos como os ratos, e
a necessidade de tomar medidas sanitárias para conter a epidemia. Em
Bombaim, a metrópole mais próxima aos focos da peste, o governo lançou uma
campanha de erradicação dos roedores. Não é uma tarefa fácil, mesmo quando
se oferece dinheiro para cada rato morto. Até a semana passada (outubro de
1994), a guerra tinha produzido só 7000 baixas entre os 50 milhões de ratos da
cidade.

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