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ESCOLA: LUIZ NUNES DIREITO PROFESSORA: ADELAIDE

ENSINO MÉDIO – LINGUA PORTUGUESA TURMA:

TEXTOS E ATIVIDADES DE LEITURA


Os dois textos que você vai ler são de escritores brasileiros que se destacaram como cronistas. São
ambos modernistas e se tornaram especialistas na redação de crónica de jornal. São escritores que
colaboraram para elevação da crônica a género literário, ao lado de outros nomes como Paulo
Mendes Campos, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade. São eles. Fernando Sabino e
Clarice Lispector.

TEXTO I

A Última Crônica
Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade
estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de
coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu
pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta
perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num
incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada
para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
"Assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um
último olhar para fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore
ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras,
torna-se mais evidente pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda
arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas
curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em
torno à mesa a instituição tradicional da familia, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam
para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda
o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma.
A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do
garçom. Este ouve, concentrado, a pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher
suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o
garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção de bolo com a
mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo- escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom
deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em
torno á mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer
coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um
animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia de bolo. E
enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado,
a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente
põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam,
discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-
las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sofregas e põe-se a comé-lo.
A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de
bolo que lhe cai no colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer
intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando
o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

ATIVIDADE DE LEITURA
Agora que você leu a crônica de Fernando Sabino,
1. Leia com atenção a informação abaixo:

A crônica não é um gênero maior, já escreveu Antônio Cândido. Graças a Deus, completa
o critico, porque sendo assim ela fica perto de nós (...) Na sua despretensão, ela humaniza,
e esta humanização lhe permite, como compensação: sorrateira, recuperar com a outra
mão uma certa profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de
repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição.

Responda:
1.1. Relacione o conteúdo da frase: "... na sua despretensão, a crônica humaniza", com o assunto
da "Última Crônica", de Fernando Sabino.
1.2. Discuta a forma empregada pelo cronista para redigir a "Última Crônica".

2. Leia com atenção as informações contidas no quadro abaixo e Identifique essas características
no texto de Fernando Sabino, exemplificando-as,

3. Leia atentamente as palavras grifadas e responda: qual é o recurso linguístico empregado pelo
autor no fragmento abaixo? Com que intenção ele o utiliza?

"...uma negrinha de seus três anos..." toda arrumadinha no vestido pobre, mal ousa
balançar as perninhas". “... a menininha repousa o queixo no mármore”. "A negrinha
agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo".
4. O autor afirma: "Ninguém mais os observa além de mim" (4° parágrafo). Explicite a razão
(motivo) que levaria o cronista a fazer este comentário.
5. Leia: "Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome...." (2 parágrafo). Explique
o significado do algo mais a que se refere o cronista.

6. O autor presencia fato merecedor para sua última crônica e comenta: "lanço então um último
olhar para fora de mim onde vivem os assuntos que merecem uma crónica". (1° parágrafo).
Resuma, em poucas palavras, o fato que originou a crônica.

7. Leia com atenção a informação abaixo:

O texto metalinguístico é o que trata da própria linguagem. Quando consultamos


um dicionário ou uma gramática temos o uso da linguagem para explicar o
significado das palavras ou fornecer conceitos linguísticos.

Podemos considerar "A Última Crônica" um texto metalinguístico? Justifique sua resposta
empregando passagens da crônica.

QUESTÕES OBJETIVAS
Resolva agora as questões objetivas abaixo:
1. "Lanço então um último olhar para fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma
crônica" (1° parágrafo). A afirmação acima indica que o autor:
a) busca inspiração no seu cotidiano.
b) escreve somente sobre fatos incomuns.
c) escreve apenas sobre grandes temas. d) pretende detalhar as cenas que observa.
2. "A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do
garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta pra atendê-lo. A mulher
suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença".
Os pronomes em negrito referem-se respectivamente a:
a) garçom – homem – mãe – mulher b) mãe – garçom – homem – mulher
c) mulher – homem – garçom – mãe d) mãe – homem – garçom – mulher
3. Releia e marque a alternativa em que há, respectivamente, o sinônimo das palavras em negrito;

"Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito, mais um ano nesta busca do
pitoresco ou do irrisório, no cotidiano de cada um..."

a) original – irrelevante b) divertido – especial


c) diferente – grandioso d) dinâmico – exuberante
Agora você vai ler a crônica de Clarice Lispector.
TEXTO II

Ser cronista
Clarice Lispector
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto. Na verdade, eu deveria conversar a
respeito com Rubem Braga, que foi o inventor da crônica. Mas quero ver se consigo tatear sozinha
no assunto e ver se chego a entender.
Crônica é um relato? É uma conversa? É o resumo de um estado de espírito? Não sei, pois antes de
começar a escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito romances e contos. Quando combinei
com o jornal escrever aqui aos sábados, logo em seguida morri de medo. Um amigo que tem voz
forte, convincente e carinhosa, praticamente intimou-me a não ter medo. Disse: escreva qualquer
coisa que the passe pela cabeça, mesmo tolice, porque coisas sérias você já escreveu, e todos os
seus leitores hão de entender que sua crônica semanal é um modo honesto de ganhar dinheiro. No
entanto, por uma questão de honestidade para com o jornal, que é bom, eu não quis escrever tolices.
As que escrevi, e imagino quantas, foi sem perceber.
E também sem perceber, à medida que escrevia para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo
o risco daqui em breve de publicar minha vida passada e presente, o que não pretendo. Outra coisa
notei: basta eu saber que estou escrevendo para jornal, isto é, para algo aberto facilmente por todo
o mundo, e não para um livro, que só é aberto por quem realmente quer, para que, sem mesmo
sentir, o modo de escrever se transforme. Não é que me desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria
que fossem mudanças mais profundas e interiores que então viessem a se refletir no escrever. Mas
mudar só porque isto é uma coluna ou uma cronica? Ser mais leve só porque o leitor assim o quer?
Divertir? Fazer passar uns minutos de leitura? E outra coisa: nos meus livros quero profundamente
a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui no jornal apenas falo com o leitor e agrada-me
que ele fique agradado. Vou dizer a verdade: não estou contente. E acho mesmo que vou ter uma
conversa com Rubem Braga porque sozinha não consegui entender.

ATIVIDADES DE LEITURA
Agora que você leu "Ser Cronista", de Clarice Lispector, responda as questões que se seguem
Releia a definição abaixo:

O texto metalinguístico é o que trata da própria linguagem. Quando consultamos


um dicionário ou uma gramática temos o uso da linguagem para explicar o
significado das palavras ou fornecer conceitos linguísticos.

1. Em sua crônica, Clarice Lispector faz uma discussão metalinguística. Retire do texto fragmentos
que demonstram isso. Justifique sua resposta.
2. Qual seria o objetivo de Clarice ao escrever sua crônica?
3. Em "Ser Cronista", Clarice Lispector fala do sentimento de medo.
3.1. Qual era o seu medo?
3.2. Considerando as pistas textuais, construa uma hipótese sobre a causa do medo que a autora
sentiu.
3.3. De que modo a autor vivencia seu medo na crônica?
4. Ao escrever crônicas, Clarice revela algumas descobertas que faz a respeito de si mesma como
escritora.
4.1. O que ela descobre?
4.2. O que a autora revela sentir diante dessas descobertas?
4.3. Segundo a autora, o que determina as alterações no seu modo de escrever?
5. No final a cronista afirma: "Vou dizer a verdade: não estou contente". Quais as razões (motivos)
que a levavam ao descontentamento? Explique com suas palavras.
6. Releia o trecho abaixo:

“... nos meus livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o
leitor. Aqui no jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado.
Vou dizer a verdade: não estou contente. E acho mesmo que vou ter uma conversa
com Rubem Braga".

6.1. Qual é o tempo verbal que predomina nesse trecho? Dê exemplos e comente o uso desse tempo
verbal nesta crônica.
6.2. Que diferenças a autora reconhece, no texto, entre escrever livros e escrever crônicas para
jornais?
7. Compare as duas crônicas lidas tendo em vista os seguintes elementos:
I – Linguagem Il – Assunto
III – Estilo

QUESTÕES OBJETIVAS
Resolva agora as questões objetivas abaixo:

SER CRONISTA
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto. Na verdade eu
deveria conversar a respeito com Rubem Braga, que foi o inventor da crónica Mas
quero ver se consigo tatear sozinha no assunto e ver se chego a entender.

1. A palavra "tatear" no fragmento acima, significa:


a) apalpar b) pesquisar
c) sondar d) guiar
2. Marque a alternativa que indica o tema da crônica "Ser Cronista":
a) A comunicação profunda da cronista consigo mesma e com o leitor.
b) A transformação do modo de escrever. c) A arte de ser cronista.
d) O embate entre Clarice Lispector cronista e Clarice Lispector ficcionista.
3. Em relação ao termo negritado abaixo é correto afirmar:

"[...] No entanto, por uma questão de honestidade para com o jornal, que é bom, eu
não quis escrever tolices. As que escrevi, e imagino quantas, foi sem perceber

a) é um artigo e se refere a "crônicas"


b) é um pronome pessoal e se refere a "tolices".
c) é um pronome possessivo e se refere a "crônicas".
d) é um pronome demonstrativo e se refere a "tolices".

ATIVIDADE ESCRITA
1. Leia com atenção as frases abaixo:

I – Clarice Lispector pensa em conversar sobre crônicas com Rubem Braga.


II – Clarice Lispector quer ver se consegue entender sozinha o que é crônica.
III – Clarice Lispector acha que é mesmo necessário uma conversa com Rubem
Braga

Faça a ligação dessas frases em um único período. Para escrevê-lo empregue os recursos
linguísticos que forem necessários, como pontuação, conectores e pronomes.
2. No primeiro parágrafo de seu texto, o cronista, em busca de um assunto para sua crônica, afirma
que "pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano...".
Escreva um pequeno texto comentando o que a cena descrita pelo cronista possui de "conteúdo
humano". Antes de fazer esse comentário, resuma a cena narrada na crônica. Organiza seu texto
em dois parágrafos.
3. De qual das duas crônicas você mais gostou? Escreva um pequeno texto justificando sua
escolha.

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