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Língua Portuguesa O coração roubado, Marcos Rey

Eu cursava o último ano do primário e como já estava letivo coroado de belos gestos. Quem sabe o autor não
com o diplominha garantido, meu pai me deu um conhecesse a fundo seus próprios personagens. Um
presente muito cobiçado: O coração, famoso livro do ingênuo como a nossa professora. Esqueci-o.
escritor italiano Edmondo de Amicis, best-seller mundial Passados muitos anos reconheci o retrato de Plínio
do gênero infanto-juvenil. num jornal. Advogado, fazia rápida carreira na Justiça.
Na página de abertura lá Recebia cumprimentos. Brrr. Magistrado de futuro o tal
estava a dedicatória do que furtara meu presente de fim de ano! Que toldara
velho, com sua muito cedo minha crença na humanidade! Decidi falar a
inconfundível letra verdade. Caso alguém se referisse a ele, o que passou a
esparramada. Como todos acontecer, eu garantia que se tratava de um ladrão. Se
os garotos da época, roubava já no curso primário, imaginem agora... Sempre
apaixonei-me por aquela que o rumo de uma conversa levava às grandes
obra-prima e tanto que a decepções, aos enganos de falsas amizades, eu contava,
levava ao grupo escolar da a quem quisesse ouvir, o episódio do embusteiro do
Barra Funda para reler Grupo Escolar Conselheiro Antônio Prado, em breve
trechos no recreio. desembargador ou secretário da Justiça.
Justamente no último – Não piche assim o homem – advertiu-me minha
dia de aula, o das despedidas, depois da festinha de mulher.
formatura, voltei para a classe a fim de reunir meus – Por que não? É um ladrão!
cadernos e objetos escolares, antes do adeus. Mas onde – Mas quando pegou seu livro era criança.
estava O coração? Onde? Desaparecera. Tremendo – O menino é o pai do homem – rebatia
choque. Algum colega na certa o furtara. Não teria vigorosamente.
coragem de aparecer em casa sem ele. Ia informar à Plínio fixara-se como um marco para mim. Toda vez
diretoria quando, passando pelas carteiras, vi a lombada que o procedimento de alguém me surpreendia, a face
do livro, bem escondido sob uma pasta escolar. Mas... oculta de uma pessoa era revelada, lembrava-me
era lá que se sentava o Plínio, não era? Plínio, o primeiro irremediavelmente dele. Limpinho. Penteadinho. E com
da classe em aplicação e comportamento, o exemplo a mão de gato se apoderando de meu livro.
para todos nós. Inclusive o mais limpinho, o mais bem Certa vez tomaram a sua defesa:
penteadinho, o mais tudo. Confesso, hesitei. – Plínio, um ladrão? Calúnia! Retire-se da minha
Desmascarar um ídolo? Podia ser até que não presença!
acreditassem em mim. Muitos invejavam o Plínio. Peguei Quando o desembargador Plínio já estava
o exemplar e o guardei em minha pasta. Caladão. Sem aposentado, mudei-me para meu endereço atual.
revelar a ninguém o acontecido. Lembro do abraço que Durante a mudança alguns livros despencaram de
Plínio me deu à saída. Parecia estar segurando as uma estante improvisada. Um deles O coração, de
lágrimas. Balbuciou algumas palavras emocionadas. Amicis. Saudades. Havia quantos anos não o abria?
Mal pude retribuir, meus braços se recusavam a Quarenta ou mais? Lembrei da dedicatória de meu
apertar o cínico. falecido pai. Ele tinha boa letra. Procurei-a na página de
Chegando em casa minha mãe estranhou que eu não rosto. Não a encontrei. Teria a tinta se apagado? Na
estivesse muito feliz. Já preocupado com o ginásio? Não, página seguinte havia uma dedicatória. Mas não
eu amargava minha primeira decepção. Afinal, Plínio era reconheci a caligrafia paterna. “Ao meu querido filho
um colega que devíamos imitar pela vida afora, como Plínio, com todo amor e carinho de seu pai.”
costumava dizer a professora. Seria mais difícil
sobreviver sem o seu exemplo. Por outro lado, Segundo o texto, pode-se dizer que não houve
considerava se não errara em não delatá-lo. “Vocês 1 erro de avaliação em:
estão todos enganados, e a senhora também, sobre o Ⓐ “…vi a lombada do livro, bem escondido sob uma
caráter do Plínio. Ele roubou meu livro. E depois ainda foi pasta escolar.”
me abraçar...” Ⓑ “…meus braços se recusavam a abraçar o cínico.”
Curioso, a decepção prolongou-se ao livro de Amicis, Ⓒ “Vocês estão todos enganados, e a senhora também,
verdadeira vitrina de qualidades morais dos alunos de sobre o caráter do Plínio.”
uma classe de escola primária. A história de um ano

O coração roubado “Você é único quando pensa diferente.” Pág. 1


Ⓓ “Magistrado de futuro o tal que furtara meu presente “Na página de abertura lá estava a dedicatória
de fim de ano.”
6 do velho, ...” A maneira com que o narrador se
Ⓔ “Plínio, o primeiro da classe em aplicação e refere ao pai denota:
comportamento, ...” Ⓐ desprezo.
Ⓑ respeito.
O mal-entendido presente no texto originou- Ⓒ carinho.
2 se porque: Ⓓ formalidade.
Ⓐ o narrador, na época, era uma criança. Ⓔ desrespeito.
Ⓑ o narrador não considerou a possibilidade de
existência de um outro livro. “Não, eu AMARGAVA minha primeira
Ⓒ jamais se poderia pensar que Plínio pudesse roubar o 7 decepção.”
livro. Assinale a alternativa que apresenta um termo com
Ⓓ o narrador roubou o livro de Plínio. sentido equivalente ao destacado acima, sem alterar o
Ⓔ o único livro encontrado estava escondido. significado da frase.
Ⓐ aguentava.
O que justificaria o fato de o narrador, de Ⓑ sofria.
3 imediato, ter pensado em roubo seria ter Ⓒ debatia-me.
levado um tremendo choque. Ⓓ expressava.
Ⓐ o livro estar escondido entre os pertences de seu Ⓔ magoava.
colega.
Ⓑ o livro ser muito cobiçado pelos garotos da época. “Que toldara muito cedo minha crença na
Ⓒ o livro ter sumido justo no último dia de aula. 8 humanidade!” Segundo o texto, em relação à
Ⓓ a dúvida em relação ao caráter de Plínio. humanidade, a passagem acima deixa clara a ideia de:
Ⓐ otimismo.
“Curioso, a decepção prolongou-se ao livro de Ⓑ fé.
4 Amicis, ...”. O narrador diz isso porque queria Ⓒ cinismo.
esquecer o que aconteceu, por isso não pegou mais o Ⓓ pessimismo.
livro. Ⓔ ateísmo.
Ⓐ fora Plínio quem, segundo ele, pegara o livro.
Ⓑ acreditava que Amicis equivocara-se no julgamento “– O menino é o pai do homem – rebatia
moral de seus personagens. 9 vigorosamente.” Com isso, o narrador quis
Ⓒ o livro era uma “verdadeira vitrina de qualidades dizer:
morais”. Ⓐ exatamente o que diz o provérbio “filho de peixe,
Ⓓ com o passar do tempo, foi deixando de acreditar no peixinho é.”
autor do livro. Ⓑ que o filho será no futuro o que foi o pai.
Ⓒ que as aparências enganam, como no caso de Plínio.
O título de um texto deve ser a expressão Ⓓ que a criança revela a essência do que será o adulto
5 sintética do tema a ser tratado. Com relação no futuro.
ao texto de referência, pode-se dizer que o título: Ⓔ que Plínio é como os personagens do livro de Amicis.
Ⓐ nos remete exclusivamente ao nome do livro, objeto
que se torna o centro de toda a tensão criada na Pelo desfecho da crônica, pressupõe-se que:
narrativa. 10 Ⓐ o narrador não perdoou Plínio.
Ⓑ indica algo que adquire significado figurado no Ⓑ a dedicatória do pai do narrador alterou-se com o
contexto, enquanto o seu sentido mais imediato e tempo.
concreto – o livro – deixa de ter valor na narrativa. Ⓒ alguém escreveu outra dedicatória no livro.
Ⓒ revela, num primeiro momento, uma significação Ⓓ o narrador percebeu que se equivocara.
Ⓔ a relação entre Plínio e o narrador recrudesceu.
mais concreta – o livro –, e, num nível mais profundo de
interpretação, o próprio sentimento do narrador.
Ⓓ é apenas uma indicação inicial do autor, mostrando
uma possibilidade interpretativa que o texto se
encarrega de negar no seu final.
Ⓔ esclarece antecipadamente que, somente após a
concretização do roubo de um objeto, é que teremos a
complicação do enredo da narrativa.
O coração roubado “Você é único quando pensa diferente.” Pág. 2

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