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Esta coleção abarca diferentes olhares sobre a literatura contemporânea, seja a brasileira,

seja a que vem sendo produzida em outros países. Ela se caracteriza pela abertura a diferen-
tes abordagens teóricas e metodológicas, e pelos estudos sobre diferentes gêneros, que pos-
sam compor um painel multifacetado da produção cultural dos dias de hoje. Em particular,
a coleção é sensível à busca de novos meios de transmissão da expressão literária, tanto
pela revalorização da tradição das poéticas orais, por exemplo, quanto pela incorporação
das tecnologias mais recentes. Estará em perspectiva, também, a posição da obra literária e
de suas criadoras e criadores em meio aos enfrentamentos políticos e sociais da atualidade.
Coordenadores da coleção

João Ricardo Xavier (Zouk)


Regina Dalcastagnè (UnB)

Conselho editorial da coleção

Alckmar Luiz dos Santos (UFSC)


Ângela Maria Dias (UFF)
José Leonardo Tonus (Universidade Paris-Sorbonne)
Leila Lehnen (Universidade do Novo México – EUA)
Lucía Tennina (Universidade de Buenos Aires)
Luciene Almeida de Azevedo (UFBA)
Maria Zilda Ferreira Cury (UFMG)
Ricardo Araújo Barberena (PUC-RS)
Cristiane Tavares
Telma Weisz
(organizadoras)

LITERATURA
E
EDUCAÇÃO
Cristiane Tavares
Telma Weisz
(organizadoras)

LITERATURA
E
EDUCAÇÃO
Porto Alegre

1ª edição

2019
Clarice Lispector e as crianças:
uma investigação literária

Carlos Pires
Daniela Venturi

A leitura em sala de aula de livros de literatura para crianças mudou seu


estatuto nas últimas décadas no país. Peter Hunt (2010) comenta no prefácio de
seu livro Crítica, teoria e literatura infantil que o “mapa dos estudos da literatura
infantil” mudou significativamente de 1991 na Grã-Bretanha, ano de lançamento
de seu livro, para a década atual, momento em que faz esse comentário. No Brasil
essa mudança possivelmente foi mais intensa, pois ainda estávamos acertando as
contas com a nossa modernização precária, que não incluiu parcelas significativas
da população, ou, pensando especificamente no plano da educação, ainda estáva-
mos às voltas com questões mais essenciais relacionadas ao analfabetismo no país.
De qualquer maneira, investigações relacionadas à leitura literária em sala de aula
são relativamente recentes, principalmente se considerarmos os anos iniciais de
escolarização (MORTATTI, 2014). Nas últimas, talvez, duas décadas, as políticas
relacionadas à leitura e construção de bibliotecas levaram em boa medida os livros
para as salas de aula do país, o que é louvável, ainda mais se isso for colocado em
perspectiva histórica. O problema que se coloca agora – tirando o lado mais óbvio
relacionado à continuação de políticas que assegurem que bons livros continuem
chegando às salas de aula e bibliotecas das cidades brasileiras e se mantenham
acessíveis nesses locais – é como promover atividades e projetos com esses livros
para potencializar a formação de leitores.
Partindo desse problema, começamos a desenhar um experimento, en-
volvendo a leitura literária, que possibilitasse enxergar a relação entre crianças
e livros dentro de um determinado recorte. Procurando, então, um eixo para a
investigação, decidimos testar uma hipótese relacionada a um trabalho com auto-
ria, ou procuramos colocar a autoria como centro da exploração literária em um
trabalho com crianças do ensino fundamental I. Dessa forma chegamos aos livros
para crianças escritos por Clarice Lispector, pois consideramos que eles poderiam
fornecer esse eixo investigativo. Traçamos, assim, estratégias que nos permitissem
enxergar na relação das crianças com os livros as marcas, ao mesmo tempo, da
construção literária e as de autoria.
Formulamos questões para nortear essa exploração: Que estratégias literá-
rias a autora utiliza em seus livros? Que recursos literários e linguísticos apresen-

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tam essas estratégias? Em que elementos da construção literária é possível enxergar
as marcas de autoria? Como promover intervenções para potencializar o olhar das
crianças para esses aspectos? Estabelecida a direção, colocamos o experimento em
ação em uma sala de ensino fundamental com alunos de 8 e 9 anos de uma escola
particular da cidade de São Paulo. Os livros de Clarice Lispector que escolhemos,
praticamente todos,1 foram: Quase de verdade (LISPECTOR, 1985); O mistério
do coelho pensante (LISPECTOR, 2009); A vida íntima de Laura (LISPECTOR,
1983b); e, por fim, A mulher que matou os peixes (LISPECTOR, 1983a).
Os escritos de Clarice Lispector possuem uma relevância ímpar para a cons-
tituição e formação de leitores, sejam eles crianças, jovens ou adultos. Lajolo e
Zilberman, no livro Literatura infantil brasileira, pontuam alguns aspectos dessa
relevância na perspectiva da constituição de um sistema literário de livros para
crianças no país:

Talvez o escritor infantil que primeiro e com mais empenho tenha trazido
para a narrativa infantil os dilemas do narrador moderno seja Clarice Lis-
pector. Suas obras para crianças abandonam a onisciência, ponto de vista
tradicional da história infantil. Esse abandono permite o afloramento no
texto de todas as hesitações do narrador e, como recurso narrativo, pode
atenuar a assimetria que preside a emissão adulta e a recepção infantil de um
livro para crianças. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 154).

Esse narrador moderno é entendido muitas vezes como “difícil” por profes-
sores que trabalham com esses textos nos primeiros anos do ensino fundamental,
pois, com efeito, ele quebra a imagem de um narrador ideal que “pega o leitor pelas
mãos” e o leva, em um espírito “neutro”, a um passeio para um mundo maravilho-
so ou de aventuras ou, ainda, de mistério, que ao fim será solucionado.
Clarice Lispector constitui seu ponto de vista narrativo justamente em atrito
com esses estereótipos, e isso em diversos níveis da construção literária. Os exem-
plos aqui são muitos, desde a revelação de quem é “a mulher que matou os peixes”,
logo na primeira linha desse mesmo livro, estabelecendo outro tensionamento
narrativo com a própria voz que narra como a autora desse “assassinato”. Ou a
conhecida confissão do narrador em O mistério do coelho pensante sobre a sua in-
capacidade em resolver esse mistério anunciado desde o título. Lajolo e Zilberman
mostram, ainda, outras faces dessa complexa elaboração literária da autora:

Nesse livro, além da marca inconfundível de Clarice, pode-se reconhecer


também um procedimento nitidamente moderno: a fragmentação e a dilui-

1   Deixamos de fora seu livro Como nasceram as estrelas por acreditar que ele é um tanto diferente
dos outros, nem melhor nem pior, por acontecer em um registro de reconto de lendas.

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ção da narrativa, sempre postergada, o que exige ostensivamente a participa-
ção do leitor a quem o narrador se dirige com frequência, explicando o que
narra e fazendo perguntas. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 155).

Essa complexidade especificamente moderna, no sentido que Lajolo e Zil-


berman usaram acima, traz ao mesmo tempo desafios especificamente literários
complexos e as surpresas dos livros de Clarice. Sobre a escolha desses livros, lem-
bramos Daniel Goldin, que diz: “quando acontece algo verdadeiramente impor-
tante com a leitura, não se escolhe o livro, mas se é escolhido por ele” (GOLDIN,
2012). Goldin consegue, dessa maneira, resumir um tanto dos motivos de como
“escolhemos” Clarice Lispector, se podemos assim falar.
Hoje, por diversos aspectos, inclusive pelo econômico, ou pelo fato de es-
ses livros movimentarem bastante dinheiro, a literatura para crianças é vista de
maneira mais respeitosa por muitos pesquisadores de literatura e mesmo por pro-
fessores, transformação relativamente recente. Como ela de fato trabalha com o
imaginário e a fantasia do leitor, e tem um lugar privilegiado na formação de lei-
tores por ter assumido importância nos últimos anos, os trabalhos relacionados à
literatura em sala de aula foram redimensionados – embora, é verdade, isso ainda
esteja acontecendo efetivamente mais na teoria do que na prática:

Compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patri-


mônio já constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação
do leitor. A execução desta tarefa depende de se conceber a leitura não como
resultado satisfatório do processo de alfabetização e decodificação de maté-
ria escrita, mas como atividade propiciadora de uma experiência única com
o texto literário. (ZILBERMAN; SILVA, 2008, p. 22-23).

***

As intervenções realizadas na pesquisa que resultaram neste artigo foram


planejadas tendo como foco as características especificamente literárias, com aten-
ção especial à maneira como essa conversa poderia acontecer com crianças dessa
idade. O caminho para isso, no entanto, precisou passar, para que a experiência
estética de fato acontecesse, pelo impacto que os livros causaram nos leitores de
maneira que, a partir dessas impressões pessoais e sensações, a conversa especifi-
camente literária pudesse acontecer.
A duração de cada encontro com o grupo de crianças foi de aproximada-
mente 1h30min, inicialmente realizando a leitura em voz alta do livro e, depois,
uma roda de conversa literária. Ressalta-se que, para cada leitura, houve a prepa-
ração de algumas intervenções a serem realizadas, pensando em aspectos literários

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que escolhemos abordar. Os registros das conversas foram filmados e, posterior-
mente, a transcrição teve como eixo a seleção das partes mais significativas dessas
situações, compostas por vestígios que combinam a subjetividade de cada olhar
com a reflexão que o distanciamento posterior implicou. As análises foram realiza-
das a partir de alguns fragmentos dos registros das rodas de conversa que aconte-
ceram nos momentos posteriores às leituras com atenção aos elementos presentes
e característicos na escrita de Clarice Lispector.

As leituras:

Quase de verdade

Quase de verdade é narrado por Ulisses, cachorro que late suas histórias
para sua dona, Clarice, que entende seus latidos e os escreve. A trama que se dá
por meio dessa, digamos assim, triangulação narrativa, acontece em torno de uma
figueira invejosa que se empenha em escravizar galinhas para obter o lucro da pro-
dução de seus ovos. Com a ajuda de uma bruxa, a árvore acende-se durante a noite,
levando as galinhas a pensar que é dia e, dessa forma, botar mais ovos. Clarice
promove em Quase de verdade uma relação muito particular entre verdade e fan-
tasia, que fornecerá, junto com os outros livros da autora, um importante padrão
de medida para a literatura infantil da década de 1970 e seguintes.
Em sala de aula, a conversa começou com uma indagação em relação ao
título, Quase de verdade, com o objetivo de pensarmos esse mundo imaginário
criado pela autora onde elementos da fantasia se entrelaçam a outros de um “mun-
do real”, ou construído assim, criando esse atrito – ou dissonância –, comentado
acima, em relação a um tipo de literatura para crianças mais, digamos assim, “tra-
dicionais”.2 Vamos à conversa:

C1:3 No começo ela falou que você deve usar a imaginação, o mundo da fan-
tasia!
P: Vocês acham que isso tem alguma relação com o título Quase de verdade?
O que será que quer dizer?

2   É importante ter em mente, sem receio de exagerar, que a revolução simbólica proposta por
esses livros de fato se tornou hegemônica ao longo dos anos 1970 a ponto de hoje ser difícil perceber
sua radicalidade em relação a uma tradição constituída, já que formamos nossa percepção, em muitos
casos, em um contexto posterior a essa complexa transformação cultural ainda pouco estudada
nessa chave. Esboçamos alguns aspectos desse projeto da autora em um outro texto: PIRES, Carlos;
GRINFELD, Renata; NATALÍCIO, Rafaella. Você sabe? A narradora não. Um projeto literário para
crianças: A mulher que matou os peixes, de Clarice Lispector. Revista Veras, v. 2, 2012.
3   Vamos marcar a fala da professora com “P” e as falas das crianças com “C1”, “C2” etc.

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C2: Ah, pra mim fica assim, talvez a história não seja tão real porque os ani-
mais não conseguem falar, Quase de verdade porque pode ser de verdade para
os animais e para gente, não.
C3: Eu acho que é Quase de verdade porque os animais têm esse sentimento
que ela falou aí no texto, só que eles não conseguem falar.
C4: Eu acho que é a mistura do real com o surreal. Que fica aquela coisa “su-
perssurreal” e também as coisas são um pouco reais.
C5: Por isso que chama Quase de verdade, porque mistura um conto de fadas
com a realidade.

Na fala dos alunos fica aparente a percepção desse mundo ficcional e do


“mundo real”, principalmente pela presença do cachorro, que assume de maneira
particular a voz narrativa principal, e de outros animais e elementos da natureza
(figueira) e da magia (bruxas) como personagens da história. Ao pontuar como
“surreal” ou “super-real”, é possível identificar um lugar de privilégio cultural pelo
contato com categorias que pertencem à esfera da alta cultura, embora seu uso
esteja em alguma medida disseminado socialmente.
A história do cachorro Ulisses e de sua dona, Clarice, propõe questões sim-
ples e complexas, perpassando “real” e fantasia, instauradas por meio de uma es-
crita lúdica: quase de verdade, quase de mentira, que muito condiz com o título.
Assim, quando os alunos apontam para esse arranjo da composição literária, per-
cebem a presença marcante dessa espécie de realismo mágico que aproxima as
crianças do texto, mas também, o que é fundamental, ao mesmo tempo é estabe-
lecido um estatuto problemático para a fantasia, pois como bem formula C3, eles
não conseguem falar. Tanto C2 como C3 pontuam o problema da perspectiva da
constituição daquele narrador e da atribuição de vozes aos personagens – ou, em
outros termos, apontam para o centro do qual toda a história se desdobra.
Na sequência, a partir da primeira frase do livro – “Era uma vez… Era uma
vez: eu!” –, os alunos foram questionados sobre quem era esse “eu” (narrador) e
o que diferenciava esse texto de outras histórias com que eles estavam acostuma-
dos, como os contos de fadas, por exemplo, já muito conhecidos por eles. Segue o
relato:

P: Quem é o narrador desse livro?


Crianças: É o cachorro, Ulisses!
C1: É como se ele estivesse contando uma história que faz sentido para ele.
C2: É, e daí ela vai escrevendo enquanto ele fala.
C3: Na forma que a Clarice escreve parece que o cachorro está falando a his-
tória.
C5: É que em todas as histórias é um narrador qualquer, e a outra coisa é que
nessa daí foi um cachorro e a história ficou bem diferente de todas as outras.

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Com essa declaração: “Era uma vez… eu”, logo no início, nos é apresenta-
da uma situação que ancora um narrador que faz uso da primeira pessoa. Essa
construção, assim, apresenta por meio desse “eu” certa dimensão subjetiva, ou,
em outros termos, certa dimensão subjetiva é assumida pelo cão Ulisses, que, no
entanto, “divide” com ou precisa da sua dona para dar voz às suas histórias, já que
ele late e ela “interpreta” esses latidos por meio da escrita. Clarice toma muito
cuidado para que o bicho, o cachorro Ulisses, no caso, não fale simplesmente, e as
crianças reverberam com perplexidade essa estratégia compositiva da autora. Ela
precisa dessa artimanha narrativa para de fato estabelecer essa dimensão “quase
de verdade” essencial para a verossimilhança que pretende construir – novamente,
em atrito com histórias em que os bichos simplesmente falam. As crianças C3 e C5
percebem exatamente isso formulando esse problema com precisão e de maneira
sofisticada. Os alunos, com efeito, apontam para esses nós na linguagem que a
autora estabelece. Eles formulam tranquilamente essa diferenciação entre esse inu-
sitado “eu” que corresponde ao cachorro Ulisses e às estruturas tradicionais que
estão ainda em boa medida habituados a ler – narradas, muitas vezes, em terceira
pessoa.
A “quase conversa” desse narrador se estabelece a partir de uma linguagem
mais coloquial, em tom de conversa íntima, “ao pé do ouvido”, com o claro intuito
de aproximar as crianças de sua narrativa, e assim criar uma relação de cumpli-
cidade entre escritor e leitor. Nesse contrato narrativo se coloca para seus leitores
como “pessoa grande”, ou como um diferente que, no entanto, compreende e res-
peita seus leitores. Essa cumplicidade começa a se estabelecer já no trecho: “Pois
não é que vou latir uma história que até parece de mentira e até parece de verdade?
Só é verdade no mundo de quem gosta de inventar, como você e eu”.

C2: Ela vai usando uma linguagem de criança, uma linguagem…


C3: Ficamos envolvidos nessa história.
C4: É porque ela está falando com você, como se você tivesse um papel.
P: Ah, parece que você tem um papel nessa história!
C5: Que você está falando com ela pessoalmente, que você está dentro da his-
tória.
C1: Eu sinto que eu sou tipo a Clarice, que está ouvindo ele, o Ulisses.
C2: Ela vai fazendo uma série de perguntas que você vai sentindo vontade de
respondê-las…

As perguntas lançadas pela autora aos leitores é uma das estratégias bastan-
te utilizadas, central no dispositivo literário que a autora cria, o que promove ao
mesmo tempo uma identificação e um, digamos assim, encurtamento da distância
entre leitor e narrador, como rapidamente foi percebido pelos alunos no trecho

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acima. Essa forma dialogada, em uma segunda pessoa que convoca o leitor, ganha-
rá ainda mais centralidade nos livros posteriores de Clarice.
Outra estratégia utilizada pela escritora nessa mesma direção do encurta-
mento da distância narrativa com o leitor acontece por meio do uso ostensivo da
oralidade na construção de, por exemplo, onomatopeias: “Canta assim: pirilim-
-pim-pim, pirilim-pim-pim… Quando eu contar a história vou interrompê-la às
vezes quando ouvir o passarinho”, nos latidos de Ulisses: “Mas assim não. (Au, au,
au)”.
Esse elemento foi rapidamente identificado pelos alunos durante a conversa:

P: O patati, patata, o que quer dizer?


C1: É tipo blá, blá, blá.
C2: Que imita o som.
P: Que eram as onomatopeias, lembram que já estudamos em L.P.?
P: Aqui tem várias delas: “Pirilimpim pim”… Por que ela faz isso? Por que ela
escreve os sons? Para quê?
C3: Para caracterizar… Para deixar o texto mais bem escrito.
P: Mais bem escrito em que sentido?
C4: Para chamar mais nossa atenção…

Curiosamente a criança C4 percebe o uso que Clarice faz das onomatopeias


nesse livro em momentos em que a tensão narrativa diminui e ela precisa lançar
mão de outros recursos para prender a atenção do leitor. Ou, em outros termos, ela
aponta para momentos da trama em que é preciso “chamar mais nossa atenção”.

O mistério do coelho pensante

O livro O mistério do coelho pensante foi escrito, segundo Clarice na apre-


sentação, “a pedido-ordem de seu filho Paulo”, que estava farto de ver a mãe es-
crevendo para adultos e queria uma história para ele sobre seu coelho. O enredo
tem como centro o coelho Joãozinho, que cheirava ideias e inventa uma maneira
de sair de sua jaula quando não há comida. Como isso acontece, no entanto, ou o
“mistério” efetivo do livro, o narrador, como dito, não consegue resolver.
Clarice inicia essa história com um “recado íntimo” aos leitores, permitindo
que o mesmo sinta-se convidado a interagir. Esse recado íntimo é uma estratégia
em que autor e leitor dividem, de certa maneira, o mesmo espaço, em uma incor-
poração do leitor como parte fundamental de sua narrativa. E, a conversa em sala
de aula inicia-se:

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P: Essa história é específica para alguém?
Crianças: Para o Paulo, o filho dela. Ela diz logo no começo do livro.
P: Clarice faz qual provocação para nós, leitores, logo no começo?
C1: Ela deixa a gente curioso.
C: Ela deixa a criança à vontade durante a história.
P: E como ela faz isso? Como deixa as crianças à vontade?
C2: Ela vai conversando com a gente.
P: E como, de que forma ela conversa na história?
C3: Ao invés de ser só um narrador contando uma história que aconteceu, ela
meio que vai conversando, fazendo perguntas.
P: E por que será que ela faz dessa forma, usando esse recurso? É por acaso?
Porque a gente já viu, no livro Quase de verdade que tinha essa linguagem de
conversa, né?
Crianças: Tinha!!!
C4: É o estilo dela e te entretém na história, aí você para e fica pensando: nos-
sa, que legal, e assim continua lendo. E é mais fácil de entender.
P: Será então que podemos dizer que esse é um recurso para “prender” a aten-
ção do leitor?
Crianças: Sim.

Os trechos acima deixam claro como as crianças identificam as marcas tão


peculiares dessa escrita, como a ênfase na oralidade e na troca de experiências, que
acontece de maneira dialogada. Clarice apresenta ao pequeno leitor um outro nar-
rador, diferente em boa medida de Quase de verdade e em alguma medida comum
em sua escrita para adultos. E, também, uma nova possibilidade de leitura, a do
leitor ser chamado, digamos assim, para dentro da narrativa, e ser, como as crian-
ças colocaram, uma espécie de personagem nessa construção narrativa. Percebe-se
que, a partir das questões lançadas em tom coloquial a todo o momento ao leitor,
os alunos conseguem perceber determinadas características que efetivamente es-
tão presentes em suas obras e são marcas da autora.
A escolha de bichos como personagens centrais apresenta-se como mais
uma das estratégias nesse dispositivo onde a autora reverbera, de maneira particu-
lar, sentimentos, ações e sensações de seres humanos nos animais, mantendo, no
entanto, estes em boa medida como bichos. Segue mais um momento da roda em
que isso é posto:

C1: Ela usa uma linguagem que é próxima das crianças, com os animais.
C2: Ah, o coelho pensa mexendo a nariz! E na verdade ele fareja usando o
nariz!
P: O que a Clarice faz nessa hora? O que ela dá para o personagem?
C2: Uma característica humana. Eu acho que para gente ficar mais perto do
livro ela usa o coelho pra sentir o que a gente sente e pensa.
P: Eu também acho (risos).

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Em diversos momentos o narrador prolonga o diálogo, sugere imagens,
pede para a criança pensar, imaginar, antes de colocar o elemento que desencadeia
a continuação da história, proporcionando ao leitor um tempo particular dentro
desse espaço imaginário. E, nesse contexto, durante a leitura, os alunos percebem
essa intencionalidade configurada na linguagem literária:

P: Qual a linguagem da autora nesse livro? O que quero dizer é, de que forma
ela escreve essa história?
C2: Ela conversa com a gente, uma linguagem que prende a nossa atenção,
que mistura a realidade com a fantasia, a ficção com coisas imaginárias. Igual
quando lemos Quase de verdade.
P: E o que podemos perceber de semelhança e diferença entre esses dois livros
que já lemos?
C3: Ela vai fazendo uma conversa, usando perguntas para prender nossa aten-
ção.
P: E você, C4, o que achou dessa história?
C4: Gostei muito, dá muita curiosidade. Clarice sempre faz isso.
C5: É meio como se ela jogasse uma brincadeira pra gente continuar pensando
depois.

É de extrema importância a comparação feita pela C2 entre o livro Quase


de verdade, lido anteriormente, e O mistério do coelho pensante. Uma relação que
só se faz possível pelo fato de existir nas quatro obras analisadas da autora uma
marca de construção literária consistente e intencional onde as escolhas mantêm
uma continuidade, possibilitando tal comparação – e, dessa maneira, permitindo
a reflexão sobre as diferenças das obras. C4, quando declara “Clarice sempre faz
isso” caminha nessa direção, uma vez que essa fala demonstra, além da intimidade
com a autora, uma percepção das marcas presentes nos livros lidos até então. A
diferença entre os livros, no entanto, aparece ainda pouco nessas falas, só por meio
dessa voz narrativa que acontece de maneira mais, digamos assim, direta, ou sem
passar pelo cachorro Ulisses.
Clarice também se diferencia de boa parte da tradição literária por não solu-
cionar o mistério, como dissemos antes, o que geralmente não acontece em outras
obras infantis e mesmo adultas. Essa foi uma questão decisiva para o próximo
momento da conversa:

P: Geralmente, quando lemos histórias de mistério, suspense, esperamos que


sejam resolvidas. Esse mistério é resolvido?
C1: Não foi resolvido, mas dá para imaginar…
C2: Eu queria descobrir!
P: Certo, ela não revela o mistério, mas o que ela propõe?
C1: Dá pra imaginar porque a gente fica tentando resolver o mistério quando

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o livro acaba, ela quer que a gente pense sobre o mistério.
P: E a Clarice faz isso em que parte da história? Essa proposta para o leitor?
Crianças: No começo!
P: Mas vocês gostaram da história mesmo ela não tendo escrito o final?
C3: Eu gostei porque a história é muito legal de ler inteira…

O que vemos aqui, por meio das reações de alguns alunos, é que houve uma
“desestabilização” inicial com a ausência de um final que revele o mistério. Inicial
porque, não obstante, essa desestabilização não diminuiu para as crianças o inte-
resse pelo texto.
Durante suas histórias, ela volta a assuntos já iniciados, depois de longos
desvios para fazer mais algum comentário, de caráter pessoal, ou seja, comentários
que apontam para o que seriam traços da autora por meio da revelação de seus
gostos pessoais. Os trechos se complementam sem que tenham uma relação ime-
diata de causa e efeito na elaboração narrativa:

C1: Às vezes ela interrompe a história, por exemplo, quando ela diz: vamos
mudar de assunto.
C2: Eu acho que nessa parte é porque ela não gosta tanto do assunto, aí ela
fala: vamos mudar esse assunto!
P: Será que é sempre por isso? Toda vez que ela não gosta do assunto anterior
ela resolve mudar?
C3: É para dar mais curiosidade pra gente…
P: Quando ela faz isso pensamos o quê?
C3: Ai, meu Deus, qual será que vai ser o próximo assunto…
C4: Eu acho que ela sempre gosta de contar um pouco dela…
P: Eu também acho! Essa autora cria uma relação muito próxima de nós,
leitores, né?

A observação levantada por C1 demonstra como os alunos, mesmo utili-


zando termos próprios de identificação como, por exemplo, nos dizendo que “ela
muda muito de assunto”, apontam para uma característica muito presente na obra
de Clarice: a quebra, ou fragmentação narrativa, algo que ela deixará ainda mais
potente em livros como A mulher que matou os peixes. Dessa maneira vemos na
produção literária da autora uma opção pelo não didatismo, pelo trabalho com a
linguagem e por perspectivas inusitadas e modernas de constituição do narrador.

A vida íntima de Laura

Em A vida íntima de Laura (1974), terceira obra da autora publicada para


crianças, o diálogo entre narrador e leitor é estabelecido também a partir da cons-

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trução de certa intimidade e, ainda, de uma maior fragmentação narrativa. Laura
é uma galinha cuja intimidade é vasculhada e, enquanto o leitor conhece a perso-
nagem principal, isso se torna, de certa maneira, um convite para ele conhecer-se.
Aliás, já na abertura do livro, Clarice aciona a possibilidade de revelar segredos e
desvendar aspectos mais subterrâneos da realidade e dos personagens que a habi-
tam, o que, no dispositivo da autora, acaba por incluir, no limite, o leitor.
Entre as obras que compõem a literatura para crianças de Clarice, arrisca-
mos dizer que essa foi uma das que alcançaram maior êxito na tentativa de a autora
convidar os alunos a entrar nessa construção narrativa. Durante a leitura em sala
de aula, verificou-se uma interação e maior identificação com a história, o que não
consideramos propriamente surpreendente, pois essa foi a terceira leitura de livros
de Clarice.

P: Mas será que, para a maioria das pessoas, principalmente aquelas que não
conhecem a obra dessa autora, fica tão simples adivinhar que a personagem
Laura será uma galinha?
Crianças: Não!
C1: Mas como nós já lemos dois livros dela, a gente consegue adivinhar que a
Laura é uma galinha porque ela sempre usa os animais como personagens. É
uma característica dos livros dela!

Verifica-se no trecho acima que os alunos identificam logo no início da con-


versa os bichos como sendo os personagens principais dessa narrativa. Esse fato
acontece pois vivenciaram a leitura das outras obras, o que facilita essa imediata
percepção, confirmando que aos poucos os alunos percebem as marcas da autora
como escolhas intencionais de escrita. Embora o uso particular feito dos animais,
em atrito com histórias mais tradicionais para crianças, não tenha sido discutido
pelas crianças nesse momento.

C1: É como se a gente já se conhecesse há bastante tempo!


P: Logo no início do livro ela fala: “Dou-lhe um beijo na testa se você adivi-
nhar. E duvido que você acerte! Dê três palpites!” Que linguagem é essa?
C3: É uma conversa com você! Parece que eu conheço ela faz um tempão…

Essa atmosfera carinhosa, que cativa os leitores, se dá em diferentes mo-


mentos de sua literatura. Desse modo, o narrador fica em uma posição frontal em
relação à criança, forjando proximidade, ou colocando a criança na posição de
cúmplice da narrativa. Clarice de fato elabora uma estratégia de recepção de seu
texto nessa maneira de partilhar a narrativa com o leitor. Ela abre espaço para o
leitor participar, ou o inclui de fato nessa estrutura narrativa, e o coloca na posição
de preencher as lacunas do texto.

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P: Quando já lemos alguns livros, por exemplo, de uma mesma autora, conse-
guimos perceber o jeito, a forma, o estilo de ela escrever?
C1: Sim!
P: Como Clarice faz nesse livro que acabamos de ler?
C1: Ela conversa com você.
C1: Ela sempre faz perguntas, que nem aquela parte que ela faz uma pergunta
e não responde, que ela também não sabe de tudo…
P: O que ela quis dizer quando escreveu: “… quem conhece bem Laura é que
sabe que Laura tem seus pensamentozinhos e sentimentozinhos…”.
C3: Ela termina as palavras com INHO…
P: São diminutivos, né? Será que teve alguma intenção dela em usar diminu-
tivos?
C4: Acho que é pra dizer que ela não é muito sabida, porque tem poucos pen-
samentos…
C5: Que os pensamentos da galinha não são tão importantes…

A fala dos alunos indica a constatação da função dada a essas expressões


usadas por Clarice, e assim percebem que, ao serem utilizadas dessa maneira, cau-
sam o efeito esperado pela escritora nos leitores. São escolhas intencionais para
descrever a personagem principal que apontam para um lugar bastante particular
dos animais na trama narrativa, como argumentamos antes.
A conversa acerca das características da galinha continua, mas ganhará uma
nova análise, pois os alunos agora complementam com questões envolvendo as-
pectos morais, entre outros, que revelam certo desconforto, o que aponta para o
centro do dispositivo literário elaborado pela autora.

C1: Eu achei estranho quando ela fala que a Laura é bastante burra.
P: Por quê? Eu percebi mesmo enquanto lia que vocês fizeram caras estranhas
e alguns até falaram “nossa…”
C1: Sei lá, meio raro achar isso assim escrito nos livros, porque não estamos
acostumados a ler esse tipo de frase nos livros, usar a palavra burra, assim…
P: Explica-me melhor isso de ser raro, estranho…
C1: Porque geralmente os escritores costumam usar uma linguagem mais for-
mal, no caso dela, o jeito que ela escreve fica normal porque parece que é uma
conversa mesmo, que ela está contando pra gente.

A autora, em sua construção literária, não quer dar lições de moral, nem
tratar as crianças como adultos, quer propor-lhes conversas, acolhendo-as e, as-
sim, demonstrando seu respeito por elas. É importante notar aqui ainda a maneira
como a criança problematiza o registro oral muito particular que Clarice procura
imprimir nesses diálogos, novamente iluminando o centro dessa elaboração li-
terária que se dá em contraste com uma literatura que é mais comum para essas
crianças.

228
No trecho a seguir, a discussão continua seguindo o mesmo percurso:

P: Quando ela diz, por exemplo: “… os humanos são muito complicados por
dentro”. O que ela quer dizer com essa expressão: “complicado por dentro”?
Que tipo de conversa ela quer estabelecer com o leitor?
C1: Ah, discutir como a gente é por dentro, como são os nossos pensamentos,
o que a gente sente…
C2: Ela sempre conversa sobre alguns assuntos com a gente…
P: Mas durante essas conversas, ela tenta dizer o que é certo ou errado?
C2: Acho que não, ela faz só a gente pensar… Quando ela diz: o que vale é ser
bonito por dentro…, ela só quer que a gente pense nisso…

Evidencia-se, então, nas falas dos alunos, mais uma vez, uma apreciação
sobre o conjunto das obras lidas. E uma problematização do papel da descrição e
do tipo de reflexão proposta pelo narrador, onde o objetivo, por sua vez, não está
nas lições de moral, e sim, ao que parece, em uma “apresentação” de uma realidade
complexa, com impressões dele (narrador) a respeito do mundo.
A intensidade e o exagero de que a autora lança mão em muitos momen-
tos, centrais nesse dispositivo literário que busca desconstruir uma literatura para
crianças mais tradicional, aparecem como problema aos olhos de alguns alunos:

C1: Às vezes ela dá uma forçada!


P: Como assim “forçada”, C1?
C1: Ah, ela sempre fala da morte, exagera nos sentimentos…
P: Então, pensando no que C1 nos disse, podemos dizer que Clarice é intensa
na sua forma de escrever? Ah, eu até me lembro, logo no começo do livro que
você, durante minha leitura, disse: “nossa que exagero”. O que ela estava fa-
zendo mesmo?
C1: Sim, eu disse isso quando ela fala que a galinha deve ter sentimentos iguais
[às de] uma caixa de sapatos, depois quando ela fala que vai contar uma coisa
terrível…

A mulher que matou os peixes

Na leitura deste último livro da autora, que nos parece o mais complexo,
foi possível perceber nas falas dos alunos uma identificação clara das marcas de
autoria, assim como uma reflexão sobre os aspectos constitutivos desse disposi-
tivo literário que Clarice cria. Percebemos que nas primeiras leituras os alunos
vivenciaram de fato um estado de profunda descoberta. Já durante essa última lei-
tura a relação com o livro e com essa autora figurada nessa estratégia narrativa foi
um pouco diferente, pois a cada momento os comentários dos alunos apontavam
tanto para confirmar elementos antes identificados como para explorar essa nova

229
configuração desse dispositivo. Por vezes os alunos lançaram mão de estratégias
comparativas para evidenciar aspectos de suas reflexões efetivamente literárias.
Clarice aparece, digamos assim, ficcionalizada nessa construção, contando
casos de sua vida com bichos com o objetivo de provar sua inocência em relação
à morte dos peixes, ou procurando provar que não foi um ato proposital para,
dessa forma, conseguir o perdão do leitor ao final da narrativa. A sintonia com os
leitores é obtida a partir do endereçamento da confissão da narradora direto a eles.
Segue abaixo um primeiro trecho da conversa da professora com os leitores:

P: O que Clarice faz logo no início do livro?


C1: Eu acho que quando ela fala: “Dou minha palavra de honra… Mas pro-
meto que no final do livro…”, ela faz isso já para te envolver na história. Como
ela já fala no começo que matou os peixes, ela resolveu escrever logo que gosta
dos bichos, que ela é de confiança, doce, pra gente também ter um bom pensa-
mento de que foi sem querer, conseguir perdoá-la.
P: Olha só o que ela já diz no 3o parágrafo, que ela fez uma crueldade…
C2: Mas, tipo assim, ela não matou o peixe por querer…

Nesse contexto verificamos que os alunos identificam claramente a intencio-


nalidade da autora no sentido de chamar a atenção do leitor ao revelar seu crime,
e consequentemente sua tentativa bem-sucedida no exemplo acima de estabelecer
uma relação de cumplicidade com ele. No decorrer da narrativa percebemos que
os alunos não veem a autora como uma “assassina”, mas como alguém que fez uma
ação não propositadamente e que merece ser perdoada. De qualquer maneira, as
crianças conseguem estabelecer certa distância da estratégia de sedução que a au-
tora constrói ou, no mínimo, verbalizar como funciona essa estratégia.

P: E quando ela diz: “Mas prometo que no fim do livro contarei a vocês…”, o
que ela quis com isso?
C1: Criar curiosidade…
P: Que parte ela quer criar essa curiosidade? Lê para mim, por favor? (nesse
momento as páginas do livro estão escaneadas e projetadas no telão da sala)
C2: Quando ela fala “fim do livro”…
P: Isso mesmo!
C3: Só no fim do livro, aí a gente vai ter que ler o livro todo para poder desco-
brir o que aconteceu, e aí cria curiosidade…
P: Ela faz isso em algum outro livro?
C4: O mistério do coelho pensante!
P: Ela cria uma curiosidade, ela lança uma questão no livro e ainda diz que
vocês só terão a solução no final. Essas são algumas marcas da Clarice como já
conversamos, e são intencionais, certo? Mas saber a resposta no final vira um
objetivo central para ela?

230
C5: Não!!
C6: Eu acho que o objetivo central dela é contar histórias! Esse é mais uma
forma de ela contar uma história legal!

Percebemos como os alunos identificaram essa marca comum na obra da


autora: criar um clima de curiosidade e cumplicidade que se dá na trama narrativa.
E é curioso como isso acontece, já que a autora quebra de saída a expectativa em
relação a um gênero de mistério e estabelece a curiosidade da criança em outro
patamar nessa história de um suspense que já foi em boa medida revelado. As
crianças, de qualquer maneira, se veem instigadas a acompanhar a leitura com
muita atenção. Clarice consegue manter uma sedução que intriga as crianças, esta-
belecendo, mais uma vez, um contrato narrativo particular. A última declaração da
C6 nos dizendo que o objetivo da autora é contar histórias nos faz confirmar que
os alunos já identificam essa como uma estratégia de sua escrita, o mistério revela-
do em parte no início é secundário, o que está em jogo realmente são as histórias e
a troca particular de experiência que elas possibilitam.
Clarice, em determinada passagem do livro, escreve: “Se vocês gostam de
escrever ou desenhar ou dançar ou cantar, façam porque é ótimo: enquanto a gente
brinca assim, não se sente mais sozinha, e fica de coração quente”. A partir desse
trecho a conversa continua:

P: Vou ler novamente um trecho do livro (professora faz a leitura do trecho


acima) e quero que vocês me digam se algo chama atenção para vocês.
C1: Quando ela fala: “Se vocês gostam de escrever ou desenhar…” Nossa, isso
é como uma dica de amigo!
C2: Porque os amigos trocam ideias, experiências…
C3: É uma forma de ela criar mais amizade ainda com o leitor, aproximar
mais ainda…
C4: Eu acho que toda hora ela vai querendo ficar mais seu amigo…
P: Ah, então vocês acham que a amizade vai aumentando no decorrer do livro?
C5: Vai aumentando nossa amizade com ela pra quando chegar ao final do
livro a gente poder perdoá-la, porque no começo do livro ela falou que quando
a gente chegasse ao final do livro a gente talvez tivesse perdoado… Então ela
vai falando com a gente, dando dicas, ficando mais amiga e próxima…Mas
meio que tentando enrolar a gente até a gente tentar perdoá-la!

Clarice de fato estabelece uma linguagem, e uma construção narrativa, ba-


seada na troca de experiências. Faz isso ao mesmo tempo que abre espaço ou deixa
lacunas para as crianças completarem de maneira pessoal. Esse aspecto se cons-
titui deliberadamente e, podemos supor, pensando com C5, como uma estratégia
utilizada por Lispector para “enrolar a gente e perdoá-la no final”. O encurtamento

231
da distância narrativa é notado com precisão por C3: “criar mais amizade ainda
com o leitor, aproximar mais ainda…”. Ele verbaliza como isso é tramado ao mes-
mo tempo por meio de uma estratégia afetiva e da constituição desse narrador
frontal, digamos assim, que se dirige diretamente ao seu interlocutor.

Considerações finais

Nos quatros livros para crianças de Clarice Lispector escolhidos para esta
investigação, é possível perceber como a conversa com o leitor, por meio dessa
construção textual específica, se coloca de fato como central. Isso associado a um
tom oral na linguagem, os problemas configurados, a maneira como a autora com-
bina real e fantasia conferem a importância da obra da autora e abrem, com efeito,
um novo campo simbólico de possibilidades na literatura para crianças no Brasil.
Esse dispositivo literário que Clarice Lispector forja acontece também por meio do
atrito com uma produção para crianças e jovens mais, digamos assim, tradicional.
Com a relevância literária posta em todo o seu processo e não apenas em um final
onde se descobre algo, ou se resolve um mistério. A autora desenha uma clara es-
tratégia para quebrar expectativas óbvias ou romanescas de resolução de questões,
e reestabelece a tensão narrativa, como dito, em outro patamar.
Essa investigação, ou o breve recorte que apresentamos acima, apontou
para alguns caminhos de como as crianças se aproximaram dessas construções
literárias complexas. Ao longo das leituras, elas foram identificando essas marcas
literárias à medida que foram refletindo sobre o que esses livros apresentavam e,
principal, percebendo “como” isso se dava na linguagem. Acreditamos que o vín-
culo criado por esse narrador, ou por esse encurtamento da distância narrativa que
se dá por meio dessa forma dialogada, gera um espaço generoso para as crianças
se situarem e estabelecerem uma troca particular de experiências. Esse processo
possibilitou também a realização em muitos momentos de relações intertextuais
entre os quatro livros, bem como com outros tipos de narrativas. Ou permitiu, de
fato, que os alunos refletissem sobre os textos por meio de comparações literárias,
atentos efetivamente às construções narrativas.
Para tanto, foi imprescindível apontar para as crianças aspectos do “como”
esse dispositivo foi armado. Isso se deu de maneira mais efetiva por meio, muitas
vezes, das próprias observações que elas faziam, usando para promover as refle-
xões a linguagem que elas traziam. E, o que é essencial, chamando atenção para
esses aspectos na própria armação da linguagem para que os alunos não fiquem
apenas no plano da troca de vivências, o que já seria proveitoso, mas não garantiria
necessariamente uma compreensão mais complexa das estruturas textuais, ou não
promoveria uma aprendizagem literária propriamente dita.

232
Referências bibliográficas

GOLDIN, Daniel. O dia e os livros. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.


HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: História & histórias.
São Paulo: Ática, 1984.
MORTATTI, Maria do Rosário Long. Na história do ensino da literatura no Brasil: proble-
mas e possibilidades para o século XXI, Educar em Revista, n. 52, p. 23–43, 2014.
LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1983a.
______. A vida íntima de Laura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983b.
______. Quase de verdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
______. O mistério do coelho pensante. Rio de Janeiro: Lendo e Aprendendo, 2009.
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel. Literatura e pedagogia: ponto e contraponto. São
Paulo/Campinas: Global/ALB, 2008.

233
Parte II
Literatura para crianças e jovens,
mercado editorial e crítica literária
O “boom” da literatura para crianças e jovens
ocorrido a partir da década de 1970 –
alguns pontos para reflexão e análise1

Lenice Bueno

Sobretudo a partir dos anos de 1970, com o chamado boom da


produção de livros para crianças e jovens, tem-se – a despeito da
persistência da literatura infantil de caráter pedagogizante e de qua-
lidade questionável – a consolidação dessa tendência esteticizante da
literatura infantil brasileira.
Dessa versão recorrentemente retomada por outros pesquisadores,
pode-se depreender como uma das características apontadas na
produção de literatura infantil brasileira sua oscilação entre gênero
didático ou gênero literário e o correspondente esforço de superação
do didatismo em favor da literaridade.
MORTATTI, 2001, p. 180

Primeira parte: contexto histórico

É amplamente conhecido por todos que estudam a literatura para crianças e


jovens no Brasil que o final da década de 1960 inaugurou uma verdadeira explosão
no mercado de livros para esse público, que ficou conhecida com o significativo
nome de “boom” da literatura infantil.
Desde o final dos anos 1960 e durante toda a década de 1970, um número
expressivo de autores, alguns consagrados pelo público adulto, outros estreantes,
começou a publicar literatura para crianças e jovens, num ritmo e com uma varie-
dade de estilos e gêneros jamais experimentados antes no Brasil.
Esse movimento não só promoveu a recriação de uma literatura de expres-
são nacional, mais moderna e identificada com uma nova imagem de criança,
como também a valorização do autor brasileiro, abrindo para escritores e ilustra-
dores a possibilidade de viver de sua profissão – algo quase nunca visto antes em
nosso país.

1   Artigo elaborado a partir do trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação em Alfabeti-


zação, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, “A literatura para crianças publicada no Brasil
de 1970 a 1980”, com orientação do Professor Carlos Pires, em outubro de 2017.

237
Criou-se, assim, além do prestígio social, um sólido mercado para os livros
infantis e juvenis, que existiu de forma intensa e continuada até bem recentemente,
o que nos passou a impressão de que existia no Brasil um espaço firme e consolida-
do para os livros destinados a esse público. Uma ilusão que, infelizmente, quase se
dissipou assim que foram interrompidas as compras por parte do governo federal,
no final de 2015.
A longa duração desse processo – foram mais de quarenta anos de cresci-
mento ininterrupto! – também causou a falsa impressão de que ele ocorreu sem
nenhuma solução de continuidade.
Olhando mais de perto, porém, vemos que podemos dividir esse período
em pelo menos duas fases: a que vai da explosão inicial do mercado até sua conso-
lidação, durante a década de 1990, e a fase de expansão que ocorreu principalmen-
te na entrada do novo século.
Dentro dos naturais limites de espaço, este artigo foi escrito com o propósito
de:
1. Elencar os fatores econômicos, políticos e sociais que confluíram po-
sitivamente para a ocorrência do boom e também possibilitaram – em
plena ditadura militar – o surgimento de obras portadoras de inovações
estéticas e ideias libertárias, divergentes do padrão moralista a que a
literatura para crianças, após a era Lobato, havia retornado.
2. Analisar rapidamente as características mais expressivas de algumas
das obras lançadas durante os anos iniciais do boom e a forma como as
ideias libertárias e a nova concepção de infância se transmutaram em
soluções estéticas, na linha do que afirma Antonio Candido:

[…] há na literatura níveis de conhecimento intencional, isto é, planejados


pelo autor e conscientemente assimilados pelo receptor. Estes níveis são os
que chamam imediatamente a atenção e é neles que o autor injeta as suas
intenções de propaganda, ideologia, crença, revolta, adesão etc. Um poema
abolicionista de Castro Alves atua pela eficiência da sua organização formal,
pela qualidade do sentimento que exprime, mas também pela natureza da
sua posição política e humanitária” (CANDIDO, 2004, p. 180).

3. Esboçar algumas hipóteses sobre o que, nos anos seguintes, ocorreu


com o projeto inicial que deu corpo a essa “nova literatura”: por que
motivo, das tendências presentes desde o momento inicial do processo,
algumas se estabeleceram solidamente, enquanto outras passaram para
segundo plano?

238
Trata-se, como se vê, de uma proposta audaciosa. Mas aqui estão apenas as
ideias iniciais de um projeto de estudo que continuo a desenvolver e a aprofundar.

As origens do boom

Nas sociedades modernas, especialmente quando desiguais e complexas


como a brasileira, nada acontece por acaso. Assim, a verdadeira explosão que os
livros para crianças e jovens experimentaram a partir da década de 1970 no Brasil
foi resultado de uma conjunção de fatores que prepararam e permitiram sua ocor-
rência.
Estudiosos do assunto, como Marisa Lajolo e Regina Zilberman, atribuem
essa explosão principalmente a dois tipos de interesse:
• por parte da sociedade, em melhorar nossos índices de leitura;
• por parte dos governos, em promover a indústria editorial e gráfica
(LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 122-123).

Na verdade, já no governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), medidas para


a promoção do livro e da leitura começaram a ser tomadas. JK promoveu um con-
junto de incentivos para as indústrias gráfica e editorial, com o intuito de redu-
zir os custos de papel e de impressão: abriu financiamentos para a importação de
maquinário para o setor gráfico, o que permitiu ampliar a indústria e melhorar o
aspecto material dos livros; isentou de impostos quase toda a cadeia produtiva do
setor; tomou medidas protecionistas para impedir a entrada do papel estrangeiro,
dando subsídios à indústria brasileira de papel (HALLEWELL, 2017).2
Por outro lado, desde a década de 1940 o Brasil estava vivendo um processo
de urbanização, que se tornou mais expressivo no final dos anos 1960. O cresci-
mento da classe média urbana contribuiu para desenvolver o interesse pela educa-
ção, pela informação, pela arte e pela cultura.
Mesmo após o golpe militar de 1964, a classe média continuou crescendo e
passou a demandar para seus filhos acesso à educação básica e universitária, vistas
como uma possibilidade de ascensão social.
As demandas cresciam mais rapidamente do que a capacidade dos governos
de atendê-las. A “solução” encontrada pelos militares foi, por um lado, incentivar
a abertura de faculdades particulares e, por outro, expandir o número de escolas

2   Atualmente, a imunidade tributária está prevista na Constituição Federal (1988), no artigo
150: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas a contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
VI – Instituir imposto sobre:
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

239
públicas por todo o Brasil. Data de 1971 a promulgação da Lei 5.692, a nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, que criava a divisão do ensino básico em 1o e 2o
graus e tornava ambos obrigatórios.
Paralelamente, durante a década de 1970 a leitura e o livro para crianças
conquistaram grande prestígio entre as camadas mais intelectualizadas da popu-
lação.
Foi a imprensa – talvez por sua característica rapidez na produção de con-
teúdos e sua ligação mais próxima com o público – o primeiro ramo editorial a
notar as novas oportunidades que o mercado oferecia.
A Editora Abril foi pioneira, criando em 1969 a Revista Recreio. Escritores,
jornalistas, artistas gráficos, cartunistas reuniram-se em torno da revista, dirigida
originalmente por Sonia Robatto e, depois, por Ruth Rocha. Aproximaram-se em
busca de trabalho e espaço para escapar da censura da ditadura militar. Foi assim
que muitos começaram a se dedicar a produzir para crianças e se definiram profis-
sionalmente por esse caminho.
Quase todos esses artistas jamais haviam produzido para o público infantil.
Vinham do mercado adulto e, com esse background, trouxeram novas ideias, mais
arejadas, mais modernas que as que dominavam as publicações para crianças.
Foi assim que a Revista Recreio se transformou num importante polo criati-
vo e difusor de novas propostas estéticas, tanto de texto quanto de imagens. Valen-
do-se de recursos de impressão modernos para a época, a revista era colorida, ale-
gre e adorada pelas crianças. Em 16 páginas, publicava passatempos desenvolvidos
a partir de histórias divertidas e leves, com personagens que apresentavam uma
nova imagem de criança (às vezes representada por animais antropomorfizados):
brasileira, urbanizada, irreverente, contestadora da autoridade dos adultos, nem
sempre bem-comportada para os padrões da época. A Recreio tornou-se tão po-
pular que chegou a vender 1 milhão de exemplares ao mês, nas bancas de jornal.3
Um outro ponto a destacar foi que, talvez por perceber a pressão social em
favor do livro e da leitura, ou por objetivos nacionalistas próprios, o governo mi-
litar incluiu na Lei 5.692 a recomendação de que as crianças e os jovens lessem
na escola obras de autores brasileiros. A lei não era muito clara sobre como isso
ocorreria, apenas incluía essa leitura como parte do currículo.
Essa foi a grande porta que se abriu para o texto literário na escola. Na ver-
dade, a sua presença na sala de aula, em si, não seria novidade. Há tempos estava
presente, de forma fragmentada, nos “livros de leitura”, nos livros para o ensino de
gramática e “do bem escrever” e em antologias de autores clássicos brasileiros. A

3   Informação retirada de entrevista de Ruth Rocha, em entrevista à Revista Crescer, disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=pO2UfvUAZJw>. Acesso em: mar. 2019.

240
grande diferença era sua entrada como objeto autônomo, cujo suporte, na forma
de livros individualizados, lhe dava o caráter de “obra autoral”, escrita e publicada
especialmente para o público infantojuvenil.
A consequência foi o aumento da demanda de livros destinados a crianças
e jovens, o que foi benéfico não só para as editoras, mas também para os profissio-
nais da área. Surgiu assim um mercado fértil e duradouro, que ofereceu a muitos
escritores e artistas gráficos possibilidades reais de profissionalização.
Os profissionais dessa geração, entretanto, em oposição ao moralismo ca-
racterístico da geração anterior de escritores, foram responsáveis pela criação de
um estilo e de princípios que durante muitos anos exerceram influência sobre a
produção editorial para o público infantil. Eram ideias que davam à criança o pro-
tagonismo, em narrativas que tematizavam suas questões pessoais diante da vida,
incentivavam a rebeldia contra tiranos de todo tipo, exprimiam valores da socie-
dade urbana e associavam a linguagem coloquial a uma sofisticação literária rara-
mente encontrada nos livros para essa faixa etária. Além disso, a chegada de novos
ilustradores e artistas gráficos, portadores de estilos mais arrojados e modernos,
mudou para sempre a imagem do livro para crianças no Brasil.
Como foi que tudo isso ocorreu? Que condições sociais permitiram que,
durante os chamados “anos de chumbo” da ditadura militar, isso tenha acontecido?

A literatura para crianças e as ideias em circulação no Brasil na década de 1960

No final da década de 1960, o escritor e especialista em literatura para crian-


ças Leonardo Arroyo publicou o livro Literatura infantil brasileira (ARROYO,
2011[1968]), resultado de uma pesquisa pioneira sobre a história dessa literatura
no Brasil.
A pesquisa abrange desde o século XIX (especialmente meados desse sécu-
lo) até a era de Monteiro Lobato e termina com um rápido painel de como estava
a situação da literatura para crianças no final da década de 1960. Foi realizada com
base em fontes variadas, dentro do que o autor encontrou disponível: desde catálo-
gos das primeiras e poucas editoras criadas no Brasil, a partir de meados do século
XIX, a relatos de leituras de infância retirados de obras de importantes intelectuais
brasileiros, entre eles Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Gilberto Amado e outros.
No prefácio de sua obra, Arroyo defende elementos que, segundo ele, de-
finem a qualidade nos livros para crianças. Vale a pena resumir suas colocações,
pois elas se constituem num apanhado das ideias que circulavam na época.
Para Arroyo, um bom livro deveria:

241
• levar em conta o gosto infantil, que ele considera “o único critério
válido em literatura infantil” […] seu valor fundamental, “como único
critério de aferição da literatura infantil”.
• guardar traços de oralidade, pois a “tradição oral” é a base histórica da
literatura para crianças.
• respeitar a inteligência da criança, pois, citando o educador argen-
tino Lorenzo Luzuriaga, Arroyo defende que só se tornaram clássicos
infantis (ou seja, eleitos pelas próprias crianças) os livros que não eram
portadores de um caráter moralizante e fingido e que não tratavam as
crianças como seres menos inteligentes.
• colocar o escritor em comunicação com a criança, compartilhando
com o pedagogo Anton S. Makarenko a visão de que a verdadeira litera-
tura “tem de ser humanista por defender sempre as melhores ideias da
humanidade”, negando “ao tom moralista qualquer função na literatura
infantil” e defendendo a presença nos livros de um “espírito travesso”,
como presente na obra de Lobato.
• ser escrito num estilo “concreto, com uma economia verbal capaz de
tornar visual a cena e tema focalizados” e que faça com que o escritor se
coloque no nível da criança (ARROYO, 2011[1968]).

Ecos do espírito do movimento da Escola Nova,4 essas eram algumas das


ideias que há anos circulavam nos meios educacionais brasileiros. É muito inte-
ressante notar não só quanto tempo levou para que manifestassem nos livros para
crianças, como também a forma como se fizeram presentes na literatura que emer-
giu na década de 1970.

4   Já em 1932, um grupo de 25 educadores havia lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que se considerava “o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o
empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores […] transferir do terreno administrativo
para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares”. De cunho altamente republicano
e humanista, esse documento defendia a educação pública única e laica para todos os brasileiros,
autônoma em relação a partidos e a interesses particulares. Essa educação deveria se voltar à “for-
mação integral das novas gerações” e considerava “a função educacional […] uma função complexa
de ações e reações em que o espírito cresce de ‘dentro para fora’, substitui o mecanismo pela vida
(atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola
e o centro de gravidade do problema da educação”. Era assinado por pessoas como Cecília Meireles,
Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, que, nos anos seguintes, travariam uma árdua
batalha pelo ensino público e, também, pela literatura infantil. In: Revista HISTEDBR. Disponível
em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: mar. 2019.

242
Tudo começou pela poesia

Já vimos como a Revista Recreio foi um marco para a divulgação de ideias


mais modernas sobre crianças e leitura na sociedade brasileira.
Entretanto, segundo as pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman,
a grande mudança na qualidade dos livros destinados a crianças se manifestou
inicialmente na poesia publicada a partir da década de 1960.
Essa nova poesia se caracterizava, segundo elas, pelo desaparecimento dos
“resquícios parnasianos” presentes em quase toda a poesia para a infância até en-
tão publicada no Brasil. Nela também se detectava a presença de “configurações
plásticas” sofisticadas, que proporcionavam um mergulho “num mundo de cores,
sensações, sinestesias” e a potencialização de “aliterações, onomatopeias, rimas in-
ternas”, além da “anticonvencionalidade da linguagem e do recorte de realidade”.
As mudanças na concepção do leitor a que era destinada também ficavam
evidentes, a começar pela ausência de “mensagens ideológicas”:

O texto fala de crianças, faz-se aliado delas, dá-lhes a palavra muitas vezes, e
sublinha sua fragilidade perante as normas do mundo, ao mesmo tempo que
salienta sua capacidade de rebeldia, criação e independência. […]
Numa outra perspectiva, a poesia infantil brasileira contemporânea com-
partilha com seus destinatários o olhar naïve e desarmado perante o mundo.
Esse desejo de naturalidade e ingenuidade descomprometidas com a civili-
zação parece exprimir-se frequentemente através de animais.

Lajolo e Zilberman também ressaltam a presença de características moder-


nistas nessa poesia, que incorporava a lição “de que o lirismo mais profundo pode
ser trabalhado através dos temas mais prosaicos e mais cotidianos” (LAJOLO; ZIL-
BERMAN, 1984, p. 145-150).
Em outras palavras, a nova poesia acrescentava elementos estéticos sofis-
ticados à literatura para crianças vigente no período. A origem dessa sofisticação
certamente se devia à chegada nesse mercado de escritores consagrados pelo pú-
blico adulto. Pois os poetas a que Lajolo e Zilberman se referem eram o português
Sidônio Muralha (A televisão da bicharada, 1962), Cecília Meireles (Ou isto ou
aquilo, 1964), Mario Quintana (Pé de pilão, 1968) e Vinicius de Moraes (A arca de
Noé, 1967), escritores altamente conectados com o que ocorria na literatura adulta
no mundo.
Simultaneamente ocorria a publicação de obras de Clarice Lispector (O mis-
tério do coelho pensante, 1967; A mulher que matou os peixes, 1968; A vida íntima
de Laura, 1974; Quase de verdade, 1978) que, embora escritas em prosa, eram por-
tadoras de forte conotação poética e de um trabalho estético cuidadoso.

243
É claro que a aceitação por parte do público se devia também ao ambiente
cultural mais refinado que vigorava no período. Mas não se pode negar que a pu-
blicação dessas obras exerceu influência sobre o trabalho dos escritores que vieram
em seguida e que se dedicaram especialmente ao público infantojuvenil.
Um exemplo é Lygia Bojunga, que num curto período de tempo publicou
um conjunto de obras inovadoras, como Angélica (1975), A bolsa amarela (1976),
A casa da madrinha (1978), Corda bamba (1979) e outras; nessa linha estão tam-
bém João Carlos Marinho, com O caneco de prata (1971) e demais livros da série,
e Edy Lima, com a série iniciada por A vaca voadora (1973).
Todos esses escritores pareciam também influenciados pelas ideias defendi-
das por Arroyo: traziam à tona temáticas retiradas do universo infantil; levavam
a sério a inteligência da criança e a consideravam como um interlocutor à altu-
ra; buscavam conversar com o leitor, trazendo-o para dentro da obra; apresenta-
vam um estilo econômico e direto. Porém, se essa literatura também apresentava
fortes características de oralidade, havia uma diferença fundamental em relação
à concepção tradicional de literatura oral apresentada por Arroyo: tratava-se de
uma oralidade construída de forma mais sofisticada, com procedimentos estéticos
modernos, que traziam para o campo infantojuvenil características da literatura
adulta.
Foi um período muito rico para a literatura para crianças, nada acostumada
a ousadias como a imaginação delirante de personagens, as gírias e as brincadeiras
com os gêneros narrativos presentes na obra de Lygia Bojunga; o humor sarcástico
e politicamente incorreto e as experimentações visuais de João Carlos Marinho;
o nonsense das histórias escritas por Edy Lima; as desconstruções provocativas,
que causavam estranhamento nos leitores, por parte de Clarice Lispector e, um
pouco posteriormente, de Ana Maria Machado (História meio ao contrário, 1978;
Bisa Bia, Bisa Bel, 1980; Bem de seu tamanho, 1981), e de Bartolomeu Campos de
Queirós (Onde tem bruxa tem fada, 1978).
Em 1979, agregou-se a esse grupo a escritora e jornalista Marina Colasanti
com seus contos de fadas (Uma ideia toda azul) primorosamente escritos, que re-
petiam a qualidade literária de seus trabalhos como escritora para adultos.
Houve outras obras, principalmente entre as publicadas a partir de mea-
dos da década de 1970, que trouxeram para primeiro plano as ousadias de cunho
ideológico: nelas, as crianças ou jovens eram sempre os protagonistas, e muitas
apresentavam uma inversão de valores que deixava os adultos a reboque, como em
A fada que tinha ideias (1972) e A curiosidade premiada (1978), de Fernanda Lopes
de Almeida, e Marcelo, marmelo martelo (1976), de Ruth Rocha.

244
Com o decorrer do processo de democratização do país, alguns livros pas-
saram a delegar grande poder político à criança, quer em narrativas no formato de
fábulas que lhe davam voz para resolver “problemas de adulto”, como em O reizi-
nho mandão (1978), O rei que não sabia de nada (1980) e O que os olhos não veem
(1981), todos de Ruth Rocha; quer na forma de dilemas relativos à realidade so-
cial apresentados a pré-adolescentes, como em Bento-que-bento-é-o-frade (1976) e
Raul da ferrugem azul (1979), de Ana Maria Machado.
Algumas obras tratavam desses mesmos assuntos, mas num estilo “realista”,
que não poupava os leitores de um contato duro com os problemas da sociedade
brasileira. Na verdade, esse tipo de livros ainda mereceria uma atenção especial
da crítica. Apesar de terem simplesmente sido classificados como obras “realis-
tas”, havia uma clara diferença entre o trabalho de diferentes escritores. Entre eles,
Odette de Barros Mott (Justino, o retirante, de 1970, e A rosa dos ventos, de 1972,
ambos juvenis) e Wander Piroli (O menino e o pinto do menino, 1975, e Os rios
morrem de sede, 1976), por exemplo, embora ambos enfocassem questões relativas
às mudanças sociais por que passava o país, ou Mirna Pinsky que, com Zero-Zero
Alpiste (1978) e Nó na garganta (1979), levantava questões relativas a gênero e
identificação racial muito antes de Esses assuntos estarem em voga. É interessante
notar que, no decorrer dos anos do boom, livros com esses tipos de temática foram
praticamente esquecidos, a ponto de desaparecerem das chamadas “listas de ado-
ção” das escolas, antes mesmo do final da década de 1980.
Um ponto importante a destacar é a ocorrência, em número menor, mas de
forma muito significativa, de obras que apresentavam inovações estéticas do ponto
de vista visual, tanto nas ilustrações quanto no uso das cores ou na incorporação
de elementos de outras mídias, como balões de fala ou ilustrações no estilo cartum.
Bons exemplos são A curiosidade premiada (1978) e Pinote, o fracote, e Janjão, o
fortão (1980), ambos de Fernanda Lopes de Almeida e com ilustrações do cartu-
nista Alcy.
Uma proposta visual mais ousada se manifestou em Flicts, de Ziraldo (1968),
em que as cores se transformavam em personagens e as palavras e a tipologia uti-
lizada cumpriam um papel importante no design. A mesma concepção embasou,
mais tarde, o livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque (1979), com um pro-
jeto gráfico e ilustrações de autoria da artista Donatella Berlendis, que humilde-
mente identificou o próprio trabalho apenas como de “planejamento gráfico”, mas
que deu ao texto uma dimensão interpretativa muito mais ampla. Tratava-se de
livros que apresentavam experimentações estéticas envolvendo o diálogo entre
texto, imagem e design, influenciadas por ideias que surgiam e se desenvolviam
fora do Brasil, que consideravam o livro ilustrado como um objeto artístico.

245
Entretanto, embora Flicts e Chapeuzinho Amarelo tenham permanecido dis-
poníveis no mercado e a ilustração tenha passado a ser um elemento estético cada
vez mais importante na literatura para crianças, a não ocorrência, até a década de
1990, de novos lançamentos nessa linha é representativa do processo que ocorria
com os livros infantis, cada vez mais vistos por autores, editores e escolas como
objetos destinados a ensinar a ler o texto escrito.
O mesmo processo ocorreu as narrativas realizadas apenas por meio de
imagens, como os livros do artista plástico Juarez Machado, autor de Ida e volta
(1976). O fato de se achar, na época, que livros sem texto se destinavam a bebês ou
a crianças que ainda não sabiam ler levou ao entendimento (equivocado) de que a
linguagem visual mais complexa dos livros de Juarez não era adequada a público
nenhum.
Enfim, apenas com essa rápida passagem pelos mais diversos estilos, pode-
-se perceber como se tratou de um período de grande riqueza e diversidade nas
publicações brasileiras destinadas a crianças e jovens.
Um aspecto interessante é que o ano de 1976 viu chegarem ao mercado as
histórias que Ana Maria Machado e Ruth Rocha haviam publicado originalmente
na Revista Recreio. As primeiras edições dessas histórias, por serem considera-
das “curtas” demais, ocorreram na forma de coletâneas. Elas só foram publicadas
como livros ilustrados autônomos depois do sucesso da Coleção Gato e Rato, de
Mary e Eliardo França, com livros assumidamente destinados à aprendizagem da
leitura, utilizando textos curtos e ilustrações coloridas.
Era mais um sinal do caminho preponderante que o livro para crianças e
jovens estava tomando e que se confirmou pela redução na diversidade das publi-
cações nos anos que se seguiram.
Foram necessárias mudanças conjunturais como a democratização do Bra-
sil e a globalização para que sinais de renovação se fizessem sentir e o mercado
editorial entrasse numa nova fase. Mas até aí, a ruptura já se havia configurado e,
por um bom tempo, a maior parte dos lançamentos passou a seguir um padrão
consagrado pelo mercado escolar.

Leitura, mercado e escola

Num país cuja história foi marcada pelo desenvolvimento tardio da im-
prensa – até a chegada ao Brasil da família real, a metrópole portuguesa proibiu a
impressão de livros no Brasil –, que foi um dos últimos da América a conceder o
direito à escola pública e gratuita e onde as injustiças sociais são tão gritantes, é de
se esperar que caiba à escola a principal responsabilidade sobre o trabalho com a
leitura.

246
Na verdade, a literatura para crianças no Brasil nasceu mesmo à sombra
da instituição escolar. Segundo Leonardo Arroyo, os primeiros livros datam da
segunda metade do século XIX, e eram escritos nos moldes do que ele chama de
“literatura escolar”: “A literatura infantil propriamente dita partiu do livro escolar,
do livro útil e funcional, de objetivo eminentemente didático” (LAJOLO; ZILBER-
MAN, 1984, p. 124).
Embora essa literatura tenha sido fruto das primeiras reações contra a im-
posição de livros portugueses para o ensino nas escolas brasileiras,5 os livros pu-
blicados no período constituíram-se em uma espécie de antepassados do livro di-
dático, quase sempre compostos por miscelâneas de textos variados, informações
fragmentadas sobre várias disciplinas, verbetes de enciclopédias e, eventualmente,
textos literários e poemas.
O fato é que a escola brasileira, desde suas origens, exerceu uma influên-
cia decisiva nas leituras oferecidas às crianças. O próprio Monteiro Lobato, para
conseguir que Narizinho arrebitado, precursor de Reinações de Narizinho, fosse
comprado para as escolas públicas, teve, segundo Arroyo, de “fazer concessões
à literatura escolar”, à Diretoria da Instrução Pública do Estado de São Paulo, e
incluir na página de rosto do livro a informação “Segundo livro de leitura para as
escolas primárias”, em 1921. Arroyo não esclarece que outras concessões foram
feitas, mas afirma que as mudanças foram revistas por Lobato nos anos seguintes,
à medida que ele foi se sentindo mais seguro de sua aceitação por parte do público
(ARROYO, 2011, p. 288).
Entretanto, essa atitude de Lobato – de ignorar os ditames da burocracia
educacional – é também reveladora. Pois, a partir do final dos anos 1930, mesmo
que a escola tivesse poder de determinar o que era ou não adequado às crianças,
outras instituições atuantes no âmbito da cultura passaram a exercer um contra-
ponto interessante a essa determinação. Um exemplo eram as bibliotecas públicas
que, desde 1936, com a fundação da depois nomeada Biblioteca Monteiro Loba-
to, funcionavam muito bem, especialmente no estado de São Paulo, registrando a
frequência assídua de muitas crianças leitoras, que vinham de bairros distantes da
cidade.
Lobato manteve um contato ativo por meio de cartas com parte de seus leito-
res, que chegavam a opinar sobre novos livros, pedindo a inclusão de personagens,
mudanças de finais etc., mesmo depois de ele ter sido censurado pela ditadura

5   Para se ter uma ideia, durante muito tempo Os Lusíadas foi a principal obra utilizada para ensi-
nar a ler. Arroyo cita nada menos que 22 diferentes edições “adaptadas” para a escola, desde 1856 até
1930. Ver ARROYO, 2011, p. 111-114.

247
Vargas e de muitas de suas obras terem sido proibidas na escola, como apontam
algumas pesquisas, como a de Patricia Raffaini e a de Raquel Afonso da Silva.6
Assim, apesar de Arroyo demonstrar pessimismo sobre a situação da lei-
tura em sua época (1968), pode-se depreender de suas afirmações a existência de
certo número de crianças brasileiras (provavelmente oriundas de classes sociais e
regiões restritas) que frequentavam regularmente as bibliotecas, de onde retiravam
livros para sua leitura espontânea.
Arroyo deixa entrever a coexistência de duas formas de acesso à literatura
por parte das crianças: a leitura espontânea, baseada no gosto infantil – cujos
canais eram provavelmente as bibliotecas públicas e as (poucas) livrarias –, e o
“didatismo excessivo” que caracterizava a “moderna literatura infantil atual” (AR-
ROYO, 2011, p. 35-36) 7 – e que com certeza era indicada pela escola. Ou seja, ele
nos passa a impressão de que havia uma certa tensão, embora ainda incipiente, na
influência exercida de um lado, pela escola, e de outro, pelas bibliotecas e livra-
rias, mesmo que a escola predominasse sobre as duas últimas.
É preciso ressaltar que, em países onde os índices de leitura são bem mais
altos que os nossos, essa tensão se desenvolveu e se encontra presente ainda hoje,
cumprindo a saudável função de equilibrar a qualidade literária dos livros para
crianças com a abertura de espaço para as novidades e a liberdade de escolha.
No Brasil, entretanto, o que ocorreu a partir da década de 1990 foi a extin-
ção lenta e gradual de parte dos componentes desse jogo de influências, fazendo
que todo o poder de decisão sobre o que as crianças deviam ler ficasse cada vez
mais concentrado nas mãos da escola.

6   Ver RAFFAINI (2008) e SILVA (2009).


7   Arroyo menciona em seu estudo diferentes formas de leitura a que crianças e jovens brasileiros
tiveram acesso desde o século XIX, quando foram publicados os primeiros livros no Brasil. Aqui,
sim, entram os clássicos traduzidos, como os contos de fadas ou livros de Júlio Verne, publicados
pela Laemmert ou pela Garnier (duas livrarias-editoras que ficavam no Rio de Janeiro), que eram
avidamente consumidos não só por crianças e jovens, mas também pelos adultos. Também aconte-
ceram adaptações desses clássicos feitas por brasileiros, como Figueiredo Pimentel e Carlos Jansen.
Mas esse tipo de publicação chegava, via livrarias, a representantes das classes mais abastadas. Havia
também as revistas estrangeiras – francesas ou italianas – que eram lidas pelos filhos das classes
dominantes, muitas vezes alfabetizados na língua de origem de seus pais. E, por fim, mas não menos
importante, Arroyo também ressalta a importância de jornais escolares locais, espalhados por todo o
Brasil, que eram lidos pelos jovens mais pobres. Daí também se originou a ideia para a famosa revista
Tico-Tico, criada em 1905 pelo jornalista Luís Bartolomeu de Sousa e Silva, que existiu durante cerca
de 50 anos e que encantou várias gerações. Mas todas essas publicações, por motivos vários, não
conseguiram passar pela barreira da escola, permanecendo sempre como uma presença marginal na
literatura consumida pelas crianças brasileiras.

248
A década de 1980

A valorização do autor nacional e sua associação com a escola, incentivados


pela Lei 5.692, trouxeram consequências de várias ordens.
Muitas delas foram extremamente positivas, como a abertura de novas pos-
sibilidades de profissionalização. Também, como já vimos, a variedade de novos
autores, estilos e gêneros publicados a partir da década de 1970 foi muito impor-
tante para a recriação de uma literatura variada, de expressão nacional, mais iden-
tificada com as crianças da época.
Por outro lado, o crescimento desse mercado o tornou cada vez mais atraen-
te para as grandes editoras, especialmente as dedicadas a livros didáticos. Elas já
dispunham de canais de distribuição espalhados por todo o Brasil, e, sendo a es-
cola o principal mercado para o livro infantil e juvenil, pouco a pouco adquiriram
quase o monopólio do negócio.
Lawrence Hallewell, um dos principais estudiosos do mercado editorial bra-
sileiro, afirma que as principais editoras de livros infantis existentes no ano de
1982 no Brasil e o número de títulos em seus respectivos catálogos eram:

[…] a Verbo (270 títulos) a Brasil América (200) e a Brasiliense (58). A es-
tas, seguiram-se a Ática com sua “Coleção Gato e Rato” (35), Melhoramen-
tos e Civilização Brasileira (30 cada uma), Ao Livro Técnico (21) Miguilim
e AGIR (vinte cada), Pioneira (quinze), Paz & Terra (nove), José Olympio
(seis) e Berlendis & Vertecchia e Francisco Alves (com cinco cada uma com).
Até meados dos anos de 1980 a Nova Fronteira, a Abril Cultural e a Atual
Editora também se destacaram nesse campo. (HALLEWELL, 2017, p. 770)

Nos anos seguintes, os livros para crianças e jovens se concentrariam ra-


pidamente nas mãos das editoras de livros didáticos. Daquelas listadas por Hal-
lewell, apenas duas ou três continuariam a editar livros para esse público; quase
todas as outras desapareceriam por completo do mercado, fazendo que a produção
do chamado “livro infantojuvenil” se concentrasse cada vez mais em São Paulo,
tradicionalmente, a cidade dos livros didáticos.
E, embora essa concentração não tenha impedido o surgimento de novos
talentos, a lógica da criação e da distribuição dos livros para crianças e jovens per-
maneceu atrelada ao mercado escolar.
Mudanças começaram a ocorrer apenas no final dos anos 1990, paralela-
mente à inserção do Brasil na globalização da economia. A queda das barreiras à
aquisição de direitos no exterior abriu espaço para o surgimento de novas e peque-
nas editoras de livros para crianças, que, com a publicação de artistas europeus e
americanos, em especial os chamados autores-ilustradores, trouxeram para o Bra-

249
sil novas propostas editoriais, novos formatos, novos tipos de acabamento, mais
sofisticados.
O surgimento das megalivrarias como espaço de exposição e venda não só
abriu espaço para a distribuição dessa produção. No plano da criação, abriu-se
também espaço para que uma nova geração de artistas gráficos passasse de ilustra-
dores de textos de outros autores para criadores de suas próprias obras.
Outro fator de mudança seria, a partir de 1998, a criação do PNBE (Progra-
ma Nacional Biblioteca da Escola), que abriu um ciclo de compras volumosas de
livros de literatura, por parte do MEC, e que foi aos poucos incluindo as pequenas
editoras, ampliando as possibilidades de escolha e selecionando livros de qualida-
de para as escolas públicas.8
Evidentemente, para aprofundar essas questões seja necessário realizar mais
pesquisas. Mas um fato relevante para nós é que o crescimento apresentado duran-
te a década de 1970 pelo mercado de livros infantojuvenis (em quantidade de títu-
los lançados e vendidos), ao expandir as possibilidades de trabalho para escritores
e ilustradores, provocou um rápido aumento na produção, tanto dos autores tradi-
cionais quanto dos novos, que começaram a escrever incentivados pelas próprias
editoras. A produção de novos títulos aumentou, mas se caracterizou em grande
parte pela repetição de modelos consagrados e bem-aceitos pela escola.
Além disso, os professores tinham (e ainda têm) dificuldades sobre o que
fazer com a leitura literária. Precisavam inventar usos para os livros, desenvolver
atividades práticas, para justificar a leitura.
Durante a década de 1980, multiplicou-se a produção, por parte das edi-
toras, de recursos para ajudar o professor (encartes para o aluno, encartes com
sugestões de trabalho) a ensinar a ler a partir de livros ilustrados, alguns na forma
de cartilhas disfarçadas, editados segundo as concepções de leitura que passaram
a vigorar: textos curtos, letras grandes e muitas ilustrações.
Considerando-se que a maior parte das crianças brasileiras tem acesso a
livros apenas ao entrar na escola, esta e as editoras de livros didáticos passaram a
deter um enorme poder de decisão, não só sobre o que crianças e jovens deveriam
ler, mas também sobre de que maneira ocorreria o acesso à leitura.

8   Podemos até considerar que as compras do governo no Programa Nacional Biblioteca da Es-
cola, de 1998 a 2013, tenham cumprido em parte o papel da crítica, exercendo uma escolha mais
criteriosa de livros para as bibliotecas escolares. Mesmo assim, não se tratava da leitura espontânea,
eleita pela própria criança.

250
Ideias que se tornam senso comum

Muito se publicou nos anos 1970 a 1990. E, com a falsa unanimidade que
as novas ideias conquistaram, concepções inovadoras e antiquadas foram se mes-
clando, criando um conjunto de ideias que se transformaram em senso comum na
maior parte das escolas:
• O texto literário, sempre considerado apenas em sua forma escrita, é
uma ferramenta para alfabetizar e ensinar a ler (= decodificar o que está
escrito).
• As ilustrações têm a função de tornar os livros mais bonitos e manter a
atenção da criança.
• É preciso atrair as crianças para a leitura, pois elas não tendem natural-
mente a gostar de ler.
• A leitura deve estar associada a atividades prazerosas, geralmente reali-
zadas a posteriori e que acabam se tornando seu único objetivo.
• As crianças são ingênuas, não conhecem o mundo e precisam ser pro-
tegidas. Assim, os livros não devem apresentar temas que possam trau-
matizá-las.
• A importância da leitura está em ser uma forma de transmitir ensina-
mentos morais.

“Agradar” as crianças e “conquistá-las” para a leitura; protegê-las de temas


e finais que pudessem “entristecê-las” passaram a ser critérios para definir a qua-
lidade de um livro, o que contribuiu para o surgimento do conceito de “leitura
por prazer”, mal definido e tão difícil de contestar. Transmitir princípios, tratar de
“problemas das crianças”, descobrir o “ensinamento” que se pode retirar da leitura
de uma narrativa passaram a se constituir em valores tão fortes que a qualidade
acabou ficando para trás.
Algumas ideias, como o caráter oral das narrativas ou a importância de fa-
lar de perto com o leitor, interpretadas fora do contexto em que surgiram, foram
deturpadas, deixando de levar em consideração as transformações que estavam
ocorrendo no mundo e na mentalidade das novas crianças.
Ainda hoje, tantos anos depois, esses princípios continuam a predominar
nas escolhas espontâneas da maior parte dos professores, seja das escolas públicas,
seja das privadas. É com muito esforço e muito trabalho de mediadores que uma
literatura mais desafiadora e com maior preocupação formal, tanto do ponto de
vista do texto escrito quanto das imagens, vem sendo introduzida nas escolas. Mas,
infelizmente, a interrupção das compras governamentais ou possíveis mudanças
nos critérios de compra podem retardar ainda mais esses avanços.

251
Por fim, é preciso lembrar também que o clima de “rebeldia” da literatu-
ra para crianças nunca se estendeu à chamada literatura juvenil. A liberdade se
restringiu à entrada de novelas policiais na escola, embora as consideradas mais
ousadas, como as obras de João Carlos Marinho, nem sempre tivessem o mesmo
espaço que outras menos “problemáticas”. Alguns editores mantiveram em catálo-
go (e ainda mantêm) muitos dos livros escritos nas décadas de 1940 e 1950, mesmo
aqueles que transmitem uma imagem de jovem que nada tem a ver com os leitores
de hoje.
Seria porque, com a ajuda da escola, é mais possível controlar o que chega à
criança e ao jovem? Ou porque essa literatura (e, com ela, a própria concepção de
criança e de jovem) permaneceu por muito tempo contida numa redoma da qual
é difícil libertá-la?

A importância da crítica especializada

Retomando a citação de Maria do Rosário Mortatti que abre este artigo, é


fundamental destacar que, durante a década de 1970 e, principalmente, 1980, a
despeito da “escolarização” da literatura, a crítica especializada, presente nos meios
acadêmicos, educacionais e jornalísticos, manteve viva a discussão sobre o que é
qualidade nos livros para crianças e jovens.
Mais do que isso, contribuiu para a constituição da literatura infantil como
um campo de estudo, como afirma a pesquisadora:

Dentre os inúmeros aspectos observáveis ao longo desse movimento de


constituição do campo, destaco sua oscilação histórica entre inserir-se na
área de Letras ou de Educação, a qual encontra-se influenciada pela oscila-
ção correlata no movimento de constituição da produção de literatura in-
fantil brasileira, de acordo com determinada versão da história do gênero
no Brasil, produzida especialmente a partir das contribuições pioneiras de
Leonardo Arroyo, posteriormente retomadas e ampliadas por outros sujei-
tos de discursos acadêmicos especializados sobre o gênero, que se foram
configurando especialmente no âmbito das áreas de Letras e de Educação.
(MORTATTI, 2001, p. 180-181)

Os “outros sujeitos especializados” a que Mortatti se refere são, principal-


mente, Marisa Lajolo e Regina Zilberman que, durante a década de 1980, desen-
volveram trabalhos acadêmicos no âmbito dos estudos literários sobre literatura
infantil, como o que é citado neste artigo.
Entretanto, à medida que a crítica foi se enfraquecendo, maior foi se tor-
nando o poder de escolha da escola – ou vice-versa. O que importa é ressaltar o

252
ressurgimento, entre educadores e estudiosos da literatura, de uma visão estética
com relação aos livros para crianças, o que aparenta ser um sinal de que um novo
ciclo positivo está se abrindo.

Segunda parte: análise de alguns livros que inauguraram o “boom”

Apresento a seguir algumas reflexões sobre livros emblemáticos do período


analisado.

O mistério do coelho pensante, de Clarice Lispector (1967)

Assim como acontece com as receitas, a maior parte do que um texto


escrito é capaz de comunicar não está, na verdade, na página. O que
está lá é a mínima quantidade de informação necessária para evocar
o conhecimento que um leitor tem das formas de torná-lo significa-
tivo. Construímos sentido a partir da mínima informação [presente]
na página pelo entendimento de que é mínima, de que deixa lacunas,
mas que nosso conhecimento de um contexto – nossas estratégias de
leitura e nosso repertório de informação – podem nos dizer como
preencher essas lacunas.
Perry Nodelman

Lendo nas entrelinhas

Não foi sem propósito que Clarice Lispector iniciou O mistério do coelho
pensante, o primeiro de cinco livros que publicou para crianças, com uma adver-
tência, dirigida aos adultos, sobre a origem da história. Entre outras coisas, ela
explica:

Como a história foi escrita para exclusivo uso doméstico, deixei todas as
entrelinhas para explicações orais. Peço desculpas a pais e mães, tios e tias, e
avós, pela contribuição forçada que serão obrigados a dar.

E conclui que:

Mas pelo menos posso garantir, por experiência própria, que a parte oral
desta história é a melhor dela. Conversar sobre coelho é muito bom. Aliás,
esse mistério é mais uma conversa íntima do que uma história. Daí ser mui-
to mais extensa que o seu aparente número de páginas. Na verdade só acaba
quando a criança descobre outros mistérios.

253
Com essa advertência, ela prepara não só os adultos para longas conversas
com as crianças, durante e depois da leitura do livro, como também, podemos
imaginar, as próprias crianças para longas conversas consigo mesmas. Pois – como
adiantado na advertência inicial – esse pequeno e aparentemente singelo conto
trata de mistérios muito maiores que o do sumiço de um coelho; envolve reflexões
sobre a natureza humana (e a dos coelhos), sobre a liberdade, sobre a vida e as
perdas por que temos de passar que, é claro, vão muito além do curto texto apre-
sentado nas páginas do livro.
É nesse sentido que Perry Nodelman se refere, na citação que abre esta aná-
lise, às lacunas que o texto deixa para o leitor e que ele terá a oportunidade de
preencher com seu repertório pessoal e suas reflexões.
Qual a importância disso na literatura para crianças?

Sobre animais nos livros para crianças

Segundo Lajolo e Zilberman, há muito escritores vem se valendo de animais


como personagens, inseridas na narrativa com características humanas.

A fábula e, depois, o conto de fadas foram as modalidades literárias [que]


procederam à conversão de personagens não humanas, mas antropomorfi-
zadas, em símbolos das vivências e da interioridade da criança. No Brasil, a
transposição começa com Figueiredo Pimentel e prossegue com Monteiro
Lobato (criador de Quindim e Rabicó), Viriato Correia (em A arca de Noé
e No reino da bicharada, entre outros) e Érico Veríssimo (A vida do elefante
Basílio ou Os três porquinhos pobres), além de vários outros escritores. (LA-
JOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 112)

Essa utilização, que muitos aprenderam a ver com naturalidade, provavel-


mente está relacionada à simpatia que crianças costumam sentir por animais. Mas
a sua presença nas histórias a elas destinadas está longe de ser algo inócuo ou
esteticamente irrelevante.
Em 1921, ao publicar Reinações de Narizinho, Monteiro Lobato introdu-
zia personagens animais antropomorfizadas em suas narrativas. Mas ele alternava
essa forma de apresentação com outra, bem mais realista. Um peixe poderia ser o
príncipe que se casou com Narizinho, mas também poderia ser o lambari pescado
por Emília, que a mesma Narizinho come no jantar impunemente; ou a fogosa
Miss Sardine, simpática habitante do Reino de Águas Claras, que morre tragica-
mente, ao visitar o sítio e mergulhar na “piscina” que enxerga na frigideira cheia
de óleo quente de Tia Nastácia. (Ao descobrir a tragédia, Nastácia chora, o que não
a impede de, entre uma lágrima e outra, ir comendo umas lasquinhas da pobre

254
amiga…) Já o leitão Rabicó, mesmo se comportando quase sempre como porco,
recebe ironicamente o título de “marquês” e se casa com Emília. E, embora chegue
em alguns episódios do livro a falar, escapa por um triz de ser comido no almoço
de Ano Bom.
Ou seja, dentro da ficção de Lobato, os animais “da fantasia” comportam-
-se como seres humanos (embora continuem agindo de acordo com sua visão de
mundo de animais); já os animais “da realidade” continuam sendo animais mes-
mo, que se comem uns aos outros e podem ser comidos por nós. Embora, como
demonstram a história cruel de Miss Sardine e o destino ambíguo de Rabicó, as
personagens “da fantasia” estejam sempre sob o risco de serem tratadas como ani-
mais reais.
Em sua análise do livro para crianças A teia de Charlotte, de E. B. White
(2010), Perry Nodelman nos mostra como a repetição de situações que envolvem
verdadeiras listas de comidas de humanos ou de bichos, comer e ser comido, viver
e morrer, criam um “padrão” que é essencial na construção de sentido, ao apresen-
tar para os leitores a ideia de que vida e morte são parte de um mesmo ciclo:

A ideia de que devemos aceitar todos os tipos de coisas, incluindo as apa-


rentemente ruins como lixo, insetos ou morte, como parte da glória que é o
mundo no qual vivemos, é central para a novela [A teia de Charlotte] – um
de seus maiores temas. (NODELMAN, 1986, p. 57)

Embora Lobato tenha acrescentado a esse padrão uma boa dosagem de hu-
mor negro, também ele parece compartilhar da mesma ideia.
Além de um escritor excepcional, ele retratava em seus livros um Brasil ru-
ral, uma época em que a vida era assim: os animais eram criados no quintal, eram
abatidos quando necessário e ninguém estranhava ver o leitãozinho que há pouco
corria, solto e feliz, servido na mesa em sua versão “pururuca”.
Entre os anos de 1940 e 1950, entretanto, Lajolo e Zilberman encontram um
outro padrão nas narrativas em que animais antropomorfizados aparecem como
protagonistas. Afirmam que essas narrativas “[…] são frequentes no período e dão
preferência aos animais domésticos, em particular, aos pequenos” (NODELMAN,
1996, p. 112).
Em seguida, destacam características dessa ficção:

[…] dá vazão a uma imagem de infância que a considera uma faixa etária
frágil e desprotegida, necessitando amparo permanente e cuidados suple-
mentares. Postula a incompetência da criança para cuidar de si mesma e
justifica a intervenção constante do adulto na vida dela;

255
[…] assume uma postura doutrinária, já que aproveita a ocasião para trans-
mitir ensinamentos morais e incutir atitudes, pregando principalmente a
obediência.

E concluem:

Na maior parte dos livros, a limitação física traduz-se também de modo


especial, porque o lugar ideal de todos esses bichos é a casa. Esta simboliza o
círculo doméstico a que os animais (leia-se: as crianças) devem se submeter.
A desobediência coincide com o desejo de fuga, a que se segue o reconhe-
cimento do erro e o retorno, arrependido e cabisbaixo, ao lugar de origem.
(NODELMAN, 1996, p. 112)

Perseguindo o coelho branco

Mas voltemos ao nosso mistério. Provavelmente, a história contada se ori-


ginou do sumiço de um coelho de verdade, assim como era de verdade a criança
com quem Clarice inicia o conto dialogando – Paulo.
Vamos começar pelo diálogo: que sensação causa uma história que inicia
assim: “Pois é, Paulo, você não pode imaginar o que aconteceu com aquele coelho”.
Quem é Paulo? Que coelho? Que voz é aquela que faz uma afirmação solta
no ar, sem ponto de exclamação, sem nenhuma exaltação?
Parece que entramos no livro no meio de uma conversa, na qual quase ins-
tantaneamente nos sentimos inseridos: é só terminar o primeiro parágrafo e nos
colocamos ao lado de Paulo, incorporando o papel de personagem-leitora-ouvinte.
Que coelho é esse? Clarice-narrador se encarrega de apresentá-lo: “Nunca
disse uma só palavra na vida. Se pensa que era diferente dos outros coelhos, está
enganado. Para dizer a verdade, não passava de um coelho”.
Ou seja, trata-se de um coelho qualquer, sem identidade e sem nome. Mas
ela continua, explicando que isso não quer dizer que ele não tivesse ideias; não
muitas, algumas. E que, se ele pensava, não era com a cabeça, e sim “mexendo
bem depressa o nariz”. Mas, se o nariz dele era rápido, a cabeça nem tanto… preci-
sava franzir umas quinze mil vezes o nariz para cheirar uma só ideia.
Assim se inicia um jogo que vai prosseguir no decorrer de toda a narra-
tiva; na conversa que o narrador desenvolve com Paulo (que por acaso era um
dos filhos de Clarice, mas que se transformou em personagem do livro, em um
menino como outro qualquer) amplia-se a identidade desse coelho, que conquista
seu lugar como personagem à medida que sua natureza de coelho, de um coelho
qualquer, vai sendo apresentada. “Puxa, eu não passo de um coelho branco, mas
acabo de cheirar uma ideia tão boa que até parece ideia de menino!”

256
E:

Coelho tem muita dificuldade de pensar, porque ninguém acredita que ele
pense. […]. Tanto que a natureza do coelho até já se habituou a não pensar.
E hoje em dia eles todos estão conformados e felizes.

Além de longas explicações sobre o que significa “natureza de coelho”:

Natureza de coelho é o modo como o coelho é feito. […] Natureza de coelho


é também o modo como ele adivinha bem as coisas que fazem bem a ele,
sem ninguém ter ensinado.

Natureza do coelho é também o modo que ele tem de se ajeitar na vida.


Dessa maneira, a ideia que o coelho consegue ter não é lá essas coisas –
apenas fugir da gaiola. Isso pode deixar Paulinho (e os leitores) decepcionados e
fazer que Clarice “os perca”. Para evitar que isso aconteça, nas páginas seguintes ela
discorre sobre o mistério que nem ela nem ninguém foi capaz de desvendar: que
jeito o coelho arranjou para fugir.
Ao ter “[…] uma ideia tão boa que nem criança, que tem ideias ótimas,
pode adivinhar”, o coelho se transforma em “portador de um mistério” e acaba
por se colocar em situação de igualdade com os humanos, pelo menos no que
diz respeito às coisas que se relacionam à sua natureza, que ele conhece bem sem
ninguém ter ensinado.
Nesse jogo criado pelo narrador, ao comparar a natureza das crianças e dos
coelhos, ele nos lembra que:

Nariz de coelho vale muito mais para ele do que nariz de gente vale para a
gente. […]. Isso não quer dizer que a natureza do coelho seja melhor que a
nossa. Cada natureza tem suas vantagens.
Vou te dizer como o mundo é feito. É assim: quando se tem natureza de
coelho, a melhor coisa do mundo é ser coelho, mas quando se tem natureza
de gente, não se quer outra vida.

Cada um com a natureza que Deus lhe deu, chegamos a esse ponto como
que “empatados” com o coelho, que passa a ser chamado por seu nome, começa
a ter sua vida fora da gaiola imaginada e ganha status de realmente “pensante”, ao
adivinhar com o nariz que a Terra é redonda.
Chegamos ao final da história com nossa natureza tão próxima à do coelho
que narrador e personagem já começam a pensar com o nariz… e a desenvolver
uma vontade louca de comer cenouras…

257
“Enquanto isso, as crianças, que não têm natureza boba…”

Ao chamar o leitor para perto de si e deixar “lacunas” para que ele preencha,
Clarice expressa uma confiança na inteligência da criança que é (ou pelo menos
era, em sua época) incomum nos livros a ela destinados. Considera-as como inter-
locutores respeitáveis, deixa problemas para resolverem. Como anuncia na abertu-
ra do conto, ela deixou “entrelinhas” para as “explicações orais” – o que é o mesmo
que dizer que há lacunas no texto a serem preenchidas pelos leitores.
Mas como podem os leitores fazerem isso? No meu caso, nenhuma das infe-
rências que extraí do texto estavam expressamente presentes lá. Algumas evidên-
cias sim, e eu me vali de meu repertório e de minhas estratégias de leitura para
formulá-las.
Pode-se argumentar, então, que uma criança não dispõe desse tipo de re-
pertório e estratégias e que jamais chegaria às mesmas conclusões. Não necessa-
riamente.
Em seu livro, Nodelman utiliza as palavras do psicólogo cognitivista Ulric
Neisser para definir o conceito de schemata:

Não apenas ler, mas também ouvir, sentir e olhar são atividades engenhosas
que ocorrem o tempo todo. Todas elas dependem de estruturas pré-existen-
tes […] chamadas schemata, que dirigem a atividade perceptiva e se modifi-
cam à medida que ela ocorre. (apud NODELMAN, 1996, p. 43)

Esse conceito é vital para a formação de leitores (assim como para todo
tipo de aprendizagem). Do ponto de vista da aprendizagem da leitura, podemos
dizer que desde bebês as crianças vão se apropriando de schemata que as permi-
tem compreender cada vez melhor o que leem. Alguns dos schemata mais simples
seriam, na cultura ocidental, descobrir que um livro é lido virando as páginas da
direita para a esquerda; ou que onde aparecem letras impressas há uma história
sendo contada; ou, ainda, que num livro ilustrado as imagens estabelecem algum
tipo de relação com as palavras impressas.
Se estivermos de acordo com as concepções de Ulric Neisser e Perry Nodel-
man, passaremos a ter do conceito prazer na leitura uma visão mais complexa.
Esse prazer seria construído à medida que o leitor vai se apropriando de novos
schemata, que lhe permitiriam ampliar seu repertório e aprender retirar sentido
de textos cada vez mais complexos. E, nesse sentido, a mediação da leitura cumpre
um papel fundamental.
O escritor e educador Aidan Chambers, um profundo conhecedor de crian-
ças, afirma que: “Se existe um interesse profundo em um assunto e se propor-

258
cionam as facilidades necessárias para sua expressão, as crianças […] são críticos
naturais desde idades muito iniciais” (CHAMBERS, 2007, p. 40).
E o que seria a crítica? Segundo ele:

O que todos sabemos […] é que a crítica tem a ver com o significado dos tex-
tos, com fazer com que “tenham sentido”: estabelecendo-o, encontrando-o,
concordando ou não sobre ele. A interpretação é parte da crítica. Também o
são as considerações como se constrói o significado: por meio da linguagem,
das formas narrativas, das convenções e ideologias; o mesmo que o leitor faz
com o texto e que o texto faz ao leitor. (CHAMBERS, 2007, p. 40)

Por isso concordamos com Clarice, quando ela afirma que o mistério que
o livro envolve: “é mais uma conversa íntima do que uma história. Daí ser muito
mais extensa que o aparente número de páginas. Na verdade, só acaba quando a
criança descobre outros mistérios”.
E, se é verdade que: “Só há dois modos de descobrir que Terra é redonda:
ou estudando em livros, ou sendo feliz”. E que: “Coelho feliz sabe um bocado de
coisas”.
O que temos de fazer como adultos mediadores de leitura é fazer nosso
nariz tremelicar – e incentivar as crianças a fazerem o mesmo – até entendermos
juntos que a natureza do coelho, assim como a de todos os seres humanos, não é se
deixar prender em gaiolas que impedem os movimentos do corpo ou da mente, e
sim deixar nosso pensamento voar em majestosa liberdade.

Os colegas, de lygia bojunga (1972)

Uma jovem criatura, um animal ou objeto com características humanas goza


da segurança de um lar confortável até que algo acontece para torná-lo infeliz.
A pequena criatura deixa seu lar e tem aventuras emocionantes, que acabam
se revelando tão perigosas e desconfortáveis quanto emocionantes.
Depois de aprender a verdade sobre o grande mundo, a criatura finalmente
retorna à segurança que considerou a princípio tediosa, concluindo que,
apesar de suas restrições, o lar é o melhor.
***
Enquanto lemos, podemos notar que certas palavras, descrições ou ações nos
fazem lembrar de outras que ocorreram antes no texto. […]
Ao reconhecer as similaridades dessas passagens […] podemos construir
consistência ao investigar as implicações do padrão que elas criam. Ao fazer isso,
usamos a estratégia de explorar a estrutura. A estrutura se refere à forma pela qual
várias partes de um texto se relacionam umas com as outras, formando padrões. Ela
depende muito da repetição e das variações de elementos iguais ou similares.
Perry Nodelman

259
Uma história sem marca?

Na primeira das citações acima, Nodelman refere-se a um dos “padrões bá-


sicos” de muitas narrativas “sem marca”, que ele chama de “genéricas”, encontradas
em livros para crianças. Trata-se do que ele chama do padrão “HOME/AWAY/
HOME” que, por falta de melhor tradução, chamarei de NO LAR/LONGE DO
LAR/NO LAR:

Narrativas que se desenvolvem dentro desse tipo de padrão costumam ter


como protagonistas seres que consideram o lar um local aborrecido, onde nada
acontece, por isso saem pelo mundo em busca de aventuras. Em muitos dos casos
(talvez a maioria, dependendo do período em que o livro foi escrito), esse pequeno
ser parte, experimenta os perigos do mundo lá fora e retorna ao final para a segu-
rança tediosa do lar, para descobrir que nunca deveria ter saído, ou que é bom ter
aventuras, mas é melhor poder voltar para casa.9
Trata-se mais ou menos de um padrão que se repetia em muitas narrati-
vas para crianças publicadas no Brasil entre os anos 1940-1960, segundo Lajolo e
Zilberman, que recorriam a animais ou pequenos seres como “assunto e persona-
gem”:

a) o cão simboliza a criança; mais que isso: dá vazão a uma imagem de in-
fância que a considera uma faixa etária frágil e desprotegida, necessitando
amparo permanente e cuidados suplementares. Postula a incompetência da
criança para cuidar de si mesma e justifica a intervenção constante do adulto
na vida dela;
b) o texto assume uma postura doutrinária, já que aproveita a ocasião para
transmitir ensinamentos morais e incutir atitudes, pregando principalmente
a obediência.

9   NODELMAN, op. cit.

260
E as duas autoras completam:

Na maior parte dos livros, a limitação física traduz-se também de modo


especial, porque o lugar ideal de todos esses bichos é a casa. Esta simboliza o
círculo doméstico a que os animais (leia-se: as crianças) devem se submeter.
A desobediência coincide com o desejo de fuga, a que se segue o reconhe-
cimento do erro e o retorno, arrependido e cabisbaixo, ao lugar de origem.
[…][n]o humilde retorno dos animais domésticos ao lar, o acento recai, via
de regra, sobre o caráter hierarquicamente superior e moralmente confiável
dos mais velhos, a quem os mais frágeis devem se submeter para seu próprio
bem. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 111-118)

A narrativa de Os colegas rompe totalmente com esse padrão. Em primeiro


lugar porque, embora as personagens de Lygia Bojunga sejam animais, em ne-
nhum momento elas se comportam como crianças indefesas: são animais antro-
pomorfizados, mas jovens adultos, que em nada dependem de “mais velhos” para
sobreviver. Pelo contrário, aqueles que já tiveram contato com alguém com poder
para decidir suas vidas viveram experiências quer de um excesso repressivo de
controle (Flor-de-Lis), quer de descaso e abandono (Cara-de-Pau).
Virinha e Latinha, as primeiras personagens a aparecer na história, nunca
tiveram lar – e parecem bem felizes por isso; Flor-de-Lis quer fugir de um lar
repressor; Voz de Cristal foge não de um lar, mas de uma prisão, o zoológico; e
Cara-de-Pau, embora busque desesperadamente um lar, não é bem um abrigo que
procura, mas o carinho e a amizade de outros seres.
Voltando ao padrão NO LAR/LONGE DO LAR/NO LAR, segundo Perry
Nodelman há livros que:
a. Tendem totalmente a ensinar às crianças o que elas devem fazer; a con-
siderar o lar como um lugar seguro.
b. Tendem totalmente a dizer o que acham que as crianças querem ouvir;
a considerar o lar como um lugar tedioso e fora do lar como um lugar
onde reina a aventura.
c. São ambivalentes com relação às duas posições; são textos que se re-
cusam a negar tanto a excitação de estar fora do lar quanto o aborreci-
mento de ficar. Cria-se nesse último caso um círculo de ambivalência,
com as personagens saindo em busca de aventuras e voltando para a
segurança do lar (NODELMAN, 1996, p. 157).
Confirmando a ambivalência com que as desenvolve, as personagens de Ly-
gia vivem muito felizes na rua; acabam optando pela segurança do lar e do traba-
lho, talvez até porque, apesar das alegorias, trata-se de uma história afinal realista,
o que a obriga a ceder enfim às convenções. Por isso, eu situaria Os colegas no ter-

261
ceiro caso: já que é preciso trabalhar e ter um lugar para viver, que seja da melhor
maneira possível. Dessa forma, Lygia acaba criando com o leitor uma relação mais
honesta.
Essas são algumas das marcas – senão as principais – de seu primeiro livro
publicado para crianças, que demonstram a ruptura com a maior parte das narra-
tivas com animais como protagonistas que a antecederam.

Redondas ou planas?

Bem, e as rupturas não param por aí. Voltando a Nodelman:

[…] todos os livros expressam o que os críticos literários chamam de in-


tertextualidade: a interconectividade da linguagem humana, seus padrões,
imagens e sentidos. Concentrar-se na intertextualidade de um texto é con-
centrar-se nas formas pelas quais ele depende do conhecimento do leitor de
suas conexões com outros escritos. (NODELMAN, 1996, p. 157).

Pensando-se que as personagens escolhidas por Lygia para sua novela são
animais que são músicos e saem em busca de um verdadeiro lar, a primeira lem-
brança intertextual que nos vem à mente é o conto “Os músicos de Bremen”, reco-
lhido da tradição oral alemã pelos irmãos Wilhelm e Jacob Grimm.
Nesse conto, quatro animais se encontram pelo mundo em sua solidão, na
busca de um lugar para viver. Também querem ser músicos (sabem disso desde o
momento em que iniciam sua jornada) e também são adultos – na verdade, velhos
e, portanto, “inúteis” para o trabalho. Além disso, cada um deles se comporta e se
defende de acordo com suas características animais (o burro dá coices, o cachorro
rosna e morde, o gato arranha, o galo assusta com seu tremendo “cocoricó” no
meio da escuridão). Passam também a ser amigos para sempre: a imagem dos qua-
tro empoleirados um sobre o outro (o burro embaixo, depois o cachorro, o gato e,
por cima de todos, o galo), na mais feliz das camaradagens, é o que fica em nossa
memória do jubiloso hino à verdadeira amizade que é esse conto.
Com segurança podemos dizer que Lygia se inspirou (conscientemente ou
não) nesse conto para escrever Os colegas. Entretanto, muitas são as diferenças
presentes na história.
Em primeiro lugar, Lygia escolheu cinco amigos, entre eles, uma represen-
tante do sexo feminino e um animal “selvagem” (que, aliás, nem existe no Brasil).
Todos eles são jovens e, portanto, não são “inúteis para o trabalho”. Na verdade,
nem querem muito trabalhar; procuram o que necessitam na medida de sua ne-
cessidade, começam a fazer música por prazer, até descobrir, no final, que ela pode
ser um meio de ganhar a vida.

262
Se, inspirados por Os colegas, fôssemos construir uma imagem dos amigos
andando juntos, jamais pensaríamos em um empoleirado sobre o outro, com o
mais forte apoiando todos; pelo contrário: a imagem que nos viria é de quatro
amigos andando lado a lado, encarando um ao outro de igual para igual.
Finalmente, se as personagens de “Os músicos de Bremen” agem de acordo
com suas características animais, em Lygia, não é bem isso que acontece. Embora
estejam presentes, essas características não são estereotipadas, nem são as únicas
que eles demonstram ter. Pelo contrário: o urso Voz de Cristal tem a voz fina e
chora por qualquer motivo; Flor-de-Lis é uma cachorrinha mimada, mas demons-
tra mais coragem e decisão que seus dois colegas do sexo masculino; Cara-de-Pau
não é um coelho mansinho. É calado, sim, e gregário, como são os coelhos, mas é
também muito mal-humorado. Ou seja – Lygia utilizou as características dos ani-
mais da maneira que melhor lhe convinha para desenvolver a narrativa: ora posi-
tivamente, para reforçar suas intenções (a “inexpressividade” aparente do coelho),
ora contrariando-as, como no caso do urso enorme e chorão. Curiosamente, só a
dupla de vira-latas – Virinha e Latinha – reforça as características dos animais que
representam: são “boa gente”, como costumam ser os vira-latas.
Mais importante que tudo, em Lygia os animais comportam-se muitas vezes
como seres humanos – conversam com pessoas, têm atitudes que só pessoas pode-
riam ter, como tocar instrumentos musicais, fantasiar-se, sair em bloco de carna-
val e, principalmente, organizar-se para se defender – sem em nenhum momento
negarem que são animais.
Por mais que as crianças tenham em seu repertório literário histórias de ani-
mais que falam e se comportam como humanos, não me parece ser possível evitar
um estranhamento por parte delas com relação à maneira como as personagens
de Lygia agem.

Qual seria o “efeito” desse estranhamento?

A forma nada óbvia como Lygia desenvolve suas personagens tem como
efeito transformá-las de “planas” em “redondas” – ou seja, durante a narrativa elas
têm a oportunidade de experimentar novas maneiras de ser e, com sua experiên-
cia, chegar ao final muito diferentes de como começaram (por exemplo, com Voz
de Cristal voltando ao grupo depois de experimentar de novo a estabilidade de seu
“lar”).
Que benefícios uma leitura como essa poderia trazer para uma criança?
Romper com estereótipos já demonstrou ser algo muito importante na for-
mação do ser humano. Pensar para além das “caixinhas” em que o senso comum
busca enquadrar o pensamento humano é saudável para o coração e para a mente.

263
A forma como isso é feito em Os colegas funciona também como um desafio
para a inteligência do leitor, obrigando-o a repensar padrões e encontrar senti-
do usando novos recursos que vão ampliar suas estratégias e a desenvolver novos
schemata (no sentido que vimos anteriormente) para a leitura de futuros textos (ou
situações) em sua vida.

Novas estruturas para pensar

Na segunda citação com que abri este pequeno ensaio, Nodelman se refere
a um conceito de “estrutura” no texto:

A estrutura se refere à forma pela qual várias partes de um texto se relacio-


nam umas com as outras, formando padrões. Ela depende muito da repeti-
ção e das variações de elementos iguais ou similares. (NODELMAN, 1996,
p. 57)

Como citei anteriormente, na análise do livro A teia de Charlotte, de E. B.


White, Nodelman chama a atenção para a presença de “listas” no livro todo, que,
aos poucos, vão nos ajudando a desenvolver um “padrão” para criar sentido. São
listas de comida, mas comida de todos os tipos. Lembrando que A teia de Charlotte
é uma história com dois momentos: um, em que uma menina tenta salvar a vida de
um porquinho raquítico; outra em que uma aranha tenta fazer isso também, essas
listas falam de insetos e lixo – de tudo o que come e é comido, criando um padrão
que nos leva a aceitar: “todas as coisas, incluindo coisas aparentemente ruins como
lixo, insetos ou a morte, como parte da glória que é este mundo em que vivemos”
(NODELMAN, 1996, p. 57).
Lygia Bojunga se vale de uma estratégia semelhante, embora usada em ou-
tro sentido. Suas personagens são pobres. Vivem precariamente, quase sempre ao
relento e sujeitas às intempéries, mas todos se ajudam da maneira que podem –
incluindo o pombo João Carlos de Oliveira Brito e os divertidos tatuzinhos Gar-
cia. Os protagonistas de Os colegas vivem de “viração”, como ela mesma diz. São
inúmeros os momentos em que os amigos improvisam, catando coisas do lixo,
recorrendo a estratégias para compensar sua situação de seres privados de poder
e de coisas materiais. Mas riem e se divertem, associam a música à alegria de viver
e acabam descobrindo que ser artista pode ser uma profissão digna. A repetição
desses momentos cria na cabeça do leitor uma “estrutura” que contraria concep-
ções tradicionais do que é a pobreza, da vida de sambistas e de pessoas do povo em
geral – sem negar a existência das dificuldades materiais, Lygia mostra que suas
personagens têm muita dignidade e merecem respeito.

264
Pensando-se que os leitores desse livro poderiam ser tanto as crianças de
classe média como as mais pobres, as repetições da narrativa são positivas para
ambas: ajudam as primeiras a enxergar as segundas, e estas enxergarem a si mes-
mas de maneira mais positiva.
Mas parar por aqui não faria jus à riqueza estética presente em Os colegas.
Lygia se vale de muitos outros recursos literários que merecem destaque e análise
particular: diálogos ágeis, histórias dentro da história principal, capítulos dentro
de capítulos; uso do espaço da página como forma de expressão, uso lúdico das
notas de rodapé; isso sem falar nas figuras de linguagem como personificação,
metáforas e onomatopeias.

Bem do seu tamanho, de ana maria machado (1979)

A história genérica frequentemente informa às crianças que elas são muito


limitadas para lidar com o mundo por conta própria.
Opcionalmente, entretanto, muitos contos de fadas dizem respeito a meninas
ingenuamente passivas (como Cinderela) ou o mais jovem (e teoricamente
mais tolo) de três irmãos, cuja ignorância dos caminhos do mundo, falta de
autoestima e passividade confiante lhe permitem ser bem-sucedido, enquanto
os irmãos mais velhos e supostamente mais inteligentes se dão mal. Como
nessas histórias, textos para crianças frequentemente valorizam a ignorância,
que descrevem como sábia inocência […].
Perry Nodelman

Literatura para crianças enquanto gênero

O trecho acima faz parte de uma análise de Perry Nodelman sobre as ca-
racterísticas da literatura para crianças como gênero: O que define um livro para
crianças? O que há de comum entre livros destinados a esse público? Existem algu-
mas características presentes em todos os livros, quer sejam eles “limitantes”, quer
estimulem a inteligência e a autonomia da criança? Há algo em comum entre os de
melhor e de pior qualidade literária?
Como já vimos, o que Nodelman chama de “história genérica” é a narrativa
que expressa de forma simples e sem nuances as características do gênero em ques-
tão: é aquela que segue um padrão básico e repetitivo, que não apresenta ao leitor
nenhum tipo de desafio.
Ele parece incluir nesse padrão os contos de fadas (ou tradicionais) com
heroínas “ingenuamente passivas” e também aqueles em que a personagem mais
jovem e ingênua e, “teoricamente”, “mais tola” conquista algo que os mais velhos e
“supostamente mais inteligentes” não conseguem.

265
Pessoalmente, considero que suas afirmações correm o risco de simplificar
aquilo que sabemos ser bem mais complexo, pois Nodelman ignora algumas ca-
racterísticas importantes dos contos de fadas ou maravilhosos:
• Em primeiro lugar, as heroínas não são exatamente passivas; elas lutam
pelo que querem (mesmo sendo um casamento com um príncipe);
• Em segundo, a ganância ou a falta de generosidade – na verdade, a ina-
bilidade de colocar-se no lugar do outro – costumam ser os motivos
pelos quais os irmãos mais velhos se dão mal. Normalmente, nos contos
de “três irmãos” o irmão mais novo parece ser o mais ingênuo, mas ao
demonstrar empatia pelos que precisam de ajuda revela um grau de ma-
turidade que lhe permite vencer onde seus irmãos falharam.

Assim, podemos também questionar Nodelman quando, mais adiante, ele


afirma que, nos contos de fadas: “A ajuda mágica chega para aqueles cuja falta de
habilidade os coloca mais em situação de necessidade de ajuda” (NODELMAN,
1996, p. 256).
Essa afirmação reforça a imagem de fraqueza e tolice do irmão mais novo,
dando a impressão de que aqueles que parecem tolos são realmente tolos. O mes-
mo vale para os que parecem fracos e em situação de “necessidade de ajuda”.
A “ajuda mágica” presente em muitos contos de fadas, embora venha sem-
pre de fora, pode ser compreendida subliminarmente pelo leitor como um compo-
nente oculto da personalidade daquele que precisa de ajuda, como a representação
simbólica de uma qualidade que estava latente e cuja descoberta eleva sua autoes-
tima e o ajuda a descobrir do que é capaz.
Assim como os “três irmãos”, que podem ser entendidos pelo leitor criança
como uma mesma personagem que amadurece no decorrer da narrativa, apren-
dendo a ter a atitude certa para chegar ao que está buscando.

Um passo além do conto de fadas

Em Bem do seu tamanho, Ana Maria Machado estabelece relações de trans-


versalidade com os contos tradicionais nos quais o herói sai pelo mundo em busca
de alguma resposta. Mas o interessante é analisar como essas relações se estabele-
cem recriando algumas situações dos contos tradicionais.
A narrativa também apresenta uma das características citadas por Nodel-
man para o padrão básico de história infantil: as personagens principais são crian-
ças, e a temática tem a ver com suas preocupações. Mas as atitudes e as perguntas
que se faz à protagonista, Helena (O que é ser pequeno? O que é ser grande? Como
saber qual é realmente meu tamanho, se meus pais dizem que sou grande para fa-

266
zer certas coisas e pequena para fazer outras?), indicam que não estamos às voltas
com uma menina “ingenuamente passiva” ou cheia de “uma passividade confian-
te”. Muito pelo contrário.
O primeiro capítulo se dedica a apresentar Helena e sua família. Moradora
pobre do mundo rural brasileiro, ela é uma menina a quem não faltam inteligência
e determinação. Seu diálogo inicial com o boi de mamão – brinquedo típico das
crianças da zona rural – é uma das partes mais bonitas do livro. Suas indagações,
suas angústias são expostas de maneira instigante para leitores da mesma idade
que a personagem.
Mesmo que a discussão de cunho “feminista” que Helena tem em seguida
com o pai soe exagerada para uma menina da roça (na verdade, ali parece predo-
minar mais a voz do narrador que da personagem); mesmo que nessa discussão o
pai seja apresentado como uma personagem mais complexa do que será na conti-
nuação da narrativa, desde o início já percebemos que não estamos diante daquilo
que Nodelman caracteriza como “narrativa genérica”.
Como num conto de fadas, Helena decide sair numa jornada em busca de
respostas. Também como costuma ocorrer nesses contos, ela leva consigo um fiel
companheiro, uma espécie de amuleto: seu boi de mamão.
As referências mais explícitas aos contos tradicionais aparecem no capítulo
II. No momento de partir, Helena lembra os pais de que precisam dar a ela os mes-
mos conselhos dos pais das histórias “na hora em que os filhos partem para essas
longas jornadas pelo mundo procurando alguma coisa”.
Os pais passam a dar conselhos, adaptando o conteúdo a uma visão de mun-
do utilitária:

E se vocês encontrarem uma velhinha precisando de ajuda […] ou um anão


com a barba presa numa árvore […] tratem de ajudar, porque pode ser uma
fada ou um gênio disfarçado. […] É… e eles podem dar alguma coisa mági-
ca a vocês, ou escolher um de vocês para afilhado, ou satisfazer três pedidos
[…].

Mas Helena, mostrando-se conhecedora da lógica das histórias, responde:

– Nada disso. A gente não pode logo começar sendo interesseiro. Você tem
é que perguntar aquele negócio da bênção e do dinheiro.
Foi aí que eles lembraram:
– Minha filha, você quer muito dinheiro e pouca bênção ou muita bênção e
pouco dinheiro?
E ela, que não era boba, e já sabia que sempre o irmão menor das histórias é
que pedia certo, tratou de responder:
– Muita bênção e pouco dinheiro.

267
É neste pequeno trecho que Ana Maria dá uma “virada” na estrutura do con-
to tradicional. Pois Helena não é nada ingênua ou boba. Espertamente, ela “pula”
a parte em que os dois irmãos mais velhos fazem tudo errado, pois a experiência
com a literatura lhe ensinou a “fazer de conta” que ela é o irmão menor e bobo,
pois ela sabe que é ele quem se dará bem. Podemos deduzir então que, mesmo que
apresentem modelos de heróis “simplórios e fracos”, os contos de fada podem nos
ensinar a ser mais espertos.

Seguindo o mestre

Ao relatar que os pais de Helena a deixam “sair pelo mundo” apenas acom-
panhada de seu boi de mamão e que lhe dão ao partir conselhos típicos dos contos
tradicionais, o narrador deixa implícito que tudo está ocorrendo no espaço da fic-
ção. Pois as crianças não são bobas e logo se dão conta de que, apesar do aparente
realismo do conto, adultos não deixariam uma criança “sair pelo mundo” tendo
como companhia apenas um boizinho feito de mamão. Isso só acontece de brin-
cadeira… ou nas histórias.
Leitora e admiradora confessa de Monteiro Lobato, Ana também não se
preocupa em separar de maneira clara, dentro da ficção, o que é “realidade” e o que
é imaginação. O corpo do boi de mamão é, obviamente, feito de mamão. Mesmo
assim ele fala, muda de tamanho, anda e pode carregar sua dona.
A viagem de Helena começa de forma fantasiosa, mas, ao encontrar o me-
nino Tipiti, parece transformar-se em algo mais real. Tipiti (cujo apelido está as-
sociado à rede usada para torcer e secar a massa da farinha de mandioca) é o con-
traponto realista às fantasias de Helena. Embora ele não estranhe o fato de o boi
de mamão ser uma criatura viva, ao saber que Helena está viajando não sabe para
onde, para descobrir qual é seu tamanho, espanta-se: “– Mas isso é muito fácil.
Você encosta ali naquela árvore e eu faço uma marquinha no alto de sua cabeça.
Depois você olha e fica sabendo qual é seu tamanho.”

Um novo Brasil

Com a entrada de Tipiti e sua família, a narrativa acrescenta elementos, per-


sonagens, objetos, paisagens e costumes de um Brasil rural e pobre. E a viagem de
busca de Helena transforma-se também numa ida à cidade, para levar duas sacas
de farinha para vender no mercado.
O aparecimento da terceira criança, a personagem Flávia, a menina de clas-
se média que é totalmente urbana, falante e atrevida e, ainda, tem uma bicicleta,

268
causa a princípio certa estranheza: ela não combina com o entorno, parece artifi-
cialmente colocada ali.
Entretanto, Flávia se integra ao grupo de forma simpática.
Diferentemente do Brasil do tempo de Lobato, estamos no final dos anos
1970, num momento em que nosso país está passando por um forte processo de
urbanização. A reunião das três crianças parece, assim, uma forma de simbolizar
essa passagem.
Na edição original do livro, há uma cena em que o ilustrador, Gerson Con-
forti, desenhou as três personagens lado a lado, cada qual montada no “veículo”
que a carrega na “jornada” que decidiram fazer juntas.
Essa imagem – que, de certa forma, recria, de forma meio “desconstruída”,
a clássica cena de Dom Quixote montado em Rocinante e Sancho Pança em seu
burrico – parece mostrar que o ilustrador captou exatamente um dos sentidos im-
portantes do livro. Tipiti é a personagem mais prática e realista, um representante
da realidade rural brasileira: sua viagem tem um objetivo, ajudar sua família. Hele-
na, influenciada pelas histórias, montada num animal imaginário, faz uma viagem
pelos caminhos de seu mundo interior; nesse sentido, ela representa nossas tra-
dições culturais (influenciadas pela cultura europeia, pois as histórias que Helena
conhece são também de origem europeia). À dupla, meio deslocada do contexto,
acrescenta-se Flávia, montada em sua bicicleta, a típica criança da classe média
urbana da década de 1970.
Quando acabam de se conhecer, há um diálogo em que a personalidade de
cada um parece ficar mais clara:

Helena foi reparando que Flávia sabia mesmo das coisas. E convidou:
– Você não quer viajar conosco?
– Pode ser. Onde é que vocês vão?
– Vamos até a vila, onde vai ter mercado.
E Tipiti, todo orgulhoso, foi explicando:
– Estou levando duas sacas de farinha para vender.
– E você? – quis saber Flávia, olhando para Helena.
– Eu não vou vender nada, não. Sou estou querendo descobrir alguma coisa.
– Ah então eu vou. Se a gente não descobrir, a gente inventa.

A imagem das três crianças juntas parece, assim, constituir-se em uma es-
pécie de “nascimento simbólico da criança brasileira ideal”, que tem a sabedoria
prática do povo, vive sua cultura de forma profunda, tem questionamentos sobre o
sentido da vida e, por fim, a audácia da criança urbana, questionadora e “pergun-
tadeira” (como a Emília de Lobato).

269
A imagem idealizada criada pelas três crianças juntas, apesar de bonita, pa-
rece apontar para uma fragilidade da narrativa, no que diz respeito à criação das
personagens.
Como dissemos, esta foi a primeira experiência de Ana Maria Machado
com novelas mais longas. Todos os seus contos anteriores eram pequenas histórias
escritas para a Revista Recreio, com personagens mais simples e infantis.
Uma novela exige personagens mais densas, como, de certa forma, é a pro-
tagonista de Bem do seu tamanho. Mas, para conseguir criar uma imagem idea-
lizada, ela foi obrigada a optar por um narrador totalmente onisciente, que tenta
controlar tudo o que acontece. A consequência disso é que, afora Helena, todas
as outras personagens tendem a ser planas, pois parecem ter a função apenas de
fazer declarações a respeito de si mesmas e do que está implícito que representam
na narrativa.

A força das palavras

Entretanto, o verdadeiro protagonista da novela Bem do seu tamanho vai


ficar evidente apenas no capítulo IV do livro.
Ao encontrarem o espantalho Pé de Letra, com quem têm uma conversa
surreal, à moda de Lewis Carroll – pois o espantalho, influenciado pelo nome que
recebeu, leva tudo “ao pé da letra” –, as crianças descobrem um dos aspectos mais
importantes da linguagem: fora do contexto, as palavras perdem totalmente seu
sentido; tentar entendê-las sem refletir sobre seu real significado é estupidez.
Helena, Tipiti e Flávia saem desse encontro um pouco mais espertos; saber
fazer uso da linguagem passa a ser, assim, uma forma de crescimento.
É numa pequena cidade do interior que as crianças testam suas descobertas.
Passam a perceber que, assim como as palavras, tudo na vida precisa ser com-
preendido dentro de seu real contexto; as coisas podem ser e não ser, dependendo
do ponto de vista e de sua coragem de olhá-las de perto.
É a sabedoria do verso popular, obtida quando “tiram a sorte” no realejo
(outra manifestação cultural típica do Brasil), que ajuda as personagens a enten-
derem a si mesmas e ao mundo ao redor. É curioso, porém, que Tipiti não esteja
presente na cena, por ter ido entregar as duas sacas de farinha, e não possa, assim,
“tirar sua sorte”.
Também a resposta destinada a Flávia me parece meio inócua, já que ela
recebe um conselho relativo a ter coragem – o que já tem de sobra. A resposta
recebida por ela me parece ser uma preparação para a entrada em cena de outra
manifestação popular brasileira: o fotógrafo lambe-lambe.

270
A única que retira um ensinamento verdadeiro da sorte que recebeu do pe-
riquito do realejo é Helena. O contato com a realidade a ajuda a encontrar a res-
posta para suas perguntas sobre o tamanho da gente: todos podemos ser pequenos
e ser grandes, depende da forma de se ver. O adulto deixa de ser aquele que está
sempre no controle de tudo e seguro da verdade. Pode-se ser adulto quando é pre-
ciso e também ser criança no momento de desfrutar a alegria de viver. Dos três,
Helena é a única personagem que evolui no decorrer da narrativa.
Também há um conjunto de premissas e ideias defendidas pelo narrador
de forma muito explícita, que poderiam ser mais bem integradas à narrativa: dar
poder às crianças, valorizar sua ingenuidade, sua busca pela verdade; valorizar
nossas tradições; defender a convivência pacífica e cooperativa entre o Brasil rural
e o urbano, entre as pessoas e as classes sociais.
Mas é importante ressaltar outra vez o ponto forte deste livro: a reflexão
sobre o sentido das palavras e as ambiguidades da linguagem.

Bibliografia

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas
Cidades / Ouro sobre azul, 2004.
FUNDAÇÃO NACIONAL DO LIVRO INFANTIL E JUVENIL. Um imaginário de livros e
leituras. Rio de Janeiro, FNLIJ, 2008.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 2017.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: História & histórias.
São Paulo: Ática, 1984.
MORTATTI, M. R. L. Leitura crítica da literatura infantil. Itinerários, 17, 2001.
NODELMAN, Perry. The Pleasures of Children’s Literature. New York: Longman, 1996.
RAFFAINI Patrícia Tavares. Pequenos poemas em prosa. Vestígios da literatura ficcional
na infância brasileira, nas décadas de 30 e 40. Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 2008.
SILVA, Raquel Afonso. Entre livros e leituras: um estudo de cartas e leitores. Tese de Douto-
rado apresentada ao Programa de Teoria e História Literária do Instituto de Estudos
da Linguagem da Universidade de Campinas, 2009.
VÁRIOS AUTORES. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Revista HISTEDBR.
Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.
pdf>. Acesso em: mar. 2019.
WHITE, E. B. A teia de Charlotte. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

271
Edições utilizadas para as análises literárias:
BOJUNGA, Lygia. Os colegas. Rio Janeiro: José Olympio Editora, 1998.
LISPECTOR, Clarice. O mistério do coelho pensante. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
MACHADO, Ana Maria. Bem do seu tamanho. Rio de Janeiro: Salamandra, 1991.

272
Divergir concordando – Dois prêmios literários e
os livros para crianças e jovens no Brasil

Marília Mendes
Carlos Pires

Prêmios literários constituem elementos-chave para se entender determina-


do contexto cultural. Eles são, pensando com Bourdieu,1 instâncias de consagração
em um determinado meio artístico ou intelectual decisivas nos processos de con-
servação e transmissão seletiva dos bens simbólicos desses mesmos campos que
ajudam a configurar. Alguns têm notoriedade e reconhecimento internacional, ou
são de fato centrais nas trocas simbólicas transnacionais como, por exemplo, o
Nobel ou o Hans Christian Andersen. Outros, como o Prêmio Camões, de língua
portuguesa, ou o Cervantes, de língua espanhola, marcam recortes nacionais ou
de determinadas comunidades de falantes de um mesmo idioma, embora com,
muitas vezes, ramificações que extrapolam esses recortes. Esses, não por acaso,
agenciam as figuras simbólicas e míticas dos “pais” das línguas dos seus países,
ou de países que formam essa comunidade imaginada de falantes, pensando com
Benedict Anderson (cf. ANDERSON, 2015).
No Brasil, temos alguns prêmios literários relativamente recentes que con-
tribuem na configuração desse campo artístico: Prêmio São Paulo de Literatura,
desde 2008, que anualmente seleciona os melhores romances de ficção, escritos em
língua portuguesa, originalmente editados e publicados no Brasil no ano anterior
da cerimônia de premiação; Prêmio Sesc de Literatura, desde 2003, que anual-
mente premia obras inéditas em duas categorias: Romance e Conto, destinadas ao
público adulto, escritas em língua portuguesa, por autores brasileiros ou estran-
geiros, residentes no Brasil; Prêmio Oceanos, também desde 2003, que até 2015 se
chamava Prêmio Portugal Telecom de Literatura, e premia obras de poesia, prosa
e crônicas publicadas em língua portuguesa; Prêmio Fundação Biblioteca Nacio-
nal, de 1994, que premia autores, tradutores e produtores gráficos brasileiros nas
categorias poesia, romance, conto, ensaio social, ensaio literário, tradução, projeto
gráfico, literatura infantil e literatura juvenil.
Além desses, temos também o Prêmio Jabuti, organizado pela Câmara Bra-
sileira do Livro (CBL), conhecido como o “Oscar” da Literatura nacional, o que

1   Bourdieu (BOURDIEU, 2007, p. 116-154) demonstra como instituições criam e fortalecem os
instrumentos de consagração – os prêmios fazem parte desses instrumentos – para se preservar e
assegurar a legitimidade dos bens simbólicos que agenciam em determinado campo.

273
indica sua posição central nesse contexto artístico-cultural. Foco de investigação
deste artigo junto com o Prêmio FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Ju-
venil), o Jabuti é, com efeito, o mais tradicional e antigo prêmio literário brasileiro,
existe desde 1959. Já o Prêmio FNLIJ é especializado em literatura infantil e juve-
nil, criado em 1975 em um contexto de expansão ao mesmo tempo das vendas de
livros e da indústria cultural no Brasil (cf. HALLEWELL, 2012, e REIMÃO, 1996).
No campo da literatura infantojuvenil no país, também foco deste artigo,
esses dois prêmios são, ao que parece, os mais significativos: o Jabuti com as ca-
tegorias Literatura Infantil, Literatura Juvenil e, a partir de 1983, também a de
Ilustração de Literatura Infantil ou Juvenil,2 e o “Prêmio FNLIJ”, “O Melhor para
a Criança” a categoria mais importante além das outras 18 atualmente premiadas
pela instituição. Ambos servem de referência para a leitura e divulgação de livros
para crianças e jovens em todo o Brasil (cf. GUERRA, 2015). A partir de uma
lista de lançamentos anuais, pais, professores, bibliotecários e outros mediadores
adquirem um documento de referência, e uma pré‐seleção feita por especialistas
com os livros de maior destaque.
O Prêmio Jabuti foi criado em 1958, idealizado por Edgar Cavalheiro, então
presidente da CBL, e pelo secretário da instituição Mário da Silva Brito – dois inte-
lectuais e estudiosos da literatura brasileira, o segundo responsável pela afirmação
e rotinização do modernismo no contexto nacional. O prêmio foi criado apesar do
período da baixa articulação do segmento editorial e da alta parcela de analfabetos
no país, em torno de 40% da população. Os idealizadores tiveram como norte pre-
miar os profissionais do livro que mais se destacassem a cada ano – profissionais,
importante salientar, em um contexto de baixa especialização dos trabalhos cultu-
rais (cf. ORTIZ, 1987). O secretário Mário da Silva Brito, um dos idealizadores do
prêmio, recebeu um Jabuti já na primeira edição de 1959 (que ajudou a idealizar)
por sua História do modernismo brasileiro, lançada pela editora Saraiva, capitanea-
da pela família fortemente envolvida na fundação da CBL – em 1946, Jorge Saraiva
foi o primeiro presidente da instituição. A família Saraiva, a que por mais tempo
ficou no comando da CBL3 até hoje, ganhou também o Jabuti “Editor do ano” em
1959, mesmo ano da fundação do prêmio.
Segundo Rosely Boschini, ex‐presidente da CBL, que escreveu um livro com
caráter celebrativo sobre o Jabuti:

2   A partir de 2018, essas três categorias do prêmio Jabuti foram concentradas em uma só, “In-
fantil e Juvenil”, o que provocou protestos dos profissionais atuantes na área, por não a considerarem
representativa do tipo de produções realizadas pelo setor.
3   Foram 14 anos, somando o mandato de Jorge Saraiva na fundação da CBL, 1946-1950, com o
de seu irmão Paulino Saraiva, 1967-1975.

274
Tudo começou sem alarde, simples e discretamente, como era do estilo do
personagem‐símbolo. Mas também com ousadia, como era do estilo dos
seus criadores, os diretores da CBL nos idos de 1950. Afinal, lançar um prê-
mio literário e editorial em um país de poucos livros e leitores não era pouca
coisa. (PRÊMIO JABUTI: 50 ANOS, 2008, p. 5).

Em 1959, com o então presidente Diaulas Riedel, foram contemplados Jorge


Amado, na categoria Romance, pela obra Gabriela, cravo e canela e, como dito, a
Editora Saraiva, na categoria Editor do Ano. O jabuti, animal conhecido por sua
vagarosidade, foi o escolhido para nomear o prêmio por, segundo os idealizadores,
influenciados pelo modernismo, valorizar a cultura popular nacional. Na época,
foi realizado um concurso para a confecção da estatueta, vencido pelo escultor
Bernardo Cid de Souza Pinto. O artista elaborou uma estátua por meio da simplifi-
cação dos traços do jabuti, simplificação essa que reverbera, de longe, as estratégias
de composição de Brecheret e de parte do modernismo dos anos 1920.4 A isso
ele acrescentou elementos gráficos em seu casco que remetiam aos trabalhos dos
concretistas realizados naquela mesma década de 1950. Isso justapunha esse mo-
dernismo aludido na simplificação dos traços – em vias de consagração inclusive
por meio do livro sobre o assunto de Mário da Silva Brito premiado na fundação
do Jabuti – e a experiência “moderna” da época. Ou, o que muito provavelmen-
te seduziu os organizadores do prêmio, o artista articulou no dispositivo criado
duas tradições modernas distintas, uma retomando o “modernismo heroico” das
vanguardas de 1920 no país e outra em que “atualizou” essa com as experiências
gráficas que, principalmente, os concretistas realizavam naquele momento de con-
fecção do troféu. Bernardo Cid de Souza Pinto estava ligado na segunda metade
dos anos 1950 ao abstracionismo e às tendências de época “modernas”.
O prêmio é fruto do processo de institucionalização do campo editorial,
já que contemplava, por meio de um recente órgão da classe editorial,5 livros e
editoras envolvidas na sua produção. Já o “Prêmio FNLIJ” surge em 1975, em um
contexto muito distinto, momento de consolidação da indústria cultural no país,
processo que se intensificou, segundo estudos de Renato Ortiz (1987), na segunda
metade da década de 1960. As especializações relacionadas aos trabalhos editoriais
e gráficos que começaram a ser oferecidas em cursos de maneira um pouco mais
regular na virada da década de 1940 para a seguinte, nos grandes centros do país,
em meados da década de 1970 ganhavam uma bem mais forte ancoragem institu-
cional por meio de universidades e cursos mais regulares, e, também, por meio de

4   Os trabalhos de Constatin Brancusi das duas primeiras décadas do século XX são provavelmen-
te uma das origens dessa simplificação.
5   A Câmara Brasileira do Livro (CBL) foi fundada em 1946.

275
uma demanda de mercado, principalmente voltada ao público infantil e juvenil,
com a rápida ampliação das editoras na virada da década de 1960 para a seguinte.6
É possível perceber essas distintas realidades culturais que os prêmios acu-
sam na própria forma como eles se organizam: o Jabuti contempla livros “adultos”
e “infantis”, sendo que, para os segundos, existiram, de 1983 a 2017, três categorias
(Livro Infantil, Livro Juvenil e Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil), enquanto o
Prêmio FNLIJ é exclusivo para publicações infantojuvenis, ou demarca um campo
que em boa medida se autonomizou dentro do literário na virada da década de
1960 para a seguinte. Em 2016, limite do nosso recorte de pesquisa, esse prêmio
(FNLIJ) contava com 18 categorias: Criança, Jovem, Imagem, Poesia, Informati-
vo, Tradução Criança, Tradução Jovem, Tradução Informativo, Tradução Reconto,
Projeto Editorial, Revelação Escritor, Revelação Ilustrador, Melhor Ilustração, Tea-
tro, Livro Brinquedo, Teórico, Reconto e Literatura de Língua Portuguesa.
A Instituição também é a responsável por indicar os candidatos ao Prêmio
Hans Christian Andersen, premiação internacional correspondente ao “Nobel da
Literatura” no campo dos livros para crianças e jovens, o que é revelador em rela-
ção aos processos que levaram à autonomização e institucionalização desse novo
campo para além dos limites nacionais, com um arranjo complexo e hierárquico
transnacional. O Brasil já teve, com efeito, três vencedores da premiação interna-
cional: Lygia Bojunga, em 1982; Ana Maria Machado, em 2000 (ambas como au-
toras); e Roger Mello, em 2014, como ilustrador, sendo este o primeiro ilustrador
latino‐americano a receber o prêmio.
No caso da FNLIJ, os livros são enviados pelos editores à fundação assim
que são lançados (é uma escolha da editora/autor enviar). Ou seja, não é preciso
pagar para inscrevê-los, diferente do Jabuti. Ambas as premiações ocorrem em
duas etapas: no Jabuti, primeiro é divulgada uma lista com dez livros finalistas
em cada categoria e, depois, outra com os três livros premiados; no Prêmio FN-
LIJ, primeiramente é divulgada uma lista de livros selecionados como “Altamente
Recomendáveis”, e, na segunda etapa, são divulgados os melhores livros de cada
categoria, que recebem efetivamente o prêmio.
Como mencionamos acima, ao longo da história, os prêmios passaram por
muitas mudanças: desde 1959 o Jabuti já mudou, entre outras coisas, desde os es-
paços para a cerimônia de entrega, até o número de categorias.
Neste artigo vamos apresentar parte de uma pesquisa que realizamos a par-
tir de uma tabulação dos livros premiados de 2001 a 2016 contendo as seguintes
informações: prêmio (Jabuti ou FNLIJ), categoria, posição (primeiro, segundo e

6   Para Sandra Reimão, suas pesquisas localizaram nos anos 1970 “o crescente processo de indus-
trialização da produção cultural” (REIMÃO, 1996, p. 18).

276
terceiro lugares no caso do Jabuti), ano, título, autor, ilustrador e editora. Foi feita
uma análise procurando identificar as editoras mais premiadas, autores, ilustrado-
res e afinidades ou diferenças entre os prêmios. Após esse levantamento, compa-
rou‐se esse com a lista de livros mais vendidos de livrarias renomadas do país, o
que confirmou uma intuição que tínhamos sobre a relação, ou a falta dela, entre os
livros premiados e os best‐sellers, ou os mais vendidos.
No breve histórico feito anteriormente sobre a origem dos prêmios, vimos
que eles foram criados em contextos muito diferentes, com propósitos distintos.
O Prêmio Jabuti confere um espaço um tanto genérico para a literatura infantil e
juvenil dentro de uma perspectiva da classe editorial do país. Já o Prêmio FNLIJ
é bem mais específico, a começar pelo fato de ter só a literatura infantil e juve-
nil no seu horizonte e dividir suas categorias. O Jabuti foi pensado para premiar
“profissionais do livro no Brasil”, em um contexto, como vimos, de relativa baixa
especialização do trabalho no campo cultural brasileiro, enquanto a FNLIJ já surge
como uma premiação específica, com um recorte na produção de livros direciona-
do a um público específico. E, ainda, no caso da FNLIJ, um tipo de livro que tem
o sistema educacional como o seu principal meio de circulação – com influência
envolvida em compras do Estado e/ou de grandes instituições. Esse prêmio tem
como foco maior o livro propriamente, e não as pessoas responsáveis por ele, os
“profissionais do livro”, ou a classe editorial.

Critérios distintos para a valoração dos livros para crianças e jovens

Em uma primeira filtragem comparativa, procuramos nos aproximadamen-


te 460 prêmios conferidos de 2001 a 2016 pelas duas instituições – 324 pela FNLIJ
e 136 pela CBL – quantas obras havia em comum. Desse total, apenas 36 títulos
receberam os dois prêmios (Jabuti e FNLIJ), menos de 10%, portanto. Essa primei-
ra filtragem, no entanto, precisa levar em conta muitos aspectos, como a organi-
zação mais genérica do prêmio da CBL,7 com seus nove prêmios anuais divididos
(de 2005 a 2016) em ordem hierárquica – 1o, 2o e 3o lugares – em três categorias:
Literatura Infantil, Literatura Juvenil e Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil. E a
especificação de prêmios únicos da FNLIJ que oscilam a cada ano,

7   No prêmio Jabuti, por mais de uma vez aconteceram empates. Em 2010, por exemplo, na cate-
goria Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil, cinco livros foram premiados, sendo dois em segundo
lugar e dois em terceiro. O mesmo ocorreu em 2007, na categoria Literatura Juvenil, com dois livros
premiados com o terceiro lugar.

277
indo de 17 em 2001… … a 24 em 2016:
Tradução Jovem Reconto
Teórico Tradução/Adaptação Jovem
Criança Literatura em Língua Portuguesa
Informativo Poesia
Tradução Informativo Ilustrador Revelação
Tradução Criança Tradução/Adaptação Criança
Escritor Revelação Livro-brinquedo
Livro Brinquedo Poesia
Projeto Editorial Imagem – Hors-Concours
Teatro Melhor Ilustração
Criança “Hors-Concours” Reconto – Hors-Concours
Escritor Revelação Jovem
Ilustrador Revelação Criança Hors-Concours
Reconto Melhor Projeto Editorial
Jovem Tradução/Adaptação Reconto
Imagem Imagem
Poesia Criança
Escritora Revelação
Informativo
Literatura em Língua Portuguesa
Teatro
Teórico
Tradução/Adaptação Informativo
Tradução/Adaptação Jovem

A própria constituição mais estável das categorias do Jabuti8 e sua hierar-


quia – bastante comum nas competições esportivas – revestem, ao que parece, a
premiação de um aspecto mais “tradicional”, ou contribuem para conferir a essa
premiação uma aparência institucional mais estável. Levando-se em consideração
que o Jabuti é mais antigo e inclui “a literatura” em geral, e dentro dessa dá um
espaço para a literatura para crianças e jovens, isso também confere importância
a essa esfera de consagração, ou isso é revelador de como a Câmara agenciou e
ancorou o seu prestígio nesse setor.
É necessário ser levado em conta, ainda, que o campo da literatura para
crianças e jovens se autonomizou em boa medida do da literatura em geral, como

8   O prêmio se desmembrou em Livro Infantil e Livro Juvenil em 2005, como veremos.

278
dito, mais recentemente. A FNLIJ assumiu um papel decisivo nesse processo,
criando estratégias de diferenciação, entre elas a própria maneira de premiar e os
vínculos com um sistema internacional de circulação dos livros para crianças e
jovens. Essas questões, de qualquer maneira, são ainda relativamente pouco estu-
dadas nessa chave que estamos propondo.
Voltando à nossa primeira comparação bruta entre os dois prêmios, de um
total de 460 prêmios atribuídos ao longo de 2001 a 2016, apenas 36 títulos rece-
beram os dois prêmios (Jabuti e FNLIJ). Mesmo levando em consideração que
não existe sobreposição de categorias, o que torna a comparação pouco precisa e
inefetiva em alguns casos, se olharmos para o ano de 2012:

Prêmio Categoria Título


FNLIJ Criança O alvo
FNLIJ Escritor(a) Revelação O livro negro de Thomas Kyd
FNLIJ Imagem A chegada
FNLIJ Informativo Dinos do Brasil
FNLIJ Informativo ”Hors-Concours” Três anjos mulatos do Brasil
FNLIJ Jovem A morena da estação
Poetas portugueses de hoje e de ontem: do sé-
FNLIJ Literatura em Língua Portuguesa
culo XIII ao XXI para os mais novos
FNLIJ Livro-brinquedo Na floresta do bicho-preguiça
FNLIJ Poesia O lenhador
FNLIJ Reconto O livro dos pássaros mágicos
FNLIJ Teatro A rosa que gira a roda
FNLIJ Teórico Para ler o livro ilustrado
FNLIJ Tradução/Adaptação Criança Uma noite muito, muito estrelada
FNLIJ Tradução/Adaptação Criança Fonchito e a lua
FNLIJ Tradução/Adaptação Informativo O menino que mordeu Picasso
FNLIJ Tradução/Adaptação Jovem Branca como o leite, vermelha como o sangue
FNLIJ Tradução/Adaptação Reconto Fábulas de Esopo

Prêmio Categoria Posição Título


Ilustração de Livro o
Jabuti 1 lugar Mil e uma estrelas
Infantil ou Juvenil

279
Ilustração de Livro o
Jabuti 2 lugar A visita
Infantil ou Juvenil
Ilustração de Livro o
Jabuti 3 lugar Carmela vai à escola
Infantil ou Juvenil
Jabuti Literatura Infantil 1o lugar Benjamin: Poemas com desenhos e músicas
Jabuti Literatura Infantil 2o lugar O herói imóvel
Jabuti Literatura Infantil 3o lugar Votupira o vento doido da esquina
Jabuti Literatura Juvenil 1o lugar A mocinha do Mercado Central 
Jabuti Literatura Juvenil 2o lugar A guardiã dos segredos de família

Perceberemos um exemplo extremado do que, em boa medida, esses dados


revelam: nenhum dos treze títulos premiados pela FNLIJ consta na lista dos nove
premiados pelo Jabuti daquele ano. Temos em 2012 um exemplo máximo de um
mesmo campo de produção cultural em que as duas principais instituições respon-
sáveis por premiar as obras que ali circulam não compartilham nem minimamente
dos critérios dos livros que julgam. Ou, em outras palavras, existe uma separação
clara, que em 2012 se revela de maneira ainda mais nítida, entre essas duas instân-
cias de consagração que atuam em um mesmo campo artístico.
Essa diferença passa, olhando ainda para o exemplo de 2012, por escolhas
de casas editoriais distintas:

FNLIJ Jabuti
Ática Cosac Naify
FTD DCL
Edições SM Editora Record
Peirópolis Editora Melhoramentos
FTD Editora Rovelle
Moderna Edições SM
Martins Martins Fontes Editora Globo
Cosac Naify Edições SM
Peirópolis Editora Positivo
FTD
Dimensão
Cosac Naify
Edições SM
Objetiva
Cosac Naify

280
Bertrand Brasil
Edições SM

Excetuando Cosac Naify e Edições SM, não existe mais qualquer sobreposi-
ção nesse ano entre dezesseis editoras.
Deslocando a análise para o ano de 2007, onde é possível observar alguns
pontos de contato entre as premiações: dos 28 prêmios atribuídos nesse ano, Lam-
pião & Lancelote, de Fernando Vilela, ganhou ao todo seis prêmios, quatro da FN-
LIJ – Escritor Revelação, Melhor Ilustração, Poesia e Projeto Editorial – e dois
primeiros lugares da CBL – Literatura infantil e Ilustração de Livro Infantil ou
Juvenil. Seguindo o grande premiado do ano, outra sobreposição de uma artista
já consagrada no campo, Eva Furnari, que com seu Felpo Filva ganhou o terceiro
lugar da CBL, Literatura Infantil, e o prêmio Criança “Hors-Concours” da FNLIJ.
Os outros 20 prêmios do ano, fazendo a ressalva de que em alguns casos a sobrepo-
sição não é possível, são atribuídos a livros completamente diferentes, com, algu-
mas vezes, repetições nas editoras Edições SM, Companhia das Letrinhas e Cosac
Naify. As duas últimas são as mais premiadas ao longo do recorte temporal que
esta pesquisa privilegia: Companhia das Letrinhas com 62 prêmios, Cosac Naify
com 61, seguidas pela SM com 27 e Ática com 26.

Editoras – Jabuti Editoras – FNLIJ


Companhia das Letras/
Cosac Naify 17 48
Companhia das Letrinhas
Companhia das Letras/
14 Cosac Naify 44
Companhia das Letrinhas
Ática 10 Edições SM 20
Edições SM 7 Ática 16
Moderna 7 Peirópolis 13
FTD 5 Manati 12
Salamandra 5 Salamandra 11
DCL 4 Martins Editora 10

De qualquer maneira, mesmo nas raras vezes em que essas editoras mais
premiadas estão presentes nos dois prêmios, os títulos, com as exceções comen-
tadas acima, são diferentes, o que, como estamos argumentando, revela um forte
descompasso entre as instituições, ou, ao menos, critérios muito distintos para a
valoração dos livros para crianças e jovens.
Em 2001, começo do nosso levantamento, o Jabuti não separava literatura

281
infantil e juvenil, o que só passou a acontecer em 2005.9 Em 2001, nas 23 pre-
miações, 6 da CBL e o restante da FNLIJ, aconteceram quatro sobreposições,10 ou
oito prêmios, quatro de cada instituição. Do ponto de vista estatístico, isso vai em
direção contrária ao que estamos argumentando em relação às instituições terem
critérios de avaliação distintos, já que a FNLIJ premiou mais da metade dos livros
contemplados pela CBL, quase 70% de fato. Em 2002, algo semelhante acontece,
com a premiação de dois títulos em comum, Meninos do mangue, de Roger Mello,
e Clave de lua, de Leo Cunha – com, ainda, o livro de Mello recebendo o prêmio
Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil da CBL e dois da FNLIJ, Criança “Hors-
-Concours” e Melhor Ilustração “Hors-Concours”.
Em 2003, também dois títulos em comum dos 30 daquele ano – 6 da CBL e
24 da FNILIJ. Em 2004, uma única sobreposição de premiação, Até passarinho pas-
sa, de Bartolomeu Campos de Queirós, Criança “Hors-Concours”, FNLIJ e Men-
ção Honrosa no Jabuti. E, a partir de 2005, com o desmembramento de infantil e
juvenil no Jabuti, do ponto de vista quantitativo a diferença se acentua, mesmo
com os 3 títulos em comum premiados nesse ano pelas duas instituições, 911 de um
total de 32 – 1012 atribuídos pela CBL e 22 pela FNLIJ.
Em quinze anos, cinco títulos que foram vencedores da categoria Literatura
Infantil ou Literatura Juvenil receberam também o prêmio de Livro do Ano no
Jabuti (o que representa um terço dos premiados, mostrando a representatividade
da literatura infantojuvenil dentro do campo literário ampliado, ou considerando
também a literatura produzida para adultos). Porém, desses cinco, apenas um deles
foi selecionado também pela FNLIJ: Breve história de um pequeno amor, de Marina
Colasanti, em 2014. Os outros quatro – A mocinha do Mercado Central, de Stella
Maris Rezende; O menino que vendia palavras, de Ignácio de Loyola Brandão; Bi-
chos que existem & bichos que não existem, de Arthur Nestrovski; e O fazedor de
amanhecer, de Manoel de Barros – nem entraram na lista da FNLIJ, mostrando
uma brutal diferença nos critérios de seleção, já que quatro livros “melhores do
ano” de uma instituição não são considerados pela outra.
Dez títulos receberam a premiação em ao menos duas categorias em algum

9   Isso dentro do período que levantamos, em momentos anteriores do prêmio esse desmembra-
mento aconteceu.
10   Os livros são: Indo não sei aonde buscar não sei o quê, de Angela-Lago – Criança “Hors-Con-
cours”, FNLIJ, Literatura Infantil ou Juvenil, Jabuti; Um gato chamado gatinho, de Ferreira Gullar,
com ilustração de Angela-Lago – Poesia, FNLIJ, Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil, Jabuti; Chica
e João, de Nelson Cruz – Criança, FNLIJ, Literatura Infantil ou juvenil, Jabuti; e Festa, de Marcelo
Xavier – Projeto Editorial, FNLIJ, Literatura Infantil ou Juvenil, Jabuti.
11   Dez de fato, pois um dos livros premiados, o de Roger Mello, ganha dois prêmios da FNLIJ.
12   Neste ano foram dados quatro prêmios Literatura Juvenil com um empate no 2o lugar.

282
dos prêmios. Vimos alguns casos como Lampião & Lancelote (2007), de Fernando
Vilela, com duas categorias no Jabuti e quatro no FNLIJ e Meninos do mangue
(2002), de Roger Mello, com dois no Jabuti e dois no FNLIJ.

283
Títulos premiados nos dois prêmios
Posi-
Prêmio Categoria Ano Título Autor Ilustrador Editora
ção
Literatura Thais
Jabuti 3o lugar 2016 Iluminuras Rosana Rios Lê
Juvenil Linhares
Iluminuras: uma
Thais
FNLIJ Jovem   2016 incrível viagem ao Rosana Rios Lê
Linhares
passado
Criança Hors- Mariana Companhia
FNLIJ   2016 Inês Roger Mello
-Concours Massarani das Letrinhas
Melhor Projeto Mariana Companhia
FNLIJ   2016 Inês Roger Mello
Editorial Massarani das Letrinhas
Literatura Mariana Companhia
Jabuti 1o lugar 2016 Inês Roger Mello
Infantil Massarani das Letrinhas
Literatura Carolina Moreyra Odilon
Jabuti 2o lugar 2016 Lá e aqui Zahar
Infantil e Odilon Moraes Moraes
Carolina Odilon Pequena
FNLIJ Criança   2016 Lá e aqui
Moreyra Moraes Zahar
Ilustração de
Os três ratos de Alexandre Alexandre
Jabuti Livro Infantil 2o lugar 2015 Pulo do Gato
Chantilly Camanho Camanho
ou Juvenil
Melhor Os três ratos de Alexandre Alexandre
FNLIJ   2015 Pulo do Gato
Ilustração Chantilly Camanho Camanho
Renato Renato Companhia
FNLIJ Imagem   2014 Bárbaro
Moriconi Moriconi das Letrinhas
Ilustração de
Renato Renato Companhia
Jabuti Livro Infantil 1o lugar 2014 Bárbaro 
Moriconi Moriconi das Letras
ou Juvenil
Criança Hors- Breve história de um Marina Rebeca
FNLIJ   2014 FTD
-Concours pequeno amor Colasanti Luciani
Literatura Breve história de um Marina Rebeca
Jabuti 1 lugar 2014
o
FTD
Infantil pequeno amor* Colasanti Luciani
António
Literatura Uma escuridão
Jabuti 3o lugar 2014 Ondjaki  Jorge Pallas
Juvenil bonita
Gonçalves
Literatura em António
Uma escuridão
FNLIJ Língua    2014 Ondjaki Jorge Pallas
bonita
Portuguesa Gonçalves
Ilustração de
Fernando
Jabuti Livro Infantil 2o lugar 2013 Simbá, o marujo Stela Barbieri Cosac Naify
Vilela
ou Juvenil
Fernando
FNLIJ Reconto   2013 Simbá, o marujo Stela Barbieri Cosac Naify
Vilela
Melhor André
FNLIJ   2013 Tom André Neves Projeto
Ilustração Neves
Ilustração de
André
Jabuti Livro Infantil 1o lugar 2013 Tom  André Neves Projeto
Neves
ou Juvenil
Literatura Editora
Jabuti 2o lugar 2013 Visita à baleia Paulo Venturelli  Nelson Cruz
Infantil Positivo

284
FNLIJ Criança   2013 Visita à baleia Paulo Venturelli Nelson Cruz Positivo
Melhor
FNLIJ Ilustração   2013 Visita à baleia Paulo Venturelli Nelson Cruz Positivo
(Hors-Concours)
Literatura Eloar
Jabuti 2o lugar 2011 A lua dentro do coco Sérgio Capparelli Projeto
Infantil Guazzelli
FNLIJ Poesia   2011 A lua dentro do coco Sérgio Capparelli Guazzelli Projeto
Melhor Ilustra-
Angela-La-
FNLIJ ção   2011 Psiquê Angela-Lago Cosac Naify
go
“Hors Concours”
Reconto “Hors Angela-La-
FNLIJ   2011 Psiquê Angela-Lago Cosac Naify
Concours” go
Literatura Angela-La-
Jabuti 3o lugar 2011 Psiquê  Angela-Lago Cosac Naify
Infantil go
Literatura Avó Dezanove e o Companhia
Jabuti 1o lugar 2010 Ondjaki   
Juvenil segredo do soviético das Letras
Literatura em
AvóDezanove e o Companhia
FNLIJ Língua   2010 Ondjaki -
segredo do soviético das Letras
Portuguesa
Melhor
Companhia
FNLIJ Ilustração   2010 Carvoeirinhos Roger Mello Roger Mello
das Letrinhas
Hors-Concours
Literatura Companhia
Jabuti 2o lugar 2010 Carvoeirinhos  Roger Mello  Roger Mello 
Infantil das Letras
Ilustração de
Angela-La-
Jabuti Livro Infantil 2o lugar 2010 Marginal à esquerda Angela-Lago RHJ
go
ou Juvenil
Literatura Angela-La-
Jabuti 2o lugar 2010 Marginal à esquerda Angela-Lago RHJ
Juvenil go
Jovem Angela-La-
FNLIJ   2010 Marginal à esquerda Angela-Lago RHJ
Hors-Concours go
Nair Eli-
Ilustração de
Graziela Bozano sabeth da
Jabuti Livro Infantil 2o lugar 2010 O lobo Manati 
Hetzel Silva Tei-
ou Juvenil
xeira
Graziela Bozano Elizabeth
FNLIJ Criança   2010 O lobo Manati
Hetzel Teixeira
Literatura
Jabuti 1o lugar 2009 O fazedor de velhos  Rodrigo Lacerda    Cosac Naify
Juvenil
Adrianne
FNLIJ Jovem   2009 O fazedor de velhos. Rodrigo Lacerda Cosac Naify
Gallinari
Ilustração de
João Felizardo – o Angela-La-
Jabuti Livro Infantil ou 2o lugar 2008 Angela-Lago Cosac Naify
rei dos negócios go
Juvenil
Reconto “Hors- João Felizardo – o Angela-La-
FNLIJ   2008 Angela-Lago Cosac Naify
-Concours” rei dos negócios go
Ilustração de
Poeminha em língua Martha
Jabuti Livro Infantil ou 3o lugar 2008 Manoel de Barros Record
de brincar Barros
Juvenil
Poeminha em língua Martha
FNLIJ Poesia   2008 Manoel de Barros Record
de brincar Barros

285
Literatura In- Zubair e os labi- Companhia
Jabuti 3o lugar 2008 Roger Mello Roger Mello
fantil rintos das Letras
Melhor Projeto Zubair e os labi- Companhia
FNLIJ   2008 Roger Mello Roger Mello
Editorial rintos das Letrinhas
Literatura In-
Jabuti 3o lugar 2007 Felpo Filva Eva Furnari Eva Furnari Moderna
fantil
Criança “Hors-
FNLIJ   2007 Felpo Filva Eva Furnari Eva Furnari Moderna
-Concours”
Literatura In- Companhia
Jabuti 2o lugar 2007 João por um fio Roger Mello  Roger Mello 
fantil das Letras
Ilustração de
Lampião & Lan- Fernando
Jabuti Livro Infantil ou 1o lugar 2007 Fernando Vilela Cosac Naify
celote Vilela
Juvenil
Literatura In- Lampião & Lan- Fernando
Jabuti 1o lugar 2007 Fernando Vilela Cosac Naify
fantil celote Vilela
Escritor Reve- Lampião & Lan- Fernando
FNLIJ   2007 Fernando Vilela Cosac Naify
lação celote Vilela
Melhor Ilustra- Lampião & Lan- Fernando
FNLIJ   2007 Fernando Vilela Cosac Naify
ção celote Vilela
Lampião & Lan- Fernando
FNLIJ Poesia   2007 Fernando Vilela Cosac Naify
celote Vilela
Lampião & Lan- Fernando
FNLIJ Projeto Editorial   2007 Fernando Vilela Cosac Naify
celote Vilela
Criança “Hors
FNLIJ   2006 Cacoete Eva Furnari Eva Furnari Ática
Concours”
Ilustração de
Jabuti Livro Infantil ou 1o lugar 2006 Cacoete  Eva Furnari Eva Furnari Ática
Juvenil
Literatura In-
Jabuti 3o lugar 2006 Cacoete  Eva Furnari Eva Furnari Ática
fantil
Criança “Hors Companhia
FNLIJ   2006 João por um fio Roger Mello Roger Mello
Concours” das Letrinhas
Melhor Ilustra-
Companhia
FNLIJ ção “Hors Con-   2006 João por um fio Roger Mello Roger Mello
das Letrinhas
cours”
Lis no peito: um li- Jorge Miguel
Jabuti Literatura Juvenil 1o lugar 2006   Biruta
vro que pede perdão Marinho
Lis no peito: um li- Jorge Miguel
FNLIJ Jovem   2006   Biruta
vro que pede perdão Marinho
Ilustração de
Palavra cigana: seis Stephan
Jabuti Livro Infantil ou 2o lugar 2006 Florencia Ferrari Cosac Naify
contos nômades Doitschnoff
Juvenil
Palavra cigana: seis Stephan
FNLIJ Reconto   2006 Florencia Ferrari Cosac Naify
contos nômades Doitschinoff
Ilustração de
Jabuti Livro Infantil ou 1o lugar 2005 Nau Catarineta Roger Mello Roger Mello Manati
Juvenil
Melhor Ilustra-
FNLIJ ção “Hors Con-   2005 Nau Catarineta Roger Mello Roger Mello Manati
cours”
Reconto “Hors
FNLIJ   2005 Nau Catarineta Roger Mello Roger Mello Manati
Concours”

286
JabutiLiteratura Juvenil 3o lugar 2005 No longe dos Gerais Nelson Cruz  Nelson Cruz  Cosac Naify
Projeto Editorial
FNLIJ   2005 No longe dos Gerais Nelson Cruz Nelson Cruz Cosac Naify
“Hors Concours”
O olho de vidro do Bartolomeu Cam-
Jabuti Literatura Juvenil 2o lugar 2005   Moderna
meu avô pos de Queirós
Jovem “Hors O olho de vidro do Bartolomeu Cam-
FNLIJ   2005   Moderna
Concours” meu avô pos de Queirós
Men-
Literatura Infan- ção Até o passarinho Bartolomeu Cam- Elisabeth
Jabuti 2004 Moderna
til ou juvenil Hon- passa pos de Queirós Teixeira
rosa
Criança “Hors- Até passarinho Bartolomeu Cam- Elizabeth
FNLIJ   2004 Moderna
-Concours” passa pos de Queirós Teixeira
Men-
Ilustração de Chapeuzinho Ver-
ção Rui de Companhia
Jabuti Livro Infantil ou 2003 melho e outros con- Rui de Oliveira
Hon- Oliveira das Letrinhas
Juvenil tos por imagem
rosa
Chapeuzinho Ver- Rui de Oliveira.
Rui de Companhia
FNLIJ Imagem   2003 melho e outros con- Luciana Sandroni
Oliveira das Letrinhas
tos por imagem (adaptação)
Ilustração de
Eliardo
Jabuti Livro Infantil ou 1o lugar 2002 Clave de lua Leo Cunha Paulinas
França 
Juvenil
Melhor Ilustra- Eliardo
FNLIJ   2002 Clave de lua Léo Cunha Paulinas
ção França
Eliardo
FNLIJ Poesia   2002 Clave de lua Leo Cunha Paulinas
França
Ilustração de
Companhia
Jabuti Livro Infantil ou 3o lugar 2002 Meninos do mangue Roger Mello  Roger Mello 
das Letrinhas
Juvenil
Literatura Infan- Vence- Companhia
Jabuti 2002 Meninos do mangue Roger Mello  Roger Mello 
til ou juvenil dor das Letrinhas
Criança “Hors- Companhia
FNLIJ   2002 Meninos do mangue Roger Mello Roger Mello
-Concours” das Letrinhas
Melhor Ilustra-
Companhia
FNLIJ ção “Hors-Con-   2002 Meninos do mangue Roger Mello Roger Mello
das Letrinhas
cours”
Literatura Infan- Vence-
Jabuti 2001 Chica e João Nelson Cruz Nelson Cruz Formato
til ou juvenil dor
FNLIJ Criança   2001 Chica e João Nelson Cruz Nelson Cruz Formato
Literatura Infan- Vence- Indo não sei aonde
Jabuti 2001 Ângela Lago Ângela Lago RHJ
til ou juvenil dor buscar não sei o quê
Criança “Hors- Indo não sei aonde Angela-La-
FNLIJ   2001 Angela-Lago RHJ
-Concours” buscar não sei o quê go
Um gato chamado Angela-La-
FNLIJ Poesia   2001 Ferreira Gullar Salamandra
Gatinho go
Ilustração de
Vence- Um gato chamado
Jabuti Livro Infantil ou 2001 Ferreira Gullar Ângela Lago Salamandra
dor Gatinho 
Juvenil
* Ganhou também Prêmio Livro do Ano Ficção

287
***

A partir da breve história desses prêmios foi possível identificar uma dinâ-
mica de afirmação cultural e autonomização relativa do campo da literatura para
crianças e jovens a partir do final da década de 1960 e, principalmente, na década
de 1970 que acompanha um processo, segundo Reimão, de industrialização da
cultura (cf. REIMÃO, 1996). Essa autonomização acompanha disputas em torno
desse campo que acabaram por criar instâncias de consagração divergentes. No
entanto, na média geral do período estudado, poucas editoras de aproximadamen-
te uma centena – Companhia das Letrinhas, Cosac Naify, SM e Ática, principal-
mente – adquirem posição hegemônica nesse campo. Isso, curiosamente, mesmo
com a relativamente pouca similaridade nas escolhas por parte das duas institui-
ções em foco nesta pesquisa.
Bourdieu diz sobre o processo de “canonização” da consagração:

Por maiores que possam ser as variações da estrutura das relações entre as
instâncias de conservação e consagração, a duração do “processo de cano-
nização” (montado por estas instâncias antes de concederem sua consagra-
ção) depende diretamente da medida em que sua autoridade é reconhecida
e capaz de impor‐se de maneira duradoura. (BOURDIEU, 2007. p. 120‐121).

Essa divergência dos critérios de valor nessas instâncias de consagração re-


sultou, ao contrário do que se poderia crer, não em uma pluralidade de editoras,
o que até aconteceu residualmente, mas, de fato, em uma consagração de poucas
casas editoriais no período do nosso recorte. Ou, estabelecendo outro ângulo para
o problema, a “canonização” de determinadas editoras foi central, ao que pare-
ce, para a reprodutibilidade e a conservação desse campo, o que aconteceu sus-
tentando duas instituições aparentemente divergentes, ou que divergem em boa
medida na escolha dos livros, mas não na escolha das editoras. Claro que muitos
outros fatores precisariam ser levados em conta antes de uma conclusão definitiva
nessa direção. Fatores, entre outros, como um sistema cultural instável, bastante
dependente de compras governamentais e de instituições para se financiar.13 E,

13   Ver neste livro o artigo de Lenice Bueno que organiza os diferentes momentos do “boom” da
literatura para crianças e jovens na década de 1970 e apresenta uma hipótese que compartilhamos
sobre sua expansão “que ocorreu principalmente na entrada do novo século, provocada pelo incre-
mento das compras governamentais e pelo surgimento das megalivrarias, associado à internacionali-
zação do setor editorial” (ver neste livro, página XXX). Segundo o Sindicato Nacional de Editoras de
Livros (Snel), de 2006 a 2015 houve uma queda considerável no preço médio do livro: 36% no setor
como um todo. Porém, nas obras gerais (onde se encontram os livros de literatura infantojuvenil), a
queda foi de 44%, o que aponta para o fato de as editoras procurarem oferecer livros menos custosos

288
como estamos insinuando, o fato de a literatura para crianças e jovens formar um
subsistema,14 que procura diferenciação, dentro de um campo literário ampliado
em que no mesmo período “o romance constitui a face mais visível e valorizada
da literatura brasileira contemporânea” (ZILBERMAN, 2017, p. 426). Regina Zil-
berman, pesquisadora que estuda há décadas a literatura para crianças e jovens no
país, afirma ainda, pensando no romance:

Os prêmios literários não inventam seus resultados, mas evidenciam as


orientações adotadas por um grupo de escritores – residentes nos dois
maiores centros brasileiros, na maioria homens e relativamente jovens – re-
presentativos ambos, orientações e escritores, do romance brasileiro desta
década em curso (ZILBERMAN, 2017, p. 436)

Nos prêmios literários que investigamos, é possível verificar que essa afirma-
ção em relação ao gênero não se sustenta, ou não se sustenta da mesma maneira.
Homens e mulheres estão relativamente equiparados como autores e ilustradores
premiados, o que não surpreende propriamente, pois o livro para crianças e jovens
tem como um dos espaços prioritários de circulação as escolas, espaços predomi-
nantemente ocupados, principalmente no ensino fundamental I, por mulheres.
Além do fato de esses livros ainda estarem no imaginário social relacionados de
maneira um tanto imediata aos “cuidados com as criança,15 âmbito considerado
“naturalmente” feminino na divisão, injusta, do trabalho “doméstico”16 que se es-

e mais acessíveis, ou, talvez, o mercado ter ficado mais competitivo. Isso se deu, em grande parte, pelo
acordo feito por representantes do Plano Nacional do Livro da da Leitura (PNLL) com as editoras,
acordo que conseguiu derrubar impostos dos livros e diminuir seu preço para o consumidor final:
Em 21 de dezembro de 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei de Desoneração
Fiscal que isenta “[…] a produção, comercialização e importação de livros do pagamento do PIS/
Cofins/Pasep, o que varia entre 3,655 a 9,25%” (SCORTECCI; PERFETTI, 2006, p. 29). Desse modo,
editores, livreiros e distribuidores não mais pagarão qualquer tipo de taxa ou imposto sobre opera-
ções com livro gozando, pois, de imunidade tributária, conforme prevê a Constituição, na Seção II
– Das Limitações do Poder de Tributar, Art. 150, inciso VI, alínea “d” (BRASIL. MINISTÉRIO DA
CULTURA, 2005). A desoneração foi vista por muitos de forma bastante otimista, sobretudo pelo
próprio governo, como uma garantia de uma redução no preço do livro, fato que não está assegurado
(BRASIL, MINISTÉRIO DA CULTURA, ano).
14   Paralelo ao “boom” da literatura para crianças nos anos 1970, acontece o “boom” dos contos,
que adquirem forte importância naquele contexto literário. Sobre esse fenômeno ver Regina Dalcas-
tagnè (2001). Nas últimas décadas, ou no mesmo recorte temporal desta pesquisa, o romance passa,
segundo Zilberman, a ocupar uma posição central no campo.
15   Em um levantamento que fizemos em escolas de uma região da periferia da cidade de São
Paulo, uma década e pouco atrás, constatamos, embora com uma amostragem não estatisticamente
significativa, que os livros eram escolhidos e lidos em sala de aula pelas professoras principalmente
levando em conta o ensinamento moral que eles poderiam trazer para as crianças.
16   Wendy Goldman (2014, p. 52) defende que a primeira legislação que desnaturalizou essa “con-

289
palha para o mundo do trabalho.

Livros premiados e mais vendidos

Comparando as listas dos livros premiados e dos livros mais vendidos do


ano, notamos que nenhuma obra está presente nas duas listas. O levantamento
dos livros mais vendidos foi feito pelo site do mercado editorial Publishnews, ne-
wsletter. Essa lista começou a ser realizada em 2010 e é elaborada a partir da soma
simples das vendas das seguintes livrarias: Argumento, Livraria Cultura, Livrarias
Curitiba, Fnac, Laselva, Leitura, Livraria da Vila, Martins Fontes SP, Nobel, Sarai-
va, SuperNews e Travessa. Na própria descrição da metodologia, o portal informa
que mobiliza apenas uma amostra para a confecção da lista e não toda a venda de
livros no Brasil.
Assim, segue a tabela com os livros nacionais mais vendidos de 2010 a 2016
da lista infantojuvenil de autores nacionais:

Ano Posição Título Autor Editora


Harper-
2016 1 O diário de Larissa Manoela Larissa Manoela
Collins
Astral
2016 3 Authentic Games Marco Túlio
Cultural
Suma de
2016 5 Dois mundos, um herói Rezende Evil
Letras
2016 6 Segredos da Bel para meninas Bel / Fran Única
Geração
2016 7 Herobrine – A lenda Pac e Mike
Jovem
Suma de
2016 8 De volta ao jogo Rezende Evil
Letras
Astral
2016 11 Authentic Games – A batalha da torre Marco Túlio
Cultural
Mariany e
Astral
2016 17 Papo de menina Nathany Petrin Mar-
Cultural
tins
2016 18 Sinceramente Maisa Maisa Silva Gutenberg
Christian Figueiredo Novas
2015 2 Eu fico loko
de Caldas Páginas

dição feminina” e “varreu séculos de domínio patriarcal e eclesiástico e firmou uma nova doutrina
baseada em direitos individuais e igualdade de gênero” aconteceu em outubro de 1918, na União
Soviética. Algo que demorou ainda muitas décadas para começar a ser considerado nos sistemas
legais de outros países.

290
Christian Figueiredo Novas
2015 5 Eu fico loko 2
de Caldas Páginas
Suma de
2015 6 Dois mundos, um herói Rezende Evil
Letras
Paula Pimenta / Babi
2015 12 Um ano inesquecível Dewet / Bruna Vieira Gutenberg
/ Thalita Rebouças
Minha vida fora de série – 3a tempora-
2015 14 Paula Pimenta Gutenberg
da
Minha vida fora de série – 2 tempora-
a
2013 19 Paula Pimenta Gutenberg
da
Globo
2012 1 Agapinho Padre Marcelo
Livros

Em uma seleção que abrange 2010 a 2016, com 140 livros selecionados,
apenas 12 são de autores nacionais, sendo que em 2010, 2011 e 2014 não existiu
qualquer representante brasileiro entre os mais vendidos. Em 2012 e 2013, tivemos
apenas um representante brasileiro. Somente a partir de 2015, a produção nacional
começou a ficar um pouco mais significativa na lista. Porém, ainda assim, apenas
um deles figurou na lista em dois anos, Dois mundos, um herói, em 2015 e 2016.
Também é possível perceber que é muito comum vários livros da mesma série
aparecerem nas listas. Uma produção em “série”, com caráter, digamos assim, “in-
dustrial”, corresponde de fato a boa parte das vendas.
Outro fator que determina os livros infantojuvenis mais vendidos também
são as adaptações para o cinema. Muitos livros viraram filmes e, inclusive, troca-
ram a capa para a associação do leitor com a obra cinematográfica – o que é uma
estratégia comum nas negociações simbólicas entre diferentes campos da indús-
tria cultural (cf. REIMÃO, 1996).
Investigar a relação entre os dois prêmios levou a organizar, em um primei-
ro momento e de forma um tanto sumária, a origem deles e suas diferenças, ou
seus lugares distintos no campo de produção de livros para crianças. Esse campo,
com efeito, ganhou maior autonomia, como argumentamos, na década de 1970, e
a FNLIJ foi uma instituição central para compreender esse processo. O Jabuti e a
CBL participaram de um momento anterior, de institucionalização dos “profissio-
nais do livro” em um momento de relativamente pouca especialização do trabalho
cultural (cf. ORTIZ, 1987).
A comparação entre os dois prêmios precisaria partir da própria maneira
como como eles se organizam, que remete a dois contextos culturais distintos da
cultura nacional. Estabelecer uma genealogia dessa diferença, ou marcar a disputa
nesse campo que aumentou seu grau de autonomia na década de 1970 dentro de
um contexto cultural determinado, contribuiu para o trabalho comparativo entre

291
prêmios que não se sobrepõem.
O ponto central desta pesquisa foi organizar dados de um período recente
da história nacional, ou dados dos últimos 15 anos de dois prêmios literários re-
lacionados aos livros para crianças e jovens. Essa abordagem levou a uma série de
problemas práticos, como o fato já mencionado de não existir uma sobreposição
exata entre os prêmios, a divergência entre os critérios de avaliação e a consagração
de poucas editoras mesmo com essa divergência. Algo que percebemos necessário,
mas que preferimos deixar para futuras investigações, foi problematizar os temas,
construções narrativas, personagens e outros aspectos propriamente literários –
isso certamente permitiria uma interessante reavaliação dos dados e hipóteses que
apresentamos aqui. Optamos, como dito acima, por uma tabulação desses dados
que recobrem 15 anos, um largo período de tempo. Fizemos, então, um esboço
de análise e arriscamos algumas hipóteses interpretativas apoiadas nesses dados
sobre o funcionamento do campo da literatura para crianças e jovens.
A relação entre duas instâncias de consagração que premiam livros dife-
rentes, ou não compartilham em boa medida de mesmos critérios como nosso
levantamento demonstrou, e o fato de os prêmios ficarem entre poucos grandes
grupos editoriais revelam um aspecto interessante relacionado à história recente
de formação e consolidação desses grupos e da relação deles com a dinâmica cul-
tural atual.
Elisabeth Serra, em um livro com tom celebrativo, Um imaginário de livros
e leituras: 40 anos da FNLIJ (2008), afirma:

Muitas vezes as pessoas se surpreendem, ao ver que os editores são mante-


nedores da Fundação. Mas eles não participam da seleção dos livros. Edito-
ra, mesmo que seja mantenedora, não tem nenhuma influência na seleção.
(UM IMAGINÁRIO…, 2008, p. IX)

E complementa colocando um dos pontos de transformação que o prêmio


da Fundação realizou na cadeia de distribuição do livro e como ele estabeleceu,
dessa forma, critérios distintos, mesmo que turvos, para se considerar os livros
para crianças e jovens. Serra afirma isso ao mesmo tempo que coloca a instituição
e a si mesma como responsáveis pela construção de um determinado “gosto esté-
tico”:

A existência da Fundação, de certa forma, impôs a qualidade. O distribuidor


de livros, que vendia livros para as escolas, acabou por perceber o seguinte:
“Nós temos que oferecer livros com essa tal de qualidade que a Fundação
fala”. Ao longo dos anos, essa qualidade foi sendo construída. No texto e
na ilustração. Sobretudo na ilustração a tarefa não foi nada fácil. Foi difícil

292
construir um gosto estético. (UM IMAGINÁRIO…, 2008, p. XV)

Assim como, por outro lado, “o Jabuti” se apresenta, também em um livro


com caráter celebrativo, como uma instituição-chave, responsável por articular di-
versas instâncias do campo literário, ou efetivamente como a instituição de maior
prestígio nacional no campo literário:

[O Jabuti] tornou‐se uma instituição de prestígio nacional. E o mais impor-


tante, tornou‐se importante estímulo para tantos outros programas e even-
tos literários e culturais que nas duas últimas décadas se espalharam pelo
país na forma de bienais, feiras de livros, encontros com escritores, semanas
literárias, saraus, palestras, lançamentos editoriais etc. (PRÊMIO JABUTI:
50 ANOS, 2008, p. 26).

A criação dos dois prêmios contribuiu tanto para a forma como o merca-
do editorial se estabeleceu no país quanto para a institucionalização da CBL e da
FNLIJ. Embora, como procuramos demonstrar pontualmente, existe um funcio-
namento paralelo a essas instituições que passa, ao que parece, ao largo de seus
critérios e disputas. Os best-sellers, como o próprio nome indica, são as obras mais
vendidas em livrarias. Os prêmios, no entanto, acabam servindo como uma pré‐
seleção aos mediadores de leitura, profissionais que se veem em meio a uma in-
finidade de lançamentos a cada ano e, sem condições de analisar tudo o que o
mercado oferece, enxergam nos livros premiados um atalho para o que “há de
melhor”, segundo a seleção dessas instituições. As vendas para o governo e, mais
recentemente, para os programas de incentivo à leitura de empresas geram, muitas
vezes, retornos financeiros mais significativos para as editoras. Essas, com efeito,
organizam seus cronogramas por meio dos editais que regulamentam essas dispu-
tas.17
Parece‐nos que os levantamentos e as análises desta pesquisa de fato apenas
abrem um problema. Será preciso ainda muita investigação, um esforço coletivo
na verdade, para se chegar a um desenho mais claro relacionado ao campo da
literatura para crianças no Brasil, e para entender suas instituições e as media-
ções em jogo. Mas, de qualquer modo, esta é uma abertura, feita por meio de um
levantamento extenso, para novas pesquisas que provavelmente acontecerão em
diferentes áreas do conhecimento e com diferentes propósitos.

17   Em 2015 o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) foi suspenso, e em 2018 o gover-
no Temer mudou a forma de comprar livros de ficção, incluindo-os no PNLD (Programa Nacional
do Livro Didático). E, com relação ao atual governo Bolsonaro, ainda não se sabe como se darão as
compras para esse tipo de livro. Agradecemos a Lenice Bueno pela sugestão desta nota e pela leitura
cuidadosa do artigo.

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Referências

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do


nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
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da. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 11, p. 3-17, jan./fev.
2001.
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GUERRA, Mariana. O leitor e a literatura juvenil: um diálogo entre os prêmios literários
Jabuti e FNLIJ e o Programa Nacional Biblioteca da Escola. Master, Universidade
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HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 2012.
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ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira, cultura brasileira e indústria cultural. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
PRÊMIO JABUTI: 50 ANOS. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro / Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2008.
REIMÃO, Sandra. Mercado editorial brasileiro, 1960-1990. São Paulo, SP: Com-Arte
Fapesp, 1996.
ZILBERMAN, Regina. O romance brasileiro contemporâneo conforme os prêmios lite-
rários (2010-2014). Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 50, p. 424–
443, 2017.

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esta obra foi composta
em Minion Pro 11/14
pela Editora Zouk e impressa
em papel Pólen 70g/m2
pela gráfica Odisséia
em Junho de 2019

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