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1 - 2004 1
GELNE
REVISTA
DO GELNE
Dermeval da Hora (UFPB)
Eliane Ferraz Alves (UFPB)
Lucienne C. Espíndola (UFPB)
Maria Elizabeth Affonso Christiano (UFPB)
Marianne Bezerra Cavalcante (UFPB)
(Organizadores)
Revista do Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste - GELNE João Pessoa Vol. 6 No. 1 2004
ISSN 1517-7874
2 Revista do Gelne
Editoração Eletrônica
Magno Nicolau
Realização
Grupo de Estudos Lingüísticos do Norte e Nordeste (GELNE)
www.gelne.org.br
EDITORA LTDA.
(83) 3222–5986
www.ideiaeditora.com.br - ideiaeditora@terra.com.br
REVISTA
DO GELNE
João Pessoa
Idéia
2004
4 Revista do Gelne
COMITÊ EDITORIAL
Américo Venâncio Lopes Machado Filho (UFBA)
Dermeval da Hora (UFPB) – Presidente
Dóris de Arruda Carneiro da Cunha (UFPE)
José de Ribamar Mendes Bezerra (UFMA)
Maria Elias Soares (UFC)
Socorro de Fátima Pacífico Barbosa (UFPB)
CONSELHO EDITORIAL
Ataliba Teixeira de Castilho - USP
Célia Marques Telles - UFBA
Diana Luz Pessoa de Barros - USP
Dino Preti - USP
Ingedore Vilaça Koch - UNICAMP
José Luiz Fiorim - USP
Kazuê Saito de Barros - UFRN
Luiz Antônio Marcuschi - UFPE
Maria Aparecida Barbosa - USP
Maria da Piedade de Sá - UFPE
Maria do Socorro Simões - UFPA
Sônia Maria van Dijck Lima - UFPB
Stella Maris Bortoni-Ricardo - UNB
CONSELHO TITULARES
Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes (UECE)
Profa. Dra. Célia Marques Telles (UFBA)
Profa. Dra. Maria Éster Vieira de Sousa (UFPB)
Profa. Dra. Conceição de Maria de Araújo Ramos (UFMA)
Prof. Dr. Luís Passeggi (UFRN)
Profa. Dra. Maria Elias Soares (UFCE)
CONSELHO - SUPLENTES
Profa. Dra. Maria das Graças Carvalho Ribeiro (UFPB)
Profa. Dra. Kasuê Saito Barros (UFPE)
Profa. Dra. Márcia Manir Miguel Feitosa (UFMA)
Profa. Dra. Maria do Socorro Oliveira (UFRN)
Profa. Dra. Serafina Maria de S. Pondé (UFBA)
Vol. 6 - No. 1 - 2004 5
SUMÁRIO
ABSTRACT: The present study outlines to keep the institutionalized language of the aged people in
functioning through the interaction with the others. The motivation of this research was based on the
interest in studying the institutionalized language of the aged people, once that speech therapy
literature just approaches the work with aged people under pathological point of view (i.e., disturbs,
such as: audition, voice, motor and language), without checking, the citizens which do not present any
speech therapy problem, a possibility of intervention in their language. The study of the institutionalized
language of the aged people is a new subject of the speech therapy field knowledge; not because is
a work that has being done in geriatric institutions, but, for being an innovative theory that emphasizes
the language functioning under a non-pathological process perspective, opening, then, new horizons
of work. For this reason, 20 aged people were selected from a public geriatric institution in Recife city
and then, group sessions were done. These sessions were recorded for a later analysis. From their
speeches, were identified some aspects, namely: relations between force and direction, anticipations,
silences, childish language, among others. It is relevant to observe that the speech therapy support
to the aged people is fundamental in order to guarantee a better language performance, given that
during the sessions, it was in a constant movement.
KEY-WORDS: Aged people institutionalized; speech therapy; language.
Introdução
O idoso institucionalizado
Análise de discurso
Método
Sujeitos:
Para atender aos objetivos propostos na pesquisa, foram selecionados
20 idosos que se encontravam inseridos em uma instituição geriátrica pública,
na cidade do Recife.
Pretendíamos, com isto, comprovar que os idosos que interagiram em
grupo com o fonoaudiólogo e/ou familiares e os outros idosos recuperaram a
sua atividade mais prazerosa: interação social por meio da linguagem.
Vale salientar que das vinte idosas selecionadas, duas desistiram (uma
deixou a instituição e a outra, negou-se a participar).
É importante salientar que os nomes utilizados, referidos a cada idosa
participante no estudo em questão, foram fictícios.
12 Revista do Gelne
Material
· Gravador
· Fitas cassete
Método
Procedimento
Investigadora A: E a senhora D. J?
J1: Construir uma família é como um
prédio. Um prédio de 5 andares com
um bom alicerce, uma boa formação...
A família é uma coisa importantíssima,
é uma beleza, é um lar mesmo.
Principalmente quando se entende,
quando se tem paciência e fé em Deus.
Análise
Criando medo por causa do pessoal que tá tudo... tudo doido...”. Aqui,
ela também silencia o seu discurso, talvez porque em suas formações
imaginárias ela tenha pensado que nós não concordaríamos com sua opinião.
Mas, logo em seguida ela o antecipa.
Em seu segmento discursivo, M2 inicia o seu discurso com uma marca
discursiva: “Não tenho nada...”. Nada é um pronome que designa ausência,
nenhuma coisa, é indeterminado, pois o que é nada para uns é alguma coisa
para outros. Com isso ela restringe o seu discurso, tornando-o metafórico e,
assim, deixando um leque de idéias, abrindo para a polissemia. Porém, em suas
formações imaginárias, provavelmente Maria imaginou que seria questionada.
Desta forma, direcionou o seu discurso, retirando a polissemia que ela havia
propiciado no início de seu relato.
Outro aspecto importante encontrado são os segmentos de A. pois, os
mesmos são metafóricos, além da presença de marcas discursivas. Tais como:
“Eu não tenho nada!.... morreu todo mundo”. “Nada” relata nenhuma
coisa e “todo mundo é algo indeterminado”. Quem é todo mundo? A quem ela
está se referindo? Parentes, amigos? Não se sabe. Em A.3, ela relata sobre a
existência de seus sobrinhos: “são como 4 filhos bons...”. Neste relato,
podemos perceber a relação de forças existente quando Anna compara os
sobrinhos a filhos. Há aqui, uma reversibilidade de papéis quando existe esta
comparação, provavelmente por o amor de A pelos sobrinhos ser semelhante
ao de um filho.
A. nos seus segmentos discursivos 3 e 5, relata a existência de amigos:
“... tenho essas amigas aqui tudinho”, e: “... eu tenho isso tudinho, não é
uma riqueza?” Aqui, A. volta a metaforizar o seu discurso, fechando-o.
Outra questão encontrada foi no segmento 2 de M.C., pois ela compara
a instituição ao bom pastor: “...antes eu achava que aqui era o bom pastor,
mas eu encontrei muita gente boa aqui”. O discurso da idosa sobre a
instituição faz uma relação com um lugar ruim. Em suas formações imaginárias
deve existir o conceito de que só quem habita uma instituição, um abrigo, são
pessoas más, tristes. Porém, isto é uma relação de forças, pois, para a sociedade,
a posição que uma instituição de 3ª idade ocupa é exatamente esta, um lugar
habitado por pessoas abandonadas, desabrigadas. Quando ela foi questionada
sobre o porquê deste pensamento, respondeu: “Não sei. Porque são
criminosas. Pensei: eu vou sofrer muito!”
H, no segmento 1, logo antecipa o seu discurso. Em suas formações
imaginárias, previu que seria questionada sobre o porquê daquele discurso.
Assim, ela logo o antecipou. Podemos encontrar no seguinte trecho de seu
relato: “...Sobre família eu não tenho nada prá lhe dizer porque não
conheço um parente que eu diga: esse parente aqui é da minha família.
20 Revista do Gelne
Agora o motivo de dizer que não conheço ninguém da família foi porque
quando eu era pequena meu pai me deu a uma família muito distante do
lugar onde eu morava...”.
Já no segmento 2, H. utiliza a metáfora: “quando me entendi de gente”.
Com isso o seu discurso abre para a polissemia, lançando um leque de idéias:
quando ela cresceu? Quando ela começou a entender as coisas? Não se sabe,
ficou indeterminado.
J. apresenta um relato fazendo uma analogia entre a construção da
família e a construção de um prédio: “Construir uma família é como um
prédio. Um prédio de 5 andares com um bom alicerce, uma boa
formação...”.
Finalmente, podemos salientar a presença do efeito da linguagem dos
idosos sob a linguagem dos próprios idosos, uma vez que através da interação,
o movimento da língua esteve presente ante o discurso apresentado,
proporcionando aos idosos momentos discursivos bastante interessantes.
Análise
trabalhar... umas faz faxina, vai cozinhar, lavar roupa, tudo prá ajudar o
marido, para não estar em casa... só quer se distrair na rua... se distrair
e ajudar o marido para não ser às custas do marido...”. há uma constante
antecipação de relatos, um explicando o outro. O seu discurso apresenta uma
discordância sobre a reversibilidade de papéis existente entre o homem e a
mulher, quando relata: “... ajudar o marido para não ser as custas do
marido...”.
Vale salientar que, além de M.F, D. novamente concorda com a relação
de forças existente: “...Eu acho certo ele trabalhar...”. Aqui, houve um efeito
de evidência. Para D. o seu silenciamento não precisava da conclusão do dito,
pois, para ela, subentendia-se o que ela estava querendo dizer. Evidentemente,
o seu discurso não era transparente, pois a Investigadora A, logo em seguida,
não devolveu o dito, mas tentou adivinhar o que D. silenciou.
Novamente destacamos a presença da interação das idosas através do
discurso. Vale salientar que a evolução da interação, e conseqüentemente um
maior movimento da linguagem, desta vez, foi notório. Pôde ser percebida uma
maior participação das próprias idosas no discurso sobre o assunto – Mulher
de Hoje. De um modo geral, as idosas têm em seu discurso a importância do
desenvolvimento do indivíduo enquanto mulher, sendo ele pessoal ou profissional.
Nos seus discursos fica bem explícito o desejo delas em terem tido sua liberdade
e direito de fazer o que tinham vontade. Trabalhar, sair, passear. Estas
declarações podem ser encontradas nos segmentos desta reunião.
Análise
S., em S2, tem em seu discurso uma interpretação das ações e atitudes
da personagem da novela, mesmo sendo o discurso opaco e as situações irreais.
Existindo assim, uma posição autoritária desta em relação à personagem, pois
de acordo com Solange, a personagem é uma mulher má e chantagista:
“Continuando a novela: ela nem gosta dele e nem gosta do peão e nem
gosta do pai e nem gosta de ninguém. Ela só gosta dela ... ela é um poço
de maldade. (...) ela tá usando aquela gravidez pela chantagem...”
S., em S3, utiliza em seu discurso a metáfora lição de vida, e ainda, a
presença das palavras divinas como justificativa para seus pensamentos e
atitudes existentes no mundo atualmente: “...o mundo está cheio de maldade,
não é só em novela, não é só no mundo social não é em todo canto que
existe maldade. Agora eu faço igual ao Padre Marcelo: “existe uma doença
que não tem cura e não tem remédio: inveja”... pior doença do mundo é
a inveja...”.
No segmento H.C3, existiu a presença de metáforas como: “coisa de
cafona” e “coisa de já era”. Acredito que H.C usou essas expressões pelo
fato de nas suas formações imaginárias estar pré-estabelecido que estas seriam
expressões conhecidas pela interlocutora e as demais idosas.
Outro aspecto importante encontrado no discurso dos idosos é o efeito
que gera efeito. Melhor explicando, o discurso de um gera efeito no discurso
do outro, colocando, desta maneira, a linguagem em movimento, através da
interação com o outro.
28 Revista do Gelne
Por fim, o relato dos demais idosos. Neles podemos constatar uma relação
de sentido, já que a interlocutora sempre teve que estar resgatando seus
discursos anteriores para poder fazer com que as idosas resgatassem a idéia
central da reunião e pudessem falar, opinar. Podemos citar como exemplo o
trecho abaixo: Investigadora A: “E você M.S, o que acha de tudo que
estamos conversando?”, M.S1: “Eu não escutei nada”, Investigadora
A:: “Olhe, a gente estava conversando da ruindade que o povo tá fazendo
hoje em dia, da violência...o que é que tu acha desses sentimentos? Acha
que é bom, que é ruim, que existe mesmo ou que não...” e M.S2:
“Falsidade? Existe demais. Eu brigar com você por falsidade?saber que
uma mata a outra, eu vou lhe contar? Não conto. É o mundo todo que
não presta”.
No confronto dos discursos das 18 idosas participantes da pesquisa em
grupo, através da Análise de Discurso (AD), procuramos destacar as
semelhanças entre as propriedades discursivas existentes. Identificamos cinco
propriedades discursivas, que passamos a explorar mais adiante.
Atribuição divina
Conclusão
Referências
“No latim, como em algumas outras línguas, a maior parte das relações que as
preposições criam são realizadas através de casos. Estes, porém, com o número
limitado das mudanças flexionais, não conseguem exprimir a imensa variedade
das relações existentes. Por isso, mesmo nessas línguas, existem as preposições
para expressar de um modo mais completo todas essas relações.”
Ante (diante de, perante, antes de) com relação a tempo e lugar.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 35
Pro (por) mais empregado com o sentido de “diante de’, “em favor de”, “em
função de”.
Ex: Legiones pro castris constituere (dispor as legiões diante do acampa
mento)
Oratio pro rege (discurso em favor do rei)
Sub - empregado com acusativo, significa sob, debaixo de, porém dando
uma
idéia dinâmica.
Ex.: Sub iugum mittere (submeter à escravidão)
Sub vesperum (pela tarde)
Sub lucem ( pela manhã)
Sub - usado com ablativo tem o mesmo significado, indicando, porém uma
idéia estática.
Ex.: Sub monte esse (estar ao pé do monte)
Sub media nocte (à meia-noite)
“Ab, segundo parece, não teve continuidade nas línguas românicas, tendo
sido substituída por “de”, que também ocupou (desde o século III) o lugar de
“ex”: ‘de palato exit’ , ‘egredere de ecclesia’ [ . . . ] Ad por apud aparece em
Plauto, Terêncio e outros: ‘ad ipsum fontem fact est oratio’ , ‘ad nos’ [ . . .
] Apud é usado no lugar de cum por Sulpício Severo e mais freqüentemente por
escritores da fase da decadência [ . . . ] Super, às vezes, substitui de: ‘super
anima comendatus’.”
40 Revista do Gelne
Silva Dias (1959, p. 108) se expressa a respeito disso, com essas palavras:
até nossos dias. Sirvam de exemplos: de entre, de sobre, por entre, por sobre,
de sob, por sob.
Em conseqüência do uso de formas compostas, surgiu, mais tarde, um
grupo constituído em romanço pela aglutinação de preposições latinas:
a < ad
ante < ante
após < a + pos ad + post
até < ad + tenus
contra < contra
com < cum
de < de
desde < de + ex + de
em < in
entre < arc. antre, ontre intre inter
para < per + ad
per + per
perante per + ante
por < pro
sem < sine
sob < so sub
sobre < supre super
trás < trans
conforme
consoante { derivadas de adjetivos
segundo
Vol. 6 - No. 1 - 2004 45
mediante
durante
exceto { derivadas de verbos
salvo
Referências
Introdução
UNIR - Rondônia
48 Revista do Gelne
A semiótica peirceana ou a ciência dos signos ao mesmo tempo que nos fornece
um complexo dispositivo de indagação das possibilidades de realização e
classificação dos signos num corpo teórico sistematizado, também exige de
nós uma atividade de descoberta, quando pretendemos aplicar esse corpo teórico
a sistemas concretos de signos. Aliás, não é hoje novidade para ninguém o fato
de que uma ciência não se define como corpo de dogmas cristalizados, nem
como receituário metodológico aplicável a qualquer objeto. A relação teoria /
aplicação prática não se processa, portanto, como mera reiteração ritualística
de fórmulas sagradas, visto que, ao se defrontar com seu objeto na atividade
metodológica de sua aplicação prática, a teoria pode sofrer retificação de seus
conceitos. A questão da aplicação é pois indagação dupla: a teoria desvendando
seu objeto e o objeto testando os conceitos que o falam.
Mas afinal, para que serve a Semiótica? Serve para estabelecer as ligações
entre um código e outro código, entre uma linguagem e outra linguagem. Serve
para ler o mundo não-verbal: “ler” um quadro, “ler” uma dança, “ler” um filme –
e para ensinar a ler o mundo verbal em ligação com o mundo icônico ou não-
verbal.
1 Alguma teoria
2 A questão da operacionalidade
esta composição foi incluída por Chico Buarque no disco Paratodos (1992),
registro que ora nos serve de referência.3
05 Ao Nosso Senhor
06 Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
07 Se tudo foi criado – o macho, a fêmea, o bicho, a flor,
08 Criado pra adorar o Criador.
09 E se o Criador
10 Inventou a criatura por favor
11 Se do barro fez alguém com tanto amor
12 Para amar Nosso Senhor.
3
Sobre Todas as Coisas. Chico Buarque e Edu Lobo. Paratodos. Faixa 5, n.65064470
BMG.1982. CD.
52 Revista do Gelne
3 Considerações finais
4
Em um artigo de 1965, Roman Jakobson já destacava a relevância desse conceito no
âmbito dos estudos lingüísticos. Cf. JAKOBSON, Roman. À procura da essência da
linguagem. In: Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969, p.98-117.
5
O termo cunhado por Peirce para designar essa “simples qualidade imediata” é
firstness, que se costuma traduzir por primeiridade ou primariedade.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 55
Referências
BUARQUE, Chico e LOBO, Edu . Sobre Todas as Coisas. Chico Buarque e Edu Lobo.m
Paratodos. Faixa 5, n. 65064470 BMG. 1982. CD.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.
PIGNATARI, Décio. Semiótica e Literatura: icônico e verbal, Oriente e Ocidente. São
Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
SANTAELLA, Lúcia. Produção de Linguagem e Ideologia. 2. ed. São Paulo: Cortez,
1996.
56 Revista do Gelne
Vol. 6 - No. 1 - 2004 57
*
Universidade Federal de Pernambuco
**
Este trabalho faz parte da realização de Projeto de Pesquisa financiado pelo CNPq.
58 Revista do Gelne
Episódio 1: “Um experimentador [E] está falando com uma criança [C] de 18
meses, antes que a mãe [M] entre em cena:
C: Band-Aid.
E: Onde está seu Band-Aid?
C: Band-Aid.
E: Você tem um Band-Aid?
C: Band-Aid.
E: Você se feriu e caiu?
[A mãe entra]
C: Band-Aid.
M: Quem lhe deu o Band-Aid?
C: Enfermeira.
M: Onde ela o colocou?
C: Braço.”
(Extraído de DORE, 1979, tradução nossa)
(C = criança; M = mãe)
C: Ó nenê/o auau.
M: Auau? Vamo achá o auau? Ó a moça ta tomando banho.
C: Ava? Eva?
M: É. Ta lavando o cabelo. Acho que essa revista não tem auau nenhum.
C: Auau.
M: Só tem moça, carro, telefone.
C: Alô?
M: Alô, quem fala? É a Mariana?
(Extraído de DE LEMOS, C., 2002)
Vol. 6 - No. 1 - 2004 61
M: Num pode não. Quando a gente levanta precisa...cê ficou descalça antes de
dormir, é?
C: É.
M: Tá se vendo.
C: Tá se vendo.
M: Tá se vendo que você ficou descalça antes de dormir.
C: Eu achuvia agu.
M: Vai chover logo?
C: É.
M: Ahn.
C: Tá muito fio.
Episódio 4 (C - 2;5.23)
Sugere-se, por meio desse exemplo, que teria havido no erro (Eu achuvia
agu), a fragmentação do enunciado Eu acho que vai chover, bem como a
recomposição e substituições (metafóricas) de seus significantes, de forma
imprevisível. Ao que parece, esse caso estaria dando visibilidade à suposição
de que uma experiência anterior partilhada (em torno do tema da chuva) havia
retornado, como significantes, na fala da criança. Teria sido então a língua, em
seus dois movimentos (indissociáveis) de aproximar (metonimicamente) cadeias
verbais e de substituir (metaforicamente) pontos nessas cadeias, que havia
feito retornar, de modos diferentes, tanto na díade como no investigador, a
história da experiência discursiva partilhada, pelos interlocutores (mãe e criança),
sobre a chuva.
4 Considerações Finais
Referências
DORE, J. Conversational acts and the acquisition of language. In: E. Ochs & B.
Schieffelin, (Orgs.) Developmental Pragmatics. New York: Academic Press, INC, pp.
339-362, 1979.
JAKOBSON, R. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1971.
KARMILOFF-SMITH, A. From meta-processes to councious access: Evidence from
children’s metalinguistic and repair data. Cognition, 23: 95-147, 1986.
______. Beyond modularity: a developmental perspective. Cambridge: MIT, 1992.
LEMOS, M.T. A Língua que me falta: Uma análise dos estudos em aquisição da
linguagem. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
OCHS, E. & SCHIEFFELIN, B. The impact of language socialization on grammatical
development. Em P. Fletcher & B. MacWhinney (Orgs.) The handbook of child
language. Oxford: Basil Blackwell, 1995, pp. 73-94.
PETERS, A. The units fo language acquisition. Cambridge: CUP, 1983.
ROUSSEAU, J.J. Do contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção Os
Pensadores)
68 Revista do Gelne
Vol. 6 - No. 1 - 2004 69
Introdução
alto para o qual uma imagem mental é associada ao conceito como um todo e
correspondem ao nível mais alto em que uma pessoa usa programas motores
semelhantes para interagir com as unidades às quais o conceito se aplica.
1
Informação verbal.
80 Revista do Gelne
1.P= (...) peraí.../ com licença/ felipe/ por que rr não é encontro consonantal?
2.A1= éé:::
3.P= /.../ ah/ ah/ ah/ ah/ ah com licença/ carlos felipe não está prestando atenção então eu acho
4 que ele já sabe do assunto... certo? eu quero saber de carlos felipe/ carlos felipe... iuri falou
5 que rr não é encontro consonantal porque? (5s) r-r não é encontro consonantal por quê?...
6 nós aqui estamos vendo pr dr tr br/ e ai alguém gritou rr e iuri falou... erre erre não é
7 encontro consonantal... por que?
8.A= [é dígrafo
9.P= calma]/ eu quero que o carlos felipe... carlos/ eu acho que só tem um carlos felipe nessa
10 turma/ respeite/ porque rr não é considerado encontro consonantal? procura na sua
11 gramática
12.A= eu sei/ é porque
13.P= não dêem a resposta/ ouviram? tão ouvindo? nós vamos continuar a aula mas não vamos
14 dar a resposta pra ele... entendido? tá certo? procure na sua gramática e me diga porque
15 rr não é encontro consonantal/ bem... então encontramos uma regra rr/r dobrado... num é?
16 entre duas vogais... né? o som hhh mas aqui também tem o som hhh... e aí qual é a regra?
(...)
2
Convenções da transcrição utilizadas: 1. ... = qualquer pausa; 2. (XXX) = trecho não
compreensível; 3. :: = alongamento de vogal ou consoante r ou s; 4. PAgina =
ênfase; 5. fa-zer = silabação; 6. ((comentários))= comentários do observador; 7. [ ] =
sobreposição de voz localizada; 8. A= aluno; 9. P= professor; 10. (...) ou /.../ = indicação
de transcrição parcial ou de eliminação de trechos.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 81
1.P= (...) à proporção que você for colocando o número um... ai responde ai depois copia o dois/ eu
2 quero a pergunta com a resposta no caderno
3.A1= vai até onde?
4.P= até onde vocês conseguirem fazer
5.A1= e se um conseguir fazer a metade e o outro conseguir fazer menos?
6.A= e se uma pessoa não conseguir fazer nenhum... hein tia?
7.A1= ô tia a gente vai fazer até que número?
8.P= vá fazendo tainah, não se preocupe... você coloca o quesito copia a pergunta e responde
9 logo
10.A1= a pergunta (xxx) muito grande
11.P= é pra copiar tudinho! tô lidando com criança aqui de alfabetização não tainah/ eu falo uma coisa
12 você/
13.A1= eu não vou copiar não (...)
3
O autor apresenta quatro formatos de aula: 1. Ortodoxa – o professor apresenta o
tema e o desenvolve, geralmente sem intervenção dos alunos ou com intervenções
breves, orientadas para o tópico, assimiladas se pertinentes ou ignoradas quando
fogem ao tema; 2. Socrática – o professor não enuncia o tema da aula nem o expõe
diretamente, mas usa sistematicamente a estratégia de perguntas aos alunos e busca
respostas intuitivas para, a partir delas, elaborar sua posição; 3. Caleidoscópica – o
professor tem um plano maleável e um bloco de temas construído segundo a motivação
e colaboração dos alunos, através de grande participação espontânea; 4. Desfocada
– não há um tópico bem delineado em andamento e o professor trata de vários temas
com pouca conexão entre si e dá a entender que tudo é tratável, desde que se associe
com o que está em andamento. (Cf. MARCUSCHI, 2004, p. 5-8).
82 Revista do Gelne
1. P= [...] aquele grupo acredita que a palavra gás... deu e:: veio...veio...derivou-se...criou-se de
2 gasoso...gasolina e gasosa...alguém tem alguma consideração sobre isso?/.../
3.A= [ professora]
4.P= diz... tiago
5.A= e:: eles num disse que gás vinha de gasoso...gasolina e gasosa?
6.P= [sim]
7.6= mas é o contrário...
8.P= a::::h!
1. P= [...] agora o dimas/ dimas já percebeu outra coisa... que além do significado elas tem escritas
2 iguais...ou seja...elas têm letras iguais...né isso?/.../
3.P= e isso quer dizer o quê?
4.A= semelhança?
5.P= ah...então vamos usar semelhança o que você tá colocando...é isso que eu queria dizer. semelhança
6 de que gente?
7.A= de palavras?
8.P= de palavras? [...]
9.P= será que é... será que é de palavras?
10.A= não
11.A= de nomes?
12.P= de nomes?
13.A= de sílabas?
14.A= de ortografia /.../
15.P= não.
16.A= ortográficas
17.P= ah... semelhanças ortográficas. /.../
Espaço Genérico
Enquadre = reciclagem
= caixa azul ?
Espaço Influente
Espaço Reciclagem 2
Influente 1
caixa azul
reciclar
é por o lixo
na caixa Espaço-Mescla
azul Estrutura Emergente
Conclusão
Referências
ABSTRACT: In this paper I deal with the function I designate “retroactive-propeller seqüenciation”,
which is responsible for establish a link between a past statement and a future one. In Florianópolis
(SC), the sequenciation link is especially codified by the sequence connectors E, AÍ, DAÍ and ENTÃO.
In a sociofunctionalism approach (combination of theoretical presuppositions of Variacionist
Sociolinguistics and of Linguistic Functionalism), I analyze these items of speech sequence as layerings/
variants, trying to verify how they are distributed in different age groups in Florianópolis. The age
distributions obtained allow two explanations: (i) age-grading stable variation, where de individual
changes but the community remains constant; (ii) generational change in progress, where the individual
preserves his or her earlier pattern, but the community as a whole changes.
KEY-WORDS: Retroactive-propeller seqüenciation; apparent time change.
1 Introdução
(1) Quer dizer, descia de táxi e levava até lá. E era combinado assim: ele ia nos
buscar às cinco horas. Se chovesse, que não dava pra descer o morro, ele
ficava lá em cima no morro e fazia sinal com o farol, aí a gente subia o morro com
aquelas tralhas todas (ZO/FLP24:1258).1
(2) Ela tava assim fazendo um barulhinho, esse barulhinho é quando ela chora,
então tu vai dando uma coisa. Daí foi doendo a perna, que a minha prima jogou,
aí bateu nela (FR/FLP02C:42).
(3) Então tu vês, o pai voltou a nada. E o meu avô era tratorista da prefeitura há
muito tempo. Se aposentou pela prefeitura. Então ele ensinou a profissão de
tratorista pro pai. Aí o pai começou trabalhar como tratorista e começou a
levantar tudo novamente (IR/FLP13:756).
(4) Aí ele viu que não tinha mais jeito, ficamos naquele (hes) E ele: “Vou ficar.”
“Não, tu não vais ficar.” E ele disse: “Eu não vou” (RO/FLP03:735).
(5) Ela falou: “Ah, vai ser menino e o nome vai ser Mateus.” Aí eu disse assim:
“Então, se for menina, tu bota o nome de Bárbara, porque eu gosto” (DE/
FLP06J:552) (5).
(6) Daí ela diz: “Ah, vai fazer deveres.” “Não tem deveres.” Daí ela diz: “Ah,
que escola é essa que nunca tem deveres, professor nunca passa deveres?”
(DE/FLP06J:188).
(7) A pessoa já está vendo que terminou, então vai na pessoa que é encarregada,
então diz a ela: “Está faltando uma caixa de tomate” (ID/FLP07:469).
1
O código que segue o trecho da entrevista a identifica. Por exemplo, (ZO/FLP24:1258)
= informante ZO, natural de Florianópolis (FLP), entrevista número 24, linha 1258.
Quando há uma letra após o número da entrevista, temos J = informante de 15 a 21
anos, ou C = informante de 09 a 12 anos.
2
Identifiquei cinco subfunções de natureza semântico-pragmática vinculadas à
seqüenciação retroativo-propulsora (seqüenciação textual, seqüenciação temporal,
introdução de efeito, retomada e finalização), que não são ora apresentadas por
questão de espaço. E, aí, daí e então são utilizados variavelmente em todas essas
subfunções (resultados quantitativos podem ser conferidos em Tavares, 2003a).
3
Há ainda outros seqüenciadores, porém de freqüência bastante menor, como o
depois.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 93
2 Referencial teórico
7
Conferir em Tavares (2003a), com base em Labov (1972a/b, 1994 e 2001), as propostas
da sociolingüística variacionista a respeito dos tópicos que foram comentados
acima apenas do ponto de vista do funcionalismo.
8
As camadas/variantes, na proposta apresentada aqui, podem possuir ou não o
mesmo significado, conquanto exibam a mesma função. Diferenças de significado
que porventura existam podem ser descobertas e descritas via controle de grupos
de fatores particulares.
9
É possível utilizar os termos de modo conjugado (por exemplo, estratificação/
variação), ou optar por um deles, salientando-se que, no caso deste estudo, remetem
ao mesmo fenômeno.
96 Revista do Gelne
10
Tomemos um exemplo. Modelos de mudança sonora definiram o período final para
a estabilização fonológica do sistema lingüístico como ocorrendo aos dezessete
anos de idade. Contudo, Norberg e Sundgren (1998 apud LABOV, 2001, p. 447)
observaram que, no caso de algumas variáveis fonológicas, adultos jovens continua-
vam a avançar a mudança no início dos vinte e mesmo trinta e quarenta anos.
11
A gradação etária é um tipo de variação estável, mas não o único. É possível, por
exemplo, que, em situações de estabilidade, os grupos etários usem as variantes
com freqüência similar, não havendo uma distribuição linear, padrão que pode se
manter idêntico com o passar das décadas e mesmo séculos (cf. LABOV, 2001).
98 Revista do Gelne
13
Os dados foram submetidos a tratamento estatístico através do pacote VARBRUL
(PINTZUK, 1988), para cálculo de freqüências, percentuais, pesos relativos e
identificação da ordem de significância dos grupos de condicionadores testados
(cinco lingüísticos e três sociais, dos quais este estudo apresenta resultados apenas
para o grupo “idade”). Realizei rodadas binárias distintas para cada conector, além
de rodadas eneárias, que confirmaram os resultados das binárias.
100 Revista do Gelne
E AÍ DAÍ ENTÃO
IDADE Ap./Tot. % P R Ap./Tot. % P R Ap./Tot. % P R Ap./Tot. % P R
09 a 12 anos 300/1.146 26 0,39 144/1.146 13 0,24 686/1.146 60 0 , 9 1 16/1.146 01 0,12
15 a 21 anos 479/1.064 45 0 , 5 1 310/1.064 29 0 , 6 4 161/1.064 15 0 , 6 4 114/1.064 11 0,36
25 a 45 anos 488/1.113 44 0 , 5 2 290/1.113 26 0 , 6 0 29/1.113 03 0,21 306/1.113 27 0 , 7 4
+ de 50 anos 523/977 54 0 , 5 9 182/977 19 0,40 14/977 01 0,13 258/977 26 0 , 7 7
TOTAL 1.790/4.300 42 926/4.300 22 890/4.300 21 694/4.300 16
3º selecionado 6º selecionado 1º selecionado 1º selecionado
Input: .43 Sig: .002 Input: .19 Sig: .015 Input: .20 Sig: .005 Input: .15 Sig: .000
Log-likelihood: -2179.259 Log-likelihood:-1852.120 Log-likelihood:-1284.763 Log-likelihood:-1285.255
Tabela 1: Influência da idade sobre o uso de e, aí, daí e então.
100
90 91
80
74 77
70
64
60 60 59
50 51 52
40 39 40
36
30
24
20 21
12 13
10
0
09-12 anos 15-21 anos 25-45 anos mais de 50
idade
E AÍ DAÍ ENTÃO
(i) Gradação etária (age grading): indivíduos móveis numa situação estável,
isto é, os indivíduos mudam seu comportamento lingüístico durante a vida,
mas a comunidade como um todo não é afetada. Nesse caso, um comportamento
lingüístico se repete a cada geração, de modo geralmente regular e previsível,
como marca de um estágio de maturação, caracterizando uma situação de variação
estável. A entrada na fase adulta é acompanhada por uma queda drástica no
uso das formas identitárias socialmente desvalorizadas.
a 03%), mas tem dois grandes avanços de uso nas faixas mais jovens (de 03 a
15% e de 15 a 60%). O segundo sofre uma diminuição gradual entre a faixa
etária mais velha e a de 25 a 45 anos (de 77 a 74%), mas tem dois grandes
recuos de uso nas faixas mais jovens (de 74 a 36% e de 36 a 12%).
No entanto, esses picos mais intensos de uso ou desuso não colocam em
cheque a possibilidade de estar em curso uma mudança no domínio de
seqüenciação sob enfoque. Labov (2001) modificou sua proposta de que a
existência de uma distribuição linear crescente ou decrescente envolvendo
todas as faixas etárias seria indício de mudança lingüística em tempo aparente
(cf. Labov, 1972, 1981). Como vários estudos têm constatado a existência do
uso intenso de formas inovadoras por indivíduos com idades em torno de
dezesseis a vinte anos, Labov acredita que, nos casos de mudança lingüística,
deva haver um pico de uso no período final da adolescência, ao qual se segue
a diminuição constante do uso das formas inovadoras à medida que aumenta a
idade dos informantes (ou seja, a distribuição linear crescente ou decrescente
parece ocorrer somente a partir das faixas adultas), e ao qual precede um uso
ainda elevado, mas menor, das formas em questão, por parte dos indivíduos
com menos de dezesseis anos.
Como contraparte ao pico de uso das inovações, podemos esperar um
pico de desuso, entre os adolescentes, das camadas/variantes mais antigas.
No caso da seqüenciação em Florianópolis, as formas mais antigas, e e então,
parecem estar perdendo porções do território a cada geração, o que é
evidenciado pela distribuição etária decrescente: quanto mais jovem os falantes,
menor a utilização do e e do então. Contudo, a retração do uso do e acontece
de modo mais suave que a do então: e possui freqüência de 54% e peso relativo
de 0,59 na faixa dos informantes com mais de 50 anos, que diminuem para
cerca de 45% e 0,52 nas faixas intermediárias e, em uma redução mais brusca,
para 26% e 0,39 na faixa mais baixa. Dessa guisa, verifica-se, para o e, a
existência de um declive maior de desuso apenas na fala dos pré-adolescentes.
Já o então sofre duas quedas bruscas em termos de freqüência e de
peso relativo, passando dos cerca de 27% e 0,75 atribuídos aos informantes
com mais de 25 anos aos 11% e 0,36 atribuídos aos informantes de 15 a 21
anos e, finalmente, aos 01% e 0,12 atribuídos aos informantes de 09 a 12 anos.
Ou seja, os desenvolvimentos do então em termos geracionais apresentam um
pico de recalque de uso que se inicia entre os adolescentes e se acentua entre
os pré-adolescentes, como se estes tivessem sido afetados pela “aversão” ao
conector demonstrada por seus irmãos e/ou amigos mais velhos e a tivessem
intensificado ainda mais.14
14
Labov (2001) afirma que a aquisição lingüística é, em grande parte, uma transmissão
de traços fonéticos e morfossintáticos de núcleos adolescentes e pré-adolescentes
104 Revista do Gelne
mais velhos a mais jovens, sobrepondo-se à base lingüística transmitida pelos pais.
A transmissão da mudança acontece no processo de transmissão da língua, em uma
trajetória constante e regular de inovações que são adicionadas ao vernáculo
adquirido dos pais. Cada criança reflete o nível de sua aquisição inicial (do que lhe
foi transmitido pelos pais), acrescido de alterações advindas do contato com irmãos
e outras crianças mais velhas na comunidade local. Há, portanto, pequenos
incrementos constantes nas gramáticas individuais: a experiência de cada grupo
mais jovem faz a mudança avançar, afastando-se ligeiramente do nível alcançado
pelos falantes um pouco mais velhos.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 105
15
É possível que, se tivesse sido levada em conta uma faixa etária de indivíduos ainda
mais jovens (de 03 a 05 anos, por exemplo), a existência dos picos de uso na fala pré-
adolescente fosse mais ressaltada. Por hipótese, haveria um decréscimo do uso do
daí entre essas crianças que, por sua pouca idade, possuem elos de ligação mais
fortes com os pais do que aquelas que já são pré-adolescentes.
106 Revista do Gelne
sofrendo o conector uma intensa retração de uso (de um peso relativo de 0,64
a um de 0,24), e que até o e é atingido, tendo sua freqüência reduzida quase
que à metade em relação à faixa etária anterior, e obtendo seu único peso
relativo desfavorecedor no grupo de fatores idade. O e reinava no domínio da
seqüenciação, como a conjunção mais freqüente em todas as faixas etárias,
até enfrentar o daí na fala florianopolitana pré-adolescente e ser derrotado.
Todavia, o maior atingido pelo super avanço do daí parece ter sido o
então, cuja evolução reflete, como imagem de espelho, a do daí: o pico de uso
– altíssimo – do então acontece entre os falantes adultos e com mais de 50
anos e o do daí – ainda mais alto – entre os falantes adolescentes e pré-
adolescentes. À medida que a utilização do daí aumenta, a do então diminui.
Observem-se as linhas traçadas para ambos no Gráfico 1: quase uma imagem
de espelho...
Enfim, podem ser tomados como indícios de que uma mudança está em
andamento na fala de Florianópolis: (i) o aparecimento intenso da forma mais
inovadora da seqüenciação (daí) entre os adolescentes e, especialmente, entre
os pré-adolescentes – um pico de uso –; (ii) o quase desaparecimento de uma
das formas mais antigas (então) nas mesmas faixas etárias – um pico de
desuso –; (iii) o fato de que os dois grupos adultos apresentam uma distribuição
linear decrescente para o daí e crescente para o então (a freqüência do primeiro
diminui com o aumento da idade dos informantes, e a do segundo aumenta),
consoante previsto por Labov (2001) para casos de mudança. Já o aí,
descontando-se o grupo mais jovem, parece passar por uma mudança menos
vigorosa, pois, embora seja constatada uma queda mais acentuada entre as
faixas de 25 a 45 anos e mais de 50 anos, o uso do conector diminui
gradualmente entre os adolescentes e adultos. A mudança para o e também
parece ser mais suave, havendo um decréscimo de uso gradual com a diminuição
da idade dos informantes e apenas um salto mais brusco, entre a faixa etária
de 15 a 21 anos e a de 09 a 12 anos.
É possível que os hoje pré-adolescentes florianopolitanos tenham
diminuída a taxa de recorrência do daí em sua fala à medida que amadurecerem.
Conforme Labov (2001), é esperado que ocorra, nos processo de mudança,
após o pico de uso da forma inovadora, uma retração de seu aparecimento: ela
é incorporada, ainda com índices de grande freqüência, à gramática dos falantes
do grupo em que teve seu uso fortemente acelerado, mas passa a recorrer
menos, em comparação com a fase de pico de uso. Assim, a mudança adquire
matizes não tão radicais e sim uma maior gradualidade: passa a haver uma
distribuição linear crescente entre faixas etárias adultas, agora ocupadas pelos
mesmos indivíduos que levaram a forma inovadora a seu ápice. Esta poderá
vir a derrotar as demais concorrentes com o passar do tempo, mas com uma
menor velocidade do que a que seria prevista, considerando-se somente seu(s)
estágio(s) de pico de uso.
Contudo, poderíamos considerar que os resultados expostos na Tabela 1
Vol. 6 - No. 1 - 2004 107
revelam não mudança em tempo aparente, mas sim gradação etária (age-
grading), que também pode ter como reflexo a distribuição linear crescente.
Nesse caso, o daí, tomado como marca identitária pelos adolescentes e pré-
adolescentes florianopolitanos, seria pouco utilizado por eles como marca da
seqüenciação nas fases posteriores da vida (a exemplo dos adultos de hoje,
com taxas de uso de 01 a 03%): daí seria abandonado ou teria sua freqüência
fortemente reprimida, como tipicamente acontece com a gíria.
Entretanto, acredito que o daí esteja sofrendo, atualmente, uma mudança
da qual resultará como um dos articuladores que dividem a parte do leão da
seqüenciação na comunidade como um todo e não somente entre os mais
jovens, podendo mesmo se tornar o conector predominante, em termos de
freqüência, no domínio da seqüenciação em Florianópolis.
Para tecer essa hipótese, confio no seguinte indício: o daí pode estar
seguindo os passos do aí, que, como ele, migrou recentemente para o domínio
da seqüenciação e nele está estabelecido como conector de grande recorrência
(ao menos até ser atacado pelo daí, entre os pré-adolescentes), observada
inclusive na fala dos florianopolitanos de mais de 50 anos. Nessa faixa, o aí
representa 19% do total dos seqüenciadores utilizados, o que é um sintoma de
que está na luta com boas freqüências desde as décadas de 40 e 50,
acompanhando os falantes que, hoje com mais de 50 anos, na época eram
crianças em fase de aquisição ou já adolescentes. Se o aí não foi abandonado,
é provável que o daí não o seja.
Em um estudo anterior (TAVARES, 2004), apresento algumas evidências
a respeito da distribuição sociolingüística do aí no final da primeira metade do
século XX que confirmam a hipótese de que esse conector era utilizado com
freqüência na codificação da seqüenciação retroativo-propulsora já naquela
época. Nesse estudo, utilizei dados extraídos da fala dos personagens do
romance As Vinhas da Ira, datado de 1940, tradução de The Grapes of Wrath,
de John Steinbeck. Encontram-se em As Vinhas da Ira casos de variação em
diferentes níveis lingüísticos, possivelmente em uma tentativa dos tradutores
brasileiros de apresentar traços de oralidade de classes populares, à semelhança
do original americano. Compus o grupo de fatores idade pela estratificação
dos personagens do romance relativamente a quatro faixas etárias e interpretei
os resultados como reflexos do uso real da comunidade de fala da época.16
Obtive a seguinte distribuição etária para o aí: de 09 a 12 anos = 13%; de 15 a
21 anos = 08%, de 25 a 45 anos = 06%; acima de 50 anos = 02%.
Se, como defende Labov, adquirimos grande parte da língua através de
nossas experiências em situações de comunicação transcorridas da infância
até o final da adolescência e tendemos a conservar por toda a vida os padrões
16
Encontra-se em Tavares (2004) uma discussão sobre o grau de confiabilidade que
pode ser depositado em dados de variação lingüística provenientes de As Vinhas
da Ira. Aí também pode ser conferida a distribuição dos demais seqüenciadores em
relação à idade dos personagens.
108 Revista do Gelne
5 Considerações finais
(certos contextos lingüísticos e/ou sociais); (iv) daí pode ter sua freqüência
fortemente reprimida quando os falantes hoje adolescentes e pré-adolescentes
se tornarem adultos, configurando, nesse caso, uma situação de gradação etária
e não mudança geracional.
Todavia, somente um novo estudo, levado a cabo daqui a alguns anos,
pode revelar qual dessas possibilidades de fato se concretizará. Enquanto
esperamos, observemos o futuro sendo tramado:
F: Ele é chato. Ele fica- Ele- já passa uma- uma hora e ele fica lá conversando-
(hes) conversando assim: “Onde que tu mora?” a onde- Daí não começa o jogo.
(hes) Até onze horas que ele co- que ele faz o jogo, daí não dá, né? Não dá pra
fazer as pessoas- as pessoas que são sorteadas, né? não vai dar, né? que- que
são doze pessoas, né? É bastante, não dá tempo.
E: E aí o que acontece?
F: Daí ele fica conversando, daí- daí demora, né? pra fazer os- o jogo. É assim:
é as perguntas- o Sílvio Santos faz as perguntas, né? que valem um mil, dois mil,
três mil, até um milhão- um milhão de reais, até. Daí a hora que chega a do meio
milhão, (hes) vem- que vem a resposta de um milhão- um milhão de reais, daí o
Sílvio Santos coloca uma maletinha, a hora que fechar tem que dizer a resposta.
Tem ou responder ou tem que parar, parar com meio milhão. E se errar, perde
tudo, não ganha nem um real, nem um centavo (FR/FLP02C:32-33).18
Referências
1 Introdução
*
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/CNPq.
1
Há um terceiro tipo, chamado discurso indireto livre, que contém traços tanto do
discurso direto quanto do indireto. Esse tipo de discurso reportado não será analisado
neste artigo.
112 Revista do Gelne
(1) minha mãe trouxe, trouxe, biquini e essas coisa, maiô, num sabe? ela trouxe
maiô. aí disse: < ei, você vai >? aí eu disse: < não, num vou não >.
Nesse fragmento, o falante está falando sobre uma excursão que fez. A
primeira citação é uma pergunta, enquanto a segunda é a resposta que ela deu
a sua mãe. Ambas as citações são introduzidas por dizer. Ocorrências como
essas são comuns em meus dados.
O Quadro 1 também permite observações interessantes. Primeiro, note
que alguns verbos não ocorreram no discurso indireto (fazer, ficar, reclamar,
indicar, chamar). O uso de fazer e ficar, comparáveis ao ‘go’ do inglês usado
no registro coloquial, está restrito ao discurso direto, como em:
(3) aí ficou todo mundo: < quem foi, quem não, quem não foi >, e terminou
ficando o professor com a culpa.
(4) e já tinha algumas amigas minhas, tavam lá atrás e foram logo me chamando:
< Gerson, vem pra cá, pra cá cantar >.
(5) aí daqui a pouco um cara que num, que não me perguntou se eu queria ou
não, chegou e indicou: < eu indico o nome de Gerson e tudo, da igreja do
Satélite >.
(6) se alguém pergunta pra gente < se você viu aquele filme >,
ser expresso. O mais comum é o verbo falar. Quando esse é o caso, o verbo
dicendi tem uma estrutura argumental diferente, e pode codificar o assunto
sobre o qual se está falando como um constituinte oblíquo, como em (9-12):
(7) só sei que a namorada chegou. aí começou a falar com ele, num sabe?
(11) mas quando foi à noite, né? foi perguntar de novo pelo gato, né?
(12) aí ele foi pra casa, né? e ficou pensando só nisso, né?
(14) o morador tinha saído. aí ela ofereceu o apartamento. aí mãe: < ah, tudo
bem. eu fico com o apartamento. fico pagando o aluguel pra você >.
(15) aí ele: < num vai comer não, você? digo: < não, é porque eu tô sem fome
>. e eu morrendo de fome, sabe? tinha saído do colégio.
(16) a moral da história é, quando o povo diz: < ah, tenha paciência de Jó >, é
porque Jó era o nome do cara.
um plano que ela bolou para enganar o diretor da escola onde ela estudava
naquela época. Esse trecho é interessante porque contém citações diretas dentro
de uma outra citação direta, introduzida pelo verbo combinei. Observe que
todos os verbos dentro da citação estendida estão no futuro imediato:
(17) então eu combinei com as minhas amigas: < olha, vai duas pra sala de
aula assistir à data comemorativa. eu vou começar a chorar e vou dizer
< que estou doente Q. uma vai chegar, vai chamar o diretor, vai dizer <
que eu estou doente > pra poder, você vai chamar as outras que estão no
auditório, que é pra me levar pro hospital >.
(18) era o filho dele, muito sujo, aí chamando: < papai >, né?
(19) o cara disse que ela podia sair de lá, mas ela disse < que não >.
(20) eu pensei < que eu fosse morrer >, sabe, quando o colégio inteiro correu
pro laboratório pra ver o que tinha sido.
(21) dá esse almanaque e diz para ele < que aposte em tudo >.
(22) aí seu Carrilho disse: < não, ainda não fui atendido >.
(23) aí minha tia disse: < o que que você tava conversando com ele >? aí eu
disse: < nada, ele tava me contando uma história >.
(25) mas você disse < que foi a melhor coisa que aconteceu pra você >, e,
você hoje tem muitos amigos, né?
(26) o professor quando chegou viu que tinha sido eu que tinha feito o serviço.
aí ele disse < que tinha sido ele > fazendo uma experiência.
2
Aqui, novamente, 159 occorrências foram consideradas, em vez de 166, devido ao
fato de que no discurso direto 7 citações não são orações, como salientado acima.
3
Novamente, para o discurso indireto 180 occorrências, em vez de 182, foram contadas
porque em duas delas a citação não é uma oração, mas o complementizador que
seguido por sim e não.
120 Revista do Gelne
(28) o médico disse < que ela não podia se machucar >.
(29) e ele não admite você é:: dizer pra ele < não beber numa ocasião dessa >.
(37) você diz uma coisa pra mim, você acha que eu vou acreditar?
(38) às vezes eu dizia pra minha mãe < que tinha aula no sábado >.
(39) ele sempre disse pra mim < que eu era muito fria, assim, calculista >.
4 Conclusão
Símbolos de transcrição
Referências
1 Introdução
2 A formulação do texto
(1)
L1 é porque ela deve ta carregada, né?
L2 eu já rezei uma aqui que caiu uma vez o marido dela tava acolá
eu chamei ele disse ...ai eu disse a ele...aí e e ele disse...
quando ela ficou boa suou demais levantou e disse... e e e o
senhor não vai rezar mais não? eu disse rezo mas ela vai de
novo... não cai não ... então tá certo/ oxente... cheguei no meio
da oração (...)
(2)
L2 eu vou lhe contar uma... eu rezo mordida de casca... mordida de
jararaca...faz muito
130 Revista do Gelne
(3)
L2 (...) aí diz que tenho que limitar...rezar uma quantidade...
(4)
L1 [ é mas qual é a a a proteção que o senhor... acha que tem
que...se protege... como é que o senhor se protege?
Nesse fragmento, L1, com o intuito de ser bem entendida pelo interlocutor,
reformula seu enunciado original, buscando uma forma adequada para expressar
seu pensamento.
3 Atividades de reformulação
3.1 A paráfrase
(5)
L1 [ o senhor tem uma proteção muito grande, né?
L2 é mas se eu não num coidar ...se eu não tiver cuidado... aí cai
(6)
L1 [ é mas qual é a a a proteção que o senhor... acha que tem
que...se protege/ como é que o senhor se protege?
L2 eu acho que a minha proteção que eu tenho é porque eu confio
muito em Deus
(7)
L2 (...) pequeno assim... dor de ventrusidade... dor reumática...essas
rezas tudo pequininim berruga assim sinal hérnia eu peguei a/faz
pouco tempo,...comecei agora há pouco... mas essas coisinhas eu reza-
va pouquinho mas adespois desses problema que eu recebi (...)
(8 )
L2 sabe por quê? porque se eu não rezar eu eu tenho eu tenho
duas oração que se eu não rezar de noite eu também não durmo
não
132 Revista do Gelne
Doc e é?
L1 hum
L2 durmo de jeito nenhum/ e então eu tenho uma proteção de uma
mulherzinha que se apresenta eu todo dia...( incompreensível) às
vezes ela vem nesse portão aí... a (...)
3.2 A correção
3.2.1 A reparação
(9)
L1 só se o senhor...é ... eu vou ficar curada...
L2 a senhora ...sabe... ãn sabe onde
L1 eu vou ficar curada... e o senhor curou uma pessoa de Fortaleza
L2 [sabe onde é Rondônia?
L1 sei
L2 que divide com o estrangeiro?
L1 sim
L2 já rezei gente daqui lá...
L1 é
L2 eu tem rezado gente de São Paulo, de Rio, de Natal de todo
canto
L1 pois é o senhor rezou agora uma de Fortaleza sabia?
Vol. 6 - No. 1 - 2004 133
(10)
L2 só só porque eu tem medo dela demais...e nojo... num é tanto medo
como é nojo de cobra... uma cobra pode tá morta e eu não boto
minha mão em cima por caridade não...e às vezes diz que quem reza
mordida não pode matar a cobra né?
(12)
L1 [ é é é por isso que eu perguntei... se o senhor reza[va ... num é?
L2 [ataca minha vista tem vez que ataca de eu ficar cego/ficar quase
cego/ ( muitas vezes)
(13)
L2 [quatro oração que eu tinha ...menina tinha sido há dez anos aí
eu disse assim com aquelas oração que a menina ensinou você
pode rezar qualquer problema na sua vida aí de lá pra cá eu
fiquei rezando/ num fiquei rezando ninguém não/ fiquei guardando
assim no pensamento/ com mais um bocado de ano mas eu sempre
me lembrava/ mas (...)
(14)
L2 eu rezo qualquer PROblema na vida ... porque ele ...quando me
ensinou isso... quando ela me ensinou ... a pessoa que me
ensino...i/isso foi um rapaz que me ensinou/ ele fazia dez anos
que tinha morrido... ele disse assim... com essas oração... que
você sabe/eu só sabia de quatro oração...aí então... rezando pra
curar engasgo que é fácil demais... tomar sangue de palavra é
bem pouquinho...esses aí eu sabia... dor de (...)
(15)
L2 (...) da serra ...aí assim coitado só faltava morrer... veio aqui
...aí eu... mandei ele ...arrumar o remédio... ele arrumou... fiz
ficou BONzinho...e eu sofro de gastrite e não tem coragem de
tomar... porque é FEdorento demais... banha de cágado
Vol. 6 - No. 1 - 2004 135
L1 é o quê?
L2 daquele cágado preto
L2 BAnha de cágado preto ... da d’água... ela disse você pegue...
arranje a banha de (...)
(16)
L1 sei... o senhor reza quantas vezes ( incompreensível) quantas
vezes o senhor reza assim por dia?
L2 quantas pessoas?
L1 sim
L2 ... eu num conto não mas às vezes cheguei a rezar aqui
cinqüenta e seis pessoas...
(17)
L2 aí você sabe... agora você não sabe dizer foi fulano poi.. ã um
am
L1 no no meu caso o senhor não rezou mau olhado não...né? o
senhor rezou...
L2 em você?
L1 sim...
L2 eu rezei o corpo geral... porque eu rezo assim rezo geral...
L1 fechou, né?... fechou geral
L2 ( )
(18)
L2 (...) não pode nem pisar? tem um cara aqui com... dois...o pai e
o filho... cada um tinha oito...em cada um pé quatro... aí eu
rezei... rezei ele ...rezei assim três sextas-feiras seguida...eu
..(....)
(19)
L1 de repente sentiu isso
136 Revista do Gelne
L2 foi eu tomei... não tomei e andei ...assim como daqui ali naquela
esquina... tinha um passador.. quando eu subi que peguei aí recebi
esse problema... dormente e fiquei dormente... três dias... com três
dias voltei pelo mesmo caminho quando peguei no (...)
(20)
L1 aí o senhor chegou a a a ...
L2 ...(...) com aquelas oração que a menina ensinou você pode rezar
qualquer problema na sua vida aí de lá pra cá eu fiquei rezando/
num fiquei rezando ninguém não/ fiquei guardando assim no
pensamento/ com mais um bocado de ano mas eu sempre me lembrava
(...)
(21)
L1 [o senhor tem visão?]
L2 [quando eu vou pros hospital eu rezo eles num quarto
separado(...)
L1 tá certo, tem que ser um quarto separado né?
L2 [ lá é bom porque na minha casa não tem cômodo nem eu posso
fazer
L1 é ...é... quando o senhor reza...
L2 nem interesso mais fazer
L1 quando o senhor reza o senhor tem visão não?
L2 ver o quê?
L1 visão... o senhor consegue ver a a a vibração da pessoa?...
L2 [ às vezes tem tem muitas vezes eu vejo ( incompreensível )]
L1 o senhor vê o espírito que acompanha a pessoa?
4 Tipos de erros
(22)
L2 tô ... dentro do hospital um DOEnte dentro desse hospital eu não
gosto de rezar no hospital que eu rezo em qualquer hospital tô eu
fui entrevistado rezo em todos eles mas ... eu não gosto de rezar em
hospital não porque quando eu vou rezar um doente aí eu rezo ao
(23)
L2 foi ...eu me acordei com uma azia infe:liz...comi... um pedaço de
uma galinha muito gorda ali... aí fui dormir mas quando
acordei, mulher, foi morrendo... morrendo não, com aquela
GAStura ...a a senhora já sofreu azia?
L1 [é fica ruim ter azia... é muito ruim]
(24)
L2 [mas quando eu rezava assim por lista digamos eu pegava sua
lista né rezava hoje /que eu tenho MUItas ali/ um caderno
assim ..um ãn eu acho que eu acho tenho bem vinte ... un ..não
vinte ou trinta (...)
138 Revista do Gelne
6 Funções da correção
7 Considerações finais
Referências
BARROS, Diana Luz Pessoa de, e MELO, Zilda Maria Zapparoli Castro. Procedimentos
e funções da correção na conversação. In: PRETI, Dino e URBANO, Hudinilson (org.).
A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: materiais para seu estudo. Vol. IV.
São Paulo, T.A . Queiroz / FAPESP, 1990.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Procedimentos de reformulação: a correção. O processo
interacional. IN: Preti, Dino (org.). Análise de textos orais. vol. 1, 2 ed. São Paulo:
FFLCH/USP, 1993.
BRAIT, Beth. O processo interacional. In: Preti, Dino (org.). Análise de textos orais.
vol. 1, 2 ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1993.
FÁVERO, Leonor L., ANDRADE, Maria Lúcia da Cunha V. de Oliveira, AQUINO, Zilda
Gaspar Oliveira de. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna.
São Paulo: Cortez, 1999.
HILGERT, Urbano. Procedimentos de reformulação: a paráfrase. In: Preti, Dino (org.).
Análise de textos orais. vol. 1, 2 ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1993.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo:
Contexto, 1997.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986.
140 Revista do Gelne
Vol. 6 - No. 1 - 2004 141
1
Há ainda outras hipóteses (não abordadas aqui) a respeito da possibilidade que
certas línguas têm de apresentarem categorias vazias (neste caso, o sujeito nulo)
sem marcas de concordância, como o caso do Chinês (HUANG, 1982).
2
Chomsky faz essa observação, baseado no fato de que há línguas que apresentam
um sistema flexional misto, permitindo o apagamento do sujeito em algumas
construções, mas não em outras (Hebraico, Irlandês).
Vol. 6 - No. 1 - 2004 143
3
O pronome tu, de 2a. pessoa, não é utilizado na região, por isso, foi considerado
apenas o você como pronome pessoal de 2a. pessoa.
4
Os exemplos foram retirados do corpus do projeto VARSUL (Variação Lingüística do
Sul do País) e a abreviatura PrLd significa que são entrevistas do Paraná, da cidade
de Londrina. Os números, na seqüência, indicam a entrevista de que foram extraídos
(1 a 24).
5
Spec de IP – na linguagem da teoria gerativa, significa a categoria na qual se insere o
sujeito.
144 Revista do Gelne
45
41
39
40
36
35
30 28
25
%
Sujeito nulo
20
15 13
10
0
EU VOCÊ ELE A GENTE ELES
“É muda. É muda. (cv6) Planta, né? Faz-se a cova, (cv) planta ali,
tá? (cv) Aduba” (Pr Ld 01)).
6
cv – categoria vazia. Neste caso, sujeito nulo.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 145
Inclusão essa que não significa “erro”, mas surge a partir de uma noção
intuitiva de indícios de mudança também nesses contextos, tidos como ambientes
categóricos de sujeito nulo. Sobre essa “noção intuitiva”, posso afirmar, baseada
nos dados estatísticos, que se trata de algo mais do que uma simples intuição.
Como já foi dito, se, até em línguas não pro-drop, as orações coordenadas
não iniciais com sujeito correferente possuem sujeito nulo, línguas pro-drop,
como “ainda” é considerado o PB, deveriam, obrigatoriamente, ter sujeito nulo
nessas orações. Entretanto, observei que, do total dos sintagmas (inseridos em
coordenadas não iniciais) analisados, 46% têm sujeito pleno. Observe os
exemplos:
“... você vai na igreja, você ora, você pede a palavra, você sente de
ficar com Deus” (PrLd03).
“Ela mora em Curitiba, ela está lá agora, sabe? Morando lá”. (PrLd
02).
“A gente saía no sábado e a gente chegava lá no domingo à tarde.
Daí a gente voltava pra casa, né?” (PrLd 07).
“...então acho que (falando da novela) (ec) não terminou não, viu?
Não é possível terminar assim, então, (ec) não teve fim, sabe?”
(PrLd 02)
3 A Escolaridade
estar inserida no ambiente lingüístico da língua que está adquirindo e não ter
ultrapassado o período crítico, para ter as informações necessárias para
desenvolver o sistema lingüístico correspondente a essa língua (MAGALHÃES,
2000, p. 78).
7
Gramática-I (gramática internalizada): nos termos da Teoria Gerativa, é o mecanismo,
o conjunto de regras que é dominado pelos falantes e que lhes permite o uso normal
da língua – individual – aquela que desenvolvemos quando crianças.
148 Revista do Gelne
5 Propósitos do Trabalho
Para verificar o uso que se faz do sujeito nulo e não nulo na oralidade da
criança e na escrita dos escolares, utilizarei a metodologia da Sociolingüística
Quantitativa para o levantamento dos condicionamentos lingüísticos e
extralingüísticos.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 149
7 Contribuições
8
Para maiores esclarecimentos de tempo aparente, vide TARALLO (1997).
150 Revista do Gelne
Referências
Regina Baracuhy*
(Mikhail Bakhtin)
1
O conceito de formação social, definido por Pêcheux na primeira época da Análise do
Discurso, refere-se aos modos de produção em uma dada sociedade.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 155
A sociedade constitui seu simbolismo, mas não dentro de uma liberdade total. O
simbolismo se crava no natural e se crava no histórico (ao que já estava lá);
participa, enfim, do racional. (...) Nem livremente escolhido, nem imposto à
sociedade considerada, nem simples instrumento neutro e medium transparente,
nem opacidade impenetrável e adversidade irredutível, nem senhor da sociedade,
nem escravo flexível da funcionalidade, nem meio de participação direta e
completa em uma ordem racional, o simbolismo determina aspectos da vida da
sociedade (e não somente os que era suposto determinar) estando ao mesmo
tempo, cheio de interstícios e de graus de liberdade.
A revolução do texto eletrônico será ela também uma revolução de leitura. Ler
sobre uma tela não é ler sobre um códex. Se abre possibilidades novas e imensas,
a representação eletrônica dos textos modifica totalmente a sua condição: ela
substitui a materialidade do livro pela imaterialidade de textos sem lugar
específico; às relações de contigüidade estabelecidas no objeto impresso ela
opõe a livre composição de fragmentos indefinidamente manipuláveis; à captura
imediata da totalidade da obra, tornada visível pelo objeto que a contém, ela faz
suceder a navegação de longo curso entre arquipélagos textuais sem margens
nem limites.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
--_____ (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais
do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi
Vieira. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
BRAIT, Beth. (org.) Bakhtin, dialogismo e construção de sentido (org.). Campinas:
UNICAMP, 1997.
166 Revista do Gelne
Afigura-se simpática e nobre a fisionomia dêste homem do mar. Nem uma só vez
abusa da liberdade concedida aos trovadores medievais para licensiosamente
expandir as fezes do seu pensar e sentir. Nenhuma palavra vil afeia seus versos
(cf. Elsa Gonçalves, p. 31).
E do meu corpo que será senhor / quand’el d’alá o vosso desejar? (vs. 15-16).
muy sen vergonha irey per u for / ora con graça de vós, mya senhor (vs. 32-33).
mar, nem terra, nem prazer, nem pesar / nem bem, nem mal nom my-a
podem quitar (vs. 5, 6, 11, 12, 17, 18).
Na cantiga XVI, compara “coyta d’amor” e “coyta do mar”, o que está expresso
no refrão:
coyta d’amor nam faz escaecer / a muy gram coyta do mar (vs. 5, 6, 11, 12, 17,
18).
Po(la) mayor coyt’a que faz perder / coyta do mar, que fez muitos morrer (vs. 19
e 20)
Parece que, para o trovador, a coyta d’amor é mais forte que a coyta
do mar.
Tratarei as demais cantigas de Charinho, considerando nomes
(substantivos e adjetivos), verbos e lexias feitas que caracterizam seus cantares
d’amor. Note-se que Charinho é um sofredor e a senhor é caracterizada por
inúmeras qualidades. Começarei, então, pelas qualidades da senhor, seguindo
a ordem das cantigas, ao mesmo tempo em que se expressam nessas cantigas
a coyta do trovador:
Qualidades da senhor e a coyta d’amor do trovador:
a mesura (C. I, v. 3)
a melhor dona do mundo (C. I, v. 21).
queria-me lh’eu muy gram bem querer / mays non queria por ela morrer (vs. 5,
6, 11, 12 e 17, 18).
É esse o refrão.
Justifica-se o trovador:
Ca nunca lhi tam bem posso fazer / serviço morto, como se viver (vs. 19 e 20).
é assim que finaliza esse seu cantar. Por quê? Viu a dona, mas
non lh’ousey atento dizer (v. 5) ... e vi-a / eu por meu mal, sey-o per bõa fé (vs.
8-9).
mays quand’e vi / o seu bom parecer / vi, amigos, que mya morte seria (vs. 20-
21).
Na cantiga V, a senhor é:
nom vos pês e catarem vós, que a desejarem (vs. 5, 6, 11, 12, 17, 18).
Os olhos dele
am sabor de vos catar (v. 2) ... nunca podem dormir / nem aver bem (vs. 9 e 10).
Ca sofri eu mal por vós, qual mal, senhor / me quer matar (vs. 5 e 6).
e pod’assi veer qual é peor / – do gram bem ou do gram mal do sofrer (vs. 14
e 15).
Mays en que mal sofri / sempre por vós – e non bem – des aqui /
terríades por beò de vos nembrar (vs. 26, 27 e 28).
por muyt’afam que eu sofr’e sofri / por vós, senhor, e oymais des aqui /
pois entender que fac’i folia (vs. 5, 6 e 7)
como nom moyro, e morrer devia, / por en rog’a Deus que me vlaha i, /
que sab’a coyta que por vós sofr’i (vs. 11, 12 e 13).
Vol. 6 - No. 1 - 2004 173
disse-m’oje ca me queria bem / pero que nunca me faria bem (vs. 11-12
e 17, 18).
porque
seria falar no que sempre cuydey; / no seu bem e no seu bom parecer (vs. 13 e
14).
mas como pod’achar bõa razom / ome coytado, que perdeu o sem / (...)
quando falo rem / que nom sey que me digo (vs. 15, 16, 17 e 18).
(...) que vos prazia d’ouvides entom / em mi falar, e que nom é já si (vs. 3 e 4).
quero que moyra, que rem nom me val / ca vós dizedes dest’amor atol /
que nunca vos ende se nom mal vem (vs. 8, 9 e 10).
174 Revista do Gelne
Mays que farey? / ca por vós muyr’e nom ey d’al sabor (vs. 11 e 12).
cuydava quand’amor nom avia / que nom prol s’el comigo poder (vs. 1 e 2).
Na cantiga XVII, mais uma vez é o amor que faz o trovador viver porque
a “senhor” é
fremosa (v. 1)
tem mansedume (v. 10).
tem bom parecer (v. 10).
tem bondade (v. 11).
Sonha então ele com o que vier e que o mantém vivo, o verdadeiro
amor.
Ela, pero sey que lhe plazerá / de mya morte, ca nom quis nem querrerá,
/ nem quer que eu seja seu servidor (vs. 29, 30 e 31).
A razão do “sofrer”:
Ca nom á no mundo tam sofredor / que a veja, que se possa sofrer / que
ele nom aja gram bem de querer (vs. 15, 16 e 17).
Vol. 6 - No. 1 - 2004 175
e por esto baratará melhor / nõ-na veer, ca sem nom lhe valrá (vs. 18 e 19).
May eu, que me faço conselhador / d’outros devera pera mi prender / tal
conselho (vs. 22, 23 e 24).
e pelo bem que vos quer, outrossi, / ay meu lume, doede-vos de mim! (vs.
5, 6; 11, 12; 17, 18 e 23, 24).
“A senhor” é fremosa (v. 1), o trovador é seu servidor (v. 4). Por que deve “a
senhor” ter pena do poeta?
porque vos nunca podedes per de / en aver doo de mim (vs. 13 e 14).
por quam mansa e por quam de / bom prez e por quem aposto vos / fez
falar Nostro Senhor (vs. 19, 20 e 21).
[A cantiga XX] junta o motivo erótico das flores com o do mar (...); de idéia
claramente desenvolvida, movimento aquecido e justa proporção é uma das
mais rigorosamente perfeitas do Cancioneiro segundo os cânones da
versificação dos trovadores (1992, p. 89-90) [tradução minha].
Idas som as frores / d’aqui bem com meus amores! (vs. 5 e 6; 11 e 12; 17
e 18; 23 e 24; 29 e 30; 35 e 36).
Muy bem é a mim, ca já nom andarey / triste por vento que veja fazer,
nem por tormenta nom ey de perder / o son’ (...) (vs. 7, 8, 9 e 10).
A amada não há de perder o sono, nem andará triste, temendo vento e tormenta.
o que do mar meu amigo sacou, / saque-o Deus de coytas qu’afogou (vs.
5 e 6; 11 e 12; 17 e 18),
almeja a amiga e pede a Deus que o amado tenha afogado no mar suas
coytas, já que no mar não se afogou.
Na cantiga XXV, breve e bela, agradece a amiga a Santiago por ter
trazido de volta o seu amigo:
Sôbre mar vem quem frores d’amor tem! / Mirarey as torres de Geem!
(vs. 3 e 4; 7 e 8).
se mi quer bem, que lho quero eu mayor, / e, se lhi vem mal, que é por
senhor (vs. 5 e 6; 11 e 12; 17 e 18).
Que muytas vezes eu cuydo no bem / que meu amigo mi quer e no mal /
que lhi por mi de muytas guisas vem! (vs. 1, 2 e 3).
E poys (é) assi, que razom diria? / Porque nom sofra mal nom a razom, e,
/ u eu cuydo que nom poderia, – / tam gram bem mi quer! (vs. 7, 8, 9 e 10).
E por tod’esto dev’el a sofrer / tod’aquel mal que lh’oje vem por mi, /
pero cuydo que nom pode viver, – tam gram bem mi quer! (vs. 13, 14, 15
e 16).
que nulha rem nom creades / que vos diga, que sabyades (vs. 5 e 6; 11 e
12; 17 e 18).
Por que razão dá a mãe esse conselho à filha? Para defendê-la; vejam-
se os versos das três estrofes:
Muito simplesmente se pode parodiar essa cantiga XXIII: “não diga que
não lhe avisei!”.
Na cantiga XXIV, o amigo pergunta à amiga por que razão ela não lhe
quer mais, ele que
serviu-vos sempr’e fazerdes-lhi mal. / E que diredes d’el assi perder? (vs.
15 e 16).
Nom sey, amiga; dizem que oíu / dizer nom sey quê, e morre por em (vs. 5
e 6).
Nom sey, amiga; el cada u é / aprende novas com que morr’assi (vs. 11 e
12).
Nom sey, amiga; el quer sempr’oir / novas de pouca prol pera morrer (vs.
17 e 18).
– Os meus olhos e o meu coraçom / e o meu lume foy-se com el-rey! (vs.
1 e 2).
O amado é para a amiga: meus olhos; meu coraçom; meu lume; quanto
bem avia e há d’aver. A mãe pergunta quem é este por quem a filha espera,
Quem est’, ay filha, se Deus vos perdon? / Que my-o digades gracir-vo-
lo-ey (vs. 3 e 4).
Non vos ten prol, filha, de my-o negar, / ante vo-lo terrá de my-o dizer
(vs. 9 e 10).
Ela dirá quem é o amado, mas que a mãe não se “desagrade” (non vos
pês) quando o amigo vier à presença da mãe.
A tenção de número XI é mais um diálogo entre mãe e filha e trata do
pedido de casamento que o rei mandou fazer à amiga:
– Cabelos, los meus cabelos, / el-rei m’enviou por elos! (vs. 1 e 2).
– Garcetas, las mias garcetas, el-rei m’enviou por elas! (vs. 5 e 6).
Vale esclarecer, para o leitor que não convive com o léxico arcaico, dois
itens: lez e velida; o primiero significa ‘costa (do mar)’, ‘beira mar’ e o segundo,
‘formosa’ (cf. CUNHA, apud GONÇALVES, s. v. pags. 272 e 288,
respectivamente).
Na Barcarola II, o rei de Portugal manda fazer barcas e lançá-las ao
mar:
182 Revista do Gelne
Sendo o refrão:
e lá irão na barcas migo, mya filha e noss’amigo (vs.3, 4; 7, 8; 11, 12; e 15,
16).
Jus’a lo mar e o rio / eu namorada irey, / u el-rey arma navio (vs. 1, 2 e 3).
Jus’a lo mar e o alto / eu namorada irey, / u el-rey arma barco (vs. 5, 6 e 7).
U el-rey arma barco / eu namorada irey, / pera levar a d’algo (vs. 13, 14 e 15).
Pela ribeyra do rio salido / trebelhey, madre con meu amigo (vs. 1 e 2).
Pela ribeyra do rio levado / trebelhey, madre con meu amado (vs. 7 e 8).
amor ey migo / que non ouvesse! / fiz por amigo / que non fezesse! (vs. 3, 4, 5
e 6; 9, 10, 11 e 12)).
Vol. 6 - No. 1 - 2004 183
Met’el-rey barcas no rio forte; / quen amig’á que Deus lh’o amostre (vs 1 e 2).
Met’el-rey barcas na extremadura; quen amig’á Deus lh’o aduga (vs. 4 e 5).
Porque o amado foi com o rei no rio forte e a amiga pede a Deus que o
traga de volta (Deus lh’o aduga).
Na última Barcarola, a VIII, canta à beira do rio a amiga:
Sobre a cantiga VII dizem as mesmas autoras que sua “função conclusiva
a isola como se fosse uma finda (é a mais curta), as outras seis alternam-se
em estruturas de 4 estrofes e de 6” (Ibid, p. 267). Mais adiante dizem: “Nas
Vol. 6 - No. 1 - 2004 185
se me saberedes dizer / porque tarda meu amigo / sem mim? (vs. 2, 3 e 4).
se me saberedes contar / porque tarda meu amigo / sem mim? (vs. 6, 7 e 8).
Sobre o amado:
Continua a perguntar:
Mia ìrmana fremosa, treydes comigo / a la igreja de Vig’u é o mar salido (vs. 1
e 2).
186 Revista do Gelne
Mia irmana fremosa, treydes de grado / a la igreja de Vig’u é o mar levado (vs.
4 e 5).
A la igreja de Vigo, u é o mar salido, / e verrá i mia madr’e o meu amigo (vs. 7
e 8).
A la igreja de Vigo, u é o mar levado, / e verrá i mia madr’e o meu amado (vs.
10 e 11).
Quantas sabedes amar amigo / treydes comig’a lo mar de Vigo (vs. 1 e 2).
Quantas sabedes amar amado / treydes comig’a lo mar levado (vs. 4 e 5).
Nos dois últimos versos transcritos, vê-se que o convite às amigas para
banharem-se no mar de Vigo é um pretexto, válido, para que possa ver o seu
amado.
Observemos, na seqüência, as cantigas pares, em que, conforme Elsa
Gonçalves e Maria Ana Ramos, o “elemento temático é Vigo” (Ibid, p. 267) e
não as “ondas”:
Na cantiga II, o refrão mostra a decisão da amiga, quando informa à
mãe:
Ay Deus, se sab’ora meu amigo / com’eu senheyra estou en Vigo! (vs. 1 e 2).
Ay Deus, se sab’ora meu amado / com’eu en Vigo senheyra manho! (vs.3 e 4).
Com’eu senheyra estou en Vigo, / e nulhas gardas migo trago! (vs. 7 e 8).
Com’eu en Vigo senheyra manho, / e nulhas gardas migo non trago! (vs. 10 e
11).
E nulhas gardas non ey comigo, / ergas meus olhos choran migo! (vs. 13 e 14).
E nulhas gardas migo trago, / ergas meus olhos choran ambos! (vs. 16 e 17).
SUBSTANTIVOS
CABELOS
GARCETAS (‘mecha de cabelo’)
ALTO (‘mar’)
RIO
AVELANEYRA
ONDAS
IRMANA
GARDAS (‘acompanhantes’)
Vol. 6 - No. 1 - 2004 189
ADJETIVOS
FREMOSA
APOSTA
MANSA
BRIOSA
FERIDO
FOSSADO (‘atividade bélica’)
VELIDO
LOADO (‘louvado’)
FREMOSI) H A
NAMORADA
SALIDO (‘mar’)
LEVADO (‘mar’)
(rio) FORTE
GRANADAS (‘avelaneyras’)
SENHEYRA (‘sozinha’)
(corpo) DELGADO
VERBOS
NAVEGAR
ESPEDIR (‘despedir’)
NEMBRAR
CATAR
SERVIR
GRACIR (‘agradecer’)
LAVRAR
BAYLAR
TARDAR
Referências
CUNHA, Celso Ferreira da. Cancioneiros dos trovadores do mar. Edição preparada por
Elsa Gonçalves. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1999.
FILGUEIRA VALVERDE, Xosé. Estudios sobre lírica medieval. Trabalhos dispersos
(1925-1987). Vigo: Editorial Galáxia, 1992.
GONÇALVES, Elsa & RAMOS, Maria Ana. A lírica galego-portuguesa (textos
escolhidos). Lisboa: Editorial Comunicação, 1983.
MACHADO FILHO, Américo Venâncio Lopes. O que revela um manuscrito trecentista
sobre “as formas de amar” na sociedade medieval: uma abordagem em campos
associativos. Comunicação ao VI Encontro Internacional da Associação de Estudos
Medievais. Salvador: 2003 (a sair nas Atas).
TAVANI, Giuseppe & LANCIANI, Giulia. Dicionário da literatura medieval galega e
portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993.
TAVANI, Giuseppe. (1988). Ensaios portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, 1988.
Vol. 6 - No. 1 - 2004 191