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Comitê Editorial
Editora-Chefe: Sandra Heck
Editor-Coordenador: Christofer Scorzato
Editor Comercial: Diego Ferreira
Diagramação e Projeto Gráfico: Samuel Hugo
Arte da Capa:
Revisão de Texto: Os autores
Vários colaboradores
ISBN 978-65-5861-621-4
3 ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nova York:
Unicef, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.
Acesso em: 29 mar. 2021.
4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
catolicismo, batizados já no navio, durante o tráfico. Eram obrigados a ser
cristãos, participar dos ritos e comportar-se como católicos (SILVA, 2005)5.
O nosso convite é para que, durante a leitura, você possa se aventu-
rar e se permitir conhecer um pouquinho mais da complexidade do estudo
das crenças, das religiões e religiosidades que permeiam o nosso cotidiano.
No capítulo primeiro, Vanda Fortuna Serafim analisa a forma como
as práticas afro-brasileiras foram tratadas na obra As religiões no Rio, de João
do Rio. Preocupa-se com o contexto dos primeiros anos do século XX na
cidade do Rio de Janeiro. Sua proposta se preocupa com a diversidade reli-
giosa no Brasil e em como os intelectuais a interpretaram. Dessa forma, ela
constata o olhar “antifetichista” de João do Rio sobre as crenças que observa.
Ana Paula de Assis Souza, no segundo capítulo, preocupa-se com
as narrativas de Nina Rodrigues em sua obra O Animismo Fetichista dos
negros Bahianos, de 1935, e com João do Rio em As religiões no Rio, de
1906. Seu objetivo é analisar como essas fontes históricas descrevem e
interpretam os ritos iniciáticos afro-brasileiros. Para efetivar sua análise,
preocupa-se com teóricos que refletiram sobre o rito de iniciação e aplica
seus conceitos com o objetivo de compreender como os ritos afro-brasi-
leiros foram compreendidos pelas fontes investigadas.
Em Por trás dos muros: os umbandistas no tecido urbano de
Uberlândia-MG, Cairo Mohamad Ibrahim Katrib parte da ideia de que as
práticas da religiosidade afro-brasileira sofreram notáveis transformações
a partir dos anos 2000. Sua atenção está voltada para a Umbanda e suas
múltiplas representações, que nesse contexto, sentiram uma série de
políticas públicas sendo efetivadas no campo das ações compensatórias
do Estado. Seu capítulo encontra suporte na História Cultural e história das
religiosidades, que permitem entender o movimento do terreno religioso.
No próximo capítulo, intitulado Exu e os limites do binarismo concei-
tual, Laís Azevedo Fialho realiza uma análise sobre a obra literária Deuses
de dois mundos de PJ Pereira, centrando-se na abordagem de algumas
representações históricas de Exu. Seu suporte teórico-metodológico re-
5 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira. São Paulo: Selo
Negro, 2005.
side na perspectiva da História Cultural e Teoria Pós-Colonial. O objetivo
é problematizar os limites do binarismo conceitual denunciado pela figura
de Exu, a qual pode ser interpretada enquanto fundamento epistemológi-
co no combate à lógica colonial.
Ao entrar em uma análise das espacialidades, André Luís Nas-
cimento de Souza, em seu capítulo Espacialidades do Catimbó-Jurema,
pesquisa os espaços e a sua construção imaginária e imaginada, ou de
uma “geografia sobrenatural” que se manifesta no sistema místico-reli-
gioso do catimbó-jurema. Em sua análise somos apresentados a diversos
espaços dessa religião, como o terreiro, o corpo, as cidades espirituais, o
peji ou altar, as aldeias e reinos.
O capítulo de Adriana Gomes, A judicialização do espiritismo na
Primeira República, discute como o Código Penal de 1890, que criminalizou
o espiritismo, foi recebido no contexto do Instituto da Ordem dos Advoga-
dos e em fontes como as Notas Históricas. Esse código foi legislado por
Baptista Pereira, no qual reitera a ilegalidade do espiritismo enquanto um
“crime indígena”. Por meio do trabalho com as fontes, Gomes pontua como
a mediunidade foi interpretada pelo legislativo e associada a tradições que
não condizem com o projeto de país republicano que desejavam construir,
inserindo nesse âmbito as religiões de matriz africana e o espiritismo.
Partindo de uma temática sobre mediunidade e espiritismo, Ga-
briela Harumi Araki objetiva refletir sobre o contexto de produção da obra
Ricerche sui fenomeni ipnotici e spiritici, de Cesare Lombroso (1909), em
seu capítulo Mediunidade e Espiritismo em fin-de-siècle italiano: o olhar de
Cesare Lombroso (1909). Sua discussão teórica parte dos estudos de Vanda
Fortuna Serafim (2013), Michel de Certeau (1982) e Bruno Latour (2004).
Ainda na temática da prática mediúnica, Gabriella Bertrami Vieira
investiga e problematiza o documentário Santo Forte do cineasta Eduardo
Coutinho (1933-2014). Seu capítulo, Hibridismos e trânsitos religiosos no
Brasil: uma análise a partir do documentário Santo Forte (1999), objetiva
compreender a emergência de hibridismos e trânsitos religiosos no do-
cumento histórico Santo Forte ao demonstrar algumas dinâmicas do crer
contemporâneo no Brasil, com atenção às religiões mediúnicas.
Por meio da análise de fontes escritas e orais, Mary Campelo de
Oliveira problematiza a emergência de uma religiosidade não oficial por
meio da devoção a Carlindo Dantas, na cidade de Caicó, Rio Grande do
Norte. Seu objetivo é analisar como, após a morte trágica de Carlindo
Dantas, ele foi alçado à condição de “Milagreiro de Cemitério” na região do
Seridó Potiguar.
Ainda dentro desta temática de uma religiosidade não oficial,
Lourival Andrade Junior apresenta uma pesquisa sobre as tragédias
de Donária e Maria na cidade de Pompal, no Sertão Paraibano, em seu
capítulo As tragédias de Donária e Maria. Ao analisar as fontes do período,
o autor demonstra como a seca de 1877-79 influenciou no assassinato da
criança Maria, morta por sufocamento, decepada e com partes do seu
corpo consumidas por Donária dos Anjos. Lourival Andrade Junior destaca
que, após esse acontecimento, o local do crime foi compreendido como
um espaço sagrado.
Em um cenário complexo que parte da instituição para o meio do
catolicismo popular, a pesquisa de Allan Azevedo Andrade tem o objetivo
de compreender como o bispo D. José Afonso, do Pará, operacionalizou
a aplicação do catolicismo ultramontano em sua diocese, no recorte
temporal de 1844 a 1857. Em seu capítulo intitulado O Ultramontanismo e
os Desencontros com o Catolicismo Popular no Pará Oitocentista, Andrade
empreende uma análise de documentos que possuem discursos da Igreja,
como jornais, livros e relatórios de presidente da província.
O capítulo de Mariane Rosa Emerenciano da Silva, Vivências do
catolicismo: o peregrinar como experiência religiosa no Hallel (Maringá-PR,
1995-2019), parte de pesquisas de campo e entrevistas realizadas entre
2014 e 2019 com objetivo de observar o papel do “peregrino” no even-
to Hallel, que acontece na cidade de Maringá, no estado do Paraná. Ao
compreender o peregrino como aquele que vivencia a prática religiosa de
forma voluntária, autônoma, individual e móvel, a autora analisa sua figura
e apresenta os módulos do Hallel, evento de música católico.
Partindo para a diversidade de crenças e suas variadas interpreta-
ções, Rafaela Arienti Barbieri apresenta seu capítulo O Pânico Satânico:
considerações sobre Satã e Satanismo nos Estados Unidos nas décadas de
1970 e 1980. Seu objetivo é analisar o fenômeno do Pânico Satânico que foi
vivenciado nos Estados Unidos em 1980. A autora analisa fontes documen-
tais variadas como casos judiciais envolvendo o pânico moral que resultou
do fenômeno estudado, além de depoimentos de ex-satanistas realizados
em programas televisivos.
Seguindo uma preocupação sobre a operacionalização de casos
judiciais e sua relação com a religião, Rodolpho Alexandre de Mello Bas-
tos problematiza o âmbito jurídico e as presenças de discursos religiosos
medievais sobre o feminino que ainda ressoa no mundo contemporâneo.
Em seu capítulo, O Gênero de Deus: ressonâncias de discursos clericais me-
dievais em uma decisão judicial sobre a Lei Maria da Penha, Bastos analisa
uma decisão judicial proferida em 2007 em que o juiz ataca a lei Maria
da Penha ao argumentar acerca de seu caráter herético, contra a lógica
de Deus. Diante disso, o autor investiga a presença de discursos clericais
medievais sobre o feminino na decisão judicial.
Voltando-se para o período medieval, o capítulo Mito e Magia: o
veículo mágico da poética medieval, de Daniel Lula Costa, tem a proposta
de analisar os vestígios de um veículo mágico da poética medieval por
meio do conceito benjaminiano de “magia da linguagem”. Sua pesquisa se
concentra em problematizar alguns Cantos da obra Commedia, de Dante
Alighieri, para verificar como a linguagem presente em uma narrativa mí-
tica enuncia a espiritualidade do mundo enquanto presença, conforme o
conceito de Gumbrecht (2009).
Para finalizar a apresentação dos capítulos, somos introduzidos à
pesquisa de Leonardo Henrique Luiz e Richard Gonçalves André intitu-
lada O budismo e as Ciências Humanas: considerações sobre a produção
acadêmica no Brasil. Nesta pesquisa, a preocupação dos autores é mapear
a historiografia sobre o budismo japonês no Brasil. Para isso, foram anali-
sados trabalhos acerca do tema por meio do conceito de lugar social, de
Michel de Certeau.
Neste momento, convidamos vocês a partirem nesta jornada
pelos saberes que tangenciam as diversidades religiosas e as histórias.
As pesquisas interculturais que vocês encontram aqui demonstram a
riqueza de abordagens sobre as práticas e os fenômenos religiosos,
permitindo conhecer sob variadas perspectivas teóricas as desconti-
nuidades e as complexidades da operacionalização do crer e da sua
relação com a história. Almejamos que as discussões despertem para
mundos plurais em que o respeito e os saberes se encontrem na com-
plexidade da vivência humana.
Resumo
Discute-se a forma como as práticas afro-brasileiras foram tratadas na obra As
religiões no Rio. O recorte histórico consiste no Rio de Janeiro e nos primeiros
anos do século XX. A partir de teóricos como Bruno Latour constata-se o olhar
“antifetichista” que João do Rio lança sobre as crenças coletivas que observa. O
texto reflete sobre a diversidade religiosa no Brasil e o olhar dos intelectuais para
crenças africanas.
Palavras-chave: Feitiço. Religião. João do Rio. Crenças Africanas.
Abstract
The article discusses the way African-Brazilian practices were presented in the book
As religiões no Rio. The historical section takes place in Rio de Janeiro and the first
years of the 20th century. Starting from theorists such as Bruno Latour, we realize
that João do Rio narratives highlights the collective beliefs in a “anti-fetishist” way.
The paper analyzes the religious diversity in Brazil and the intellectuals’ thinking of
African beliefs.
Keywords: Spell. Religion. João do Rio. Beliefs.
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sua prática tida como legítima, enquanto outras não. Como bem observou
Paula Montero (2006) a emergência de um Estado secular no Brasil, ao
final do século XIX, não teve como decorrência a privatização da religião
na esfera doméstica, tampouco assegurou o direito inviolável à privaci-
dade e a liberdade de consciência, condições modernas que às próprias
religiões interessa preservar. Ao contrário disto, a liberdade religiosa no
Brasil, ocasionou um retraimento do catolicismo para o espaço social,
oportunizando e produzindo um certo conflito entre outras denominações
religiosas que agora poderiam almejar sua legitimidade na esfera pública,
especialmente, as manifestações culturais de matriz não cristã, o que não
necessariamente foi visto com bons olhos.
Paula Montero (2006) explica ainda que, no processo mesmo de
constituição do Estado brasileiro como esfera separada da Igreja Católica,
muitas manifestações, em especial as de matriz africanas, tidas como
“feitiçaria” só puderam ser descriminalizadas quando, passaram a se cons-
tituir institucionalmente como religiões, em nome do direito à liberdade
de culto. Esse processo de se constituir religião não foi tranquilo, como
veremos a seguir, na forma em que João do Rio entende e apresenta as
crenças africanas estabelecidas no Brasil.
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brancas” (RUFINO, 2019, p. 30). Para a lógica colonial, não se trata apenas
de matar ou escravizar os corpos, mas exterminar as sabedorias, realizar
epistemicídios e exercer o biopoder (RUFINO, 2019). João do Rio embasa
sua autoridade para explicar as religiões dos africanos e seus descenden-
tes pelo tempo em que se dispôs a ficar entre adeptos.
Vivi três meses no meio dos feiticeiros, cuja vida se finge des-
conhecer, mas que se conhece na alucinação de uma dor ou
da ambição, e julgo que seria mais interessante como patologia
social estudar, de preferência, aos mercadores da paspalhice,
os que lá vão em busca de consolo (RIO, 1982, p. 50).
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2 Vide: RODRIGUES, Nina. O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1935; RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 6. ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: Ed. Universidade de
Brasília, 1982.
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3 Vide: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835.São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
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Referências
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FAZER O SANTO: OS RITOS INICIÁTICOS
EM NINA RODRIGUES E JOÃO DO RIO1
Resumo
O nosso objetivo consiste em analisar as narrativas elaboradas por Nina Rodrigues
(O Animismo Fetichista dos negros Bahianos, 1935) e João do Rio (As Religiões no
Rio, 1906) acerca dos ritos iniciáticos afro-brasileiros. Para tanto, elegemos alguns
teóricos que nos ajudam a situar os olhares lançados sobre o rito de iniciação tais
como Arnald Van Gennep (1978), Émile Durkheim (1996), Mircea Eliade (2010), Victor
W. Turner (1974, 1999), Marc Augè (1994), e Mariza Peirano (2003).
Palavras-chave: Nina Rodrigues. João do Rio. Rito Iniciático.
Abstract
Our objective is to analyze the narratives elaborated by Nina Rodrigues (The Fetish
Animism of black Bahians, 1935) and João do Rio (The Religions of Rio, 1906) about
the Afro-Brazilian initiation rites. To this end, we have chosen some theorists who
help us situate the views cast on the initiation rite such as Arnald Van Gennep
(1978), Émile Durkheim (1996), Mircea Eliade (2010), Victor W. Turner (1974, 1999),
Marc Augè (1994), and Mariza Peirano (2003).
Keywords: Nina Rodrigues. João do Rio. Initiation Rites.
1 Este artigo faz parte da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Setor de
Ciência Humanas, Letras e Artes da Universidade Estadual de Maringá, como requisito obrigatório para a
conclusão do curso de Mestrado em História, Área de Concentração: História, Cultura e Política. Linha de
Pesquisa: História, Cultura e Narrativas, intitulada: Narrativa e Alteridade: Os Ritos de Iniciação Em Nina
Rodrigues e João Do Rio (Brasil- Século XIX) em 2018.
2 Graduada em Pedagogia, com Pós-Graduação em Educação Especial e Educação de Jovens e Adul-
tos, segunda licenciatura em História, modalidade Parfor (Plano Nacional de Professores da Educação
Básica) ofertada pela Universidade Estadual de Maringá, em 2012. Mestre em História pela Universidade
Estadual de Maringá.
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Introdução
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3 Segundo Ramos (1979), significa um mecanismo de relações geradas em contatos de migrações de uma
área a outra, ou seja, quando os representantes de área mais adiantada se introduzem em outra mais atrasada.
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Conclusão
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Referências
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POR TRÁS DOS MUROS:
OS UMBANDISTAS NO TECIDO
URBANO DE UBERLÂNDIA-MG
Resumo
O capítulo dialoga com as práticas da religiosidade afro-brasileira, em especial a
Umbanda. Parto da ideia de que essas práticas religiosas passaram por transfor-
mações a partir dos anos 2000, fruto de uma série de políticas públicas. O viés
teórico-metodológico que subsidia o texto se pauta na História Cultural e a das
Religiosidades. Portanto, é visível que esses sujeitos vivem sua fé como sinônimo
de suas próprias vidas.
Palavras-chave: Umbanda. Umbandistas. Políticas Públicas.
Abstract
The chapter dialogues with the practices of Afro-Brazilian religiosity, especially
Umbanda. I start from the idea that these religious practices have undergone
changes since the 2000s, the result of a series of public policies. The theoreti-
cal-methodological bias that subsidizes the text is based on Cultural History and
that of Religiosities. Therefore, it is visible that these subjects live their faith as
synonymous with their own lives.
Keywords: Umbanda. Umbandistas. Public Policy.
1 Pós-doutor em História Pela Universidade Estadual de Maringá-UEM; Doutor em História Cultural pela
Universidade de Brasília-UNB, Mestre em História Pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente da
Universidade Federal de Uberlândia-Faculdade de Educação e dos Programas de Pós-Graduação em
Artes-ProfArtes-UFU e Tecnologias, Educação e Comunicação-PPGCE-UFU. Endereço eletrônico: cairo-
mohamad@gmail.com.
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Introdução
2 Neste trabalho assumimos o tratamento da cultura, em conformidade com o campo das História Cultural
definido por Roger Chartier (1998) como sendo composto por práticas sociais que, no seu fazer-se, produ-
zem representações.
3 Sobre a relação entre a História das Religiões e religiosidades, na perspectiva da História Cultural ver: Le
Goff e Nora (1976) e Massenzio (2005).
4 A expansão das religiões afro-brasileiras para diferentes partes do mundo tem sido estudada por vá-
rios estudiosos, sobretudo das Ciências Sociais, especialmente a partir da década de 1990. Dentre estes,
destacamos o trabalho de Alejandro Frigerio que discute a expansão da Umbanda em território argentino,
oferecendo uma excelente interlocução com a matriz brasileira. Consultar: Frigerio (1991, 2013).
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tal, permitem ver ou dar a ler além daquilo que é exibido, seja como forma
ou escrito, onde os diferentes fios “retramam” significâncias.
Assemelhada a um palimpsesto, a prática ritual umbandista se
revela como um corpo único e, ao mesmo tempo múltiplo, que se concre-
tiza por meio de ações, interações e imagens. Superpostas e camufladas,
ocultam-se umas sobre as outras, produzindo quadros de significações
sagradas que se reelaboram de acordo com as necessidades daqueles
que trilham seus caminhos em busca de superação das agruras cotidianas.
Sob este prisma, observamos que a história oficializada da Um-
banda tentou elidir justamente essas múltiplas interações as quais, por
sua vez, rompiam com o padrão que se procurava impor à religião. Não
obstante, foi sua capacidade de recriação que permitiu a esse campo reli-
gioso a liberdade de se manifestar e se apresentar intercambiando com as
realidades culturais nas quais se inseriu.
A análise das práticas e representações da religiosidade afro-
-brasileira, especialmente da Umbanda, por meio das suas recriações,
nos permite relê-la pelos caminhos da sua longa, densa e tensa trajetória
histórica, a qual impõe a sua percepção como patrimônio cultural dinâmi-
co, integrante da construção cultural brasileira como, ainda, retroalimenta
os movimentos organizados, determinados em fazê-la vista e respeitada.
Todos estes lineamentos, entremeados como os fios que tecem as
práticas e representações que identificam a Umbanda como registro de
cultura igualmente estimulariam a de efetivação de ações afirmativas
que respaldassem sua importância no âmbito das políticas públicas, na
contemporaneidade.
Nesse sentido, a literatura que se dedica ao estudo da Umbanda,
inclusive a mais contemporânea, a compreende como a resultante de uma
série de fusões6. Nesta perspectiva a religião nasceria do entrecruzamento
de elementos do espiritismo kardecista, do catolicismo e do candomblé
mediados, ao mesmo tempo, por uma mescla de ritos e preceitos trazidos
de vários outros registros. Assim, ao longo do tempo, a Umbanda foi se re-
6 Dentre outros, consultar: Prandi (1994), Negrão (1996), Ortiz (1999), Peixoto (2008), Rohde (2009), Isaia
(2012a) e Katrib (2017).
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7 As tentativas de normatização do campo religioso umbandista são objeto de intensa reflexão de Artur
César Isaia, de quem sugerimos as seguintes leituras: Isaia (2007, 2008, 2012b).
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8 Sobre as prédicas e instruções espirituais ver Concone (1987) e as obras já referenciadas de Ortiz (1999)
e Cumino (2011).
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9 A matéria, veiculada pela TV Vitoriosa destacou no dia 19 de outubro de 2017: “Na madrugada da última
quarta-feira, 18, um renomado centro espírita no Bairro Martins foi alvo de vandalismo, após criminosos
entrarem no local e depredarem diversas imagens consideradas sagradas. Gilberto Resende, presidente
da Associação das Religiões de Matriz Africana de Minas Gerais, explicou que os criminosos invadiram um
local, que é considerado sagrado, e promoveram a depredação. ‘Eles entraram, quebraram tudo. (Foi) Um
ato de vandalismo, de insanidade das pessoas que cometeram isso aqui. Essa é uma casa de oração, não
interessa se você é católico, evangélico, protestante ou espírita. As pessoas têm de respeitar’, disse Gilberto”.
Disponível em: http://v9vitoriosa.com.br/geral/centro-espirita-no-martins-e-invadido-e-depredado-duran-
te-a-madrugada. Acesso em: 8 jul. 2021.
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ANO LEGISLAÇÃO
1988 Constituição federal de 1988 – artigos 3°, 4°, 5°, 215 e 216.
Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Lei n° 10.678, de 23 de maio de 2003, que cria a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de
2003 Promoção da Igualdade Racial).
Portaria n° 992, de 13 de maio de 2009, que institui a Política Nacional de Saúde Integral
da População Negra.
2009
Decreto nº 6.872, de 4 de junho de 2009, que institui o Plano Nacional de Promoção da
Igualdade Racial.
2010 Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.
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10 Para saber mais sobre esse processo histórico consultar: Santos (2017).
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11 A partir das recomendações de Durban, o governo brasileiro instituiu algumas políticas públicas que
atendiam às demandas históricas do Movimento Social Negro e das populações de terreiro de religiões
afro-brasileiras. Dentre estas, a autora destaca: a) Janeiro de 2003: promulgação da Lei nº 10.639/033 que
determina a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira, acrescida a indígena
pela Lei nº 11.645/2008; b) 21 de março de 2003: criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial (Seppir) com status de ministério e a função de assessorar diretamente o Presidente
da República, acompanhar e coordenar de diferentes órgãos e ministérios programas de cooperação com
organismos públicos, privados, nacionais e internacionais; acompanhar e promover o cumprimento de acor-
dos internacionais assinados pelo Brasil para o combate ao racismo e formas correlatas de intolerância, com
vistas à promoção da igualdade racial; c) 2007: Decreto nº 6.040\2007, que instituiu a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; d) Portaria nº 992, de 13 de maio de
2009: instituiu a Política de Saúde da População Negra. Todas essas políticas, com exceção das cotas raciais,
foram aportadas pelo Estatuto da Igualdade Racial — Lei 12.288/2010. Sobre o tema, ver: Nascimento (2017).
12 Dentre estes marcos legais destacamos: O Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui O
Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; o Decreto de 13
de julho de 2006, que altera a denominação, competência e a Composição Nacional da Comissão Nacional
de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais de Terreiro, dentre outras. Para saber mais
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consultar: http://www.mma.gov.br/estruturas/186/_arquivos/balano_pnpctno_governo_lula_186.pdf.
Acesso em: 8 jul. 2021.
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13 Vale lembrar que após o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, a Seppir passou por mudanças
internas concernentes à sua função e às políticas executadas, limitando o seu papel e suas ações.
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15 Vale lembrar que esse quantitativo não é preciso, pois muitas casas não se encontram registradas
nos órgãos municipais e nem são conhecidas ao ponto de serem citadas na pesquisa, pois o mapa ela-
borado por Lima (2018) é alimentado virtualmente por indicações de moradores e praticantes da cidade
por meio virtual. O acesso à cartografia depende de autorização do administrador, mas está disponível
em: https://www.google.com/maps/d/u/0/edit?mid=1taomzY0pe3yBZWRYwg17NZGGMgLu_dd_&ll=-
-18.902922188448414%2C-48.302453285986076&z=13. Acesso em: 23 jan. 2021.
16 Veja o anexo 2. Com relação ao quadro apresentado, vale lembrar que o levantamento realizado por
Lima (2018), observou, incondicionalmente, os seguintes princípios: o respeito à autorrepresentação por
parte das comunidades tradicionais de terreiro (as grafias das nomenclaturas dos locais de culto obedecem
à forma como estão apresentadas nas listagens ou foram solicitadas pelas lideranças religiosas. O mesmo
aplica-se aos nomes e títulos das lideranças dos terreiros); e a ausência de qualquer princípio hierarquizador
ou tipo de filtro (seja tamanho da área ocupada, número de adeptos, tempo de atuação da casa etc.).
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Considerações finais
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EXU E OS LIMITES DO BINARISMO
CONCEITUAL
Resumo
Abordarei algumas representações históricas de Exu, a partir da obra literária
“Deuses de dois mundos”, de PJ Pereira (2013, 2014, 2015), em diálogo com a
História Cultural e a Teoria Pós-Colonial. O objetivo é demonstrar que a figura de
Exu denuncia os limites do binarismo conceitual e pode ser posicionada como
fundamento epistemológico no combate à lógica colonial.
Palavras-chave: Exu. História. Literatura.
Abstract
Eshu and the limits of conceptual binarism.
I will address some historical representations of Eshu from the literary work “God of
Both Worlds” written by PJ Pereira (2013, 2014, 2015) through a dialogue between
Cultural History and Post-Colonial theory. The aim is to demonstrate that the
Eshu’s figure denounces the limits of conceptual binarism and can be placed as
epistemological foundation against the colonial logic.
Keywords: Eshu. History. Literature.
1 Mestre em História Cultura e Narrativas pela Universidade Estadual de Maringá. Membro do Grupo de
Pesquisa História das crenças e ideias religiosas (HCIR/UEM/CNPQ) e filha do Yle Axé Oxum Deym. Douto-
randa em História pela Universidade Estadual de Maringá.
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3 Para a cultura ioruba, as Ia Mi Oxorongá são mães primeiras, raízes primordiais da estirpe humana,
são feiticeiras. Elas são consideradas “mulheres velhas, proprietárias de uma cabaça que contém um
pássaro. Elas mesmas podem se transformar em pássaros, organizando entre si reuniões noturnas na
mata” (VERGER, 1994, p. 16).
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apud ORTIZ, 1999, p. 128). Não seria sem razão que PJ Pereira (2015) tenha
optado por silenciar ou minimizar o falo de Exu.
Tendo exposto isso, assinalo que os mitos de Exu apropriados e
ressignificados nesta trilogia foram representados de maneira bastante
ocidentalizada. Muitas vezes, perderam suas principais características e
questionamentos filosóficos. Em diversas composições, a história de Exu
foi higienizada, embranquecida. É possível que esse tenha sido o modo
que PJ Pereira (2015) encontrou de tornar a narrativa inteligível para todos
os seus leitores, e não somente para os adeptos do candomblé ou conhe-
cedores de seus mitos. Para tornar Exu o protagonista de um best-seller,
foi preciso suavizar e silenciar alguns de seus aspectos controversos.
Quem tem autoridade para isso é um sujeito branco de classe média, não
religioso. Ou seja, em busca de um pretenso universalismo eurocêntrico,
de um modo único e racional de pensar, as complexidades que incidem
nas representações mais controversas de Exu são escamoteadas para
serem socialmente aceitas (SPIVAK, 2010; FANON, 2008).
Pensando no contexto histórico de formação do Brasil, sabemos
que o catolicismo tratou as divindades africanas como espíritos maléficos
e, por isso, abomináveis, mas nenhuma divindade foi tão demonizada
quanto Exu. A divindade instaura resistência e gera perseguição, porque
coloca em risco a moralidade presente em valores ocidentais, cristãos e
maniqueístas (PRANDI, 2001a). Sendo assim, busco indicar que a figura
Exu oferece uma perspectiva epistemológica de que o mundo não seja
interpretado de maneira dicotômica e acabada.
Nesse sentido, abordarei, na segunda sessão, um dos seus princi-
pais mitos, relacionado aos dois amigos que brigam até a morte, e como
ele é representado nas narrativas literárias de PJ Pereira (2013), Zacharias
(1998) e Prandi (2001b). O intuito é discutir o seu caráter contraditório, como
ele desafia a ótica ocidental binária, e propõe a compreensão da multipli-
cidade de olhares como resolução de um conflito. Já na terceira sessão,
apresento uma reflexão teórica que aborda outros aspectos do dinamismo
da figura de Exu — não evidenciados em “Deuses de dois mundos”.
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4 Na construção das relações sociais, a apropriação está associada ao processo de subjetivação do sujeito.
Nessa interação, o sujeito desenvolve uma percepção de si que o permite estruturar o meio social em que
vive e ser estruturado por ele (CHARTIER, 2002).
5 Orixá feminino, que tem atribuição sobre as fontes, tem como elemento natural as nascentes e riachos e,
como patronagem, a harmonia. É conhecida por habitar os nevoeiros e por se camuflar na natureza.
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Exu. Na obra de Prandi, esse mito é intitulado “Exu leva dois amigos a
uma luta de morte”:
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6 Em Prandi (2001b, p. 530): “Uma das artimanhas de Exu consiste em jogar as pessoas umas contra as outras”.
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deve ser aceito, então Exu precisa provocar quase sem querer, mostrando
inclusive arrependimento pelo que causou.
Relacionando Exu a aspectos homeostáticos da psique humana,
Zacharias (1998) diz que a divindade se encarrega de transformar o cer-
to em errado, inverte fluxos de energias polarizada, dando válvulas de
escape a pensamentos reprimidos no inconsciente. Em uma sociedade
cristã e maniqueísta, em que certos pensamentos e comportamentos são
inadmissíveis, Exu seria o responsável por reivindicar o que foi reprimido na
psique humana. Mãe Beata de Iemanjá diz que “uma das coisas que Exu
mais adora é brincar com as pessoas, experimentar o limite das pessoas.
Ele pode fazer você agora ter uma decepção muito grande e daqui há
vinte minutos depois você ter uma alegria. É uma artimanha dele”7. Como é
possível perceber, não é só a literatura que evidencia o caráter brincalhão
de Exu, os adeptos do candomblé e da umbanda também partilham, em
alguma medida, essas noções.
Conforme Prandi (2001a), Exu é transformador, dinamiza as regras,
as tradições e as normas. É considerado temível por ser a própria fonte das
mudanças. Contudo, considera o autor, não existe na cosmologia ioruba
uma chave única que classifica todos os comportamentos e valores em
bem e mal. Tomado da religião dos orixás e incorporado ao padrão religioso
judaico-cristão, em sua estrutura de paridades — que implica reflexamente
a lógica bem e mal, pecado versus virtude —, o sincretismo buscou esta-
belecer correspondências entre orixás e divindades cristãs. Desse modo,
Olorum, deus supremo dos iorubas, foi associado ao Deus Pai; Oxalá, o
deus da criação, foi associado ao Deus filho, Jesus Cristo; e os demais foram
associados aos santos católicos, exceto Exu. Foi a cristianização do panteão
africano que compeliu Exu à condição de demônio, no Brasil.
Alguns aspectos das representações de Exu em PJ Pereira se
assemelham aos de Prandi, por exemplo, a premissa de que a oferenda
para Exu seja para agradá-lo, e não feita por medo. Em “Deuses de dois
7 Transcrição do depoimento da yalorixá (mãe se santo) Beata de Iemanjá, do Ile Axé OmiOjuArôOmi
(Salvador, Bahia), no documentário: A boca do mundo — Exu no candomblé, 2009.
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mundos”, Exu diz para Newton Fernandes: “Você cozinha para mim. Em
breve. Porque você quer me agradar, e só isso” (PJ PEREIRA, 2015, p. 83).
Compreendendo que a figura de Exu orixá não se desassocia, nem
se desconecta totalmente dos Exus cultuados na Umbanda8, tanto no uni-
verso religioso como fora dele, considero pertinente dialogar com teóricos
que analisam essas representações pelo viés dessa religião. Alguns deles,
como Ortiz (1999), defendem que o contexto histórico de elaboração da
umbanda provocou a reelaboração e adequação cultural do mito de Exu.
As construções de Exu nesse panorama sócio-histórico o associaram à
personificação do homem que engana, que prega peças e que é brinca-
lhão, entre outras noções, como o homem criminoso, ladrão e marginal.
Já o historiador Cairo Katrib (2017), indica que a umbanda buscou
transformar Exu em um espírito mais humano para se desvincular da visão
social negativa sobre ele. Diferente do que ditavam os discursos oficiais,
a simbologia e os modos de se admitir o sagrado nessa religião foram
paulatinamente sendo reinventados para responder às determinações de
seus adeptos. Conforme o autor, essas entidades são consideradas tão im-
portantes que habitam os quartos em frente aos terreiros, ali, são firmadas
as energias que fortificam a sua força espiritual. Katrib (2017) defende que
essas práticas atestam a persistência dos saberes originários das religiões
africanas e revelam que a umbanda não perdeu por completo suas refe-
rências de matriz africana, mas que se recria a cada dia.
Observa Katrib que os Exus entidades são os que mais obtêm re-
conhecimento positivo, no sentido de serem considerados os espíritos que
mais conhecem as dores e alegrias humanas, e, por isso, melhor auxiliam
na resolução de conflitos. Essa noção de Katrib de que Exu é bastante
próximo do homem e amplamente solicitado para resolver conflitos do
cotidiano também está presente na narrativa de “Deuses de dois mun-
dos”. Na trama, o protagonista, Newton Fernandes, havia sido separado
pelos deuses de sua amada, Maria Eduarda. Para resolver esse conflito,
8 Nesse caso, exus são os espíritos de seres humanos que, quando vivos, constituíram alguma identidade
socialmente marginalizada. As entidades são consideradas mais próximas da humanidade, em relação
às divindades, pelo fato de terem vivido e desenvolvido identidades humanas localizadas no tempo e no
espaço (PRANDI, 2001a; BIRMAN, 1985).
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ele recorre a Laroiê9, nome dado a Exu no início da narrativa, como pode
ser observado a seguir: “O que me traz de volta a você [Exu], é a minha
trégua imaginária. Quero propor um trato. Deixe-me encontrar novamente
com a Duda depois que eu morrer. Prometa-me isso e faço tudo que você
mandar” (PJ PEREIRA, 2015, p. 310).
Já em Vagner Gonçalves da Silva (2013), antropólogo e pesquisador
das religiões afro-brasileiras, encontro algumas reflexões sobre Exu que
transitam entre o candomblé e a umbanda. Para o autor, essa divindade
é considera como um “mediador cultural” que representaria o “não lugar”,
encarnando importantes identidades nacionais, como o sincretismo e a
miscigenação brasileiros. Conforme o autor, Exu tomou várias formas no
Brasil, principalmente pelo contexto da escravidão e da criminalização de
todas as religiões que não fossem a católica. Em alguns tempos, sobres-
saiu-se o caráter mensageiro e conciliador de Exu, quando foi associado,
entre outros, a Santo Antônio (o mártir que carrega um cajado) e São Ga-
briel (anjo anunciador). Quando se evidenciou-se sua natureza trickster, de
promotor do caos social, ele foi associado ao demônio e aos espíritos dos
mortos que perturbam as pessoas.
Os Exus que se manifestam na umbanda, por meio da incorporação,
têm nomes de demônios, como Exu Belzebu e Exu Lúcifer, mesmo assim,
o autor compreende que esses Exus são mais africanos do que parecem,
principalmente porque continuam sendo regentes da mediação, fazem
referência aos lugares de passagem (encruzilhadas, porteiras), intercedem
o mundo dos vivos e dos mortos (cemitérios, catacumbas), representam
os estados intermediários dos elementos (lodo, sombra) ou a dualidade do
que existe (leva uma capa, preta de um lado e vermelha de outro, como
o chapéu de duas cores). A predileção de Exu pela encruzilhada também
é um aspecto ressaltado pelo autor. A encruzilhada seria a convergência
de todos os caminhos e, por isso, seria o lugar preferido para realizar suas
oferendas (GONÇALVES DA SILVA, 2013).
9 Laroiê é a saudação realizada no candomblé e em outros ritos afro-brasileiros quando Exu se manifesta
no corpo de um adepto.
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10 Em Segredos guardados, Reginaldo Prandi (2005), afirma que Exu tem livre transitoriedade entre todos
as extremidades do mundo e não tem limites. Contudo, essas representações que conversam com sexuali-
dade, prazer, gozo e erotismo são hediondas ao universo cristão. Essa teria sido uma das razões pelas quais
ele foi empurrado para o inferno cristão e enquadrado em uma perspectiva maniqueísta (PRANDI, 2005).
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11 Pode ser compreendido como a morte/aniquilamento de saberes. Para Souza Santos (1999, p. 328), “o
genocídio que pontuou tantas vezes a expansão europeia foi também um epistemicídio: eliminaram-se po-
vos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento
estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos. Mas o epistemicídio foi muito
mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar, marginali-
zar, ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam ameaçar a expansão capitalista”.
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101
ESPACIALIDADES DO CATIMBÓ-JUREMA
Resumo
O catimbó-jurema é uma manifestação religiosa, cujas origens estariam relacio-
nadas inicialmente a antigos grupos indígenas que um dia habitaram Nordeste
brasileiro. Esta pesquisa trata de uma análise sobre a construção imaginária e
imaginada dos espaços, ou da “geografia sobrenatural” presentes no sistema mís-
tico-religioso do catimbó-jurema. Tratando-se da análise, são abordados múltiplos
aspectos espaciais utilizados nesta religião: terreiro, o peji ou altar, o corpo, as
cidades espirituais, os reinos e aldeias presentes na cosmogonia juremeira.
Palavras-chave: Catimbó-jurema. Espacialidades. Sistema Mágico-Religioso.
Imaginário.
Abstract
Catimbó-Jurema is a religious manifestation, whose origins initially relate to indige-
nous groups, which once inhabited the Brazilian northeastern region. This study can
be defined as an analysis on the imaginary and imagined construction of spaces,
or construction of the “supernatural geography” present in the Catimbó-Jurema
mystic-religious system. As far as the analysis is concerned, we address multiple
spatial aspects used in this religion: terreiros, the peji or altar, the body, the spiritual
cities, the kingdoms and villages present in Jurema’s cosmogony.
Keywords: Catimbó-Jurema. Spatiality. Magical-Religious System. Imaginary.
1 André Luís Nascimento de Souza. Mestre em História. Universidade Federal do Rio Grande do Norte —
UFRN/Ceres.
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Os espaços da natureza
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2 MARIA, Thágila. Entrevista realizada em 14 de abril de 2016, na Casa Sol Nascente, em Parnamirim-RN.
3 Trata-se, a princípio, de uma dança ritual de origem indígena, mas também pode ser interpretado como
um conjunto de práticas mágico-religiosas presentes em diferentes grupos étnicos nativos do Brasil.
4 CATU, Luís. Entrevista realizada em 30 de dezembro de 2013, no município de Vila Flor-RN.
5 Principal rio do Estado do Rio Grande do Norte. Seu nome, de origem Tupi, significa “água de camarão”.
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6 AZEVEDO, Antônio Pereira de (in memoriam). Entrevista realizada em 10 de outubro de 2012, em Tim-
baúba dos Batistas-RN.
7 A praia de Tambaba fica localizada no município de Conde-PB, há 35 km da capital João Pessoa. É co-
nhecida por ser frequentada pelos adeptos do naturismo. No entanto, os rituais juremeiros ocorrem na área
conhecida como Praia da Arapuca, lugar escolhido pelos mestres de catimbó para a realização das oferendas.
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Os espaços do Terreiro
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trechos do ritual, visualizamos o buraco, mas não o que foi posto lá dentro.
Neste momento fomos convidados a nos retirar. Cada terreiro tem sua
própria ritualidade e as orientações sobre o que deve ser depositado na
“mina” são sempre reveladas em particular ao sacerdote. As informações
supradescritas sobre o que estaria no interior da mina do terreiro supra-
citado, foram relatadas por Gedeilson Gomes, babá gibonã da casa e o
responsável pela vedação da “mina” (figura 1).
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Pejis e congás
9 São mestres(as) que podem se manifestar como exus ou pombagiras. Alguns dos representantes dessa
linha são: Mestre Zinho e Mestre Zé do Atrapalho e as Mestras Leonor, Aninha do Ajiló e Joana Pé de Chita.
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Figura 3 – Peji.
Fonte: Terreiro de Umbanda Preto-Velho. Ouro Branco-RN. Acervo do autor.
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O espaço-corpo
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Considerações finais
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120
A JUDICIALIZAÇÃO DO ESPIRITISMO
NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Adriana Gomes1
Resumo
Discutiremos a receptividade do Código Penal de 1890, legislado por Baptista Pe-
reira, com destaque para o Artigo 157, que criminalizou o espiritismo. Pelas fontes
compreendemos a criação das leis penais e o limitado reconhecimento dos pares.
O legislador defendeu seu trabalho sob a chancela do Instituto da Ordem dos
Advogados e nas Notas Históricas. Reiterou a necessidade de o espiritismo estar
na ilegalidade por se tratar de um “crime indígena”.
Palavras-Chave: João Baptista Pereira. História do Direito. Crime Indígena. Artigo
157. Judicialização do Espiritismo.
Abstract:
We will discuss the receptivity of the Penal Code of 1890, legislated by Baptista
Pereira, with emphasis on Article 157, which criminalized spiritism. From the sources
we understand the creation of criminal laws and the limited recognition of peers.
The legislator defended his work under the seal of the Institute of the Bar Associa-
tion and in the Historical Notes. He reiterated the need for spiritualism to be illegal
because it is an “indigenous crime”.
Keywords: João Baptista Pereira. History of Law. Indian Crime. Article 157. Judiciali-
zation of Spiritism.
1 Pós-doutora em História Social (UFRJ), Doutora em História (UERJ), Professora do PPGH da Universo e
da Seeduc/RJ.
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Introdução
2 Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para desper-
tar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e
subjugar a credulidade pública:
Penas – de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
Parágrafo 1º Se, por influência, ou por consequência de qualquer destes meios, resultar ao paciente priva-
ção ou alteração, temporária ou permanente, das faculdades psíquicas.
Penas – de prisão celular por um ano a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.
Parágrafo 2º Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por tempo igual ao da condenação,
incorrerá o médico que diretamente praticar qualquer dos atos referidos, ou assumir a responsabilidades
deles (COLEÇÃO DE LEIS DO BRASIL, 1890).
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3 O Decreto nº 9.554, de 3 de fevereiro de 1886 reorganizou o serviço sanitário Império. Ele foi assinado
pelo Barão de Mamoré (1825-1870), Senador do Império e Ministro de Estado dos Negócios do Império.
4 As curas realizadas por curandeiros iam da “curandagem” à feitiçaria e pelos espíritas iam da homeopatia
e passes realizados por meio de intervenção mediúnica (WEBER, 1999; GOMES, 2017).
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Diversidade Religiosa & História
das “ciladas de boa fé” pela legislação penal do país permitir a exploração
da “confiança alheia e credulidade pública” (ARAÚJO, 1910, 129-130).
A comissão compreendeu que o país necessitava de um código
penal que atendesse aos “reclames sociais” em favor “da família” e ignorar
uma série de regulamentos, inclusive o decreto que regulou o serviço
sanitário do Império, não podia acontecer. A sociedade brasileira precisava
ser considerada uma “civilização adiantada”, e para que isso acontecesse
deveria ser mais repressiva, mais previdente e mais aperfeiçoada” (ARAÚ-
JO, 1910, 129-130).
Com a ideia de que, para o país ser considerado “civilizado”, deveria
ter uma legislação mais repressiva e austera, o anteprojeto de Vieira de
Araújo foi rejeitado e a elaboração do novo código penal do Brasil coube a
um dos membros da comissão de pareceristas, já mencionado, João Bap-
tista Pereira. O trabalho do jurisconsulto não foi contínuo. Em meio a sua
escrita o país mudou de regime político e as atividades foram interrompi-
das. Mas o Ministro da Justiça do Governo Provisório, Manoel de Campos
Sales (1845-1913), renovou o compromisso para que o trabalho de reforma
das leis penais do país continuasse (CANTON FILHO, 2012; BATISTA, 2011).
A comissão verificadora do projeto de Baptista Pereira foi nomeada
e presidida pelo próprio Ministro da Justiça Campos Sales, que contou com
a colaboração de José Júlio de Albuquerque Barros — Barão de Sobral
(1841-1893) —, Francisco de Paula Belfort Duarte (1841-1913), Antônio Luiz
dos Santos Werneck (1858-1914) e o próprio autor, João Baptista Pereira,
que ao realizar esclarecimentos sobre o seu projeto mencionou que o
mesmo foi aprovado “na sua quase totalidade, pois muito poucas foram as
alterações que sofreu, sem falar nas emendas de mera redação” (PEREIRA,
1898, p. 266).
O projeto foi apresentado ao governo no dia 20 de setembro de
1890, e os trabalhos da comissão iniciaram no dia 29 de setembro. Em 11 de
outubro de 1890 foi instituído o Decreto nº 847, que regulamentou a nova
legislação penal do Brasil. A Comissão Verificadora fez todo o trabalho de
análise, verificação e revisão em apenas 12 dias, a contar da data da primei-
ra reunião. Certamente, não houve tempo hábil para ocorrerem discussões
profícuas entre os membros e, tampouco, o estabelecimento de diálogo
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com a proposição em meio a um discurso que nos mostrou, mais uma vez, a
desconsideração ao código penal do país (NORONHA, 2009).
Entre as principais insatisfações uníssonas pelos magistrados do
oitocentos foi a rapidez da escrita do Código Penal. Mas essa análise foi
relativizada pelo professor de Direito Nilo Batista (2011). Em seu entendi-
mento, tempo da escrita não foi problema, porque ela foi revisionista tendo
como escopo o Código Criminal de 1830 com o acréscimo dos regulamen-
tos independentes. Outro ponto que também precisa ser considerado é a
produção da legislação ter dado início ainda no regime monárquico.
O revés foi a ausência de diálogo na construção do texto pela ra-
pidez de sua implementação, cuja responsabilidade não pode ser lançada
totalmente em Baptista Pereira. Havia uma Comissão Verificadora que
aprovou um projeto importantíssimo para o ordenamento jurídico do país
no brevíssimo intervalo de tempo (BATISTA, 2011; PEREIRA, 1898).
E essa rapidez teve um preço: a falta de reciprocidade.
Ao longo da Primeira República, foram inúmeras as modificações
no texto original com a criação de leis extravagantes que buscaram cerce-
ar para mais as liberdades individuais daqueles considerados indesejáveis
ao regime por transgredirem a tranquilidade pública. Assim, se a situação
já estava complicada para os espíritas, conseguiu ficar pior na virada do
século, pois tanto eles quanto os anarquistas, as prostitutas, os capoeiras,
os cáftens, os imigrantes inoportunos, entre outros considerados transtor-
nos para a sociedade, tiveram as suas liberdades ainda mais cerceadas
(BATISTA, 2011, p. 442).
A situação dos espíritas, especificamente, ficou mais delicada com
a criação do Regulamento Sanitário de 1904 — Decreto n 5.156 de 8 de
março de 1904. O Artigo 2515 deliberou uma norma específica aos serviços
sanitários a cargo da união para a fiscalização do exercício dos serviços
5 Art. 251. Os médicos, farmacêuticos, dentistas e parteiras que cometerem repetidos erros de ofício serão
privados do exercício da profissão, por um a seis meses, além das penalidades em que puderem incidirem
no art. 297 do código penal.
Parágrafo único: Os que praticarem o espiritismo, a magia, ou anunciarem a cura de moléstias incuráveis,
incorrerão nas penas do art. 157 do código penal, além da privação do exercício da profissão por tempo igual
ao da condenação, se forem médicos, farmacêuticos, dentistas ou parteiras (COLEÇÂO DE LEIS DO BRASIL).
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6 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, a lei maior do país, consentia que as profissões pudessem
ser exercidas por qualquer pessoa. Por meio de seu Artigo 72 parágrafo 24, era concedida a garantia de livre
exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial sem a exigência de capacitação por meio de
Graduação. Porém, o Código Penal de 1890 em seus Artigos 156 e 158 tornou crime o exercício da medicina
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e a prescrição de medicamentos de qualquer ordem por não habilitados em medicina (COLEÇÃO DE LEIS
DO BRASIL, 1891).
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7 O anteprojeto de Galdino Siqueira sequer foi analisado pelo Poder Legislativo (BATISTA, 2011).
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8 O Artigo 72 da Constituição de 1891 em seu parágrafo 28 estabeleceu que nenhum cidadão do país
poderia ter os seus direitos civis e políticos privados por motivo de crença ou por funções religiosas que
viessem exercer (COLEÇÃO DE LEIS DO PAÍS).
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9 Sobre as discussões do legislador João Baptista Pereira e a Federação Espírita Brasileira ler: GOMES,
Adriana. O enfrentamento pelas penas dos tinteiros: a dissensão nos impressos cariocas sobre a liberdade
religiosa dos espíritas. Revista do Arquivo Geral do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 14, p. 263-296, 2018.
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Considerações Finais
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145
MEDIUNIDADE E ESPIRITISMO
EM FIN-DE-SIÈCLE ITALIANO:
O OLHAR DE CESARE LOMBROSO (1909)
Resumo
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as condições históricas que pos-
sibilitaram a produção da obra Ricerche sui fenomeni ipnotici e spiritici, de Cesare
Lombroso, publicada em 1909. Como aporte teórico-metodológico do estudo da
história das religiões, a discussão realizada por Serafim (2013) viabilizou a proposta
deste trabalho com base em Michel de Certeau (1982) e Bruno Latour (2004) para
pensar a figura intelectual de Lombroso.
Palavras-chave: Espiritismo. Mediunidade. Cesare Lombroso. Itália. Século XIX.
Abstract
This paper has the objective to reflect upon the historical conditions that surround-
ed the work Ricerche sui fenomeni ipnotici e spiritici, by Cesare Lombroso, published
in 1909. As methodological ground in the history of the religions, the work of Serafim
(2013) alongside Certeau (1982) and Bruno Latour (2004) provides tools to think the
intellectual persona of Lombroso.
Keywords: Spiritism. Mediumship. Cesare Lombroso. Italy. 19th Century.
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Introdução
11 A obra foi traduzida para a língua portuguesa em 1943, pela iniciativa da Federação Espírita Brasileira
(FEB), sob o título Hipnotismo e Mediunidade. A tradução foi realizada por Almerindo Martins de Castro e,
neste momento, a FEB estava sob a direção de Antônio Wantuil de Freitas.
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12 No original: Lombroso proposed that there were born criminals and that they presented particular
inherited physical and mental signs of degeneration and atavism, some of which included common facial
bone structure, as well as abnormal tactile sensibility and arterial pressure. Furthermore, they showed
abnormalities in their bones, especially the skull, and left-handedness, all of which he considered to be
clear marks of atavism and degeneration. Lombroso started discussing this in L’Uomo Delinquente (1876) —
which went through several revised editions during the rest of the century — as well as in other publications
(e.g. Lombroso, 1887a, 1891a). His work was considered to be a representative of late nineteenth-century
degeneration theory (Pick, 1989). Women and geniuses did not escape Lombroso’s schema (ALVARADO;
BIONDI, 2017, p. 228).
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13 Vide os trabalhos de Andrea Graus (2016), Annette Mulberger (2016), Alessandra Violi (2012), Christian
Giudice (2018), Maria Teresa Brancaccio (2017) e P. J. Ystehede (2014) que convergem sobre a temática da
mediunidade, espiritualismo europeu, hipnose e pesquisas psíquicas.
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14 No original: […] tiene estructura de un catecismo compuesto esencialmente por perguntas formuladas
por el autor a los espíritus y por las respuestas obtenidas através de los médiums (Edelman, 2006). […] se
trataba de una religión laica y racional, un cristianismo y monoteísmo adaptado a los tiempos modernos
(MULBERGER, 2016, p. 42).
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15 No original: Se vi fu al mondo un uomo per educacione scientífica, e per istinto quasi, contrario allo
spiritismo, quello fui io, che della tesi: essere ogni forza una proprietà della materia e l’anima una emanazione
del cervello, mi ero fatto l’occupazione più tenace della vita, io, che avevo deriso per tanti anni gli spiriti dei
tavolini… e delle sedie! (LOMBROSO, 1909, p. 3). As citações traduzidas encontram-se na obra Hipnotismo
e Mediunidade, traduzida da língua italiana por Almerindo Martins de Castro, publicada pela FEB em 1943.
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16 No original: “La verità è che una spiegazione scientifica assolutamente non può darsi di questi fatti, i quali
entrano nem vestibolo di quel mondo che giustamente debe chiamarsi ancora occulto, perchè inesplicato.
E così la lucidità solo in parte può spiegarsi con una specie di auto-suggestione, con una maggiore acutezza
di quella instintiva coscienza del próprio stato che fa fissare al moribondo l’ultima ora dela sua vita; ma vi
è qualche cosa di più; si avverte meglio lo svolgersi successivo dei fenomeni della propria nevrosi, perchè
nella eccitazione straordinaria dell’estasi sonnambolica noi acquistiamo una coscienza maggiore del nostro
organismo, nelle cui condizione, come nell’ingranaggio di un orologio, stanno inscritte, in potenza, in germe,
le varie successioni morbose” (LOMBROSO, 1909, p. 7).
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que Lombroso (1909) reuniu em sua narrativa diferentes culturas das quais
o autor enquadra como “primitivas”, “selvagens” ou “bárbaras” e remetem
à períodos históricos anteriores como o Baixo Império e a Idade Média.
Isto denota a leitura evolucionista da cultura realizada pelo médico italiano
e do antagonismo entre civilização e barbárie, ideias estas presentes na
cultura intelectual do século XIX.
Neste sentido, as culturas citadas pelo autor são os habitantes da
Sicília, da província de Benevento; as mulheres “Abision” na Grã-Bretanha-
os; em Portugal, na cidade de Lisboa, encontravam-se no bairro chamado
Mouraria mulheres que possuiam dons extraordinários de ler o futuro na
água; bruxos habitantes da região francesa dos Voges; Cheiks árabes que
operavam milagres; os Batas e os Nias, da região que hoje compreende
a Indonésia; peruanos habitantes da Patagônia; os adivinhos entre os
Cafres, na África; os faquires e brâmanes de segundo grau, que segundo
Lombroso (1909, 1943), a partir de uma leitura europeia, constituem os
“médiuns da Índia”; e os mongóis, chineses e japoneses, no leste asiático.
Entre os povos antigos citados, o médico italiano elencou os Hebreus, os
Gregos, os Apóstolos de Jesus Cristo, taumaturgos cristãos e a prática dos
Ordálios, também conhecidos como juízo de Deus, que segundo o autor
encontra-se “em quase todos os povos selvagens, ainda mesmo naqueles
de outra religião, a menos que não tenham fé na sobrevivência da alma
dos mortos” (LOMBROSO, 1943, p. 200)17.
Dentre as referências que embasaram o trabalho de Lombroso
(1909), a obra Storia dello Spiritismo, publicada em três volumes, em 1896,
de autoria de Cesare Baudi di Vesme (1862-1938) e L’Homme Primitif, de
Louis Figuier (1819-1894), publicada em 1870, respectivamente, são citadas
afim de corroborar com a conclusão do autor de que:
17 No original: “La pratica dele ordalie si riscontra in quasi tutti i popoli selvaggi, e in quelli stessi che altra
religione non hanno fuorchè la fede nella sovraesistenza dele anime dei defunti” (LOMBROSO, 1909, p. 117).
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18 No original: “Il fato che in tutti i tempi e in tutti i popoli è sempre stata viva la credenza in un qualche cosa
d’invisibile, che sopravvive alla morte del corpo, e che sotto l’influsso di speciali condizioni può manifestarsi ai
nostri sensi, ci rende proclivi ad accettare l’ipotesi spiritica. Che i nostri più antichi progenitori credessero, se
non alla immortalità dell’anima, almeno ad una sua esistenza temporânea dopo la morte, è opinione comune
degli antropologi, i quali osservano col Figuier che le vivande, le lampade, le armi, le monete, gli oggetti d’or-
namento deposti, fino dalle età preistoriche, nelle tompe, a fianco del cadavere, accennano chiaramente alla
credenza in una vita futura. E la stessa credenza noi troviamo ora presso tutti i popoli selvaggi, anche tra quelli
che hanno di Dio un’idea extremamente vaga o non ne hanno punto” (LOMBROSO, 1909, p. 273).
19 No original: “Prime linee di una biologia degli spiriti” (LOMBROSO, 1909, p. 291).
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20 No original: “Gli spiriti ci si revelano per lo più sotto forma di luci oppure di mani ed anche di immagini
di persone, raramente però complete, che sembrano formarsi da globi luminosi che si condensano sempre
più nelle materializzazioni. [...]
Crookes e Richet rilevarono, infatti, nelle fantasime esaminate la temperatura umana, i battiti del cuore e
delle arterie, i movimenti del respiro normali e constatarono anche (Richet) l’espirazione di acido carbonico. […]
La formazione delle fantasime è preceduta da una nebbia luminosa sul suolo o sul capo e sul ventre del
medio, nebbia che si va sempre più condensando, fino a prendere forma corpórea, e allora dalla vicinanza del
medio o del gabinetto medianico può passare a qualche distanza da questo ed anche a girare per la camera,
gesticolare e più raramente parlare mente il medio è nel massimo letargo” (LOMBROSO, 1909, p. 292).
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21 No original: “Molte volte, come vedemmo, le fantasime influenzarono le lastre fotografiche, ed una anche
lasciò l’impronta di quattro dita sopra una lastra coperta da tre fogli di carta nera. Ed è per questo, e per altri
fenomeni ricordati più su, come la scarica dell’elettroscopio, le fascíe radiante, i globi luminosi apparsi nelle
sedute ed impressi poi sulle lastre, e per il comportrsi sotto alcuni speciali tessuti come corpo gassosi, che
noi abbiamo messo innanzi l’ipotesi che la loro costituzione molecolare si avvicini a quella dei corpi radianti.
Per lo più si esprimono poco volentieri a parole, e in forma laconicissima, saltuaria; spesso sono costretti
ad interrompersi, prometendo di ritornare sul discorso un altro giorno. Più spesso si esprimono con cenni e
gesti. Non è raro che nelle comunicazioni adoperino una forma simbolica ricordando in questo gli oracoli
degli antichi” (LOMBROSO, 1909, p. 295-196).
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22 No original: “A propósito de estas sesiones de finales de siglo, hay un primer dato que ilustra muy bien
el paradigma de reversibilidad operante en las ciencias positivas, es decir, que a pesar del rito esotérico
o mundano transmitido por fotografías como la de Flammarion, el espacio de la sesión espiritista se ha
convertido realmente en análogo a un laboratorio experimental, provisto de aparatos radiométricos, elec-
troscopios, dinamómetros y placas fotográficas. Por otra parte, el mismo Lombroso insiste en la vertiente
positiva y sistemática del experimento mediúmnico, acumulando cifras, medidas, trazados mecánicos sobre
la fisiopatología de Eusapia Palladino durante el trance. En otras palabras, el método científico experimental
es continuamente reivindicado, y es precisamente en esa retórica de la traza visual como signo revelador
en la que se apoya gran parte del modelo indiciario del positivismo. Estas trazas, como nos enseñan los
cuerpos fisionómicos de Lombroso — fotografiados, medidos, descompuestos hasta el más mínimo detalle
— son el instrumento para acceder a lo invisible de la materia, son su interioridad oscura que se manifiesta
hacia el exterior, escribiéndose sobre la piel” (VIOLI, 2012, p. 246-247).
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23 No original: “Tutti questi fatti, che esaminati isolatamente sembrano frammentari ed incerti, assumono
una più salda compagine dal loro assomarsi in un’unica resultante. Abbiam visto fenomeni ipnotici (trans-
missione del pensiero, preminizione, transposizione dei sensi) non poter aver luogo che nella disgregazione
o nell’arresto dele funzioni dei primari centri corticlai, specie destri (donde l’automatismo, il manecinismo),
che dà luogo al prevalere degli altri centri. Ed altrettanto intravvedemmo, anzi con maggior costanza, per i
fenomeni medianici” (LOMBROSO, 1909, p. 291).
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HIBRIDISMOS E TRÂNSITOS RELIGIOSOS
NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO
DOCUMENTÁRIO SANTO FORTE (1999)
Resumo
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre os processos de hibridismos e trân-
sitos religiosos presentes no documentário Santo Forte do cineasta e intelectual
Eduardo Coutinho (1933-2014). Para tanto, utilizamos os apontamentos teóricos de
Danièle Hervieu-Léger (2008) e Peter Burke (2003). A partir da análise de um dos
relatos da fonte, intencionamos expor algumas dinâmicas das maneiras do crer
contemporâneo no Brasil, especialmente em relação às religiões mediúnicas.
Palavras-chave: Documentário. Religiões Mediúnicas. Eduardo Coutinho. Alterida-
de. História.
Abstract
This work aims to reflect about the processes of hybridism and religious transit
present in the documentary Santo Forte by the filmmaker and intellectual Eduardo
Coutinho (1933-2014). For that, we used the theoretical notes of Danièle Hervieu-
-Léger (2008) e Peter Burke (2003). From the analysis of one of the source’s reports,
we intend to expose some dynamics of the ways of contemporary belief in Brazil,
especially in relation to medium religions.
Keywords: Documentary. Mediumistic Religions. Eduardo Coutinho. Otherness;
History;
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A fonte
2 Vale dizer que este texto é um desdobramento das discussões em andamento no trabalho de Mestrado
da autora, orientado pela Prof.ª Dra. Vanda Fortuna Serafim.
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6 Também temos entrevistados que são “evangélicos”, geralmente com alguma relação, anterior ou atual,
com a Igreja Universal do Reino de Deus e também com a umbanda e o espiritismo como é o caso de Lídia
e Vera, por exemplo.
7 Falamos isso pois são citados ainda outras religiões de matriz africanas, como o Candomblé, e também
outras denominações protestantes que não neopentecostais, como a Assembleia de Deus.
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8 Oração católica que faz parte do momento da missa católica em que se admite e se pede perdão
pelos pecados. Geralmente, proferem-se as palavras “Confesso a Deus todo-poderoso e a vós, irmãos e
irmãs, que pequei muitas vezes por pensamentos e palavras, atos e omissões, por minha culpa, por minha
tão grande culpa. E peço à Virgem Maria, aos anjos e santos e a vós, irmãos e irmãs, que rogueis por mim
a Deus, nosso Senhor”. Disponível em: http://www.arquisp.org.br/regiaobelem/vigario-episcopal/artigos/
ritos-iniciais-ato-penitencial. Acesso em: 9 jul. 2021.
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tal religião, antes de conhecer a Iurd. Quando volta a ter contato com o
terreiro, Carla diz que se envolveu muito mal. Em seus termos, isso se dá
por considerar o pai de santo do local em questão um “charlatão” (SANTO
FORTE, 1999), que se envolvia sexualmente com as filhas de santo, o que
inclusive teria ocorrido com a personagem e que teria levado sua vida e
relação com a umbanda a degringolar.
Fragmento 1 – Carla.
Fonte: Santo Forte (1999).
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9 Transcrição da autora.
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10 Transcrição da autora.
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Carla: Esses fazem o bem, não fazem o mal. Mas quem quer
o mal vai até os Exus. Os Exus fazem o mal. Como fazem o
bem também. Eles não são ruins. Eles não são ruins. As pes-
soas saem de dentro das suas casas pra chegar lá e dizer: “eu
quero ver o mal de fulano, de ciclano de beltrano”. Então a
gente não pode dizer que o Exu é ruim. A pessoa é ruim. Se eu
pedir o marido de uma menina, eu quero ele pra mim, e essa
mesma menina vai na mesma entidade e pede pra barrar o
marido dela. Aí ela [a entidade] me pede alguma coisa: tipo
assim, ela me pede: “ah moça eu faço o que você quer, só que
eu quero da senhora um cordão de ouro”. E a outra for e ela
der um cordão, um anel e um brinco, ela vai levar. Quem der
mais leva. Porque Exu, ele é comprado, e ele não nega isso. Cê
tem que saber trabalhar com Exu.
11 Transcrição da autora.
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bem quanto o mal, e que fica a cargo dos que pretendem trabalhar com
a entidade, aprender a fazê-lo. O mal aqui, não está nas entidades da um-
banda, mas sim nas pessoas que vão pedir o mal para outra pessoa. Sobre
a questão de “quem dar mais leva”, ou seja, a cobrança pela entidade dos
serviços prestados, Carla considera algo natural, uma vez que os exus não
negam que seus trabalhos funcionam dessa forma, desconstruindo um
pouco, a visão cristã de “enganação” sobre o ato de cobrar algo em troca.
Outro atravessamento marcante na fala da personagem em ques-
tão, muito comum no imaginário e nas práticas brasileiras, é o estabeleci-
mento de relações de correspondência entre os santos da Igreja Católica e
divindades do panteão umbandista, que ressalta os hibridismos religiosos
e culturais que exploramos na fonte. Ela diz:
12 Transcrição da autora.
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2003, p. 42) A partir dessa metáfora, mais uma vez é possível observar
os processos nos quais os sujeitos, diante do que lhes é culturalmente
oferecido, no decorrer de seus itinerários, fazem uso dos elementos que
lhes são compatíveis.
Já o termo negociação, que se coloca como alternativo à acomo-
dação, “[...] expressa consciência da multiplicidade e da fluidez da identi-
dade e o modo como ela pode ser modificada ou pelo menos apresen-
tada de diferentes modos em diferentes situações” (BURKE, 2003, p. 48).
Quando discorre sobre hibridismo, Peter Burke o define como um “termo
escorregadio, ambíguo, ao mesmo tempo literal e metafórico, descritivo
e explicativo” (BURKE, 2003, p. 54). Tendo em vista tais considerações, é
possível verificar traços dessas três acepções de hibridismo, cada um de
acordo com sua particularidade, que podem ser articulados entre si, e
elencados na obra documentária.
O primeiro faz alusão à busca, ressaltada por Hervieu-Léger (2008)
do indivíduo, a partir de seu caminho religioso, por elementos os quais
auxiliem na construção de sua identidade religiosa. O segundo, remete
justamente ao caráter diverso e móvel dessas identidades religiosas, e
o terceiro, por sua vez, demonstra o cuidado que devemos ter ao tratar
dessas construções ao mesmo tempo diversas e singulares. As narrativas
de Santo Forte, salvo suas especificidades, de modo geral, transmitem
essa natureza ambígua, “escorregadia”, fluida, e móvel de que tratam tais
noções, como percebemos nos excertos que trazemos de Carla.
Mais à frente na entrevista, Carla afirma que se encanta muito por
umbanda e candomblé. Porém, no momento se autoafirma enquanto “neu-
tra: nem macumba, nem igreja, nem nada” (SANTO FORTE, 1999)13. Com
essa afirmação, o diretor interroga se Carla teria medo de Maria Padilha
vingar-se dela. Carla afirma que o medo existe, considerando inclusive
seu ambiente de trabalho ser uma boate. Neste momento, há um corte
na narrativa da entrevistada, e vemos a equipe de filmagem andando pela
noite carioca (quadro 6). A chegada é na boate em que a personagem
trabalha como dançarina. Vemos cenas de Carla maquiando-se, em pre-
13 Transcrição da autora.
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Considerações Finais
14 Transcrição da autora.
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Referências
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UM “MILAGREIRO DE CEMITÉRIO”
NA CIDADE DE CAICÓ/RN: DEVOÇÃO NÃO
OFICIAL A CARLINDO DE SOUZA DANTAS
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar a devoção a Carlindo Dantas que
após a sua morte trágica, no dia 28 de outubro de 1967, foi alçado à condição de
“Milagreiro de Cemitério” na região do Seridó Potiguar. A metodologia a ser utilizado
na pesquisa foi a coleta de informações contidas nas fontes escritas e orais. Como
resultado constatamos uma religiosidade na cidade de Caicó em que, Carlindo
Dantas opera milagres aos seus devotos.
Palavras-chave: Milagreiro. Cemitério. Seridó. Carlindo Dantas.
Abstract
The present article has its main goal to analyze Carlindo Dantas’ devotion, that after his
tragic death, February 28th of 1967, was raised to the condition of “Cemetery’s Miracle
Maker” in the Potiguar Region of Seridó. The utilized methodology in this research was
information gathering amont written and oral sources. As a result, we verified some
religiosity of the citizens of Caicó in which Carlindo Dantas operates miracles.
Keywords: Miracle Worker. Cemetery. Seridó. Carlindo Dantas.
15 Graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN no ano de
2013. Mestre em História Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN no ano de
2016. Atua nos campos de História Cultural e das Religiosidades.
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Introdução
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16 Esse jornal foi fundado pelo Monsenhor Walfredo Gurgel, um dos principais representantes da elite
conservadora e católica da cidade de Caicó. Além de ter exercido o sacerdócio e conquistado o título
eclesiástico de Monsenhor, também conquistou carreira na vida política, como governador do Estado
do Rio Grande do Norte, no ano de 1965. Este periódico local, segundo interesses específicos, valorizou
figuras consideradas “dignas” de serem lembradas pela população, bem como desvalorizou personagens e
eventos importantes na construção da história de Caicó. Apesar de existirem outros jornais em circulação na
época, A Folha estabeleceu o padrão conservador e político, característica da própria sociedade caicoense
da década de 1960.
17 Dr. Carlindo de Souza Dantas nasceu no dia 30 de agosto de 1934 e faleceu no dia 28 de outubro de
1967. Em Vida ele se destacou como um médico bondoso que ajudava a população carente. Também foi
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Deputado Estadual devido sua popularidade. Após sua morte ele começou a operar milagres, fato consta-
tado pelos seus devotos.
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no estado do Rio Grande do Norte, foi construído por volta do ano de 1967
pela Prefeitura Municipal. É nesse cemitério que se encontra o morto mais
visitado e recordado pelos seridoenses, cujas narrativas são contadas para
a perpetuação da memória: Dr. Carlindo de Souza Dantas.
Existe uma simplicidade no túmulo de Carlindo, que é coberto
de cerâmica marrom e preta, contendo uma cruz de Jesus crucificado na
parte superior. Ao centro se encontra a foto do finado, representado como
um indivíduo de classe média. Juntamente a sua foto há uma placa com
a seguinte frase: “Eternas Saudades”, informando o ano que nasceu — dia
30 de agosto de 1934 — e a data na qual faleceu — 28 de outubro de 1967.
É possível perceber que não se trata de uma sepultura comum
dentro do cemitério, mas de um túmulo que é bastante visitado por causa
da quantidade de flores lá existentes. São flores com cores variadas — a
brancas, azuis, amarelas etc. — e estão entrelaçadas com fitas e com
terços. Esses elementos denunciam que algo diferente caracteriza este
túmulo. Algumas das flores encontradas nessa sepultura são acompa-
nhadas de ex-votos representados nos modelos de pés, cabeças, púbis,
mãos, joelhos, nariz, roupas, perfumes e retratos.
Quando visitamos o túmulo de Carlindo, principalmente, no dia 2 de
Finados, percebemos que logo pela manhã já encontramos a sepultura de
Carlindo Dantas com devotos e velas acesas. A cera das velas espalhadas
pela sepultura evidencia a promessa cumprida ou um novo pedido realizado.
Nesse sentido, o túmulo representa o invisível na figura do mila-
greiro, o qual se tornou um morto divinizado com um valor incalculável.
Carlindo representa um passado que interfere no presente e o no futuro.
Ele opera milagres em diversas áreas da vida. No decorrer do dia a visita
dos fiéis se torna mais frequente, aumentando o número de velas acesas
no túmulo do milagreiro. Os devotos não se limitam a acender apenas
uma ou duas velas, cada devoto no mínimo acende uma caixa de velas.
Isto, por sua vez, foi danificando o túmulo de Carlindo; seu filho já teve de
reformá-lo várias vezes. Isso é confirmado por Carlindo Junior de Souza
Dantas, filho de Carlindo Dantas, em uma conversa informal.
A mobilização dos fieis em cumprir um ritual na cova do seu inter-
cessor reafirma uma coletividade sem regras estabelecidas, onde cada
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18 Entrevista concedida por SILVA, Maria de Fátima. Entrevistador: Mary Campelo de Oliveira. Caicó/RN, 2016.
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19 Entrevista concedida por SOUZA, Olinda Fernandes. Entrevistador: Mary Campelo de Oliveira. Caicó/
RN, 2015.
20 Itans foi um bairro da cidade de Caicó cujos habitantes pertencem às classes pobres, que foram cons-
truindo suas casas próximas ao açude Itans.
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21 Ibidem, p. 12.
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22 Entrevista concedida por MEDEIROS, Maura de Araújo. Entrevistador: Mary Campelo de Oliveira. Caicó/
RN, 2015.
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23 Entrevista concedida por SOUZA, Alberto José de. Entrevistador: Mary Campelo de Oliveira. Caicó/RN, 2012.
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24 Entrevista concedida por SOUZA, Kadja Fernandes de. Entrevistador: Mary Campelo de Oliveira. Caicó/
RN, 2015.
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Considerações Finais
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25 Nossa Senhora de Sant’Ana é a padroeira oficial da cidade de Caicó\RN. Sua festa ocorre no dia 26 de
julho e é considerado um evento tradicional sociorreligioso para seus devotos. A fundação da cidade de
Caicó deve-se uma promessa realizada a Santana, por um sertanejo que desejava encontrar um poço de
água, durante uma forte seca no Seridó. Até hoje existe na cidade o Poço de Santana que nunca secou,
tornando-se o símbolo da cidade de Caicó\RN.
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Referências
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AS TRAGÉDIAS DE DONÁRIA E MARIA:
SECA, CRIME E MILAGRES NO SERTÃO
PARAIBANO - SÉCULOS XIX E XX
Resumo
A seca de 1877-1879 é apontada como uma das causadoras das maiores tragédias
nos sertões nordestinos. Foi na cidade de Pombal, sertão paraibano, que em 1877,
a menina Maria foi assassinada por sufocamento, sua cabeça decepada e partes
de seu corpo consumidos pela retirante Donária dos Anjos. O local do crime se
transformou em espaço sagrado. Suas tragédias marcaram com sangue e fé a
história de um dos mais terríveis flagelos brasileiros: a miséria.
Palavras-Chave: Sertão. Milagre. Crime.
Abstract
The 1877-1879 drought is regarded as one of the causes of the greatest tragedies in
the arid northeastern Brazilian hinterlands, known as sertão. It was in 1877, in the city
of Pombal, in the interior of Paraíba, that the retirante Donária dos Anjos murdered
the girl Maria by suffocation. She cut off her head and consumed parts of her body.
The crime scene has become a sacred site. Their tragedies marked, with blood and
faith, the history of one of the most terrible scourges in Brazil: misery.
Keywords: Sertão. Miracle. Crime.
1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em História dos Sertões.
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sertão que fazia parte das realidades de Donária e Maria era este segundo.
O sertão real da seca e do abandono.
As secas no atual nordeste são descritas desde o século XVI, mas
por conta de nosso recorte temporal estabelecido pelo crime praticado
por Donária, é fundamental entender a seca de 1877-1879. Avassaladora
no nordeste, ainda descrito como Norte, a seca de 1877 trouxe novos
olhares para esta região, que mesmo já tendo sido assolada por tantas
outras, fez com que o Brasil, observasse de forma mais atenta e perplexa o
que ocorria ao norte das províncias do sul. Além da visibilidade da extrema
pobreza da região, agravada pela falta de chuvas e de uma convivência
precária com o semiárido, por falta de políticas públicas adequadas e am-
plificada pela ganância de muitos produtores que viviam nos espaços da
estiagem prolongada, a “seca passa então a ser sinônimo de multidões de
retirantes que, premidas pela fome, percorrem as estradas na esperança
de adquirirem meios para uma dura sobrevivência” (CÂNDIDO, 2014, p. 19).
Estas misérias que levaram milhares de sertanejos a abandonarem
suas terras em diversas partes “desde localidades do centro de províncias
atingidas pelas secas (sobretudo o Ceará, mas também Paraíba, Rio Gran-
de do Norte, Pernambuco e Bahia) saíam sertanejos fugindo da fome e da
completa miséria a que se viam reduzidos” (CÂNDIDO, 2014, p. 97). Muitos
migraram para regiões distantes, no entanto, por falta total de recursos
e forças, vários partiram para centros urbanos nas proximidades de suas
terras de origem. Assim foi com Donária dos Anjos.
A literatura muito mostrou sobre situações limites em que viviam
os sertanejos em tempos de secas. Desde o século XIX e adentrando o
século XX, muitas obras exploraram a temática, entre elas: “Os Retirantes”
de José do Patrocínio (1879), “Ataliba, o vaqueiro” de Francisco Gil Castelo
Branco (1880), “A Fome” de Rodolfo Teófilo (1890), “Os Sertões” de Euclides
da Cunha (1902), “Luzia-Homem” de Domingos Olímpio (1908), “A Bagacei-
ra” de José Américo de Almeida (1928), “O Quinze” de Rachel de Queiroz
(1930) e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos (1938), isso para ficar apenas
nas últimas décadas do século retrasado e as três primeiras do passado.
O desconsolo do sertanejo que observava a continuidade da seca
para além de 1877, é demostrado também em diários que nos alertam
209
Diversidade Religiosa & História
que a fé, na maioria dos casos, era a única esperança que restava, como
podemos ler no Diário de Laurentino Bezerra de Medeiros2 escrito entre
1856 e 1879 no Seridó Potiguar.
1878
Ao raiar deste novo ano estão todos os entes pensantes com
suas esperanças voltadas para Ele, como o salvador de tantas
calamidades que vão neste Mundo, uma couza incomprehen-
sivel é ver-se bradar neste tempo tanta miséria e calamidade
(sic) (ARAÚJO et al., 2015, p. 38).
2 Laurentino Bezerra de Medeiros (1833-1898) dono de terras na região de Currais Novos/RN, foi líder do
Partido Liberal na região, eleito para a Assembleia Legislativa no biênio 1886-1887. Foi Juiz, sub delegado
provincial e líder da Guarda Nacional. Em 1888, tornou-se presidente da Comissão Libertadora que aboliu a
escravidão na região em 19 de março de 1888. Com a República foi nomeado primeiro Intendente Municipal
da vila de Currais Novos.
3 Em um rastreamento feito em livros de óbitos de espaços sertanejos, o pesquisador Helder Alexandre
Medeiros de Macedo, em informação que nos foi concedida, encontrou referências a mortes por fome e/ou
beribéri no Livro 2 da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pombal (1879-1889), na Paraíba, a
partir de 1878. E, no âmbito da Província do Rio Grande do Norte, as mesmas indicações de mortes no Livro
2 da Freguesia de Nossa Senhora da Guia do Acari (1872-1907), de 1878 a 1880 e no Livro 1 da Freguesia
de Nossa Senhora da Conceição (1857-1913), do atual município de Jardim do Seridó, de 1877 em diante.
O Livro 4 da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó, que vai de 1857 a 1889, também dispõe
de registros da mesma natureza de causa mortis para a seca de 1877-1879, conquanto, esteja bastante
prejudicada sua leitura cronológica, em função do estado de conservação das páginas do mesmo. Tais
fontes históricas encontram-se disponíveis nas secretarias das paróquias referidas e podem ser acessadas,
também, de forma on-line, por meio do site da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, no
endereço https://www.familysearch.org. Acesso em: 9 jul. 2021.
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Esta realidade não era sentida no final do século XIX, sobretudo após
a seca de 1877. Antes disso as descrições de Pombal eram de uma cidade
pacata e promissora, muito ligada a vida rural, em que sua população se des-
locava para a cidade apenas nos dias de feira e eventos religiosos, sobretudo
novenários e festas de padroeiros. Mas, a seca fez com que esta situação
mudasse e o êxodo para o núcleo urbano de Pombal, como também para
outras regiões do nordeste ocorressem e a “morte por fome converteu-se
em personagem principal, de um espetáculo macabro, impressionante, onde
se viam famílias mortas pelos caminhos inaptos do sertão, um holocausto
equivalente a muitas guerras” (ABRANTES, 2006, p. 3-4).
Essa mesma visão aterradora pode ser sentida em outro cordel in-
titulado “O triste drama das secas e o pranto dos Nordestinos” de Apolônio
Alves dos Santos (1926-1998) em sua décima primeira estrofe
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Da mesma forma que Maria não resistiu a sua algoz, Donária, nos
seus 18 anos de vida, também não resistiu à prisão e no seu depoimento,
levado a cabo pelo Juiz Municipal Dr. Venâncio Augusto de Magalhães
Neiva, deixou claro sua intenção e sua motivação: aplacar sua fome e que
esta foi causada pela seca. Acrescentou que estava arrependida do que
havia feito com a criança (ABRANTES, 2006).
Em outro momento de seu depoimento, a ré informou que não
comeu a cabeça e sobretudo as mãos e pés porque eram amargos. No
processo não aparece nenhuma outra pergunta relativa a esta declaração.
Donária poderia estar apenas supondo, mas também fica a dúvida se esta
já não era uma prática experenciada por ela ou por ter ouvido de outra
pessoa. Não saberemos, já que a documentação é omissa neste sentido.
Nos deparamos então, com um assassinato por sufocação, segui-
do de esquartejamento, ocultação de parte do cadáver e canibalismo. Aqui
preferimos este conceito, apropriado dos estudos arqueológicos, por dar
conta da especificidade do ocorrido, já que o ato do canibal é comer carne
da mesma espécie, ou seja Donária comeu a carne de Maria. O termo
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4 LIMA, Tatiane Ribeiro de. Antropofagia: Sagrado, Crime ou Pecado? 2013. 40 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Ciências da Religião) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013; SOUZA,
Sabrina Fernandes de. Tradição de Fé: uma História da “Cruz Da Menina” em Pombal-PB (2006-2010). 2019.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade Federal de Campina Grande,
Cajazeiras, 2019.
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Diversidade Religiosa & História
a Deus para que as chuvas chegassem com urgência para o bem de todas
as pessoas que ali viviam.
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a procuravam, além de sua morte trágica causada pela fome e sede ser
justificativa suficiente para atuar como intercessora e promover, por meio
do milagre, a redenção de seus devotos. Também o cordelista Enoque
Marinho de Oliveira destaca como sendo esta a primeira graça alcançada
pelos devotos. Neste caso, em termos conceituais, Maria é uma mila-
greira, não uma santa, sequer popular. Milagreiro é aquele que alcança a
sacralidade única e exclusivamente pela ação e crença de devotos sem
passar por qualquer instância religiosa oficial, assim “o devoto constrói
um caminho rico em gestos e sensibilidades que emolduram o campo
devocional brasileiro e todas as suas complexas redes da fé” (ANDRADE
JUNIOR, 2018, p. 2-3).
Maria, segundo o cordel “A Cruz da Menina de Pombal”, derramava
suas lágrimas em forma de chuva dois anos depois de sua trágica morte,
com isso demostrava sua grandiosidade perdoando os cristãos por não
terem feito nada enquanto sofria de sede e fome. Assim, a partir daquele
momento, a menina se tornou milagreira e o local em que se encontrava a
cruz passou a receber devotos de várias partes da cidade e região, com pe-
didos de ajuda para diversos assuntos relacionados a seca, fome e doenças.
O cordel não relata a construção do monumento que hoje se
encontra no local que antes era apenas marcado por uma cruz e algu-
mas pedras, mas isso ocorreu em 1948 quando Dalva Carneiro Arnaud ao
receber uma graça da Menina da Cruz, cinco dias após seu pedido, “sen-
sibilizada e agradecida, mandou construir o Pedestal em alvenaria com a
cruz de madeira no alto, tendo o cuidado da construção sendo no exato
local em que foram enterrados os restos mortais da infortunada criança”
(ABRANTES, 2006, p. 8). Durante décadas o local era marcado por pedras
e uma singela cruz deixadas por devotos de todas as idades.
Atualmente, a cruz é de ferro e o monumento/pedestal está loca-
lizado em uma praça conhecida popularmente como a “Praça da Menina
da Cruz”, inaugurada em 2010, na Rua Matilde de Castro Bandeira, Bairro
Pereiros, Pombal/PB, sendo este o local exato do enterramento de Maria.
Nele há um espaço para o acendimento de velas, está pintado de azul,
possui uma altura de aproximadamente três metros com um metro e trinta
centímetros de largura. Está dividido em seis planos até chegar ao ponto
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Diversidade Religiosa & História
mais alto em que se encontra a cruz ornada com flores artificiais. E, ainda
continua recebendo devotos que se ajoelham diante da construção, acen-
dem velas, depositam flores e fazem seus pedidos.
Donária e Maria eram mulheres de um sertão profundo. Viventes
do drama natural e do descaso dos governos. Uma matou, foi presa, con-
fessou, arrependeu-se e morreu esquecida e com problemas mentais em
um casebre em sua cidade natal. A outra foi alçada ao panteão das Mila-
greiras, em que os martírios justificam suas sacralizações. Estarão ligadas
para sempre, já que uma não existe sem a outra. Suas invisibilidades foram
superadas pelo drama. Maria e Donária são filhas da tragédia, da seca e
da exclusão social e permanecem vivas no imaginário de sertanejos que
sabem exatamente o que é sobreviver por conta própria e vencer todos os
desafios que são impostos pela natureza e pelos homens.
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vela romançal brasileira – Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,1977.
230
O ULTRAMONTANISMO
E OS DESENCONTROS COM O CATOLICISMO
POPULAR NO PARÁ OITOCENTISTA
Resumo
O escopo do presente artigo é analisar como o bispo do Pará, D. José Afonso,
desdobrou-se na aplicação do catolicismo ultramontano em sua diocese, entre
os anos de 1844 a 1857, esbarrando na tradição católica do povo. Para isso, foi
imprescindível o uso de documentos contendo discursos da Igreja — jornais, livros,
relatórios de presidente da província —, para extrair os elementos que possibilita-
ram perceber o contato do bispo com o catolicismo popular.
Palavras-chave: Igreja. D. José Afonso. Catolicismo.
Abstract
The scope of this article is to analyze how the bishop of Pará, D. José Afonso,
unfolded in the application of ultramontane Catholicism in his diocese, between
the years 1844 to 1857, colliding with the Catholic tradition of the people. For this,
the use of documents containing speeches of the Church — newspapers, books,
reports of the president of the province — was essential to extract the elements
that made it possible to perceive the bishop’s contact with popular Catholicism.
Keywords: Church. D. José Afonso. Catholicism.
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Diversidade Religiosa & História
Introdução
2 Tendo como sede a cidade de Belém, a diocese do Pará compreendia aproximadamente a toda atual
Amazônia, abrangendo uma área de 4.000.000 km², até que fora fracionada com a criação da diocese do
Amazonas no ano de 1892, pelo papa Leão XIII.
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diocese do Pará, o bispo elegeu alguns núcleos para executar essa cam-
panha religiosa. As cidades de Manaus (Comarca e Vigária geral do alto
Amazonas), Óbidos (Comarca localizada no médio Amazonas) e Cametá
(cidade nas margens do Tocantins paraense, principal frente de interiori-
zação da ocupação e desbravamento do território) foram comtempladas
com essa distinção.
Para desenvolver o estudo em tela, foi utilizada documentação
proveniente de periódicos e livros da época. Essas fontes, em sua maioria,
produzidas por autoridades religiosas, mostram a visão da Igreja Católica
sobre a religiosidade popular. Assim, é possível extrair pistas para entender
a atuação de D. José Afonso, fazendo uso da involuntariedade dos teste-
munhos contidos nos documentos, tal como aponta o historiador Carlo
Ginzburg. A partir dos rastros deixados pelo tempo, Ginzburg se vale dos
depoimentos involuntários para sua investigação, buscando extrair vestí-
gios do passado de fontes que não tinham o interesse de serem deixadas
para a posteridade, a fim de tentar reconstruir o quebra-cabeça da história
ou mesmo criar possibilidades explicativas (GINZBURG, 2007). Tendo em
vista essa metodologia é que busco extrair o máximo de vestígios possíveis
para investigar a tentativa do prelado diocesano de controlar, disciplinar e
normatizar a conduta católica na Amazônia.
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Anjos, adorou filhos de Heth. [Genes 17, 18, 23]” (TORRES, 1857, p. 1), Flet-
cher persistiu em suas crenças, tanto quanto o Catolicismo ultramontano
também procurou minar o Catolicismo popular (NEVES, 2015).
O protestantismo norte-americano trazido para o Brasil se depa-
rou com demandas inesperadas ao entrar em contato com uma cultura
religiosa distinta e já estabelecida. Na passagem do missionário da Igreja
Episcopal Richard Holden no Pará, em 1861, ficou notório esse choque de
realidades. O relato contido em seu diário sobre a festa de Nossa Senhora
do Carmo (título dado a Maria em honra de sua função como padroei-
ra da Ordem Carmelita) expressa bem suas impressões sobre isto.
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José Afonso mostra aversão pela prática da “pajelança cabloca” que era
tão comum na região.
É seguindo essa premissa que o bispo, em uma de suas visitas
pastorais pelo Baixo-Amazonas, faz uma descrição fria — dentro de sua
percepação de catolicismo ideal — sobre festa do Sairé3, despindo-a de
seu caráter sagrado e, de certo modo, desqualificando determinados ritos
praticados na festividade, subestimando a essência religiosa daqueles atos.
3 O Sairé é uma composição festiva mesclada de elementos católicos com ritos nativos. O registro mais
antigo da celebração do Sairé é atribuído ao missionário João Daniel, que esteve na Amazônia entre 1741 e
1757, e presenciou o Sairé na então Missão jesuítica de Nossa Senhora da Purificação (CARVALHO, 2016).
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4.a Deverão ter pedra d’ara com reliquias, calix e patena doura-
dos por dentro e sagrados.
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4 Tem sua origem no XVIII (1701), quando foi achada uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, dan-
do origem à devoção do catolicismo popular em homenagem a referida santa e, consequentemente, a
procissão do Círio. A celebração foi oficialmente instituída em 1793 e desde então, tem acontecido sem
interrupções, com exceção de 1835, por ocasião da guerra cabana. Foi ganhando, progressivamente, maior
grau de importância, e no século XIX já era a maior celebração católica da região.
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populares, entre outros —, mas sim, apresentando os ritos vistos com bons
olhos pela hierarquia católica.
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Conclusão
Referências
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SANTARÉM, José Bernardo. O Velho Brado do Amazonas. Santarém: [s. n.], 1850.
248
VIVÊNCIAS DO CATOLICISMOO PEREGRINAR
COMO EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NO HALLEL
(MARINGÁ-PR, 1995-2019)
Resumo
No presente capítulo, buscamos apresentar os módulos do Hallel em Maringá
(1995-2019), evento de música católico. Neste meio, diversas frentes apresentam
suas atividades dentro da Igreja Católica. Partindo de pesquisas de campo (2014-
2019) e entrevistas, é possível observar a figura do “peregrino”, o qual vivencia a
prática religiosa como voluntária, autônoma, individual, móvel e de caráter excep-
cional no evento (HERVIEU-LÉGER, 2008).
Palavras-chave: Pelegrino. Hallel. Catolicismo. Módulos.
Abstract
This study aims to present the Hallel Modules in Maringá (1995-2019), a Catholic
music event. There, several movements present their activities within the Catholic
Church. Based on field research (2014-2019) and interviews, it is possible to observe
the figure of the “pilgrim”, who experiences the religious practice as a volunteer, au-
tonomous, individual, mobile and exceptional at the event (HERVIEU-LÉGER, 2008).
Keywords: Pilgrim. Hallel. Catholicism. Modules.
5 Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá. Doutoranda em História pela Universidade
Estadual de Maringá
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ver outras práticas ou, ainda, por seus familiares, que participam dessas
religiões. Entre os 6% que não são católicos, houve a declaração que eram
evangélicos e/ou não tinham religião. Um cenário, marcado — como nos
lembra Hervieu-Léger (2008) por uma maior fluidez e autonomia nas es-
colhas dos indivíduos.
Hervieu-Léger (2008), ao se dedicar a pensar memória e tradição
religiosa, questiona os sistemas tradicionais de crença e aponta para a
singular mobilidade religiosa contemporânea. A história oficial de Marin-
gá é intrinsecamente marcada pela presença da instituição católica7, e
a Catedral Nossa Senhora da Glória é o cerne desse universo, pois está
literalmente no centro de sua existência e é visível a toda a comunidade
como ponto de referência turística, religiosa e espacial. Em suma, o sím-
bolo da cidade é marcado por uma identidade católica. Nesse sentido,
percebemos a importância do Hallel para a manutenção e constante
atualização dessa presença, pois o evento estabelece diálogos com a
juventude católica em Maringá, operando como forma de comunicação
entre os jovens e a instituição.
Podemos dizer que a composição do evento em módulos é um
meio de reaproximação e refiliação de fiéis à instituição, sugerido princi-
palmente pelos organizadores, como locais que possibilitam a conversão.
Entretanto, lançamos olhar a outra figura do que surge dentro do cenário
religioso contemporâneo e no qual é possível observar transitando pelos
módulos, a do “peregrino”, “[...] que pode cristalizar de maneira ideal-típica
alguns traços do religioso em movimento que mencionávamos metafo-
ricamente ao de ‘religiosidade peregrina’” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 98).
O “peregrino”, vivencia a prática religiosa como voluntária, autônoma,
variável, individual, móvel e de caráter excepcional.
7 Ao considerar que Maringá é uma cidade com sua história e memória demarcada pela influência da
Igreja Católica, na década 1990; 77,41% dos habitantes da cidade declaravam-se católicos, no censo de
2000; 70,41% declaram-se católicos e 2010; 64,83%. IBGE. Sidra. Censo Demográfico. Tabela 137 — População
residente por religião. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/137#resultado. Acesso em: 20 jan. 2021.
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8 O Mais Vida é um movimento leigo que pertence à Arquidiocese de Maringá e realiza acampamentos
religiosos para pessoas acima de 21 anos, participa da preparação de missas e de reuniões abertas sema-
nais, além de promover reuniões de formação espiritual e o próprio Hallel.
9 Em Hallel – som e vida: 20 anos! não é citado em que ano a cidade de Paracatu começou a realizar o
Hallel. SILVEIRA, Maria Theodora Lemos (org.). Hallel – som e vida: 20 anos! Uma história a ser contada e
cantada. Franca: Hallel, 2007.
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para homens, ambas passando por vistoria para então adentrar pelo Pa-
vilhão de Indústria e Comércio Christina Helena Barros, o “Pavilhão Azul”.
Os que traziam um quilo de alimento para doação ali o entregavam para
os Vicentinos. Logo à esquerda havia um local montado para a venda
das camisetas oficiais do Hallel10 e grande parte das pessoas transitavam
pelo local vestindo a camiseta do evento. Havia também um espaço com
a programação impressa que ficava em cima de uma mesa, contendo o
horário e o local onde cada artista e pregador estariam, com um mapa de
localização dos módulos.
Nos 6.731 m² do Pavilhão, com capacidade para 13 mil pessoas, um
corredor com estandes era montado, formando um U (imagem 1). Nesses
estandes estavam ordens religiosas, grupos e movimentos católicos que con-
versavam com as pessoas que por ali passavam, patrocinadores do evento,
além de estandes com vendas de artigos religiosos, livros e camisetas.
10 Vale ressaltar que nas duas últimas edições as camisetas haviam esgotado. A venda começava de forma
antecipada, pelo site do Hallel (http://hallelmaringa.com.br/2019/) e/ou por pessoas que se disponibilizavam
para vendê-las pessoalmente, mas era no dia do evento que as vendas aconteciam com mais intensidade.
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foi em outros anos, em que por ali passaram nomes como Dunga, Martin
Valverde, Mistério de Oração, Pe. Zezinho, Pe. Fábio de Melo, Dani Boy,
Adriana e Ceremonya. Era o último módulo, que encerrava as atividades
com a Benção Final (imagem 5).
Entre as atividades mais procuradas no Hallel, nossa pesquisa
constatou que os shows foram os mais citados, aparecendo 228 vezes,
ficando à frente de todas as atividades, com 44 menções, de adoração,
com 37 citações, e música, com 33 respostas. A procura pelos shows por
parte dos participantes ressalta as indicações sobre o módulo com mais
concentração de pessoas, o Palco Central. Como já descrevemos, no
espaço era montado um palco e ali se apresentavam os principais artistas.
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Imagem 4 – Show.
Fonte: Emerenciano da Silva (2015).
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Imagem 7 – O Santíssimo.
Fonte: Emerenciano da Silva (2015).
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270
O PÂNICO SATÂNICO: CONSIDERAÇÕES
SOBRE SATÃ E SATANISMO NOS ESTADOS
UNIDOS NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980
Resumo
Este artigo discute o fenômeno do Pânico Satânico nas décadas de 1970 e 1980
nos Estados Unidos. Relacionado ao contexto religioso e cultural do período, à uma
histórica compreensão de Satã, à publicação de livros acusatórios e programas
televisivos, instensificou-se a ideia de uma conspiração Satanista internacional.
Problematizar este fenômeno considerando o Satanismo Religioso auxilia a pensar
sobre a diversidade religiosa no país em questão.
Palavras-chave: História das Religiões. Satanismo. Pânico Satânico.
Abstract
This paper discusses the phenomenon of Satanic Panic in the 1970s and 1980s
in the United States. Related to the religious and cultural context of the period,
to a historical understanding of Satan, to the publication of accusatory books and
television programs, the idea of an international Satanist conspiracy was intensified.
Problematizing this phenomenon by considering Religious Satanism helps to think
about religious diversity in the country in question.
Keywords: History of Religions. Satanism. Satanic Panic.
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Diversidade Religiosa & História
Introdução
2 Adoração ao Diabo: Expondo o Subterrâneo de Satã. Todas as traduções feitas neste documento, exceto
o título O Bebê de Rosemary, são de minha autoria.
3 “It has been established, as you have already seen on this program in courts of law now, that human
sacrifice is sometime an element in rituals performed by people calling themselves Satanists […] the ideal
sacrifice, we are told, apparently requires babies, and there are those, people in Satanic sects, including
mothers, who have belonged who tell of babies being bred for sacrifice” (DEVIL WORSHIP, 1988, 01:11:29).
4 O Bebê de Rosemary.
5 “the blood that has most power is baby’s blood” (ROSEMARY apud DEVIL WORSHIP, 1988, 01:11:58).
6 “in the classic horror film Rosemary’s Baby, Mia Farrow is drawn into the clutches of a Satanic cult, and is
married to the devil [...] she conceives the Antichrist, providing the group with a living symbol of sake to be
worship and adore” (DEVIL WORSHIP, 1988, 01:12:08).
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Diversidade Religiosa & História
7 “as sickening and unbelievable as it sound, bearing children for use in satanic rituals may really be hap-
pening” (DEVIL WORSHIP, 1988, 01:12:27).
8 Disponível: https://www.imdb.com/title/tt1136645/mediaviewer/rm365130240/. Acesso em: 16 jan. 2020.
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Diversidade Religiosa & História
9 Segundo Sean Purdy (2007), os governos de Ronald Reagan, George Bush e Bill Clinton reagiram à
crise da década de 1970 com políticas neoliberais, dando vazão à uma “nova direita” que passou a permear
a cultura e a política. Nos estudos sobre mídias, Douglas Kellner (2001) também argumenta sobre este
contexto político conservador para analisar as ansiedades sociais a partir de Poltergeist (1982).
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Diversidade Religiosa & História
10 Após a formação da Church of Satan em 1966 e sua crise no final da década de 1970, é possível perceber
uma pluralização dos Satanismos nas décadas posteriores devido às dissidências do grupo e formação de
outros, como é o caso do Temple of Set, Church of Satanic Brotherhood, Ordo Templis Satanas, Brotherhood
of the Ram, Orthodox Temple of the Prince, Order of Nine Angles e outras. Sobre este contexto e alguns destes
grupos, ver o capítulo The Origins of Contemporary Satanism, 1952-1980 em Satanism: A Social History de
Massimo Introvigne (2016)
11 “[...] encompasses a large, diverse cultural scare, and several, mostly local, “panics.” The term covers
broad areas from fear where “the occult” and “satanic” was seen to be acting through popular culture, drugs
(threats to “children”), more serious crime, and cultural and political subversive activities to harm society”
(DYRENDAL; LEWIS, PETERSEN, 2016, p. 103).
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12 “[…] were interpreted as threatening signs of these imminent events. As had happened before in the
history of Christianity, these ingredients proved a perfect breeding ground for a resurgence of old patterns
of attribution” (LUIJK, 2016, p. 357).
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Diversidade Religiosa & História
13 “The first is the lack of a clearly identifiable adversary. At this point, in fact, Satanists have wisely reduced
their visibility, since their weapons are clearly inferior. In order to continue to mobilize significant resources,
the confessions of “ex-Satanists” should become progressively more extreme, until they become hard to
believe and often cause the “apostate” to be unmasked as an impostor. While the anti-Satanist movement
loses credibility, minorities in opposition to the dominant cultural structures may redirect its arguments
towards a renewed positive interest in Satanism. Satanism is slowly reorganized within the occult subculture
and is thus ready to reemerge, giving rise to a new cycle” (INTROVIGNE, 2016, p. 13).
14 Free Our Children from the Children of God ou Liberte Nossas Crianças das Crianças de Deus.
15 Cult Awarness Network ou Rede de Conscientização de Culto.
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Diversidade Religiosa & História
16 “[…] Witches and Satanists, spirits and demons have surfaced in our generation” […]. The establishment of
Anton LaVey’s Church of Satan was cited as a prime indicator of this trend” (LUIJK, 2016, p. 357).
17 A Reencarnação.
18 “[...] how Satan is using the world of entertainment to advance his kingdom. When movies are not pre-
senting sex, violence, or Satanic themes, we see blatant mockinf of the Christian faith” (LINDSEY, 1972, p. 94)
19 “[...] the deeper intellectual forces that had shaped Western civilization. [...] The “contamination” of their
“explosive ideas” had been an important tool for the devil to shape twentieth-century thinking in the west”
(LUIJK, 2016, p. 358).
20 O Vendedor Satã.
21 Da Bruxaria a Cristo.
22 “[...] described elaborate cults, made up of intelligent, politically powerful people who communicated
their subversive agenda through a secret worldwide network. On the ground level, such cults were said to
278
Diversidade Religiosa & História
entice curious youngsters, and then involve them in occult ceremonies invoking demonic powers. On the
global level, these groups allegedly planned to infiltrate and take over western society” (ELLIS, 2000, p. 144).
23 O Pânico da Mutilação do Gado.
24 ““blood rites” by secret Satanist groups loomed prominently. [...] it was assumed that cattle were only the
beginning of their sacrificial practice and that human beings would follow suit” (LUIJK, 2016, p. 358).
25 “one of the ugliest yet apparently most common ritual in devil worship is the sacrifice of animals, often
involving the removal of organs and the draining of their blood in elaborate ceremonies” (DEVIL WORSHIP,
1988, 00:32:13).
26 “I’m beggin for something to be done, I’m scared” (DEVIL WORSHIP, 1988, 00:32:48).
27 “I believe in the law, and I believe in you, but I’m still gonna carry my gun because I’m scared” (DEVIL
WORSHIP, 1988, 00:33:27).
279
Diversidade Religiosa & História
28 É possível ter mais informações sobre os assassinatos em Carisma: êxtase e perda de identidade na
veneração ao líder, de Charles Lindholm (1993) e no capítulo de Massimo Introvigne Satan in Jail: the case of
Charles Manson em Satanism: a Social History (2016).
29 Apesar da ampla influência da Church of Satan, nem todos os Satanismos do final do século XX possuem
suas origens no grupo de LaVey. Um destes casos é a Igreja do Processo do Juízo Final. Fundada por Marry
Ann e Robert De Grimston entre o fim de 1966 e 1967, em Londres, o grupo realizou uma leitura da psicolo-
gia Jungiana e da trindade, sugerindo a existência de um quarto elemento, Satã. Para o grupo, a adoração à
Satã, assim como a de Jeová ou Lúcifer, constituía um estágio importante para a correta adoração de Cristo,
sendo este o objetivo final da jornada espiritual. Apesar de pensar o Satanismo como um estágio, para De
Grimston, “[...] all must become “Satanists” and consider Satan as their main god” (INTROVIGNE, 2016, p. 332).
30 Igreja de Satã. O grupo será abordado ainda no decorrer deste capítulo.
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Diversidade Religiosa & História
31 “[...] manifested different, often totally dissociated identities” (LUIJK, 2016, p. 359).
32 Michelle Lembra-se.
33 “Smith and Pazder were Catholics and did believe in the personal existence of the Devil, but the method
used to recall the diabolical memories was typical of secular psychotherapy” (INTROVIGNE, 2016, p. 375).
34 “regular physical and sexual assault during Satan-worshipping ceremonies by a coven of witches who
each had their left middle finger amputated; in the persona of a fiveyear- old child, Smith also described how
she was forced to witness animal and human sacrifices, at one time involving a heap of murdered babies”
(LUIJK, 2016, p. 360).
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Diversidade Religiosa & História
35 “Local rumor panics about Satanists out to kidnap blue- eyed, blond virgins ensued in several smaller
towns throughout the United States, and a Satanist conspiracy was constructed that combined organized
child molestation, pornography, extreme forms of popular music, adolescent Satanism […], “occult” graffiti,
and local legends about the supernatural. When asked in a poll during the early 1990s, 63 percent of Texans
confirmed they thought Satanism a “very serious” problem to society” (LUIJK, 2016, p. 361).
36 Foi neste contexto que o ambiente acadêmico começa a melhor definir Satanismo como um objeto
legítimo de pesquisa. Para tal discussão, ver o artigo de Jesper Aa. Petersen Bracketing Beelzebub: Introduc-
ting the Academic Study of Satanism (2013).
37 Satanismo na América: Como o Diabo conseguiu muito mais do que o merecido
38 “It is now abundantly clear that a small minority of ultra-right-wing fundamentalist and evangelicals,
believing in both the reality of Satan as a personality and that the Tribulation is at hand, are responsible for
the misinterpretation, the dissemination and in some instances the outright fabrication of ‘facts’ to support
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Diversidade Religiosa & História
what is essentially a religious doctrine” (CARLSON, 1989, p. 123 apud DYRENDAL, PETERSEN, LEWIS, 2016,
p. 107-108).
39 Neste sentido, é interessante destacar a crítica indicada por Introvigne (2016), baseado em Barbara
Hargrove em Social Sources and Consequences of the Brainwashing Controversy (1983), de que o mesmo
argumento relativo à “lavagem cerebral” usado para acusar não-cristãos pode também ser utilizado contra
grupos cristãos.
40 O Sideshow de Satã.
41 Os Fatos Difíceis sobre o Abuso Ritual Satânico.
42 Petersen (2016), Dyrendal (2016) e Lewis (2016) ainda citam outros livros publicados na década de 1990
como Selling Satan: the Tragic History of Mike Warnke (1993) de Mike Hartenstein e Jon Trott, e o outro artigo
de Bob e Gretchen Passantino publicado no Journal of Psychology and Theology intitulado Satanic Ritual
Abuse in Popular Christian Literature (1992).
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Diversidade Religiosa & História
43 “[…] after one of them, while at a summer bible camp, had recovered memories about Satanist rituals
in the family home. Ingram, who was a pious Pentecostal Christian himself and the county Republican
Party chairman, did not remember anything: but after much prayer and intensive questioning, he eventually
“recovered” memories of the Satanist abuse of his daughters he had never committed. In accordance, he
pleaded guilty at his trial and was convicted to twenty years in prison on May 1, 1989. Once behind bars, the
former sheriff thought better of his confession, but an appeal against his verdict was pointless because he
had already pled guilty himself. He was eventually released in 2003” (LUIJK, 2016, p. 362).
44 Outras formas de Satanismo identificadas por Petersen (2009, 2013) são denominadas de Satanismo
Esotérico e Satanismo Reativo, enquanto Introvigne (2016) delimita o Satanismo Folk e Satanismo Ocultista.
45 “The rationalist type points to the use of Satan as a symbol for non-conformity and material wisdom in
a strive for indulgence and vital existence, as found in Anton LaVey’s decidedly this worldly Church of Satan
and descendants” (PETERSEN, 2013, p. 168).
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Diversidade Religiosa & História
46 No original: “[…] Milton’s fallen angel into a different kind of mythic anchor for ideological identification”
(SCHOCK, 2003, p. 3).
647 Segundo Luijk (2016, p. 344) “grotto” é provavelmente uma influência do termo “6coven” em tal
momento histórico: “Followers who wished to convene with other Satanists should organize themselves
in grottos on their own, using the soon-to-be-published Satanic Rituals as their guide, while the Church of
Satan properly speaking should become an organization for an elite of leaders” (LUIJK, 2016, p. 347).
48 A Bíblia Satânica.
49 Os Rituais Satânicos e O Caderno do Diabo, respectivamente.
50 Templo de Set.
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Diversidade Religiosa & História
51 “[...] symbols and artifacts associated with the Church of Satan […] were scrutinized for clues to the hidden
world of satanic crime lords. As a result, TSB frequently came up for examination at occult crime law en-
forcement conferences, and its presence among the belongings of an offender could be quite sufficient for
the crime to be labeled satanic” (DYRENDAL; LEWIS; PETERSEN, 2016, p. 105).
52 “how could this happened here, to a nice boy from a good Catholic school and a fine middle-class
Family? Sure he was obsessed by the symbols” (DEVIL WHORSHIP, 1988, 00:12:52).
53 “I think that there is some confusion tonight because the same term means something different to
Satanists than it does to Christians in the United States” (DEVIL WORSHIP, 1988, 00:27:42).
54 “If you are talking about Satanism as legitimate Satanist define it, absolutely not. It is ethical; it is above
ground, it is positive. If you are talking about the devil as it is defined by religions such as father Lebar’s, than
286
Diversidade Religiosa & História
it is in fact a symbol of degenerate behavior, and this is part of problems tonight” (DEVIL WORSHIP, 1988,
01:22:51).
55 “Under NO circumstances would a Satanist sacrifice any animal or baby! For centuries, propagandists
of the right‐hand path have been prattling over the supposed sacrifices of small children and voluptuous
maidens at the hands of diabolists” (LAVEY, 1969, p. 89)
56 No original: “[...] is the “adversary” or “opposition” or the “accuser” [...] Satan represents opposition to all
religions which serve to frustrate and condemn man for his natural instincts” (LAVEY, 1969, p. 55).
57 No original: “bringer of light, enlightenment, the air, the morning star, the east” (LAVEY, 1969, p. 57).
58 Para tal discussão, ver em Romantic Satanism (2003) de Peter Shock e o capítulo Sex, Science, and
Liberty de Ruben Van Luijk em The Devil’s Party (2013).
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Diversidade Religiosa & História
59 Pensando nessas relações e também citado por Luijk, Ellis (2000) destaca o caso de Isaac Bonewits
e sua experiência em rituais da Church of Satan. Bonewits relata um desconforto em relação ao clima
político do movimento à medida em que seus colegas da Universidade de Berkeley direcionavam-se para
o espectro político da esquerda em protesto contra a Guerra do Vietnã (1955-1975). Enquanto isso, o grupo
de LaVey citava Ayn Rand e até mesmo Adolf Hitler como modelos: “some were bringing authentic Ku
Klux Klan robes and Nazi uniforms for the ceremonies [...] I was assured that the clothes were merely for
‘Satanic shock value’ to jar people from their usual staid patterns of thinking. Then I would talk to the men
wearing these clothes and realize that they were not pretending anything. I noticed that there were no black
members of the Church and only one Asian, and began to ask why” (BONEWITS apud ELLIS, 2000, p. 172).
Luijk também destaca momentos nos quais LaVey indica que uma afinidade entre “[...] modern Satanism and
National Socialism was primarily a matter of aesthetics. [...] But it seems plausible that more was at stake than
mere aesthetic attraction to black uniforms and invigorating marching tunes. Fascism was, of course, another
historical manifestation of the same current of anti-egalitarian critique that had been embraced by LaVey”
(LUIJK, 2016, p. 368). Para mais sobre este tópico, ver em Nazism, The Western Revolution, and Genuine
Satanist Conspiracies em Children of Lucifer de Ruben Van Luijk (2016).
60 Este é um elemento gerador de muitos debates mas, nesse sentido, vale lembrar das raízes judaicas
presentes na família de Anton LaVey. Sobre este assunto, ver o capítulo Tribulations of the Early Church, no
livro Children of Lucifer, de Ruben Van Luijk (2016).
61 “Children are enticed — not by Satanists, but by authorities, to concoct damaging lies about their own
parents. Any star, circle, triangle, hexagram or octagon becomes a “Satanic” symbol. The list of accursed ob-
jects grows: stained glass, ceramic cats, a solid color bathrobe, leather clothes, rock recordings (especially if
played backwards). If a Satanic Bible is discovered, it becomes proof that its reader perpetrates every crime
known to man” (LAVEY, 1992, p. 126 apud LUIJK, 2016, p. 364).
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62 “[...] The Black Pope clearly liked to see himself as such a shadowy manipulator and preferably presented
his decisions concerning his Church as steps in a great “Master Plan”” (LUIJK, 2016, p. 365).
63 “One of the strengths is that we don’t have to have big buildings. We have cells of activity all around the
world… The Church of Satan doesn’t need to be governed or dictated by anything other than the guidelines of
the Satanic Bible. That’s one of the dangers of our religion” (BARTON apud LUIJK, 2016, p. 365-366).
64 Após o cisma com Michael Aquino e a fundação do grupo dissidente Temple of Set em 1975, LaVey
publicou as fases de um “Plano Mestre”. As três primeiras fases implicavam o estabelecimento e propa-
gação de um “corpo político Satânico”, sendo que o conflito com Aquino faria parte da quarta fase relativa
à “dispersão” e “desinstitucionalização”. Por sua vez, a quinta fase seria a “aplicação”. Segundo Luijk (2016),
Barton menciona a publicação desta fase em 1988 em seu livro Church of Satan (1990), sendo que no livro
de LaVey The Devil’s Notebook (1992) é também possível observar a radicalização do posicionamento crítico
ao Cristianismo e os objetivos da fase cinco.
65 Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”.
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Diversidade Religiosa & História
1 “Instead of the myth of equality, he saw humanity as stratified in a hierarchy of inferior and superior people: a
creative and intellectual elite “that must be sanctioned at any cost,” and the rest of humanity, which was catego-
rized as “locusts.”168 In his more extreme “ramblings,” LaVey did not hesitate to propound police state measures
to curtail the “herd” and “sanction” the elite: ghettoization, eugenics, forced sterilization” (LUIJK, 2016, p. 366).
2 O Livro da Lei.
3 “From occultism, LaVeyan Satanism also inherited an outlook that can be called elitist, for want of a
better word. Those to whom “occult knowledge” is disclosed are, by this fact alone, set apart and made
more “knowing” and “powerful.” The system of grades that is common to many occult organizations creates
differentiation by its very nature; the real and ritual trials one has to overcome suggest that only exceptional
individuals may attain the higher ground of wisdom and power” (LUIJK, 2016, p. 367-368).
4 “Transcends ethnic, racial and economic differences” (LAVEY apud LUIJK, 2016, p. 369).
290
Diversidade Religiosa & História
Conclusão
Referências
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O GÊNERO DE DEUS: RESSONÂNCIAS
DE DISCURSOS CLERICAIS MEDIEVAIS
EM UMA DECISÃO JUDICIAL SOBRE
A LEI MARIA DA PENHA
Resumo
Objetiva-se analisar a presença de discursos clericais medievais sobre o feminino
em uma decisão judicial proferida no ano de 2007, na qual o juiz ataca a Lei Maria
da Penha sob o argumento de que a norma seria uma heresia manifesta contra a
lógica de Deus. Para tanto, utilizaremos como referencial teórico e metodológico,
as concepções de imaginário social e entrelaçamentos transculturais, inseridos em
um recorte de longa duração.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Contra a Mulher. Idade Média.
Abstract
The objective is to analyze the presence of medieval clerical speeches about the
female in a judicial decision handed down in 2007, in which the judge attacks the
Maria da Penha Law on the grounds that the rule would be a heresy manifested
against the logic of God. For this purpose, we will use the concepts of social
imaginary and cross-cultural entanglements as a theoretical and methodological
framework, inserted in a long-term view.
Keywords: Maria da Penha Law; Violence against women; Middle Ages.
5 Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina (UFSC). Professor Colaborador da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO).
Integrante do MERIDIANUM: Núcleo Interdisciplinar de Estudos Medievais (CNPq/UFSC). Vice coordenador
do Contra Legem: Núcleo de Estudos em Epistemologia Jurídica (CNPq/UNIPAMPA). Integrante do HUMA-
NITAS: Núcleo de Pesquisa em Epistemologias, Práticas e Saberes Interdisciplinares (CNPq/UFSC).
293
Diversidade Religiosa & História
Introdução
6 É importante mencionar que a sentença proferida por Rodrigues provocou grande repercussão, sendo
noticiado por vários canais de informações e comunicações, como no site do Conselho Nacional de Justiça.
Para maiores informações, consultar: AGÊNCIA CNJ DE NOTÍCIAS. Corregedoria analisará caso do juiz que
negou aplicação da Lei Maria da Penha. CNJ: Conselho Nacional de Justiça. 23 de outubro de 2007. Disponível
em: https://www.cnj.jus.br/corregedoria-analisaraso-do-juiz-que-negou-aplica-da-lei-maria-da-penha/.
Acesso em: 27 fev. 2021.
7 Assim diz o preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL” (grifo nosso). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 21 nov. 2017. Apesar dos debates jurídicos a respeito da força normativa do
preâmbulo constitucional, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a mencionada invocação da
proteção de Deus, decidindo que tal passagem não tem força normativa. Para mais informações checar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade N. 2076-5 Acre. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324. Acesso em: 10 jul. 2019.
8 Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3915965/mod_resource/content/1/Senten%-
C3%A7a%204%20-%20Lei%20Maria%20da%20Penha.pdf . Acesso em: 27 fev. 2021.
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Diversidade Religiosa & História
via de conseqüência (sic) também nos rege — está inserido num Livro que
lhe ratifica a autoridade, todo esse Livro é, no mínimo, digno de credibilida-
de — filosófica, religiosa, ética e hoje inclusive histórica”9.
Partindo, portanto, da ideia de que a maioria da sociedade brasileira
é cristã, e que por isso a Bíblia estaria acima da própria Constituição10, o juiz
passa a analisar a Lei Maria da Penha a partir de sua própria interpretação
dos textos bíblicos. O magistrado afirma que a Lei Maria da Penha é uma
heresia manifesta e um conjunto de normas diabólicas; herética, porque fere
a lógica de Deus e por isso é injusta, pois, como é de conhecimento de todos
e de todas, a desgraça humana começou no Éden por causa da mulher, em
virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem11.
Em suma, para o juiz o “[...] mundo é masculino! A ideia que temos
de Deus é masculina! Jesus foi Homem!”12. Ou seja, para o magistrado, o
mundo masculino impera, enquanto a mulher é relegada à submissão
e recato, sendo a Lei Maria da Penha, portanto, uma heresia manifesta
contra o sagrado lugar do Deus masculino. Por estes motivos, Rodrigues
considera a Lei Maria da Penha um “monstrengo tinhoso”13:
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15 Entendemos como modelo de feminilidade medievais os discursos sobre o feminino, por parte,
principalmente, de uma elite clerical. Tais discursos estavam ancorados em interpretações bíblicas sobre
as personagens de Eva (pecadora e desobediente), modelo de feminilidade que as mulheres deveriam
evitar se aproximar; a virgem Maria (virgem, obediente e recatada) e Maria Madalena (pecadora, mas se
arrependeu), dois referenciais que as mulheres deveriam se espelhar. Ver maiores em: BASTOS, Rodolpho
Alexandre Santos Melo. Ressonâncias medievais no feminino contemporâneo: os modelos de feminilidades
do medievo e sua relação com a violência contra as mulheres. Mandrágora, São Paulo, v. 22. n. 2, p. 67-89,
2016. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MA/article/view/6902.
Acesso em: 9 jul. 2019.
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16 Quando estamos nos referindo aos “homens ligados à Igreja” e os discursos que eles veicularam dire-
cionado as mulheres, entendemos que a palavra Igreja na Idade Média europeia servia para definir o corpo
de fiéis e padres, pois não havia, neste período, uma instituição organizada e homogênea, mas sim, pessoas
dentro desse corpo que criaram uma tradição escrita definidora dos cânones. Somente no fim do período
medieval e início da modernidade, que a Igreja começa a adquirir a força e o status como instituição política.
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teu marido e ele te dominará [...]’. Já esta lei [Lei Maria da Penha] diz que aos
homens não é dado o direito de ‘controlar as ações (e) comportamentos
[...]’ de sua mulher”. As aspas abertas na legitimação do argumento de Ro-
drigues, sinalizam o uso do texto bíblico do Gênesis, em que Deus atribui a
mulher sua subordinação ao homem. Segundo o texto: “Iahweh Deus disse
à mulher: ‘Que fizeste?’ E a mulher respondeu: ‘A serpente me seduziu e
eu comi’, [...] Então Iahweh Deus disse [a mulher]: ‘Multiplicarei as dores de
tuas gravidezes, na dor darás a luz. Teu desejo te impelirá ao teu marido e
ele te dominará’” (BÍBLIA, Gênesis, 3, 6-1).
A interpretação dessa passagem bíblica, por parte do juiz, está de
acordo com os discursos de Tertuliano e Agostinho, ao interpretar a Mulher
como culpada por toda a desgraça humana que, como forma de punição,
é submetida ao seu marido (Homem). Para João Pires (2015), o fato de
Eva ter sido tentada e enganada, serviu para legitimar a mentalidade da
mulher como fraca e estúpida, fato que justifica a suposta superioridade
masculina em detrimento do feminino. As mulheres, todas descentes de
Eva, possuiriam, assim, uma tendência natural de se corromper, e, por
isso, a necessitariam da tutela masculina. Discursos similares aparecem
durante todo o medievo.
Jean Delumeau (1990) destaca que Petrarca, no século XIV, identi-
fica a mulher como o próprio diabo, inimiga da paz e fonte de impaciência,
uma fonte de disputas da qual o homem deve manter-se afastado se quer
gozar a tranquilidade (PETRARCA apud DELUMEAU, 1990). No século XIII,
Thomas de Aquino em sua Suma Teológica afirmava:
Por sua vez, Pedro Custódio (2010) comenta que o corpo feminino
e suas especificidades fisiológicas, durante a Idade Média, eram motivos
de repulsa. Na obra Etimologia, de Isidoro de Sevilha (560-636), por exem-
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dessa lei absurda, continua o juiz, terá que se manter tolo e mole, ao ceder
facilmente às pressões, e ser “[...] dependente, longe portanto de ser um
homem de verdade, másculo (contudo gentil), como certamente toda
mulher quer que seja o homem que escolheu amar”23.
Nesta afirmativa sobre a masculinidade de Deus, também é possível
identificar a presença de certa similaridade com os discursos clericais me-
dievais. Em outra passagem de Tertuliano, ele afirma que a mulher foi quem
“[...] convenceu aquele a quem o diabo não foi suficientemente valente para
atacar. Assim [a mulher] facilmente destruiu a imagem de Deus, o homem”24.
Assim, temos nesse excerto, uma menção sobre o possível “gênero” de Deus.
É este imaginário monoteísta sobre um deus masculino e de longa duração,
que parece envolver todo o discurso de Rodrigues, quando nega medida
protetiva a uma mulher que buscava na Lei Maria da Penha, os meios legais
para se proteger das agressões de seu antigo companheiro.
Sabemos que a sentença que estamos analisando, está distante
espacial e temporalmente do contexto geográfico e, sobretudo, histórico
dos discursos clericais medievais. Entretanto, não podemos nos esquecer
que a construção, constituição e colonização do Brasil está assentada em
um substrato cultural de tradição cristã, o que nos permite, de alguma for-
ma, fazer essa relação. Segundo a matéria publicada no site Aleteia, no dia
11 de abril de 2017, “[...] o Brasil, no conjunto dos dez países no mundo com
maior consistência de católicos batizados, ocupa o primeiro lugar, com
172,2 milhões de católicos, o que representa 26,4% do total dos católicos
do continente americano”25.
Em sua sentença, o juiz ainda afirma que “Á própria Maria — inobs-
tante a sua santidade, [...] (que inclusive a credenciou como ‘advogada’ nossa
diante do Tribunal Divino) — Jesus ainda assim a advertiu, para que também
as coisas fossem postas cada uma em seu devido lugar: ‘que tenho contigo,
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mulher!?’”26. Lugar este, abaixo do teu filho, Homem e filho de Deus. Ou seja,
mesmo Maria sendo uma figura importante no cristianismo católico, fato
que o juiz reconhece, a ela não pode ser dado muito poder. Do contrário,
será preciso seguir o exemplo de Jesus, advertindo-a, e lembrando-a qual é
o devido lugar da mulher, e sua condição de submissa e obediente.
Esta menção a Maria também evoca outros discursos (muitas vezes,
proferidos pelos clérigos já mencionados) que a entendem como outro
modelo de feminilidade. Diferente de Eva, que era um modelo que devia
ser repudiado pelos atributos de pecadora e desobediente, Maria, pelo
contrário, partilhava dos atributos de maternidade, obediência e silêncio.
Dalarun (1990, p. 42) informa que desde época remota, Efrém (sec.
IV) e Pedro Crisólogo (séc. V) “[...] desenvolveram a ideia de uma Maria
‘irmã, esposa e serva do Senhor’, ‘mãe de todos os seres que vivem pela
graça’, em oposição a Eva, ‘mãe de todos os seres que vivem pela nature-
za’”. Dalarun (1990) ainda menciona Isidoro de Sevilha (560-636 d.C.) que
afirmava que “Eva é Vae, a desgraça, mas também vita, a vida”, pois, assim
como uma mulher foi o centro da “desgraça humana”, somente outra, no
caso, Maria, poderia redimir a humanidade. O autor também recorre a São
Jerônimo (347-420 d.C.), que propunha: “Morte por Eva, vida por Maria”.
Igualmente, o medievalista invoca Santo Agostinho que alegava: “Pela
mulher a morte, pela mulher a vida”.
Foi com o advento da exaltação do culto mariano no século XII,
como novo modelo de feminilidade, que Maria surge como redentora para
as mulheres, redimindo as filhas de Eva e libertando-as da maldição da
queda. Embora houvesse uma espécie de movimento de valorização ao
culto a Maria nos primeiros séculos do cristianismo, é no século XII que o
sexo feminino, por intermédio de Maria, apresenta a “nova Eva”, aquela que
deu à luz à Cristo e aos cristãos, sendo todos seus filhos e irmãos.
Para Vasconcelos (2015), Maria representava a mulher assexuada e
pura, capaz de conceber sem pecar e sem prazer sexual. A mãe de Cristo
redime a companheira de Adão, que carrega o castigo na sua sexualidade,
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mostrando que é possível à mulher gerar filhos sem exercer o desejo car-
nal. Para os padres medievais, é preciso perseguir esse modelo mariano,
ainda que se trate de um ideal inalcançável (ser mãe e virgem).
Assim, enquanto Eva desobedeceu às ordens diretas do criador,
para Raquel Lima e Igor Teixeira (2008), Maria acreditou na anunciação do
Arcanjo Gabriel e obedeceu aos desígnios divinos, tornando-se o protótipo
idealizado do feminino e destacando-se pela sua virgindade e materni-
dade de Cristo. A Igreja cristã, por meio de Maria, foi capaz de oferecer
uma espécie de saída, redenção e participação na economia da salvação
às mulheres descendentes de Eva. Na impossibilidade de as mulheres
atenderem o ideal da virgindade, castidade e viverem em conventos, era
preferível, então, que se casassem para serem esposas (servir ao homem)
e, principalmente, mães (restritas a maternidade e ao espaço doméstico).
Para Rodolpho Bastos (2016), Maria, de certa forma, consegue
redimir e libertar as mulheres, principalmente do imaginário que culpabi-
liza Eva (referente ao pecado original). Porém, não consegue livrá-las do
estigma da inferioridade usado para submetê-las a autoridade masculina,
restringindo-as ao espaço da família (maternidade) e do lar (ambiente
doméstico), reafirmando a necessidade dos atributos de subserviência.
Quando nos referimos a Eva, as mulheres são reprimidas, enquanto em
Maria as mulheres são controladas.
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27 Para maiores informações consultar: RUCQUOI, Adeline. La Mujer en la Edad Media. História, n. 16,
1978. Disponível em: http://www.geocities.com/urunuela33/rucquoi/mujermedieval.htm. Acesso em: 19
mar. 2017; MACEDO, José Rivair. A Palavra e a voz das mulheres. In: MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade
Média. São Paulo: Contexto, 2002.
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Franco Junior (2010) relata que foi neste contexto, que São Justinia-
no no Oriente e Santo Irineu, no Ocidente, no século II, irão pela primeira
vez propor a oposição entre Eva e Maria, ao perceber que Maria poderia
ser vista como uma versão do antiquíssimo arquétipo manifestado em Eva,
mas também de antigas divindades femininas, como Ísis, Ishtar, Cibele,
Hera, Atena etc. Para o referido autor, o pensamento cristão, produto do
mesmo ambiente cultural (pagão) que tentava negar, “[...] buscou então
fundar a distinção entre Maria e outras divindades femininas sintetizadas
na figura de Eva — não em uma característica e sim em uma função”
(FRANCO JUNIOR, 2010, p. 309).
Portanto, para este artigo, foi preciso ter por foco os discursos
clericais medievais em relação a Eva em oposição a Maria. Isto porque,
28 Para maiores informações, consultar: FRANCO JUNIOR, Hilário. Meu, Teu, Nosso: Reflexões sobre o
Conceito de Cultura Intermediária. Ensaios I, p. 27-44.
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29 Para Silveira (2015, p. 174) “No desdobramento da metáfora do tecido social e histórico e perante a
necessidade de romper com a ideia de um centro e uma periferia dentro da própria Europa, a perspectiva
teórica dos ‘Entrelaçamentos Transculturais’ (Transkulturelle Verflechtungen) da História é uma resposta à
demanda de compreender e demonstrar, de forma ampliada, que a Europa medieval insere-se em uma
trama ainda maior de fios interconectados com a África e a Ásia”. Ver maiores informações em SILVEIRA,
Aline Dias da. Saber em movimento na obra andaluza Gāyat al-hakīm, o Picatrix: problematização e pro-
postas. Revista Diálogos Mediterrânicos, Curitiba, n. 9, p. 169-188, dez. 2015. Disponível em: http://www.
dialogosmediterranicos.com.br/index.php/RevistaDM/article/view/175. Acesso em: 23 jun. 2019.
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Considerações Finais
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Referências
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artemis/article/view/2209/1948. Acesso em: 11 out. 2018.
315
MITO E MAGIA:
O VEÍCULO MÁGICO DA POÉTICA MEDIEVAL
Resumo
O objetivo deste capítulo é verificar os vestígios do veículo mágico da poética
medieval por meio da magia da linguagem (BENJAMIN, 2013) que enuncia a
espiritualidade do mundo enquanto presença (GUMBRECHT, 2009) e não como
uma significação em seu sentido de distanciamento entre o ser e o mundo, algo
verificável na escrita mitológica. Para isso, a fonte analisada é a Commedia, escrita
por Dante Alighieri no século XIV.
Palavras-chave: Mitologia. Poetry. Medievo, Commedia.
Abstract
The aim of this chapter is to verify the traces of the magical vehicle of medieval
poetics through the magic of language (BENJAMIN, 2013) that enunciates the spir-
ituality of the world as a presence (GUMBRECHT, 2009) and not as a signification
in its sense of detachment between being and the world, something verifiable in
mythological writing. Thus, the source analyzed is the Commedia, written by Dante
Alighieri in the 14th century.
Keywords: Mythology. Poetry. Medieval. Commedia.
1 Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina com período de Doutorado
Sanduíche na Università di Bologna. Professor do colegiado de História da Unespar (Universidade Estadual
do Paraná). Integrante do HCIR (Grupo de Pesquisa de História das Crenças e das Ideias Religiosas) da
Universidade Estadual de Maringá e do Meridianum (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Medievais) da
Universidade Federal de Santa Catarina.
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Introdução
2 O neoplatonismo é uma corrente de interpretação filosófica praticada no medievo que advém de estudos
mais antigos sobre o mundo enquanto emanação do Uno ou do divino. Boécio (480-524 E.C.) e Agostinho
(354-430 E.C.) foram alguns dos filósofos que utilizaram essa forma de ver o mundo. Dante, enquanto leitor
de ambos, é também profundamente influenciado por essa corrente filosófica, a qual é desenvolvida por
Boécio em sua De Consolatione em que afirma “que as coisas são boas porque fluem da vontade do primei-
ro Bem, cuja identidade é idêntica a do Uno. Todas as coisas devem sua existência a emanação do Bem, que
compartilha em abundância” (ESCUDÉ, 2011, p. 30, tradução nossa).
3 O hermetismo é uma filosofia que advém de obras astrológicas gregas e egípcias, sendo muitas de-
las traduzidas pelos árabes. Seu nome está ligado a Hermes Trismegisto (três vezes grande), o qual foi
mencionado em algumas obras de cunho hermético, como é o caso da obra Asclepius (PARRI, 2018): “O
encontro entre o viés mágico de Hermes e aquele filosófico é reforçado e confirmado em duas passagens
do Asclepius [...]. As passagens incriminadas [...] constituem o primeiro contato do mundo latino com a magia
hermética, descrevem a fabricação de estátuas dotadas de poderes maravilhosos, as quais Trimegisto
define como ‘deuses terrenos’” (PARRI, 2018, p. 50, tradução nossa).
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4 A análise foi realizada a partir da obra escrita em toscano medieval, comentada e organizada por Pasquini
e Quaglio (2014). A tradução em língua portuguesa é de Cristiano Martins (1991) e será colocada no corpo do
texto enquanto que o original estará em nota de rodapé.
5 O conceito de revelação figural é uma ferramenta de análise de narrativas míticas que funciona por
meio da “alegoria (BENJAMIN, 1984) enquanto um veículo da linguagem que transmite a verdade divina
presente nas coisas do mundo, da pré-figuração e da figuração (AUERBACH, 1997) e da associação entre
mundos passados, presentes e futuros que confluem para a eternidade do pós-morte medieval, sendo,
então, a presentificação de mundos passados (GUMBRECHT, 2010) que passam a se constituir na revelação
da justiça divina” (COSTA, 2020, p. 208). Para saber mais sobre o conceito, recomendamos a leitura da Tese
de Doutorado intitulada “Revelação figural: alegoria e presença dos seres híbridos na Divina Comédia, de
Dante Alighieri”, defendida em 2019 por Daniel Lula Costa (COSTA, 2019).
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7 A primeira é a profecia de Virgílio, que está separada de Ciacco por 666 versos; a segunda a de Ciacco,
separada por 515 versos da de Farinata; a terceira a de Farinata, que se distancia em 666 versos de Bruneto
Latini e, a quarta, a de Bruneto que está 515 versos distante de Nicolau III, que realiza a quinta e última
profecia do Inferno.
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8 “Poscia mi disse: ‘Quel da cui si disse” (Par., XV, 91) e continua nos versos seguintes: “tua cognazione e che
cent’anni e piúe / girato há ’l monte in la prima cornice” (Par., XV, 92-93).
9 “Però mira ne’ corni de la croce: / quello ch’io nomerò, lí farà l’atto / che fa in nube il suo foco veloce”
(Par., XVIII, 34-36).
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10 “Io vidi in quella giovial facella / lo sfavillar de l’amor che lí era / segnare a li occhi miei mostra favella”
(Par., XVIII, 70-72).
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governais a terra”. Para Martins (1991), essas palavras fazem parte do Livro
da Sabedoria, atribuídas a Salomão. A partir do momento em que as almas
formam o último dístico, a letra M, elas se transformam na imagem de uma
grandiosa águia em que se verifica o símbolo da justiça divina. Nessa pas-
sagem, notamos a relação entre a palavra escrita e a imagem produzida
como evocação da mensagem transmitida. Assim sendo, a justiça é sinali-
zada e criada como revelação divina e alegorizada pela imagem da águia
evocada após a pronúncia e escrita da mensagem “DILIGITE IUSTITIAM” e
“QUI IUDICATIS TERRAM”. A linguagem cria e emana a imagem da águia
enquanto sabedoria e justiça divina, ela funciona como um mecanismo
que se corretamente operacionalizado pode evocar a presença divina nas
coisas do mundo — algo caro ao neoplatonismo medieval. A águia alego-
riza o símbolo da justiça divina, dando presença aos saberes da divindade.
Sendo um ser identificável na natureza, a águia foi um animal muito
importante para o imaginário antigo e medieval. Seus símbolos alegóricos
possuíam temporalidades que se conectavam e sincronizavam elementos
possíveis de decifrar alguns dos mistérios do mundo. A presença desses
seres era descrita nos Bestiários medievais e em algumas obras antigas
como a História dos Animais de Aristóteles (século IV A.E.C.) e a História
Natural de Plinio (século I E.C.), o velho.
O Bestiário Ms Bodley 764, escrito no século XIII, destaca o com-
portamento da águia e sinaliza que quando suas asas estão pesadas e
seus olhares nebulosos, ela voa até a atmosfera em que o sol é mais forte,
onde suas asas pegam fogo e seus olhos passam a ser clareados e, depois
disso, mergulha na água três vezes para restaurar a visão e o poder de suas
asas. A interpretação alegórica dada pelo autor é que os seres humanos
devem buscar a fonte divina e “direcionar seus olhares e mentes para Deus,
fonte da justiça” (BARBER, 1992, p. 119, tradução nossa). Esse saber advinha
do simbolismo da águia como um ser especial dotado de elementos que
a aproximavam do poder político e religioso. Aqui é possível verificar a
transtemporalidade da revelação figural em que o imaginário medieval e
as fontes antigas manifestam a revelação divina para Dante, é um choque
de temporalidades que emanam sua conjunção na eternidade do pós-
-morte medieval. Os animais, presentes na natureza, funcionavam como
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13 “e fa la lingua mia tanto possente, / ch’una favilla sol de la tua gloria / possa lasciare a la futura gente”
(Par., XXXIII, 70-72).
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14 Trajano (98-117 E.C.) foi imperador romano reconhecido pela expansão territorial do império.
15 Personagem mencionado na Eneida de Virgílio como um soldado troiano que acompanhou Eneias,
sendo justo e virtuoso.
16 “io veggio che tu crei queste cose / perch’ io le dico, ma non vedi come; / sí che, se non credute, sono
ascose. / Fai come quei che la cosa per nome apprende ben, ma la sua quiditate / veder non pò se altri non
la prome” (Par., XX, 88-93).
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Diversidade Religiosa & História
Considerações finais
17 “Veramente quant’io del regno santo/ ne la mia mente potei far tesoro, / sarà ora materia del mio canto”
(Par., I, 10-12).
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Diversidade Religiosa & História
Referências
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Rica, 1991.
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Diversidade Religiosa & História
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336
O BUDISMO E AS CIÊNCIAS HUMANAS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO
ACADÊMICA NO BRASIL
Resumo
Mapeia-se a historiografia sobre o budismo japonês no Brasil, utilizando como
fontes trabalhos acerca do tema, entendidos a partir do conceito certeauniano de
lugar social. Essa produção privilegia questões como: as categorias de budismos
de imigração e de conversão; a generalização sobre a crise da religião no país; as
dicotomias opondo diferentes formas de budismo; e, entre outras, a ênfase dos
pesquisadores sobre a religião institucional.
Palavras-chave: Budismo. Historiografia. Brasil
Abstract
The historiography on Japanese Buddhism in Brazil is traced here, using as sources
works on the theme, understood from the Certeaunian concept of place. This
production favors issues such as: the categories of immigration and conversion
Buddhism; the generalization about the religious crisis in the country; dichotomies
opposing different forms of Buddhism; and, among others, the emphasis or re-
searchers on institutional religion.
Keywords: Buddhism. Historiography. Brazil.
1 Mestre em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e doutorando na mesma área pela Universi-
dade Estadual de Maringá (UEM). Membro do Grupo de Pesquisa História das crenças e ideias religiosas (HCIR/
UEM) e do Laboratório de Pesquisa sobre Culturas Orientais (Lapeco/UEL). E-mail: leonardo_luiz8@hotmail.com.
2 Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pós-doutor em Língua, Literatura e
Cultura Japonesa pela Universidade de São Paulo (USP). É professor do Departamento de História da UEL
e do Programa de Pós-Graduação em História Social. Coordena o Lapeco. E-mail: richard_andre@uel.br.
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Diversidade Religiosa & História
3 No presente capítulo, a expressão “historiografia” refere-se a obras que tenham versado sobre a história
de determinado fenômeno (aqui, especialmente, o budismo), independentemente se escritas por historia-
dores de formação ou não.
4 Quando falamos de budismo, estamos nos referindo sobretudo à religião a partir de sua matriz japo-
nesa e como foi desenvolvida no Brasil. É válido ressaltar, também, que esse mapeamento foi realizado
em outros momentos por pesquisadores como o próprio Usarski (2002b, 2008). No entanto, a iniciativa de
remapeamento justifica-se aqui considerando a necessidade de realizar novo balanço sobre os trabalhos
produzidos, problematizando certas temáticas e conceitos estabelecidos.
338
Diversidade Religiosa & História
social discutido por Michel de Certeau (1982)5. Atentamos aqui para como
pesquisadores brasileiros interpretam o budismo, ressaltando que suas
implicações epistemológicas não podem ser deslocadas da realidade das
práticas e crenças religiosas. Dessa forma, podemos perceber que assim
como a ciência ocidental foi desenvolvida a partir de debates teológicos
(CERTEAU, 1982), as pesquisas desenvolvidas sobre o budismo foram
elaboradas, sobretudo, por indivíduos engajados nessa religião, como é
o caso de Albuquerque e Gonçalves. Ressaltar essa atuação religiosa dos
autores não significa desvalorizar seus trabalhos, mas sim reconhecer os
limites, jogos de forças, e pressões por parte do grupo praticante em que
o autor está inserido.
Da mesma forma, nos casos abordados no presente texto, perce-
bemos que a posição social dos autores como membros da classe média
e intelectuais têm impacto significativo sobre fontes, métodos, recortes
temporais e espaciais. Cristina Rocha, ao analisar as ideias de modernida-
de associadas ao Zen6 no Brasil, destaca que seu pertencimento à classe
média alta delineou suas escolhas: “Um pesquisador que não fosse bra-
sileiro nem pertencente à mesma camada social que eu, possivelmente
teria escolhido outro caminho” (ROCHA, 2016, p. 27). O que a autora eviden-
cia não necessariamente aparece de forma clara nas demais produções
brasileiras sobre o budismo e, por isso, buscamos aqui sugerir as ligações
entre autores e produções sobre a religião.
5 Antes dos anos 1970, há poucos trabalhos que versam sobre o budismo japonês no Brasil, abordando-o
de forma indireta. O mais célebre deles é a dissertação de Mestrado de Takashi Maeyama (1967), que tem
como foco a Seichō-no-ie e acaba passando por certas questões budistas, considerando o caráter híbrido
daquela. Embora não seja classificada como budista, a Seichō-no-ie, fundada por Masaharu Taniguchi no
Japão dos anos 1930, hibridiza elementos de diferentes religiões, inclusive o cristianismo e o espiritismo.
Voltando à questão da produção acadêmica anterior à década de 1970, pode-se destacar artigo de Herbert
Baldus e Emílio Willems (1941) sobre casas e túmulos de japoneses no cemitério de Registro, em São Paulo.
6 O zen foi introduzido no Japão no século XIII por monges como Eisai e Dōgen, possuindo ênfase, sobre-
tudo, em práticas de caráter meditativo (SUZUKI, 2005).
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7 No livro, grande parte da narrativa é intermediada por trechos de entrevistas com R. M. Gonçalves, ide-
alizando a própria experiência de Gonçalves como expressão do budismo. Isso é perceptível em diversos
trechos. Após destacar “As primeiras interpretações do Budismo feito por brasileiros” (2016, p. 52), Redyson
argumenta: “[...] todas estas publicações [...] tiveram uma grande apreensão no Brasil. Esta apreensão circunda
[...] um budismo mais intelectualizado, isto é, um amplo conhecimento da doutrina budista e de sua filosofia
a prática ainda não acontecia da forma que deveria ser. É exatamente por isso que configuramos os nomes
de Murillo Nunes de Azevedo e Ricardo Mário Gonçalves como um elemento a parte do momento inicial de
divulgação do budismo através de livros, que de certa forma traziam uma realidade mais verdadeira do bu-
dismo, muitos desses livros são publicados até hoje, pois o que se tinha eram obras que ora apresentavam
uma imagem positiva do budismo aos brasileiros e ora deturpava ideias e noções fundamentais da essência
do budismo” (REDYSON, 2016, p. 67, 68). É como se apenas Azevedo ou Gonçalves fossem os únicos a
praticarem a essência ou verdadeiro budismo. Uma análise sobre as práticas desses intelectuais revela que
eles também dialogavam com os autores mencionados por Redyson.
342
Diversidade Religiosa & História
8 As escolas de Terra Pura são voltadas para a devoção do buda Amida, que permitiria, por meio da recitação
de seu nome, o renascimento dos praticantes na Terra Pura. Diferentemente do zen, as escolas em questão
não possuem ênfase sobre a meditação, sendo voltadas para as práticas recitativas (GONÇALVES, 1971).
343
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9 Assim como as escolas de Terra Pura, a vertente Nichiren foi fundada no século XIII por monge homô-
nimo, Nichiren. Assim como aquelas, possui base recitativa, voltada para a reverência do chamado Sutra
do Lótus, que postula a possibilidade de iluminação por todos os seres (GONÇALVES, 1971). A Honmon
Butsuryūshū, por sua vez, surgiu no Japão da segunda metade do século XIX como derivação da vertente
Nichiren, possuindo ênfase sobre a possibilidade de resolução de problemas de caráter mais imediato por
meio da recitação de sutras (ELIAS, 2016).
10 A escola Shingon foi fundada no século IX pelo monge Kūkai, tendo como fundamento práticas medi-
tativas de caráter extático, semelhantemente ao budismo tibetano.
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11 Aos 17 anos Suzuki conheceu Nishida Kitarō, tornaram-se amigos e trocaram ideias ao longo de suas
vidas. As influências sobre o pensamento de Kitarō podem ser notadas no livro de 1911, Zen no kenkyū, no
qual Kitarō lançou as bases do movimento que viria se chamar Escola de Quioto (SHARF, 1993).
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Diversidade Religiosa & História
12 A tese de Aveline é outro exemplo da proximidade entre a produção acadêmica e o budismo. O autor é
filho de Alfredo Aveline, mais conhecido como Lama Padma Samten, monge ligado ao budismo tibetano.
Suas pesquisas de campo entre 2007 e 2010 foram realizadas na comunidade fundada por seu pai em
Viamão, Rio Grande do Sul (AVELINE, 2011, p. 126).
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nalistas no Japão, China, Tibete, entre outros, o autor afirma: “Neste ponto,
é importante salientar que o budismo é tido como uma religião pacifista,
uma religião de ‘não-violência’ (sic). O próprio Buda teria dito que ‘não há
maior felicidade do que a paz’” (AVELINE, 2011, p. 38, grifo nosso). E continua:
13 Usarski (2006) argumenta que existe uma longa tradição que qualifica o budismo como racional,
tolerante e pacífico. Visando confrontar essa ideia, o autor demonstra alguns casos de violências como o
engajamento militar do mosteiro Shaolin, as guerras entre autoridades budistas na Birmânia e outros países
asiáticos, o proselitismo violento do budismo na Mongólia, as atitudes nacionalistas do Zen budismo no
Japão durante a Segunda Guerra Mundial (USARSKI, 2006, p. 12). Além disso, podemos citar o shakubuku
(quebrar e subjugar) como forma agressiva de conversão presente na Soka Gakkai (ROCHA, 2016, p. 222).
350
Diversidade Religiosa & História
14 Criada originalmente no Japão dos anos 1930, a Soka Gakkai foi concebida, a princípio, como desdobra-
mento da vertente Nichiren. Assim como outros grupos budistas que emergiram na transição dos séculos
XIX para o XX, como é o caso da própria Honmon Butsuryūshū, a Soka Gakkai é voltada, sobretudo, para a
resolução de problemas imediatos (DEAL; RUPPERT, 2015).
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Diversidade Religiosa & História
pelos templos estabelecidos, cujo perfil dos adeptos era voltado para a
população mais velha que residia nas áreas rurais, concentrando-se em
práticas mortuárias, a Soka Gakkai apresentou crescimento expressivo
entre outros grupos demográficos. A religião passou a atuar nas cidades,
desenvolvendo reflexões em consonância com os problemas sociais do
período, atrelada ao relativo sucesso de seu partido político nos anos 1950,
o Kōmeitō (KIYOTA, 1969). Isso levou a certa hostilidade no tocante à Soka
Gakkai pelos grupos budistas anteriormente estabelecidos.
No Brasil, a Soka Gakkai nunca fez parte da Federação das Seitas
Budistas no Brasil (Butsuren). Segundo Ronan Alves Pereira (2002):
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Diversidade Religiosa & História
15 Termo usado na fisiologia para se referir a um aumento anômalo de uma parte normal.
16 Os três grupos em questão foram concebidos, originalmente, como derivados da vertente Nichiren e
emergiram no contexto histórico de passagem dos séculos XIX para o XX (DEAL; RUPPERT, 2015).
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Considerações Finais
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359
ÍNDICE REMISSIVO
ARTIGO 157 121, 122, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 142, 143
BUDISMO 5, 11, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 351,
352, 353, 354, 355, 356, 357, 359
CARLINDO DANTAS 10, 187, 189, 190, 191, 194, 195, 196, 198, 202, 204, 205, 206
CATIMBÓ-JUREMA 9, 102, 106, 117
CATOLICISMO 7, 8, 10, 20, 24, 25, 59, 77, 85, 86, 169, 171, 172, 173, 177, 182, 183, 184, 231,
232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 247, 248, 250,
254, 270, 356
CEMITÉRIO 10, 187, 188, 190, 219, 355
CESARE LOMBROSO 9, 146, 147, 148, 149, 152, 153, 157, 159, 162, 163, 164, 165
DANTE ALIGHIERI 11, 316, 317, 318, 322, 324, 326, 334, 336
JOÃO BAPTISTA PEREIRA 121, 122, 124, 126, 127, 133, 137, 143
360
Diversidade Religiosa & História
JOÃO DO RIO 8, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,
36, 42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53
MEDIUNIDADE 9, 117, 139, 144, 147, 149, 152, 153, 154, 160, 163, 183, 184, 185
MILAGREIRO 10, 187, 188, 227
MITOLOGIA 54, 101, 316
NINA RODRIGUES 8, 24, 34, 35, 36, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 51, 52, 53, 54, 165
PÂNICO SATÂNICO 10, 11, 271, 274, 275, 276, 277, 280, 283, 284, 285, 286, 288, 289, 291
PEREGRINO 10, 177, 186, 249, 251, 269, 270
RELIGIÃO 5, 6, 7, 9, 11, 17, 18, 20, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 33, 47, 48, 51, 52, 56, 57, 58, 59, 60,
61, 62, 63, 74, 75, 76, 80, 91, 92, 101, 102, 120, 136, 144, 145, 151, 156, 162, 164,
167, 168, 169, 173, 177, 179, 184, 186, 228, 234, 236, 237, 238, 239, 250, 251, 252,
253, 270, 276, 289, 310, 312, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 343, 344, 346, 347, 348,
350, 352, 355, 356, 357, 358
RITO 8, 29, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 46, 48, 49, 50, 52, 53, 78, 104, 160, 259, 333
SATANISMO 10, 16, 48, 271, 272, 274, 276, 279, 280, 281, 282, 284, 285, 286, 287, 289, 290, 291
SERIDÓ 10, 105, 106, 110, 187, 188, 189, 205, 210, 230
SERTÃO 207, 208, 209, 212, 213, 214, 215, 217, 223, 224, 225, 228, 229
UMBANDA 5, 47, 50, 52, 80, 91, 92, 93, 100, 105, 108, 119, 120, 168, 169, 170, 172, 173, 174,
175, 176, 177, 180, 181, 182, 184, 345
361
SOBRE OS ORGANIZADORES
362