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História e cultura afro-brasileira,

africana e indígena (CAI)


Sumário

UNIDADE I....................................................................................... 3

I-I Introdução ................................................................................. 3

UNIDADE II...................................................................................... 5

II. I – Introdução ............................................................................ 5

II. II – Liberto ou livre ..................................................................... 9

II. III – A formação da Consciência do Povo Brasileiro ................ 13

UNIDADE III................................................................................... 19

III.I Tecendo uma nova história ................................................... 19

III-II Fios para nova história ......................................................... 25

III.III – Considerações Finais ....................................................... 30

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA ........................................................... 32


UNIDADE I
I-I Introdução

Nos últimos anos a temática racial vem sendo amplamente debatida no


Brasil. Mesmo com esta exposição, trata-se de um assunto delicado que causa
constrangimento e evidencia pensamentos e ideias que muitas pessoas
escondem ou sequer reconhecem dentro de si.

Por muito tempo a história do povo indígena e africano escravizado, foi


invisibilizada e desvalorizada no processo de constituição da nação, de forma
que este povo era sempre retratado em condições sociais, biológicas e
intelectuais subalternas ao do homem branco.

O processo de colonização e pós-colonização que subsidiou as bases


estruturais de nossa sociedade, evidenciou o etnocentrismo1 reforçando-o com
teorias raciais que reverberam e trazem graves consequências a população
brasileira até os dias atuais.

Muitas foram as lutas travadas para que a contribuição do negro e


indígena no desenvolvimento da sociedade brasileira fosse reconhecida e que
a partir desse reconhecimento esta ação se desdobrasse em políticas públicas
de acesso à educação, saúde, moradia entre outras. Pois, mesmo com o fim da
colonização, no Brasil, não se pensou de que forma as pessoas que deixariam
a condição de escravas passariam a ter uma vida digna de cidadão brasileiro.

Atualmente com a promulgação da Lei 10.639/03 alterada pela Lei


11.645/08, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-
brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino públicos ou privados e
ampliou-se a possibilidade de debates e discussões sobre o tema, promovendo
aprendizagem e desenvolvimento de uma consciência crítica dessa temática
que tratada de forma velada pela sociedade em nosso país.

1Etnocentrismo: O etnocentrismo é um termo que designa o sentimento de superioridade que


uma cultura tem em relação a outras. Consiste em postular indevidamente como valores
universais os valores próprios da sociedade e da cultura a que o indivíduo pertence. Ele parte
de um particular que se esforça em generalizar e deve, a todo custo, ser encontrado na cultura
do outro.
Nesse percurso conheceremos um pouco mais sobre a história da
escravidão no Brasil, às teorias raciais e a proposta de uma educação
antirracista para que possamos contribuir com a construção de uma sociedade
mais justa e democrática para todos os seus filhos.

Aprofunde seu aprendizado!

Assista também aos vídeos:

Vídeo: Os Indígenas - Raízes do Brasil #1 -


https://www.youtube.com/watch?v=cQkA5PDow2s

Vídeo: Os Portugueses - Raízes do Brasil #2 -


https://www.youtube.com/watch?v=HfaeWT6qZl0

Vídeo: Os Africanos - Raízes do Brasil #3 –


https://www.youtube.com/watch?v=fGUFwFYx46s
UNIDADE II

II. I – Introdução

Antes de tudo é importante saber que a escravidão existiu em todas as


civilizações e em todas as culturas. A diferença se dava na base de
sustentação do processo, no caso das Américas, a diferença entre raças foi o
critério utilizado para respaldar esse feito.

A expansão das Américas alterou a forma como os africanos viviam a


escravização, visto que entre eles esta prática já existia. Os povos vencidos em
guerras se tornavam escravos de seu oponente e às vezes eram até
comercializados em rota existente no deserto do Saara.

portaldoprofessor.mec.gov.br

O tráfico de africanos realizado pelos europeus, além de trazer esta atividade


para o mar, intensificou tal prática, onde se contabiliza aproximadamente a vinda de
11 milhões de negros vitimados em guerras, ou simplesmente capturados para essa
viagem de muita dor e sofrimento, que marcava o início de uma árdua trajetória.

Degredado de sua terra, o negro foi obrigado a deixar para traz todos seus
pertences, costumes, parentesco, ancestralidade e também a condição de ser humano
e sua dignidade. A viagem já anunciava o que esperar da vida na nova terra e os
desafios a serem enfrentados dentro de um cenário de silenciamento e total exclusão
dos direitos.
“‘Estamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…

Era um sonho dantesco… o tombadilho


Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros… estalar de açoite…


Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar…”

Castro Alves

Castro Alves (1868), após quase duas décadas da promulgação da Lei


Euzébio de Queiroz, que proibia o tráfico de escravos, em setembro de 1850,
concluiu seu poema muito famoso, retratando as mazelas vividas pelos
escravos dentro do navio negreiro.
O terror dos momentos vividos durante a travessia entre o continente
Africano e as Américas eram terrivelmente horrorosos e desumanos. Marcado
com sangue, suor, lágrimas, gemidos de dor, dor do corpo, dor da alma, em se
sentir impotente frente à condição cruel que lhes tirava a condição de
humanidade.
O poeta encontrou nas palavras, uma forma de denunciar que a lei não
teria sido suficiente para acabar com a prática de comercialização de africanos,
a qual apenas menos da metade, aproximadamente, chegava com vida ao
destino final.
O tráfico negreiro durou o período dos séculos XV ao XIX, e no Brasil se
intensificou a partir da necessidade de mão de obra, nas plantações de açúcar
e desde então, nas outras atividades comerciais desenvolvidas como ciclo do
ouro e da agricultura.
Atualmente no Rio de Janeiro, uma parte desta história considerada a
mais dolorosa do Brasil, pode ser encontrada no “Memorial dos Pretos Novos”,
onde foram sepultados durante o período 1769 a 1830 negros escravizados
que terminavam as viagens doentes, fracos ou até mesmo mortos.
As pesquisas arqueológicas estimam que foram enterrados entre 20 a
30 mil africanos, foram encontrados 5 mil fragmentos arqueológicos no local e
28 corpos identificados a partir dos ossos que não foram cremados, como
sendo de pessoas entre 18 e 25 anos , sendo a maioria do sexo masculino.
Após a proibição do tráfico negreiro, o cemitério foi fechado e quase
esquecida a memória que ele conserva, pois no período de urbanização da
cidade foi encoberto por cimento. A existência do Memorial dos Pretos Novos
se torna relevante para garantir que essa história não seja esquecida.

Agora, saiba mais sobre o Memorial Pretos Novos!

Assista também ao vídeo:


Vídeo: Memorial Pretos Novos Parte 3 de 4
https://www.youtube.com/watch?v=__x90-2GBdk

A demanda por trabalhadores revela outra mazela desse período, que foi
a forma, a qual o povo indígena que já habitava essa terra foi dizimado.
A chegada dos europeus e o modo como se estabeleceram nas terras
brasileiras, primeiramente batizadas pelos nativos de “Pindorama”, interferiu de
forma desfavorável na vida dos índios. Estes foram subalternizados e
colocados para realizar os trabalhos pesados, inclusive nas lavouras.
Os indígenas tinham o costume de produzir para o próprio sustento,
diferente de ter que plantar para além do necessário e com uma rotina de
trabalho intensa estabelecida. Ainda de acordo com sua cultura esse era um
trabalho destinado às mulheres, se tornando esse um dos motivos pelos quais
foram rotulados como preguiçosos.
O amplo conhecimento do espaço geográfico, também contribuiu para
que a mão de obra indígena se tornasse escassa, facilitando as fugas para a
mata fechada. Ainda nos dias de hoje existe registro de tribos que vivem sem
contato com a civilização.

Debret (1808)

As doenças trazidas pelos portugueses foi outro aspecto que contribuiu


para o extermínio dos indígenas, pois, levava-os a morte. Acrescenta-se a esta
lista de fatores, o fato de os jesuítas2 dificultarem a escravização dos índios
pelos colonizadores para que os mesmos fossem catequizados, apesar disso,
eles também utilizavam da mão de obra escrava dos nativos.
Mesmo com o enfraquecimento do ciclo da cana de açúcar a mão de
obra escrava continuou sendo utilizada pelos portugueses pois, ampliaram a
exploração das terras coloniais através da extração do ouro. É oportuno
destacar, que para essa atividade os escravos africanos serviam para realizar o
trabalho pesado e também para aplicar as técnicas superiores de extração de
ouro que possuiam.
Em 1850 por forte pressão internacional, foi criada a Lei Euzébio de
Queiroz nº 581, em 4 de setembro, que deferia sobre a extinção do tráfico

2
Jesuítas padres da Companhia de Jesus criada em 1534 pelo padre Inácio de Loyola e foi
oficialmente reconhecida pela Igreja a partir do papa Paulo III em 1540. Divulgavam o
cristianismo a partir ensino da catequese, com o objetivo de alcançar o mundo impedindo o
crescimento do protestantismo. A participação da ordem no período colonial foi fator que
interferiu significativamente no processo de constituição da nação, principalmente no tocante a
questão religiosa.
negreiro. Este foi o primeiro evento rumo à liberdade dos negros escravizados.
Contudo, a promulgação dessa legislação não foi suficiente para que o
comércio de escravos da África para o Brasil chegasse ao fim e essa atividade
continuou acontecendo de forma clandestina.
O fato da legislação não surtir efeito imediato após sua criação, deu
origem a expressão popular “para inglês ver”, e esta só começou a se efetivar a
partir da década de 1870 com a intensificação da fiscalização no espaço
marítimo. Com o enfraquecimento da mão de obra escrava, o país se buscou
incentivar a entrada de trabalhadores imigrantes, especialmente de origem
europeia.
Surgiram outras legislações importantes como a Lei do Ventre Livre, de
1871 que garantia a liberdade dos filhos dos escravizados nascidos após sua
promulgação. A Lei dos Sexagenários, de 1885, que garantia a liberdade à
população negra com mais de 65 anos, sendo essas conquistas do povo
escravizado no caminho rumo à liberdade, que se oficializou em 1888, com a
promulgação da Lei Áurea.

II. II – Liberto ou livre

“Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o


Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua.
Todos respiravam felicidade, tudo era delírio” Machado de Assis

A felicidade descrita pelo autor, nem de longe retrata o cenário no qual a


abolição da escravidão no Brasil foi extinta. O regime escravista já não se
sustentava com o avanço do capitalismo, a pressão internacional, as
articulações sociais protagonizadas por abolicionistas e negros libertos ou
refugiados, foram aspectos que impulsionaram a promulgação da Lei Áurea.
O Brasil foi o país que mais importou negros escravizados, e a partir
dessa prática consolidou suas estruturas sociais dificultando o processo de
abolição, pois, a nação dependia da mão de obra escrava. A esta situação
atribui se o fato do Brasil ter sido a última na nação a criar uma lei para abolir a
escravidão.
Segundo Martins (2017, p.45) os longos anos de escravização do povo
negro, construiu um estereótipo de que este era um povo sem alma, sem voz,
sem cultura, que só serviam para exploração da mão de obra. Nesse sentido,
fica evidente que ao se pensar a promulgação da lei, não houve a preocupação
de como seria a vida dos negros após garantirem a liberdade.
Para Schwarcz (2012, p.19) “[...] após a Abolição, a liberdade não
significou igualdade”, isso porque não foi se quer pensada uma política pública
de moradia, saúde, educação e trabalho para o povo liberto. Muito pelo
contrário a grande preocupação se concentrava em como os donos de
escravos se ressarciriam desse prejuízo e exigiam dessa forma uma
indenização da coroa.
O processo como se deu a libertação dos negros escravizados interferiu
e interfere no desenvolvimento da sociedade brasileira até os dias atuais. Não
recebendo nenhum tipo de indenização, os senhores donos de escravos
expulsaram de suas terras e casas os negros libertos e estes por sua vez
caíam num abandono e numa miséria ainda maior do que a que já
vivenciavam. Agora, a fome e o abandono caminham lado a lado com a “alegria
da liberdade”.
A abolição não libertou a mentalidade da camada elitista do país e nem
provocou mudança na estrutura da organização social, justificando a ausência
do pensamento de igualdade denunciado por Schwarcz (2012). Explicitamente
não havia interesse em que a população negra alterasse sua posição social,
permanecendo na condição de subjugada.
Algumas estratégias foram colocadas em prática para que o desejo de
manutenção do status quo3 se concretizasse apesar da abolição. A primeira
delas foi criar leis que criminalizavam a população negra, atribuindo lhes mais
uma característica, a de criminoso, reforçando seu lugar numa posição social
subalterna.
“Em 1889, um ano após a abolição, ocorreu a Proclamação da
República, ainda em Governo provisório, e foi criado o novo Código
Penal (1894), que previa a redução da maioridade penal de 14 para 9

3 Status quo: expressão originada do latim que significa “estado atual”. Seu significado está
relacionado ao estado dos fatos, das situações e das coisas, independente do momento. O
termo status quo é geralmente acompanhado por outras palavras como manter, defender,
mudar e etc.
anos, e demarcava, assim, as desigualdades raciais, (pré)
determinando penalizações, que afetavam, principalmente, os
meninos negros.

Publicações de Nina Rodrigues16 sobre criminalidade, em finais do


século XIX, como: “As raças humanas e criminalidade penal no
Brasil” (1894), “Negros criminosos” (1895), “Mestiçagem,
degenerescência e crime” (1899), apresentam teses que fortaleciam
os ideais políticos discriminatórios, ao defenderem a degenerescência
dos negros e mestiços e tendências ao crime. (Martins, 2017, p.45)

Martins (2017) apresenta publicações que comprovam a visão violenta


sobre o negro e traz também a questão da degenerescência, pensamento esse
que teve como um dos principais representantes o cientista Nina Rodrigues e
consistia em defender que o cruzamento entre raças humanas diferentes
acarretaria na perda da qualidade da espécie, e que grupos raciais não se
desenvolvem igualmente.
A degenerescência se encontra no campo das teorias raciais e estava
apoiada equivocadamente no pensamento do médico e naturalista inglês
Robert Charles Darwin (1809-1882), que no século XIX provocou grande
revolução no campo da biologia com sua Teoria da Evolução Natural, que
consistia num estudo de evolução das espécies da fauna e da flora sobre a
adaptação ao meio ambiente.
Todavia, alastravam-se interpretações da Teoria da Seleção Natural
como análise do meio social, onde povos que se consideravam civilizados,
acreditavam com suas concepções preconceituosas e racistas que deveriam
dominar outras culturas mais “atrasadas” e assim levar-lhes desenvolvimento e
civilização. Esse foi um movimento que contribuiu com a importação do termo
raça da ciência para sociologia, como forma de reconhecer a hierarquização
das raças.

[...] o conceito de raças “puras” foi transportado da botânica e da


zoologia para legitimar as relações de dominação e sujeição entre as
classes sociais (nobreza e plebe), sem que houvesse diferenças
morfobiológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas
as classes. (MUNANGA, 2004, p. 17).
Sendo assim, o conceito racial desenvolvido pela ciência passou a ser
utilizado para classificar seres humanos e estabelecer as relações sociais de
acordo com a ancestralidade, características físicas dos diferentes grupos,
interferindo também nas relações de classes.
Mesmo com a ciência afirmando que não existe diferença biológica entre
raças, negando dessa forma a superioridade e inferioridade da espécie
humana em relação ao aspecto racial, as estruturas sociais e as relações de
poder seguem exibindo os reflexos negativos dessa teoria.

Segundo Munanga (2004, p.22)

Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo


molecular a raça não existe, no imaginário e na representação
coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda
raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas
como a cor da pele e outros critérios morfológicos. É a partir dessas
raças fictícias ou “raças sociais” que se reproduzem e se mantêm os
racismos populares.

Atualmente o Dicionário de Conceitos Históricos apresenta a existência


de duas ideias sobre o conceito de raça no Brasil. Sendo uma, “[...] que tende a
considerar a inexistência de diferenças raciais, esvaziando a ideia de raça
como conceito [...]”, e a outra, está vinculada ao “[...] imaginário social, para o
qual raça é uma realidade, ainda que o discurso dominante nesse imaginário
seja o da miscigenação” (SILVA; SILVA, 2006, p.346).
O debate racial no Brasil ainda é um tema complexo para ser discutido
mesmo apesar de vir ganhando ampla visibilidade no cenário político,
econômico e social. O enredo ao qual a ideia da miscigenação foi apresentada
a sociedade desde então, vem se atualizando e naturalizando através de
diferentes mecanismos fazendo com que seu efeito se perpetue nas variadas
esferas das relações sociais.
II. III – A formação da Consciência do Povo Brasileiro

Assim como acontece na infância do indivíduo, existem experiências que


provocam danos em nossas estruturas que carregamos por toda vida. Assim, a
leitura realizada até aqui permite perceber problemas sérios desde o inicio da
colonização do país.
O reconhecimento das diferenças inferiorizantes entre índios e negros
em relação ao europeu chancela a valorização do mundo ocidental, forçando o
apagamento desses povos através da negação da própria cultura,

“Os portugueses, sabendo que era impossível mudar as


características físicas desses seres considerados inferiores,
apostaram em provocar mudanças em suas culturas” (MUNANGA,
GOMES, 2010, p. 14).

A presença majoritária de índios, negros e mestiços no território


brasileiro atraia olhares e opiniões negativas provenientes da comunidade
internacional acerca do futuro do país. Acreditava-se que o fato de ser uma
nação composta por um grupo racial considerado inferior, as chances de se
tornar um país desenvolvido e civilizado eram mínimas.
A partir dessa perspectiva surgiu a tentativa de branquear o país através
de leis e de teorias raciais. O Decreto de nº 528, de 8 de junho de 1890, pouco
após a abolição evidencia uma dessas ações ao declarar que:

Art. 1º É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos


indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem
sujeitos à ação criminal do seu país, excetuados os indígenas da
Ásia, ou da África que somente mediante autorização do Congresso
Nacional poderão ser admitidos de acordo com as condições que
forem então estipuladas.( Grifos nossos)

O povo não branco deixou de ser bem vindo ao país quando começou-
se a pensar no Brasil como nação e não como uma terra a ser explorada,
demonstrando o início da historia de exclusão, que vem acompanhando esses
grupos raciais até os dias atuais.
Contudo, a legislação não foi suficiente para alterar a composição da
população, mesmo com estatísticas feitas por estudiosos, como o antropólogo
João Batista Lacerda (1911), que defendia a ideia de que em cem anos já não
existiriam negros e mestiços no país.

O branqueamento da nação foi apoiado na teoria de hierarquização das


raças, tendo o branco ocidental como um projeto de ideal de homem civilizado,
onde quanto mais as características raciais de índios, negros e mestiços são
dissolvidas e assimiladas às do homem branco, melhor sua possibilidade de
alterar posição e relações sociais.
Segundo Bento (2002, p.1),

“Na descrição desse processo o branco pouco aparece, exceto como


modelo universal de humanidade, alvo da inveja e do desejo dos
outros grupos raciais não brancos e, portanto, encarados como não
tão humanos.”

O não reconhecimento de outras culturas e modos de ver o mundo,


apresentando uma forma hegemônica de civilização, reforça a inferioridade dos
grupos raciais não brancos, interferindo na construção da identidade desse
povo e consequentemente da nação.

Ideias variadas foram colocadas sobre a questão racial do país, mas


nenhuma delas estava pautada no princípio de igualdade. Raimundo Nina
Rodrigues (1862-1906), citado anteriormente como autor de obras que
criminalizavam os negros, foi um dos principais nomes nacionais a defender as
teorias racistas europeias, expressando um pensamento eugenista4 e
conservador. Segundo Munanga, “[...] o processo de formação da identidade
nacional no Brasil recorreu aos métodos eugenistas, visando o
embranquecimento da sociedade.” (2008, p.15).

4 Eugenismo: Ideia criada e propagada por Francis Galton, em 1883. Defendia que o conceito

de seleção natural de Charles Darwin, seu primo, também poderia ser utilizado com seres

humanos. Buscava comprovar que a capacidade intelectual era hereditária, justificando dessa

forma a exclusão da população negra, imigrantes asiáticos e deficientes de todos os tipos.


Outro personagem de destaque a disseminar uma teoria sobre a
questão racial no Brasil foi Silvio Romero (1851-1914) que defendia a
contribuição da raça branca no processo de mestiçagem. Contrário à ideia de
degeneração da nação, Romero via na mistura racial um futuro ocidental e
próspero, uma vez que a superioridade branca iria sobrepor às demais raças.

Era preciso solucionar a questão do “problema racial” que estava posto,


se não era possível exterminar ou branquear a pele era preciso branquear a
alma “[...] principalmente pela assimilação dos valores culturais do branco”
(MUNANGA, 2012, p. 38).

O mito da democracia racial foi outra teoria estratégica e eficaz para


solucionar o “problema” racial de branquear o Brasil interna e externamente,
pois, cuidou de harmonizar as relações sociais entre a população, bem como
modificar a imagem e expectativa de desenvolvimento negativa que a
comunidade internacional tinha do país.

[...] a elite “pensante” do País tinha clara consciência de que o


processo de miscigenação, ao anular a superioridade numérica do
negro e ao alienar seus descendentes mestiços graças à ideologia de
branqueamento, ia evitar os prováveis conflitos raciais conhecidos em
outros países, de um lado, e, por outro, garantir o comando do País
ao segmento branco [...] (MUNANGA, 2008, p.75)

Gilberto Freyre (1900 - 1987) sociólogo pernambucano foi um dos


grandes responsáveis por propagar e consolidar o pensamento do mito da
democracia racial. Essa teoria defendia a ideia de que no Brasil não existia
diferenças entre raças e que as relações sociais se desenvolviam em perfeita
harmonia, negando a presença de discriminação.

O mito da democracia racial cumpre o papel de incutir no consciente da


população a integração das raças, corroborando de alguma forma com a ideia
de Romero, no tocante a positividade da miscigenação.
https://oestadorj.com.br/cultura-negra-e-a-mae-da-cultura-ritmica-do-samba-carioca

Numa espécie de negociação, aspectos culturais das raças em outro


momento inferiorizadas, passaram a fazer parte do cenário nacional
harmonioso. O samba, a capoeira, a feijoada e a beleza indígena, foram
incorporados e evidenciados de forma positiva como componentes valorosos
de uma sociedade igualitária que só poderia ser encontrado aqui, no Brasil.

Segundo SCHWARCZ (2012, p. 68),

“[...] nesse movimento de nacionalização uma série de símbolos vão


virando mestiços, assim, como uma alentada convivência cultural
miscigenada se torna modelo de igualdade racial” (grifos nossos).

O mestiço ganha destaque e se transforma em um símbolo de


identidade brasileira, gerando orgulho a população por atrair olhares curiosos
sobre uma sociedade onde raças diferentes convivem de forma pacífica.

Para Carlos Hasemberg (1992), a democracia racial foi uma poderosa


ideologia utilizada para excluir as diferenças raciais do cenário político e
reprimir a demanda dos negros por igualdade.

Já Munanga (2008, p. 77) revela um olhar mais profundo ao destacar a


perversidade dessa teoria a partir do impacto causado na própria consciência
da população não branca, encobrindo sua condição com um discurso de
convivência harmônica.

[...] o mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem


biológica e cultural entre as três raças originárias, tem uma
penetração muito profunda na sociedade brasileira: exalta a ideia de
convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas
sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular
as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não
brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da
qual são vítimas na sociedade.

A propagação de uma ideia de convivência harmoniosa, a exposição


positiva de alguns aspectos culturais e das belezas naturais provocaram em
toda população um sentimento de pertença, impedindo que percebessem que
esse pensamento só garantia a manutenção das posições sociais.

Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala muda o foco das
questões biológicas e se volta à propagação da imagem de mestiçagem
cultural mesmo com a diferença entre as raças.

[...] ao tratar da identidade nacional em termos culturais, Freyre


esvaziou a discussão em torno da desigualdade social e racial,
idealizando uma sociedade sem conflitos, unindo casa grande e
senzala, sobrados e mocambos, escravos e senhores, negros e
brancos, todos formando a unidade nacional. (GERMANO, 1999,
p.45)

Corroborando com Germano (1999), Martins (2017, p.50) afirma que,

“a partir da mestiçagem, dificultou a luta contra a discriminação racial,


pois ao não reconhecer que o Brasil era um país racista, não era
necessário criar mecanismos legais para o combate do racismo. Ou
seja, a convivência cultural miscigenada tornava-se sinônimo de
igualdade racial.”

O movimento agora estava concentrado em unir as diferenças da


população e combiná-las na composição de um cenário harmonioso e não
destacá-las, hierarquizando-as. A igualdade racial de fachada, segundo
Cavalleiro (1998), diminui o cuidado em promover uma “convivência
multiétnica” e propicia um ambiente de tratamento das diferenças subsidiado
no preconceito.

Segundo Meira (2019, p.59)


“O projeto de branquear a nação brasileira, assim como o “mito da
democracia racial”, são vistos, pelos estudiosos, como prejuízo a
todos os envolvidos nesse processo, pois são pilares que originam o
racismo na sociedade brasileira”.

Atualmente mesmo com a exposição da democracia racial de fachada, a


perversidade que ela provoca é visivelmente percebida num olhar superficial
em nossa sociedade, pois continua afastando a ideia da existência da
desigualdade, que assola a população negra, indígena e miscigenada do país,
que continuam ocupando as posições sociais inferiores e tendo oferta de
politicas públicas de baixa qualidade.
UNIDADE III

III.I Tecendo uma nova história

A resistência dos povos negros, indígenas e mestiços não parou nas


teorias e nem em seus mecanismos de naturalização e atualização. Orientados
pelo contexto de politicas públicas percebe-se a evolução no tratamento da
questão racial no país, embora se reconheça que ainda há necessidade de
avançar no tocante a ações de reparação a estes povos.

1950_ 1ª declaração da UNESCO sobre raça na tentativa de esclarecer


cientificamente o que é aceito sobre o conceito de raça e também um repúdio
ao racismo.

1951_Lei Afonso Arinos proibia a discriminação racial no país, a diferença


entre raças.

1970_ Atuação do Movimento Negro para implementação de políticas


públicas de ação afirmativa5.

1980_ Criação dos Conselhos de Participação da Comunidade Negra.

1987 _ Instituiu o Programa Nacional de Abolição da Escravatura.

1988_ Constituição Federal de 1988, art.5º,§42, prevê a prática do


racismo como crime inafiançável e imprescritível.

1989_ Lei 7.716, conhecida como Lei Caó, determinava como crime a
discriminação racial e a intolerância religiosa com prévia penalização.

5
Políticas Públicas de Ações Afirmativas são medidas especiais de políticas públicas e/ou
ações privadas de cunho temporário ou não. Este tipo de ação visa uma reparação histórica de
desigualdades e desvantagens acumuladas e vivenciadas por um grupo racial ou étnico, de
modo que essas medidas aumentam e facilitam o acesso desses grupos, garantindo a
igualdade de oportunidade. Entender de forma ampla e consciente as Ações Afirmativas é
também questionar o passado, efetivar o presente e planejar o futuro de forma consciente.
Disponível em: < https://acoes-afirmativas.ufsc.br>
1990 _ Instituição da Secretaria Estadual de Defesa e Promoção das
Populações Negras; Marcha Zumbi Contra o Racismo.

1995 _ Criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), por Fernando


Henrique Cardoso.

1996 _ Promulgação da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais para


Educação, trazendo no art. 26,§4º, a determinação do Ensino da História do
Brasil, considerando a contribuição das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente os índios, negros e europeus.

2001 _ Conferência de Durban, na África do Sul, no ano de 2001,


promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas), onde o Brasil
participou como signatário6.

2002 _ Programa Nacional de Ações afirmativas; Programa Nacional de


Direitos Humanos II, que inclui medidas de combate à discriminação.

2003 _ Alteração do art. 26 A da Lei de Diretrizes e Base da Educação nº


9394/96, instituindo a obrigatoriedade da historia e da cultura afro-brasileira e
africana no ensino fundamental e médio;

_ Institui ainda: 20 de novembro no art.79b, como Dia Nacional da


Consciência Negra.

_ Organizações das Nações Unidas (ONU), institui 21 de março


como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial.

_ Criação da Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da


Igualdade Racial da Presidência da República.

2004 _ Aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnicos - Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana.

6 País signatário: Quer dizer que a nação subscreveu a algum tipo de manifesto, contrato,
acordo, carta ou outro documento com o qual concorda com o conteúdo apresentado e assina
se comprometendo com o mesmo.
_ Criação da Secretaria de Educação Continuada e Alfabetização e
Diversidade (SECAD).

2008 _ Alteração da Lei 10639/03 pela Lei 11.645/08, incluindo o ensino


da cultura indígena.

2012 _ A Lei 12.711 de 2012, chamada Lei das Cotas, define que as
Instituições de Ensino Superior vinculadas ao Ministério da Educação e as
instituições federais de ensino técnico de nível médio devem reservar 50% de
suas vagas para as cotas.

_ A Lei 12.990/14, reserva de vagas para negros em concursos


públicos.
_ Implantação do serviço 24 horas DISQUE 100, para denuncias
contra direitos humanos e racismo.

O percurso das principais políticas públicas apresentado demonstra os


resultados das lutas em prol dos povos negros, indígenas e mestiços, tendo
como responsáveis ativistas de movimentos sociais, pessoas comprometidas
com a justiça social e garantia dos diretos humanos.

A importância de cada marco é imensurável, mas destaca-se entre eles, a


atuação do Movimento Negro que ocupou o lugar de principal protagonista na
luta pela igualdade e garantia de direitos do povo negro, que ao ressignificar o
conceito de raça no Brasil como uma construção social, consegue segundo
Gomes (2012):

(...) indagar a própria história do Brasil e da população negra em


nosso país, constrói novos enunciados e instrumentos teóricos,
ideológicos, políticos e analíticos para explicar como o racismo
brasileiro opera não somente na estrutura do Estado, mas também na
vida cotidiana das suas próprias vítimas. Além disso, dá outra
visibilidade à questão étnico-racial, interpretando-a como trunfo e não
como empecilho para a construção de uma sociedade mais
democrática, onde todos, reconhecidos na sua diferença, sejam
tratados igualmente como sujeitos de direitos. (GOMES, 2012, p.
731).

A perspectiva de reinterpretar a questão étnico-racial como um trunfo


inaugurado pelo Movimento Negro e sua articulação política junto a outros
atores que se sensibilizavam pela causa, acarretou no aumento da visibilidade
a esse debate, possibilitou o inicio de um processo de reconhecimento à
contribuição do povo negro na formação da nação e expôs a incidência
negativa da forma como a questão racial vinha sendo tratada, na vida, no dia a
dia dessa população, como afirma Gomes a seguir:

Ao politizar a raça, esse movimento social desvela a sua construção


no contexto das relações de poder, rompendo com visões distorcidas,
negativas e naturalizadas sobre os negros, sua história, cultura,
práticas e conhecimentos; retira a população negra do lugar da
suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta
afirmativamente a raça como construção social; coloca em xeque o
mito da democracia racial. (GOMES, 2012, p.731).

Colocar em xeque o mito da democracia racial e toda perversidade que


se confere a sua apropriação está sendo fundamental para ampliação dos
debates que permeiam as questões raciais como construção da identidade,
empoderamento, representatividade, pertencimento e outros desdobramentos
provocados por sua ampla expansão e efetividade.
Assim como o Movimento Negro, a Conferência de Durban, na África do
Sul, no ano de 2001, promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas),
foi essencial, pois, reforçou as condições para implementação de ações
afirmativas no âmbito das políticas educacionais e práticas escolares.
Neste evento o Brasil apresentou a proposta de um programa de cotas
para estudantes negros nas universidades públicas brasileiras e gerou muita
controvérsia. Apesar disso, a chamada “Declaração de Durban” motivou
diversas ações aqui no Brasil, sendo uma delas a inclusão do critério de
autodeclaração de cor/raça nas entrevistas do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE).
A Lei, n°10.639 promulgada em 9, de janeiro de 2003, que tornou
obrigatório o ensino da História da Cultura afro-brasileira, bem como de História
da África e dos Africanos, nos estabelecimentos de ensino públicos e privados
no Brasil, foi resultado dessa articulação.
A promulgação da lei 10639/03, tornou a LDB/96 a primeira Lei de
Diretrizes e Bases brasileira a incorporar a questão racial e é a partir desse
aporte legal que as variadas iniciativas para implementá-la ganham lugar no
espaço escolar. Formação de professores para diversidade étnico-raciais,
formulação e distribuição de materiais didáticos, projetos educativos, fóruns e
debates relacionados ao tema são ações que ajudaram na realização dessa
etapa.
A Lei 10.639/03 objetiva provocar uma alteração no sentido e na
concepção da escola vigente, para Gomes (2007, p.106) ela projeta uma “ação
específica voltada para um segmento da população brasileira com um
comprovado histórico de exclusão, de desigualdades de oportunidades
educacionais e que luta pelo respeito à diferença”.
Em 10 de março de 2008, a Lei 11.645/08 altera a Lei 10.639/03,
incluindo o ensino da cultura indígena em seu texto, visando reconhecer e
valorizar esse outro grupo por sua contribuição histórica econômica e cultural,
assim como a do negro apagada pelo currículo etnocêntrico. É o que aponta o
parágrafo 1 do artigo 26-A da lei 11.645/08:

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos,
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional,
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008.).

Certamente essa legislação é um marco que fortalece a representação


da questão étnico-racial nos currículos e programas de ensino. A euforia dessa
conquista no âmbito da legislação escolar se justifica a partir de estudiosos que
afirmam ser este um poderoso território de disputa e de poder.
Santos (2011, p.9) afirma que o “currículo e seus dispositivos de poder
e controle” é uma das principais estratégias para que as heranças culturais dos
afro-brasileiros sejam silenciadas e privilegiando o modelo de civilização
ocidental com o objetivo de “preservar nossa ascendência europeia”.
Segundo Sacristán (2001, p.147), “o currículo reflete o conflito entre
interesses dentro de uma sociedade e os valores dominantes que regem os
processos educativos”.
Corroborando com ambos, Cavalleiro (2003) enfatiza a escola como
reprodutora do silêncio social sobre a temática racial, atuando dessa forma
como mantenedora dos mecanismos de exclusão e discriminação racial.
Arroyo (2011) em sua obra intitulada “Currículo Território de Disputa”,
sinaliza novos comportamentos que tem interferido na produção e organização
dos currículos das instituições. Novamente a participação dos movimentos
sociais aparece protagonizando o que Arroyo (2011) denomina “novidade”.
Segundo o autor, primeiramente os movimentos vem pressionando a
escola para que suas narrativas sejam contempladas no currículo oficial.
Posteriormente destaca a mudança de entendimento dos movimentos no
sentido de que a afirmação social como sujeitos de direitos não se faz
unicamente via escola, mas também na ocupação de outros espaços,
produzindo dessa forma conteúdo, resultado das lutas para que componha o
currículo oficial.

Aprofunde seu aprendizado!

Assista também ao vídeo:

Vídeo: A obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e


indígena - Brasilianas.org - Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=_QE6ppxk0vQ>
III-II Fios para nova história
“Numa sociedade racista NÃO basta não ser racista é necessário ser
antirracista” Ângela Davis

Na direção de outra faceta da história de constituição da nação, visando


considerar a contribuição e valorização dos povos negro, indígena e mestiço
nesse processo, a proposta de uma educação antirracista desponta para além
de uma orientação pedagógica como uma nova postura que reflete uma
concepção mais democrática de vida em sociedade.
Um marco legal regulatório como a Lei 10.639/03 por si, a presença da
questão racial nas propostas pedagógicas e o aumento da produção literário-
didática, dentre outros, não é suficiente para alcançar o que realmente se
deseja como proposta de uma postura antirracista.
Entende-se por essa postura crenças, políticas, movimentos, ações que
se opõem ao racismo, cujo principal objetivo é contribuir para que as pessoas
não tenham que enfrentar discriminação com base na raça e vivam numa
sociedade que promove e respeita a igualdade.
Para uma prática antirracista efetiva faz-se necessário superar o desafio
de descolonizar o currículo que perpassa, principalmente, por romper com o
silenciamento praticado nos espaços escolares. Segundo Gomes (2012, p.105)

[...] a discriminação racial se faz presente como fator de seletividade


na instituição escolar e o silêncio é um dos rituais pedagógicos por
meio do qual ela se expressa. Não se pode confundir esse silêncio
com o desconhecimento sobre o assunto ou a sua invisibilidade. É
preciso colocá-lo no contexto do racismo ambíguo brasileiro e do mito
da democracia racial e sua expressão na realidade social e escolar. O
silêncio diz de algo que se sabe, mas não se quer falar ou é impedido
de falar.

A autora continua afirmando que esse silêncio precisa ser indagado na


busca de saber o motivo pelo qual não se fala. E destaca a importância dessa
ação, pois, ao falar o “outro” é questionado e provocado a pensar, discutir e se
posicionar sobre o assunto.
Para Gomes (2012) a promulgação da Lei 10.639/03 abre a
possibilidade de romper com as estruturas no campo “curricular e
epistemológico”, inaugurando um diálogo intercultural. Em sua visão romper
com o silêncio na perspectiva desse diálogo é o primeiro desafio para uma
educação antirracista.
Outro desafio posto seria a formação de professores, rompido o silêncio
e a visibilidade, o desconhecimento da temática na perspectiva de uma
educação antirracista tem sido amplamente questionado pelos movimentos
sociais, com o objetivo de desconstruir estruturas que subsidiam práticas
engessadas, que não criticam a realidade, não fazem uso do dialogo
intercultural, não produzindo dessa forma uma educação democrática.
A importância da mudança de postura da escola em relação ao tipo de
educação ministrada aos seus sujeitos se ancora no fato da instituição escolar
ser um espaço importante de construção do conhecimento na perspectiva da
valorização e reconhecimento das três raças que originaram nossa sociedade.
Candau (2003, p. 24) afirma que “[...] o cotidiano da escola é palco de
diferentes relações sociais e reflete a diversidade cultural presente na
sociedade [...]”, sendo assim é também o espaço onde as primeiras
discriminações são expostas. É na escola que o sujeito lida de frente com os
estereótipos inferiorizantes que marcam os fenótipos e a cultura não branca, a
falta de representatividade e o silenciamento através de um currículo
etnocêntrico, que insiste em sobrepor um tipo de cultura, inferiorizando outras.
O conhecimento sobre as relações étnico-raciais era adquirido a partir
da participação em movimentos sociais ou eventos ligados a instituições fora
do espaço escolar. Hoje com a legislação vigente tem se a oportunidade de
evidenciar essa nova ideologia nos palcos da escola, através dos livros e
publicações que já atualizaram o conteúdo para a perspectiva de educação
antirracista, filmes, documentários, debates, teatros e tantas outras estratégias
que são comuns no âmbito da escola.
Nesse contexto, o professor ocupa um papel fundamental, segundo
Meira (2019), a formação dos professores aparece como objeto das principais
pesquisas sobre a temática e mesmo quando a pesquisa contempla outro
recorte dentro do tema racial, a importância da formação dos professores
aparece como pano de fundo. Frente essa demanda várias ações foram
organizadas para implementação efetiva da Lei 10.639/03 nas escolas.
Em 2004 foi homologada e publicada as Diretrizes Curriculares
Nacionais Para o Ensino das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da
Historia e da Cultura Afro-brasileira e Africana (DCNERER), documento
orientador das práticas pedagogas de ensino, contendo informações
importantes sobre este conteúdo e sobre o histórico que justifica a criação da
Lei 10.639/03.
O documento traz em seu texto a perspectiva de ação
da escola, bem como ressalta a importância desse espaço
como sendo propício para “a educação das relações étnico-
raciais que impõe aprendizagens entre brancos e negros,
trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto
conjunto para construção de uma sociedade justa, igual,
equânime” (Brasil, 2004, p.15).
Toda sua estrutura se baseia na construção de uma identidade nacional
heterogênea, buscando garantir o reconhecimento de todos os que
contribuíram para a formação da nação, o conhecimento e desconstrução das
teorias raciais, revelando como se reverberam até hoje no inconsciente
imaginário nacional.
Para orientar a construção de ações na perspectiva da educação
antirracista ou educação para as relações étnico-raciais, o documento explicita
alguns princípios a serem observados:
- Consciência política e histórica da diversidade;
- Fortalecimento de identidades e de direitos;
- Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações.
Nos desdobramentos de cada principio é notável o convite à mudança
de postura, dos modos de pensar e conceber a realidade de nosso país, não só
por parte de indivíduos, mas também das instituições.
Associado as DCNERER foi elaborado sob a coordenação da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), o Plano
Nacional para Implementação das Leis 10639/2003 e 11645/2008, tendo a
“finalidade intrínseca a institucionalização da implementação da Educação das
Relações Etnicorraciais, maximizando a atuação dos diferentes atores por meio
da compreensão e do cumprimento das” referidas legislações (Brasil, 2009,
p.16), visando auxiliar dessa forma no enfrentamento dos desafios encontrados
na etapa de implementação.
Muitas ações direcionadas aos diferentes níveis de ensino foram
ofertadas como politicas públicas afirmativas como exposto a seguir:

[...] formação continuada presencial e a distância de professores na


temática da diversidade Etnicorracial em todo o país, publicação de
material didático, realização de pesquisas na temática, fortalecimento
dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEAB`s) constituídos nas
Instituições Públicas de Ensino, através do Programa UNIAFRO
(SECAD/SESU), os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e
Diversidade Etnicorracial, a implementação da Comissão Técnica
Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à
Educação dos Afrobrasileiros (CADARA), as publicações
específicas sobre a Lei dentro da Coleção Educação Para Todos, a
inserção da discussão inclusão e diversidade como um dos eixos
temáticos da Conferência Nacional da Educação Básica, a criação do
Grupo Interministerial para a realização da proposta do Plano
Nacional de Implementação da Lei 10639/03, participação
orçamentária e elaborativa no Programa Brasil Quilombola, como
também na Agenda Social Quilombola, participação na Rede de
Educação Quilombola, além de assistência técnica a Estados e
Municípios para a implementação das Leis 10639/2003 e 11645/2008
[...] (Brasil, 2009, p.21-22).

Demais ações como ampla distribuição de cartilhas das DCNERER,


disponibilização do livro Orientações e Ações para Educação das Relações
Etnicorraciais, publicado pelo MEC/SECAD em 2006, O Programa Diversidade
na Universidade, a oferta de formação continuada presencial de professores e
educadores organizada pelo Programa UNIAFRO, coordenado pelos Núcleos
de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), distribuição de títulos da coleção títulos da
Coleção Educação para Todos (SECAD/UNESCO). Destaque para o programa
A Cor da Cultura, muito acessado por educadores, desde 2004 produz e
divulga produtos audiovisuais, ações culturais e coletivas que visam práticas
positivas, valorizando a história sob a perspectiva de uma proposta de
educação afirmativa.

Disponível em <http://www.acordacultura.org.br>

Todas essas ações e muitas outras que não foram citadas aqui
compõem o plano responsável pelo largo espaço que a questão étnico-racial
vem alcançando nos debates políticos, econômicos e sociais e sua ampla
visibilidade nas mídias e propostas educativas.
A luta por esse debate é tão complexa que mesmo com toda exposição
da produção teórica e cultural em favor do reconhecimento da população
negra, indígena e mestiça, a perversidade das ideologias raciais atuam no
consciente da população que percebe a questão sendo amplamente exposta e
atribuem essas importantes conquistas ao de que “ser preto está na moda”.
III.III – Considerações Finais

Uma das principais conclusões que podemos chegar é sobre o tamanho


do desafio que a sociedade brasileira ainda tem para tentar reparar os danos
causados pelo longo processo de exclusão e privação dos direitos da
população indígena, negra e mestiça. As mazelas causadas a esses povos
oriundas da forma a qual foram inseridos no processo de colonização,
reverberam sobre sua situação econômica, política e social até os dias de hoje.
A dominação e extermínio dos povos indígenas, o controle e exploração
de suas terras, são batalhas presentes no cotidiano, demonstrando resquício
de um pensamento presente no consciente da elite pensante do Brasil desde o
inicio de sua constituição. Os mecanismos de dominação se atualizam na falta
de políticas públicas de proteção, conservação, programa de saúde e
educação específicos para o efetivo atendimento à população e principalmente,
a ameaça e exploração de terras demarcadas, gerando conflitos violentos e
banho de sangue.
Quanto aos descendentes dos africanos, que foram escravizados e
trazidos ao Brasil, continuam sendo perseguidos e vitimados em guerras
justificadas pela violência de um sistema que criou no consciente da sociedade
a imagem estereotipada do negro criminoso, com baixa capacidade intelectual
e aparência estética inferior por suas características fenotípicas diferentes.
As teorias raciais do branqueamento e do mito da democracia racial
ainda estão presentes e provocam efeitos substanciais na vida desses povos,
bem como dos miscigenados. O racismo instaurado nas estruturas sociais do
país se reverbera em variadas situações do cotidiano, naturalizadas e
atualizadas por mecanismos que acompanham a evolução dos tempos.
A permanência do discurso de igualdade racial de fachada ganha força
quando os próprios discriminados, sob influência do pensamento coletivo
incutido pelas teorias raciais, não se reconhecem como vítimas de um sistema
excludente que culpabiliza o individuo por não conseguir alterar sua posição
social, enfraquecendo dessa forma a consciência política necessária para a
luta por igualdade.
Contudo não podemos deixar de reconhecer importantes conquistas
alcançadas a fim de superar e desconstruir essa realidade constituída a partir
de uma imagem de subalternação e falta de oportunidades, graças às lutas e
enfrentamentos protagonizados pelos movimentos sociais, em especial o
movimento social negro e os demais atores sociais comprometidos com a
causa da justiça social.
A ressignificação do conceito de raça biológica para um conceito
cunhado a partir da ideia de raça como uma construção social foi um
importante passo para fortalecer o pensamento sobre a base racista presente
na estrutura de nosso país, forçando uma abertura na agenda para elaboração
de políticas de afirmação.
A inclusão da temática racial contemplada pelas Leis 10.639/03 e
posteriormente pela 11.645/08, como obrigatoriedade nas escolas de ensino
fundamental e médio e também a inclusão da temática nos cursos de formação
de professores, foi outra conquista em larga escala para a luta em favor do
reconhecimento e valorização da contribuição de todas as culturas no processo
de constituição da nação.
As referidas legislações inauguram o conhecimento da realidade
apagada pelos currículos hegemônicos que contemplavam somente conteúdos
que elegiam a civilização europeia branca como modelo de sociedade. Lança
luz a história de negação da cultura, da religiosidade e da ancestralidade dos
povos negros e indígenas, provocando a sociedade a refletir e se posicionar
frente à questão racial.
Outro aspecto importante resultante da promulgação das Leis 10.639/03
e 11.645/08 é a proposta concreta de uma educação antirracista na perspectiva
de combater o silenciamento do ensino da temática racial nas instituições,
trazendo consigo a expectativa de que ao se inteirar dos novos conhecimentos,
os professores possam apresentar uma mudança de postura no tratamento do
combate ao preconceito e ao racismo.
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