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Cathg C,4tatg do OQascilnento

Mário José MaestroFilho

e Brasil-História -- Vol. 1 -- Colónia -- .4. A4endeslr., n.


garanhão e L. Roncari {orgs.)
e Brasil-História -- Vo1. 2 -- Império =- .4. /vendes Jr., n.
Maranhão e L.. Roncari {orgs.)
e História da Agricultura Brasileira -- E/anc&co Ca//os t da S#ra
e Mana Yedda Linhares
e Preconceito Racial no Brasil-Colónia -- /14,Z.u8a t Carnes'a O ESCRAVO GAÚCHO
+ Ser Escravo no Brasil -- Xátü de Oueã'oz A4affoso Resistência e trabalho
Colação Primeiros Passos
B O que é Capoeira Almir das Areias
e O que é Racismo Joel Rufião dos Santos
e O que é Umbanda - Patrícia Barman

Colação Tudo ó História


e A Abolição da Escravidão -- Sue/)rn. Re& de Oue/roz
B A Afro-América: A Escravidão no Novo Mundo -- C»o
Flamarion Cardoso
B A Crise do Escravismo e a Grande Imigração -- P. Belbae/ma/7
e Os Liberais e a Crise da República Velha -- P. G.E UZzenlzn/
e A Proclamação da República -: rosé En/o Casa/eccó/
e Os Quilombos e a Rebelião Negra -- C/3id#/b#oura
B Reforma Agrária no Brasil-Colónia -- Z.eopo/do Joózm

Colação QuaIE
e Questão da Negritude -- Zlá Bernd
Colação Encanto Radical
B Cruz e Souza -- O Negro Branco -: /bu/o Z.eminskf
1984
(;l3pyrzk#f© Mârio José MaestroFilho
Szzbedlforlada co/eçâb: Lilia Moritz Schwarcz

Capa.
Miguel Parva

Revisão.:
José W. S. Morais

ÍNDICE

Introdução 7
Africa, América, Escravismo 9
O nascimentodoBrasilMeridional 23
Economia e escravismo no Rio Grande do Sul 39
Escravidão e resistênciano Rio Grande do Sul S5
Conclusão 88
Indicações para leitura . . 91

editora brasiliense s.a.


01223 -- r. general jardim. 160
são paulo -- brasil
INTRODUÇÃO

O caráter escravista de nosso passado pré-Abo-


lição tem sido reconhecido e estudado detidamente
nos últimos anos. Nas ciências sociais brasileiras. o
escravo começa a deixar de ''ocupar na hierarquia
teórica o mesmo lugar subordinado que ocupara na
hierarquia social objetiva'' (Gorender, 1978:15). A
escravidão do açúcar, do café e da mineração foram e
são objeto de minuciosos estudos. Inicia-se um de-.
tido estudo da instituição nas próprias regiões onde o
escravismo conheceu uma menor dinâmica.
Este pequeno ensaio procura delinear os traços
gerais do escravismoem uma região até hâ pouco
tida como exclusivoproduto do trabalho livre: o Rio
Grande do Sul. Por problemasque não é possível
Para LuasMota aqui discuta', a presença do negro escravizado du-
e Laurent Monnier; rante o século e meio de escravismo gaúcho foi quase
desconhecida. Como se os ''casais lusitanos'' e os
para meuspais,
M. aria e Lojita.
8 Mêdo José MaestroFilho
Ç
imigrantes ítalo-germânicos tivessem então sido os
únicos construtores do Brasil meridional.
Sem qualquer pretensão a definir a contribuição
do cativo à dinâmica da antiga formação social gaú-
cha, privilegiamos o enfoque do negro trabalhando e
resistindo. Entendemos que foi essencialmente assim
que ele contribuiu à nossa história. Procuramos
igualmente sugerir o contexto africano e colonial que
enquadraram o escravismo gaúcho. Avançamos so- ÃFRICA, AMÊRICA, ÉSCRAVISMO
mente os pressupostos gerais da crise da escravidão,
pois sua discussão extrapola os limites deste trabalho
e os nossos recursos. O processo civilizatório africano

A história do homem na Ãfrica é tão velha quan-


to a da Humanidade.No atual estágiodo conheci-
mento científico, sugere-se o Continente Negro como
o possível berço do gênero humano. E ali que se
encontraram os mais antigos e variados espécimes
hominídeos fossilizados. Avança-se como possível da-
tação para os fragmentos mais recuados a vertiginosa
idade de 14 milhões de anos. Sobre estes nossos
predecessoresremotos, não temos informações rela-
tivas à Cor epidérmica.
Os primeirosvestígiosda raça negra no conti-
nente africano foram datados para épocas muitís-
simo mais recentes. Divergem ainda hoje os especia-
listas sobre a origem africana ou "está'angeira'' da
raça negra. Aceita-se, porém, que as raças negra e
À
khoisana já dividiam plenamente aquele habitat,
há mais de 10000 anos. Estes povos praticavam for-
11
10 Mârio rosé Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho

úas mais ou menos complexas de economias tribu- ticas. A agricultura apoiava-se na posse coletiva da
tárias à natureza (caça, pesca, roleta) . terra e na sua exploraçãofamiliar e/ou associada.
Em época ainda não precisada -- talvez entre Nesta atividade, a energia fundamental era a hu-
9000 e 5000 anos atrás .-- negro-africanos, nas sa- mana (combinada com o fogo) e os principais instru-
vanas sudanesasou no então mais benignoSaara, mentos de trabalho, em ferro, simples. A técnica
deram passo essencial na História: inventaram a agrícola de base era a agricultura itinerante e exten-
agricultura e tornaram-se produtores de alimentos. diva
V
Sobre a metalurgia africana do ferro, outro avanço A produção artesanal aldeã trabalhava o ferro, o
histórico fundamental, também não estão de acordo couro, a madeira, o marfim, etc. O artesanato,vol-
os especialistas. Uns apontam-na como tributária de tado principalmente para as necessidades da comu-
uma influência estrangeira, outros defendem uma nidade lugarqa, produzia níveis variados de exce-
autoctonia africana. Registra-se, porém, uma prá- dentes que permitiam uma importante pratica mer-
tica metalúrgica,velha de 2000 anos, em Nok, na cantil local, regional e internacional. Em regiões sin-
atual Nigéria, e, após esta data, o início de sua difu- gulares da Ãfrica, quando do contato com os .euro-
são no Continente Negro. peus, conhecia-sejâ üma atividade artesanal orien-
Nos primeiros séculosda era cristã, em vastas tada exclusivamente à comercialização.
regiõesda Ãfrica aó sul do Saara, comunidadesne- A organização social de base destas comunida-
gras praticavam uma agricultura itinerante assen- des era a família extensa, constituída pelo patriarca,
tada sobre a metalurgia do ferro, conheciam o pasto- pelo grupo familiar de seus descendentese, muitas
reio, exerciamum artesanatocrescentemente
refi- vezes, por distintas categorias de ''agregados". Estes
nado. Estas comunidadesde agricultorese artesãos últimos eram membros de famílias em extinção, ''re-
expandem-se através do continente adaptando-se e fugiados" de outras comunidades ou, simplesmente,
dominando os diferentes habitats. Quando da che- cativos comprados. Os :"agregados'' -- principal-
gada dos europeus à costa ocidental africana, o Con- mente os ex-cativos -- foram identificados pelos eu-
tinenteNegro conhecia, ao lado de povos vivendo ropeus a escravos. Ainda hoje o são por inúmeros
ainda economias paleolíticas, formações sociais de cientistas sociais. Apesar de os cativos associados a
significativa riqueza e poder que mantinham relações uma família extensaviverem situação económico-so-
económicas e diplomáticas internacionais. cial subalterna,este sfafzisnão pode ser definido
.No final do século XV, viviam fundamental- como escravidão, seja colonial ou patriarcal.
mente nb Continente Negro sociedades organizadas a O africano ''agregado'' a uma família extensa
partir de uma produção agrícola e artesanal domés- não podia ser vendido, participava efetivamentedo
12 Mârio José MaestroFilho 1 0 Escravo Gatíc#o.' Resistência e Tuba/ão 13

grupo segmentârioe o excedenteque tinha de pro- por inúmeras regiões da Ãfrica. Ao contrário do
duzir era delimitado consuetudinariamente. Em três continente bárbaro e misterioso que por décadas fo-
ou quatro gerações, o descendente de um cativo evo- mossugerido, hoje podemos entrever o rico processo
luía à ''cidadania''plena. Uma ou mais famílias ex- civilizat6rio que a Ãfrica Negra conhecia e o passo
tensas constituíam uma comunidade aldeã de agri- histórico decisivo que se aprestava a dar no momento
cultores e artesãos. Diversas aldeias podiam formar preciso em que os primeiros comercianteseuropeus
uma pequena ''cheferia'' e esta, o embrião de um aportaram em suas praias oferecendo preciosas mer-
pequeno Estado. cadorias.. Estes recém-chegadosbuscavam especia-
E comum a compreensão das sociedades negro- rias e, principalmente, homens para serem escravi-
africanas como realidades em equilíbrio, imóveis no zados no além-mar. Realidade que lança estocada
tempo e no espaço, reproduzindo invariavelmente as mortal no mais que milenar pl?)cesso histórico ascen-
dente negro-africano.
mesmas práticas culturais. A Etnologia e a Antropo-
logia já foram tidas, ao contrário da História, como
as ciências próprias à descrição destas ''estruturas''
sociais. Entretanto, a moderna Historiografia tem- América Colonial e tráfico negreiro
nos explicitado um riquíssimo e complexo processo
histórico em pleno desenvolvimentonaquele conti-
nente no momento da chegada dos europeus. Na América, o Brasil foi o país mais acabada-
No século XVI, o império de Songaí, esten- mente escravista. Durante mais de 300 anos, a pro-
dendo-seda costa atlânticado atual Senegalaté os dução servil foi o pilar de nossa sociedade. A coesão
territórios do hodierno Níger, era um 6timo exemplo do regime negreiro nacional permitiu que o Império
desterico. passado histórico. Herdeiro do reino de conquistasseo triste laurel de último país a abolir a
Ghana e do império de Mail, Songaí controlava as escravidão no continente. A própria origem de nossa
ricas rotas transaarianas que enviavam ouro e outros formação social assentou-se solidamente sobre o es-
produtos para os mercados internacionais. Para cravismo.
Tombuctu, uma de suas principais cidades, viajavam A gênese da escravidão colonial já foi explicada
letrados muçulmanos a fim de lecionarem em suas como devendo-se à falta de braços europeus para o
escolas alcoranistas e estudarem em suas bibliote- esforço colonizador ou à incapacidade do europeu de
cas trabalhar sob clima tórrido. A crítica historiográfica
Sem alcançar o esplendore poderio de Songaí, destas concepções já foi feita. Carentes de terras,
outras formações africanas desenvolviam-sepujantes camponeses e servosmorriam de fome na Europa dos
14 Mârio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 15

tempos da colonização; hoje se sabe que as variantes


raciais são ínfimas e superficiais. Elas não intervêm e
e
na adaptabilidade humana -- cultural e técnica -- à
produção em qualquer condição geoclimática. $

q
>

As razões da opção escravista colonial foram


económicas e históricas. A expansão europeia deu-se 8
sob o contexto mercantil. Procurava-se produtos que :

pudessem ser vendidos na Europa de então. A génese


>.

do Brasil colonial: é um bom exemplo das consequên- S


3
cias desta realidade. Sem população com nível civili- S
zat6rio permitindo a produção de mercadorias colo; b
dais, nosso litoral é simplesmente desdenhado. Com 8
a colaboraçãovoluntária ou não das populações au- 8
tóctones, apenas se explorava o pau-brasil; pele e
;=

3
animais exóticos, assim como algumas espécies vege- QÉ
tais. Os lusitanos demoravam-se nas praias brasílicas 3
:

S
o escassotempo necessárioà produção, acumulação >.

U
e embarque destes produtos. ê
Com a descobertadas excepcionaiscondições d

dos solos da orla atlântica da nova terra para a


produção açucareira, a cobiça cresceu. O açúcar era .$
B
produto valiosíssimo para os interesses mercantis de R
então. O mundo senhorial lusitano -- que já prati- 0
cava, em média escala, a produção do açúcar nas E
ilhas atlânticas -- dominava a técnica, os mercados e 8
as infindáveis terras. O único problema éra a mão- 8
de-obra. B
E
Era difícila utilizaçãona Américada ''peão' B

E
>

lusitano. A produção açucãreira colonial, para ser


rentável, exigia a extração de alto nível de trabalho 6
16 M.ária rosé Mlaestri Filho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 17

excedente. Ou seja: muito trabalho e pouca remune- indígenas, o simples aprisionamento ou as ''guerras
ração para o trabalhador. O camponês lusitano que justas'' supriram as necessidadesiniciais. Esta ''pro-
labutava oprimido pelos encargos que gravavam a ter- dução'' de trabalhadores escravizados logo mostrou
ra senhorial na Península Ibérica dificilmente aceita- suas contradições.A extraçãode pau-brasil, peles,
ria viver situação idêntica ou pior em terra estranha e drogas, etc. rendia bons cabedais à Coroa. Ela era
''selvagem''. E se aqui chegava, iludido ou forçado, feita, através do escambo, utilizando-se o trabalho
sempreIhe era possívelabandonar as plantações se- livre dos indígenas. Boa parte dos géneros de subsis-
nhoriais e dedicar-se a uma economia de subsistên- tência consumidos nas primeiras aldeias e fazendas
cia. A simplesposse precária de uma nesga das infi- da Colónia provinha dos roçados ameríndios.
nitas terras americanas era-lhe preferível ao trabalho A crescente necessidade de braços para a pro-
necessariamente estafante e mal remunerado nas fa- dução açucareiro e, portanto, a crescente redução de
zendas coloniais. O trabalho compuls6rio realizado aborígenes à escravidão desorganizavam e compro-
sob coação física apresentava-se como o único então metiam a ocupação lusitana da nova colónia. Os
compatível com os objetivos da acumulação colo- indígenas internavam-se nos "sertões''; decresciam o
mala escambo e as rendas da Coroa; sobrevinha a fome
A escravidão subsistiu ao fim do Império Ro- entre os lusitanos. As fazendas e aldeias mais despro-
mano do Ocidente. Na realidade, ela vicejou como tegidas começavam a ser arrasadas pelas comuni-
instituição social secundaria durante todo o feuda- dades indígenas temerosas do cativeiro. A solução
lismo europeu, principalmente na Europa mediter- encontrada foi lançar mão do cativo africano.
rânica. A ''Reconquista'' cristã da Península Ibérica Para os colonizadores, era mais vantajosoescra-
deu novo fôlego à pratica escravista: muçulmanos e vizar o africano. Este, embarcado na Africa em um
cristãos escravizavam-se reciprocamente sem pejo. O tumbeiro, chegava à América depois de uma viagem
''cativo'' africano foi um dos produtos que os lusi- tenebrosaque o dilacerando, física e psicologica-
tanos buscavam na Ãfrica Negra. Nas ilhas lusitanas mente. o introduzia e amoldava no ''ser escravo''
do Atlântico, os .portuguesesproduziam açúcar com Escravizado em üma terra que não conhecia, o afri-
mão-de-obra escrava antes de faze-lo no Brasil. Era cano era mais facilmente dominado. Havendo na
lógica a ''solução escravista'' para o problema da Ãfrica um contingente populacional significativa-
mão-de-obra a ser utilizada no Brasil. mente superior ao dos indígenas americanos, os
Os primeiros homens escravizados nas planta- ''plantéis" podiam ser reconstituídos com uma popu-
ções açucareiras lusitanas da América foram ame- lação culturalmente ''heterogénea" e, portanto, mais
ríndios. O escambo de cativos com as comunidades ''confiável''
18 Mârio rosé Mlaestri Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 19

Outro fator justificava a substituição do indí- Escravismo colonial


genapelo africano como escravocolonial. Trocando,
na Ãfrica, produtos manufaturados por homens ca- A América escravistanasceudã convergênciade
tivos, e, na América, estes por mercadorias colo- três grandes circunstâncias históricas: o interesse
niais, as classes dominantes metropolitanas apro- mercantil pela produção de mercadorias coloniais, as
priavam-se mais facilmente das riquezas aqui produ- exigências desta produção no ''Novo Mundo'' e a
zidas. Os senhores de engenho e outros estratos senho- facilidade da extração de homens escravizados da
riais retinham somenteuma pequena parcela dos Ãfrica. Por mais de três séculos,a 'produçãoda ri-
valores criados pelos escravos negros. A partir do fim queza colonial nestas regiões deu-se essencialmente a
do séculoXVI, o negro escravizado constituiu o fun- partir da exploraçãodo trabalho do negro escravi-
damental da mão-de-obra escrava no Brasil. zado.
A América conheceuum modo de produçãohis-
Nos séculos XVI, XVll, XVlll e XIX, o tráfico toricamente novo -- (i escravismo colonial. A escravi-
negreiro surgiu como meio essencial de as metrópoles dão americana não constituiu mero renascimento da
apropriarem-sedas riquezas produzidas nas Améri- instituição greco-romana. Isto era impossível. O es-
cas. Nas costas africanas, feitorias, castelos, fortes e cravismo clássico permaneceu essencialmenteuma
''presídios'' foram levantados pelos negreiros euro- forma de economia natural. Ele produziu para suprir
peus para obter homens escravizados. Tarefa facili- as necessidades do ofkoi grego ou da/ami/fa romana
tada pela preexistência à chegada dos europeus de -- ou seja, as necessidades de consumo do grupo
uma circulação e comercialização de ''cativos''. O
social organizado em torno de um ''senhor" (fami-
homem escravizado tornou-se o principal meio para
liares, servos, agregados, escravos) .
a aquisição dos desejados produtos europeus, e pode- Na Grécia de Péricles, a maioria dos cidadãos
rosos reinos africanos escravizadoressurgiram na
costa ocidental. Durante quatro séculos -- um quin- possuía um lote de terra. Estes lotes ultrapassavam
to da era cristã! -- de 9 a 15 milhões de'homens e raramente os 30 hectares. No fim da época clássica, a
propriedade média ateniense variava entre três e cin-
mulheres foram arrancados do Continente Negro. Vi-
co hectares. Neste contexto, eram raros os escravos
víamoso início da produção do hoje chamado ''sub-
dedicados exclusivamente à agricultura. IJm agri-
desenvolvimento africano''. Vivíamos também a gé-
cultor pobre não possuía escravos. Um remediado,
nese de um novo mundo construído, em sua parte de dois a quatro. Quem tivesse dez, era considerado
essencial, a partir do esforço do homem negro escra- rico
vizado.
Sequer no Império, quando conhecemos uma
20 Mano José Mlaestri Filho
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 21

produção escraviita agrária claramente mercantil e


especializada, a pratica agrícola dominante era lati- cialmentepara a produção mercantil de génerosco-
loniais. Esta esfera -- e não a natural -- era a domi-
fundiária e extensiva. A vf//a romana, ligada ao mer-
nante. Daí o caráter extremamentemais ''voraz'' do
cado e essencialmente escravista, era, em geral, uma
escravismo moderno em relação ao clássico.
exploração média ou pequena onde se praticava uma A atividade escravista colonial perseguiu a pro-
agricultura vinicultora e oleicultura intensivas. Neste dução crescentee a baixo custo de mercadorias a
então, as explorações servis de subsistência domina- serem consumidas na Europa (açúcar, fumo, metais,
vam. Os próprios limitados meios de transporte da preciosos, etc.). Os escravistas americanos, impossi-
época inibiam o desenvolvimento da produção escra- bilitados de monopolizar os mercados, procuravam
vista mercantil. aumentar suas taxas de lucro diminuindo os custos
A escravidão americana assentou-se sobre nível de produção. lgtQ efetuava-se principalmente a partir
de desenvolvimentodas forças produtivas significati- da extração intensiva de trabalho excedente do negro
vamentemais elevado do que o conhecido na Anti- escravizado. Ou seja: através da intensificação e pro-
güidaderomana. Os arados, moendas, grades, etc. longamento da jornada de trabalho e da diminuição
-- principais máquinas produtivas nas primeiras da qualidade de vida e consumo dos cativos.
centúrias da. era cristã -- mostram-se artefatos bur-
Sob o ritmo e as condições de trabalho do escra-
dos ao lado da maquinaria e implementos de um
vismo colonial, o escravo assenzalado -- isto é, pro-
engenho açucareiro de ''ponta'' do século XVI. Na dutor de mercadorias coloniais -- literalmente se
realidade, foi este nível ''tecnológico'' superior obje-
exauria na produção. Esta curta ''vida média'' bio-
tivado em um engenhoaçucareiro que permitiu a lógica e produtiva desta categoria social obedecia ao
feitorização de um numeroso eito de escravos nos
sentido interno da produção escravista. Ao senhor de
latifúndios americanos. Foram igualmente og avan-
escravos era-lhe preferível uma alta ''rotatividade''
ços ocorridos na arte e construção náuticas que per- da mão-de-obra. Assim, o proprietário escravista tra-
mitiram a expansão mercantil europeia e o próprio balhava, sempre,com escravosjovens, vigorosose
tráfico negreiro. menos aptos à resistência. Ainda que destruído rapi-
Em relação à Antiguidade, o escravismo colo- damente como força produtiva, o cativo permitia,
nial nasceu no contexto de superior desenvolvimento com seu trabalho, a compra de um novo negro.
das forças produtivas e superior divisão internacional
do trabalho. Apesar de as unidades escravistas ame- O escravismo colonial não pode ser compreen-
dido dissociado do tráfico negreiro. Este último, cap-
ricanas manterem geralmenteuma esfera produtiva
tando a baixo custo nas costas da Africa Negra a
natural (de consumo), elas estavam voltadas essen-
verdadeira elite biológica africana, fornecia à uni-
22 Mlário rosé Maestro Filho

dado escravista colonial seres humanos em plena ma-


turidade bioprodutiva. O tráfico economizava ao es-
cravismo o custeio da reprodução da força de traba-
lho, que era, efetivamente,financiada pela comuni-
dade aldeã africana expropriada de seus melhores
homens.
O escravismo colonial valorizava as potenciali-
dades naturais americanas estruturando um modo de
produção no qual o homem escravizado era reduzido
à situação de verdadeiro animal trabalhador. Suas
O NASCIMENTO
necessidades biopsico16gicas eram controladas ao DO BRASIL MERIDIONAL
máximo e restringidas ao mínimo. Procurava-se um
produtor de mercadorias que não necessitasse,nem A Colónia do Sacramento e a escravidão
mesmo, reproduzir-se biologicamente. Geralmente,
o produtor ingressava na sociedade escravista quan-
do se aproximava da idade produtiva ideal e saía dela
quando recém ultrapassava sua plenitude física. O Durante o século XVI, o atual extremoSul bra-
escravismo ''moderno'' -- como toda sociedade de sileif'o -- .quinhão espanhol segundo a partição do
''Mar Oceano'' de Tordesilhas(1494) --, permane-
classe -- perseguia o produtor ''ideal'': um ser que
produzisse o máximo e consumasse o mínimo. Um ceu ocupado por comunidades autóctones de caça-
''homem-maquina''. O homem não é, porém, ma- dores, coletorese agricultores itinerantes. No início
quina. E o trabalho supõe consciência, ainda que da centúria seguinte, estas terras e estes povos come-
mínima, da própria humanidade. Por isso, o cativo çaram a ser inexoravelmenteenvolvidospela dinâ-
resistiu -- consciente ou inconscientemente -- ao mica colonial. Do Noroeste, chegaram os jesuítas es-
trabalho escravizado. Assim o fazendo, ele determi- panhóis organizando as ''Missões'' -- processo civi-
nou essencialmentea produção escravistae a sua lizat6rio compatível com as populações indígenas --;
história. do Norte, os preadores paulistas, caçadores e escra-
vizadoresde homens. O negro, a não ser fortuita-
mente, não participou nestesdois movimentos.
Os primeiros negros escravizados que se fixaram
nos atuaís territórios gaúchos fizeram-no quando do

à início da ocupação do litoral sulino, no alvorecer do


24 Mário José }Ãaestd Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 25

século XVIII. Porém, desde 1680, o africano desem- tra tal situação praticando um furibundo contraban-
penhou papal determinante no relacionamento luso- do. O Rio da Prata foi privilegiadocenário deste
espanhol meridional. É impossível compreender a tráfico clandestino. Com o mineral do Alto Peru e os
Colónia do Sacramento dissociando-a do sistemático couros do pampa pagava-seas ''peças da Índia'' --
contrabando de escravos praticado no Prata. os africanos escravizados. Com a perda do asse/zfo e a
Nos séculos XVI e XVll, a Coroa espanhola crise do fim do século, a Coroa lusitana resolveuins-
limitou-se a conceder, graciosamente ou não, /íce/z- titucionalizar o contrabando do Sul: em 1680, fun-
clai para a introdução de africanos no ''Novo Mun- dou a ''feitoria'' de Sacramento.
do''. Nas primeiras décadas, os possuidores destas As últimas décadas do século XVll foram crí-
cartas abasteceram-secom os lusitanos que contro- ticas para a Coroa lusitana. A ascensão dos Bragança
lavam o tráfico negreiro. De 1595 a 1640, no contexto ao trono de Portugal (fim da Unificação Ibérica)
da Unificação Ibérica (1580-1640), viveu-se o período seguiu-se a longa guerra deste país contra a Espanha
dos asfen/os portugueses. e a Holanda.Há muito,os lusitanosvinhamper-
Na primeira metade do século XVll, os lusita- dendo a hegemonia marítima e mercantil. Na reali-
nos detinham a exclusividade de internar um número dade, a Portugal, de valor, não Ihe restavamuito
anual delimitado de cativos nas ''Índias'' hispânicas. mais do que Angola e o Brasil. Porém, os preços das
Estes comerciantes eram, geralmente, ''contratan- exportações coloniais caíam (açúcar, fumo, etc.) e o
tes'' monopólicos do direito de extrair homens escra- valor dos artigos importados encarecia-se.
vizados da Africa portuguesa. Eles tinham como por- A Coroa reagiu contra a queda de seus ingres-
tos obrigatórios de chegada, na América, Cartagena sos. Tentou desenvolvera indústria têxtil em Portu-
(na costa atlântica da atual Colâmbia) e Veracruz gal; gravou a importação de produtos suntuârios;
(no atual México). Dali os africanos podiam ser dis- ativou a procura de jazidas no Brasil. Medida não
tribuídos por toda a Colónia. As regiões andinas e as menos ambiciosa foi a fundação da Colónia do Sacra-
do Rio da Prata, mais meridionais, ficavam mal mento, diante de Buenos Abres, do outro lado do
''abastecidas'' Prata, em possessõesespanholas. Esperava-se obter,
A partir de 1640, os lusitanos perderam o aslen- através do contrabando, o precioso mineral de Potosi
fo espanhol, s6 retomado em 1696. Neste interregno, que ali circulava. O africano escravizado era a prin-
os holandesesabocanharamparte significatiB.da cipal mercadoria que os lusitanos aprestaram-se a
fraca espanhola. Os portos de chegada continuavam oferecer.
no Caribe e continuava a ''discriminação'' dos escra- Na pr6pria expedição que fundou a Colónia, em
vistas andinos e platenses. Estes insurgiram-se con- 1680, composta de 200 homens de armas, .tínhamos
26 Mário José Mlaestri Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 27

60 negros escravizados. Deles, 48 eram ''proprie- O negro no Rio Grande do Sul


dade'' de Manuel Lobo, comandanteda aventura.
Destinavam-se, sem dúvidas, à edificação da praça O escravo negro estabeleceu-senos atuais terri-
forte e à comercialização.Com a queda do reduto tórios gaúchos antes do início da ocupação oficial do
lusitano, 53 deles foram vendidos como presas de Sul (1737). Alguns dos paulistas e lagunenses que, a
guerra em Buenos Abres. partir dos anos vinte do século XVlll, ocuparam os
Com a estabilização da cidadela portuguesa, ''Campos de Viamão'' devem ter trazido consigo es-
toda uma vida comercial e produtiva articulou-se no cravos africanos. Por esta época, é igualmente pro-
seu interior e arredores. Homens negros escravizados vavelque um ou outro cativo trabalhassenas rude:
dela foram ó sustentáculo: eles eram vendidos como mentares charqueadas do Estreito. Sobre estes fatos
mercadorias, trabalhavam na povoação, na agricul- temos pouca informação. Ao contrario, são abun-
tura que floresceu nas imediações. Colaboravam dantes os indícios conhecidos confirmando a pre-
também na extração dos couros. Quando perigava a sença sistemática de escravos negros no Sul logo após
praça forte, aos escravos -- principalmente aos ''do- a fundaçãode Rio Grande. Eles trabalhavamnas
mésticos'' -- era-lhes oferecida a liberdade em troca novas edificações, nas incipientes culturas, na pro-
da colaboração militar. Prenda também ofertada, dução de charque e couros. Desempenhavam:se como
pelos sitiantesespanhóis, aos cativos de Sacramento servidores domésticos, campeiros, enfim, nos mais
que a eles se unissem. .Entretanto, nestes entreveros, variados misteres. Porém, ao contrario do que ocor-
entre Cna e Caríbides, mais de um negro optou pelos ria na maior parte da Colónia, o esforço produtivo no
pampas sem fim. Sul não se assentava,essencialmente,
sobre o es-
A partir de 1680, o cativo desempenhou essen- cravo. Ao lado do cativo labutavam indígenas acul-
cial papel na história do Brasil meridional. Ele foi turados ou gemi-escravizados, espanhóis ''transban-
singular ''mercadoria'' para o contrabando do Prata; deados", povoadoreslusitanos. Foi a partir de 1780,
trabalhou na Colónia e arredores; participou das com o início da produção de charque a nível indus-
lides que defrontaram as duas Coroas. Desde esta trial, que se estruturou no Sul um sólido pólo escra-
época, os primeiros negros cativos, forçados, singra- Vlb Ld .

ram as águas costeiras ou cortaram os territórios No século XVll, os paulistas visitaram o futuro
gaúchos,indo ou vindo de Sacramento.Alguns po- Rio Grande à caça de indígenas. Com a fundação da
dem ter, até mesmo, se fixado nos pampas interiores Colónia do Sacramento, em 1680, o litoral sulino
quando de fugas coletivas ou individuais da Colónia começou a ser trilhado como caminho terrestre li-
do Sacramento. gando Laguna à cidadela austral. No primeiro quar-
28 Mário José MaestH Filho O EscravoGaúcho: Resistênciae Trabalho

tel do séculoXVlll, de Lagunaou de São Paulo.


partiam aventureiros para estabelecerem-se, inicial-
mente, no Nordeste gaúcho.
Com a descoberta das ansiosamente esperadas
''minas'', nos últimos anos do século XVll, as vastas
e, até então, quase desprezadas terras do atual Rio
Grande começaram a valorizar-se. A mineração exi-
gia animais de carga e transporte, assim como carne
para alimentara escravaria.Nos hodiernósterritó-
rios do Uruguai, abundavamas manadas vacuns.
muares e cavalares. No primeiro quartel do século
XVlll, elas começaram a atravessar o ''Rio Grande''
em direção ao norte. Quem conduzisse estes animais
até os mercados do Brasil Central faria 6timo negó-
cio. A administração luso-brasileira, à sua vez, logo
visualizou a possibilidade de enormes ganhos através
da taxaçãoda passagemdestesanimais. Assim, in-
vernadas, currais e estânciascomeçaram a surgir no
Estreito, nas margens dos rios Gravatas e dos Sinos.
etc. Produzia-se também uma quantidade dificil-
mente estimável de charque e couros.
Estas atividades-- a tropeada, a criação, a caça
ao gado pelo couro, etc. -- não se adaptavam bem aó
trabalho escravizado. Estas terras pouco povoadas
eram mal conhecidas; não raro, os recém-chegados
deparavam-se com partidas de indígenas ou de espa-
nhóis. Nestascondições, era difícil e arriscado man-
ter uma escravariasujeita e produzindo. Por outro
lado, esta economia não exigia grande massa de tra-
balhadores nem um trabalho pesado e extenuador.
como a mineração ou a produção açucareira. Ativi-
30 Mârio rosé MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 31

dades no geral intermitentes, adaptavam-se melhor Rio Grande trouxeram consigo negros escravizados.
ao trabalho livre do indígena aculturado ou ao do Inicia da Salva Amaral é bom exemplo. Partindo do
espanhol labutando sob salário. No Sul, nesta época, Rio de Janeiro para o Sul com seu marido, naufragou
os cativos negros não deviam ser abundantes. Porém . na costa gaúcha. Perdeu na catástrofe o marido, mas
eles não estiveramatlsentesneste primeiro movi- se salvou com uma escrava. Isto em 1738. No mesmo
mento expansionista. ano ou no anterior, chegara do Rio Manuel Moreira
Quando do início da ocupação lusitana do Sul, Belo, com família e escravos.Estes dois casos, sem
o escravismo havia penetrado profundamente em dúvida, ilustram uma realidade significativamente
quase todos os poros da sociedade colonial. Na pro- mais ampla. Segundo parece, possuir escravos facili-
dução açucareira, na mineração, nas atividades ur- tava até mesmo a obtenção de sesmaria. Manuel de
banas, enfim, nos mais variados aspectos da vida da Barros Peréira requereu licença ao brigadeiro Salva
Colónia, o negro era o principal pilar. Dificilmente Pais para ''fazer uma estância na paragem chamada
esta realidade não terminaria influenciando o avanço o Salão''. Prometeu povoa-la com ''dois negros, ca-
em direçãoàs terras além-Laguna.Negros escravi- valos e éguas'
zados devem ter participado destas primeiras expe- Os próprios soldados ocupados na defesa de Rio
dições. Do séquito de João de Magalhães, que partiu Grande possivelmente possuíam número considerá-
de Laguna, em 1725,em demanda do Sul, composto vel de cativos negros. Assim nos sugere o costume dos
de 31 pessoas, ficamos sabendo que era formado, em soldadosdo Corpo de Dragões de ofereceremum es-
maior parte, de ''homens pardos escravos". cravo como fiança quando pediam para se ausentar.
No fim da terceira década do século XVlll, com Durante a licença dos senhores, os cativos trabalha-
a fundação do primeiro agrupamento urbano luso- vam no serviçoe nas obras da fortificação. Se seus
brasileiro na margem direita do ''Rio Grande'', po- donos não voltassem, eles passavam a pertencer à
demos vislumbrar a presença constante do escravo Fazenda Real.
negro no Sul. Efetivamente,uma operaçãocomo a Desde a fundação da presídio Jesus-Mana-José,
que se iniciava era impensável, na época, sem a o negro escravizado surgiu como peça importante da
ajuda do braço escravo. Os povoadores que para o vida económica e social dâ sociedade sulina. E como
Sul se dirigiam -- se possuíam algumas posses -- le- peça cobiçada. Em 1741, André Ribeiro Coutinho
vavam um ou mais cativos. Os próprios soldados, degredou seis ''topes'' para a ilha de Santa Catarina.
muitas vezes alistados à força e miseráveis, contavam Eram acusados de roubar cavalos e escravos, assim
com servidores negros. como de induzir soldados à deserção.
Efetivamente, os primeiros ''colonizadores'' do A importância do homem negro nos primeiros
32 Mãrio rosé M.aestriFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
33

momentosda história do Brasil Meridional explicita- Os negros escravizados que ingressaram no Rio
se no primeiro levantamento demográfico da popu- Grande do Sul nos séculosXVlll e XIX eram -- se-
lação sulina de que temos notícias (1780). Excluindo- gundo a definição escravista da época -- escravos
se os indígenas ''bravios'', os homens e mulheres ca- ünovos'' ou ''crioulos". Os cativos crlotz/os eram os
tivos, em 1780, constituíam 28%odo total dos habi- nascidos no Brasil. Os novos, os trazidos recente-
tantes do Sul. Os indígenas aculturados, 19%o; os mente da Ãfrica. Estes últimos, quando jâ hâ algum
''brancos'',53%. tempono Brasa, passavam a ser chamados de ''la-
dinos''. Os escravos possuíam, geralmente, apenas
um nome. A este acrescentava-se sua profissão ou
A origem africana do negro sulino naturalidade, brasileira ou africana. O cativo perdia
seu nome africano quando, prestes a ser embarcado
As origens dos primeiros ''casais'' que se esta- para a América, era sumariamentebatizado ou regis-
beleceramno Sul foram detidamenteestudadas. O trado numa praia do Continente Negro ou jâ a bordo
pioneiros da ''colonização'' ítalo-germânica foram de um tumbeiro. É assim que tínhamos um João Pe-
também objetos de minuciosas pesquisas. Sobre as dreiro, um José Pernambucano, um Manuel Congo.
origens do negro gaúcho, não sabemos rigorosamente O escravo novo não manteve seu nome africano..
nada. Durante muito tempo, este desinteresse''tra- Isto torna muito difícil buscas genealógicasna Afri-
vestiu-se'' de impossibilidade de conhecimento. Co- ca. O fato de ter recebido como ''segundo nome'' sua
mo para o restodo Brasil, seria impossíveldesvelar procedência africana permite-nos vislumbrar quais
as raízes africanas do negro gaúcho. Rui Barbosa, as regiões da Ãfrica que privilegiadamente serviram
para pâr fim às reivindicações dos ex-proprietários de sementeiraspara o tráfico negreiro. Porém, mui-
de escravos, mandara queimar, em 1890, os papéis tas vezes, o ''sobrenome'' de um cativo africano for-
do Ministério da Fazenda relativos ao cativeiro. Sem nece-nos apenas uma informação muito geral.
prova legal, nada de indenização. O fogo destruirá as O nome de origem de um cativo pode somente
citasde registro de ingresso dos africanos no Brasil. assinalaro corto em que ele foi embarcado. E o caso
Sabe-sehoje que o descuido, neste século, foi e é dos escravos ''minas'', procedentes da fortaleza er-
mais daninho à documentaçãoque o ministro pirâ- guida -- em 1482-- pelos lusitanos na ''Costa do
mano, na centúria passada. No entanto, abundam Ouro'', na atual Gana. Esperava-secom esteentre-
nos arquivos históricos documentos informando-nos postodesviaro comérciode ouro das minas suda-
sobre a procedência dos africanos escravizados no nesas. Daí seu nome: Castelo de São-Jorge-da-Mina.
Brasil. Com o crescimento da importância do comércio ne-
34 Mãrio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 35

greiro, esta fortaleza, de altos muros e muita arti- sões angolanas (''congos'', ''angolas'', ''maçanga-
lharia, dedicou-se fundamentalmente ao tráfico. Seus nos'', ''benguelas''), das possessões moçambicanas
porões podiam ''armazenar'' 1 000 cativos. Os afri- (''moçambiques''), da Costa da Mina (''minas''), e do
canos que de lá partiam eram chamados de ''minas'' Cabo Verde (''cabos verdes''). Estes dados propõem-
O porto de embarque de um africano pode não nos serem os africanos trazidos de Angola maciça-
informar minimamentesobre sua origem. Com o mente majoritârios nestes primeiros tempos. Os fi-
desenvolvimentodo tráfico negreiro, articulou-se no lhos de mães originárias daquelas regiões constituíam
interiorda Âfrica uma complexacirculaçãode ho- quase 80%odo total dos nascidos de mães africanas.
mens, mulheres e crianças reduzidos ao cativeiro. Esta documentação sugere-nos também a im-
Muitas vítimas desta atividade eram vendidas nas cos- portante miscigenação racial destes primeiros tem-
tas do Continente, longe de suas aldeias, após terem pos. Seguidamentenos deparamos com mães escra-
rolado durante semanas e meses de mão em mão. vas parindo filhos dé homens livres -- em grande
Podemos pesquisar a origem africana do negro parte ''soldados dragões'' -- e, até mesmo, senhores
gaúchoa partir de múltiplas fontes: o ''sobrenome'' registrandofilhos tidos com suas cativas. Segundo
do cativo trazido para o Sul; a contribuição do afri- João M. Ferraz, ''um quinto do total geral dos pri-
cano ao nosso falar regional, à nossa culinâiia, ao meiros povoadores batizados eram portadores de
nosso folclore, à nossa música, etc. As religiões afro- sangue africano''
gaúchassão, também, outra importantefonte de A importância dos cativos ''angolanos'' na po-
conhecimento.' Todas elas, unidas, permitir-nos-ão pulação africana sulina parece não ser um fato res-
conhecer as raízes africanas do povo gaúcho. trito a estesprimeiros tempos. Encontram-se no Ar-
Temas informações sobre os primeiros africanos quivoHistóricodo Rio Grande do Sul três listas
trazidos para o Sul. O historiador Jogo Machado referentes ao tráfico negreiro sulino durante os anos
Ferraz realizou o levantamento completo do primeiro de 1802 e 1803. Elas registram, possivelmente, uma
livro de batizados (16.6.1738 a 28.8.1753) do Rio parte substancial dos africanos escravizados intro-
Grande do Sul. Este levantamento, acrescido de um duzidos no Sul nestes dois anos. De um total de 1 195
índice onomâstico e de um comentário geral sobre os cativos, 1 104 eram, com certeza, africanos (Ta-
resultados do trabalho, foi publicado sob a forma de bela l).
\lixo -- Os Primeiros Gaúchos da América Portu-
Nesta época, a produção charqueadora escra-
guesa. Na transcrição de João Machado Ferraz te- vista encontrava-se já em pleno desenvolvimento. O
mos, como batizadosou pai e mãe de batizados, Sul constituía, então, um importante centro ''consu-
quase uma centena de africanos vindos das posses- midor'' dç escravos novos que, trazidos preferencíal-
36 Mano Jasé MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 37

TABELA l vos ovimbundus ''exportados'' através do porto de


ORIGEM DOSAFRICANOS ESCRAVIZADOS INTRODUZIDOS
NO RIO GRANDE DO SUL (lm2-3) São Felipe de Benguela, fundado em 1617, pelos lusi-
tanos, no Sul angolano. Os ''congos'', quarto grupo
de'' l Homepzs (/)IJt/u/heras (2) 1(/) + (2) em importância, eram cativos kikongos do antigo
Ambaca 0 reino do Konto, no norte da hodierna Angola. Quan-
Angola 34 to ao terceiro grupo, não nós foi possível descobrir
Benguela
Cabunda
37
que comunidade étnico-cultural os lusitanos designa-
Cassange
2
4 vam sob o nome de ''rebolos''. ''Minas'', como já
Congo 6 foi assinalado, eram os africanos exportados da Costa
Ganguela 0 da Mina, na anual Gana. ''Quissamas'', ''cassan-
Manjolo
Messambe 0 ges'' , ''songas'', ''cabundas'', ''ambacas'', ''gangue-
Mina 6 las'' são também ''angolanos''. Não nos foi igual-
Mohumbe4 0 mente possível identificar de onde eram provenientes
8 os ''mohumbes'', os ''manjolos'' e os ''messambes
Assim, os cativos provenientes de Angola compreen-
diam -- no mínimo -- mais de 80% do total dos
assinalados nas listas de 1802e 1803.
(1) Um ambaca de sexo indefinido; (2) 77 angolas de sexo indefinido; (3) um benguela de sexo
indefinido; (4) um cativo sob o nome de magumbe
As possessõeslusitanas na atual Angola desem-
Fonte: AHRGS. Antigo Catálogo da Fazenda. Guias Diversos. 1802-1803. penharam importante papel no tráfico negreiro lu-
sitano. Principalmente quando outras potências eu-
ropéias -- Holanda, França, Inglaterra, etc. -- co-
mentedo Rio de Janeiro, eram introduzidospelo meçaram a hegemonizar o comércio escravista do
portode Rio Grande e distribuídosno Sul. Se estes golfo da Guiné. Ao contrário dos enclaves lusitanos
dois anos de tráfico são representativos, também nos nos atuais territórios de Moçambique, a costa ango-
primeiros anos do século XIX, os ''angolanos'' cons- lana encontrava-se relativamente próxima dos portos
tituíam a parte essencial da população africana gaú- brasileiros, principalmente dos portos do Brasil cen-
cha
tral. Durante os século XVll, XVlll e XIX, será ín-
O grupo maioritário continua constituído pelos timo o relacionamentoentre o Rio de Janeiro e An-
''angolas''. Tratavam-se de quimbundus do antigo gola. Luanda abastecia, privilegiadamente, esta ci-
reino do N'dongo, provenientes das regiões do Kuan- dade em cativos.
za. A seguir, tínhamos os ''benguelas'', ou sela, pe- Os africanos desviados para o Su] deviam . ser
38 Mârio José MaestroFilho

provenientes -- em grande parte -- do fluxo escra-


vista Rio-Angola. O Rio de Janeiro era o ''porto es-
cravista'' do Brasil mais próximo dos territórios gaú-
chos. Por outro lado, a importância de Angola para o
tráfico nacional cresceu a partir de 1815, quando o
tráfico ao norte do Equador foi proibido para lusi-
tanos e brasileiros. Epoca em que, segundo parece,
se fortaleceuem algo o tráfico da costa oriental. No-
vas pesquisas sobre a origem do afro-gaúcho possi- ECONOMIA E ESCRAVISMO
velm'entereforçarão a ''hipótese angolana". O que NO' RIO GRANDE DO SUL
não significa que não tenham chegado no Sul -- em
menor número -- africanos provenientesde outras
regiões da Àfrica. O escravo e a fazenda pastoril

Divergem os historiadores sobre á importância


do trabalho do negro escravizado na atividade pasto-
ril sulina. Problema de difícil elucidação sem estudos
monográficos sobre as diferentes regiões criat6rias
durante o século e meio de escravismo gaúcho. Algu-
mas determinações
gerais enquadram,porém, a
questão. A prática do pastoreio extensivo precedeu a
ocupação lusitana do Rio Grande atual. Os indígenas
missioneiros foram os precursores responsáveis pelo
desenvolvimento das técnicas e hábitos produtivos
posteriormente disseminados nos pampas. Nos sécu-
los XVlll e XIX, estes primeiros ''gaúchos'' treina-
dos nas lides pastoris constituíram reserva de mão-
de-obra de singular importância. Finalmente, a cria-
ção era uma atividade que não exigia o trabalho do
Tropa vacum atravessa o Jaguarão (.J. Debret, detalhes. homem escravizado.

À
40 41
Mário José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

O gado vacum gaúcho é originário dos 1500 unidade pastoril. Originava-se da apropriação de
animais introduzidos pelos jesuítas na margem di- parte do trabalho excedente produzido em outras es-
reita do rio Uruguai, em 1634. Bravios, nas décadas feras da sociedade (em grande parte, na esfera escra-
seguintes, estes animais evoluíram em direção ao vista) e era percebido devido ao monopólio da terra.
Sul, principalmente. No início do século XVlll, esta Constituía,portanto,uma renda fundiária. Fora o
propagação natural fói auxiliada pelos vaqueiros do rodeio -- castração, amansamento, marcação --, o
''segundo ciclo'' das Missões. As técnicas e os hábitos trabalho humano pouco intervinha na produção da
pastoris sulinos são também continuação do período mercadoria-boi. A isto devem-seas distintas condi-
missioneiro. Nas estâncias e invernadas guaraníticas, ções de vida e trabalho que conheciam o escravo
criou'se, a princípio, gado aproveitando-se as excep- campeiro e o escravo charqueador. No pastoreio,
cionais Condiçõesda natureza para a reprodução na- portanto, não havia condições materiais de acumu-
tural dos rebanhos (escassez relativa de animais pre- lação crescente através de crescentes níveis de inten-
dadores; inverno e verão benignos; pastos e aguadas sidade e duração do trabalho humano.
abundantes; etc.). Em realidade, o trabalho -- a ca- Neste contexto geral, a atividade criatória era
valo -- reduzia-se, no essencial, à vigilância e ao necessariamenterealizada por cavaleiros, isolados ou
amansamento dos rebanhos realizados pelos ''pos- em pequenos grupos, em um espaço geográfico semi-
teiros'' (famílias de indígenas). A técnica da doma do desabitado. O escravo negro custava caro. Ainda
gado cavalar, a boleadeira, o laço, a alimentação bá- mais o escravo crioulo. Se fugisse, causava grande
sica do trabalhador pastoril (churrasco e mate) são prejuízo. Entregar um cavalo a um cativo e envia-lo a
também herança dos tempos missioneiros. trabalhar sem vigilância, era duplamente perigoso.
Apesar da evolução que conheceu durante os O escravo africano não conhecia o pastoreio exten-
150 anos de escravismo gaúcho, a pastorícia sulina sivo; alguns não conheciam sequer o cavalo -- os
apoiou-seessencialmentena reprodução natural dos ''angolanos'', por exemplo. O trabalho criatório era,

r
animais. A atividade criatória podia prescindir da no geral, pouco penoso. Compreende-se o porquê de
mão-de-obra feitorizada. O pastoreio extensivo ocu- ter-se empregado tendencialmente os homens livres
pava reduzido número de trabalhadores. O natura- do pampa habituados e dispostos a estas tarefas. Os
lista francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1821, refe- guaranis ''missioneiros'' e os gaúchos ''castelhanos''
riu-se a uma fazenda com 6 000 animais onde traba- foram, sempre que possível, incorporados às práticas
lhavam apenas ll homens. O que era comum. O es- pastoris.
sencial da acumulação do fazendeiro não provinha O negro cativo esteve sempre presente na fa-
do sobretrabalho dos escassos trabalhadores de uma zenda gaúcha. O comercianteNicolau Dreys, em
42 Mário José MaestroFilho 43
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

1839, escreve que, ''às vezes os 'peões' são negros es- cravo perdia sentido. Do outro lado da fronteira,
cravos, outras vezese mais comumente são 'índios' ou em terras estranhas, dedicar-se-ia às mesmas lides e
'gaúchos' assalariados''. Afirmação que sintetiza uma encontraria, no geral, as mesmascondiçõesde vida e
realidade própria aos séculos XVlll e XIX. Nestes trabalho. Devido ao Carâter do trabalho na pastorí-
anos, mais ou menos presente, encontrávamos sempre cia, em muitas situações, a escravidão no Sul perdeu
o negro escravizado em qualquer ponto do extremo sua essência coercitiva e assumiu um conteúdo pa-
Sul brasileiro. triarcal. O que explica encontrarmos facilmente,
No Rio Grande, a atividadecriat6ria foi domi- através do século XIX, negros escravos cuidando so-
nante. Porém, ao lado das fazendasdedicadasao zinhos de fazendas durante a ausência de seus senho-
pastoreio, tínhamos propriedades voltadas para a res. O que era impossível em uma charqueada ou em.
agricultura mercantil.. Nelas, o negro aparecia em uma fazenda cafeicultora ou açucareira.
destaque. Muitas fazendas dedicavam-se igualmente A atividade criat6ria latifundiário-mercantil que
à criação e à agriculturamercantis. O negro, neste conheceu o Sul assentou-se sobre escasso nível de
contexto, era quase sempre ocupado no trato da desenvolvimento das forças produtivas e sobre excep-
terra. As fazendas de criação -- principalmente as cionais condiçõesde procriação natural dos reba-
mais ricas -- comportavam tarefas que quase cons- nhos. A maior parte do ganho do fazendeiroera
tituíam ''privilégio'' da classe servil. Era difícil uma oriunda do sobretrabalho produzido por outros mo-
propriedade não possuir sua plantação de subsistên- dos de produção e era captada sob a forma de renda
cia. O beneficiamento dos cereais plantados, a pe- fundiária. S6' muito mais tarde -- em pleno século
quena produção de charque para o consumo, o abas- XX -- esta atividade inicia a introduzir-se na esfera
tecimento da estância em água e lenha, o trabalho de produção capitalista. Então, a renda do capital
doméstico na ''casa-grande'' eram algumas das ati- começa a sobrepor-se à renda da terra (pastagens
vidades em que podíamos encontrar o negro escravi- artificias; centro de manejo; inseminação artificial;
zado labutando, muitas vezes, duramente. As tradi- etc.)
cionais cercas em pedra -- cujas inúmeras ruínas É o fato de não estar o valor da mercadoria-
subsistemainda aos anos -- eram também pesada e boi assentado fundamentalmente sobre a exploração
infindável tarefa servil. do trabalhador pastoril que explica a existência--
Além de trabalhar na fazendade criação nas nos séculos XVlll e XIX -: de homens dispostos a
atividades privilegiadamenteservis, o negro escravi- trabalhar como assalariados nesta atividade. Ou a
zado, muitas vezes, desempenhava-secomo campei- possibilidade do emprego, sem vigilância estrita, do
ro. Então -- até certo ponto -- a própria fuga do es- negro escravo. O que confere -- no quadro geral do
"''," ".' "''«',.«":. 1 . «:,«,. ' '."..-'«'.''«'. . '''.'.'".
44
45

escravismo colonial -- importante singularidade às A conservação das carnes através da salga é


relações escravistas no contexto da prática pastoril. habito milenar. Na América Meridional, jâ no início
do século XVll, temos notícias de tentativas de valo-
rização dos rebanhos bravios através desta prática.
A charqueada escravista Os lusitanos da Colónia do Sacramento fizeram o
mesmo em 1698. Antes da fundação de Rio Grande,
As possibilidades criatórias dos pampas sulinos em 1737, charqueava-seno litoral gaúcho. Com o
não passaram despercebidas aos primeiros súditos estabelecimentodos luso-brasileiros no Sul, a criação
portugueses que visitaram o Sul. No século Xylll. e o apresamento dos animais por sua carne e couro
quando os rebanhos selvagensesparramaram-se nes- desen\rolveram-sc.Segundo parece, foi em 1780 que
tes territórios, consolidou-seesta potencialidade. O se iniciou a pratica charqueadora como atividade
sistemática e significativa.
As secas de 1777, 1779 e 1792 dizimaram os
rebanhos nordestinos e golpearam a produção de
cimento de fazendas de criação mais próximas dos carne-seca. José Pinto Martins, lusitano dedicado
centros consumidores. A não resolução desta dificul- àquela atividadeno Cearâ, migrou para o Sul e esta-
dade -- o transporte das carnes -- reduzia o valor do beleceu-seem São Francisco de Paula -- a futura
animal quase ao do seu couro, sebo e outros sub- Pelotas. Ali construiu sua charqueãda, que parece
produtos.
ter sido a primeira instalação permanente a produzir
A salgaçãofoi a saídaencontradapara o pro- a nível industrial em terras gaúchas. A princípio, as
blema. Ela permitia que a carne animal alcançasse instalações de Pinto Mastins eram bastante rudimen-
-- a baixo custo -- pontosextremosda Colónia e o tares: galpõesde palha, varais, alguns tachos de
exterior. A prática charqueadora foi essencial para o ferro para extrair a graxa através do fervimentoa
desenvolvimentoda fazenda de criação -- tanto no agua. O saladeiro do lusitano possuía 20 escravos
século XVlll como no XIX. Parte significativa da trabalhando como campeiros, carneadores, salgado-
hodierna riqueza sulina assenta-sesobre todo um res, sebeiros e graxeiros. Quatorze outros cativos tra-
Selo económico permitido pela indústria do charque. balhavam em atividades dependentes da charqueada.
Durante mais de 100anos, esta atividade aptlava se Até a crise final da escravidão no Brasil, a char-
sobre as costas e o suor do homem negro escravizado. queada foi essencialmente movida pelo braço do ho-
O que o coloca como um dos pilares da sociedade mem negro escravizado. No século XIX, podíamos
gaúcha. encontrar até uma centena de cativos labutando em
46 Mârio José Maestro Filha O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 47

uma s6 unidade. Efetivamente, esta íntima associa- dadeiro avanço da técnica produtiva. No fim do sé-
ção -- trabalho escravizado/charqueada -- impu- culo XIX, porém, as unidades charqueadoras mais
nha-se.No séculoXVlll e parte do XIX, o escra- aperfeiçoadas constituíam verdadeiras manufaturas
vismo era dominante no Brasil. Não havia ainda con- escravistas.
diçõespara uma classede trabalhadores assalariados Nesta época, em Pelotas, centro da produção
a baixo preço. A produção do charque exigia um tra- saladeiril, encontrávamos empresas extremamente
balho intenso, pesado e prolongado. Somente baixos organizadas e-aparelhadas. Mangueiras e bretes co-
salários garantiriam altos lucros. O trabalhador li- municavam-se coerentemente com a ''cancha'' (pavi-
vre,. naqueles tempos de fronteiras amplas, preferia mento cimentado e coberto) onde os animais eram
-- e era-lhe possível -- viver como ''vagabundo'' a esfolados e despedaçados. O animal golpeado no
trabalhar sob tais condições.Para o charqueador, brete pelo ''desnucador'' caía sobre a ''zorra'' (vago-
o :trabalho compuls6rio do negro escravizado era. nete correndo sobre trilhos) que o levava até a can-
historicamente, a melhor-- se não a única -- alter- cha. Galpões para trabalharas carnes, para arma-
nativa. zenar o sal ou as ''pilhas'' de couro e de charqüe,
As condições de trabalho em uma charqueada tanques de salmouras, etc. eram outras partes essen-
escravistaeram duras. Prática sazonal -- a produção ciais das instalações. Na graxeira, algo afastada do
charqueadora exigia dos escravosjornadas de 16 ou corpo central da charqueada, operavam máquinas
mais horas. Muitas vezes, sob o incentivo do ''baca- Cambacerês a vapor. Nestes últimos tempos, pouco
lhau'' do feitor e pequenosgoles de aguardente, o seperdia dos animais, Charque, couros, graxa, sebo,
negro literalmente desfalecia de cansaço e sono sem guampas, cinzas, etc. eram exportados -- via porto
afastar-se de suas tarefas. Era então transportado de Rio Grande -- para outros pontos do Brasil e o
para o barracão pulguento dos enfermos eufemisti- exterior.
.camente chamado de ''hospital''. Lá podia dormir e Pelotas, devido à sua localização privilegiada em
recompor-se, até que o feitor viesse acabar com a sua relação aos rebanhos, ao porto de Rio Grande e às
'malandrice' vias fluviais, tornou-se o grande centro charqueador
Os primeiros saladeiros parecem ter sido insta- gaúcho. Consequentemente,um grande pólo escra-
lações muito simples: rudimentares telheiros, o cam- vista. Na cidade e nas margens do arroio Pelotas,
po como local de abate, mulas bruaqueiras para o concentravam-se milhares de cativos negros. Pelo
transporte, não era necessário muito mais para le- porto de Rio Grande, por ano, passavam milhares de
vantar uma improvisada charqueada. As instalações negros escravizados destinados às charqueadas. Em
de Pinto Martins, assim, apresentavam-secomo ver- 1884, quando se libertou os cativos pelotenses--
48 Mârio rosé Maestro Filho 49
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

muitos sob a obrigação de trabalharem de um a sete quando a produção fabril criou força no país. Porém,
anos gratuitamente -- a cidade e arredores possuía após mesmo a Abolição, o mundo rural permaneceu
5 000 escravos. Dois mil trabalhando nas charquea- dominante na sociedadebrasileira.
das Atravésdo Brasil, na Colóniae no Império,
A indústria charqueadora escravista determinou desenvolveram-seconcentrações populacionais ur-
a própria essência da sociedade pelotense. O charque banas apoiadas e apoiando a vida rural. A expor-
permitiu a formação de uma classe de senhores de tação da riqueza agromineradora, a importação e
escravos cuja riqueza e refinamento sem dúvida des- distribuição de mercadorias estrangeiras, a vida ''ad-
pertaram ciúmes maledicentes -- cujos ecos escu- ministrativa'', ''cultural'' e ''religiosa'' eram ativi-
tamos até hoje -- entre os fazendeiros dos arredores, dades essencialmente citadinas.. Durante toda a es-
nem tão ricos, nem tão cuidados. cravidão, é quase impossível pensar o mundo urbano
Porém, charque queria dizer negro cativo. Ne- sem o esforço do braço do negro escravizado, verda-
gro assenzaladotrabalhandoduro e vivendo mal. deiro pau-pra-toda-obra nas aglomerações de então:
Durante 100 anos a elite charqueadora viveu também As ''grandes'' concentrações populacionais do Brasil
sobressaltada com a eventualidade do ato de rebeldia escravista -- Rio de Janeiro, Salvador, Recite --
-- individual ou coletivo -- do cativo negro. Em eram, efetivamente, cidades quase negras.
realidade, o ato de sangue contra o feitor ou o senhor, Os escravos ocupavam-se nos mais variados mis-
a fuga, o aquilombamento, assim como a insurreição teres urbanos. Muitos eram ''escravos de ganho'':
escrava, como veremos, fizeram parte de um coti- vendiam serviços e mercadorias a terceiros e, com o
diano pelotense muito pouco conhecido e estudado. 'ganho;', arcavam com seus gastos e pagavam uma
renda fixa ao senhor. Nesta categoria, tínhamos os
estivadores, os carregadores, os vendedores, as escra-
O escravourbano vas prostituídas, os remadores, etc. Nas casas mais
pobres, trabalhavam um ou dois escravos domésticos;
Até as primeiras décadas do século XX, o Brasil nas mais ricas, um batalhão. Eram os porteiros, os
foi um país fundamentalmente rural. A atividade cocheiros, as cozinheiras, as passadeiras, os pajens,
produtiva centrava-se no campo; as cidades cum- etc. Muitos senhores exigiam que, aos domingos,
priam um papel administrativo e económico acessó- estes escravos permanecessem diante da residência.
rio. A distribuição geográfica da população nacional Assim, provada ficava a opulência senhorial. Difícil
acompanhava essa situação. Vivia-se e trabalhava-se era a profissão em que não encontrávamoscativos:
em contexto agrário. Essa realidade será superada eles trabalhavam nas rudimentares manufaturas, nas
50 mano José Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

obras públicas, como jardineiros, cultivadores, sapa-


teiros, ferreiros e em mil outras atividades.
Tambémno Rio Grande do Sul foi grandea
importância do escravo urbano. Os dados demográ-
ficos conhecidos ressaltam o peso da população ca-
tiva nas nossas aglomerações. Em 1861, ll anos após
o fim do tráfico transatlântico de escravos, quando o
Sul ''exportava'' cativos para o Centro-Sul, 23%o da
população de Porto Alegre eram constituídos de es-
cravos. Em 1884, Pelotas possuía 5000 escravos.
Dois mil trabalhavamno porto ou em funções do-
mésticas.
Saint-Hilaire, quando de sua visita a Porto Ale-
gre e a Rio Grande, assinalou a presença significativa
de cativos. Em Porto Alegre, na Rúa {ia Praia, já
então muito movimentada, viu muitos negros carre-
gando volumes. O transporte urbano de objetos e
mercadorias foi, durante a Colónia e o Império,
quase monopólio servil. Próximo àquela rua, encon-
trava-se o mercado público. Os vendedores eram es-
cravos que, acocorados ou em barracas, vendiam
hortaliças, frutas e outros alimentos.
Em Rio Grande, o naturalista também descreve
o negro escravizado praticando as mais variadas ati-
vidades. Era ele que mercadejava frutas e legumes,
apanhava água nas cacimbas com varas munidas de
chifres de boi, limpava os pátios e costados das resi-
dências entulhadas pelas areias trazidas pelo vento.
O comerciante inglês Luccock, que visitou Rio Gran-
de em 1809, refere-sea outra tradicional atividade Grupo de escravosforros rlofim do século passado (.Acer-
bo do Museu de Porto Alegres
servil: a lavagem de roupas. Ao sul da cidade, as
52 Mârio José Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 53

famílias de posse tinham tanques escavados no solo.


noeiros, calafates, empalhadores, vendedores, copei-
Nas águas dessalinizadaspelas areias, os negros la-
ros, oleiros, padeiros, costureiras, mucamas, etc. Em
vavam os vestimentos senhoriais batendo-ós contra 1809,Luccock assinala o costume senhorial de man-
tábuas ou surrando-os com pedaço de pau. O sabão dar um cativo aprenderum ofício e depoisalugar
era de fabrico doméstico.
suas habilidades. Para o inglês, em Rio Grande, ar-
Nosjornais do Império, destacavam-seos anún- tesãos escravos seriam mais comuns que livres. Se-
cios económicos. Tecidos variados -- tafetás, sedas, gundo ele, havia ali somente ''um ferreiro, um sapa-
algodão, etc. -- eram oferecidosao lado de fulmi- teiro, um ou dois carpinteiros'' livres.
nantesremédios contra a ''syphilis'' ou de elogiadas Em relação ao escravo rural, o cativo urbano
marcasnacionaisde rapé. O escravofoi também
podia ser tido como verdadeiro''privilegiado''. Se
uma presença.segura nestesanúncios. Ali aparecia trabalhasse como escravo de ganho, fosse hábil e
quando posto à venda ou caso se necessitasse de seus contido, podia até mesmo amealhar o suficiente para
serviços. Ou, ainda, quando fugia. Nestes jornais, manumitir-se. Meta -- apesar dos exagerosde al-
abundavam notícias tais como: i'Vende-se uma 'es-
crava crioula (nascida no Brasil),. com 22 anos de guns estudos recentes -- bastante difícil de alcançar.
Na cidade, o trabalho domésticoou artesanal eram,
idade, bonita figura, sem vícios, sabendo lavar, en-
gomar e cozinhar; garantida sem moléstia alguma'' geralmente, menos pesados que a jornada do escravo
(.Echodo .çzz/,Rio Grande, 20.9.1863).estes'Í'anún- ocupadoem uma plantaçãoou charqueada. Ainda
cios'' constituem 6tima fonte para o estudo da escra- que a alimentação pudesse ser mais pobre e escassa.
vidão, principalmente da urbana. Eles informam-nos O próprio tratamentodo escravocitadino tendia a
ser menos rígido. Em meio urbano, em muitas situa-
como os escravos vestiam, sobre a sua ''nacionali-
ções, o ''bacalhau'' perdia sentido. Era raramente
dade'', sobre os nomes próprios mais comuns à mas. necessáriopara o ''trato'' com uma ama-de-leiteou
sa servil, sobre as profissões e atividades escravas. com uma cozinheira.Ainda que a palmatóriade
etc
ferro ou madeira alcançassem sem pelo o escravo que
De janeiro de 1859a dezembrode 1866, no não entregasse o ''ganho'' exigido ou não cumprisse à
jornal .Eb&odo .Szl/,podemos acompanhar anúncios risca sua tarefa. Na cidade, ao menos, o medo ao
oferecendo ou pedindo escravos de múltiplas habili- comentário ''maledicente'' do vizinho inibia em algo
dades, geralmente para serem postos a trabalhar na a ocorrência de fitos que, na fazenda, morriam es-
cidade de Rio Grande ou nos seus arredores. Pedia- quecidos entre as paredes da sala do tronco.
se e oferecia-se cozinheiros, engomadoras, amas.de- O escravo urbano -- no Rio Grande do Sul
leite, carpinteiros, pedreiros, alfaiates, doceiras,.ta- comono resto do Brasil -- alcançava a ter uma vida
54 Mário José MaestroFilho

social, cultural e religiosa dificilmente possível ao


escravo agrícola. As irmandades dos negros foram
fenómeno fundamentalmente citadino. Os ''terrei-
ros'', segundo parece, também. Os ''batuques'', ain-
da que permitidos em muitas fazendas, eram mais
frequentes e concorridos em meio urbano. Relações
de todo tipo entre escravos, libertos e livres pobres
eram ali muitíssimo mais desinibidas e Variadas que
no interior. Esta vida relativamentemenosdura de ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA
muitos escravos urbanos sintetiza-se na ameaça per- NO RIO GRANDE DO SUL
manente lançada a este cativo pelo senhor insatis-
feito: a de envia-lo a trabalhar no campo. Diferença
de vida e trabalho que existia também, no campo, Escravidão, luta de classes, transição
entre os escravos assenzaladose os domésticos. Iró-
nico, o escravoassenzaladoregistrouem um dito a
mudança do companheiro de enxada quando ''pro- Que o escravo resistiu sistematicamente à escra-
movido'': ''Negro no eito, vira copeiro, não 6ia mais vidão, é fato definitivamenteaceito pela historiogra-
prá seu parceiro". O que contribuiupara conformar fia brasileira.No Rio Grande do Sul e em todo o
uma classeservilbastantemais heterogéneado que país, sob variadas formal, o cativo rejeitou a insti-
se tem assinalado. tuição servil. Porém, este ato teria fecundada nosso
passado? A resistência escrava foi. responsável pelo
esgotamento/superação do escravismo no Brasil?
Ou, ao contrario, foi apenas luta exemplar e heróica
incapaz de fazer avançar a História? Neste caso, teria
sido a Abolição resultado de fatores externos à nossa
sociedade?
Ê recente o debate sobre a transição do escra-
vismo colonial ao p6s-escravismo. Trata-se de esfera
do conhecimento histórico precariamente abordada.
O escravismo ''modemo'' -- fenómeno colonial --
nunca esteveno centro das preocupações das ciências
56 O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 57
Mârio José Maestro Filha

sociais ''européias''. Estas, na realidade, ocuparam- transição, que ela ascenda ao poder económico-polí-
se e ocupam-se mais com a transição ''ocidental'' do tico no novo modo.
feudalismo ao capitalismo do que com a crise do Estas duas determinaçõesda luta de classes --
escravismo romano e emergência da produção feu- consciência e caráter ascendente da classe revolucio-
dal. A problemática feudalismo/capitalismo também nária -- são própriasao agir social quando da supe-
foi o centro das preocupações de Marx e Engels. Os ração do capitalismo. Não o são, nem mesmo, pró-
fundadores do marxismo privilegiaram a crítica do prias ao processo revolucionário burguês. Apesar de
capitalismo e só abordaram outros modos de produ- a guerra civil inglesa de 1640 ter-se desenvolvido sob
ção na medida em que eles contribuíam para a expli- profundo clima de dissidênciareligiosa, ninguém
cação da géneseda produção capitalista. Disto não questiona seu carâter social e revolucionário. Quanto
decorre ser o materialismo histórico método de aná- à Revolução Francesa, a segunda assertiva também
lise exclusivo às formações capitalistas. Nem que se não é válida para a transição feudalismo/capita-
possa analisar, com categorias próprias ao modo de lismo. A não ser que reduzamos a burguesia a uma
produção capitalista, modos que Ihe antecederam ou classe explorada economicamentee esqueçamos as
sucederam. importantes massas urbanas e rurais que estiveram
Em geral, as categorias económicas do modo de no centro da ruptura feudal e emergiram dela pri-
produção capitalista não são operacionais na análise vadas de poder político e económico efetivos.
de formações pré ou pós-capitalistas. Não o são. Jâ foi assinalado à saciedade o caráter particu-
também, as categorias políticas e sociais. O mesma lar, singular, das leis tendenciais que regem a transi-
poderíamos dizer sobre a teoria da transição ao capi- ção entre modos de produção. A produção capitalista
talismo. Apesar do assinalado, o debate sobre a supe surgiu no seio da produção feudal muito antes que
ração da produção escravista encontra-se profunda- esta última entrasse em crise. No escravismo clássico,
mente influenciado por, digamos, uma espécie de produção escravista e produção livre coexistiam,
''ética capitalista'' de analise. Muitas vezes, determi- sempre, lado a lado. A produção socialista, ao con-
nações próprias à transição feudalismo/capitalismo trário, não antecede, mas sucede, a destruição do
ou à capitalismo/socialismosão tomadas como ge- poder político burguês.
rais e necessáriasa qualquer transição. Entre elas. Como podemos ver, seria profundamente supra-
encontram-se a necessária tomada de consciência de histórico procurar uma teoria geral a todas as tran-
uma classe explorada (transformação de uma ''classes sições entre modos de produção. Seria, em todo caso,
em si'' em''classepara si'') e a obrigatoriedade,para estranho ao método materialista-dialético. Fato facil-
que esta última Soja efetivo agente histórico nesta mente compreensível se voltarmos ao jâ abordado
58 Mârio rosé Maestro Filho 59
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

problema da ''consciência'' dos homens das transi-


ções que vivem. Poderíamos acompanhar desde a
total não consciência desta realidade até uma apreen-
são e previsão científica dela. Marx assinalou que:
''Assim como não se julga um indivíduo pela idéia
que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma
tal época de transformação pela mesma consciência
de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta cons-
ciência pelas contradições da vida material pelo con-
flito que existe entre as forças produtivas sociais e as
relações de i)rodução''
A diversidade de transição entre os distintos
modos classistas que a Humanidade conheceu encon-
tra sua.unidade essencial na oposição é na luta entre
produtores diretos e não produtores pelo trabalho
excedente produzido por aqueles. Ou seja, a lei geral
que rege o crescime.ptoprodutivo-tecnológico da so-
ciedade através do esgotamento das possibilidades de
desenvolvimento desta última, nos quadros de rela-
ções sociais de produção dadas a partir de um nível
de desenvolvimento
das forças produtivas.E isto
quando estas relações soei4is de produção tornam-se
um entrave para o desenvolvimento das forças produ-
tivas em crescimento. Crescimento resultante, em
última instância, do confronto entre o produtor e o
não produtor.
Marx sintetiza tal fator essencial ao desenvolvi-
mento da sociedade na afirmação de que ''a história
da Humanidade é a história da luta de classes''
Neste sentido, pensamos que o modo de produção
escravista colonial não seja uma exceção à regra. Ao Capatazes castigando escravo (.J. Debret, detalhes.
61
Mário José Maestro Filha O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

contrário, parece-nos que a única forma de efetuar a teúdo a definição cunhada por Sérgio B. de Hollanda
exegese essencial de sua gênese, .maturidade e supe- para o escravo: um ''figurante'' mudo.
ração é centrando-nos no estudo das contradições O caso norte-americano é, talvez, a melhor ilus-
entre escravos e senhores de escravos. tração deste fenómeno. Lado a lado concorreram, em
Cremos ter sido a contradição escravo/senhor a uma mesma formação social, capitalismo e escra-
fundamental responsávelpela superação do modo de vismo. A futura superioridade do capitalismo, que
produção escravista moderno. Não fatores exógenos. resultana vitória do Norte quando da guerra de
O que não quer dizer que a classe servil tenha tido Secessão,não é um dado.inicial. Nas primeiras dé-
consciência deste processo. Ou que se tenha tornado cadas do século XIX, o escravismo sulino era extre-
classe ''ascendente'', isto é, surgido como classe do- mamente pujante. Porém, na medida em que se de-
minante ho p6s-escravismo. Ao contrário, sua cons- senvolveo Norte, o Sul vegetanum crescimentobase,
ciência . desta superação foi sempre extremamente lamente quantitativo. Todo seu esforço por uma se-
limitada (como limitado era o desenvolvimento das paração qualitativa estraçalhou-se contra a ''quali-
forças produtivas sob a escravidão americana) e ela dade'' do trabalho escravizado que se adaptava pes-
surge, nas organizações económico-sociais, como simamente ao trabalho fabril, à agricultura e ao pas-
uma das partes constituintes das novas classes explo- toreio intensivos, etc. Por outro lado, os gastos ''mar-
radas. ginais'' do escravismo (controle social da massa es-
Parece-nos que para compreender como os es- crava, reposiçãoda mão-de-obra,etc.) eram, tam-
cravos determinaram esta superação é necessário bém. extremamenteelevados, onerando, assim, esta
orientar nossa pesquisa para estas formas de resis- forma de produção (em relação ao capitalismo) .
tência singulares, algumas vezes quase imperceptí- A derrota do Sul pelo Norte, em 1865, é impos-
veis, que fizeram parte do cotidiano do escravismo e sível de ser explicada a não ser a partir da categoria
que ocorrem com frequência muito superior à imagi- escravo. E ele que garante a vitória do Norte. Mas a
nável: o ''desamor ao trabalho'' o ''suicídio''. o garante permanecendo... escravo. Não foi necessário
''aborto'', o ''infanticídio'', a ''fuga'', o ''justiça- &

rebelar. se. Comparando-se os limites do esforço bé-


mento'', o ''roubo'', o ''quilombo'', as ''rebeliões'; e lico do Sul -- devido fundamentalmente à ''quali-
as ''insurreições". Esta verdadeira ''guerra de guer- dade'' do trabalho escravizado e à sua estrutura pro-
rilhas'' que vicQlou permanentemente enquanto per- dutiva -- à pujança desta atividade no Norte, pode-
durou a ordem escravistaé responsávelpela destrui- mos facilmente compreender como e em que sentido
ção da produção servil. Não em um sentido positivo. o escravo foi agente deste processo .
mas sim, negativo. O que fecundada com novo con- O fato de que os fenómenoshistóricos contin-
62 Mário José MaestroFilho

gentes que levaram à superação das formações es-


cravistas (tempo conjuntural) possam ter sido exóge-
T
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

mente, vitoriosa.
A resistência ao trabalho foi, entre as formas de
63

nos a estas formações não deve fazer-nos esquecer oposição do escravo -- fuga, justiçamento, quilom-
que esta destruição,em última instância, encon- bos, etc. --, a que mais profundamentedeterminou
trava-se garantida pelo esgotamento histórico destas a sociedade escravista. Nenhuma ação senhorial con-
formações nos quadros da produção escravista. Esgo- seguiupõr fim ao profundo desamor do cativo às
tamento garantido essencialmente pela incessante re- tarefas produtivas. Daí a desatenção, o desinteresse
sistência das massas escravizadas à escravidão. Que e, até mesmo, a sabotagemno trabalho. Realidade
esta resistência tenha assumido fundamentalmente a que deu origem à visão senhorial do negro preguiçoso
forma de uma defesa ''egoísta'' da vida biológica e e irresponsável. O alemão Carl Seidler, que visitou o
não de movimentospolíticosinsurrecionaisprocu- Rio Grande do Sul como membro das forças arma-
rando a criação de novas sociedades é simplesmente das de Pedro 1, registrou, em 1835, esta interpreta-
irrelevante. Que ''os homens fazem a história, mas ção: ''O negro É6 trabalha quando instigado pelo
ignoram que a fazem'' parece ser verdade particu- medo a seu dono e a seu chicote; logo que escapa das
larmente pertinente às sociedades pré-capitalistas. vistas desses dois potentados (...) deita-se imediata-
mente a dormir ( . . .)
O escravo negro trabalhava mal porque era es-
O negro ''preguiçoso'' cravo e não porque era negro. O negro preguiçoso e
boçal do engenho tornava-se o quilombola criativo e
A resistência servil s6 pode ser apreendida em industriosa do mocambo. O sistema escravista ani-
sua essencialidadeno contextogeral da antiga for- quilada a iniciativa e o interesse do produtor direto.
mação escravista brasileira. Através dos anos, uma O escravopodia até mesmoproduzir mais que um
ou outra região, uma ou outra prática económica homem livre, mas somente se ameaçado pelo tronco,
(açúcar, mineração, café, etc.) determinaram o es- pelo ''bacalhau'' e pela palmatória.
cravismo nacional. O Rio Grande do Sul, sem ter É fácil compreender o porquê do desinteressedo
jamais chegado a ser um dos grandes pólos escra- escravo pelo trabalho. De seu ponto de vista, ele não
vistas do país, permaneceu, até quase a Abolição, recebia remuneração alguma. Mesmo o tempo de la-
uma sociedade onde o esCravismo desempenhou im- buta que dedicava a produzir valores que Ihe eram
portante papel. Assim, podemos acompanhar em ter- devolvidos sob a forma de alimentação, vestuário,
ras gaúchas a contínua resistência do escravo à es-
etc., ele considerava tempo de trabalho dedicado ao
cravidão -- epopéia silenciosa, plebeia, porém, final- senhor. Trabalhava então a contragosto. O cativo
65

64
«,.,'. ".' «...,lll..« ;i..rc=e===
não controlava a duração de sua.jornada de trabalho.
Não raro, era do interesse económico do senhor
''consumir'' o mais rápido possível um cativo na
produção. Sem controle da duração de sua jornada.
o escravo protegia sua sobrevivência biológica dimi-
nuindo ao máximo a intensidade do trabalho (aten-
ção, rapidez, etc.). A própria sabotagemde instru-
mentos ou instalaçõesprodutivas, assim como a en-
cenação de uma enfermidade ou um autoferimento.
podiam servir para interromper, ao menos momen-
taneamente, uma atividade exaustiva.
O .baixo nível intelectual do escravo limitava
igualmente a produção servil. As condições de vida e
trabalho sob a escravidão determinavamtaxas de
mortalidade significativamente elevadas para os es-
cravos assenzalados.As ''baixas'', até 1850, eram
supridas pelo tráfico transatlântico de escravos. Era
necessárioum incessante treinamento mínimo dos
''escravos novos'' recém-chegados. Na verdade, era
impossível aos senhores elevar intelectualmente a
massa servil. Uma população escrava culturalmente
homogênea e adaptada à nova realidade seria extre-
mamente perigosa e explosiva. Mesmo uma elite de
escravos produtivos com nível intelectual mais desen-
volvido seria um problema.
Devido a estes e outros fatores próprios à eco-
nomia do escravismo, as tentativas de motivar. remu-
nerar ou elevaro níveldo trabalho escravizadoforam
sempre limitadas e incompletas, ainda que estas prá-
ticas e tentativas sejam essenciais para a compreen-
são do regime servil (escravos domésticos, escravos baILa físic'
65
64 Miada José MaestroFilha O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

não controlava a duração de sua.jornada de trabalho. urbanos, ''sistemabrasileiro'', etc.). Porém, a coer-
Não raro, era do interesse económico do senhor ção física -- o trabalho feitorizado e assenzalado--
''consumir'' o mais rápido possível um cativo na foi a principal responsávelpela continuidade da pro-
produção. Sem controle da duração de sua jornada, dução de bens coloniais durante os 350 anos de es-
o escravo protegia sua sobrevivência biológica dimi- cravismono Brasil. Este tipo de produçãos6 era
nuindo ao máximo a intensidade do trabalho (aten- possível sob determinadas condições e não se desen-
ção, rapidez, etc.). A própria sabotagemde instru- volvia além de certos limites.
mentos ou instalaçõesprodutivas, assim como a en- O escravo assenzalado necessitava ser enqua-
cenação de uma enfermidade ou um autoferimento, drado por uma verdadeira multidão de feitores. Eles
podiam servir para interromper, ao menos momen- organizavam, dirigiam e ''animavam'' o trabalho ser-
taneamente, uma atividade exaustiva. vil. Estes feitores -- homens livres ou escravos privi-
O .baixo nível intelectual do escravo limitava legiados = eram em número significativamente su-
igualmente a produção servil. As condições de vida e perior ao necessário para a coordenação técnica da
trabalho sob a escravidão determinavam taxas de produção. Portanto, ''oneravam'' a produção .escra-
mortalidade significativamenteelevadas para os es- vista Mesmo estreitamentevigiados, o trabalho de
cravos assenzalados. As ''baixas'', até 1850, eram um escravo era menos produtivo, se comparado ao de
supridas pelo tráfico transatlântico de escravos. Era um homemlivre. O naturalistaAuguste de Saint-
necessárioum incessante treinamento mínimo dos Hilaire, um dos grandes cientistas de seu tempo e
''escravos novos'' recém-chegados.Na verdade, era observador arguto e metódico, julgava que um traba-
impossível aos senhores elevar intelectualmente a lhador francês livre faria, em um pomar, o trabalho
massa servil. Uma população escrava culturalmente que ocupava quatro negros escravizados: A esta ob-
homogênea e adaptada à nova realidade seria extre- servação, feita em 1820, quando de sua visita ao Sul,
mamente perigosa e explosiva. Mesmo uma elite de agregou que, mesmo amedrontados, os escravos tra-
escravos produtivos com nível intelectual mais desen- balhavam mal e lentamente.
volvido seria um problema. O trabalho escravizado inibia tendencialmente o
Devido a estes e outros fatores próprios à eco- desenvolvimento das técnicas, maquinas e instru-
nomia do escravismo, as tentativas de motivar, remu- mentos produtivos. Em uma época em .que as inova-
nerar ou elevar o nível do trabalho escravizado foram ções tecnológicas surgiam fundamentalmente do co-
sempre limitadas e incompletas, ainda que estas prá- tidianó produtivo, a um homem instruído era verda-
ticas e tentativas sejam essenciais para a compreen- deiramentedesonrosotrabalhar com as mãos. O tra-
são do regime servil (escravos domésticos, escravos balho físico era considerado sinónimo de pobreza ou,
Mârio rosé Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 67

ainda pior, de condição escrava. Mesmo os avanços havia sucedâneopara o escravo na produção de mer-
tecnológicos oriundos do ''estrangeiro'' eram incor- cadorias coloniais. Mesmo com uma baixa produti-
porados lenta e imperfeitamente pela esfera t)rodu- vidade/homem, o escravismo alcançava uma alta
tiva escravista. O homem escravizado, necessaria- rentabilidade.Porém, a partir de meadosdo século
mente inculto e desinteressado no trabalho, estaira XIX, o escravismo começou a inibir o desenvolvi-
somenteapto a manejar maquinas robustas e pouco mentoda produção. No Rio Grande do Sul, os limi-
complexas. A pr6pi'ia necessidade do senhor de imo- tes da atividade charqueadora escravista, dos meios
bilizar capitais na compra de escravos dificultava a de transporte,das obras públicas, etc., são bons
aquisição de instrumentos mais refinados e caros. exemplos. Foi esta resistência ao trabalho, associada
Os fundamentais instrumentos agrícolas dos es- a outros fatores, que levou o escravismo ao esgota-
cravos foram sempre pesados e robustos machados e mento e garantiu a possibilidade de superação da
enxadas. Louis Couto, o cientista francês que estu- economia servil por formas superiores de produção.
dou detidamente as charqueadas gaúchas e os sa/a- Num sentido hist6ricÉ), fazendo ''corpo mole'' , o es-
deros uruguaios e argentinos a pedido do governo cravo fez avançar a História.
imperial, acreditava que a menor competitividade do
charque sulino em relação ao produto platino devia-
se fundamentalmente ao fato de o escravo gaúcho ser Suicídio, justiçamento, fuga
um produtor inferior ao operário livre do Prata. Ele
tinha de ser mantido, mesmo quando não traba- Entre as formas singulares de resistência servil à
lhava. Ele não podia, além das aparências, ser alu- escravidão, destacam-se o suicídio, o justiçamento e
gadopor algumtempo. Ele não tinha interesseno a fuga. Todas elas fizeram parte do dia-a-dia do es-
trabalho. E isto a tal ponto que os charqueadores cravismo gaúcho e preocuparam enormemente os se:
pelotensesforam obrigados'a contratar homens livres nhores. Quanto ao suicídio, eram muitos os motivos
para Manejar as cubas Cambacerêsa vapor, máqui- imediatos que levavam o escravo a esta opção defini-
nas que requeriam um manejo cuidadoso, responsá- tiva. Subjacentes a elesencontrava-se, quase sempre,
vel e completo. a situação escrava. Um cativo podia suicidar-se por
A oposiçãodo negro ao trabalhosob a escravi- temer ser vendido, ser separado de amigos ou ser
dão inibiu tendencialmente o desenvolvimento dos castigado.Não era raro um escravomatar-seapós
instrumentos e técnicas de trabalho. Durante os sé. atentar contra a integridade física do seu senhor ou
nulos XVI, XVll e XVlll, esta resistência surda não dos prepostos deste último. Escravos suicidavam-se
l devido à negativa senhorial de alforriâ-los sob paga-
questionoua ordem escravista. Naquele então, não
68 69
Àíári'o rosé Maesfrí .FIlÃo 1 0 Escravo Gatíc#o. Resüfêncfa e Zraóa/ho

mento. Em geral, o escravo buscava no autocídio a recer registros sobre movimentos coletivos servis de-
libertação de uma vida em todos os sentidos ingrata. sembocando no suicídio.
Com este ato, o senhor perdia o valor representado Os autocídiosserviseram, em geral, noticiados
pelo negro e a capacidade produtiva do escravismo pelosjornais do Império. Principalmenteos ocorri-
restringia-se. A eventualidade do suicídio podia ser- dos nas cidades onde os autocídios eram editados.
vir como trava a uma crescente degradação das con- Algumas auto-eliminações chegavam a ser divulga-
dições de vida e trabalho. das em outras províncias. O .Echo do Su/, de 14 de
Salvo engano, não há estudos específicos sobre o janeiro de 1862,registra que, em Campos (RJ), uma
suicídio escravo no Brasil. Tema que tropeça em difi- escrava eliminara suas duas filhas e ferira-se no pes-
culdades monumentais. Os levantamentos estatísti- coço. Interrogada, a frustrada suicida afirmou que
cos gerais contemporâneosà escravidão referem-se procurara a morte por ''não querer servir mais a sua
principalmente ao século XIX e são pouco confiáveis. senhora nem ela, nem seus filhos''
No relativo ao suicídio, a situação é ainda mais crí- O mesmo jornal registra, em 16 de janeiro de
tica. O autoCídio entre os homens livres tendia a ser 1866, que, em Porto Alegre, um escravo suicidara-se
apresentado como o resultado de um acidente ou enforcando-seno ''quintal da casa de seu primeiro
como morte natural. Ao suicida, na Colónia e no senhor (...y'. Muitas vezes, tentava-seavançar as
Império, negava-se o repouso em ''campo santo''. O prováveisrazões do ato. Em Rio Grandes um escravo
suicídio servil era também anunciado como resultado domésticoenfurecido tentara ferir sua senhora, uma
de um acidenteou enfermidade:a ação extremada preta e uma criança. ''Não podendo executar o seu
podia ''depor'' contra o amo. Um escrava de um nefando propósito (...) o monstro (síc) suicidou-se
''bom senhor'''nunca atentaria contra a vida. Assas- com uma facada no peito e um golpe fundo no pes-
sinatos de escravoseram apresentadoscomo autocí- coço.'' (Echo do Su/, 28.2.1862). Na mesma cidade,
dios. Crenças africanase religiosasl)odiam influen- alguns dias antes, uma escrava lançara-se ao poço da
ciar os cativos. residência senhorial. Segundo o periódico, fora com-
Um estudo do autocídio servil é imprescindível prada, havia 15 dias, doente. Seu ex-senhora ''obri-
para desvelar diversos aspectos da instituição escra- gara com ameaças de sovas(...) a declarar no leilão
vista. Por exemplo: teria sido o suicídio, como suge- que não era doente''(.Echo do S#/, 19.2.1862).Era
riu-se, mais comum entre os escravos urbanos do que comum os relatórios e falas provinciais registrarem
entre os rurais? Teriam os escravos africanos procu- laconicamente tais sucessos. Os papéis judiciários do
rado a morte mais frequentemente do que os escravos Império informam-nos também sobre o autocídio de
crioulos? Um tal estudo permitiria igualmente escla-
+

escravos. Quando da morte de um negro, a lei deter-


71
70 Mário rosé MaestroFilho O Escravo Gatíc#o. RpsfsrêPzcia
e Tuba/#o

minava que se efetuasse o ''auto de exame e corpo de violentas. A violência senhorial -- imprescindível ao
delicto'' bom funcionamentodo sistema -- era institucionali-
zada pela Ordem escraxista. A lei e a moral domi-
nantes tornavam a tortura do negro um direito e um
O escravo ''assassino dever privados dos senhores.
O Estado procurou regular o castigo do cativo
A escravidão prendia o escravo ao amo. Até a através dos três séculos e meio de escravismo a fim de
coibir ''excessos'' individuais que pudessem pâr em
morte, na maioria das vezes. Na produção, a riqueza
do senhorestavaligada ao ritmo, duração e quali- perigo a tranqüilidade e o bom funcionamento da
dade do trabalho do negro escravizado. O proprie- produção servil. A Igreja também lembrava a neces-
sidade' de martirizar com equanimidade os negros.
tário ou o seu prepostofeitorizavamrigidamenteo NÕ início do século XVlll, lembrava o bom padre
cativo. Na residência senhorial, o escravo doméstico,
Benzi: ''Para trazer bem domados e disciplinados os
apesar de ''privilegiado'',vivia dia e noite sób os
olhos e as mãos do escravista. Em forma geral, a coti- escravos é necessário que o senhor lhes não falte com
dianidade do servo negro dependia do arbítrio 'do o castigo, quando eles se desmandam e fazem por
onde o merecem
senhor, que exigia trabalho, respeito, submissão.
A sociedade escravista almejava um cativo que O escravo respondia violentamente às violentas
se autoconcebessecomo propriedade de outrem ou condições de vida e trabalho que conhecia. Esta vio-
um negro neutralizado pelo respeito e medo ao amo. lência emergia no trabalho, nas suas relaçõespes-
Para construir esta criatura, os senhores controla- soais, na pr6púa forma como ele autocompreendia-
vam, na medida do possível, os mais distintos aspec- se. Esta violência podia explodir em formas de luta
tos da vida do negro. O trabalho servil, a religião, contra a escravidão -- a fuga, a revolta, etc. Muitas
o lazer, a ''educação'', etc. eram estritamente vigia- vezes, ela resultava no ato de sangue contra o senhor,
suã família ou prepostos. A sociedade senhorial te-
dos e enquadrados pelo senhor, que contava, igual-
mia sobremaneira a ira servil. O senhor não podia
mente, com o poder de premiar ou castigar ó cativo.
O escravista concebia o escravo como um ser esquecer-se de que coabitava com seu ''inimigo do-
reduzido; o negro era forçado a autoconceber-se méstico''. Que o homem brutalizada podia, num ato
como inferior. No contexto do escasso desenvolvi- explosivo ou calculado, tornar-se ''um bruto assas-
sino''. Durante a escravidão,amos e feitoresforam
mento das forças produtivas da sociedade negreira e
l sistanaticamente abatidos pelo escravo enfurecido.
do alto nível de extração de trabalho excedente, as
Nos primeiros séculos da escravidão no Brasil, o
relações sociais interclasses eram necessariamente
73
72 Mlário José Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

O escravofujão
S

senhor martirizava com requintes inimagináveis o


negro que atentava contra os responsáveis de suã
desdita. No século XIX, ao menos formalmente, era A maneira mais simples, segura e rápida de um
cativo libertar-seera a fuga. Durante toda a escravi-
o Estado que supliciava o miserável. Porém, sequer o
medo à morte parece ter detido o braço do cativo em dão, o Brasil.conheceu uma significativa população
cólera. Em 1844, o presidente da Província de Minas de escravos fugidos. Em 1738, meses após a funda-
Gerais escrevia em seu relatório, meses após ter assu- ção de Rio Grande, jâ temos registro de um negro
mido o governo, que já enviara ordens para a exe- fugido. Segundo a época, a região e a conjuntura
cução de 13 escravos acusados de terem matado seus política, etc. , variavam os destinos dos fujões. Mui-
senhores ou familiares destes. tos procuravam serras e matas para aquilombar-se.
No Sul, não temos ainda estudos gerais sobre os Como o resto do Brasil, o Sul conheceu diversos
atentados de escravos contra senhores. Os relatórios quilombos. Outros cativos simplesmente desapare-
e falas dos presidentes da Província, a documentação ciam entre a população mestiça que desbravava pio-
policiale judiciária, os jornais do Império, etc. são neira nossossertões. Quando as aglomeraçõesurba-
prolixos no registro de tais fatos. No relatório provin- nas começaram a crescer, negros fugitivos procura-
cial de 1864,podemosler que, em Porto Alegre, dois vam passar por citadinos .livres ''de cor". Alguns
padeiros lusitanos tinham sido ''barbaramente (slc) cativos procuravam a proteção de um liberto ou de
assassinados a golpe de achas de lenh:a'' por três um senhor de escravos. Este último, sem nada ter
escravos que logo após fugiram. Consta no mesmo pago pelo negro, era menos exigente..''Acoutar'' um
relatório que, em 1863,em um termo de Rio Pardo, escravo constituía ação punida pela lei.
um jovem escravizado de 16 anos matara sua senhora No Sul, desde a Colónia, os escravos tinham um
destinoainda mais seguro: as terras de além-fron-
e fora preso. Em 1866,o jornal Echo do Szz/(25.6)
registra a condenação à morte do preto Machado por teira. Os negros escravizados que alcançassem as re:
terjustiçado o capataz da charqueada em que traba- piões castelhanas eram recebidos como homens li-
F vres. Tratados contrários a este princípio foram assi-
lhava. Em 1867, a escrava Mana foi julgada, em
Porto Alegre, segundo o .Z)f(iria de Rfo Gra/zde, de 25 nados fnas não executados. No Uruguai, em Entre
de maio, pelo afogamento de diversos filhos de seus Rios, etc. , o ex-cativopodia empregar-secomo assa-
senhores. lariado. Esta singularidade gaúcha possivelmente di-
minuiu a incidência e a importância de outras formas
de resistência servil no Sul.
No Império, era comum os senhores noticiaram
{
H
75
74 Mário José MaestroFilho if O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho

nos jornais a fuga de escravos, os dados dos cativos e mato -- regulamentada nos anos 20 do século XVIII.
a gratificação pela captura. Nos anúncios sulinos, Em fevereiro de 1789, a Câmara de Porto Alegre no-
não raro se lê que provavelmente o cativo tinha como meou, salvo engano, seu primeiro capitão-dolmato.
'destino a fronteira?'. Alguns falhavam nesta tenta- O caçador de escravosfugidos era geralmentepm
tiva: a escravaJoaquina,-segundoo .alar/o de Rfo mulato ou um negro e, às vezes, um liberto. Forte-
Grande, de 9 de março de 1867, foi presa a um passo mente armado e auxiliado por cães, era pago distin-
da liberdade, em Jaguarão, ''ao passar para o Estado tamente se o negro fosse capturado numa cidúle,
Oriental''. Outros eram mais felizes. Já em 1820-21, distante de sua residência ou em um quilombo. Para
Saint-Hilaire apontava entre as justificativas para a um livre-pobre -- branco, mulato ou preto , pren-
guerra contra Artigos a proteção acordada pelo cau- der um cativo fujão era também uma 6tima forma de
dilho aos negrosfugidos do Brasil. E com razão. O ganhar uns trocados. O que unia toda a popylacão
naturalista francês também assinala que os ex-escra- livre contra o escravo escapado. Este constituía, Ci l
vos gaúchos eram tidos como os soldados mais valen- verdade, uma verdadeira gratificação ambulante.
tes de Artigas. Os senhores gaúchos organizavam Fato que tornava infernal a vida dos furões que pro-
igualmente razias nt)s territórios vizinhos para se- curavam passar despercebidos em uma cidade.
qüestrar antigos escravos escapados . Se preso, o furão era barbaramente castigado.
As fugas causavam sempre prejuízos aos senho- Para que não repetissea aventurae para servir de
res. Alguns fujõesjamais eram recapturados. Seus exemplo. No mesmo ano em que se nomeou um capi-
proprietários eram obrigados a desembolsar para tão-do-mato em Porto Alegre, a vereança mandou
substituí-los.Outros eram detidosmesesou, até mes- aprontar um ferro para queimar com ''F'' as carnes
mo, anos após terem fugido. Este era um tempo de dos negros capturados em quilombos. Na mesma
trabalhojamais recuperado. Mesmo quando aprisio- ocasião, providenciou-se o tronco para .executar .os
nados, os fujões causavam prejuízos. Desde 1574, os castigos legais. Era também costume brindar os fu-
senhoreseram obrigados a gratificar os captores e a jões com correntes, gargalheiras,calcetes, etc. Em
pagar os gastos com os negros enquanto eles não lhes todos os casos, o tronco e o ''bacalhau'' eram apli-
fossemdevolvidos.Mesmo não fugindo, o escravo cados sem parcimonia.
pesava no bolso do senhor. Esta ''riqueza com per- Apesar de toda a vigilância e dos terríveis. cas-
nas.'' devia ser guardada por feitores e capatazes es- tigos que esperavam os capturados= o negro fugia
pecialmente contratados para isto. sistematicamente.Na Colónia e no Império, existiu
A caça ao negro escapado permitiu até mesmo o uma população flutuante e significativa de negros
surgimento de uma profissão -- a dos capitães-do- fugidos ou presos à espera de serem devolvidosaos
76 Mário José Maestro Filho

seus senhores. Nos jornais do Império estão estam-


pados anúncios sobre a fuga de jovens, crianças e
r O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

minadas pelo contexto geoeconâmico da região. Nas


''Minas Gerais'', multiplicaram-se quilombos dedi-
77

velhos. Alguns fugiam com apenas a roupa do corpo; cados à cata clandestina de ouro e diamantes que
outros levavam o que podiam. Muitas destas fugas eram permutados por alimentos e outros meios de
não tinham, parece, destino certo; outras foram pla- subsistência. Na Amazânia, comunidades de quilom-
nejadas com cuidado. O certo é que -- muito mais do tiolas ocupavam-se no extrativismo. O produto desta
que se pensa -- o escravo opas-se ao senhor simples- prática era escoado pelos regatões que abasteciam
mente fugindo. igualmenteos quilombolas. Nos arredores das prin-
cipais aglomerações urbanas, pequenos quilombos
viviam do abastecimentoda população citadina em
Quilombos gaúchos caça, lenha, ovos, etc. Algumas comunidades de es-
cravos fugidos viviam da rapinagem.
O quilombo -- comunidade de escravos fugidos O quilombo agrícola -- comunidade de agricul-
estabelecidos em um ermo qualquer -- foi a mais tores e artesãos -- foi o mais comum no Brasil. O
segura maneira de um negro libertar-se da escra- escravo fugido libertava a então principal constituinte
vidão. Sob diversos nomes, esta forma de resistência das forças produtivas: sua força de trabalho. A terra
servil pululou em quase todas as regiõesque conhe- '- essencial meio natural de produção -- abundava
ceram a escravidãocolonial. Na própria ilha açuca- devoluta na América escravista. As ferramentas ou
reira lusitana de São Tomé, próxima à costa'afri- eram roubadas durante a fuga ou substituídas por
cana, formaram-se ''quilombos''. No Brasil. salvo instrumentos de pedra, madeira ou osso. Esta pro-
engano, a primeira referência à fuga e resistência de dução agrícolapodia ser completadacom a caça, a
escravos é de meados do século XVI. Isto é, poucos pesca, a coleta e o saque. Quando um quilombo se
anos após o início da introdução de cativos africanos estabilizava e aumentava sua produção, o saque ten-
na América lusitana. Em 1888, quando da Abolição, dia a ser substituído pelo escambo. Obtinha-se assim
pululavam quilombos no litoral e sertão brasileiros. armas, pólvora, ferramentas,ferro, etc. Este inter-
Fugidos das plantações, fazendas, catas, char- câmbio garantia melhores condições de vida para o
queadas, etc., os cativos podiam estabelecer-seem quilombo.
um local de difícil acesso ou afastado do. mundo Os agrupamentos quilombolas débeis e instáveis
senhorial. Fundavam, então, uma comunidade de constituíam comunidades agrícolas domésticas; aque-
produtores independentes ou associados. As ativida- les que se estabilizaram e reproduziram, conheciam
des económicas destes grupos eram diversas e deter- um modo de produção doméstico. Os quilombos
78 Miada José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 79

agrícolas baseavam sua economia sobre a agricultura quilombola determinava à teria, as comunidades de
itinerante de cereais e/ou tubérculos praticada com ex-escravosviam seus territórios cobiçados. Os es-
ferramentassimples,em geral, de ferro (enxadas e cravos fugidos e seus descendentes.eram valores. A
machados). Nesta atividade, a força humana e o fogo repressãoa um quilomboe a captura de seushabi-
eram as energias essenciais. .Parte desta produção ou tanteseram formas seguras para um enriquecimento
da de atividades por ela sustentadas possibilitavam a rápido. Finalmente, o quilombo constituía uma
aquisição de bens de difícil ou impossível confecção ameaça à ordem servil. Era uma alternativa para os
no quilornbo. A relativa semelhança entre estas co- ros escravizados. Sabemos também que quilom-
munidadese as africanas deve-seaos relativamente bos participaram de conspirações antiescravistas.
iguais níveis de desenvolvimento das forças produti- Ainda que segmentos senhoriais, devido a interesses
vas de ambas as economias, e não a uma ''herança económicos, tenham chegado a proteger quilombos,
cultural'' ou ''regressão'' económico-social.A comu- a. política escravista foi sempre a destruição destas
nidade agrícola quilombola viveu sempre no contexto comunidades.
da antiga formação escravista, ainda que relativa- O quilombo é um fenómeno que recém coqieça a
mente autónoma a ela. No entanto, a produção es- preocupar nossas ciências sociais. No entanto, as co-
cravista foi sempre dominante. Isto, devido ao mais munidades de escravos fugidos desempenharam um
elevadonível de sobretrabalho que ela extraía ao es- papel ímpar em nosso passado. Constituíram signifi-
cravo e à sua inserção no mercado internacional. No cativa forma de luta social sob a escravidão. Manti-
Brasil, a confederaçãodos quilombosde Palmares veram importantese singulareslaços com a antiga
constituiu uma formação social independente da so- formação social escravista. Contribuíram, talvez mui-
ciedade luso-brasileira, pois, na serra da Barriga, to mais que possamos imaginar, ao desbravamento e
nas Alagoas do século XVll, tivemos um verdadeiro à ocupação dos sertõesbrasileiros. Enfim, influen-
Estado com economia e sociedade estrüamente regu- ciaram nossa conformaçãoétnica, linguística, reli-
laLIUb. giosa, etc. Delinear a contribuição destas comunida-
O quilombo rural tendia a estabelecer relações des ao nosso passado não é acrescentarmais uma
pacíficas e de intercâmbio com a formação escra- pagina à nossa história. É compreendo-laem um
vista. Porém, o mundo senhorial. entrava inevitavel- contexto mais complexo e concreto .
mente em contradição com o quilombo agrícola. Se o Até quase a Abolição, o escravismo desempe-
quilombo crescia, ele questionava a posse monop6- nhou significativo papel no Sul. Parcelas do território
lica da terra. Devido à expansão natural da proprie- gaúcho conheceram importantes concentrações de
dade escravista ou à valorização que a ocupação negros escravizados. No entanto, não se registra qui-
81
H) Mârio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho

lombos de vulto nestas regiões. O que é fácil de ex- nagem e de relações mercantis com a vila de Rio
plicar. No Rio Grande do Sul, o cativotinha ma- Grande. .
neira mais segurade libertar-se: a fronteira. Em ter- Nas cercanias de Pelotas, grande concentração
ritórios gaúchos escasseavam-setambém serras gaúcha de escravos, subsistiram igualmente diversos
abruptas e matas impenetráveis. Por outro lado, al- quilombos. Temos informações, para o pnmei=o
gumas das regiões com estas características eram
habitadas por ''ferozes bugres''. Ao nível atual de
nossosconhecimentos,podemosafirmar. que no Sul
dos séculos XVlll e XIX dominou a pequena con- bunda. Segundo parece, o grupo praticava a rapt-
centraçãode uma dezena ou pouco mais de fujões. nageme o ''rapto'' de escravose escravaspara o
Os primeiros quilombosgaúchos.datam possi- fortalecimentoda comunidade.O municípiode.Rio
velmentedo início da ocupação lusitana. Como vi-
mos, na primeira metade do XVlll, escravos, no Sul,
fugiam de deus ''amos''; na segunda metade, no-
meava-sejâ capitães-do-mato. No século XIX, é
abundante a documentação sobre quilombos no Rio t6rico do Rio Grande do Sul encontra-sedocumen-
Grande do Sul. Em 9 de janeiro de 1833, 0 0bser-
t,apor, jornal de Rio Grande, noticiava sobre uma
pequena concentração de quilombolas na ilha dos
Marinheiros. Seu chefe seria o negro Lulas -- ali vivendo em dois ranchos. Seis quilombolas .foram
estabelecido hâ dez anos --, o quilombo seria for- presos, dois morreram resistindo. Os. restantes al-
mado por seis homens e quatro mulheres. Após a cançaram a fugir. Na mesmaregião, existia um outro
morte -- à traição -- do chefe quilombola, o qui- qui ombo que foi inutilmente procurado pelos escra-
lombo é visitado pelo delegado de polícia e guardas vizadores. Hâ indícios da existência de quilombos no
nacionais. Nele encontram, segundoo jornal, ''uma antigo município de Triunfo e em outras regiões do
grande çasa com vários repartimentos, alguns couros Rio Grande do Sul.
de vaca, quatro delescom a marca do sr, Antânio
José Afonso, muita carne, graxa, sebo, panelas de
ferro, chocolateiras, garrafas, frascos, garrafões,
uma lança, grande porção de lenha cortada e amar-
rada (...y'. Este inventáriosugerea pratica da rapi-
82 Mlârio Josê Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 83

Insurreições escravas vais a amplas insurreições servis. A classe escrava era


no Rio Grande d(i Sul étnica, cultural e socialmente hetçrogênea; seu nível
intelectual era extremamente baixo; ela vivia atomi-
A documentação histórica do Brasil escravista zada atravésdo país em inúmeras unidades produ-
registra inúmeras insurreições servis. A grande maio- tivas, etc. O que não impede ter sido o abandono
ria foi reprimida antes da deflagração.Algumas ti- pelos escravospaulistas das fazendas cafeicultoras o
veram de ser derrotadas militarmente. Outras eram
responsável pela estocada final que destruiu a escra-
produto da imaginação senhorial temerosa de um vidão no Brasil, em 1887-8.
Haiti no Brasil. A eventualidadede uma sublevação As rebeliões, revoltas e insurreições escravas de-
escrava aterrorizava profundamente os senhores. O terminaram profundamente o escravismobrasileiro.
Código Criminal do séculoXIX explicita esse temor. Os senhores foram obrigados a cercarem-se de um
Era considerado crime de insurreição o complâ de 20 exército de feitores e agregados para protegerem-se
ou mais cativos para obterem violentamente a liber- de tais acontecimentos.O próprio paternalismo com
dade. Para os ''cabeças'' do movimento, 15 anos de os escravos domésticosconstituía também uma de-
''galés''era a pena mínima. A máxima era a morte. fesa contra o negro assenzalado.O estar o mundo
A abrangência da legislação reduzia a um só crime senhorial assentado sobre uma massa produtiva fei-
-- insurreição -- fenómeno.sservis de .=listintossigni- torizada condicionou toda a história política brasi-
ficados: tentativas coletivas de fuga buscando o aqui- leira pré-Abolição: movimentos ''nativistas'', Inde-
lombamento; explosõesservis contra um feitor singu- pendência, Regência, etc. As elites dominantes eram
larmente odiado; e, até mesmo, movimentos procu- obrigadas a ter sempre presente que suas riquezas e
rando o fim da ordem escravista. Parece.nos mais
vidas dependiam da coerção que exerciam sobre o
correto denominar somente este último caso como chamado ''inimigo doméstico
insurreições; os outros, como rebeliões ou revoltas. A historiografia gaúcha, em forma geral, não se
Em geral, é difícil saber os objetivos exatos dos cons- ocupou das insurreições, revoltas e rebeliõesservis.
piradores.
Segundoparece, elas foram, no entanto, inúmeras.
A insurreição contra a ordem vigente é forma de Nicolau Dreys, na sua .Nbfícía Z)escríflva, de 1839, já
luta essencialda sociedadecapitalista.Não o é do afirmava: ''Os negrosdo Rio Grande (...) várias ten-
escravismo. Para o negro, objetiva e subjetivamente, tativas fizeram em tempos diferentes, para imprimir
o mais fácil e seguro caminho para a liberdade era a a toda a população negra um movimento insurre-
fuga e o aquilombamento.Fatores estruturaisao cional (...y'. O que nos sugere, ai)asar do exagero da
escravismo levantavam barreiras quase intransponí- afirmação, a ocorrência de movimentos anteriores a
H''P''
84 Márfo rosé .IWaesfrí.FI/ho 1 0 Escravo Gaúcho.. Resísféhcía e Tuba/#o 85

esta época. Porém,l os indícios conhecidos são para de escravos. Com o fim da c.hegada de africanos,
épocas posteriores ao trabalho de Dreys. Em 1838, a massa servil brasileira ladinizava-se. Isto é, tor-
descobriu-se uma conspiração em Porto Alegre. Em nava-se culturalmente mais homogénea e adaptada à
1848, reprimiu-se um complâ em Pelotas. Em 1859, vida no Brasil escravista.As condiçõesde vida e
a presidência da Província registrou ''insurreições trabalho dos homens escravizados melhoravam em
servis'' em Piratini e Capivari. Em 1863, 1864 e 1865, algo -- cóm o fim do tráfico, o negro ''valorizará-se"
foram igualmente registrados fatos semelhantes. Pes- A estas melhorescondiçõespara uma ''consciência"
quisa mais detida possivelmenteapontara diversos servil da situação escrava ajuntava-se a nascente crí-
outros casos. tica emancipacionista e abolicionista do escravismo.
Para alguns destes movimentos temos informa- É neste ano de 1865que o jovem acadêmico Castra
ções mais detalhadas. Ê o caso de Pelotas, em 1848. Alves inicia gua radical crítica poética da escravidão.
Apesar de ainda não sabermos a real amplitude do A situação internacional também favorecia a
acontecimento, a farta correspondência entre as au- efervescência nas sanzalas. No primeiro semestre de
toridades civis, policiais e militares publicada pelo 1865, o sonho escravista dos confederados arderia
O Rfo-Grandense,
de Rio Grande,sugere-nos
um nas chamas de Richmond. Por outro lado, o Rio
movimento de vulto sufocado antes da data prevista Grande do Sul era o palco nacional do intervencio-
para a deflagração -- 6 de fevereiro de 1848. O plano nismo de Pedro ll no Prata. Montevidéu cercada, o
envolveria principalmente os escravos ''minas'' da Governo b/arco vivia seus últimos dias. Dentro em
cidade de Pelotase das charqueadase olarias dos pouco, iniciar-se-ia a sangrenta ''guerra do Para-
arredores. ''Minas'? eram os africanos escravizados guai''. Como sabemos, revoluçõese guerras senho-
provenientesdo antigo forte de São Jorge da Mina, riais ensejavàm fugase rebeliões escravas.
na atual Gana; no Rio Grande do Sul, talvez fossem Os feitos servis de 1865 parecem estar ligados ou
conhecidos como ''minas'' todos os cativos embarca- terem sido deflagrados pelo ataque dos b/alzcosa Ja-
dos no litoral do golfo da Guiné. Dezenas de escravos guarão. NÓ dia 27 de janeiro, Q generaluruguaio
foram presose até mesmo uma canhoneira foi posta Basilio Mufloz, com centenas de cavaleiros, cruzou a
à disposição das autoridades pelotenses para garantir fronteira gaúcha numa derradeira tentativa de rever-
a ''ordem'' ter a sorte da guerra. Possivelmente,as esperanças
Pouco sabemos sobre os acontecimentos de 1865, uruguaias estavam assentadas na eventualidadede
segundoparece, uma conspiração escrava de vulto. A um levante servil gaúcho. A proclamação do general
conjuntura sócio-política era favorável a fatos seme- Basílio afirmava que os uruguaios vinham para ''dar
lhantes. Há 15 anos acabara o tráfico transatlântico liberdade aos desgraçados homens de cor que gemem
86 Mârio José MlaestriFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 87

debaixo do jugo da escravidão(. ..y'. chos. Patrulhas de ''vigilantes'' foram organizadas.


Um velhotemorsenhorialera que os escravos Os uruguaios estabelecidos no Sul foram estreita-
optassem pelos inimigos do ''Brasil':. Quando do mente vigiados. Em São José do Norte, negros foram
ataque uruguaio, o presidente da Província imedia- surrados ''preventivamente'' Reprimida a insurrei-
tamente procurou pâr em ''segurança'' os negros ção),tudo voltou à normalidade. Meses mais tarde,
cativos de Santa lsabel, centro charqueador sobre o em seu relatório, o presidente da Província escreve-
canal São Gonçalo, a 18 léguas de Jaguarão. As pri- ria, para acalmar definitivamenteos ânimos, que:
meiras exageradas informações estampadas nos jor- ''Em geral é bom o estado atual da tranqüilidade
nais de Rio Grande sobreo assaltoà fronteira expli- pública na Província. No princípio do corrente ano
citam igualmente a preocupação dos senhorescom os houve um estremecimento geral proveniente de sus-
cativos. Og uruguaios teriam arrebatado milhares de peitas da existência de um plano de insurreição civil.
cavalos e quase uma centena de cativos. Não creio que houvessequalquer plano combinado,
O avanço uruguaio foi rechaçado sem maiores mas o certo é que em alguns termos da província eram
dificuldades. Segundoparece, a luta não fora vio- fundados os receios (...y'. No Arquivo Histórico do
lenta. Somando-se mortos, eles não chegavam a uma Rio Grande do Sul encontra-seuma lista com deze-
dezena. Logo, a preocupação deslocou-se do inimigo nas de escravos presos na cadeia da vila de Piratini
externo para o ''doméstico''. Em Piratini, região de quando daqueles fatos.
agricultura assentadasobre o braço escravo, desco-
briu-se, a 2 de fevereiro, uma conspiração servil. A
data da sublevaçãoseria a noite do dia 4. Trinta es-
cravos foram presos e castigados. Os cativos plane-
javam portar ''divisa branca no chapéu'', quando do
levante. No dia 5, segundo parece, em Santa lsabel,
explodiu outro pequeno movimento. Bonfim, escravo
e ''chefe dos sublevados'' , foi preso. Finalmente, em
Arroio Grande, o preto Florênciofoi detido. Estaria
organizando, com o oriental José Benito Varella,
uma sublevaçãopara quando do ataque uruguaio.
Escravos urbanos de Jaguarão estariam envolvidos Tronco em madeira. Os or#ícios maiores retinham os pes
na articulação. caças, os menores, os punhos ou os tornozelos dos supli
O medo então se instala entre os senhores gaú- dados.
ã
89
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho

donas'' oferecidas pelos lusitanos na Colónia do Sa-


cramento. O escravo negro ingressou nos atuais ter-
ritórios gaúchos antes mesmo da fundação de Rio
Grande, em 1737. Os primeiros ''colonizadores''
luso-brasileirosa chegaremao atual Rio Grande do
Sul trouxeram consigo um significativo número de
escravos negros. Os dados de que dispomos sugerem-
nos que estes africanos, assim como os introduzidos
nos anos seguintes, eram maioritariamente originá-
rios de ''Angola''
CONCLUSÃO O cativo negro,. em forma geral, foi empregado
nas estâncias criat6rias gaúchas, principalmente se
elas possuíam uma pequena exploração agrícola de
subsistência. Porém, a criação latifundiário-mercan-
 Ãfrica Negra vivia um importante momento til assentou-se essencialmentesobre o trabalho livre.
no seu processo de desenvolvimento civilizat6rio Os indígenas missioneiros desempenharam um es-
quando aportaram em suas costas as naves européias sencial papel em todo este processo. Foi a char-
à procura de homens a serem escravizados. Por ra- queada -- pratica manufatureira baseada na elevada
zões económicas, demográficas e sociais, s6 era pos- extração de sobretrabalho ao produtor direto -- que
sível a exploração colonial de significativas parcelas mitiu a constituição de uma sólida. esfera de pro-
das terras americanas a partir do braço feitorizado. dução escravista no Rio Grande do Sul. No mundo
O indígena e, logo após, o homem africano foram a urbano gaúcho, como no resto do Brasil, o homem
base fundamental da força de trabalho da América escravizado era privilegiadamente ocupado nos mais
escravista. O escravísmo colonial -- modo de produ- diversos misteres.
ção historicamente novo -- assentava a riqueza da
:+

O escravo negro determinou a história da socie-


América negreira sob a exploração vertiginosa do dade escravista e sua superação resistindo à escravi-
homem escravizado. dão. O suicídio, a fuga, o justiçamento, o quilombo,
O primeiro grande movimento lusitano em dire- etc. foram as formas singulares que assumiu a -luta
ção ao Sul teve como objetivo a participação no furi- de classes sob a escravidão. Durante o século e meio
bundo contrabando praticado no Prata. A partir.de 'Ç
de escravismo gaúcho, o homem negro escravizado
1680, o cativo negro foi uma das princit)ãis ''merca- opas-se sistematicamente e reiteradas vezes à escra-
q'

«) Mário José Maestro Filho \

vidão. O Sul conheceuquilombose rebeliõesservis.


Sabemos pouquíssimo sobre esta realidade.
O escravismo riograndense, sem ter sido em ne-
nhum momento da história gaúcha a organização
social e económicadominante, foi, até quase a Abo-
lição, uma das principais constituintes da antiga for-
mação social sulina. O escravismo, modo de produ-
ção subordinado no Sul do país, era dominante a
nível nacional. Os senhores de escravos gaúchos
INDICAÇÕES PARA LEITURA
constituíram uma importante oração da classe domi-
nante sulina.
Devido às características da coleção ''Tudo é História
indicamos somente as principais obras em. que apoiamos este
ensaio. assim como os trabalhos sobre o esciavis.mo e a História
da Ãfrica Negra pré-colonialde mais fácil obtençãoe em por-
tuguês.

Ê bastante rica a bibliografia em português sobre a escra-


vidão no Brasil. Referente à economia política do escravismo
temosa obra de Jacob Gorender, O Escravismo Co/onça/(2a ed.,
São Paulo. ética, 1978) que enfoca os mais variados aspectos da
instituição no Brasil. Igualmente abrangente é o trabalho de
Emília Viotti da Costa, i)a Senza/a à (bZónía(2a ed. , São Paulo,
Ciências Humanas, 1982), onde, além de discutir-se a crise do
escravismono Brasil, traça-se um detido panorama da escraü-

neiro. Paz e Terra, 1977). São igualmente abundantes os estudos


sobre a produção escravista do açúcar. Mana Thereza Schorer
Abate de animaisem uma charqueada(J. Debret, de. Petrone analisou esta realidade em São Paulo em .4 .[avozzra
fa/&e). Canavleíra em São Pau/o (São Paulo, DIFEL, 1968), assim como

À
92 Mârio rosé MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 93

Peter L. Eisenberg o fez para Pemambuco, em .44odernízaçâb Sobre a escravidão no Rio Grande do Sul são menos abun-
sem Mudança. A Indústria Açucareiro em Pernambuco. }840- dantes os trabalhos. Dente de Laytano escreveu diversos estudos
/9/0 (Rio de Janeiro, Paz e Terra; Campinas, UNICAMP, 1977). sobre o negro no Sul. Entre eles temos: "0 Negro e o Espírito
Em .A#Pzas Geral.' Escravos e .SePzllores(São Paulo. IPE/tiSP. Guenékd' (in Anais do il Congraso de Estudos AÕ'o-Brasi-
1981), Francisco Vidas Luna traçou um detido quadro da pratica leiros, Salvador, 1937, pp. 95-117) e o ''Negro no Rio Grande do
mineradora escravista em Minas Gerais. Especificamente sobre Sul(Primeiro .gemfnárlbde Estudos Gatíc#os, Porto Alegre,
a Abolição, tema que assume crescente importância em nossa PUC, 1957, PP. 29-106). Clâudio Moreira Bento tentou uma
historiografia, Robert Conrad publicou um abrangente trabalho, síntesehistoriográfica da questão em O ]Vegro e l)escendenres na
Os U7fímos.lhos da Ekcravafura pzo.Braif/(Rio de Janeiro. Civi- Sociedade do Río Gra de do .Stz/ .(Porto Alegre, GRAFOSUL/
lização Brasileira; Brasília, INL, 1975). Sobre os castigos serás e IEL/DAC/SEC, 1976).Temos, de Mário MaestroFilho, O Es-
a resistênciaescrava, J. Alípio Goulart escreveu dois clássicos: cravo zzõ Rlo Graizde do .S#/. .A (Zarqueada e a Gêrzese do
Da Palmatória ao Patíbulo. Castigos de Escravos no Brmil (R\a Escravümo Gazícho(Porto Alegre, EDUCS, EST, 1984). Marga-
de Janeiro, Conquista, 1971) e Z)a /bga ao .Suicídio. 4specfos de ret Marchiori Bakos publicouRS.. Escravfsmo & 4boZíção(Porta
Rede/díados .Escravosno Z?rasa/(Riode Janeiro, Conquista; Alegre, Mercado Aberto, 1982). Fempndo Henrique Cardoso
INL 1972). A resistência do cativo à escravidão foi abordada por traçou um amplo quadro da instituiçãoescravistano Rio Grande
Clõvis Moura em Rege/iõesda .Sepzza/a(3aed., São Paulo. Ciên- do Su\ em Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional (2&
cias.Humanas, 1981) e Os Quf/omóose a Reóelfâo Alegra(São ed.. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1977).Autoresgaúchos,tais
Paulo, Brasiliense,1981). Ronaldo Marcos dos Santos discutiu a comoGuilhermino Casar, Paulo Xavier, Moacyr Flores, Riopar-
importância da resistência escrava em Reiüféhcía e Superação dense de Macedo. Décio Freitas, etc., têm abordado a escravidão
do .Ekcravümo na P ovíncla de .Sâo.Patilo (São Paulo. IPE/USP. gaúcha em capítulos de obras voltadas privilegiadamente a ou-
1980). Quanto aos quilombos de Palmares, temos o trabalho de tras questões ou em artigos isolados.
Décio Frestas Pa/mares.' .4 Guen'a dos Escravos(3a ed., Rio de São ricas e variadas as fontes sobre o escravismono Rio
Janeiro, Gr?al, 1981).Este mesmoautor discutiu o agir do Grande do Sul. Diversos viajantes estrangeiros registraram múl-
escravo na Cabanada em Os Guerra/Aeíroi do .Imperador(Rio, tiplos aspectos da instituição no Sul. Entre eles, destacam-se:
Graal, 1978). Mana Januâria V. Santos escreveu.ã Ba/alada e a Robert Avé-Lallemant, Vlagempe/a H'ovíncla do Rfo Grande do
Initzrreíçâb de Escravos no .A/aranÀão(São Paulo, ética, 1983). Su/. (/585) (Belo Horizonte, ltatiaia; São Paulo, EDUSP, 1980);
Sobre o tráfico transatlânticode escravosem direção ao Brasil, Nlcolau l)vens, Notícia Descritiva da Província do Rio Grande do
temos. de..rosé Gonçalves Salvador, Os .AZagnafai do Traí/Tco Sti/(Porto Alegre, Globo/IEL 1961);John Luccock, .Nbfassobre
Negreú'o(São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981). Les]ie Bethe]] o Rio de Janeiro. E Parta ÀfeHdíonaísdo Brasíl (Belo lloü-
abordou a supressão.destecomércio em.4 .4bo/íçâo do Zr4/7code zonte, ltatiaia; São Paulo; EDUSP, 1975); Auguste de Saint-
.L

Escravosno .Brasa/(Rio de Janeiro, Expressão e Cultura: São Hilaire, vagem ao Rlo Grande do Su/ (/820-2/) (Belo Hori-
Paulo, EDUSP, 1976). Como síntesesda escravidão no Brasil. zonte. ltatiaia: São Paulo, EDUSP, 1974); Carl Seidler,Z)e2
temos, de Maurílio de Gouveia, #hfória da Es'cravídâo(Rio de .4nos /zo.Brasa/(3a ed., São Paulo, Martins; Brasília, INL 1976).
Janeiro, Tupy, 1955); de Maurício Goulart, .4 Escravídâó AIÓ'a- Sobre a escravidão e a Colónia do Sacramento, Jonathas da
camazzo.Braií/.l)as orjgePzs
à mflnçâodo fr(Í/íco(3? ed., São Costa Rego Monteiro escreveu 4 (b/órfã do .Sacramento. /ó80-
Paulo, Alfa-õmega, 1975); e, de Kâtia de Queiroz Mattoso. Ser l ] 777(2 vais., Porto Alegre, Globo, 1937), que contém rica infor-
Escravo no .Brasa/(São Paulo, Brasiliense, 1982). mação sobre o problema. Igualmente importante é o trabalho de
94 Mârio Josê MaestH Filho

Ema lsoXa,l.a Esclavitud en el Uruguay. Desde sus Comienzos


hasta su Erflpzcfón. (/743-/852) (Montevidéu, Monteverde*
r
1975). O trabalho de Luas Couty, Ze .4/afé ef /es Cozzsen'eide
Vz'ande(Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1880) é essencial
para o estudo da charqueada escravista. Também o é o ensaio de
Antõnio Gonçalves Chaves, À/emórías Ecónomo-Po/ífícas. Sobre
a .4dmlPzürraçãoPzíb/fca do .Bus//(Porto Alegre, CUSG, 1978).
Quanto à demografia sulina no século XIX, temos de E. A.
Camaxgn, Quadro Estatístico da Província de São Pedro do RGS
(Porto Alegre, Jornal do Commercio, 1868)e de J. M. Ferraz, Os
Primeiros Gazíc#oi da .4mérica Porfzzguesa(Porto Alegre, IEL;
Caxias do Sü1, 1980).
A melhorsínteseda históriado Rio Grande do Sul no Sobre o Autor
períodocolonial é de Guilhermino Cesar, l?lsrórla do Rlo Grau -
de do Szi/. Perhdo Co/onça/(Porto Alegre, Globo, 1970). Mârio José Maestro Filho nasceu em Porto Alegre em 1948.
Apesar de serem extremamente escassos trabalhos sobre a Graduou-se e doutorou-se na [/niPersífé (hr#o/íque de ]otzvafPZ ,
História da Âfrica Negra pré-colonialpublicadosno Brdsil, em Bêlgica. Escreveu, entre outros trabalhos, 4 4griczz/furaÁ/rí-
Portugal edita-se sistematicamenteobras especializadas ou de cana nos .Séczz/osXy7 e XV77 no Z.flora/ .4ngo/ano.(Porto Alegre,
divulgação sobre o assunto. De Basal Davidson temos Neve/ando UFRGS, 1978), /9/a.' .4 Neva/fa dos Maré'n#eíroi (São Pauta,
a Ve/AaÀ/rica (21 ed., Lisboa,Prelo, 1977)e Mãe Alegra(Lis- 'global, 1982) e O Escravo no Rio Grande do .Su/. .4 cáargaeada
boa, Sâ da Costa, 1978). O primeiro volume da .17üfórlada e a gêPzesedo escravümo gatíc#o (Porto Alegre, EDI.JCS/EST,
À/rica Alegra(Visou, Europa-América, s.d.), de Jgseph Ki'Zer- 1980). Ê anualmenteprofessor visitante no Mestrado de História
bo, permiteigualmenterica informaçãosobre a Ãfrica direta- da ZI/níversidade
cedera/ do Río deJaneiro e professor no Curso
mente envolvida pelo tráfico negreiro. José Capela, em Excrava- de História da [/níversldade Santa Urso/a .
Lura. A Empresa de Saque. O Abolicionismo. (.1810-1875)(VQt-
to, Afrontamento, 1974), analisa o impacto do tráfico sobre as
civilizaçõesafricanas. Angola, em plena estruturaçãodo trafica
negreiro, é estudada por Roy Gasgow em .NklPzga(São Paulo,
Perspectiva, 1982). De essencial importância é a publicação, 1.
empreendidapela Atiça, da Hisfórla Gera/ da ÀI/Hca, da UNES- Caro leitor:
co, jâ no segundo volume.
As opiniões expressas neste livro são as do autor.
podem não serassuas. Caso você dcheque vale a
pena escrever um outro livrosobre o mesmo tema.
nós estamos dispostos a estudar sua publicação
com o mesmo título como "segunda visão

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