Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Colação QuaIE
e Questão da Negritude -- Zlá Bernd
Colação Encanto Radical
B Cruz e Souza -- O Negro Branco -: /bu/o Z.eminskf
1984
(;l3pyrzk#f© Mârio José MaestroFilho
Szzbedlforlada co/eçâb: Lilia Moritz Schwarcz
Capa.
Miguel Parva
Revisão.:
José W. S. Morais
ÍNDICE
Introdução 7
Africa, América, Escravismo 9
O nascimentodoBrasilMeridional 23
Economia e escravismo no Rio Grande do Sul 39
Escravidão e resistênciano Rio Grande do Sul S5
Conclusão 88
Indicações para leitura . . 91
úas mais ou menos complexas de economias tribu- ticas. A agricultura apoiava-se na posse coletiva da
tárias à natureza (caça, pesca, roleta) . terra e na sua exploraçãofamiliar e/ou associada.
Em época ainda não precisada -- talvez entre Nesta atividade, a energia fundamental era a hu-
9000 e 5000 anos atrás .-- negro-africanos, nas sa- mana (combinada com o fogo) e os principais instru-
vanas sudanesasou no então mais benignoSaara, mentos de trabalho, em ferro, simples. A técnica
deram passo essencial na História: inventaram a agrícola de base era a agricultura itinerante e exten-
agricultura e tornaram-se produtores de alimentos. diva
V
Sobre a metalurgia africana do ferro, outro avanço A produção artesanal aldeã trabalhava o ferro, o
histórico fundamental, também não estão de acordo couro, a madeira, o marfim, etc. O artesanato,vol-
os especialistas. Uns apontam-na como tributária de tado principalmente para as necessidades da comu-
uma influência estrangeira, outros defendem uma nidade lugarqa, produzia níveis variados de exce-
autoctonia africana. Registra-se, porém, uma prá- dentes que permitiam uma importante pratica mer-
tica metalúrgica,velha de 2000 anos, em Nok, na cantil local, regional e internacional. Em regiões sin-
atual Nigéria, e, após esta data, o início de sua difu- gulares da Ãfrica, quando do contato com os .euro-
são no Continente Negro. peus, conhecia-sejâ üma atividade artesanal orien-
Nos primeiros séculosda era cristã, em vastas tada exclusivamente à comercialização.
regiõesda Ãfrica aó sul do Saara, comunidadesne- A organização social de base destas comunida-
gras praticavam uma agricultura itinerante assen- des era a família extensa, constituída pelo patriarca,
tada sobre a metalurgia do ferro, conheciam o pasto- pelo grupo familiar de seus descendentese, muitas
reio, exerciamum artesanatocrescentemente
refi- vezes, por distintas categorias de ''agregados". Estes
nado. Estas comunidadesde agricultorese artesãos últimos eram membros de famílias em extinção, ''re-
expandem-se através do continente adaptando-se e fugiados" de outras comunidades ou, simplesmente,
dominando os diferentes habitats. Quando da che- cativos comprados. Os :"agregados'' -- principal-
gada dos europeus à costa ocidental africana, o Con- mente os ex-cativos -- foram identificados pelos eu-
tinenteNegro conhecia, ao lado de povos vivendo ropeus a escravos. Ainda hoje o são por inúmeros
ainda economias paleolíticas, formações sociais de cientistas sociais. Apesar de os cativos associados a
significativa riqueza e poder que mantinham relações uma família extensaviverem situação económico-so-
económicas e diplomáticas internacionais. cial subalterna,este sfafzisnão pode ser definido
.No final do século XV, viviam fundamental- como escravidão, seja colonial ou patriarcal.
mente nb Continente Negro sociedades organizadas a O africano ''agregado'' a uma família extensa
partir de uma produção agrícola e artesanal domés- não podia ser vendido, participava efetivamentedo
12 Mârio José MaestroFilho 1 0 Escravo Gatíc#o.' Resistência e Tuba/ão 13
grupo segmentârioe o excedenteque tinha de pro- por inúmeras regiões da Ãfrica. Ao contrário do
duzir era delimitado consuetudinariamente. Em três continente bárbaro e misterioso que por décadas fo-
ou quatro gerações, o descendente de um cativo evo- mossugerido, hoje podemos entrever o rico processo
luía à ''cidadania''plena. Uma ou mais famílias ex- civilizat6rio que a Ãfrica Negra conhecia e o passo
tensas constituíam uma comunidade aldeã de agri- histórico decisivo que se aprestava a dar no momento
cultores e artesãos. Diversas aldeias podiam formar preciso em que os primeiros comercianteseuropeus
uma pequena ''cheferia'' e esta, o embrião de um aportaram em suas praias oferecendo preciosas mer-
pequeno Estado. cadorias.. Estes recém-chegadosbuscavam especia-
E comum a compreensão das sociedades negro- rias e, principalmente, homens para serem escravi-
africanas como realidades em equilíbrio, imóveis no zados no além-mar. Realidade que lança estocada
tempo e no espaço, reproduzindo invariavelmente as mortal no mais que milenar pl?)cesso histórico ascen-
dente negro-africano.
mesmas práticas culturais. A Etnologia e a Antropo-
logia já foram tidas, ao contrário da História, como
as ciências próprias à descrição destas ''estruturas''
sociais. Entretanto, a moderna Historiografia tem- América Colonial e tráfico negreiro
nos explicitado um riquíssimo e complexo processo
histórico em pleno desenvolvimentonaquele conti-
nente no momento da chegada dos europeus. Na América, o Brasil foi o país mais acabada-
No século XVI, o império de Songaí, esten- mente escravista. Durante mais de 300 anos, a pro-
dendo-seda costa atlânticado atual Senegalaté os dução servil foi o pilar de nossa sociedade. A coesão
territórios do hodierno Níger, era um 6timo exemplo do regime negreiro nacional permitiu que o Império
desterico. passado histórico. Herdeiro do reino de conquistasseo triste laurel de último país a abolir a
Ghana e do império de Mail, Songaí controlava as escravidão no continente. A própria origem de nossa
ricas rotas transaarianas que enviavam ouro e outros formação social assentou-se solidamente sobre o es-
produtos para os mercados internacionais. Para cravismo.
Tombuctu, uma de suas principais cidades, viajavam A gênese da escravidão colonial já foi explicada
letrados muçulmanos a fim de lecionarem em suas como devendo-se à falta de braços europeus para o
escolas alcoranistas e estudarem em suas bibliote- esforço colonizador ou à incapacidade do europeu de
cas trabalhar sob clima tórrido. A crítica historiográfica
Sem alcançar o esplendore poderio de Songaí, destas concepções já foi feita. Carentes de terras,
outras formações africanas desenvolviam-sepujantes camponeses e servosmorriam de fome na Europa dos
14 Mârio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 15
q
>
3
animais exóticos, assim como algumas espécies vege- QÉ
tais. Os lusitanos demoravam-se nas praias brasílicas 3
:
S
o escassotempo necessárioà produção, acumulação >.
U
e embarque destes produtos. ê
Com a descobertadas excepcionaiscondições d
E
>
excedente. Ou seja: muito trabalho e pouca remune- indígenas, o simples aprisionamento ou as ''guerras
ração para o trabalhador. O camponês lusitano que justas'' supriram as necessidadesiniciais. Esta ''pro-
labutava oprimido pelos encargos que gravavam a ter- dução'' de trabalhadores escravizados logo mostrou
ra senhorial na Península Ibérica dificilmente aceita- suas contradições.A extraçãode pau-brasil, peles,
ria viver situação idêntica ou pior em terra estranha e drogas, etc. rendia bons cabedais à Coroa. Ela era
''selvagem''. E se aqui chegava, iludido ou forçado, feita, através do escambo, utilizando-se o trabalho
sempreIhe era possívelabandonar as plantações se- livre dos indígenas. Boa parte dos géneros de subsis-
nhoriais e dedicar-se a uma economia de subsistên- tência consumidos nas primeiras aldeias e fazendas
cia. A simplesposse precária de uma nesga das infi- da Colónia provinha dos roçados ameríndios.
nitas terras americanas era-lhe preferível ao trabalho A crescente necessidade de braços para a pro-
necessariamente estafante e mal remunerado nas fa- dução açucareiro e, portanto, a crescente redução de
zendas coloniais. O trabalho compuls6rio realizado aborígenes à escravidão desorganizavam e compro-
sob coação física apresentava-se como o único então metiam a ocupação lusitana da nova colónia. Os
compatível com os objetivos da acumulação colo- indígenas internavam-se nos "sertões''; decresciam o
mala escambo e as rendas da Coroa; sobrevinha a fome
A escravidão subsistiu ao fim do Império Ro- entre os lusitanos. As fazendas e aldeias mais despro-
mano do Ocidente. Na realidade, ela vicejou como tegidas começavam a ser arrasadas pelas comuni-
instituição social secundaria durante todo o feuda- dades indígenas temerosas do cativeiro. A solução
lismo europeu, principalmente na Europa mediter- encontrada foi lançar mão do cativo africano.
rânica. A ''Reconquista'' cristã da Península Ibérica Para os colonizadores, era mais vantajosoescra-
deu novo fôlego à pratica escravista: muçulmanos e vizar o africano. Este, embarcado na Africa em um
cristãos escravizavam-se reciprocamente sem pejo. O tumbeiro, chegava à América depois de uma viagem
''cativo'' africano foi um dos produtos que os lusi- tenebrosaque o dilacerando, física e psicologica-
tanos buscavam na Ãfrica Negra. Nas ilhas lusitanas mente. o introduzia e amoldava no ''ser escravo''
do Atlântico, os .portuguesesproduziam açúcar com Escravizado em üma terra que não conhecia, o afri-
mão-de-obra escrava antes de faze-lo no Brasil. Era cano era mais facilmente dominado. Havendo na
lógica a ''solução escravista'' para o problema da Ãfrica um contingente populacional significativa-
mão-de-obra a ser utilizada no Brasil. mente superior ao dos indígenas americanos, os
Os primeiros homens escravizados nas planta- ''plantéis" podiam ser reconstituídos com uma popu-
ções açucareiras lusitanas da América foram ame- lação culturalmente ''heterogénea" e, portanto, mais
ríndios. O escambo de cativos com as comunidades ''confiável''
18 Mârio rosé Mlaestri Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 19
século XVIII. Porém, desde 1680, o africano desem- tra tal situação praticando um furibundo contraban-
penhou papal determinante no relacionamento luso- do. O Rio da Prata foi privilegiadocenário deste
espanhol meridional. É impossível compreender a tráfico clandestino. Com o mineral do Alto Peru e os
Colónia do Sacramento dissociando-a do sistemático couros do pampa pagava-seas ''peças da Índia'' --
contrabando de escravos praticado no Prata. os africanos escravizados. Com a perda do asse/zfo e a
Nos séculos XVI e XVll, a Coroa espanhola crise do fim do século, a Coroa lusitana resolveuins-
limitou-se a conceder, graciosamente ou não, /íce/z- titucionalizar o contrabando do Sul: em 1680, fun-
clai para a introdução de africanos no ''Novo Mun- dou a ''feitoria'' de Sacramento.
do''. Nas primeiras décadas, os possuidores destas As últimas décadas do século XVll foram crí-
cartas abasteceram-secom os lusitanos que contro- ticas para a Coroa lusitana. A ascensão dos Bragança
lavam o tráfico negreiro. De 1595 a 1640, no contexto ao trono de Portugal (fim da Unificação Ibérica)
da Unificação Ibérica (1580-1640), viveu-se o período seguiu-se a longa guerra deste país contra a Espanha
dos asfen/os portugueses. e a Holanda.Há muito,os lusitanosvinhamper-
Na primeira metade do século XVll, os lusita- dendo a hegemonia marítima e mercantil. Na reali-
nos detinham a exclusividade de internar um número dade, a Portugal, de valor, não Ihe restavamuito
anual delimitado de cativos nas ''Índias'' hispânicas. mais do que Angola e o Brasil. Porém, os preços das
Estes comerciantes eram, geralmente, ''contratan- exportações coloniais caíam (açúcar, fumo, etc.) e o
tes'' monopólicos do direito de extrair homens escra- valor dos artigos importados encarecia-se.
vizados da Africa portuguesa. Eles tinham como por- A Coroa reagiu contra a queda de seus ingres-
tos obrigatórios de chegada, na América, Cartagena sos. Tentou desenvolvera indústria têxtil em Portu-
(na costa atlântica da atual Colâmbia) e Veracruz gal; gravou a importação de produtos suntuârios;
(no atual México). Dali os africanos podiam ser dis- ativou a procura de jazidas no Brasil. Medida não
tribuídos por toda a Colónia. As regiões andinas e as menos ambiciosa foi a fundação da Colónia do Sacra-
do Rio da Prata, mais meridionais, ficavam mal mento, diante de Buenos Abres, do outro lado do
''abastecidas'' Prata, em possessõesespanholas. Esperava-se obter,
A partir de 1640, os lusitanos perderam o aslen- através do contrabando, o precioso mineral de Potosi
fo espanhol, s6 retomado em 1696. Neste interregno, que ali circulava. O africano escravizado era a prin-
os holandesesabocanharamparte significatiB.da cipal mercadoria que os lusitanos aprestaram-se a
fraca espanhola. Os portos de chegada continuavam oferecer.
no Caribe e continuava a ''discriminação'' dos escra- Na pr6pria expedição que fundou a Colónia, em
vistas andinos e platenses. Estes insurgiram-se con- 1680, composta de 200 homens de armas, .tínhamos
26 Mário José Mlaestri Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 27
ram as águas costeiras ou cortaram os territórios No século XVll, os paulistas visitaram o futuro
gaúchos,indo ou vindo de Sacramento.Alguns po- Rio Grande à caça de indígenas. Com a fundação da
dem ter, até mesmo, se fixado nos pampas interiores Colónia do Sacramento, em 1680, o litoral sulino
quando de fugas coletivas ou individuais da Colónia começou a ser trilhado como caminho terrestre li-
do Sacramento. gando Laguna à cidadela austral. No primeiro quar-
28 Mário José MaestH Filho O EscravoGaúcho: Resistênciae Trabalho
dades no geral intermitentes, adaptavam-se melhor Rio Grande trouxeram consigo negros escravizados.
ao trabalho livre do indígena aculturado ou ao do Inicia da Salva Amaral é bom exemplo. Partindo do
espanhol labutando sob salário. No Sul, nesta época, Rio de Janeiro para o Sul com seu marido, naufragou
os cativos negros não deviam ser abundantes. Porém . na costa gaúcha. Perdeu na catástrofe o marido, mas
eles não estiveramatlsentesneste primeiro movi- se salvou com uma escrava. Isto em 1738. No mesmo
mento expansionista. ano ou no anterior, chegara do Rio Manuel Moreira
Quando do início da ocupação lusitana do Sul, Belo, com família e escravos.Estes dois casos, sem
o escravismo havia penetrado profundamente em dúvida, ilustram uma realidade significativamente
quase todos os poros da sociedade colonial. Na pro- mais ampla. Segundo parece, possuir escravos facili-
dução açucareira, na mineração, nas atividades ur- tava até mesmo a obtenção de sesmaria. Manuel de
banas, enfim, nos mais variados aspectos da vida da Barros Peréira requereu licença ao brigadeiro Salva
Colónia, o negro era o principal pilar. Dificilmente Pais para ''fazer uma estância na paragem chamada
esta realidade não terminaria influenciando o avanço o Salão''. Prometeu povoa-la com ''dois negros, ca-
em direçãoàs terras além-Laguna.Negros escravi- valos e éguas'
zados devem ter participado destas primeiras expe- Os próprios soldados ocupados na defesa de Rio
dições. Do séquito de João de Magalhães, que partiu Grande possivelmente possuíam número considerá-
de Laguna, em 1725,em demanda do Sul, composto vel de cativos negros. Assim nos sugere o costume dos
de 31 pessoas, ficamos sabendo que era formado, em soldadosdo Corpo de Dragões de ofereceremum es-
maior parte, de ''homens pardos escravos". cravo como fiança quando pediam para se ausentar.
No fim da terceira década do século XVlll, com Durante a licença dos senhores, os cativos trabalha-
a fundação do primeiro agrupamento urbano luso- vam no serviçoe nas obras da fortificação. Se seus
brasileiro na margem direita do ''Rio Grande'', po- donos não voltassem, eles passavam a pertencer à
demos vislumbrar a presença constante do escravo Fazenda Real.
negro no Sul. Efetivamente,uma operaçãocomo a Desde a fundação da presídio Jesus-Mana-José,
que se iniciava era impensável, na época, sem a o negro escravizado surgiu como peça importante da
ajuda do braço escravo. Os povoadores que para o vida económica e social dâ sociedade sulina. E como
Sul se dirigiam -- se possuíam algumas posses -- le- peça cobiçada. Em 1741, André Ribeiro Coutinho
vavam um ou mais cativos. Os próprios soldados, degredou seis ''topes'' para a ilha de Santa Catarina.
muitas vezes alistados à força e miseráveis, contavam Eram acusados de roubar cavalos e escravos, assim
com servidores negros. como de induzir soldados à deserção.
Efetivamente, os primeiros ''colonizadores'' do A importância do homem negro nos primeiros
32 Mãrio rosé M.aestriFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
33
momentosda história do Brasil Meridional explicita- Os negros escravizados que ingressaram no Rio
se no primeiro levantamento demográfico da popu- Grande do Sul nos séculosXVlll e XIX eram -- se-
lação sulina de que temos notícias (1780). Excluindo- gundo a definição escravista da época -- escravos
se os indígenas ''bravios'', os homens e mulheres ca- ünovos'' ou ''crioulos". Os cativos crlotz/os eram os
tivos, em 1780, constituíam 28%odo total dos habi- nascidos no Brasil. Os novos, os trazidos recente-
tantes do Sul. Os indígenas aculturados, 19%o; os mente da Ãfrica. Estes últimos, quando jâ hâ algum
''brancos'',53%. tempono Brasa, passavam a ser chamados de ''la-
dinos''. Os escravos possuíam, geralmente, apenas
um nome. A este acrescentava-se sua profissão ou
A origem africana do negro sulino naturalidade, brasileira ou africana. O cativo perdia
seu nome africano quando, prestes a ser embarcado
As origens dos primeiros ''casais'' que se esta- para a América, era sumariamentebatizado ou regis-
beleceramno Sul foram detidamenteestudadas. O trado numa praia do Continente Negro ou jâ a bordo
pioneiros da ''colonização'' ítalo-germânica foram de um tumbeiro. É assim que tínhamos um João Pe-
também objetos de minuciosas pesquisas. Sobre as dreiro, um José Pernambucano, um Manuel Congo.
origens do negro gaúcho, não sabemos rigorosamente O escravo novo não manteve seu nome africano..
nada. Durante muito tempo, este desinteresse''tra- Isto torna muito difícil buscas genealógicasna Afri-
vestiu-se'' de impossibilidade de conhecimento. Co- ca. O fato de ter recebido como ''segundo nome'' sua
mo para o restodo Brasil, seria impossíveldesvelar procedência africana permite-nos vislumbrar quais
as raízes africanas do negro gaúcho. Rui Barbosa, as regiões da Ãfrica que privilegiadamente serviram
para pâr fim às reivindicações dos ex-proprietários de sementeiraspara o tráfico negreiro. Porém, mui-
de escravos, mandara queimar, em 1890, os papéis tas vezes, o ''sobrenome'' de um cativo africano for-
do Ministério da Fazenda relativos ao cativeiro. Sem nece-nos apenas uma informação muito geral.
prova legal, nada de indenização. O fogo destruirá as O nome de origem de um cativo pode somente
citasde registro de ingresso dos africanos no Brasil. assinalaro corto em que ele foi embarcado. E o caso
Sabe-sehoje que o descuido, neste século, foi e é dos escravos ''minas'', procedentes da fortaleza er-
mais daninho à documentaçãoque o ministro pirâ- guida -- em 1482-- pelos lusitanos na ''Costa do
mano, na centúria passada. No entanto, abundam Ouro'', na atual Gana. Esperava-secom esteentre-
nos arquivos históricos documentos informando-nos postodesviaro comérciode ouro das minas suda-
sobre a procedência dos africanos escravizados no nesas. Daí seu nome: Castelo de São-Jorge-da-Mina.
Brasil. Com o crescimento da importância do comércio ne-
34 Mãrio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 35
greiro, esta fortaleza, de altos muros e muita arti- sões angolanas (''congos'', ''angolas'', ''maçanga-
lharia, dedicou-se fundamentalmente ao tráfico. Seus nos'', ''benguelas''), das possessões moçambicanas
porões podiam ''armazenar'' 1 000 cativos. Os afri- (''moçambiques''), da Costa da Mina (''minas''), e do
canos que de lá partiam eram chamados de ''minas'' Cabo Verde (''cabos verdes''). Estes dados propõem-
O porto de embarque de um africano pode não nos serem os africanos trazidos de Angola maciça-
informar minimamentesobre sua origem. Com o mente majoritârios nestes primeiros tempos. Os fi-
desenvolvimentodo tráfico negreiro, articulou-se no lhos de mães originárias daquelas regiões constituíam
interiorda Âfrica uma complexacirculaçãode ho- quase 80%odo total dos nascidos de mães africanas.
mens, mulheres e crianças reduzidos ao cativeiro. Esta documentação sugere-nos também a im-
Muitas vítimas desta atividade eram vendidas nas cos- portante miscigenação racial destes primeiros tem-
tas do Continente, longe de suas aldeias, após terem pos. Seguidamentenos deparamos com mães escra-
rolado durante semanas e meses de mão em mão. vas parindo filhos dé homens livres -- em grande
Podemos pesquisar a origem africana do negro parte ''soldados dragões'' -- e, até mesmo, senhores
gaúchoa partir de múltiplas fontes: o ''sobrenome'' registrandofilhos tidos com suas cativas. Segundo
do cativo trazido para o Sul; a contribuição do afri- João M. Ferraz, ''um quinto do total geral dos pri-
cano ao nosso falar regional, à nossa culinâiia, ao meiros povoadores batizados eram portadores de
nosso folclore, à nossa música, etc. As religiões afro- sangue africano''
gaúchassão, também, outra importantefonte de A importância dos cativos ''angolanos'' na po-
conhecimento.' Todas elas, unidas, permitir-nos-ão pulação africana sulina parece não ser um fato res-
conhecer as raízes africanas do povo gaúcho. trito a estesprimeiros tempos. Encontram-se no Ar-
Temas informações sobre os primeiros africanos quivoHistóricodo Rio Grande do Sul três listas
trazidos para o Sul. O historiador Jogo Machado referentes ao tráfico negreiro sulino durante os anos
Ferraz realizou o levantamento completo do primeiro de 1802 e 1803. Elas registram, possivelmente, uma
livro de batizados (16.6.1738 a 28.8.1753) do Rio parte substancial dos africanos escravizados intro-
Grande do Sul. Este levantamento, acrescido de um duzidos no Sul nestes dois anos. De um total de 1 195
índice onomâstico e de um comentário geral sobre os cativos, 1 104 eram, com certeza, africanos (Ta-
resultados do trabalho, foi publicado sob a forma de bela l).
\lixo -- Os Primeiros Gaúchos da América Portu-
Nesta época, a produção charqueadora escra-
guesa. Na transcrição de João Machado Ferraz te- vista encontrava-se já em pleno desenvolvimento. O
mos, como batizadosou pai e mãe de batizados, Sul constituía, então, um importante centro ''consu-
quase uma centena de africanos vindos das posses- midor'' dç escravos novos que, trazidos preferencíal-
36 Mano Jasé MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 37
À
40 41
Mário José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
O gado vacum gaúcho é originário dos 1500 unidade pastoril. Originava-se da apropriação de
animais introduzidos pelos jesuítas na margem di- parte do trabalho excedente produzido em outras es-
reita do rio Uruguai, em 1634. Bravios, nas décadas feras da sociedade (em grande parte, na esfera escra-
seguintes, estes animais evoluíram em direção ao vista) e era percebido devido ao monopólio da terra.
Sul, principalmente. No início do século XVlll, esta Constituía,portanto,uma renda fundiária. Fora o
propagação natural fói auxiliada pelos vaqueiros do rodeio -- castração, amansamento, marcação --, o
''segundo ciclo'' das Missões. As técnicas e os hábitos trabalho humano pouco intervinha na produção da
pastoris sulinos são também continuação do período mercadoria-boi. A isto devem-seas distintas condi-
missioneiro. Nas estâncias e invernadas guaraníticas, ções de vida e trabalho que conheciam o escravo
criou'se, a princípio, gado aproveitando-se as excep- campeiro e o escravo charqueador. No pastoreio,
cionais Condiçõesda natureza para a reprodução na- portanto, não havia condições materiais de acumu-
tural dos rebanhos (escassez relativa de animais pre- lação crescente através de crescentes níveis de inten-
dadores; inverno e verão benignos; pastos e aguadas sidade e duração do trabalho humano.
abundantes; etc.). Em realidade, o trabalho -- a ca- Neste contexto geral, a atividade criatória era
valo -- reduzia-se, no essencial, à vigilância e ao necessariamenterealizada por cavaleiros, isolados ou
amansamento dos rebanhos realizados pelos ''pos- em pequenos grupos, em um espaço geográfico semi-
teiros'' (famílias de indígenas). A técnica da doma do desabitado. O escravo negro custava caro. Ainda
gado cavalar, a boleadeira, o laço, a alimentação bá- mais o escravo crioulo. Se fugisse, causava grande
sica do trabalhador pastoril (churrasco e mate) são prejuízo. Entregar um cavalo a um cativo e envia-lo a
também herança dos tempos missioneiros. trabalhar sem vigilância, era duplamente perigoso.
Apesar da evolução que conheceu durante os O escravo africano não conhecia o pastoreio exten-
150 anos de escravismo gaúcho, a pastorícia sulina sivo; alguns não conheciam sequer o cavalo -- os
apoiou-seessencialmentena reprodução natural dos ''angolanos'', por exemplo. O trabalho criatório era,
r
animais. A atividade criatória podia prescindir da no geral, pouco penoso. Compreende-se o porquê de
mão-de-obra feitorizada. O pastoreio extensivo ocu- ter-se empregado tendencialmente os homens livres
pava reduzido número de trabalhadores. O natura- do pampa habituados e dispostos a estas tarefas. Os
lista francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1821, refe- guaranis ''missioneiros'' e os gaúchos ''castelhanos''
riu-se a uma fazenda com 6 000 animais onde traba- foram, sempre que possível, incorporados às práticas
lhavam apenas ll homens. O que era comum. O es- pastoris.
sencial da acumulação do fazendeiro não provinha O negro cativo esteve sempre presente na fa-
do sobretrabalho dos escassos trabalhadores de uma zenda gaúcha. O comercianteNicolau Dreys, em
42 Mário José MaestroFilho 43
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
1839, escreve que, ''às vezes os 'peões' são negros es- cravo perdia sentido. Do outro lado da fronteira,
cravos, outras vezese mais comumente são 'índios' ou em terras estranhas, dedicar-se-ia às mesmas lides e
'gaúchos' assalariados''. Afirmação que sintetiza uma encontraria, no geral, as mesmascondiçõesde vida e
realidade própria aos séculos XVlll e XIX. Nestes trabalho. Devido ao Carâter do trabalho na pastorí-
anos, mais ou menos presente, encontrávamos sempre cia, em muitas situações, a escravidão no Sul perdeu
o negro escravizado em qualquer ponto do extremo sua essência coercitiva e assumiu um conteúdo pa-
Sul brasileiro. triarcal. O que explica encontrarmos facilmente,
No Rio Grande, a atividadecriat6ria foi domi- através do século XIX, negros escravos cuidando so-
nante. Porém, ao lado das fazendasdedicadasao zinhos de fazendas durante a ausência de seus senho-
pastoreio, tínhamos propriedades voltadas para a res. O que era impossível em uma charqueada ou em.
agricultura mercantil.. Nelas, o negro aparecia em uma fazenda cafeicultora ou açucareira.
destaque. Muitas fazendas dedicavam-se igualmente A atividade criat6ria latifundiário-mercantil que
à criação e à agriculturamercantis. O negro, neste conheceu o Sul assentou-se sobre escasso nível de
contexto, era quase sempre ocupado no trato da desenvolvimento das forças produtivas e sobre excep-
terra. As fazendas de criação -- principalmente as cionais condiçõesde procriação natural dos reba-
mais ricas -- comportavam tarefas que quase cons- nhos. A maior parte do ganho do fazendeiroera
tituíam ''privilégio'' da classe servil. Era difícil uma oriunda do sobretrabalho produzido por outros mo-
propriedade não possuir sua plantação de subsistên- dos de produção e era captada sob a forma de renda
cia. O beneficiamento dos cereais plantados, a pe- fundiária. S6' muito mais tarde -- em pleno século
quena produção de charque para o consumo, o abas- XX -- esta atividade inicia a introduzir-se na esfera
tecimento da estância em água e lenha, o trabalho de produção capitalista. Então, a renda do capital
doméstico na ''casa-grande'' eram algumas das ati- começa a sobrepor-se à renda da terra (pastagens
vidades em que podíamos encontrar o negro escravi- artificias; centro de manejo; inseminação artificial;
zado labutando, muitas vezes, duramente. As tradi- etc.)
cionais cercas em pedra -- cujas inúmeras ruínas É o fato de não estar o valor da mercadoria-
subsistemainda aos anos -- eram também pesada e boi assentado fundamentalmente sobre a exploração
infindável tarefa servil. do trabalhador pastoril que explica a existência--
Além de trabalhar na fazendade criação nas nos séculos XVlll e XIX -: de homens dispostos a
atividades privilegiadamenteservis, o negro escravi- trabalhar como assalariados nesta atividade. Ou a
zado, muitas vezes, desempenhava-secomo campei- possibilidade do emprego, sem vigilância estrita, do
ro. Então -- até certo ponto -- a própria fuga do es- negro escravo. O que confere -- no quadro geral do
"''," ".' "''«',.«":. 1 . «:,«,. ' '."..-'«'.''«'. . '''.'.'".
44
45
uma s6 unidade. Efetivamente, esta íntima associa- dadeiro avanço da técnica produtiva. No fim do sé-
ção -- trabalho escravizado/charqueada -- impu- culo XIX, porém, as unidades charqueadoras mais
nha-se.No séculoXVlll e parte do XIX, o escra- aperfeiçoadas constituíam verdadeiras manufaturas
vismo era dominante no Brasil. Não havia ainda con- escravistas.
diçõespara uma classede trabalhadores assalariados Nesta época, em Pelotas, centro da produção
a baixo preço. A produção do charque exigia um tra- saladeiril, encontrávamos empresas extremamente
balho intenso, pesado e prolongado. Somente baixos organizadas e-aparelhadas. Mangueiras e bretes co-
salários garantiriam altos lucros. O trabalhador li- municavam-se coerentemente com a ''cancha'' (pavi-
vre,. naqueles tempos de fronteiras amplas, preferia mento cimentado e coberto) onde os animais eram
-- e era-lhe possível -- viver como ''vagabundo'' a esfolados e despedaçados. O animal golpeado no
trabalhar sob tais condições.Para o charqueador, brete pelo ''desnucador'' caía sobre a ''zorra'' (vago-
o :trabalho compuls6rio do negro escravizado era. nete correndo sobre trilhos) que o levava até a can-
historicamente, a melhor-- se não a única -- alter- cha. Galpões para trabalharas carnes, para arma-
nativa. zenar o sal ou as ''pilhas'' de couro e de charqüe,
As condições de trabalho em uma charqueada tanques de salmouras, etc. eram outras partes essen-
escravistaeram duras. Prática sazonal -- a produção ciais das instalações. Na graxeira, algo afastada do
charqueadora exigia dos escravosjornadas de 16 ou corpo central da charqueada, operavam máquinas
mais horas. Muitas vezes, sob o incentivo do ''baca- Cambacerês a vapor. Nestes últimos tempos, pouco
lhau'' do feitor e pequenosgoles de aguardente, o seperdia dos animais, Charque, couros, graxa, sebo,
negro literalmente desfalecia de cansaço e sono sem guampas, cinzas, etc. eram exportados -- via porto
afastar-se de suas tarefas. Era então transportado de Rio Grande -- para outros pontos do Brasil e o
para o barracão pulguento dos enfermos eufemisti- exterior.
.camente chamado de ''hospital''. Lá podia dormir e Pelotas, devido à sua localização privilegiada em
recompor-se, até que o feitor viesse acabar com a sua relação aos rebanhos, ao porto de Rio Grande e às
'malandrice' vias fluviais, tornou-se o grande centro charqueador
Os primeiros saladeiros parecem ter sido insta- gaúcho. Consequentemente,um grande pólo escra-
lações muito simples: rudimentares telheiros, o cam- vista. Na cidade e nas margens do arroio Pelotas,
po como local de abate, mulas bruaqueiras para o concentravam-se milhares de cativos negros. Pelo
transporte, não era necessário muito mais para le- porto de Rio Grande, por ano, passavam milhares de
vantar uma improvisada charqueada. As instalações negros escravizados destinados às charqueadas. Em
de Pinto Martins, assim, apresentavam-secomo ver- 1884, quando se libertou os cativos pelotenses--
48 Mârio rosé Maestro Filho 49
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
muitos sob a obrigação de trabalharem de um a sete quando a produção fabril criou força no país. Porém,
anos gratuitamente -- a cidade e arredores possuía após mesmo a Abolição, o mundo rural permaneceu
5 000 escravos. Dois mil trabalhando nas charquea- dominante na sociedadebrasileira.
das Atravésdo Brasil, na Colóniae no Império,
A indústria charqueadora escravista determinou desenvolveram-seconcentrações populacionais ur-
a própria essência da sociedade pelotense. O charque banas apoiadas e apoiando a vida rural. A expor-
permitiu a formação de uma classe de senhores de tação da riqueza agromineradora, a importação e
escravos cuja riqueza e refinamento sem dúvida des- distribuição de mercadorias estrangeiras, a vida ''ad-
pertaram ciúmes maledicentes -- cujos ecos escu- ministrativa'', ''cultural'' e ''religiosa'' eram ativi-
tamos até hoje -- entre os fazendeiros dos arredores, dades essencialmente citadinas.. Durante toda a es-
nem tão ricos, nem tão cuidados. cravidão, é quase impossível pensar o mundo urbano
Porém, charque queria dizer negro cativo. Ne- sem o esforço do braço do negro escravizado, verda-
gro assenzaladotrabalhandoduro e vivendo mal. deiro pau-pra-toda-obra nas aglomerações de então:
Durante 100 anos a elite charqueadora viveu também As ''grandes'' concentrações populacionais do Brasil
sobressaltada com a eventualidade do ato de rebeldia escravista -- Rio de Janeiro, Salvador, Recite --
-- individual ou coletivo -- do cativo negro. Em eram, efetivamente, cidades quase negras.
realidade, o ato de sangue contra o feitor ou o senhor, Os escravos ocupavam-se nos mais variados mis-
a fuga, o aquilombamento, assim como a insurreição teres urbanos. Muitos eram ''escravos de ganho'':
escrava, como veremos, fizeram parte de um coti- vendiam serviços e mercadorias a terceiros e, com o
diano pelotense muito pouco conhecido e estudado. 'ganho;', arcavam com seus gastos e pagavam uma
renda fixa ao senhor. Nesta categoria, tínhamos os
estivadores, os carregadores, os vendedores, as escra-
O escravourbano vas prostituídas, os remadores, etc. Nas casas mais
pobres, trabalhavam um ou dois escravos domésticos;
Até as primeiras décadas do século XX, o Brasil nas mais ricas, um batalhão. Eram os porteiros, os
foi um país fundamentalmente rural. A atividade cocheiros, as cozinheiras, as passadeiras, os pajens,
produtiva centrava-se no campo; as cidades cum- etc. Muitos senhores exigiam que, aos domingos,
priam um papel administrativo e económico acessó- estes escravos permanecessem diante da residência.
rio. A distribuição geográfica da população nacional Assim, provada ficava a opulência senhorial. Difícil
acompanhava essa situação. Vivia-se e trabalhava-se era a profissão em que não encontrávamoscativos:
em contexto agrário. Essa realidade será superada eles trabalhavam nas rudimentares manufaturas, nas
50 mano José Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
sociais ''européias''. Estas, na realidade, ocuparam- transição, que ela ascenda ao poder económico-polí-
se e ocupam-se mais com a transição ''ocidental'' do tico no novo modo.
feudalismo ao capitalismo do que com a crise do Estas duas determinaçõesda luta de classes --
escravismo romano e emergência da produção feu- consciência e caráter ascendente da classe revolucio-
dal. A problemática feudalismo/capitalismo também nária -- são própriasao agir social quando da supe-
foi o centro das preocupações de Marx e Engels. Os ração do capitalismo. Não o são, nem mesmo, pró-
fundadores do marxismo privilegiaram a crítica do prias ao processo revolucionário burguês. Apesar de
capitalismo e só abordaram outros modos de produ- a guerra civil inglesa de 1640 ter-se desenvolvido sob
ção na medida em que eles contribuíam para a expli- profundo clima de dissidênciareligiosa, ninguém
cação da géneseda produção capitalista. Disto não questiona seu carâter social e revolucionário. Quanto
decorre ser o materialismo histórico método de aná- à Revolução Francesa, a segunda assertiva também
lise exclusivo às formações capitalistas. Nem que se não é válida para a transição feudalismo/capita-
possa analisar, com categorias próprias ao modo de lismo. A não ser que reduzamos a burguesia a uma
produção capitalista, modos que Ihe antecederam ou classe explorada economicamentee esqueçamos as
sucederam. importantes massas urbanas e rurais que estiveram
Em geral, as categorias económicas do modo de no centro da ruptura feudal e emergiram dela pri-
produção capitalista não são operacionais na análise vadas de poder político e económico efetivos.
de formações pré ou pós-capitalistas. Não o são. Jâ foi assinalado à saciedade o caráter particu-
também, as categorias políticas e sociais. O mesma lar, singular, das leis tendenciais que regem a transi-
poderíamos dizer sobre a teoria da transição ao capi- ção entre modos de produção. A produção capitalista
talismo. Apesar do assinalado, o debate sobre a supe surgiu no seio da produção feudal muito antes que
ração da produção escravista encontra-se profunda- esta última entrasse em crise. No escravismo clássico,
mente influenciado por, digamos, uma espécie de produção escravista e produção livre coexistiam,
''ética capitalista'' de analise. Muitas vezes, determi- sempre, lado a lado. A produção socialista, ao con-
nações próprias à transição feudalismo/capitalismo trário, não antecede, mas sucede, a destruição do
ou à capitalismo/socialismosão tomadas como ge- poder político burguês.
rais e necessáriasa qualquer transição. Entre elas. Como podemos ver, seria profundamente supra-
encontram-se a necessária tomada de consciência de histórico procurar uma teoria geral a todas as tran-
uma classe explorada (transformação de uma ''classes sições entre modos de produção. Seria, em todo caso,
em si'' em''classepara si'') e a obrigatoriedade,para estranho ao método materialista-dialético. Fato facil-
que esta última Soja efetivo agente histórico nesta mente compreensível se voltarmos ao jâ abordado
58 Mârio rosé Maestro Filho 59
O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
contrário, parece-nos que a única forma de efetuar a teúdo a definição cunhada por Sérgio B. de Hollanda
exegese essencial de sua gênese, .maturidade e supe- para o escravo: um ''figurante'' mudo.
ração é centrando-nos no estudo das contradições O caso norte-americano é, talvez, a melhor ilus-
entre escravos e senhores de escravos. tração deste fenómeno. Lado a lado concorreram, em
Cremos ter sido a contradição escravo/senhor a uma mesma formação social, capitalismo e escra-
fundamental responsávelpela superação do modo de vismo. A futura superioridade do capitalismo, que
produção escravista moderno. Não fatores exógenos. resultana vitória do Norte quando da guerra de
O que não quer dizer que a classe servil tenha tido Secessão,não é um dado.inicial. Nas primeiras dé-
consciência deste processo. Ou que se tenha tornado cadas do século XIX, o escravismo sulino era extre-
classe ''ascendente'', isto é, surgido como classe do- mamente pujante. Porém, na medida em que se de-
minante ho p6s-escravismo. Ao contrário, sua cons- senvolveo Norte, o Sul vegetanum crescimentobase,
ciência . desta superação foi sempre extremamente lamente quantitativo. Todo seu esforço por uma se-
limitada (como limitado era o desenvolvimento das paração qualitativa estraçalhou-se contra a ''quali-
forças produtivas sob a escravidão americana) e ela dade'' do trabalho escravizado que se adaptava pes-
surge, nas organizações económico-sociais, como simamente ao trabalho fabril, à agricultura e ao pas-
uma das partes constituintes das novas classes explo- toreio intensivos, etc. Por outro lado, os gastos ''mar-
radas. ginais'' do escravismo (controle social da massa es-
Parece-nos que para compreender como os es- crava, reposiçãoda mão-de-obra,etc.) eram, tam-
cravos determinaram esta superação é necessário bém. extremamenteelevados, onerando, assim, esta
orientar nossa pesquisa para estas formas de resis- forma de produção (em relação ao capitalismo) .
tência singulares, algumas vezes quase imperceptí- A derrota do Sul pelo Norte, em 1865, é impos-
veis, que fizeram parte do cotidiano do escravismo e sível de ser explicada a não ser a partir da categoria
que ocorrem com frequência muito superior à imagi- escravo. E ele que garante a vitória do Norte. Mas a
nável: o ''desamor ao trabalho'' o ''suicídio''. o garante permanecendo... escravo. Não foi necessário
''aborto'', o ''infanticídio'', a ''fuga'', o ''justiça- &
mente, vitoriosa.
A resistência ao trabalho foi, entre as formas de
63
nos a estas formações não deve fazer-nos esquecer oposição do escravo -- fuga, justiçamento, quilom-
que esta destruição,em última instância, encon- bos, etc. --, a que mais profundamentedeterminou
trava-se garantida pelo esgotamento histórico destas a sociedade escravista. Nenhuma ação senhorial con-
formações nos quadros da produção escravista. Esgo- seguiupõr fim ao profundo desamor do cativo às
tamento garantido essencialmente pela incessante re- tarefas produtivas. Daí a desatenção, o desinteresse
sistência das massas escravizadas à escravidão. Que e, até mesmo, a sabotagemno trabalho. Realidade
esta resistência tenha assumido fundamentalmente a que deu origem à visão senhorial do negro preguiçoso
forma de uma defesa ''egoísta'' da vida biológica e e irresponsável. O alemão Carl Seidler, que visitou o
não de movimentospolíticosinsurrecionaisprocu- Rio Grande do Sul como membro das forças arma-
rando a criação de novas sociedades é simplesmente das de Pedro 1, registrou, em 1835, esta interpreta-
irrelevante. Que ''os homens fazem a história, mas ção: ''O negro É6 trabalha quando instigado pelo
ignoram que a fazem'' parece ser verdade particu- medo a seu dono e a seu chicote; logo que escapa das
larmente pertinente às sociedades pré-capitalistas. vistas desses dois potentados (...) deita-se imediata-
mente a dormir ( . . .)
O escravo negro trabalhava mal porque era es-
O negro ''preguiçoso'' cravo e não porque era negro. O negro preguiçoso e
boçal do engenho tornava-se o quilombola criativo e
A resistência servil s6 pode ser apreendida em industriosa do mocambo. O sistema escravista ani-
sua essencialidadeno contextogeral da antiga for- quilada a iniciativa e o interesse do produtor direto.
mação escravista brasileira. Através dos anos, uma O escravopodia até mesmoproduzir mais que um
ou outra região, uma ou outra prática económica homem livre, mas somente se ameaçado pelo tronco,
(açúcar, mineração, café, etc.) determinaram o es- pelo ''bacalhau'' e pela palmatória.
cravismo nacional. O Rio Grande do Sul, sem ter É fácil compreender o porquê do desinteressedo
jamais chegado a ser um dos grandes pólos escra- escravo pelo trabalho. De seu ponto de vista, ele não
vistas do país, permaneceu, até quase a Abolição, recebia remuneração alguma. Mesmo o tempo de la-
uma sociedade onde o esCravismo desempenhou im- buta que dedicava a produzir valores que Ihe eram
portante papel. Assim, podemos acompanhar em ter- devolvidos sob a forma de alimentação, vestuário,
ras gaúchas a contínua resistência do escravo à es-
etc., ele considerava tempo de trabalho dedicado ao
cravidão -- epopéia silenciosa, plebeia, porém, final- senhor. Trabalhava então a contragosto. O cativo
65
64
«,.,'. ".' «...,lll..« ;i..rc=e===
não controlava a duração de sua.jornada de trabalho.
Não raro, era do interesse económico do senhor
''consumir'' o mais rápido possível um cativo na
produção. Sem controle da duração de sua jornada.
o escravo protegia sua sobrevivência biológica dimi-
nuindo ao máximo a intensidade do trabalho (aten-
ção, rapidez, etc.). A própria sabotagemde instru-
mentos ou instalaçõesprodutivas, assim como a en-
cenação de uma enfermidade ou um autoferimento.
podiam servir para interromper, ao menos momen-
taneamente, uma atividade exaustiva.
O .baixo nível intelectual do escravo limitava
igualmente a produção servil. As condições de vida e
trabalho sob a escravidão determinavamtaxas de
mortalidade significativamente elevadas para os es-
cravos assenzalados.As ''baixas'', até 1850, eram
supridas pelo tráfico transatlântico de escravos. Era
necessárioum incessante treinamento mínimo dos
''escravos novos'' recém-chegados. Na verdade, era
impossível aos senhores elevar intelectualmente a
massa servil. Uma população escrava culturalmente
homogênea e adaptada à nova realidade seria extre-
mamente perigosa e explosiva. Mesmo uma elite de
escravos produtivos com nível intelectual mais desen-
volvido seria um problema.
Devido a estes e outros fatores próprios à eco-
nomia do escravismo, as tentativas de motivar. remu-
nerar ou elevaro níveldo trabalho escravizadoforam
sempre limitadas e incompletas, ainda que estas prá-
ticas e tentativas sejam essenciais para a compreen-
são do regime servil (escravos domésticos, escravos baILa físic'
65
64 Miada José MaestroFilha O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
não controlava a duração de sua.jornada de trabalho. urbanos, ''sistemabrasileiro'', etc.). Porém, a coer-
Não raro, era do interesse económico do senhor ção física -- o trabalho feitorizado e assenzalado--
''consumir'' o mais rápido possível um cativo na foi a principal responsávelpela continuidade da pro-
produção. Sem controle da duração de sua jornada, dução de bens coloniais durante os 350 anos de es-
o escravo protegia sua sobrevivência biológica dimi- cravismono Brasil. Este tipo de produçãos6 era
nuindo ao máximo a intensidade do trabalho (aten- possível sob determinadas condições e não se desen-
ção, rapidez, etc.). A própria sabotagemde instru- volvia além de certos limites.
mentos ou instalaçõesprodutivas, assim como a en- O escravo assenzalado necessitava ser enqua-
cenação de uma enfermidade ou um autoferimento, drado por uma verdadeira multidão de feitores. Eles
podiam servir para interromper, ao menos momen- organizavam, dirigiam e ''animavam'' o trabalho ser-
taneamente, uma atividade exaustiva. vil. Estes feitores -- homens livres ou escravos privi-
O .baixo nível intelectual do escravo limitava legiados = eram em número significativamente su-
igualmente a produção servil. As condições de vida e perior ao necessário para a coordenação técnica da
trabalho sob a escravidão determinavam taxas de produção. Portanto, ''oneravam'' a produção .escra-
mortalidade significativamenteelevadas para os es- vista Mesmo estreitamentevigiados, o trabalho de
cravos assenzalados. As ''baixas'', até 1850, eram um escravo era menos produtivo, se comparado ao de
supridas pelo tráfico transatlântico de escravos. Era um homemlivre. O naturalistaAuguste de Saint-
necessárioum incessante treinamento mínimo dos Hilaire, um dos grandes cientistas de seu tempo e
''escravos novos'' recém-chegados.Na verdade, era observador arguto e metódico, julgava que um traba-
impossível aos senhores elevar intelectualmente a lhador francês livre faria, em um pomar, o trabalho
massa servil. Uma população escrava culturalmente que ocupava quatro negros escravizados: A esta ob-
homogênea e adaptada à nova realidade seria extre- servação, feita em 1820, quando de sua visita ao Sul,
mamente perigosa e explosiva. Mesmo uma elite de agregou que, mesmo amedrontados, os escravos tra-
escravos produtivos com nível intelectual mais desen- balhavam mal e lentamente.
volvido seria um problema. O trabalho escravizado inibia tendencialmente o
Devido a estes e outros fatores próprios à eco- desenvolvimento das técnicas, maquinas e instru-
nomia do escravismo, as tentativas de motivar, remu- mentos produtivos. Em uma época em .que as inova-
nerar ou elevar o nível do trabalho escravizado foram ções tecnológicas surgiam fundamentalmente do co-
sempre limitadas e incompletas, ainda que estas prá- tidianó produtivo, a um homem instruído era verda-
ticas e tentativas sejam essenciais para a compreen- deiramentedesonrosotrabalhar com as mãos. O tra-
são do regime servil (escravos domésticos, escravos balho físico era considerado sinónimo de pobreza ou,
Mârio rosé Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 67
ainda pior, de condição escrava. Mesmo os avanços havia sucedâneopara o escravo na produção de mer-
tecnológicos oriundos do ''estrangeiro'' eram incor- cadorias coloniais. Mesmo com uma baixa produti-
porados lenta e imperfeitamente pela esfera t)rodu- vidade/homem, o escravismo alcançava uma alta
tiva escravista. O homem escravizado, necessaria- rentabilidade.Porém, a partir de meadosdo século
mente inculto e desinteressado no trabalho, estaira XIX, o escravismo começou a inibir o desenvolvi-
somenteapto a manejar maquinas robustas e pouco mentoda produção. No Rio Grande do Sul, os limi-
complexas. A pr6pi'ia necessidade do senhor de imo- tes da atividade charqueadora escravista, dos meios
bilizar capitais na compra de escravos dificultava a de transporte,das obras públicas, etc., são bons
aquisição de instrumentos mais refinados e caros. exemplos. Foi esta resistência ao trabalho, associada
Os fundamentais instrumentos agrícolas dos es- a outros fatores, que levou o escravismo ao esgota-
cravos foram sempre pesados e robustos machados e mento e garantiu a possibilidade de superação da
enxadas. Louis Couto, o cientista francês que estu- economia servil por formas superiores de produção.
dou detidamente as charqueadas gaúchas e os sa/a- Num sentido hist6ricÉ), fazendo ''corpo mole'' , o es-
deros uruguaios e argentinos a pedido do governo cravo fez avançar a História.
imperial, acreditava que a menor competitividade do
charque sulino em relação ao produto platino devia-
se fundamentalmente ao fato de o escravo gaúcho ser Suicídio, justiçamento, fuga
um produtor inferior ao operário livre do Prata. Ele
tinha de ser mantido, mesmo quando não traba- Entre as formas singulares de resistência servil à
lhava. Ele não podia, além das aparências, ser alu- escravidão, destacam-se o suicídio, o justiçamento e
gadopor algumtempo. Ele não tinha interesseno a fuga. Todas elas fizeram parte do dia-a-dia do es-
trabalho. E isto a tal ponto que os charqueadores cravismo gaúcho e preocuparam enormemente os se:
pelotensesforam obrigados'a contratar homens livres nhores. Quanto ao suicídio, eram muitos os motivos
para Manejar as cubas Cambacerêsa vapor, máqui- imediatos que levavam o escravo a esta opção defini-
nas que requeriam um manejo cuidadoso, responsá- tiva. Subjacentes a elesencontrava-se, quase sempre,
vel e completo. a situação escrava. Um cativo podia suicidar-se por
A oposiçãodo negro ao trabalhosob a escravi- temer ser vendido, ser separado de amigos ou ser
dão inibiu tendencialmente o desenvolvimento dos castigado.Não era raro um escravomatar-seapós
instrumentos e técnicas de trabalho. Durante os sé. atentar contra a integridade física do seu senhor ou
nulos XVI, XVll e XVlll, esta resistência surda não dos prepostos deste último. Escravos suicidavam-se
l devido à negativa senhorial de alforriâ-los sob paga-
questionoua ordem escravista. Naquele então, não
68 69
Àíári'o rosé Maesfrí .FIlÃo 1 0 Escravo Gatíc#o. Resüfêncfa e Zraóa/ho
mento. Em geral, o escravo buscava no autocídio a recer registros sobre movimentos coletivos servis de-
libertação de uma vida em todos os sentidos ingrata. sembocando no suicídio.
Com este ato, o senhor perdia o valor representado Os autocídiosserviseram, em geral, noticiados
pelo negro e a capacidade produtiva do escravismo pelosjornais do Império. Principalmenteos ocorri-
restringia-se. A eventualidade do suicídio podia ser- dos nas cidades onde os autocídios eram editados.
vir como trava a uma crescente degradação das con- Algumas auto-eliminações chegavam a ser divulga-
dições de vida e trabalho. das em outras províncias. O .Echo do Su/, de 14 de
Salvo engano, não há estudos específicos sobre o janeiro de 1862,registra que, em Campos (RJ), uma
suicídio escravo no Brasil. Tema que tropeça em difi- escrava eliminara suas duas filhas e ferira-se no pes-
culdades monumentais. Os levantamentos estatísti- coço. Interrogada, a frustrada suicida afirmou que
cos gerais contemporâneosà escravidão referem-se procurara a morte por ''não querer servir mais a sua
principalmente ao século XIX e são pouco confiáveis. senhora nem ela, nem seus filhos''
No relativo ao suicídio, a situação é ainda mais crí- O mesmo jornal registra, em 16 de janeiro de
tica. O autoCídio entre os homens livres tendia a ser 1866, que, em Porto Alegre, um escravo suicidara-se
apresentado como o resultado de um acidente ou enforcando-seno ''quintal da casa de seu primeiro
como morte natural. Ao suicida, na Colónia e no senhor (...y'. Muitas vezes, tentava-seavançar as
Império, negava-se o repouso em ''campo santo''. O prováveisrazões do ato. Em Rio Grandes um escravo
suicídio servil era também anunciado como resultado domésticoenfurecido tentara ferir sua senhora, uma
de um acidenteou enfermidade:a ação extremada preta e uma criança. ''Não podendo executar o seu
podia ''depor'' contra o amo. Um escrava de um nefando propósito (...) o monstro (síc) suicidou-se
''bom senhor'''nunca atentaria contra a vida. Assas- com uma facada no peito e um golpe fundo no pes-
sinatos de escravoseram apresentadoscomo autocí- coço.'' (Echo do Su/, 28.2.1862). Na mesma cidade,
dios. Crenças africanase religiosasl)odiam influen- alguns dias antes, uma escrava lançara-se ao poço da
ciar os cativos. residência senhorial. Segundo o periódico, fora com-
Um estudo do autocídio servil é imprescindível prada, havia 15 dias, doente. Seu ex-senhora ''obri-
para desvelar diversos aspectos da instituição escra- gara com ameaças de sovas(...) a declarar no leilão
vista. Por exemplo: teria sido o suicídio, como suge- que não era doente''(.Echo do S#/, 19.2.1862).Era
riu-se, mais comum entre os escravos urbanos do que comum os relatórios e falas provinciais registrarem
entre os rurais? Teriam os escravos africanos procu- laconicamente tais sucessos. Os papéis judiciários do
rado a morte mais frequentemente do que os escravos Império informam-nos também sobre o autocídio de
crioulos? Um tal estudo permitiria igualmente escla-
+
minava que se efetuasse o ''auto de exame e corpo de violentas. A violência senhorial -- imprescindível ao
delicto'' bom funcionamentodo sistema -- era institucionali-
zada pela Ordem escraxista. A lei e a moral domi-
nantes tornavam a tortura do negro um direito e um
O escravo ''assassino dever privados dos senhores.
O Estado procurou regular o castigo do cativo
A escravidão prendia o escravo ao amo. Até a através dos três séculos e meio de escravismo a fim de
coibir ''excessos'' individuais que pudessem pâr em
morte, na maioria das vezes. Na produção, a riqueza
do senhorestavaligada ao ritmo, duração e quali- perigo a tranqüilidade e o bom funcionamento da
dade do trabalho do negro escravizado. O proprie- produção servil. A Igreja também lembrava a neces-
sidade' de martirizar com equanimidade os negros.
tário ou o seu prepostofeitorizavamrigidamenteo NÕ início do século XVlll, lembrava o bom padre
cativo. Na residência senhorial, o escravo doméstico,
Benzi: ''Para trazer bem domados e disciplinados os
apesar de ''privilegiado'',vivia dia e noite sób os
olhos e as mãos do escravista. Em forma geral, a coti- escravos é necessário que o senhor lhes não falte com
dianidade do servo negro dependia do arbítrio 'do o castigo, quando eles se desmandam e fazem por
onde o merecem
senhor, que exigia trabalho, respeito, submissão.
A sociedade escravista almejava um cativo que O escravo respondia violentamente às violentas
se autoconcebessecomo propriedade de outrem ou condições de vida e trabalho que conhecia. Esta vio-
um negro neutralizado pelo respeito e medo ao amo. lência emergia no trabalho, nas suas relaçõespes-
Para construir esta criatura, os senhores controla- soais, na pr6púa forma como ele autocompreendia-
vam, na medida do possível, os mais distintos aspec- se. Esta violência podia explodir em formas de luta
tos da vida do negro. O trabalho servil, a religião, contra a escravidão -- a fuga, a revolta, etc. Muitas
o lazer, a ''educação'', etc. eram estritamente vigia- vezes, ela resultava no ato de sangue contra o senhor,
suã família ou prepostos. A sociedade senhorial te-
dos e enquadrados pelo senhor, que contava, igual-
mia sobremaneira a ira servil. O senhor não podia
mente, com o poder de premiar ou castigar ó cativo.
O escravista concebia o escravo como um ser esquecer-se de que coabitava com seu ''inimigo do-
reduzido; o negro era forçado a autoconceber-se méstico''. Que o homem brutalizada podia, num ato
como inferior. No contexto do escasso desenvolvi- explosivo ou calculado, tornar-se ''um bruto assas-
sino''. Durante a escravidão,amos e feitoresforam
mento das forças produtivas da sociedade negreira e
l sistanaticamente abatidos pelo escravo enfurecido.
do alto nível de extração de trabalho excedente, as
Nos primeiros séculos da escravidão no Brasil, o
relações sociais interclasses eram necessariamente
73
72 Mlário José Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho
O escravofujão
S
nos jornais a fuga de escravos, os dados dos cativos e mato -- regulamentada nos anos 20 do século XVIII.
a gratificação pela captura. Nos anúncios sulinos, Em fevereiro de 1789, a Câmara de Porto Alegre no-
não raro se lê que provavelmente o cativo tinha como meou, salvo engano, seu primeiro capitão-dolmato.
'destino a fronteira?'. Alguns falhavam nesta tenta- O caçador de escravosfugidos era geralmentepm
tiva: a escravaJoaquina,-segundoo .alar/o de Rfo mulato ou um negro e, às vezes, um liberto. Forte-
Grande, de 9 de março de 1867, foi presa a um passo mente armado e auxiliado por cães, era pago distin-
da liberdade, em Jaguarão, ''ao passar para o Estado tamente se o negro fosse capturado numa cidúle,
Oriental''. Outros eram mais felizes. Já em 1820-21, distante de sua residência ou em um quilombo. Para
Saint-Hilaire apontava entre as justificativas para a um livre-pobre -- branco, mulato ou preto , pren-
guerra contra Artigos a proteção acordada pelo cau- der um cativo fujão era também uma 6tima forma de
dilho aos negrosfugidos do Brasil. E com razão. O ganhar uns trocados. O que unia toda a popylacão
naturalista francês também assinala que os ex-escra- livre contra o escravo escapado. Este constituía, Ci l
vos gaúchos eram tidos como os soldados mais valen- verdade, uma verdadeira gratificação ambulante.
tes de Artigas. Os senhores gaúchos organizavam Fato que tornava infernal a vida dos furões que pro-
igualmente razias nt)s territórios vizinhos para se- curavam passar despercebidos em uma cidade.
qüestrar antigos escravos escapados . Se preso, o furão era barbaramente castigado.
As fugas causavam sempre prejuízos aos senho- Para que não repetissea aventurae para servir de
res. Alguns fujõesjamais eram recapturados. Seus exemplo. No mesmo ano em que se nomeou um capi-
proprietários eram obrigados a desembolsar para tão-do-mato em Porto Alegre, a vereança mandou
substituí-los.Outros eram detidosmesesou, até mes- aprontar um ferro para queimar com ''F'' as carnes
mo, anos após terem fugido. Este era um tempo de dos negros capturados em quilombos. Na mesma
trabalhojamais recuperado. Mesmo quando aprisio- ocasião, providenciou-se o tronco para .executar .os
nados, os fujões causavam prejuízos. Desde 1574, os castigos legais. Era também costume brindar os fu-
senhoreseram obrigados a gratificar os captores e a jões com correntes, gargalheiras,calcetes, etc. Em
pagar os gastos com os negros enquanto eles não lhes todos os casos, o tronco e o ''bacalhau'' eram apli-
fossemdevolvidos.Mesmo não fugindo, o escravo cados sem parcimonia.
pesava no bolso do senhor. Esta ''riqueza com per- Apesar de toda a vigilância e dos terríveis. cas-
nas.'' devia ser guardada por feitores e capatazes es- tigos que esperavam os capturados= o negro fugia
pecialmente contratados para isto. sistematicamente.Na Colónia e no Império, existiu
A caça ao negro escapado permitiu até mesmo o uma população flutuante e significativa de negros
surgimento de uma profissão -- a dos capitães-do- fugidos ou presos à espera de serem devolvidosaos
76 Mário José Maestro Filho
velhos. Alguns fugiam com apenas a roupa do corpo; cados à cata clandestina de ouro e diamantes que
outros levavam o que podiam. Muitas destas fugas eram permutados por alimentos e outros meios de
não tinham, parece, destino certo; outras foram pla- subsistência. Na Amazânia, comunidades de quilom-
nejadas com cuidado. O certo é que -- muito mais do tiolas ocupavam-se no extrativismo. O produto desta
que se pensa -- o escravo opas-se ao senhor simples- prática era escoado pelos regatões que abasteciam
mente fugindo. igualmenteos quilombolas. Nos arredores das prin-
cipais aglomerações urbanas, pequenos quilombos
viviam do abastecimentoda população citadina em
Quilombos gaúchos caça, lenha, ovos, etc. Algumas comunidades de es-
cravos fugidos viviam da rapinagem.
O quilombo -- comunidade de escravos fugidos O quilombo agrícola -- comunidade de agricul-
estabelecidos em um ermo qualquer -- foi a mais tores e artesãos -- foi o mais comum no Brasil. O
segura maneira de um negro libertar-se da escra- escravo fugido libertava a então principal constituinte
vidão. Sob diversos nomes, esta forma de resistência das forças produtivas: sua força de trabalho. A terra
servil pululou em quase todas as regiõesque conhe- '- essencial meio natural de produção -- abundava
ceram a escravidãocolonial. Na própria ilha açuca- devoluta na América escravista. As ferramentas ou
reira lusitana de São Tomé, próxima à costa'afri- eram roubadas durante a fuga ou substituídas por
cana, formaram-se ''quilombos''. No Brasil. salvo instrumentos de pedra, madeira ou osso. Esta pro-
engano, a primeira referência à fuga e resistência de dução agrícolapodia ser completadacom a caça, a
escravos é de meados do século XVI. Isto é, poucos pesca, a coleta e o saque. Quando um quilombo se
anos após o início da introdução de cativos africanos estabilizava e aumentava sua produção, o saque ten-
na América lusitana. Em 1888, quando da Abolição, dia a ser substituído pelo escambo. Obtinha-se assim
pululavam quilombos no litoral e sertão brasileiros. armas, pólvora, ferramentas,ferro, etc. Este inter-
Fugidos das plantações, fazendas, catas, char- câmbio garantia melhores condições de vida para o
queadas, etc., os cativos podiam estabelecer-seem quilombo.
um local de difícil acesso ou afastado do. mundo Os agrupamentos quilombolas débeis e instáveis
senhorial. Fundavam, então, uma comunidade de constituíam comunidades agrícolas domésticas; aque-
produtores independentes ou associados. As ativida- les que se estabilizaram e reproduziram, conheciam
des económicas destes grupos eram diversas e deter- um modo de produção doméstico. Os quilombos
78 Miada José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistência e Trabalho 79
agrícolas baseavam sua economia sobre a agricultura quilombola determinava à teria, as comunidades de
itinerante de cereais e/ou tubérculos praticada com ex-escravosviam seus territórios cobiçados. Os es-
ferramentassimples,em geral, de ferro (enxadas e cravos fugidos e seus descendentes.eram valores. A
machados). Nesta atividade, a força humana e o fogo repressãoa um quilomboe a captura de seushabi-
eram as energias essenciais. .Parte desta produção ou tanteseram formas seguras para um enriquecimento
da de atividades por ela sustentadas possibilitavam a rápido. Finalmente, o quilombo constituía uma
aquisição de bens de difícil ou impossível confecção ameaça à ordem servil. Era uma alternativa para os
no quilornbo. A relativa semelhança entre estas co- ros escravizados. Sabemos também que quilom-
munidadese as africanas deve-seaos relativamente bos participaram de conspirações antiescravistas.
iguais níveis de desenvolvimento das forças produti- Ainda que segmentos senhoriais, devido a interesses
vas de ambas as economias, e não a uma ''herança económicos, tenham chegado a proteger quilombos,
cultural'' ou ''regressão'' económico-social.A comu- a. política escravista foi sempre a destruição destas
nidade agrícola quilombola viveu sempre no contexto comunidades.
da antiga formação escravista, ainda que relativa- O quilombo é um fenómeno que recém coqieça a
mente autónoma a ela. No entanto, a produção es- preocupar nossas ciências sociais. No entanto, as co-
cravista foi sempre dominante. Isto, devido ao mais munidades de escravos fugidos desempenharam um
elevadonível de sobretrabalho que ela extraía ao es- papel ímpar em nosso passado. Constituíram signifi-
cravo e à sua inserção no mercado internacional. No cativa forma de luta social sob a escravidão. Manti-
Brasil, a confederaçãodos quilombosde Palmares veram importantese singulareslaços com a antiga
constituiu uma formação social independente da so- formação social escravista. Contribuíram, talvez mui-
ciedade luso-brasileira, pois, na serra da Barriga, to mais que possamos imaginar, ao desbravamento e
nas Alagoas do século XVll, tivemos um verdadeiro à ocupação dos sertõesbrasileiros. Enfim, influen-
Estado com economia e sociedade estrüamente regu- ciaram nossa conformaçãoétnica, linguística, reli-
laLIUb. giosa, etc. Delinear a contribuição destas comunida-
O quilombo rural tendia a estabelecer relações des ao nosso passado não é acrescentarmais uma
pacíficas e de intercâmbio com a formação escra- pagina à nossa história. É compreendo-laem um
vista. Porém, o mundo senhorial. entrava inevitavel- contexto mais complexo e concreto .
mente em contradição com o quilombo agrícola. Se o Até quase a Abolição, o escravismo desempe-
quilombo crescia, ele questionava a posse monop6- nhou significativo papel no Sul. Parcelas do território
lica da terra. Devido à expansão natural da proprie- gaúcho conheceram importantes concentrações de
dade escravista ou à valorização que a ocupação negros escravizados. No entanto, não se registra qui-
81
H) Mârio José MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho
lombos de vulto nestas regiões. O que é fácil de ex- nagem e de relações mercantis com a vila de Rio
plicar. No Rio Grande do Sul, o cativotinha ma- Grande. .
neira mais segurade libertar-se: a fronteira. Em ter- Nas cercanias de Pelotas, grande concentração
ritórios gaúchos escasseavam-setambém serras gaúcha de escravos, subsistiram igualmente diversos
abruptas e matas impenetráveis. Por outro lado, al- quilombos. Temos informações, para o pnmei=o
gumas das regiões com estas características eram
habitadas por ''ferozes bugres''. Ao nível atual de
nossosconhecimentos,podemosafirmar. que no Sul
dos séculos XVlll e XIX dominou a pequena con- bunda. Segundo parece, o grupo praticava a rapt-
centraçãode uma dezena ou pouco mais de fujões. nageme o ''rapto'' de escravose escravaspara o
Os primeiros quilombosgaúchos.datam possi- fortalecimentoda comunidade.O municípiode.Rio
velmentedo início da ocupação lusitana. Como vi-
mos, na primeira metade do XVlll, escravos, no Sul,
fugiam de deus ''amos''; na segunda metade, no-
meava-sejâ capitães-do-mato. No século XIX, é
abundante a documentação sobre quilombos no Rio t6rico do Rio Grande do Sul encontra-sedocumen-
Grande do Sul. Em 9 de janeiro de 1833, 0 0bser-
t,apor, jornal de Rio Grande, noticiava sobre uma
pequena concentração de quilombolas na ilha dos
Marinheiros. Seu chefe seria o negro Lulas -- ali vivendo em dois ranchos. Seis quilombolas .foram
estabelecido hâ dez anos --, o quilombo seria for- presos, dois morreram resistindo. Os. restantes al-
mado por seis homens e quatro mulheres. Após a cançaram a fugir. Na mesmaregião, existia um outro
morte -- à traição -- do chefe quilombola, o qui- qui ombo que foi inutilmente procurado pelos escra-
lombo é visitado pelo delegado de polícia e guardas vizadores. Hâ indícios da existência de quilombos no
nacionais. Nele encontram, segundoo jornal, ''uma antigo município de Triunfo e em outras regiões do
grande çasa com vários repartimentos, alguns couros Rio Grande do Sul.
de vaca, quatro delescom a marca do sr, Antânio
José Afonso, muita carne, graxa, sebo, panelas de
ferro, chocolateiras, garrafas, frascos, garrafões,
uma lança, grande porção de lenha cortada e amar-
rada (...y'. Este inventáriosugerea pratica da rapi-
82 Mlârio Josê Maestro Filho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 83
esta época. Porém,l os indícios conhecidos são para de escravos. Com o fim da c.hegada de africanos,
épocas posteriores ao trabalho de Dreys. Em 1838, a massa servil brasileira ladinizava-se. Isto é, tor-
descobriu-se uma conspiração em Porto Alegre. Em nava-se culturalmente mais homogénea e adaptada à
1848, reprimiu-se um complâ em Pelotas. Em 1859, vida no Brasil escravista.As condiçõesde vida e
a presidência da Província registrou ''insurreições trabalho dos homens escravizados melhoravam em
servis'' em Piratini e Capivari. Em 1863, 1864 e 1865, algo -- cóm o fim do tráfico, o negro ''valorizará-se"
foram igualmente registrados fatos semelhantes. Pes- A estas melhorescondiçõespara uma ''consciência"
quisa mais detida possivelmenteapontara diversos servil da situação escrava ajuntava-se a nascente crí-
outros casos. tica emancipacionista e abolicionista do escravismo.
Para alguns destes movimentos temos informa- É neste ano de 1865que o jovem acadêmico Castra
ções mais detalhadas. Ê o caso de Pelotas, em 1848. Alves inicia gua radical crítica poética da escravidão.
Apesar de ainda não sabermos a real amplitude do A situação internacional também favorecia a
acontecimento, a farta correspondência entre as au- efervescência nas sanzalas. No primeiro semestre de
toridades civis, policiais e militares publicada pelo 1865, o sonho escravista dos confederados arderia
O Rfo-Grandense,
de Rio Grande,sugere-nos
um nas chamas de Richmond. Por outro lado, o Rio
movimento de vulto sufocado antes da data prevista Grande do Sul era o palco nacional do intervencio-
para a deflagração -- 6 de fevereiro de 1848. O plano nismo de Pedro ll no Prata. Montevidéu cercada, o
envolveria principalmente os escravos ''minas'' da Governo b/arco vivia seus últimos dias. Dentro em
cidade de Pelotase das charqueadase olarias dos pouco, iniciar-se-ia a sangrenta ''guerra do Para-
arredores. ''Minas'? eram os africanos escravizados guai''. Como sabemos, revoluçõese guerras senho-
provenientesdo antigo forte de São Jorge da Mina, riais ensejavàm fugase rebeliões escravas.
na atual Gana; no Rio Grande do Sul, talvez fossem Os feitos servis de 1865 parecem estar ligados ou
conhecidos como ''minas'' todos os cativos embarca- terem sido deflagrados pelo ataque dos b/alzcosa Ja-
dos no litoral do golfo da Guiné. Dezenas de escravos guarão. NÓ dia 27 de janeiro, Q generaluruguaio
foram presose até mesmo uma canhoneira foi posta Basilio Mufloz, com centenas de cavaleiros, cruzou a
à disposição das autoridades pelotenses para garantir fronteira gaúcha numa derradeira tentativa de rever-
a ''ordem'' ter a sorte da guerra. Possivelmente,as esperanças
Pouco sabemos sobre os acontecimentos de 1865, uruguaias estavam assentadas na eventualidadede
segundoparece, uma conspiração escrava de vulto. A um levante servil gaúcho. A proclamação do general
conjuntura sócio-política era favorável a fatos seme- Basílio afirmava que os uruguaios vinham para ''dar
lhantes. Há 15 anos acabara o tráfico transatlântico liberdade aos desgraçados homens de cor que gemem
86 Mârio José MlaestriFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 87
À
92 Mârio rosé MaestroFilho O Escravo Gaúcho: Resistênciae Trabalho 93
Peter L. Eisenberg o fez para Pemambuco, em .44odernízaçâb Sobre a escravidão no Rio Grande do Sul são menos abun-
sem Mudança. A Indústria Açucareiro em Pernambuco. }840- dantes os trabalhos. Dente de Laytano escreveu diversos estudos
/9/0 (Rio de Janeiro, Paz e Terra; Campinas, UNICAMP, 1977). sobre o negro no Sul. Entre eles temos: "0 Negro e o Espírito
Em .A#Pzas Geral.' Escravos e .SePzllores(São Paulo. IPE/tiSP. Guenékd' (in Anais do il Congraso de Estudos AÕ'o-Brasi-
1981), Francisco Vidas Luna traçou um detido quadro da pratica leiros, Salvador, 1937, pp. 95-117) e o ''Negro no Rio Grande do
mineradora escravista em Minas Gerais. Especificamente sobre Sul(Primeiro .gemfnárlbde Estudos Gatíc#os, Porto Alegre,
a Abolição, tema que assume crescente importância em nossa PUC, 1957, PP. 29-106). Clâudio Moreira Bento tentou uma
historiografia, Robert Conrad publicou um abrangente trabalho, síntesehistoriográfica da questão em O ]Vegro e l)escendenres na
Os U7fímos.lhos da Ekcravafura pzo.Braif/(Rio de Janeiro. Civi- Sociedade do Río Gra de do .Stz/ .(Porto Alegre, GRAFOSUL/
lização Brasileira; Brasília, INL, 1975). Sobre os castigos serás e IEL/DAC/SEC, 1976).Temos, de Mário MaestroFilho, O Es-
a resistênciaescrava, J. Alípio Goulart escreveu dois clássicos: cravo zzõ Rlo Graizde do .S#/. .A (Zarqueada e a Gêrzese do
Da Palmatória ao Patíbulo. Castigos de Escravos no Brmil (R\a Escravümo Gazícho(Porto Alegre, EDUCS, EST, 1984). Marga-
de Janeiro, Conquista, 1971) e Z)a /bga ao .Suicídio. 4specfos de ret Marchiori Bakos publicouRS.. Escravfsmo & 4boZíção(Porta
Rede/díados .Escravosno Z?rasa/(Riode Janeiro, Conquista; Alegre, Mercado Aberto, 1982). Fempndo Henrique Cardoso
INL 1972). A resistência do cativo à escravidão foi abordada por traçou um amplo quadro da instituiçãoescravistano Rio Grande
Clõvis Moura em Rege/iõesda .Sepzza/a(3aed., São Paulo. Ciên- do Su\ em Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional (2&
cias.Humanas, 1981) e Os Quf/omóose a Reóelfâo Alegra(São ed.. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1977).Autoresgaúchos,tais
Paulo, Brasiliense,1981). Ronaldo Marcos dos Santos discutiu a comoGuilhermino Casar, Paulo Xavier, Moacyr Flores, Riopar-
importância da resistência escrava em Reiüféhcía e Superação dense de Macedo. Décio Freitas, etc., têm abordado a escravidão
do .Ekcravümo na P ovíncla de .Sâo.Patilo (São Paulo. IPE/USP. gaúcha em capítulos de obras voltadas privilegiadamente a ou-
1980). Quanto aos quilombos de Palmares, temos o trabalho de tras questões ou em artigos isolados.
Décio Frestas Pa/mares.' .4 Guen'a dos Escravos(3a ed., Rio de São ricas e variadas as fontes sobre o escravismono Rio
Janeiro, Gr?al, 1981).Este mesmoautor discutiu o agir do Grande do Sul. Diversos viajantes estrangeiros registraram múl-
escravo na Cabanada em Os Guerra/Aeíroi do .Imperador(Rio, tiplos aspectos da instituição no Sul. Entre eles, destacam-se:
Graal, 1978). Mana Januâria V. Santos escreveu.ã Ba/alada e a Robert Avé-Lallemant, Vlagempe/a H'ovíncla do Rfo Grande do
Initzrreíçâb de Escravos no .A/aranÀão(São Paulo, ética, 1983). Su/. (/585) (Belo Horizonte, ltatiaia; São Paulo, EDUSP, 1980);
Sobre o tráfico transatlânticode escravosem direção ao Brasil, Nlcolau l)vens, Notícia Descritiva da Província do Rio Grande do
temos. de..rosé Gonçalves Salvador, Os .AZagnafai do Traí/Tco Sti/(Porto Alegre, Globo/IEL 1961);John Luccock, .Nbfassobre
Negreú'o(São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1981). Les]ie Bethe]] o Rio de Janeiro. E Parta ÀfeHdíonaísdo Brasíl (Belo lloü-
abordou a supressão.destecomércio em.4 .4bo/íçâo do Zr4/7code zonte, ltatiaia; São Paulo; EDUSP, 1975); Auguste de Saint-
.L
Escravosno .Brasa/(Rio de Janeiro, Expressão e Cultura: São Hilaire, vagem ao Rlo Grande do Su/ (/820-2/) (Belo Hori-
Paulo, EDUSP, 1976). Como síntesesda escravidão no Brasil. zonte. ltatiaia: São Paulo, EDUSP, 1974); Carl Seidler,Z)e2
temos, de Maurílio de Gouveia, #hfória da Es'cravídâo(Rio de .4nos /zo.Brasa/(3a ed., São Paulo, Martins; Brasília, INL 1976).
Janeiro, Tupy, 1955); de Maurício Goulart, .4 Escravídâó AIÓ'a- Sobre a escravidão e a Colónia do Sacramento, Jonathas da
camazzo.Braií/.l)as orjgePzs
à mflnçâodo fr(Í/íco(3? ed., São Costa Rego Monteiro escreveu 4 (b/órfã do .Sacramento. /ó80-
Paulo, Alfa-õmega, 1975); e, de Kâtia de Queiroz Mattoso. Ser l ] 777(2 vais., Porto Alegre, Globo, 1937), que contém rica infor-
Escravo no .Brasa/(São Paulo, Brasiliense, 1982). mação sobre o problema. Igualmente importante é o trabalho de
94 Mârio Josê MaestH Filho