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Escravizados africanos na vila de São Esta realidade tem relação com o

José de Macapá no século XVIII nosso passado escravista, afinal a


Bruno Rafael Machado Nascimento abolição aconteceu somente em 1888.
Mas o que era ser escravizado? Imagine-
Possivelmente você já ouviu se sendo obrigado a fazer o que outra
alguém dizer que os escravizados pessoa manda, caso contrário, corria-se o
africanos construíram a fortaleza de São risco de ser espancado e até estuprado.
José. Esta afirmação é verdadeira, mas Escravizado(a): pessoa transformada
não foram apenas eles. Indígenas e em mercadoria, propriedade de outro
trabalhadores livres também indivíduo e as leis reforçavam a
participaram. condição de ser dominada.
Mas será que os negros apenas
trabalhavam e sofreram violência? A
resposta é não. Eles criaram formas de Triste não é? Você já se
resistir, por exemplo, as fugas, perguntou quem eram essas pessoas que
formações de mocambos (o mesmo que vieram da África? Já pensou que no
quilombos), constituíram práticas outro continente elas tinham os seus
culturais como o Marabaixo e Batuque. costumes? Suas religiões? Suas
É uma história de sofrimento, mas profissões? Suas famílias? E isso tudo foi
também de lutas por liberdade. abalado. Transportadas forçadamente
Segundo a Fundação Palmares, tiveram que se recriar e inventar novas
até 2022, no Amapá há 44 comunidades maneiras de existirem.
quilombolas com certificação de
autodefinição. Dados do Censo do IBGE O comércio ou tráfico transatlântico
de 2022 informam que há no Estado 12. para Amazônia
524 pessoas que se autodeclaram
quilombolas, o que significa 1,71% da Observe a litografia abaixo que
população total. foi feita pelo alemão Johan Moritz
A presença negra é histórica e Rugendas em 1830.
está atuante no presente, mas o que leva
Navio negreiro
alguém a discriminar negros e
indígenas? Uma das razões, mas não a
única é a falta de conhecimento
histórico, ou seja, a ignorância.
No que é hoje o Brasil, tanto os
africanos e seus descendentes quanto as
populações indígenas sofreram com a
escravidão. As experiências escravistas
foram terríveis e têm repercussões em
nossa sociedade. Por exemplo, quem são
a maioria dos presos? A maior parte dos
pobres? Os que mais morrem em Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commo
ns/7/71/Navio_negreiro_-_Rugendas_1830.jpg.
intervenções policiais?
Tente responder as seguintes questões
com o auxílio da internet:

1. Quem foi Johan Moritz Rugendas?


2. O que ele veio fazer no Brasil?
3. O que é uma litografia?
4. O que você observa na imagem?
5. Como eram as condições de viagens nos navios negreiros?
6. Qual a parte dos navios os africanos eram transportados?
7. Qual a intenção do Rugendas ao fazer esta pintura?
8. Qual outro título você daria a esta obra? Por quê?

Durante a existência do tráfico, ou seja, até 1850 vieram forçadamente para o


Brasil cerca de 4,8 milhões de pessoas. Observe na imagem abaixo as principais rotas do
comércio e os lugares de origens dos africanos feitos escravos.

As principais rotas do comércio transatlântico

Fonte: Marina de Mello e Souza (2014, p. 82).

Nesta imagem constam os diferentes, ou seja, possuíam culturas,


principais portos africanos e brasileiros línguas, religiões, formas de
durante o tráfico. Observe que as pessoas organização social e econômica
vieram da África de diferentes lugares. diferentes. Chegaram diversos povos,
Sabe o que isso significa? Eram por exemplo, fulanis, hauçás, fons,
iorubas, ovimbundos, dembos, depois brasileiros. Negociavam armas e
ambundos, imbangalas, quiocos, congos, produtos europeus com os líderes
tios, jejes, nagôs e tantos outros. Por africanos em troca de escravizados. Em
favor, não pense que os africanos eram seguida vendiam nos portos de Belém a
todos iguais! preços elevados para os moradores.
Mas isso você certamente já Percebeu a lucratividade? E a crueldade?
estudou e o objetivo foi apenas Também pelo mapa foi possível
relembrar. Agora vamos para o que mais perceber que estamos próximos
nos interessa neste texto. Os geograficamente, mas também
escravizados que vieram para vila de São culturalmente da África. O que nos
José de Macapá a partir da segunda separa é tão somente o oceano Atlântico,
metade do século XVIII. Pelo mapa que ou seja, nossa História está conectada
está acima se percebe que a maioria (e com a africana.
não todos) vieram para Amazônia
principalmente da região de Bissau, Os africanos na vila de São José de
Cacheu, do rio Gâmbia e das ilhas Macapá na segunda metade do século
atlânticas, especialmente de Cabo Verde. XVIII
Estes africanos chegavam nos
navios ao porto de Belém e de lá eram Com o início das obras da
vendidos para serem levados às várias fortaleza de São José de Macapá em
vilas da Amazônia, como a de São José 1764 houve necessidade de muita gente
de Macapá. para trabalhar. Quem foram os
Macapá é uma palavra que deriva do trabalhadores? Os indígenas e africanos
Tupi e significa lugar de bacabas. escravizados que trabalhavam não
Foram os indígenas que aqui viviam apenas na obra em si, mas também nas
que assim chamavam a região. A partir pedreiras de onde retiravam as pedras
de 1751 Portugal enviou pessoas das que eram transportadas pelos indígenas
ilhas de Açores para colonizarem este em canoas.
espaço. Estes indivíduos dependiam Chamo atenção para o fato de que
dos trabalhos e conhecimentos dos não era só a fortificação que consumia os
nativos. Enfrentaram dificuldades para
corpos africanos, mas também os
se adaptar, mas em 4 de fevereiro de
trabalhos nas roças dos moradores que
1758 Macapá deixou ser povoado e
passou para vila com o nome de São cultivavam arroz, mandioca, algodão,
José de Macapá em homenagem ao rei feijão, milho entre outros gêneros. Além
D. José I de Portugal. dos escravizados trabalharem como
vaqueiros.
As condições de vida da maioria
dos africanos eram precárias. Trabalhos
Os traficantes saíam de Lisboa
exaustivos de sol a sol, vigilância, pouca
iam à África onde embarcavam cativos e
alimentação e violência foram as marcas
depois iam à Amazônia de onde
do sistema escravista em Macapá.
voltavam para Portugal com dinheiro e
Somam-se a isso as doenças que
produtos da região. Este comércio era
quando não matavam deixavam muitos
bastante lucrativo para os portugueses e
africanos e indígenas fragilizados. Veja
o que disse em 8 de março de 1765 o Em Macapá os africanos
governante de Macapá Nuno da Cunha resistiram de diversas formas, por
de Atayde Varona: exemplo, furtos de ferramentas,
diminuição no ritmo de trabalho, resgate
Este grande número de doentes não só de dos seus amigos e familiares,
pretos, mas também de índios da solidariedade com os indígenas, mas
fortificação, da serraria e anauerapocú, principalmente as fugas.
com alguns soldados, me obrigou Muitos fugiam para formar
indespencavelmente a lhe fazer mais uma mocambos ou quilombos que eram
casa de palha: separando os de bexigas, e de espaços formados por negros que
sarampo que vieram em calcetas dessa buscavam viver de forma livre. A
cidade [Belém] [...] para que as queixas maioria destas comunidades era
contagiosas não se comunicassem aos composta por africanos e seus
pretos, e mais índios, como me ponderou e descendentes, mas também existiam
requereu o cirurgião: tendo até o presente
mocambos só de indígenas. Já em outros
falecido 3 pretos e 4 índios (VARONA,
Nuno. In:HENRY-VERGOLINO, A; viviam negros, brancos e mestiços
FIGUEIREDO, A. 1990. p. 80). pobres, por exemplo, criminosos e
aventureiros.
O mesmo Nuno Varona escreveu Apesar da vigilância por parte
em 9 de abril de 1765: das autoridades portuguesas muitos
escravizados conseguiam fugir da
O sarampo se vai propagando entre os construção da fortaleza ou dos
moradores, que se acham doentes no maior moradores. Ao longo do tempo foram
número de cem: ficando no hospital 55 enviadas várias diligências para tentar
índios da fortificação e 98 pretos e da capturar os fugidos, mas nem sempre
serraria 22: havendo já desta contagiosa conseguiam.
queixa falecido 10. Aos pretos ainda se não Estes africanos fugiam
lhe tem comunicação esta enfermidade e os principalmente para região do rio
7 que se achavam ausentes já foram Araguari. Por quê? Era uma região
reconduzidos e fica o número deles sendo de disputada entre franceses e portugueses,
169; por terem falecido cinco (VARONA, e por isso, tinha pouco controle. Lá era
Nuno. In:HENRY-VERGOLINO, A;
um espaço de liberdade e autonomia,
FIGUEIREDO, A. 1990. p. 81).
mas também os aspectos geográficos
Você consegue analisar estas ajudavam: florestas, rios, cachoeiras
duas fontes históricas? Vamos fazer este colaboravam para que as comunidades
exercício de construção do fossem formadas.
conhecimento histórico? Os escravizados sabiam disso e
Leia as correspondências por no por essa razão escolheram este lugar.
mínimo duas vezes, marque as palavras Mas não se enganem. Eles não viviam
que você desconhece e pesquise o isolados. Vinham à Macapá negociar as
significado no dicionário físico ou suas produções, mandavam informantes
virtual. Em seguida responda: à vila para saber das notícias, roubavam
ferramentas e invadiam a vila de São
José para tentar resgatar seus amigos e
1. Por que as pessoas ficavam doentes em familiares.
Macapá?
Vamos analisar algumas fontes e
2. Por que os mais afetados eram os
aprender um pouco mais? Novamente
africanos e indígenas?
3. Qual foi a saída encontrada pelo
sugiro leituras e buscas de significados
governante para evitar o contágio das nos dicionários de palavras
“bexigas” (varíola) e do sarampo? desconhecidas.
4. No segundo texto indica-se algo que os
africanos fizeram. O que foi? Por que
fizeram?
O documento abaixo foi escrito crenças, filosofias e conhecimentos que
pelo Manoel Joaquim de Abreu no início formaram a sociedade amapaense.
de 1792 e dirigido ao governador do Hoje existem as comunidades
Estado do Grão-Pará D. Francisco de quilombolas espelhadas pelo estado.
Souza. O militar convenceu o Ainda enfrentam muitos desafios, por
escravizado Manoel a buscar exemplo, falta de apoio, reconhecimento
informações com os amocambados (os de suas terras e ausências de políticas
que viviam em quilombos). Na ocasião, públicas.
ele conversou com o preto João que Quero finalizar retomando a
morava em Macapá, mas já tinha vivido seguinte questão: faz sentido qualquer
num mocambo há dois anos, porém forma de preconceito e racismo?
sempre se comunicava com quem vivia
no quilombo. Texto escrito pelo professor Bruno
Manoel indagou o João sobre Rafael Machado Nascimento.
como os amocambados viviam. Eis um
trecho das respostas que foram Referências
repassadas pelo escravizado Manoel ao
militar Manoel Joaquim de Abreu: GOMES, Flávio; QUEIROZ, Jonas;
COELHO, Mauro (Orgs.). Relatos de
Que elles não tem estaca nem trincheira fronteiras: fontes para história da
alguma de defesa, e só que usam é, porém Amazônia séculos XVIII e XIX. Belém:
estrepes na circunferência da sua habitação. Editora Universitária/UFPA, 1999.
Que suas armas são arcos, e flechas e umas
jardineiras compridas a forma de xifarotes e
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
que a sua habitação era quase no meio do
espaço o que faz o terreno entre os dois rios
e Estatística. Censo demográfico 2022.
o de Araguari e Carapaporis, a que eles
chamam Tururi [...] (APEP, Códice 457 SOUZA, Marina de Mello e. África e
(1788-1792). Ofício de Manoel Joaquim de Brasil africano. São Paulo: Ática, 2014.
Abreu a D. Francisco de Souza Coutinho,
Macapá, 27 de fevereiro de 1792. In: VERGOLINO – HENRY, Anaíza;
GOMES; QUEIROZ; COELHO, 1999, p. FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A
165). presença africana na Amazônia
colonial. Belém: Arquivo Público do
1. Quais armas os amocambados Pará, 1990.
utilizavam para se protegerem
dos portugueses? NASCIMENTO, Bruno Rafael
2. Por que este mocambo foi Machado. “Ouzarão vir furtar
criado na região do rio descaradamente, e buscar novos
Araguari? companheiros, quando ouzavão até pôr
fogo ás Cazas”: as fugas de africanos e
seus descendentes da vila de São José de
Macapá. In: NASCIMENTO, Bruno
Portanto, os africanos lutaram Rafael Machado. Entre matas, rios e
com todas as suas capacidades para igarapés: a História colonial do Amapá.
suportar a escravidão. Em Macapá Rio Branco: NEPAN, 2021.
muitos ousaram fugir e formar
comunidades. Eles vieram forçadamente
da África e não trouxeram apenas os seus
corpos, mas suas técnicas, memórias,

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