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Maria Manuela Conceição Carvalho Margarido

(roça Olímpia, Ilha do Príncipe, 1925 - Lisboa, 10 de


Março de 2007) foi uma poetisa são-tomense.

Manuela Margarido cedo abraçou a causa do com-


bate anti-colonialista, que a partir da década de 1950
se afirmou em África, e da independência do ar-
quipélago. Em 1953, levanta a voz contra o massacre
de Batepá, perpetrado pela repressão colonial portu-
guesa.

Denunciou com a sua poesia a repressão colonialista


e a miséria em que viviam os são-tomenses nas roças
do café e do cacau.

Estudou ciências religiosas, sociologia, etnologia e


cinema na Sorbonne de Paris, onde esteve exilada.
Foi embaixadora do seu país em Bruxelas e junto de
várias organizações internacionais.

Em Lisboa, onde viveu, Manuela Margarido empen-


hou-se na divulgação da cultura do seu país, sendo
considerada, a par de Alda Espírito Santo, Caetano
da Costa Alegre e Francisco José Tenreiro, um dos
principais nomes da poesia de São Tomé e Príncipe.

Fonte: Wikipédia

MANUELA MARGARIDO

VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA


VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA
V

E preciso não perder

de vista as crianças que brincam: A ilha te fala

a cobra preta passeia fardada de rosas bravias

à porta das nossas casas. com pétalas

Derrubam as árvores fruta-pão de abandono e medo.

para que passemos fome

e vigiam as estradas No fundo da sombra

receando a fuga do cacau. bebendo por conchas

A tragédia já a conhecemos: de vermelha espuma

a cubata incendiada, que mundos de gentes

o telhado de andala flamejando por entre cortinas

e o cheiro do fumo misturando-se espessas de dor.

ao cheiro do andu

e ao cheiro da morte. Oh, a tarde clara

Nos nós conhecemos e sabemos, deste fim de Inverno!

tomamos chá do gabão, Só com horas azuis

arrancamos a casca do cajueiro. no fundo do casulo,

E vós, apenas desbotadas e agora a ilha,

máscaras do homem, a linha bravia das rosas

apenas esvaziados fantasmas do homem? e a grande baba negra

Vós que ocupais a nossa terra? e mortal das cobras.

--------
a senzala;
ROÇA
a noite esculpe

os seus lábios frios


A noite sangra
na tua pele
no mato,
E sonhas na distância
ferida por uma aguda lança
uma vida mais livre,
de cólera.
que o teu gesto
A madrugada sangra
há-de realizar.
de outro modo:

é o sino da alvorada
E preciso não perder
que desperta o terreiro.
de vista as crianças que brincam:
E o feito que começa
a cobra preta passeia fardada
a destinar as tarefas
à porta das nossas casas.
para mais um dia de trabalho.
Derrubam as árvores fruta-pão

para que passemos fome


A manhã sangra ainda:
e vigiam as estradas
salsas a bananeira
receando a fuga do cacau.
com um machim de prata;
A tragédia já a conhecemos:

a cubata incendiada,
capinas o mato
o telhado de andala flamejando
com um machim de raiva;
e o cheiro do fumo misturando-se
abres o coco
ao cheiro do andu
com um machim de esperança;
e ao cheiro da morte.
cortas o cacho de andim
Nos nós conhecemos e sabemos,
corn um machim de certeza.
tomamos chá do gabão,

arrancamos a casca do cajueiro.


E à tarde regressas
E vós, apenas desbotadas
junto do MUD - Juvenil (Movimento de unidade
democrática-Juvenil) português. Pela sua partic-
máscaras do homem,
ipação em actividades anticoloniais é novamente
preso pela PIDE, em Fevereiro de 1955, e condenado
apenas esvaziados fantasmas do homem?
a dezoito meses de prisão. Preso em Lisboa, Agostin-
ho Neto não participa, em 10 de Dezembro de 1956,
Vós que ocupais a nossa terra?
no acto de fundação do MPLA – Movimento Popular
de Libertação de Angola. Em 1957, é libertado pela
PIDE e, uma ano depois, licencia-se em Medicina
pela Universidade de Lisboa. Participa da fundação
do Movimento Anticolonialista (MAC). Que con-
gregava patriotas das diversas colónias portuguesas
para uma acção revolucionária conjunta nas cinco
colónias portuguesas: Angola, Guiné, Cabo Verde,
Moçambique e S. Tomé e Príncipe. Pouco antes do
Natal de 1959, Agostinho Neto deixa Lisboa de re-
gresso à Luanda, onde abre um consultório médico.
Em paralelo com a sua actividade clínica, continua
a sua militância a favor da independência e é eleito,
em 1960, Presidente Honorário do MPLA. Preso
pela terceira vez, em Luanda, Agostinho Neto é
transferido para diversas prisões em Portugal e Cabo
Verde. O assalto às cadeias de Luanda, em Fevereiro
de 1961, desencadeia a luta armada pelo MPLA,
seguindo-se uma forte repressão colonial. Preso na
cidade da Praia, em em Cabo Verde, Agostinho Neto
é transferido para a prisão de Aljube, em Portugal,
onde permanece até Março de 1963. Libertado,
em 1963, foge clandestinamente para Léopoldville
(Kinshasa), e junta-se ao MPLA. Neste mesmo ano
é eleito presidente do MPLA durante a Conferência
Nacional do Movimento. A luta armada contra o
domínio colonial se intensifica até que, em Fevereiro
Primeiro presidente da República de Angola, era de 1975, regressa a Luanda. Em representação do
médico de profissão, poeta por vocação e um líder MPLA, Agostinho Neto participa em Alvor, Portu-
por natureza. Foi em Portugal onde Agostinho Neto gal, na assinatura do acordo para a constituição do
iniciou a sua acção política. Em 1947, integrou o “governo de transição”. A 11 de Novembro de 1975,
Movimento dos Jovens Intelectuais de Angola sob o Agostinho Neto proclama a independência de An-
lema “Vamos Descobrir Angola”. Em Coimbra, com gola. Dirige o MPLA e Angola durante os primeiros
Lúcio Lara e Orlando de Albuquerque, colaborou anos de independência, mas, doente, morre a 10 de
nas revistas “Momento” e “Mensagem”, órgãos da Setembro de 1977, em Moscovo, na União Soviética.
Associação dos Naturais de Angola. Os seus poemas Agostinho Neto deixou como legados, a independên-
e artigos, aliados ao seu engajamento político fizeram cia e a liberdade do povo angolano.
com que fosse perseguido e preso pela PIDE - Polícia
Internacional de Defesa do Estado, órgão repressor Angola tem uma Característica Cultural Própria,
da ditadura Salazarista que combatia os movimen- Resultante da sua História
tos nacionalistas das colónias portuguesas de então. Agostinho Neto
Posto em liberdade, retoma a actividade política e 8 de Janeiro de 1979
intelectual, fundando em Lisboa, em parceria com
Amilcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino Primeira edição: Discurso proferido pelo camarada
dos Santos e Francisco José Tenreiro, o Centro de presidente Agostinho Neto, no acto de posse dos
Estudos Africanos, orientado para a afirmação da novos membros da união dos escritores angolanos. 8
nacionalidade africana. Em 1951, é indicado como de Janeiro “Dia da Cultura Nacional”
representante da Juventude das colónias portuguesas
Fonte: Fundação Agostinho Neto
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. A cultura evolui com as condições materiais e a cada
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons etapa, corresponde uma forma de expressão e de
licenciado sob uma Licença Creative Commons. concretização dos actos culturais. A cultura resulta
Camaradas e caros colegas, termina assim hoje, mais da situação material e do estado do seu desenvolvi-
um processo na vida da União dos Escritores An- mento social.
golanos: o acto em que nós empossamos, depois de
uma eleição regular novos corpos gerentes. No contexto angolano, a expressão cultural resulta
senão de cópia, e por enquanto pelo menos do resul-
Um período de actividades para todos os escritores tado de uma aculturação secular, pretendendo reflec-
vai iniciar-se após a tomada de posse dos corpos tir a evolução material do povo, que de independente
gerentes eleitos no dia 29 de Dezembro de 1978 e se tornou submisso e completamente dependente
espero que em Março de 1981 possamos fazer um para voltar a ser independente em novas condições.
balanço muito positivo deste período que se espera
de prospecção e de produção. Há que recorrer de novo à nossa realidade, sem
chauvinismos, e sem renunciarmos à nossa vocação
A direcção da nossa União, tem-se esforçado por di- universalista.
namizar a produção literária, num período em que se
confundem ainda no conteúdo, um futuro angolano, O chauvinismo cultural é tão prejudicial como o foi,
africano e universal da literatura com a necessidade logo a seguir à Revolução de Outubro, o conceito
política de nacionalismo; ou o da realização política de cultura proletária que Lenine tanto combateu,
do escritor com a própria política. insistindo na ideia de o país soviético ter forçosa-
mente de fruir, e aproveitar-se para a elaboração de
Deste modo, a tarefa para os novos corpos gerentes, uma nova cultura socialista, voltada para as massas,
que não terão simplesmente o sentido de encargos do património cultural herdado, ou mais tarde, do
administrativos, mas também de análise e de críti- conceito de realismo socialista.
ca, não será muito fácil e creio que o debate será em
breve aberto, para a apreciação ao nosso trabalho, A cultura do povo angolano, é hoje constituída por
dentro do contexto verdadeiro da Nação Angolana, pedaços que vão das áreas urbanas assimiladas as
ou melhor: do Povo Angolano. áreas rurais apenas levemente tocadas pela assimi-
lação cultural europeia. E porque as capitais como a
Por isso e em nome da mesa da Assembleia Geral, nossa, agigantadas pela burocracia exercem um efeito
me apraz dirigir parabéns ao executivo eleito para a mágico sobre a maior parte do País, existe a tendên-
gerência actual, que terá tarefas grandiosas no senti- cia para a imitação, claramente visível no aspecto
do da dinamização da cultura angolana e desejar-lhes cultural. Daí uma responsabilidade muito especial da
um bom trabalho. União dos Escritores Angolanos.

Penso que é necessário falar de cultura antes de liter- A responsabilidade e as tarefas são grandes.
atura. E vamos aproveitar esta excelente ocasião, para
examinar alguns aspectos essenciais sobre a nossa Por onde começar? Ou por onde continuar?
cultura.
Se os estimados camaradas e colegas me permitem,
Felizmente, já se criou entre os intelectuais angola- direi que não podemos cair em esquemas ou es-
nos, hesitação e dúvida sobre se a cultura portuguesa tereótipos como os teóricos do realismo socialista. A
que serviu algumas camadas angolanas desligadas do par da nossa capacidade nacionalista, teremos de in-
seu povo é ou não aquela que deveria ser apresentada tervir de modo a inscrever-nos no mundo, à medida
como a emanação cultural do povo angolano. que formos assumindo a realidade nacional.

Essa dúvida, levar-nos-á à afirmação. Na nossa primeira fase, e do ponto de vista cultural,
há que analisar. Não adaptar mecanicamente. Há
Evidentemente, a cultura não pode inscrever-se no que analisar profundamente a realidade e utilizar os
chauvinismo, nem pretender evitar o dinamismo da benefícios da técnica estranha, só quando estivermos
vida. de posse do, património cultural angolano. Desen-
volver a cultura não significa submete-la a outras. gação, dinamização e apresentação pública de todas
as formas culturais existentes no País, sem qualquer
Não possuímos ainda a suficiente produção material preconceito de carácter artístico ou linguístico.
para nos ocuparmos intensivamente da produção
espiritual. Precisaremos de mais tempo, mas, Cama- Façamos os artistas populares criar! Seria necessário
radas Escritores, esse tempo não pode ser dispensado longo tempo para dizer aqui que para falar para o
a uma acomodação a temas e formas importadas. povo angolano, é preciso ser um elemento do povo
angolano. Não é questão de língua, mas de qualidade
A cultura angolana é africana, é sobretudo angolana nacional.
e por isso sempre consideramos ultrajante a manei-
ra como o nosso povo foi tratado por intelectuais Caros colegas e camaradas:
portugueses. Se não possuímos ainda a capacidade
de transformar o escritor em profissional da literatu- Se se prolonga a atitude alheia em relação ao nosso
ra ou da pesquisa cultural, nós tenderemos para ai, e povo, não será possível interpretar o espírito popular,
algumas propostas feitas pelo Secretariado poderão saído do estudo, e da vivência.
ser atendidas para períodos excepcionais de férias de
fins-de-semana activos. Narrar a interpretação política do momento é fácil,
mas chegar ao íntimo do pensamento de várias ex-
Eu creio que dentro em breve, o escritor, o artis- nações é-o muito menos fácil.
ta, serão apenas escritor e artistas, para se poder-
em dedicar aos problemas que afloro neste fim Vamos no entanto tentar libertar os artistas das
de Assembleia de posse. Mas é, no meu entender, cargas do passado e torná-los aptos para uma alta
necessário aprofundar as questões que derivam da atitude compreensiva de todo este nosso processo de
cultura das várias nações angolanas, hoje fundidas reconstrução de uma cultura.
numa, dos efeitos da aculturação dado o contacto
com á cultura portuguesa e a necessidade de nos por- Desejo mais uma vez recordar a necessidade de estar
mos de acordo sobre o aproveitamento dos agentes com os artistas populares. Não para depois interpre-
populares da cultura e fazermos em Angola uma só tar folclore mas para compreender e poder interpre-
corrente compreensiva da mesma. tar a cultura, para os produzir.

Como o botânico, ou o zoólogo, o cientista ou o filó- Repetir os aspectos importados de cultura, é um acto
sofo, reunamos os elementos todos, analisemos, e ci- que ninguém certamente aprova. E já que tenho de
entificamente, dentro dos, próximos dois anos apre- exprimir uma opinião gostaria que tudo quanto fosse
sentemos os resultados. E chegaremos à conclusão expresso pelos agentes mais capazes da cultura ango-
que Angola tem uma característica cultural própria, lana, representasse o desejo e as formas de expressão
resultante da sua história ou das suas histórias. Seria do povo.
bom – mas se não for possível, não choremos por
isso – que o próximo Congresso do Partido pudesse Com, o fora a independência, como o é a linha políti-
já contar com as opiniões da União dos Escritores ca do Partido, as formas de actuação do Executivo, e
sobre esta matéria. por outro lado, o será a actividade espiritual do Povo.

Quanto a outros agentes da cultura, como os artistas Sugiro aos Caros Camaradas e Colegas, que sejam
plásticos e mesmo, nas nossas condições actuais, os aproveitadas ao máximo as condições para que os
órgãos de difusão de notícias junto das massas pop- escritores trabalhem e produzam e observem cada
ulares, penso ser normal que a nossa União assuma canto do espaço geográfico nacional, vivendo a vida
a responsabilidade de orientação a dar aos criadores do Povo. As condições materiais serão sempre cria-
e difusores de ideias, função que os organismos do das na medida do possível, até que possamos fazer do
Partido apenas podem definir através de textos, e que escritor, do artista, um profissional puro da cultura
o organismo estatal poderá dinamizar, fazendo de si ligada à realidade sociopolítico.
próprio o veículo dos resultados a obter dos organis-
mos pensantes. Por outro lado, espero que as condições criadas
possam ajudar a formação de uma literatura angola-
É necessário, o mais alargado possível debate de na abraçando as circunstâncias políticas e principal-
Ideias, o mais amplo possível movimento de Investi-
mente a própria vida do Povo. Quem há-de ser o timoneiro?
Ah as tramas que eles teceram!
Desejo ainda endereçar a todos os empossados as Ah as lutas que aí travamos!
minhas sinceras felicitações.
Mantivemo-nos firmes: no povo
A Luta Continua! buscáramos a força
e a razão
A Vitória é Certa!
Inexoravelmente
Do Povo Buscamos a Força como uma onda que ninguém trava
Agostinho Neto vencemos.
HTML: Fernando A. S. Araújo O Povo tomou a direção da barca.

Não basta que seja pura e justa Mas a lição lá está, foi aprendida:
a nossa causa Não basta que seja pura e justa
É necessário que a pureza e a justiça a nossa causa
existam dentro de nós. É necessário que a pureza e a justiça
existam dentro de nós
Dos que vieram
e conosco se aliaram
muitos traziam sobras no olhar
intenções estranhas.

Para alguns deles a razão da luta


era só ódio: um ódio antigo
centrado e surdo
como uma lança.

Para alguns outros era uma bolsa


bolsa vazia (queriam enchê-la)
queriam enchê-la com coisas sujas
inconfessáveis.

Outros viemos.
Lutar pra nós é ver aquilo
que o Povo quer
realizado.
É ter a terra onde nascemos.
É sermos livres pra trabalhar.
É ter pra nós o que criamos
Lutar pra nós é um destino -
é uma ponte entre a descrença
e a certeza do mundo novo.

Na mesma barca nos encontramos.


Todos concordam - vamos lutar.

Lutar pra quê?


Pra dar vazão ao ódio antigo?
ou pra ganharmos a liberdade
e ter pra nós o que criamos?

Na mesma barca nos encontramos


Do fundo das senzalas de outros tempos

se levanta o clamor dos meus avós

que tiveram seus sonhos esmagados

sob o peso de cangas e libambos

amando, ao longe, o sol das liberdades.

Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África


BANZO
pendurado na noite do meu povo.
(Ao meu irmão Patrice Lumumba)
Eu sinto a mesma angústia, o mesmo banzo
Por Eduardo de Oliveira
que encheram, tristes, os mares de outros séculos,
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
por isto é que ainda escuto o som do jongo
pendurado na noite do meu povo.
que fazia dançar os mil mocambos…
Trago em meu corpo a marca das chibatas
e que ainda hoje percutem nestas plagas.
como rubros degraus feitos de carne

pelos quais as carretas do progresso


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
iam buscar as brenhas do futuro.
pendurado na noite do meu povo.

Balouça sobre mim, sinistro pêndulo


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
que marca as incertezas do futuro
pendurado na noite do meu povo.
enquanto que me atiram nas enxergas
Eu vi nascer mil civilizações
aqueles que ainda ontem exploravam
erguidas pelos meus potentes braços;
o suor, o sangue nosso e a nossa força.
mil chicotes abriram na minh’alma

um deserto de dor e de descrença


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
anunciando as tragédias de Lumumba.
pendurado na noite do meu povo.

Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
pendurado na noite do meu povo.
pendurado na noite do meu povo.
enquanto que me atiram nas enxergas
Eu vi nascer mil civilizações
aqueles que ainda ontem exploravam
erguidas pelos meus potentes braços;
o suor, o sangue nosso e a nossa força.
mil chicotes abriram na minh’alma

um deserto de dor e de descrença


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África
anunciando as tragédias de Lumumba.
pendurado na noite do meu povo.

Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África No dia 17 de janeiro de 1961, há 57 anos, era assassi-
nado, sob bárbaras torturas, o líder da independência
pendurado na noite do meu povo. do Congo, Patrice Lumumba. Seu assassinato fora
ordenado – como depois comprovou a Comissão
Do fundo das senzalas de outros tempos Church, do Congresso dos EUA – pelo próprio presi-
dente dos EUA, Dwight Eisenhower.
se levanta o clamor dos meus avós -----------

que tiveram seus sonhos esmagados Poucos homens, na História, tiveram que enfrentar
tantas dificuldades – e, ao final, tanta crueldade – e
sob o peso de cangas e libambos portar-se com tanta dignidade e heroismo, quanto
Patrice Lumumba.
amando, ao longe, o sol das liberdades.
No dia da Independência do Congo, 30 de junho
de 1960, diante do rei da Bélgica (que pronunciou
um dos mais arrogantes discursos já ouvidos em
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África qualquer lugar do mundo, elogiando seu avô, Leo-
poldo II, um cavalo batizado que tornara o Congo
pendurado na noite do meu povo. uma fazenda pessoal, escravizara toda a população
e instituíra o decepamento de braços como “castigo”,
Eu sinto a mesma angústia, o mesmo banzo inclusive para crianças, desde que fossem negras),
Lumumba fez um dos mais inesquecíveis pronuncia-
que encheram, tristes, os mares de outros séculos, mentos da História da Humanidade.

por isto é que ainda escuto o som do jongo “… esta independência do Congo”, disse ele, “nen-
hum congolês digno deste nome jamais poderá
que fazia dançar os mil mocambos… esquecer, foi conquistada pela luta, uma luta de todos
os dias, uma luta ardente e idealista, uma luta na
e que ainda hoje percutem nestas plagas. qual não poupamos nem nossas forças, nem nossas
privações, nossos sofrimentos, nem nosso sangue.

“Desta luta, que foi de lágrimas, fogo e sangue,


Eu sei, eu sei que sou um pedaço d’África estamos orgulhosos até ao mais profundo de nós
mesmos, pois foi uma luta nobre e justa, uma luta
pendurado na noite do meu povo. indispensável para por fim à humilhante escravidão
que nos era imposta pela força.
Balouça sobre mim, sinistro pêndulo
“Qual foi a nossa sorte durante 80 anos de regime
que marca as incertezas do futuro colonial, as nossas feridas estão ainda muito frescas e
muito dolorosas para que nós possamos removê-las
da nossa memória; nós conhecemos o trabalho Infelizmente, os sofrimentos dos congoleses, desde
exaustivo, exigido em troca de salários que não nos o assassinato de Lumumba, prolongaram-se mais do
permitiam nem comer para matar a nossa fome, nem que ele previa naquele dia de junho de 1960.
nos vestir ou morar decentemente, nem criar nossos
filhos como seres amados. Porém, desde 1997, com a retomada do Congo pelo
povo – com a liderança dos seguidores de Lumum-
“Nós conhecemos as ironias, os insultos, as panca- ba – o país está sendo reconstruído. As dificuldades
das que devíamos suportar, de manhã, de tarde e de a vencer, na situação criada no mundo após a queda
noite, porque éramos negros. dos países socialistas do Leste Europeu, são grandes.
Mas o importante é que o vulto imenso de Patrice
“Quem esquecerá que a um negro se dizia ‘tu’, cer- Lumumba inspira os passos de seu povo.
tamente não como se diz a um amigo, mas porque o
respeitável ‘vous’ era reservado somente aos brancos? No 57º ano de sua heroica morte, publicamos hoje o
poema de nosso grande Eduardo de Oliveira, dedica-
“Nós conhecemos a pilhagem de nossas terras, espo- do ao herói congolês.
liadas em nome de textos pretensamente legais, que
não faziam mais do que reconhecer o direito do mais Adeus na Hora da Largada
forte. Agostinho Neto
Fonte: Lusofonia Poética
“Nós conhecemos o que era a lei não ser a mesma, Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
caso se tratasse de um branco ou de um negro, con-
fortável para uns, cruel e desumana para os outros. Minha Mãe
(todas as mães negras
“Nós conhecemos os sofrimentos atrozes dos que cujos filhos partiram)
foram degredados por opiniões políticas ou por cren- tu me ensinaste a esperar
ças religiosas, exilados em sua própria pátria, com como esperaste nas horas difíceis
sorte pior do que a morte.
Mas a vida
“Nós conhecemos o que era haver casas magníficas matou em mim essa mística esperança
para os brancos e palhoças miseráveis para os negros,
ou, nas lojas ditas europeias, um negro nem poder Eu já não espero
entrar, ou, nas barcaças, um negro viajar como um sou aquele por quem se espera
galináceo, aos pés do branco em sua cabine de luxo.
Sou eu minha Mãe
“Quem esquecerá, enfim, os fuzilamentos onde pere- a esperança somos nós
ceram tantos de nossos irmãos, as masmorras onde os teus filhos
foram brutalmente atirados aqueles que não queriam partidos para uma fé que alimenta a vida
mais se submeter ao regime de injustiça, opressão e
exploração? Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
“Tudo isso, meus irmãos, nós temos sofrido profun- os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
damente. Mas, também, tudo isso, nós, que fomos nos areais ao meio-dia
escolhidos, pelo voto dos seus representantes eleitos, somos nós mesmos
para governar o nosso amado país, nós, que sofre- os contratados a queimar vidas nos cafezais
mos em nosso corpo e em nosso coração a opressão os homens negros ignorantes
colonialista, dizemos a vocês, em voz alta: tudo isso que devem respeitar o homem branco
finalmente acabou.” e temer o rico
somos os teus filhos
Mais tarde, ele diria ao furibundo Baudoin, rei da dos bairros de pretos
Bélgica: “Nós não somos mais vossos macacos” além aonde não chega a luz elétrica
(Nous ne sommes plus vos singes). os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz


os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.
A Conferência de Berlim, também conhecida como conferência da África Ocidental [1] ou Conferência do
Congo, realizou-se em Berlim, de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, marcando a colabo-
ração europeia na partição e divisão territorial da África. Organizado pelo Chanceler do Império Alemão,
Otto von Bismarck, o evento contou com a participação de países europeus (Alemanha, Áustria-Hungria,
Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Rússia e Sué-
cia) mas também do Império Otomano e dos Estados Unidos. O objetivo declarado era o de “regulamentar
a liberdade do comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas ocupações de territórios sobre a
costa ocidental da África.” [2]

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