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ÓRGÃO OFICIAL PAN-AFRICANO DEDICADO AOS POVOS PRETOS DO MUNDO INTEIRO

Ano I - Nº 04cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc ,, cccccccccccccccccccccccccc 30 de novembro de 2020

N o s s a B a n d e i r a
t a m b é m é V e r d e
U f e k o w o W i ñ g i

A m í l c a r C a b r a l
e a l u t a d e
l i b e r t a ç ã o
Alexssandro Robalo

Organização Política
Comunitária em contexto de
Genocídio Negro no Brasil
p o r C o o p e r at i v a U j a m a a
Página 2 – Editorial ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, Yanda PanAfrikanu

EDITORIAL

Aquilombar as consciências, africanizar os espíritos, reu- posta, o infame diktat de Berlim, que dividiu Afrika a re-
manizar o coração e agir com convicção em prol da liber- gra e esquadro, impondo a tribalização e a divisão social e EXPLICANDO O CONCEITO DE
territorial. Um dos erros congênitos da OUA de 1963 terá YANDA
tação total, sempre foram urgências pan-africanas. Mas a
verdade é que hoje, nos conturbados dias que correm, é sido, sem dúvida, a manutenção destas fictícias fronteiras
sobretudo preciso pan-africanizar a luta antirracista, radi- herdadas da colonização. No seu texto intitulado “Nossa
calizar o nosso pensamento e as nossas ações. Há mais de bandeira também é verde”, Ufeko wo Wiñgi pergunta se
cinco séculos que a nossa condição, a “condição negra”, existe povo sem-terra, respondendo que “Se não há terra,
tem sido marcada pela miséria, desgraça, humilhação, a não há povo. Se não há povo, não há geração. Se não há
morte matada e por uma total desumanização. Como se geração, não há a quem passar a cultura”. Independen-
não fossemos nem homens nem mulheres, nem sequer temente de toda a resistência que houve tem havido e ha-
seres dotados de consciência e energia vital, temos vivido verá, a verdade é que a Conferência de Berlim privou a
nas margens do mundo, lutando para não sermos escorra- Afrika da terra, privou os povos africanos de partilhar a
çados da luz do sol, como dizia James Baldwin. Em toda a terra e a cultura, privou gerações inteiras de um contacto
história antiga e recente da humanidade, não se encontra mais orgânico com a terra, com o TXON. A abolição com-
uma única coletividade humana que tenha sido tão inferio- pleta das fronteiras entre os países do continente deve ser
rizada como a nossa. Também não encontramos nenhum um projeto de agora e de futuro. A nossa luta é pela terra,
outro povo que tenha sido tão silenciado tendo as suas rei- porque toda a nossa existência, espiritual, orgânica e polí-
vindicações tão menorizadas e deslegitimadas pelo poder tica, está intimamente ligada à terra. E é neste sentido que
hegemônico da supremacia branca. Como diz o poeta ca- lembramos Palmares, Zumbi e Dandara. O Brasil, esta
bo-verdiano Ovídio Martins: “os homens esqueceram-se enorme extensão territorial de Afrika, celebra em novem-
de nos chamar de irmãos… somos os flagelados de [todos bro o mês da consciência negra. Se 20 de novembro mar-
os ventos]”. ca o assassinato de Zumbi dos Palmares, a memória que
É chegado o momento de nos perguntarmos, afinal, porque celebra é a imortalidade a grandiosidade da civilização
lutamos? Há quanto tempo lutamos? O que temos feito? O que Zumbi e Dandara construíram no Quilombo dos Pal-
YANDA quer dizer REDE em kimbundu,
que de fato queremos? Se é certo que estas perguntas não mares. Uma civilização onde a relação ancestral com a
novas assim como serão totalmente novas as respostas, terra era resgatada. Importa dizer que Palmares foi por língua bantu concentrada no noroeste de
parece-nos crucial pensar nelas na medida em que nos muitas razões um dos precursores de um amplo movi-
convidam a responder ao chamado geracional de Fanon, mento de revolução negra planetária, que se iniciou já no Angola, nomeadamente nas províncias de
que Mamadou Bâ cita no seu texto que compõe esta continente africano e deu continuidade entre nos Zanjis no
atual Irã, no fundo dos porões, nas plantações, no Ayiti e Luanda, Bengo, Malanje e Kwanza Norte, e
edição: “Cada geração deve, numa opacidade relativa,
descobrir sua missão. E cumpri-la ou traí-la”. É certo que, em vários outros lugares. Novembro nos relembra que o
falada pelo povo Ambundu. A ideia para o
se a luta continua, a nossa missão é também ancestral e Quilombo é o mundo e que as revoluções e lutas negras
inscreve-se nesta longa marcha pela reumanização do sempre dialogam pese embora as distâncias físicas e geo- nome YANDA PANAFRIKANU partiu de
mundo, das relações humanas e pelo resgate da nossa dig- gráficas. Embora o nosso cansaço seja ancestral, estas lu-
nidade que outros antes de nós iniciaram. A questão é, qual tas nos lembram, como escreve Steve Biko que “o conhe- diferentes imagens de rede, tanto pela nossa
vai ser o nosso papel nesta estrada? Como temos assumido cimento da história e a ação política face à nossa reali-
dade são passos cada vez mais imprescindíveis para nos missão de uma construção política em rede,
a nossa missão histórica? Que contributos podemos ainda
dar para somar ao que já foi dado? libertarmos das correntes que os prendem em uma servi-
entre filhos e filhas no continente africano e
Este IV número do Jornal Yanda PanAfrikanu, surge no dão perpétua”. Sobre este mês da consciência negra, e re-
fim deste novembro negro que nos lembra três aconteci- lembrando a urgência de pan-africanizar a luta antirracis- na sua diáspora, para fortalecermos diálogos
mentos históricos importantes. A criação em 1945 da revis- ta, importa dar vida as estas palavras de Banto Biko: “[A]
ta Présence Africaine, pelo senegalês Alioune Diop, em Consciência Negra não é apenas uma metodologia ou um e ações, como também na perspectiva de
Paris. Revista esta que se transformaria poucos anos depois meio para se conseguir um fim, [mas sim um movimento,
um modo de vida] que procura fazer e produzir, pessoas uma rede que é lançada ao mar, buscando a
numa grande editora, uma amplificadora das vozes dos
mais fecundos pensadores e pensadoras que o mundo negras de verdade que não se considerem meros apêndi-
autonomia para pescarmos as nossas ideias,
negro daquele século conheceu. A geração dos escritores e ces das sociedades brancas” e que sejam unidas e solidá-
artistas negros que tomou como missão, a afirmação da rias umas com as outras. Cabral nos lembra que unidade é identidades, culturas e alimentos. YANDA é
presença ancestral africana no mundo. Precisamos revisitar também uma luta constante. Que é preciso lutar para con-
estes arquivos e trazê-los para ressignificar a luta hoje. seguir a unidade e unir-se para poder lutar. A consciência simultaneamente trabalho colectivo e traba-
Novembro também nos convida a lembrar que, há cerca de negra é estar ciente de que: Si nu sta djuntu, nos é mas
forti. lho autônomo numa luta comum da negritude.
136 anos, o continente africano vive sob uma ordem im-

Sobre a capa
Sete negros desarmados mortos a san- lo, dentro de uma sala de audiência em houvesse alguma negociação, qual seria Mas não espere em hipótese alguma a
gue frio pela Polícia de Los Angeles – um fórum, ou no mercado Carrefour… nossa força?”. colaboração dos brancos contra sua pró-
esse é o título da reportagem que o ir- Sabemos que nosso povo segue sendo Pois seguimos demonstrando covardia e pria sociedade e contra seu plano de
mão Malcolm X carrega em suas mãos. assassinado em várias partes do mundo incapacidade para reagir, ao depositar conquista e dominação.
No ano de 1962, em Los Angeles, Cali- e não se trata simplesmente de fazer ou- mais confiança nas leis, do que seus pró- Quando Malcolm X, recebeu a notícia
fórnia, diante de mais uma das inúmeras tra denúncia. prios idealizadores. Haja vista que os desse assassinato em Los Angeles, disse:
abordagens policiais motivadas pelo ra- O confronto é real e está presente a todo brancos não se constrangem em romper “Tenho que ir lá e fazer o que tenho
cismo, muçulmanos pretos entraram em instante, trata-se da materialização do com suas normas e aniquilar pretos em pregado todo esse tempo”. Infelizmente
confronto com a polícia. O estopim teria ódio da supremacia branca. plena luz do dia, ou diante de todos. a época foi contido pelo líder da Nação
sido o uso do termo racista nigger pelos Não espere que a morte chegue para per- do Islã. De qualquer maneira seguiu
policiais. As questões são: “qual será nossa rea- ceber que passamos a vida toda diante com seus propósitos, mesmo sabendo
Mesmo estando em frente a uma mes- ção diante do confronto?”, “como esta- de uma situação de conflito. que sua vida corria perigo.
quita e desarmados, 7 homens pretos fo- mos canalizando nossos esforços?”, Temos nosso corpo, nossa mente, nosso Que tenhamos a dignidade para honrar o
ram mortos, alguns com as mãos para o “será mesmo que obteremos algum espírito, nossos Deuses, nossa indigna- irmão Malcolm e todos aqueles que lu-
alto em sinal de rendição. avanço investindo toda nossa força em ção, nosso ódio, todas as outras armas taram e morreram por nós.
Costa Barros, no Rio de Janeiro, Cabula, negociações com aqueles que efetiva- que possamos adquirir e fabricar e prin-
em Salvador, Paraisópolis, em São Pau- mente demonstram nos odiar?”, “se cipalmente temos nossa comunidade. Axé.
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O acúmulo organizativo do curso


“Organização Política Comunitária em contexto de Genocídio Negro no Brasil”
Cooperativa Ujamaa, 24 de novembro de 2020

ximadamente 100 pessoas com paridade de ticas de genocídio implementadas por ins- pliado como tecnologia da Guerra Racial
O presente ensaio busca sintetizar, gênero, na faixa etária de 17 a 46 anos de tâncias estatais e paraestatais. contra o Povo Negro no Brasil. Concluímos
documentar e apresentar o acúmulo idade, atuando em diferentes áreas profis- No módulo III, intitulado “Estrutura orga- que, na presente conjuntura, está em curso a
organizativo da formação política sionais, sendo que 50% delas já constroem nizativa e política de formação de lideran- nível internacional uma Guerra Híbrida por
promovida pela Cooperativa Uja- organizações políticas, representando 41 or- ças comunitárias em contexto de Genocídio recursos estratégicos na produção de ener-
maa no segundo semestre de 2020. ganizações presentes no curso. A diversi- Negro no Brasil”, com base nas contribui- gia, a exemplo do petróleo e do lítio, com
dade do público se expressou também ter- ções de Kwame Ture e Carlos Marighella, uma crescente polarização entre blocos eco-
nômicos liderados pelos Estados Unidos e a
China. A política de privatização dos recur-
sos hídricos brasileiros, apresentada pelo
Governo Federal, notabiliza como a Supre-
macia Branca organiza-se a nível transna-
cional, com o intercâmbio de tecnologias de
bioterrorismo e políticas de genocídio entre
Brasil e Israel.
A gerência das crises sanitária, econômica e
política no Brasil pela Supremacia Branca,
torna-se evidente com as campanhas de de-
sinformação sobre os efeitos pandêmicos e
sindêmicos da COVID-19, protagonizadas
sobretudo pelo Governo Federal. No entan-
to, com a aproximação dos pleitos eleito-
rais, constatou-se um conluio irresponsável
e genocida por parte dos partidos políticos e
demais organizações da sociedade civil (in-
dependente do espectro ideológico), com as
demais instâncias do Poder Público, que im-
plementaram precipitada e propositalmente
uma flexibilização das medidas de isola-
mento social, visando atender aos interesses
do mercado e garantir a realização das cam-
panhas eleitorais e eleições municipais com
quórum satisfatório, em detrimento da con-
tenção do índice de transmissibilidade do
Corona Vírus no país.
Cientes que no atual contexto o Povo Negro
no Brasil deve estar municiado contra ini-
migos internos e externos, discutimos am-
plamente nossa posição no atual cenário de
ritorialmente: foram 44 cidades alcançadas constatamos como a guerra de guerrilhas, Guerra Racial e Guerra Híbrida, identifican-
A Cooperativa Ujamaa é uma organização em 11 estados brasileiros. nas condições objetivas da Guerra Fria, foi do as convergências de objetivos, estraté-
política comunitária fundada em 2019, em
A formação contou com quatro módulos e a principal estratégia político-militar empre- gias e tecnologias da Supremacia Branca ao
Salvador (BA), pela urbanista Apoena Fer-
uma metodologia centrada nos aspectos de gada nos processos de libertação e auto- controlar a narrativa histórica a nível nacio-
reira e pelo cientista social Pedro Maia, am-
Responsabilidade Comunitária e Segurança determinação dos povos do Terceiro Mun- nal e internacional, estigmatizando o Povo
bos educadores comunitários. A Cooperati-
da Informação, objetivando fomentar uma do. A partir das contribuições de Kevin Ra- Negro como principal ameaça à segurança
va Ujamaa possui 4 eixos de atuação: ser-
nova cultura política e imprimir uma dinâ- shid Johnson sobre o Partido Pantera Negra nacional e justificando a violação da So-
viços comunitários de Educação e Forma- berania do Estado brasileiro.
mica que favorecesse a formação de uma Nova Afrikano – Capítulo das Prisões
ção Política centrada na experiência históri- Diante desse cenário e a partir do acúmulo
nova geração de lideranças comunitárias e (NABPP – CP) fundado em 2004 no sis-
ca africana; produção de uma linha de ves- organizativo do curso, os educadores comu-
que, concomitantemente, qualificasse o eixo tema prisional estadunidense, em contraste
tuário pan-africanista autoral e manufatura- nitários Apoena Ferreira, Fred Aganju, Ná-
de formação política de organizações par- com as experiências de auto-organização do
da, além de oferecer serviços de serigrafia; tali Yamas e Pedro Maia conceberam a Ekò
ceiras já consolidadas, a exemplo do Centro Povo Negro que protagonizamos na Bahia,
produção cultural de ações comunitárias iti- Egbé – a primeira plataforma de formação
Comunitário Mário de Andrade (Recife – expusemos os princípios político-militares
nerantes em Salvador – BA; e serviço de PE) e a Escola Quilombista Dandara de Pal- política nacionalista negra no Brasil centra-
assessoria na elaboração e gestão de proje- que fundamentam a ética militante que ali-
mares (Rio de Janeiro – RJ). da no Trabalho Comunitário. Inicialmente,
tos, voltado a organizações comunitárias au- cerça o Trabalho Comunitário e que con-
O módulo I, intitulado “Princípios concei- além de promover formações políticas on-
tônomas do Povo Negro. ceituamos como Responsabilidade Comuni-
tuais de uma luta radical negra: Pan-afri- line e presenciais exclusivas para pessoas
Em 2020, no presente contexto de pandemia tária.
canismo e Nacionalismo Negro”, apresen- negras, a Ekò Egbé contará com um selo
e acirramento da Guerra Racial no Brasil e No módulo IV, partindo de uma leitura crí- editorial voltado a publicação de obras
tou e discutiu o desenvolvimento histórico
no mundo, tornou-se uma demanda necessá- tica do Triunfo de Prata (tese política publi- Nacionalistas Negras interditadas na histo-
do Pan-africanismo e do Nacionalismo Ne-
ria a realização do curso online “Organiza- cada pelo Movimento Negro Unificado em riografia oficial e no mercado editorial su-
gro a partir das contribuições de Kwame
ção Política Comunitária em contexto de 2004) e da categoria analítica “linha auxi- premacista branco. A Ekò Egbé é um exer-
Ture no discurso “O Pan-africanismo”
Genocídio Negro no Brasil”. Ministrado pe- liar” (inserida pelo militante Fred Aganju cício de autodeterminação do Povo Negro,
(1970) e de Abisogun Olatunji Oduduwa no
los educadores comunitários Apoena Ferrei- no contexto da luta comunitária autônoma ao passo que também publicará a produção
texto “Uma ideia de apêndice” (parte inte-
ra, Fred Aganju e Pedro Maia, com asses- na Bahia e na política racial a nível nacio- de conhecimento forjada na luta comunitá-
grante da obra “O Pan-Africanismo”, pu-
soria de comunicação realizada por Nátali nal), nos debruçamos sobre a implementa- ria autônoma no Brasil. A primeira publi-
blicada em 2019 pela Editora Filhos da
Yamas, o curso consistiu numa aliança táti- ção da Secretaria de Promoção da Igualdade cação da Plataforma Ekò Egbé está prevista
África).
ca entre a Cooperativa Ujamaa (Salvador – Racial na Bahia, fornecendo os subsídios para o primeiro semestre de 2021 e servirá
No módulo II, intitulado “Aspectos políti-
BA), o Cineclube Comunitário do Povo necessários para análise das tecnologias e de subsídio para uma nova formação políti-
co-militares do genocídio de pessoas pretas
(Cachoeira – BA) e a Casa do Boneco (Ita- políticas de assimilação e cooptação racial ca comunitária.
no Brasil: Guerra Racial de Alta Intensi-
caré – BA), organizações comunitárias que sofisticadas pelo Estado brasileiro e demais Agradecemos aos Nkisis pela Responsabili-
dade”, o educador comunitário e pesqui-
já atuam em rede desde a última década. instituições supremacistas brancas. dade Comunitária necessária para concreti-
sador Fred Aganju discorreu sobre o con-
O curso foi realizado durante o segundo se- No calor das experiências práticas da luta zação dessa tarefa histórica. Convocamos as
ceito Guerra Racial de Alta Intensidade, que
mestre de 2020, sendo a primeira turma comunitária autônoma na Bahia, temos for- organizações parceiras e demais iniciativas
historiciza o genocídio como uma política
entre os dias 11 e 19 de julho e a segunda mulado um método de Organização Política comunitárias interessadas a ampliar o deba-
do Estado brasileiro. Para tal, o autor em-
turma de 17 a 30 de agosto. O curso teve Comunitária e análise da realidade do Povo te sobre a Guerra Racial e a Guerra Híbrida
preendeu uma análise crítica sobre o “Pro-
grande abrangência em território nacional e Negro no Brasil que, através deste curso, foi no Brasil e no mundo, construindo novas
grama Pacto pela Vida”: a política de se-
estratégias e políticas comunitárias no pro-
alcançou todas as regiões do país, tendo gurança pública implementada na Bahia na apresentado a cerca de 100 pessoas negras e
cesso de auto-organização, autodefesa e au-
maior expressão na região Nordeste e na re- última década. O autor enfatiza que a cate- 41 organizações. Neste processo, amadure-
todeterminação do Povo Negro na Diáspora
gião Sudeste. Sendo um serviço exclusivo goria raça é um elemento preponderante na cemos a compreensão de que, no atual con-
brasileira.
para pessoas pretas, o curso alcançou apro- criação de tecnologias de governo e polí- texto de pandemia, o Bioterrorismo foi am-
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queimadas para “limpar” a terra de


Nossa Bandeira
nosso sangue, de quem viemos e por Não adianta apenas ter terras, manos
quem somos o que somos; preto, a uma cultura para iniciar outras de e manas. Acima, temos dois cenários
simbolizar nosso povo e, por fim, o forma mais rápida e, somando-se breves que no dia a dia não vislum-
também é Verde verde como representação da abun- isso a fatores climáticos, temos pro- bramos. O conhecimento, a observa-
dância de riquezas naturais que há piciado um cenário onde o solo não ção e a busca de solução às duas pro-
Ufeko wo Wiñgi nas terras de África. E, nesta repre- tem tido tempo suficiente de se reco- blemáticas trazidas nestes breves pa-
sentação, algo me chama atenção: brar a ponto de nutrir os cultivares a rágrafos se fazem necessários e ur-
em nossa bandeira, a ideia de povo é serem plantados e, por conseguinte, gentes. Mentes pensando estes ci-
É difícil convencer um povo que imediatamente seguida da ideia de nutrir o homem. Matamos a terra e clos, estudando estes processos, pro-
agora passa por mobilizações sociais terra. Ora, há povo sem-terra? Nos- esperamos que ela nos dê de viver. movendo ações e parcerias são exis-
conturbadas, mais golpes de Estado, sos ancestrais, quando pensaram Isso é um delírio. tentes, mas escassas. No nosso Con-
corrupção acentuada e crescente, má nossa bandeira, demonstraram muita Estarmos sob uma zona de clima pre- tinente também são mais comuns em
administração pública, que há pouco sabedoria. Pratiquemos Sankofa e dominantemente tropical implica em países francófonos e anglófonos, en-
via guerras civis e outros conflitos não demos às costas a isso. Eles nos altas temperaturas e, a depender do quanto nós, que falamos língua por-
nos movimentos de independência deixaram este símbolo justamente nível das chuvas, nos dará dois ce- tuguesa, encontramos uma barreira
no Continente mãe ou que nas Diás- para que esta mensagem nos estives- nários que é importante, em nível de de língua para debater tais temas ou
poras precisa gritar o óbvio e chama se disponível a qualquer tempo e pa- conhecimento, mesmo quem não ter acesso à produção de conheci-
de “grito de guerra” algo como “vi- ra que não nos esqueçamos que, co- cultiva, ter ciência: um de clima mento. Ou o conhecimento em lín-
das negras importam”, que não há mo povo, nosso principal meio de quente e úmido e outro de clima gua portuguesa está nas mãos de
revolução sem-terra. O Africano ig- existência é a terra. quente e seco. De maneira breve, nas quem nos explorava: universidades
nora que o verde é parte da solução E se pretendemos manter uma postu- regiões quentes e úmidas, há um em Portugal têm vasto acervo tratan-
e, com isso, torna-se parte do proble- ra de prudência, é nosso dever ter clima propício para maior atividade do de pedologia (ciência/estudo dos
ma. Compreende-se o contexto, mas sempre à mente que a terra, além do de micro-organismos, decompondo solos) em Angola, por exemplo. Em
não se justifica. Defender uma agen- recurso primordial para vida de um matéria orgânica de forma bem rápi- Coimbra há mais trabalhos sobre
da ambiental para África em meio a povo, é recurso esgotável. Trabalhar da sobre o solo, mas esses nutrientes agricultura em climas tropicais que
esta desgraça que seu povo vive soa para sua manutenção é promover a acabam por ser lavados por chuvas em Luanda. Ora, o clima lá é medi-
como uma brincadeira de mau gosto. manutenção da vida. Mas estamos fortes e o nível de acidez do solo terrânico.
Mas o alerta precisa ser feito, irmãos, tão condicionados à barbárie, que pode não ajudar na absorção dos Nestas linhas, há muito pouco descri-
e se deve ser levado à consciência ficamos programados a sobreviver e poucos nutrientes que continuam ali to, mas fica a reflexão e proposta de
que, diferentemente de outros povos, não a viver. Nosso clima, precipita- na camada onde estão as raízes das revisão de nossas ações que precisam
nós, Africanos, pagamos pelas conse- ção e manejo deste recurso precisam plantas. Já nas regiões quentes e se- ir desde o concerto linguístico de
quências do nosso próprio uso, bem ser prontamente analisados e toma- cas, as formas de vida se veem obri- produção de conhecimento – pois te-
como da exploração da nossa terra dos enquanto fonte de preocupação gadas a se deslocarem para regiões mos essa barreira e precisamos unifi-
por outros povos, justamente por ser- e políticas efetivas para a continui- mais úmidas e, enquanto isso, a re- car língua até para pesquisa em Áfri-
mos um dos povos que não tem pos- dade da nossa história e legado. Se gião seca desenvolve pouca vegeta- ca – chegando até ações que verifi-
se e nem controle da própria terra. não há terra, não há povo. Se não há ção, pouca matéria orgânica, pouca cam, modificam e potencializam nos-
É também prudente, para levantar povo, não há geração. Se não há decomposição e assim poucos nu- sos reais cenários. É tempo. Temos
tal pauta, recobrar as cores da ban- geração, não há a quem passar a cul- trientes e, as chuvas espaçadas, con- tudo o que precisamos em recurso
deira pan-africana: nosso símbolo tura. E nos limitamos a deixar de tribuem menos para levar esses nu- para gerar mais recurso. Não pode
cunhado para sempre estar ali e nos existir, pois não sabemos continuar a trientes para a raiz das poucas plan- nos faltar consciência e tomada de
lembrar de quem somos, por quem fazê-lo. tas disponíveis. Agora, convido-te ação. Temos de estar pelo vermelho
somos e para onde devemos ir. Sím- Devido ao manuseio incorreto do re- para que pense um pouco no impac- e preto tanto quanto temos de estar
bolo este que leva as cores vermelha, curso terra como aplicação inade- to de promover uma queimada numa pelo verde.
preta e verde: vermelho a simbolizar quada de fertilizantes, promoção de região como esta.

Dia 11 de novembro de 2020: o significado da luta contra o MPLA

Kenyatta Mugo*

Parte dos nossos poderiam de pronto interpelar, MPLA lana e, principalmente a falta de capacidade do MPLA Angola. Já no dia 11 de novembro de 2020, dia em que
não é o Movimento Popular pela Liberdade de Angola? como governo de promover a socialização das riquezas Angola comemorou 45 anos de sua independência, a
Como é possível ser contra um Movimento Popular por produzidas em Angola com sua população, formando Polícia Nacional de Angola, braço estatal do MPLA,
Liberdades de uma Nação Preta? Nas linhas que se- desta forma, um imenso distanciamento social e uma matou o jovem Inocêncio Alberto de Matos durante as
guem tentarei elucidar tais questões. tremenda desigualdade na distribuição de rendas entre manifestações em que a população angolana foi as ruas
É preciso reconhecer inicialmente que o Movimento regiões como as que ficam ao redor do Porto de Luan- contra o MPLA, denunciando a atual situação política e
Popular pela Libertação de Angola – MPLA, de orien- da, com suas construções imponentes e uma altíssima social angolana e exigindo a efetivação das autarquias
tação marxista–leninista, fundando em 1956 e liderado especulação imobiliária e, os bairros mais pobres de nos municípios angolanos para uma melhor gestão das
por Agostinho Neto foi uma das organizações políticas municípios como Cazenga e Cacuaco. administrações públicas locais em contraposição a atual
angolana que lutou pela Independência de Angola fren- Aqui, apresento uma contradição. administração ultra-centralizada do Governo de Ango-
te à Portugal de 1961 até 1975, quando aos 11 de no- Como um governo que se considera socialista e de la.
vembro foi reconhecida a Independência de Angola e o orientação marxista–leninista, não consegue socializar Acredito que a atual contradição em que o MPLA se
MPLA assumiu a nação agora independente. No mo- as riquezas produzidas internamente com sua popula- coloca, levará a um completo descrédito de sua capaci-
mento seguinte à independência, a recém-nação entra ção, principalmente se levarmos em conta que Angola é dade de governar Angola frente a opinião pública popu-
em uma guerra civil fomentada pelos Estados Unidos e considerada pela União Africana como o segundo lar, o que ao meu ver levará a uma ruptura no interior
Alemanha incentivando inclusive que nações africanas maior produtor de petróleo do Continente Africano? do MPLA, com uma fragmentação interna entre a ala
como República Democrática do Congo e África do Sul Penso que uma das respostas a tal questão seja o fato de militar, os magnatas e a parte da população mais sim-
participassem da guerra civil em Angola visando a der- que o MPLA insiste em aplicar em Angola uma teoria ples que apoia o partido, o que ao fim, levará à queda
rubada do Governo do MPLA e de olho, principalmente política anacrônica, importada da antiga União Sovié- do MPLA e sua saída, ao menos da gestão central de
no petróleo angolano. A guerra civil durou de 1975 a tica e que não deu conta, no pós-independência, dos Angola. Quando isso ocorrer, principalmente os pan-
2002. anseios e necessidades da população angolana, pelo africanistas e afrocratas, deverão estar preparados para
Feitas as devidas considerações sobre a importância do contrário, partindo de tal teoria o MPLA vem prati- ao menos assumir o poder político nas autarquias e
MPLA para Angola, passemos a uma breve análise da cando perseguições políticas tal qual as praticadas por apresentar uma teoria e prática política centrada na an-
situação, principalmente após 2002. Stalin aos seus opositores na União Soviética. Os ati- cestralidade africana e, em acordo com as necessidades
No dia 11 de novembro de 2020, Angola e a Diáspora vistas ligados ao MPLA chegaram a promover uma in- e anseios da população angolana.
Africana presenciaram fortes manifestações populares timidação ao ativista político pan-africanista Isidro For-
contra o atual presidente da república João Lourenço tunato no dia 9 de novembro de 2020, inclusive com *Ativista político pan-africanista integrante das organizações
que é também o maior representante do MPLA na atua- ameaças de morte para que não participasse das mani- YANDA PANAFRIKANU e UCPA, músico e professor de his-
lidade, seu deslocamento frente à realidade social ango- festações programadas para o dia da independência de tória e arte.
Yanda PanAfrikanu ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,30 de novembro de 2020,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,Página 5

O culto dos orixás é presente em países africanos como cristã. O termo “demônio” dentro das línguas africanas
Nigéria, Togo e Benin. E em uma parte das Américas nem existe.
também se cultuam os Orixás. Eu, Diwua, recuso a acreditar que uma filosofia que
Acredita-se que existiam seres humanos escolhidos, orienta para que eu me torne um ser humano melhor
que detinham o controle dos quatro elementos da natu- (tanto para mim, minha família e para sociedade, atra-
reza – água, terra, fogo e ar, e assim eram facilitadores vés do bom comportamento e do bom caráter) é uma fi-
do culto. losofia de demônios. Como essas forças poderiam ser
Pouco eu escuto falar sobre alguns pontos do culto aqui do mal?
no Brasil, mas para nós – que cultuamos os Orixás – é O culto aos Orixás valoriza o caráter, o respeito (as
recomendado ser uma Pessoa com caráter e agir dentro crianças, os mais velhos, as mulheres e os homens), a
da transparência com as pessoas convivemos, para comunidade, a natureza… Como poderiam admitir o
além do “falar”, o “agir” é muito importante no culto, “mal”? Seria impossível com tantos ensinamentos ser
porque os Orixás detestam mentiras e sujeiras. um culto de demônios.
Dentro da filosofia dos Orixás existem várias etapas. Todos Negros, precisamos dos Orixás. São eles que nos
As cantigas, as histórias (itans), as folhas, os toques, a protegem neste plano, e trazem a vitalidade para o nos-
dança, os segredos. so melhor. Através deles, cultuamos e nos tornamos an-
Mas afinal, por que nos iniciamos no Orixá? cestrais (afinal, devemos entender que nossa existência
Seja por tradição ou por necessidade, a iniciação pode está além do nosso físico).
ser por várias questões, cada caso e cada caminho é Acreditamos, dentro da filosofia dos Orixás, que o nos-
único, mas o principal é que a recomendação venha so corpo é uma materialização do espiritual e precisa-
Sobre a Filosofia dos Orixás pelo oráculo. Pois é através desta comunicação, que os
orixás nos escolhem para este renascimento.
mos manter o equilíbrio entre o físico e o espiritual, daí
vêm a importância das recomendações do oráculo, que
Diwua Epalanga* Os Orixás vivem em nós, independente de sermos ini- trará os procedimentos para seguirmos.
ciados ou não, eles respondem em nossas vidas e esta- Quando começamos a entender o nosso mundo espiri-
rão do nosso lado. Mas para isso, precisamos saber co- tual uma nova fronteira se abre em nossas vidas e per-
Quando falamos de “Orixás” precisamos entender que mo essas forças funcionam e sabermos perceber sua cebemos que os Orixás sempre estão conosco para o
estamos falando sobre forças da natureza. A palavra presença. nosso bem individual e coletivo.
“Orixá” vem do vocabulário Yorubá, e significa “as Vale lembrar que os Orixás nada tem a ver com demô-
nios, conforme é ensinado dentro da cultura judaico- *Angolano. Devoto dos orixás e ativista pelo resgate da cultura
pessoas cujo as cabeças têm escolhas” (Ori – Cabeça, Negra Africana.
Sa – escolha).

Dança e libertação
batuque e não foi a toa, foi sabedoria Ban- ria de vida e os sambas de Madrinha Eu- E se eu disser que toda e qualquer cura
tu dando continuidade à vida que brota se nice são um aprendizado que a gente não que o nosso povo precisa, está na nature-
alimentando primeiro pelo umbigo. Essa pode deixar pra trás. za? E se você já entendeu isso que o seu
Felipe Cirilo mesma Caiumba que trouxe o Batuque A ligação integral que existe entre dança e corpo é a primeira porção de natureza que
pra Barra Funda dando origem às Danças comunidade, dança e saberes civilizató- você conhece? Que a primeira fonte de
Urbanas no Largo da Banana, numa época rios é importante pra nos defender da cura que você tem é o seu corpo?
“Você usa o seu corpo todo pra ser burro,
Esse texto é pra dizer que: dançar é a usa o seu corpo todo pra ser estúpido, vo-
nossa libertação. Não como uma novida- cê usa o seu corpo todo pra ser inteli-
de, ou como uma solução pra gente pro- gente. Qualquer habilidade que você tem,
jetar. Já foi planejada, já foi projetada. E você tem que praticar” Dr. Llaila Afrika.
por causa dela que chegamos até aqui. As nossas danças inflamam uma sabedo-
A dança não é a salvadora, ela sempre foi ria guardada em nós, uma sabedoria espa-
a base. Desde o início, viver integrado à lhada em diferentes doses no meu corpo e
natureza é viver o pulso constante das ca- no seu, porque toda a experiência e apren-
minhadas longas, é viver agachando pra dizados dos nossos mais velhos ficaram
plantar e colher, é firmar os pés no chão guardadas no nosso DNA, já era.
pra tirar um peixe do rio. É o corpo vivo O lance é: todas as dores e traumas do
respondendo o ambiente. sequestro também estão… ou seja, a gente
Nesse território a gente urge por liberta- tem trabalho pela frente. Como? Movi-
ção, uma libertação que nos devolva tudo mento. Movimentando essas dores, trau-
aquilo que a gente tinha antes, com o bri- mas, sabedorias e forças que estão dentro
lho dos erê de agora. Porque nos encarce- de nós. Cada vez que a gente mexe naque-
ram diariamente no corpo, na mente e no la bagunça de caixas e coisas velhas do
espírito. Nossa libertação exige mobiliza- quarto, a gente consegue identificar o que
ção e organização, existe maior mobiliza- deve ser expulso da nossa casa, jogado no
ção e organização que os fundamentos das lixo e o que deve ser melhor cuidado pra
nossas danças pretas? colocar em atividade de novo, ajudar a
Por que eu tô dizendo isso? gente a levantar e andar. Isso é processo
Eles nos sequestraram, mataram nossos de cura. Olhar pro passado pra entender o
parentes, desfizeram nossas famílias e nos presente e encaminhar o nosso futuro.
colocaram com irmãs e irmãos de outros Sankofa.
costumes e idiomas, em um território Movimentando, a gente tem a chance de
onde os nativos seguem sendo destruídos, identificar melhor as nossas sensações,
muitos já dizimados. Eles vêm adoecendo entender como se livrar daqueles que nos
até essa terra. Ou seja, fizerem a gente se em que o termo Danças Urbanas nem “suposta dualidade do sensível, emocio- atrasam e fortalecer aqueles que são mais
ver como estranhos. Entre estranhos, eu existia, plantando a semente da Camisa nal Negro, criador da arte, e o Homem necessários dentro dos nossos propósitos.
vou observar, discordar, me afastar… com Verde e Branco lá em 1914, quando seu Branco, especialmente dotado de racio- Nossos corpos realizam essa cura pra nós,
curiosidade, vou me meter com quem não Dionísio Barbosa fundou o Cordão da nalidade” como já alertou Diop, no livro em diferentes medidas, nas nossas dife-
conheço, vou desistir, repetir, debater, cor- Barra Funda, raiz de todo o império que A Origem Africana da Civilização. rentes danças.
rer, vou me juntar, encontrar semelhantes, são as escolas de samba de São Paulo. Es- É lembrar que até hoje o Hip-Hop não O que eu quero dizer é que eles nunca vão
vou cair, derrubar, tomar rasteira, chegar colas que são lugares comunitários africa- deixa de existir se não tiver um espaço, identificar o que existe profundamente no
na miúda, levantar, ficar de canto. Movi- nos na raiz, como a matriarcal Escola de porque ele cria seu lugar na rua, da mes- transe das nossas danças, das danças dos
mento. E não tem melhor maneira do que Samba Lavapés, do bairro da Liberdade, ma forma como surgiu na São Bento, dan- corpos de melanina. Por que as nossas
uma dança pra praticar tudo isso. A apatia na Várzea do Glicério, fundada pela pira- ça e música no centro de São Paulo, apro- práticas ancestrais trazem a dança como
e a inércia não nos servem e por mais que cicabana Madrinha Eunice (Deolinda Ma- ximando corpos pretos de extremos da ci- fundamento há milênios. As nossas dan-
nos forcem a elas, precisamos nos reunir, dre), em 1937. Um dos motivos pra gente dade, como Brown do Capão e Edi Rock ças são uma unidade cultural nossa que
curar, levantar e andar. Praticando as nos- afirmar que as nossas danças sempre fo- do Jaçanã, por exemplo. não permitiu que eles nos convencessem
sas danças. ram libertação é o fato de que elas nunca Pra além e anteriores a essas danças, as que somos estranhos entre nós. Nunca
Quando eu digo praticar é: preparar o cor- foram isoladas, elas são integradas à co- nossas tradições africanas de culto aos conseguiram matar as nossas danças. Pro-
po pra lidar com tudo isso, com esse terri- munidade. Madrinha Eunice exerceu o Orixás mantêm vivo o segredo, no funda- tegemos e recuperamos todas elas.
tório, com esse contexto. Preparar o corpo matriarcado em plena década de 30, em mento, nas danças seculares do oeste afri- Precisamos proteger mais. E recuperar
pra encarar a Maafa e conseguir retornar. São Paulo, liderando uma comunidade cano. Na capoeira, no jongo, no coco, em ainda mais.
É botar fé no próprio movimento. que se reunia em sua própria casa pra fa- cada roda de dança o rito se refaz, nossas Unidade.
É botar fé que a Caiumba, no interior pau- zer samba. Na pegada da Tia Ciata no RJ. curas acontecem e nossas sabedorias se
lista, juntou nossos umbigos na roda de Nessa fase de tantos feminismos, a histó- fortalecem. Fotografia de Breno Andreata.
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A Consciência Preta também regime do apartheid, onde a minoria branca que foi o maior crime cometido contra um ma mais poderosa nas mãos do opressor é a
dominava a maioria preta na terra dos pre- grupo de seres humanos. E a colonização, mente do oprimido”. Essa escravidão
representa coragem e tos. que espalhou a selvageria branca/europeia mental é perpetuada pelos três últimos itens
Steve Biko pagou o preço pela sua coragem como dominação na vida do povo preto, (3, 4 e 5).
autodeterminação na busca pela autodeterminação do povo acarretando no subdesenvolvimento de nos- Em suma, a mensagem é que, não existe
preto-africano na Azânia (África do Sul). sas nações e comunidades. saída para revolução ou de renascimento
Carlos R. Rocha (Fuca)* Apesar da sua grande paixão pela vida, foi o Desde então, a base da destruição do povo operando nossa luta por dentro dos parâme-
amor pelo seu povo, que estava sendo opri- preto gira de forma praticamente perpétua tros e das validações dessas instituições. Pa-
pelas: ra isso, é preciso acreditar que a sociedade
1. Instituições burocráticas da política. (Po- civil preta organizada seja capaz de criar
líticos) Que regem e governam em prol do uma luta coletiva coesa e através dessa
sistema socioeconômico capitalista vigente, união de forças conseguir fortalecer as nos-
sistema esse que foi engendrado a partir do sas bases. Sendo nós que devemos eleger
comércio de escravos pretos e sustentado nossas lideranças, aquelas pessoas que aspi-
pela força de trabalho desses escravos. E ram e respiram os mesmos ares que o nosso,
como o capitalismo se sustenta pelo desen- e assim cuidar também de nossas lideranças.
volvimento geográfico desigual, se torna Não será nenhum artista ou intelectual in-
função do Estado capitalista, ou seja, que fluencer, apenas devido sua visibilidade,
age em prol do mercado, manter as desi- mas sem nenhum trabalho de base ou ajuda
gualdades e suas estruturas burocráticas dos sistemática com trabalho comunitário, que
três poderes nas mãos do senhores de escra- irá ter legitimidade perante nosso povo de
vos e seus descendentes (brancos), embora luta ou nos representar. Nenhum negro cola-
nos apresentem como um sistema que busca borador ou lacaio disfarçado terá prestigio
a igualdade e o direito para o povo, mas nu- entre os nossos, pois estes tipos promovem
ma democracia burguesa. confusão ideológica e de princípios, não
2. Indústria militar (policias e afins) é o bra- detém objetivos para o coletivo e são, em
ço armado que resguarda as estruturas dos sua grande maioria, traidores, prontos pra
três poderes (legislativo, executivo e judi- vender a nossa cabeça por qualquer miga-
ciário) e é também a vertente estatal das lha.
mazelas que cercam uma política de segu- Mas Steve Biko pagou o preço pela luta.
rança pública ineficaz para o povo preto, Devemos honrar os nossos ancestrais. Sem-
pronta para o extermínio de nosso povo. pre! Até para condenar quem não nos re-
Promovendo, em suma, o encarceramento presenta, pois tais lacaios não se tratam de
em massa e a morte física dos nossos. vítimas da escravidão mental, a maioria de-
3. Instituições de educação (que pros pretos les teve acesso ao legado de honra milenar
representa deseducação, seja o preto gra- dos africanos. Eles são traidores mesmo!
duado, mestre, doutor, pós-doutor, etc.) O Já as massas, o povo em geral, passa por
sistema de educação branco visa manter toda essa deseducação que culminará no
exatamente a supremacia branca, ora de for- fortalecimento dos grilhões da escravidão
ma aberta, ora de forma velada. E essa edu- mental, muitas vezes apoiando seus algozes
cação, em geral, nos priva de valores positi- sem conseguir detectar os inimigos reais,
vos acerca dos povos africanos, ou seja, de pois assim, quando se “controla o pensa-
valores que enfatizem a sinceridade, con- mento de um homem, não precisa se preo-
fiança, virtude, justiça, orgulho, coletivida- cupar com as ações dele. Você não tem que
de, autodeterminação e condição de povo. dizer a ele para não ficar aqui ou ir mais
No mais, é uma educação que doutrina o longe. Ele encontrará seu lugar apropriado
povo preto a ser subserviente e acreditar, e permanecerá nele. Você não precisa man-
consciente ou inconscientemente, que esses dá-lo para a porta dos fundos. Ele irá sem
valores são exclusivos de um mundo branco ser informado. Na verdade, se não houver
superior. E mesmo uma educação radical porta dos fundos, ele abrirá uma para seu
dentro dos parâmetros deles, nos condiciona benefício particular. Sua educação torna
a sobrepor os problemas deles aos nossos. isso necessário” (Carter G. Woodson).
mido mundialmente e particularmente no 4. Pelas igrejas, o cristianismo representa Estamos seguindo pra uma luta de falsa re-
No intuito de escrever uma das reflexões grande parte da justificativa do holocausto presentatividade e isso nada mais é do que
que tive a partir do grupo de estudos do regime nefasto, legalizado e totalmente in-
justo do apartheid da África do Sul, que o preto, e inculca na mente dos oprimidos a não responder corretamente o questiona-
livro Escrevo O Que Eu Quero, do Steve imagem de um conquistador branco. Quan- mento acerca dos nossos problemas. Deve-
Biko; estudos protagonizados pela UCPA, fez encarar os brancos frente a frente, com
coragem e a certeza que o sopro da verdade do um povo perde sua imagem de Deus, ele mos ter um senso de reivindicação que fuja
que aliás, também é a organização quem perde sua coesão cultural e passa a reivin- das garras da supremacia branca.
distribui o livro a preço popular para os pre- de sua luta ecoaria por gerações e gerações
até que esse sopro se tornasse um vendaval, dicar nada mais do que se é apregoado pelos Portanto, diante desse monstro em nossas
tos. Esse livro espanta pelo seu caráter didá- dominadores. Além de ser uma religião do- vidas, a responsabilidade de reverter esse
tico e seu conteúdo de luta radical. Além do mesmo que isso custasse sua vida.
Os seus ensinamentos e práticas ainda nos tada de uma falsa moralidade e de falsos va- quadro deverá ser completamente nossa; e a
mais, pode-se tranquilamente fazer diversos lores, pois o povo branco-europeu nunca se- expressão filosófica/ideológica que mais se
paralelos com os aspectos da luta preta de deixa a esperança futura, que após muito
trabalho, ao longo de gerações e gerações, guiu o que pregou. E assim como o isla- aproxima desse ideal é o Pan-Africanismo.
hoje, tanto a luta do povo preto-africano no mismo, são religiões excêntricas, que visam E esse ideal estava contido em Biko, ele
continente, quanto a luta dos pretos-africa- poderemos triunfar. Mas devemos, enquanto
povo, arcar com alguns compromissos e nos continuamente nossa conversão para a ma- buscou tratar das principais frentes agindo
nos espalhados na diáspora. Contudo, não nutenção dos poderes dos conquistadores, como um estadista. Esse era o tamanho de
farei uma resenha do livro, apenas uma re- responsabilizar pela direção de nossa luta de
forma autônoma e independente, o nosso um dia teremos que superar Cristo e Mao- sua grandeza, um grande visionário. Um gi-
flexão acerca da mensagem de autodetermi- mé. gante que procurou honrar seus ancestrais,
nação e de coragem que nosso ancestral Ste- compromisso e dedicação pela causa coleti-
va deve sobrepor o individual. Pois ainda 5. Pela mídia/imprensa tradicional (na tv ou que visou um legado para seus filhos e para
ve Biko proclamou. na internet.) Uma espécie de quarto poder, as crianças pretas que ainda nasceriam; e
Muito se tem falado de consciência preta, cada sopro de luta e de verdade pelo povo
preto lançado por pessoas pretas comuns inclusa até os ossos no sistema de supre- isso devemos fazer também.
porém pouco de autonomia. À direita ou à macia branca. Que gera nos pretos o auto- Se nos educarmos e agirmos pela Consciên-
esquerda, o preto ainda enxerga a superação pode fazer a diferença no médio e longo
prazo. ódio, que deseduca, que aliena, que nos cia Preta, iremos também educar adequada-
do racismo dentro dos parâmetros do siste- afasta de nossos valores ancestrais para que mente nossos filhos, e ensiná-los sobre nos-
ma dominado pelos brancos e sobretudo vi- Para isso, nunca é demais frisar que deve-
mos canalizar as nossas energias e, também, nos tornemos inferiores. “O pior crime que sas raízes e culturas africanas. Devemos en-
sa a integração com os brancos como saída o homem branco cometeu foi nos ensinar a siná-los a se amar, a se valorizar e a acre-
de emancipação num sistema reformado. Já nossa resposta odiosa aos brancos, em pro-
jetos que vise a reconstrução/renascimento odiar a nós mesmos”. ditar em si mesmos.
para Biko, a Consciência Preta seria, “em Sendo assim, os dois primeiros itens (1 e 2) Enfim, o chamado é pra luta autônoma, tra-
essência, a percepção pelo homem preto da do povo preto.
Partindo do fato que nós, o povo preto, fo- demonstram como fica mantida a nossa sub- balhar pelo fortalecimento das bases pretas
necessidade de juntar forças com seus ir- jugação física, pois tais estruturas visam nos comunitárias, que nossa hora vai chegar,
mãos em torno da causa de sua atuação – a mos colonizados no continente-mãe, África,
e de lá fomos sequestrados para sermos es- manter longe do domínio dos meios de pro- pois se o mundo branco se encontra forte
negritude de sua pele – e de agir como um dução, e nos suprimem continuamente de hoje, podemos prever que ainda nesse sécu-
grupo”. cravizados na diáspora, e que esse sistema
escravista e colonial foi perpetrado pelos acesso às terras, que é a base da divisão so- lo eles se envolverão em mais uma grande
Steve Bantu Biko (1946-1977) foi um gran- cial do trabalho e a base da luta e da sobre- guerra, mas nós não cairemos nessa bala, e,
de ativista preto antiapartheid, uma lideran- brancos/europeus sob a pretensa supremacia
branca, para que os brancos pudessem se vivência. neste momento, se estivermos fortes, o im-
ça do movimento estudantil da Azânia Resguardada as devidas particularidades de pulso pro nosso renascimento poderá ocor-
(África do Sul) e um dos fundadores do desenvolver econômica, social e politica-
mente através do roubo, estrupo e genocídio cada espaço geográfico, essa regra de subju- rer de igual para igual (sobre os destroços
Movimento de Consciência Preta. Sendo gação, em geral, se repete. E apesar de nos- dos brancos), com coragem e autodetermi-
uma pessoa honrada, determinada, extrema- de nosso povo, por mais de cinco séculos.
Com isso, ainda sentimos, enquanto povo, sa suposta liberdade física e a nossa inde- nação.
mente inteligente, Biko lutou incansavel- pendência nominal ter sido proclamada, ain-
mente e de forma intransigente em prol da todas as consequências diretas e indiretas
da compartilhamos, em massa, os grilhões *Carlos R. Rocha (Fuca) – Orientador
causa preta e foi brutalmente torturado e dessas barbaridades racistas, sendo duas de-
da escravidão mental. Biko disse que “a ar- socioeducativo e Rapper do Insurreição CGPP.
assassinado pela polícia da África do sul do las: o holocausto da escravidão africana,
Yanda PanAfrikanu ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,Página 7

Amílcar Cabral e a luta (permanente) de libertação:


um arquivo orgânico e revolucionário
A l e x s s a n d r o R o b a l o *

Quando eu era miúdo adorava o mês de Africana, constitui um dos momentos mentos são sempre produtos epistêmi- gentes e radicais do rap. A mobilização
janeiro. Obviamente, não era por ser um marcantes da história recente do nosso cos e políticos. Por isso, a nossa luta é e ação de um cem número de ativistas.
continente. Um exímio teórico da revo- tanto política quanto epistêmica. Assim, Vários eventos organizados ao longo
mês que todo mundo queixava bica!
lução. Como Paulo Freire o intitulou, o silêncio ensurdecedor à volta da gran- dos anos. Cabral ka (na) mori: eis o gri-
Muito menos por ser o primeiro mês do
“um pedagogo da revolução”. de obra de Cabral tem a ver com esses to (político) da nossa geração.
ano! A razão da minha alegria tinha a Contudo, os nossos currículos escolares, dois aspectos: epistêmico e político. A “Marxa Cabral” constitui uma ação,
ver, exclusivamente, com o fato de 13 e os manuais, os professores, a elite inte- Não se quer que pensemos pelas nossas encontrada pelos jovens, para romper o
20 daquele mês serem feriados nacio- lectual e política, a história oficial nos próprias cabeças! Nem se quer que se- muro de silêncio. É uma forma de con-
nais. têm negado toda e qualquer possibili- jamos força motriz da mudança que a tinuar a luta. Acima de tudo, para mos-
O que não tinha a capacidade de enten- dade de conhecer o legado do engenhei- nossa sociedade precisa. trar que a liberdade, a justiça, a digni-
der, talvez nem o quisesse, era a razão ro agrônomo que se fez revolucionário Só para que conste, esta atitude não é dade, constituem o foco das lutas atuais.
daquelas datas serem feriados nacionais. anticolonial. Foi-nos negada a possibili- exclusiva de uma única força partidária! Quem pensou que a independência (de
13 = liberdade? 20 = heróis nacionais? dade de conhecer o pensamento dele. As Ela é transversal aos partidos políticos hino e bandeira!) foi o fim do processo
Não tinha mínima noção disso! Minha suas ações durante a luta política, sobre- cabo-verdianos! Mesmo aquele que ga- emancipatório se engana. A dependência
leitura era outra. O sentido que eu dava tudo na sua fase armada. A sua teoriza- ba ser partido de Cabral tem sido um dos (ex) colonizadores é ainda incontes-
àquelas datas era outro. O que impor- ção revolucionária. O seu lugar no con- enorme obstáculo para que crianças e tável. Economicamente. Politicamente.
tava para mim era poder estar o dia todo texto das revoluções Africanas… jovens conheçam o gigante Abel Djassi. Epistemicamente. Militarmente. Não su-
Mesmo assim, crescemos (a minha ge- Entretanto, sujeitos oprimidos sempre peramos os complexos de inferioridade
em casa…
ração) ouvindo, pa tudu kutelu ku lade- cria(ra)m, ao longo da história, a sua e de dependência.
(In)felizmente o tempo vai passando.
ra, Cabral ka mori. Na ausência de um própria forma de interpretar, narrar, A “Marxa” realizada em 2019 parece-
Preocupações vão surgindo. Diz-se que
conhecimento mínimo daquilo que construir, desconstruir, transformar a me um momento histórico, por vários
vamos ganhando a maturidade. Vamos constitui o seu trabalho, para nós aquela sua realidade. A cultura. A arte. As or- motivos. Primeiro, houve uma (estraté-
buscando questionar as coisas. As datas. figura, infelizmente, estava morta. En- ganizações políticas e sociais. Todas gica) apropriação de 20 de janeiro para
Os números. Os feriados. As mentiras. terrada, também. Silenciada. Sendo elas são formas de reinventar a condição uma questão (política) extremamente
Os silenciamentos. A manipulação da “embalada”, para, depois, ir parar ao dos sujeitos colonizados, racializados e atual e preocupante: a xenofobia. Sim,
história. “museu”. Deste modo, perderíamos desumanizados. isso mesmo, XENOFOBIA. A “Marxa”
É, precisamente, dentro deste contexto qualquer maneira de conhecer/entender Em Cabo Verde, não obstante ao bran- foi uma resposta política para contestar
que surge a figura de Amílcar Cabral no o pensamento, as ações e o contributo queamento e aos silenciamentos impos- o tratamento desumano e preconceituo-
meu imaginário. Um revolucionário dele na história das lutas de libertação. tos, várias “ferramentas” têm sido cria- so que nossas irmãs e irmãos de outros
Africano singular, cujo contributo na lu- Mesmo assim, os muros de silêncio só das para (re)ler e (re)fazer a nossa his- países Africanos têm recebido por parte
ta de libertação da Guiné e Cabo Verde, existem para serem derrubados. Con- tória colectiva. Reinterpretar as lutas. das autoridades cabo-verdianas, particu-
conectada com a ambição de unidade frontados. Denunciados. Os silencia- As narrativas do batuku. As rimas insur- larmente pelos serviços de fronteira.
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Segundo, esta “Marxa” veio confirmar cado improvisado pela Câmara Munici- datas conforme a nossa própria gramáti- los turistas. Os brancos acham-na um
algumas questões que têm sido levanta- pal. O mesmo Memorial que há um ca política. “paraíso”. Os relatórios internacionais
das neste país. O colonialismo meta- tempo ainda menor estava correndo ris- Falando em privatização dos espaços (estrategicamente selecionados) elo-
morfoseou-se, mas continua muito vivo. co de ser mudado de posição, para sa- públicos, o mais caricato daquele dia foi giam-na tempo todo. Os super-cabover-
Alguns fatos servem para ilustrar a con- tisfazer às necessidades neocoloniais e o fato de termos sido impedidos de dianos acham que são a maior invenção
tinuidade do colonialismo. O próprio neoliberais.) Mas o impedimento não chegar a uma praça (Alexandre Albu- dos tugas no além-mar. E para o povo?
tema da “Marxa” já é uma prova da foi feito com cortesia e gentileza. Foi querque). Na terra de democracia (di- É nestes tempos que torna mais atual o
continuidade colonial: a Xenofobia. As efetuado com a força e a brutalidade mokransa?)? Modelo em África? Líder pensamento de Cabral. A sua postura
ideias coloniais e racistas produzidas (física e verbal) dos militares e poli- nos relatórios de Mo Ibrahim? Cercar o face à história, mormente a necessidade
em Cabo Verde, durante o longo período ciais, armados e prontos para atuar. grupo de todos os lados pela força poli- de assumir uma posição radical e revo-
de dominação portuguesa, ainda conti- E a razão de tal impedimento? Simples: cial? Argumentando que não podíamos lucionária ao serviço da guerra do povo.
nuam fazendo profundos estragos… o espaço era exclusivo dos “super-ca- chegar à praça por causa da missa de A libertação terá de ser (ainda) o foco
culminando numa profunda dissonância bo-verdianos” (termo de Abel Djassi defunto? Em nome da preservação da das nossas lutas, como o foi para Cabral
cognitiva da elite local. Amado)! Logo, não poderiam misturar igreja, dos bons costumes, dos defuntos, e toda a sua geração. A filosofia de li-
De igual modo, aquele momento políti- com o “povo”. O lugar era exclusivo dos brancos, dos super-caboverdianos, bertação de Cabral torna-se cada vez
co confrontou-nos com uma realidade dos engravatados. Mesmo estando no dos espaços simbólicos… Os próprios mais pertinente. Todo o arquivo Cabral
cruel, contudo real: a privatização da mês de janeiro: mês da liberdade! Da agentes no local nos disseram aberta- clama por uma releitura. Releitura críti-
memória, dos espaços públicos, da his- democracia. mente que receberam a ordem para nos ca e comprometida com as lutas de hoje
tória, do simbólico. Práticas essas pro- Liberdade? Democracia? Para quem? impedir, afirmando que não poderíamos e focadas num amanhã a ser construído!
fundamente coloniais… Foi-nos tirada Somente para os super-caboverdianos! ir para praça. Os policiais foram sendo
toda a possibilidade de chegar ao Me- Para nós, o povo? Policiais e militares. reforçados… chegando perto de agredir
morial Amílcar Cabral (na capital do Repressão e privação. Negação de direi- uma criança… *Pan-Africanista de orientação cabralista,
país). (O mesmo Memorial que há bem tos básicos, como o de ter acesso aos Enfim, esta é a terra que nós vivemos. educador anticolonial e pesquisador
independente.
pouco tempo ficou tapado por um mer- espaços públicos ou o de celebrar as Bonita nos cartões-postais. Adorada pe-

Identidade africana pós-colonial, o que restou?


Filipe Miguel Mário Cahungo*

Se no período colonial, o continente africano debateu- Em outras palavras, as questões africanas, na sua maior di- clipe de Michael Jackson do que no quintal de um
versidade e complexidade, são eminentemente de carácter camponês moçambicano”[6].
se com o problema da nulidade da sua existência, no antropológico[3].
período pós-colonial, o desafio é reconciliar-se com o Esta realidade, não é alheia aos cidadãos angolanos,
que restou e o que se perdeu. Pois, a elite governa- onde há uma enorme ausência pelo real, nos seus dis-
Não obstante ao que se disse, a África, vive o tempo va- cursos inclusive, afirmam que os das provinciais são…
mental do continente africano herdou a configuração zio, o tempo alheio:
da Administração colonial como afirma Severino como se os que nasceram e vivem em Luanda não per-
Ngoenha, ou como diz José Luemba “a África desco- Vivemos e sofremos o tempo dos outros. O nosso é simples-
tencessem a uma Província. Porém, mesmo, entre os
lonizada herdou, infelizmente, de uma situação difícil mente vazio e pouco nos mobilizamos para lhe dar um con- angolanos há colônia; os da Cidade e os do mato, então
em que o sistema colonial tirava livremente proveito teúdo específico, susceptível de atribuir um sentido à nossa hoje, a luta é reconciliar estas duas realidades a dita
das imensas riquezas locais (…)”[1]. Com esta opção, existência. O nosso tempo está vazio porque também está cidade e o dito mato, pois, “o colonialismo não mor-
preso no passado e que finalmente, o nosso aparente presente reu com as independências. Mudou de turno e de
nasceu uma África fora de si, ou uma África sem si, é apenas uma continuação desse passado marcado por ima-
uma África que nega-se a si mesma. Com a negação de executadores. O actual colonialismo dispensa colonos
gens, símbolos de dominação e de redução dos nossos ances- e tornou-se indígena nos nossos territórios. Não só se
si mesma, a África experimentou o que o jugo colonial trais a puros objectos cuja única importância era o seu valor
idealizou e determinou para aquilo que poderia a vir mercantil. O nosso tempo é um tempo alienado[4]. naturalizou como passou a ser co-gerido numa parcei-
ser, porém, os Estado-Nação africana é resultado da ra entre ex-colonizadores e ex-colonizados”[7]. Pois, a
aventura colonial, não uma aventura que resultou da Para afirmarmos a identidade africana precisamos nos crise que a travessamos, a sua saída não será tal qual
relação consigo mesmo. reconciliarmos com as três categorias do tempo; o pre- regressar no ponto original, ponto do qual o colono
A aventura colonial estrangulou a memória africana do sente, o passado e o futuro como Mia Couto falou encontrou-nos como afirma Mia Couto no personagem
passado. Este por sua vez vive em nós de forma dis- aquando do encontro com a Associação Moçambicana do velho Mariano “(…) quem parte de um lugar tão
tanciado entre o presente, porém, “Se o passado nos de Economistas em 2003. Para ele “o tempo trabalhou pequeno, mesmo que volte, nuca retorna”[8].
chega deformado, o presente deságua em nossas vidas a nossa alma colectiva por via de três materiais: o pas-
de forma incompleta. Alguns vivem isso como um dra- sado, o presente e o futuro. Nenhum desses materiais *Licenciado em Filosofia, no Instituto Superior Dom Bosco –
ma. E partem em corrida nervosa à procura daquilo parece estar feito para uso imediato. O passado foi mal Universidade Católica de Angola. Pesquisa filosofia africana.
que chamam a nossa identidade. Grande parte das ve- embalado e chega-nos deformado, carregado de mitos e Autor dos artigos publicados na plataforma digital Webartigos.
zes, essa identidade é uma casa mobiliada por nós preconceitos. O presente vem vestido de roupa empres- cahungogfilipeg@outlook.com; cahungogfilipe@gmail.com.
mas a mobília e a própria casa foram construídas por tada. E o futuro foi encomendado por interesses que 1. LUEMBA, José Francisco, A África e a Profecia Auto-
outros. Outros acreditam que a afirmação da sua nos são alheias”[5]. Realizável: A dimensão psicológica da crise do homem negro-
identidade nasce da negação da identidade dos outros. “Uma vez maior distanciação desse jovem em relação africano, Roma: Les impliqués Éditeur, 2017. p. 18.
O certo é que a afirmação do que somos está baseada ao seu próprio país (…). Eles não sabiam as línguas, 2. Ibdem, p. 4.
em inúmeros equívocos”[2]. Ademais, a identidade desconheciam os códigos culturais, sentiam-se desloca- 3. Ibdem, p. 98.
africana, enfrenta o problema de ausência de si mesma, dos (…). Aquelas zonas rurais eram, afinal, o espaço 4. Ibdem, p. 122.
uma identidade criada ao modelo colonial. onde viveram os seus avós, e todos os seus antepassa- 5. Texto apresentado por Mia Couto na AMECON - Asso-
ciação Moçambicana de Economistas em 30 de Setembro de
Entretanto, a África é uma imagem que não se reflecte dos. Mas eles não se reconheciam como desse patrimô- 2003. p. 1.
no espelho, ou como afirma Luemba: nio. O país deles era outro. Pior ainda: eles não gosta- 6. Ibidem, 2003, p. 1.
vam desta outra nação. E ainda mais grave: sentiam 7. Cf. Ibdem, p. 2.
A nossa hipótese é que a crise multifacetada que continua a vergonha de a ela estarem ligados. A verdade é simples: 8. COUTO, Mia, Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Cha-
atingir a África resulta da ausência notável ou do défice de esses jovens estão mais à vontade dentro de um vídeo- mada Terra, Lisboa: Caminho, 2002, p. 45.
uma definição clara e distinta do homem negro-africano.

GUINÉ-BISSAU: RESISTIR PERANTE O GOLPE


Yussef*

“(…) nós resolvemos fazer das avançar, crescer, levantar, como as A Guiné-Bissau – nação africana presentada pelos partidos MADEM
nossas cabeças aquela semente que flores na nossa terra, tudo quanto forjada na luta(!) – vive sob um gol- G15[3], PRS[4] e APU-PDGB[5],
se põe na terra para fazer nascer possa fazer da nossa gente, seres pe de Estado, desde o dia 27 de Fe- com o apoio decisivo da força bruta:
novas plantas” (Cabral, 1974: 9)[1] humanos de valor. Este é que é o vereiro de 2020, aquando de uma to- o Exército guineense.
nosso trabalho, camaradas” mada de posse dita “simbólica”, pelo
“E o nosso trabalho é destruir, na (Cabral, 1974:14)[2] General Umaro Sissoco Embaló, e O que é que consubstancia esse gol-
nossa resistência, tudo quanto faça que deu início à tomada do poder pe?
da nossa gente cachorros – homens político de Estado pela ala mais rea-
ou mulheres – para deixarmos cionária da burguesia guineense, re-
Yanda PanAfrikanu ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,Página 9

O autoproclamado Presidente Umaro Sissoco Em- sim o político, ou seja, da luta de classes. Inde- democráticas. Um Governo que nasce da vontade
baló, 1 dia após se apoderar do poder político da pendentemente dos resultados das eleições, a coli- popular expressa nesta modalidade de democracia
Presidência da República – sem base legal, em- gação em torno do General Umaro Sissoco Embaló (burguesa) – não obstante todas as contradições e
possado num Hotel da capital pelo vice-presidente já decidira, que o PAIGC de Domingos Simões Pe- limitações inerentes a este modo de organização
da Assembleia, o deputado Nuno Nabian, e rece- reira não poderia acumular o poder legislativo e o societal, nomeadamente no contexto neocolonial –
bido o poder como que um trespasse pelo ex-Pre- poder presidencial pois isso seria sinônimo da ani- ao deixar o poder político, terá que ser pelo mé-
sidente José Mário Vaz –, demitiu o Governo de quilação social destes indivíduos como burgueses e todo similar àquele pelo qual foi eleito ou um
coligação com o decreto nº01/2020, mas liderado políticos. A sua condição de classe é nutrida pelo outro que represente uma forma de organização
pelo PAIGC, pois fora o partido com mais assentos poder de e no Estado. Fora do poder de Estado, da vida política civilizacionalmente superior ao
na Assembleia Nacional. O seguinte decreto – Nº esta ala da burguesia guineense – que ousou o tri- processo de escolha vigente. E esta posição táctica
02/2020, na mesma data, nomeou Nuno Gomes balismo étnico-religioso durante a campanha elei- de negação de mudança política por um golpe de
Nabian como Primeiro-Ministro. No dia 29 de Fe- toral – desapareceria socialmente. Estado reacionário, deve servir para colocar a clas-
vereiro, elementos do Exército guineense invadi- O golpe autocrático e bonapartista do General se trabalhadora guineense como actor político
ram instituições do Estado, rádio e televisão públi- Umaro Sissoco Embaló foi o corolário de 5 anos de principal da luta contra esta espécie de golpe
cas. luta política intensa em que a polarização existia bonapartista. Apoiada em si, sobre a sua cons-
O líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, está entre uma burguesia da mais reacionária que se ciência e a sua mobilização – porque isto impul-
“exilado” em Portugal e o ex-Primeiro-Ministro pode imaginar – lideradas pelo Presidente da Repú- siona a luta de classes!
Aristides Gomes está refugiado na sede da ONU blica José Mário Vaz e Braima Camará do MADEM Concomitantemente com a luta contra o golpe, a
em Bissau. Elementos do PAIGC foram raptados e G15 – e o PAIGC, liderado por Domingos Simões classe trabalhadora guineense tem pela frente o
torturados – bem como Marciano Indi do APU- Pereira – partido da luta de libertação nacional mas desafio civilizacional a criação de um partido re-
PDG – e Idrissa Djaló, líder de um partido de que se transformou no partido da burguesia gui- volucionário.
oposição, recebeu ameaças de morte. O General neense, não obstante continuar a alegar a herança Após 47 anos de Independência, a luta deve ser
Sissoco ameaçou os juízes do Supremo Tribunal político-ideológica de Amílcar Lopes Cabral. cada vez mais transformar a luta para votar e in-
durante o litígio eleitoral, quando o caso estava O PAIGC – num agrupamento de partidos pela “De- fluenciar o poder político que elege – mas não é o
em análise pelo mesmo Supremo Tribunal, e estes mocracia” – contra José Mário Vaz e Braima Ca- seu logo após que assume o Estado pois o Governo
decidiram não dar seguimento ao pedido de anu- mará, mobilizara a classe trabalhadora guineense não é de pessoas mas sim de classe, tanto mais
lação das eleições, apesar das irregularidades apu- para a luta política e protestos visando obrigar o que a Guiné-Bissau se encontra num território
radas pelos advogados do candidato Domingos Si- Presidente da República a aceitar o nome de Do- geográfico neocolonizado, seja ainda pela existên-
mões Pereira/PAIGC. Esta decisão tomada pelos mingos Simões Pereira em 2019, como chefe de cia do Franco CFA como moeda, seja pela pre-
juízes – uma abordagem pura de “real politik” da- Governo, após o PAIGC ter ganho aquelas e ter sença do exército francês – para uma luta em que
da a correlação de forças – no contexto das amea- conseguido uma coligação que lhe permitiria ter o a classe trabalhadora seja poder político, de facto.
ças descritas e após 9 meses de tensões sociais no número de deputados na Assembleia Nacional para O sociólogo brasileiro Michael Lowy resumiu desta
país, quando anteriormente tinham exigido a re- passar o programa de Governo. forma a tarefa das classes trabalhadoras dos países
contagem ab initio dos votos pelo facto da Co- Contudo, após a divulgação do resultado das elei- periféricos do sistema capitalista consubstanciado
missão Nacional não ter assinado a acta de elabo- ções da 2ª volta das eleições presidenciais e perante na teoria da Revolução permanente de Leon Trots-
ração nacional dos resultados a nível nacional. os sinais de que o golpe estava iminente, o PAIGC ky: “um processo de transcrescimento da revolu-
Portanto, era necessário retomar o processo de não promoveu a mobilização da sua larga base so- ção democrática em socialista, um processo de re-
recontagem dos votos porque a lei eleitoral deter- cial de apoio – somente fê-lo na diáspora –, ali- volução permanente no qual se articulam e se
mina que o processo deve ocorrer no prazo de 24 nhando o seu um discurso com a “serenidade”, “le- sucedem as medidas democráticas, agrárias, na-
horas de forma ininterrupta… galidade” e o acreditar nas instituições… Os acto- cionais e anticapitalistas”.
A recontagem foi recusada pela Comissão Nacio- res do golpe de Estado, perante a incapacidade/ Pela construção, nos ombros do legado teórico de
nal de Eleições com o argumento de que cometeu falta de vontade política da parte da direcção do Amílcar Cabral, de um partido com uma clara
um “lapso” ao não assinar a acta nacional, contu- PAIGC de mobilizar os trabalhadores guineenses definição ideológica anti-imperialista, com inde-
do o instituto da “recontagem ab initio” – exigido para travarem o golpe – pois este se avizinhava – pendência de classe, pan-africanista revolucio-
pelo Supremo Tribunal de Justiça – não existia na avançou e consolidou-se sem qualquer reacção po- nário e internacionalista!
lei eleitoral. Acrescentou ainda que o PAIGC deve- pular.
ria ter apresentado as queixas onde as irregulari- É necessário convocar um congresso antigolpe – e o Unidade e Luta!
dades ocorreram (nas assembleias de voto). Este PAIGC tem essa responsabilidade(!) –, tanto na
impasse, gerou a intervenção dos militares ao ocu- Guiné-Bissau como na Diáspora, entre todas as for-
par os ministérios e o Supremo Tribunal de Justi- ças que se auguram representantes dos interesses
ça. da classe trabalhadora guineense e que comungam *Yussef – Membro do Movimento de trabalhadores e
A CEDEAO, nomeadamente Senegal, Nigéria e Ní- desta visão política que não existe conciliação pos- estudantes – Revolução Guiné-Bissau.
ger, através dos seus chefes de Estado apoiaram sível com um golpista mas sim que estes devem ser
1. Ver, Cabral, Amílcar (1974). Análise de alguns tipos de
explicitamente o General Sissoco e enquanto orga- combatidos, sem tréguas.
resistência. Lisboa. Seara Nova.
nização política sub-regional, foi o instrumento de Por mais que discordemos da política do PAIGC e 2. Idem
legitimação do golpe de Estado internacional- do projecto de sociedade consubstanciado no pro- 3. Movimento de Alternância Democrática.
mente. grama de desenvolvimento “Terra Ranka”, de um 4. Partido da Renovação Social.
Esta explanação dos factos não deve retirar o foco ponto de vista da luta de classes, o que está em em 5. Assembleia do Povo Unido – Partido Democrático da
do essencial que não é o imbróglio jurídico, mas causa, perante o golpe de Estado, são as liberdades Guiné Bissau.

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE FÍSICA PARA A SAÚDE DO POVO PRETO


Antonio Salumbongo Sakuvango*

Nos últimos anos, houve uma grande nição como, todo aquele movimento demos dizer que a atividade física sem- caminhar para visitar amigos, caçar e se
divulgação dos benefícios da prática de corporal produzido pela musculatura es- pre fez parte da rotina dos povos africa- defender dos inimigos e animais ferozes.
atividades físicas na promoção da saúde quelética que resulta em um gasto ener- nos no continente, pois nos dias de hoje Já o pensamento eurocêntrico, associa a
e prevenção de doenças. gético acima dos níveis de repouso, en- ainda são mantidas as práticas de cortar prática de qualquer atividade física ao
Se formos para a literatura encontrare- quanto o exercício físico, representa lenhas, lavar roupas nas pedras dos rios, ‘emagrecimento e estética’ e tal conceito
mos a palavra atividade física por defi- uma das formas de atividade física pla- caminhar longas distâncias para cultivar, é cada vez mais reforçado pela mídia
nejada e estruturada. Desta forma, po- carregar bacias com água na cabeça, diariamente.
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Quando nos envolvemos em um progra- nosso condicionamento físico em perfei- capacidade de responder as pancadas na De uma forma geral o sedentarismo au-
ma de atividade física, elevamos a nossa tas condições, a nossa resistência, para, mesma proporção e igualdade. menta o risco de doenças no sistema
autoestima, nos prevenimos de futuras pelo menos, termos a capacidade de se Estudos recentes já comprovam que pra- musculoesquelético, diabetes, hiperten-
doenças, nos mantemos firmes e fortes defender de racistas que poderão nos es- ticar atividade física regularmente pode são e anemia falciforme, muitas dessas
para termos a capacidade de se defender, pancar até a morte como animais, ou ter os mesmos efeitos que alguns remé- doenças ocorrem exclusivamente em
protegemos o nosso sistema imunológi- melhor, até mesmo os animais conse- dios. Com esta afirmação, não pretendo pessoas pretas. Fisiologicamente bran-
co, elevamos a saúde do nosso encéfalo guem se defender. induzir o abandona da medicina tradi- cos e pretos nunca foram iguais e nunca
(manter o encéfalo saudável é uma meta Que não olhemos para as atividades físi- cional, mas sim apresentar alternativas seremos, como frisava nosso mais velho
importante para estimulação mental, co- cas como nossa inimiga, ao contrário, de prevenção e controle de doenças fo- CHEIKH ANTA DIOP “biologicamente
mo exemplo, a leitura), mantemos o devemos abraçá-la como poder de cura, cados em nossa genética. pretos são superiores”.
Pretos e pretas se ainda não começaram, “Somos um povo resiliente na melhor
comecem agora! Podemos iniciar com utilização do conceito. Isso levando em
caminhada de pelo menos 20 minutos ou consideração o fato de estarmos aqui,
até mesmo uma corrida de 15 minutos pretos, fortes, bonitos e inteligentes, co-
no quintal de casa. mo há milhares de anos” Abisogun
Ensinemos nossas crianças a se defender Odùduwà, O Pan-Africanismo, pág. 46.
e a atacar com golpes que só o nosso Dentro dessas possibilidades apresenta-
corpo sabe produzir, a hora é essa. Nos- das, podemos acreditar que a prática de
sos irmãos e irmãs médicos, médicas e uma atividade física regular é indicada
especialistas, estão sempre enfatizando para pessoas pretas de todas as idades,
sobre a necessidade de que as atividades seja por meio preventivo e de autodefesa
físicas sejam partes fundamentais em em pessoas saudáveis ou terapêuticas
nossas pautas, não se pode pensar hoje em pessoas doentes. Doenças não com-
em dia em “revolução” sem incluir uma binam com o nosso povo, fomos feitos
forma de preparo físico e mental, revo- para viver eternamente e com saúde de
lução exige luta física, emocional e espi- sobra, devemos considerar a atividade
ritual, revolução exige um preparo com- física como nossa aliada, um meio de
pleto. alternativa excelente para descarregar as
O sedentarismo não deve ser amigo do dores, raivas, frustrações, tensões e pres-
povo preto, estudos comprovam que sões que o sistema coloca sobre nós.
nossa genética naturalmente desenvolve
melhor as capacidades físicas: força,
equilíbrio, coordenação, agilidade, velo- *Profissional de Educação Física e
cidade e flexibilidade. desporto.

Também não bastava coisificá-las. Era preciso, en- alimentícios ou “medicinais”, em acordos, tratados
O assassinato como secular forcá-las em atos cerimoniais, linchá-las em praças ou sanções, em extrações e escoação de todo o ti-
modus operandi públicas, violá-las e emasculá-las, oferecer sua car- po de dejectos/lixos, via desastres ambientais ou
ne viva como festim a matilhas esfomeadas e leiloá- em regimes de subcontratação, etc., a morte lenta
(Thanato) Políticas de terra queimada las. ou imediata têm sido usada como política de Es-
Ao longo dos séculos, estas e incontáveis outras téc- tados.
Apolo de Carvalho*
nicas de matança, de assassinato e necrofagia, ja- E assim acostumamo-nos a coabitar com ela, com
mais cessaram. Muito pelo contrário sofisticaram-se sua sombra, com os nossos cárceres, os devorado-
A morte é uma branca sombra que persegue ne-
e tornaram-se políticas de Estados e da sua corja, res do corpo.
gros corpos desde a infâmia chegada das Naus e
que se instituíram senhores absolutos de tudo e to- E parece que já nem nos surpreende quando um-a
Caravelas. “Marcas lunares” ficaram imprimidas
dos. Os mesmos que, a partir das suas bélicas capi- ou outro-a de nós desaparece. São tantos e tantas
nas nossas praias, quando a necro-tripulação en-
tais econômicas, tentam governar e controlar todo que já perdermos a conta, já nem luto fazemos.
terrou as “imundas botas na areia ainda molha-
o fluxo de vida deste planeta que consideram pro- Tampouco nos restam lágrimas para chorar.
da”.
priedade sua. O simples facto de exigir justiça e lutar por ela, é
Consigo, levaram a peste e todo o tipo de enfermi-
É neste mundo de um só verso, que existe por de- motivo para sermos de novo matados, para expe-
dades, atacando vorazes os primeiros corpos que
glutição de mundos outros e que, compulsivamente rimentarem novas engenharias de repressão de
encontram. Da mesma forma que o solo, o corpo
se nutre de corpos e terras alheias, que vivemos. morte e canibalismo.
foi feito propriedade e laboratório de experimen-
tação de todas as técnicas de extermínio que, a Todos-as aqueles-las que se insurgem, que se er- Sabendo que “é ainda fecundo o ventre de onde
torpe imaginação desses invasores da morte, quais guem para dizer basta e que se alevantam para surgiu a besta imunda”, o que fazer quando a
exércitos de gafanhotos sob uma colheita, permi- fazer frente, são sistematicamente, bárbara ou sub- morte nos persegue? Como resistir quando famin-
tia. tilmente eliminados. Seja no continente ou na diás- ta ela nos aprisiona. Onde encontrar refúgio quan-
Não bastava dizer que Europa era o centro de gra- pora, Chefe de Estado (dezenas assassinados), líde- do omnipresente ela manifesta e se impõe? Como
vidade e que a civilização era apanágio seu. Era res comunitários, movimentos ou não, negros e ne- dês-vulnerabilizar a nossa exposição à sua aura le-
necessário negar, apagar e aniquilar a todo o cus- gras têm sido aniquilados-as pelo simples facto de tal?
to, qualquer traço de inventividade, de criação e reivindicarem o direito à sua terra, aos seus corpos, Séculos de luta negra têm-nos ensinado a “morrer
de civilização que estes povos erigiram. Não basta- ao seu mundo, ou simplesmente por existirem. e a ressuscitar” a cada corpo que tomba. Aprende-
va negar a humanidade daquela gente nem usar Em março do ano passado, Ange Dibenesha, um jo- mos a multiplicar-nos. Ainda que busquem aniqui-
técnicas antropométricas para justificar cientifica- vem negro de 32 anos, foi parado pela polícia den- lar-nos, atentando contra a nossa existência física
mente que eram criaturas inferiores. Era preciso tro do seu carro em França. 48 horas depois, a polí- e a nossa memória, não desapareceremos.
lobotomizá-las e descerebrá-las mas sobretudo, cia entregava o seu corpo já sem vida à família, Quando se faz um pacto com a vida, a existência
decapitá-las, privá-las da cabeça não fosse ela sem facultar nenhuma explicação. O Jovem Ange, transcende, torna-se eterna e própria morte se faz
ousar pensar. Não bastava dizer que eram criatu- não era líder comunitário, nem tinha nenhum pro- útero onde se gera vidas muitas.
ras ociosas e escravizáveis. Era preciso mutilá-las, jeto de denunciar e expor verdades contra o Esta- Os que foram assassinados, em nós ainda vivem,
decepar suas mãos e pés para provar que nada do, companhias ou multinacionais como se poderia transbordando inesgotável vitalidade.
sabiam fazer, que eram incapazes até para fugir supor. Ainda assim, foi devorado pela máquina as- Porque nós sempre soubemos futurar a vida,
ou empunhar armas em gesto de defesa. sassina do Estado tendo o corpo profanado, cuspi- Os mortos não estão mortos.
Não bastava capturá-las e deportá-las, era preciso do como se de restos de comida se tratasse.
marcar seus corpos a ferro em brasa, pendurá-las Bem sabemos que a morte muitas vezes não tem o
nos pelourinhos e fazer sangrar sua carne sob chi- cheiro de pólvora e nem sempre se expressa de for- *Estudante na grande universidade da palavra ensinada à
batas e todo o tipo de flagelações. ma bruta imediata. Sejam em grandes contentores, sombra dos Baobás.
Yanda PanAfrikanu ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,Página 11

Marcus Garvey
cultura teutônica. A cultura asiática é muito mas isso não os torna inferiores. No que diz
diferente da cultura europeia; e, da mesma forma, o respeito à humanidade, todos os homens são
mundo deve ser liberal o suficiente para permitir iguais e, especialmente, onde os povos são
que a latitude Negra desenvolva uma cultura inteligentes o suficiente para saber o que querem.
Editorial do Negro World própria. Por que o Negro deveria se perder entre as
outras raças e nações do mundo e de si mesmo? A
Neste momento, todos os povos sabem o que
querem – a liberdade. Quando um povo tem bom
17 de julho de 1926 natureza não fez dele um filho da terra? O criador
não o modelou com o pó da terra, com aquele solo
senso suficiente para saber que deve ser livre,
então ele naturalmente se torna igual a todos na
rico ao qual ele tem uma semelhança tão vocação superior do homem para conhecer e se
conduzir a si mesmo. É verdade que econômica e
cientificamente certas raças são mais progressistas
do que outras; mas isso não implica superioridade.
Se o anglo-saxão dizer que é superior porque
explora a pólvora para destruir a vida, ou o teutão
porque misturou gás líquido para superar-se na
arte de matar, e que o Negro é inferior porque está
atrasado nessa direção, é deixar em aberto a
réplica de que “não matarás” é a lei divina que
define o padrão moral do homem real.
Não há superioridade em uma raça que
monopoliza economicamente e possui tudo o que
é preciso para sustentar a vida, e assim causando
infelicidade e angústia a outros; pois nosso maior
propósito deve ser amar e cuidar uns dos outros e
compartilhar uns com os outros as coisas que
nosso pai celestial colocou à nossa disposição
comum; e mesmo nisso o Africano é insuperável,
pois alimenta seu irmão e compartilha com ele o
produto da terra.
A ideia de superiotia racial é questionável; no
entanto, devemos admitir que, segundo os padrões
do homem branco, ele é muito superior a todos
nós, mas esse tipo de superioridade é muito
desumana e perigosa para ser permanentemente
mantida. Tal superioridade foi compartilhada e
cultivada por outras raças antes, e até mesmo pela
Companheiros da raça negra, saudações: maravilhosa – uma semelhança que não muda,
nossa, quando nos gabávamos de uma civilização
embora as eras tenham voado? Não, o Etíope não
maravilhosa nas margens do Nilo, quando outras
Esta semana, desejo falar com vocês sobre o pode mudar de pele; e assim apelamos à
ainda estavam tateando na escuridão; mas por
assunto Liberdade – liberdade do indivíduo, consciência do mundo branco para nos ceder um
causa de nossa injustiça ela falhou, como tal
liberdade da raça. lugar de liberdade nacional entre as criaturas do
falhará. A civilização só pode durar quando
O clamor e o desejo por liberdade são justificáveis materialismo temporal atual.
chegarmos ao ponto em que seremos os guardiões
e santificados em todos os lugares. É sagrado e De nosso distinto idealismo de grupo racial,
dos nossos irmãos. Ou seja, quando sentimos que
divino para o anglo-saxão, para o teutão e para o concluímos que nenhum homem preto é bom o
é justo viver e deixar viver.
latino; para o anglo-americano, ela precede todas suficiente para governar o homem branco, e
Que nenhum homem preto sinta que tem o direito
as religiões; e agora vêm o irlandês, o judeu, o nenhum homem branco é bom o suficiente para
exclusivo sobre o mundo e sobre nenhum outro
egípcio, o hindu e, por último, mas não menos governar o homem preto, e assim a todas as raças e
homem, e que nenhum homem branco se sinta
importante, o Negro, clamando por sua parte e povos. Ninguém sente que o outro, diferente na
assim também. O mundo é propriedade de toda a
também por seu direito de ser livre. raça, é bom o suficiente para governar ou controlar
humanidade, e cada grupo tem direito a uma
Todos os homens devem ser livres – livres para com a exclusão dos direitos raciais nativos.
parte. O Negro agora quer o seu e, em termos
desenvolver sua própria salvação. Livres para Podemos também, portanto, enfrentar a questão
intransigentes, ele o está exigindo.
criar seus próprios destinos. Livres para construir das raças superiores e inferiores.
nacionalmente para o surgimento e Inferior e Superior
desenvolvimento de uma cultura e civilização
próprias. A cultura judaica é diferente da cultura Na civilização do século XX não existem raças Marcus Garvey.
irlandesa. A cultura anglo-saxônica é diferente da inferiores e superiores. Existem povos atrasados, Editorial Negro World, 17 de julho de 1926

Invista no trabalho de pessoas pretas e fortaleça a economia da comunidade africana


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Às e aos que lutam…


Mamadou Ba*

Fanon disse-nos que “cada geração de- ciência coletiva. Esta generosidade mili- relegar ao fundo do poço da pirâmide nem mimetizar as divisões estanques das
ve, numa opacidade relativa, descobrir tante tem de ser uma atitude e uma social, econômica e política. Isso não lutas hegemônicas da branquitude no
sua missão. E cumpri-la ou traí-la”. disponibilidade permanente que se tra- pode continuar mais. É por isso preciso nosso seio.
Ora, perante a situação presente, é ur- duzem nas práticas de solidariedade, na que também as pessoas das nossas co- Até agora, a estratégia continua a ser
gente e necessário fazer algo, sujar as valorização, no apoio e na participação munidades, com maior capacidade de culpar as vítimas dos seus problemas
mãos, sem falsos altruísmos nem inte- nas diferentes formas de luta das nossas influência social e econômica, saiam da com o beneplácito e indiferença da
resses pessoais, sem tacticismos nem gentes, no respeito pelas nossas diferen- sua zona de conforto, esta torre de mar- maioria da sociedade, incluindo pessoas
joguinhos de sombra, sem sede de pro- ças, mas também na capacidade de ex- fim em que se enclausuraram para fugir com influência social, oriundas das pró-
tagonismos nem feiras de vaidade. Fazer trair sínteses das nossas divergências da realidade em que vive a sua gente. prias comunidades. Juntar forças, unir-se
sim, porque é urgente e porque é mesmo que sejam úteis para acumular forças pa- Da academia à cultura (das artes ao do quando e sempre que possível, aprender
muito preciso e vital. Acima de tudo, por ra as lutas de agora e aquelas que estão desporto), da economia à política (movi- a divergir, mas também a convergir no
compromisso político inalienável. O so- por vir. O divisionismo, as manipula- mento social, sindical e político), todas e que é essencial para a luta. Porque de
frimento das nossas gentes e a gravidade ções, as intrigas, o sectarismo, a arro- todos aquelas e aquelas com poder de fato, independentemente da circunstân-
das circunstâncias em que vivem dispen- gância militante, as vaidades e as in- influência têm de assumir as suas res- cia pessoal de cada qual de nós, há um
sam disputas de ego e subterfúgios confessadas ambições pessoais têm ser- ponsabilidades, sob pena de legitimar o denominador comum entre nós, ao qual
egoístas que se escondem nas querelas vido ou podem servir alguns/algumas de discurso da meritocracia que culpa as ninguém da nossa gente escapa. Ne-
fúteis e nas ambições escondidas à custa nós, mas seguramente não servem o po- nossas gentes da sua condição e desres- nhum/a de nós escapa a sua condição
da vida desgraçada de tanta gente. Junta- vo que pretendemos representar e que ponsabilizar o Estado e a sociedade negra num mundo hegemonicamente
mente com o inalienável compromisso, continua, infelizmente, fustigado por maioritária da situação de vulnerabili- branco e racista. Portanto, se queremos
temos de convocar uma real e indispen- uma profundíssima teia de desigualda- dade social e econômica em que nos em- disputar um futuro diferente, não pode-
sável generosidade militante para en- des. purraram. Precisamos de ser “a nossa mos somar mais erros aos erros das ge-
frentar as dificuldades da nossa gente. Sem compreender isso, arriscamos de própria força” e isso só é possível se rações anteriores, sob pena de avolumar
A generosidade militante não é um apelo atirar para um deserto ético, moral e soubermos construir um corpus político os fracassos e as derrotas em vez de for-
a falsos moralismos nem a um cínico talecer o patrimônio de vitórias que têm
político as lutas diárias pela dignidade e que também incorpora a dimensão sub-
ecumenismo de circunstância, pois natu- sustentado a nossa resistência.
pela igualdade das nossas gentes. O es- jetiva da militância. Cuidar da dimensão
ralmente, far-se-á por vez na divergência tado e a sociedade exercem uma violên- subjetiva do compromisso militante, im-
com frontalidade, mas sempre com leal- À luta, todas, todos e todes!
cia simbólica e física quotidiana sobre a plica cuidar das pessoas que lutam. Sig-
dade, mas, sempre que possível, procu- nossa gente. As instituições rotulam-nos nifica não reproduzir as violências e as *Militante antirracista decolonial e dirigente
rando juntar forças, engrossar a cons- e a sociedade estigmatiza-nos para nos micro agressões sistêmicas entre nós, do Movimento SOS Racismo – Portugal.

gton e seus ensinamentos sobre a necessidade de co- ço de vida por todas as famílias terem contribuição
Da urgência de um clã nhecimentos técnicos e ofícios diante das carências com algum empreendimento que preencha necessida-
inicial em comunidade básicas que uma comunidade em estágio inicial de
desenvolvimento precisa, distanciando-se da mentalida-
de da comunidade e absorva receita de fora da co-
munidade para acúmulo dentro da comunidade, bem
Ngojea Kisasi* de anacrônico do “bacharelismo” e da repulsa ao tra- como com a defesa contra o aparecimento de possí-
balho manual. Além dele, temos o grande exemplo de veis traidores. Afinal de contas, esse último elemento
Thomas Sankara, na sua luta contra o imperialismo e é abundante na história africana: a ingenuidade, a re-
Como corrigir séculos de bloqueios ao desenvolvi-
demonstração de que, ao sabermos explorar as matérias ceptividade como fator de derrocada.
mento de um povo, que, em sua maioria, sequer se
primas e dominarmos o conhecimento necessário, com A urgência do surgimento de um clã inicial, em uma
enxerga como povo? E cujo tempo para correção
o trabalho coletivo e cooperativista dos nossos, somos comunidade de aquisição de terreno em conjunto,
passa em mortes diárias, que poderia ser a minha ou a
capazes de fazer tudo, sem precisar de nenhuma maté- como a saída mais eficaz e de resultado a curto prazo,
sua? E quando muitos desses integrantes do povo se-
ria prima nem maquinário de nossos inimigos! erguida com base na disciplina, no esforço de aplica-
guem inconscientes o caminho da matança e opressão
A partir dessa base de compreensão da dominação em ção dos conhecimentos técnicos para o desenvolvi-
recíprocas?
que vivemos, do porquê dela existir e da forma mais mento e provimento de nossas próprias necessidades,
A percepção do cativeiro em que o povo preto se en-
imediata de resolvê-la, me veio a firme convicção da advém da experiência de anos e anos de perda de tem-
contra impõe pressa, urgência na tomada de ações prá-
necessidade de buscar contar com os irmãos e irmãs po e energia vital com a tentativa de uma conscienti-
ticas que freiem os abusos das instituições comanda-
que já se libertaram ao menos minimamente da escravi- zação em massa, a um só ato, do nosso povo, quando
das por nossos inimigos. Essa pressa esbarra, todavia,
dão mental para formarmos um clã, em um espaço ter- essa consciência não tem efeito na maioria das mentes
no entorpecimento mental que a lavagem cerebral
ritorial em conjunto, cujo solo tenha potencial para for- humanas, já que desprovida de um elemento básico: o
branca colocou a coletividade dos africanos em diás-
necer nossas necessidades básicas de alimentação, mo- exemplo prático, tangível.
pora no Brasil. O trabalho voltado às massas, ao des-
radia e construção de nossos empreendimentos e insti- Essa convicção me surgiu através da inspiração de um
pertar coletivo de forma imediata, é de uma dificul-
tuições, em um projeto de base para uma futura expan- exemplo em que Booker T. Washington, quem igual-
dade absurda, pois o óbvio se torna algo invisível
são política de tomada do poder que nós é de direito: o mente inspirou os feitos de Marcus Garvey, citou o
diante dos olhos dos nossos que usam a venda da “de-
poder total sobre o Brasil. caso de uma família preta que construiu uma casa de
mocracia racial” que a miscigenação inventou.
Algo do tipo não é novidade no Brasil, como se perce- primeira classe, de alto padrão. Que sirva de con-
Frente a essa experiência de rejeição, pelas massas,
be, com algumas pequenas diferenças, no bairro da Li- clusão ao artigo, e de reflexão aos irmãos e às irmãs
dos ensinamentos libertários de nos enxergarmos co-
berdade, em São Paulo, e na região sul, com a coloni- que o leem, este trecho do livro “Up From Slavery”,
mo somos: um povo, é premente uma mudança de es-
zação de alemães etc. de Booker T. Washington: “Minha experiência me diz
tratégia, não que abandone o trabalho com as massas,
A diferença essencial reside em que o clã tem o ob- que há algo na natureza humana que sempre faz um
mas que foque em um front de resultado mais reali-
jetivo a curto prazo de nos tirar do sufoco de convívio indivíduo reconhecer o valor do outro. Descobri que é
zável a curto prazo: a união entre pretos que já se
abusivo dentro de comunidades onde quase tudo, desde o visível, o tangível que gera um verdadeiro impacto
emanciparam, ao menos minimamente, da escravidão
negócios a instituições públicas, são controlados por na quebra dos preconceitos. A visão real de uma casa
mental, e enxergam a existência do povo preto na
nossos inimigos; e a longo prazo, o de ser o núcleo de alto padrão construída pelas mãos de uma família
diáspora no Brasil.
inicial para o surgimento de várias outras comunidades, preta é dez vezes mais potente do que páginas e mais
Tal percepção básica da nossa situação enquanto povo
outros clãs, que façam o que todos os povos fizeram até páginas de discussão sobre uma casa que deveria, ou
deve se aliar a um modo de proceder que preencha a
hoje, menos o nosso: lutar pelo poder total. talvez poderia ter sido construída por essa família”.
necessidade de resultados urgentes. E como em todos
Um aspecto elementar na realização dessa necessidade
os demais rumos que temos de trilhar, podemos contar
urgente de formação de um clã inicial em comunidade
com o auxílio dos ancestrais que mostraram resultados *Ngojea Kisasi (Ricardo Ferreira) – Nascido em Recife/PE,
é o adotar de código de disciplina que envolva compro- 29 anos, formado em Direito. Propagador do pan-africanismo
práticos, todavia aprendendo igualmente com suas fa-
metimento de ordem do respeito ao convívio, ao esfor- e do nacionalismo preto.
lhas, como foram os exemplos de Booker T. Washin-
Yanda PanAfrikanu ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,, ,,,,,,,,,,,,,,,Página 13

Tra(u)ma Lógico… Lógico… Para o fundo de porões E liberta a mente dos traumas
Não só de Áfrika, mas também daqueles Com destino a plantações Que causam sensação de dupla
Por Agu* que pilham até hoje sem pagar o que Obrigados a esquecerem quem eram consciência
seria lógico. Passando de seres espirituais a E da dependência da necessidade
Lógico… Lógico… seguidores fiéis de outras religiões Que o outro nos veja como parte da
Usadas como propaganda humanidade
Somos corpos negros O trauma que transforma-nos Para justificar as razões É nessa descoberta
Que não se reconhecem… Em seres que se auto-mutilam como se a Da desumanização de multidões De nos descobrirmos negros/as
Mentes que no silêncio enlouquecem… nossa condição de negros fosse um Marcadas pelo tom de pele Que percebemos quem somos e sobre a
E identidades que se desmembram, problema biológico Com a ajuda de artistas, cientistas nossa história encoberta
Até então… Ilógico… ilógico… Fomentando práticas, pensamentos, Que nos leva à real emancipação mental
Causas estas originadas pela ocultação ideias e ideais racistas Com a mente aberta e alerta
Da nossa história no friso cronológico Mas para a construção do imaginário Tudo para justificar desejos e ambições Questionando tudo
Lógico… Lógico… alienado sobre o negro imperialistas… O que foi-nos dado
Foi necessário fecharem Ota Benga num Sujeitos/as a experimentos vários, Como provado e comprovado
Mencionam a nossa presença zoológico Dissecados e exibidos em exposições e Pela história e ciência
Apenas a partir do tráfico trans- Lógico!… museus, Mantendo-nos num estado alienado
atlântico… Exporem Baartman como aberração em Criou-se até a imagem de um suposto Alimentado pelos traumas diários…
Esse trauma histórico exposições… deus Abre a mente… e vê
Que provocou-nos um enorme Destruírem, ocultarem ou tomarem pra Para uma maior alienação
Dano psicológico si Criado à imagem e semelhança dos ditos
Lógico… Lógico… Os vestígios das nossas civilizações superiores
E suas contribuições Paulo Freire disse que “quando a
Sem termos noção de quem somos Tomando Áfrika e a mente educação não é libertadora o sonho dos
*Agu – pessoa que se vê como uma semente
E do quanto contribuímos para o avanço No mesmo momento que arrastaram oprimidos é serem opressores” africana plantada em solo europeu. Coautor do
tecnológico milhões Só o conhecimento real desperta livro: Djidiu, a herança do ouvido (2017).

MODA UN MININU
Diltino Ferreira*

N durmi na sónbra di tormenta


N korda bunbudu na kosta di disgostu
Sen odja nha kaminhu
Sen sabi pa undi N sa bai
N kai, lapidu na lama
Ku nha txom ta dig dig
Nha kurason ta sapátia
Na frakéza y na dor,
Na sukuru di nha vida
Ki djan dizistiba dja
N ragala odju
N poi odju pa seu
pa luz di JAH
N subi, N diskansa na ragás di speransa
N mama na si petu
N anda, N kori… N bua.

*Diltino Ferreira e cabo-verdiano, Mestre em Linguísti-


ca. Cursando doutorado em Linguística no Brasil (Uni-
versidade Federal do Ceará).

Saudações aos leitores e leitoras do Jornal


YANDA PANAFRIKANU

Excepcionalmente e por motivos de força maior, este


quarto número do YANDA PANAFRIKANU não conta-
rá com a segunda parte da matéria Amílcar Cabral:
apontamentos sobre organização sociocomunitária e se-
gurança.
No próximo número do YANDA PANAFRIKANU (Nº
05) voltaremos com a nossa reflexão sobre Amílcar Ca-
bral, militante excelso da reafricanização de espíritos e
mentalidades.
Harambee!

*Kwesi M. H. Ta Fari – Historiador membro de inicia-tivas


Pan-Africanistas e do Movimento Rastafari.
Página 14 ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,30 de novembro de 2020 ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, Yanda PanAfrikanu

A Coleção Pensamento Preto: Epistemologias tê-lo como contribuição desta coleção, pois, o
do Renascimento Africano chega ao seu IV volu- conceito de renascimento africano proposto por
me, cumprindo com rigor e seriedade duas de Diop dá nome a este projeto editorial e de for-
suas propostas iniciais: apresentar uma diversida- mação intelectual e política.
de de biografias, pensamentos, contextos históri- Sem dúvida alguma, os autores e os pensamentos
cos e epistemologias africanas; e oferecer teorias que compõem estes quatro volumes conseguem
e bases políticas alinhadas ao projeto pan-africa- formar qualquer pessoa preta para lidar com a
nista de renascimento africano. selvageria da supremacia branca, não apenas em
Este volume tem a alegria de trazer em primeira aspectos de teoria, mas de fortalecimento físico,
mão no Brasil o famoso e seminal artigo de psíquico, espiritual e organizacional.
Cheikh Anta Diop, Quando podemos falar de um Passar por estes quatro volumes, principalmente
renascimento africano?, escrito e publicado em pela densidade de sua proposta, e compreender a
1948, no qual o autor apresenta as bases do seu mensagem, equivale, para não dizer que supera,
pensamento político, filosófico e revolucionário, o que é oferecido pelos cursos acadêmicos de
aprofundado nos 40 anos seguintes. É simbólico universidades brancas e eurocêntricas.

Pensamento Preto Vol. IV (2020) Pensamento Preto Vol. I (2018) Pensamento Preto Vol. II (2018) Pensamento Preto Vol. III (2019)

Invista no trabalho de pessoas pretas e fortaleça a economia da comunidade africana


Para saber mais sobre o projeto editorial e político da Editora Filhos
da África e da União dos Coletivos Pan-Africanistas, conhecer o catá-
logo da editora e formas de adquirir os títulos, entre em contato pelos
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