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Nota dos coordenadores

Ao tomar a iniciativa de coordenar e sistematizar os pensamentos de


Millôr Fernandes neste Livro Vermelho reagimos apenas às solicitações que
nos chegaram de todos os setores da vida brasileira, solicitações essas que
constituem uma demonstração inequívoca da influência das palavras e das
idéias do Autor sobre as mentes e os corações de, no mínimo, duas gerações
de leitores nacionais e estrangeiros.
O trabalho chegou a propor-se impossível dada a grande variedade de
fontes de consulta nem sempre de fácil acesso, tendo-se até de recorrer, por
vezes, a métodos de escuta reconhecidamente reprováveis, mas aqui
plenamente justificados diante da importância da missão a cumprir.
O documento aí está, agora, pronto para ser considerado livro de
cabeceira de políticos, tecnocratas, burocratas, primatas e astronautas,
estudantes, livres-pensadores e sectários de todas as correntes. Tal é a
importância deste documento que – disso estamos certos – muitos irão
compará-lo a Common Sense de Tom Paine, Uncle’s Tom Cabin de Harriet,
Beecher Stowe, Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, Mein
Kampft de Adolf Hitler e Citações do presidente Mao Tsé-tung do próprio,
obras cujo traço comum é o de terem servido para inspirar, persuadir,
excitar e conduzir grandes massas da humanidade.
Para Millôr, entretanto, não há sabedoria, conceito (ou preconceito),
definição ou verdade, por mais popular, estabelecida e definitiva que seja,
que não admita reexame e uma nova interpretação. É por esse prisma que
Millôr consegue descobrir novas perspectivas para verdades consumadas (–
Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és – Mas Cristo andou com
Judas!).
Assim, este documento que revoluciona todo o pensamento ocidental
(e oriental), é de uma atualidade permanente e extraordinária, é uma fonte
na qual todos deverão embeber-se, é uma leitura recomendada para pessoas
inteligentes, conscienciosas, ponderadas e descomplexadas, é um
verdadeiro orgasmo filosófico que fará estremecer o mundo nas suas bases.
Objetivos

O consenso, na maior parte das atividades públicas, é fundamental à base


de estrutura política. Sem qualidade de liderança não há objetivo, mas
sem número de adeptos ponderável não há o que objetivar. A fragmentação
excessiva de uma filosofia básica faz com que muitos movimentos
revolucionários acabem tendo mais profetas do que seguidores.
Obras Completas, V. II, p. 33

N o trançado da história, o que interessa, afinal,é o resultado. O fim


acaba sempre justificando os meios desde que não esteja demasiado
longe – em sacrifícios e tempo – do início. O futuro não vai saber se faltou
massa; o importante é que o padeiro inventou a rosca.
Conversa com Jorge Amado, romancista. 1967

O s que advogam a nudez total de todo mundo em nome de impurezas


representadas pelo hábito de vestir, devem se recordar de que no
princípio dos princípios todo mundo andava nu e alguém começou a
advogar o vestuário como salvação da humanidade.
Diálogo com Baden Powell, violonista. 1967

S obreviver não é apenas um direito, é uma obrigação. Dentro dos mais


estritos limites, sob todas as pressões, até mesmo em face das mais
humilhantes concessões, é fundamental sobreviver. Amanhã é um dia novo,
ninguém sabe o que a história nos reserva, a felicidade pode estar na
esquina, a solução a um passo e, quando você pensa que não pode mais,
ainda pode muito. E é melhor ter mau hálito do que não ter hálito nenhum.
Conversa com Walter Gonçalves, odontologista. 1970

A o ser “descoberta”, uma região é examinada e estudada pelos mais


fortes, que aferem suas possibilidades econômicas e estratégicas. Se as
possibilidades são boas tomam posse da terra, queiram ou não os nativos, e
os mantêm no nível mais baixo possível a fim de que forneçam trabalho e
matérias-primas bem baratos pelos séculos a fora. E até difícil de acreditar
mas, quando foi descoberto, o Brasil era um país brasileiro.
Informação a Adriano e Magui, engenheiro/a eletrônicos. 1997

U ma atitude de contestação não tem, necessariamente, que ser perigosa e


pode até ser rendosa, pois, não hostilizando os poderosos, mantém
viva, para os oprimidos, a imagem de nossa rebeldia. Como orientação
basta ler, diariamente, editoriais dos grandes jornais brasileiros, editoriais
geralmente magníficos. Não dizem absolutamente nada. Mas são contra.
Contato com Antônio Calado, jornalista, teatrólogo, romancista. 1971

N o jogo financeiro, onde está, afinal, mais do que no jogo econômico, a


grande fonte de lucro dos capitalistas, o conhecimento de detalhes
técnicos minuciosos e de uma rapidez e segurança de informação, são
fatores definitivos de sucesso. Mas uma inescrupulosidade hábil e bem
orientada é mais eficiente para auferir lucros do que quaisquer outros
fatores, pois, inclusive, prevê, orienta e participa desses fatores.
Conversa com Maurício Cibulares, ex-assessor do gen. Juarez Távora, às vésperas do crack de
1971

O menino que, no meio da suntuosa festa palaciana, apontou o rei


gritando que ele estava nu, não prestou qualquer benefício à
coletividade, pois sua ação, politicamente sem continuidade, só serviu para
irritar e agitar um meio que passaria melhor sem essa provocação tola,
porque sem cobertura. Na ação social contra o poder constituído os planos
têm que ter amplitude e continuidade visando à cura total dos males do
sistema. O pior cego é o que quer ver.
Conversa com Otto Lara Rezende, jornalista, escritor, causeur. 1967

D iz-se que o macarrão era apenas um canudinho de massa que os


chineses usavam para tomar bebidas. Marco Polo não entendeu o uso,
ensinou seus compatriotas a cozinhar e comer o macarrão e transformou-o
em sucesso culinário definitivo. O importante não é a coisa: é o uso que se
faz dela.
Papo com Marilia Kranz, pintora.

O homem atingirá a sabedoria total no dia em que for completamente


marxista – 40% de Groucho, 30% de Chico, 20% de Harpo e 10% de
Karl.
Conversa com Ivan Lessa, jornalista, escritor. 1971

O s problemas devem ser aprofundados e levados sempre um passo


adiante do ponto em que o deixou a geração anterior. Na fábula da
raposa e das uvas você não deve aceitar o final de Esopo, admitindo a
frustração da raposa. É fundamental verificar se as uvas realmente não
estavam verdes.
Conversa com Paula Fernandes, filha. 1972

N a contestação cívica como em qualquer desobediência civil não há


caminhos pré-fabricados nem orientação definitiva. A ação é
ocasional, o risco total. E só a análise constante dos acontecimentos e um
aprimoramento dialético podem fazer triunfar nossas idéias. A linha reta só
é o caminho mais curto entre dois pontos – uma iluminação social e sua
concretização – quando o poder está distraído.
Conversa com Max Nunes, médico, humorista. 1959

T emos que ser realistas e humanos com relação à situação presidiária do


país. Realistas para declarar que possuímos um dos piores sistemas
penitenciários do mundo. Humanos para tentar melhorá-lo A reforma do
nosso sistema carcerário teria efeitos revolucionários. Acredito mesmo que
o péssimo estado de muitas de nossas prisões é o que as impede de serem
ocupadas por algumas pessoas de nossa melhor sociedade.
Conversa com Didu de Souza Campos (homem do society que, com Tereza de Souza Campos,
formou o casal 20). 1959

A questão de não deixar para amanhã é fundamental. Se você escrever


uma página por dia terminará seu livro em um ano. Se escrever uma
linha por dia talvez termine seu livro em trinta anos. Se você não escrever
nem uma palavra por dia seu trabalho jamais será concluído. Examine bem
seus objetivos. Você já passa da metade da existência e ainda está em
Pirapora.
Carta a um escritor. 1956

E preciso lutarmos até por leis menores, como, por exemplo, uma que
permita às pessoas mudarem seus nomes aos 18 ou aos 21 anos. Às
vezes as pessoas têm que carregar, a vida inteira, um nome idiota dado por
um pai idiota, apenas porque a lei idiota não lhe permite o direito de
escolha. Outras vezes a pessoa, por ser idiota, acha seu nome
admiravelmente brasileiro (João, por exemplo) ridículo e prefere um nome
brasileiramente ridículo (Washington, por exemplo). Tem de tudo. Eu, que
sempre me antecipei às leis, mudei meu nome de Milton para Millôr aos 18
anos. E estou pensando em mudá-lo novamente para Bulbo Raquidiano.
Conversa com Esterônio Valvular de Andrade, chefe dos contínuos da CPI. 1965

N ão respeito nenhum movimento feminino brasileiro que não cuide, em


primeiro lugar, das desgraçadas empregadas domésticas, ainda hoje
tratadas como caso de polícia. Mas acho natural que dêem a elas um quarto
sem banheiro. Pois, como sabe qualquer sociólogo brasileiro, no Brasil só
as granfinas têm xoxota.
Conversa com Herberto Salles, romancista. Imortal. 1960

A lém das conhecidas ordens jônica, dórica e coríntia, as outras


maravilhas da arquitetura grega também só foram possíveis devido a
Ordens Superiores, oriundas de Quem de Direito, no Século de Ouro, tempo
em que havia, na Grécia, um governo sabiamente forte. Essas ordens
motivaram a construção imediata de monumentos eternos para atraírem
turistas dentro de, no máximo, 2.000 anos. Houve alguns protestos quanto à
deformação da paisagem e, também, quanto à má distribuição do PNG
(produto nacional grego) assim desviado para ampliação da Glória Pátria,
enquanto o povo era obrigado a uma poupança obrigatória nas suas 2.840
dracmas mensais.
Documento secreto, arquitetura. 1973

S ou apenas um jornalista que trabalha para ganhar a vida. Sou melhor do


que a maioria, o que não é difícil, e inferior a muitos, muitos mesmo.
Não há dentro de mim nenhum sentimento de superioridade quanto aos
primeiros, nem de competição quanto aos outros. Minha vida não passa pela
competição. Sou um dos inventores do frescobol – o único esporte com
espírito esportivo. Até hoje ninguém inventou nesse jogo aposta ou
ganhadores. Em volta de mim, amados amigos, também ninguém ganha ou
perde. Vive.
Declaração a Chico-Fim-de-Noite, compositor da Bossa Nova. Num fim de noite em
Copacabana. 1989
Educacao e deseducacao

A mais importante de todas as educações, aquela em que o Estado deve


investir toda a sua economia e toda a competência disponível, se
chama cuidados pré-natais. Se, como se sabe hoje, a formação da
personalidade é gradativa (e geometricamente menos importante) à
proporção que a idade avança, e que, psiquicamente, quase tudo se forma
até os três anos de idade, então os nove meses pré-natais passam a ser
definitivos na vida humana. Em verdade, uma pessoa não só nasce
inteligente mas também nasce culta. Dependendo da emulsão com que for
trazida ao mundo, com quaisquer dados que lhe sejam oferecidos depois, a
criatura fará um produto final extraordinário. Por isso mesmo é que a
filosofia do Women’s Lib, segundo a qual tudo é condicionamento, e o ser
humano um corpo vazio, que o Estado (ou o meio social, o que vem a dar
no mesmo) pode encher com o que bem entender, me parece a idéia mais
perfeitamente totalitária (“fascista”) de que tenho notícia. Falei e disse.
Discussão no berçário Acalanto. 1973

A Academia Brasileira de Letras, com aqueles velhinhos metidos em mil


gramatiquices, é um lugar em que se acredita que as pessoas têm
gênero, mas não têm sexo.
Conversa com Austregésilo de Athayde, escritor. Imortal. 1973

A s crianças, saudavelmente rebeldes, são também bém saudavelmente


egoístas e sádicas. As pessoas que vivem falando da inocência das
crianças, ou têm muito má memória ou, mais provável, já nasceram adultas.
Reflexão com Paulo Carvalho, odontologista. 1992

O s mapas das Geografias, por medidas também econômicas, não devem


ter cores, pois ninguém ignora, hoje, que as cores dos mapas são
artificiosas e inúteis. Quando uma criança cresce pode ter a decepção que
tive a primeira vez que cheguei a Buenos Aires e descobri que a Argentina
não era cor-de-laranja.
Jantando com José Canosa Miguez, arquiteto. 1998

C omo é que se pode confiar na cultura ocidental se, autoritária na sua


imposição de dogmas místicos e, paradoxalmente, também
racionalistas, com nossas escolas teimando em aferir cultura e
conhecimento por meio de pontos, ainda assim continuamos a chamar o 9º,
o 10º, o 11º e o 12º meses do ano de SETembro, OUTubro, NOVembro e
DEZembro?
Diálogo com João Bethencourt, escritor, dramaturgo. 1967

P ara que só sejam editados livros úteis e os editores não sofram pressões
indevidas, de vaidades menores, os direitos autorais serão pagos pelo
autor ao editor, na proporção das vendas ou não-vendas. O dinheiro assim
apurado deverá ser entregue a uma instituição de deseducação, encarregada
de tirar da cabeça de pessoas, formadas em várias especialidades, as noções
erradas de tudo que aprenderam.
Acerto com Zuenir Ventura, jornalista, agitador social. 1979

O lhar sempre de vários ângulos para a percepção mais exata possível do


acontecimento, na certeza de que tudo é relativo, o que, é óbvio,
elimina, inclusive, a relatividade absoluta. Um sábio chinês, só escrevendo
com caracteres chineses, será sempre analfabeto.
Relatividade e Einstein. Conversa com o dr. Silva Melo, médico. Imortal. 1972

A creditar num determinado tipo de cultura como único e definitivo e,


sobretudo, impô-lo a outros grupos humanos, é a pretensão que leva às
piores tiranias. Considerar outros agrupamentos sociais inferiores apenas
porque não usam nossos dados culturais tem permitido os piores crimes, até
genocídios. Nossa civilização, fundada na transmissão da experiência
através de símbolos escritos, não é superior a inúmeras outras cuja cultura
se transmite apenas de maneira oral. Convém não esquecer que quem
inventou o alfabeto foi um analfabeto.
Modos de expressão. Conversa com Antônio Houaiss. 1972

J ornalistas, médicos, sociólogos, educadores e, sobretudo, políticos,


falando noite e dia no amparo ao homem comum. Enquanto isso a nação
perde um potencial inestimável, pelo qual ninguém parece se interessar – o
homem extraordinário.
Material humano e mão-de-obra. Conversa com Enrico Bianco, pintor. 1956

O Estado só deveria dar ao indivíduo, como educação, o aprendizado da


leitura. Daí em diante o cidadão seria, do ponto de vista oficial,
completamente deseducado, o Estado criando apenas vastíssimas
bibliotecas e centros de informações, onde o cidadão pudesse encontrar
todas (mas todas mesmo) tendências culturais existentes. Ao chegar à
puberdade (14, 15, 16, 17 anos ou quando ele próprio decidisse) o cidadão
freqüentaria centros de aprendizado técnico, onde lidaria com máquinas e
instrumentos necessários a uma educação técnica, não-abstrata. Os cidadãos
interessados apenas em atividades abstratas – escrever, pintar, psicanalizar
ou politicar – freqüentariam, se quisessem, locais de discussão – ágoras
modernas – mas continuariam, no sentido atual, totalmente autodidatas. O
sistema educacional vigente é apenas uma maneira de levar a ignorância às
suas extremas conseqüências.
Conversa com João Uchoa Cavalcanti Netto, juiz, professor, artista plástico. 1970

S e não se (des)educa de base, as sociedades não mudam e as relações


humanas ficam estagnadas. Uma sociedade realmente revolucionária
tem que criar um homem novo, pois o ser humano atualmente gerado e
educado é um animal inviável.
Genética controlada? Conversa com José Lewgoy. 1958

C ada um tem sua função e todos precisam cumpri-la. Mas a inaptidão


ocasional não tira os direitos do cidadão como também não lhe dá mais
direitos em relação a seu semelhante o fato de ter capacidade extraordinária.
Se a natureza é aristocrática, a busca social deve ser a igualdade. Citando
Lincoln (e muitos outros): “A cada um de acordo com a sua necessidade, de
cada um de acordo com a sua capacidade”. Que cada um exija o que lhe
cabe, se exerça no seu melhor e que ninguém acredite que ficar imaginando
que trabalha é um trabalho de imaginação.
Contraste entre direitos e deveres. Monografia discutida com Paulo Francis, jornalista,
escritor. 1959

P ensar é a todo momento e a todo custo. Pensar  dói, cansa e só traz


aborrecimentos. Melhor é não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se
o cérebro, a mínima parte dele que seja, deixa de estar alerta por um
momento, penetram lá, como parasitas difíceis de erradicar, “idéias” vindas
da imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda geral, dos produtos em
série, do consumo degenerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência,
política, sociologia. Essa massa de desinformação, não só inútil como
nociva, nos é, aliás, imposta de maneira criminosa nos primeiros anos de
nossa vida. E se, algum dia, chegamos a pensar no verdadeiro sentido do
termo, todo o restante esforço da existência é para nos livrarmos de uma
lamentável herança cultural. Pois, infelizmente, o cérebro humano é um dos
poucos órgãos do corpo que não têm uma válvula excretora. E as fezes
culturais ficam lá, nos envenenando pelo resto da vida, transformando o
mais complexo e mais nobre órgão do corpo numa imensa fossa, imunda e
fedorenta. Um lamentável erro da Criação.
Conversa com Otávio Morais, arquiteto e craque do Botafogo. 1967

Q uando um grupo de pessoas pernósticas e incompetentes, chamadas


professores, ensina a um indivíduo sem gosto e vocação, uma série de
noções tolas ou, no máximo, discutíveis, consegue formar, no fim de uma
dezena de anos, essa coisa ao mesmo tempo ridícula e monstruosa que se
chama um homem culto.
Conversa com Armando Nogueira, jornalista. 1968

T entar “formar” o caráter de uma criança é a única violência que não


tem perdão e merece a pena de morte.
Conversa com Seixas Dória, político sergipano. 1970

O erudito é um mal social dos mais lamentáveis e só um idiota como ele


se confundiria com cultura. Já está sendo substituído, nos países
desenvolvidos, por centrais cibernéticas de dados. Você necessita uma
informação, liga um botão, recebe a informação em dez segundos. Isso
libera o cérebro para sua única função digna – pensar –, não se necessitando
sobrecarregá-lo com uma cloaca de erudição.
Diálogo com Renata Deschamps, uma bela mulher. 1971

U m idiota lê um livro pelo seu título e pelos seus autores, nunca pelas


suas idéias. Olha os quadros pelo seu valor econômico e não pela
possível beleza e importância social que eles contêm. Estima a ciência pelo
que ela tem de reacionário e prepotente. Daí a ser considerado um homem
de grande cultura é um passo.
Conversa com Noel Nutels, médico, indianista. 1970
A frase mens sana in corpore sano é uma redundância e, como tal, inútil.
Não há corpo são sem mente sã, e vice-versa.
Diálogo com Leo Gilson Ribeiro, escritor, crítico literário. 1972

E studando a Ilíada, concluímos que a famosa guerra contra o


imperialismo dos “gregos” decadentes teria tido um resultado bem
diferente se Enéias fosse mais duro com os subversivos de então. Sabe-se
que, a essa altura, Tróia estava já dividida em Tróia do Norte e Tróia do Sul
(esta recebendo forte auxílio dos persas em forma de arcabuzes, bestas,
arcos de setas múltiplas e aríetes de longo alcance, sem falar de infantes
adestrados). Enquanto isso, a Tróia do Norte era completamente dominada
pelos Tróia-Congs, que desciam e atacavam pela trilha de A-Gha-Menon.
Foram os Tróia-Congs que permitiram e facilitaram a entrada, em Tróia, do
famoso elefante (está provado que um cavalo, mesmo agigantado, daria
apenas para meia divisão e o número de homens que penetrou na cidade
compunha uma divisão inteira) que liquidou com a cidadela de Príamo.
Recomendamos o intenso estudo crítico dessa história.
Conversa com Tônia Carrero, atriz. 1957

A s louças e objetos domésticos da antiga Grécia são peças maravilhosas


provando que o convívio social naquela época era intensíssimo: o
Banquete, de Platão, não necessita mais ser descrito. Embora a propaganda
inimiga, sobretudo romana, tenha tentado denegrir a imagem grega,
insinuando que nos banquetes compareciam até mulheres, parece que
realmente ali só era permitida a entrada de renomados sábios e belos efebos.
E mesmo se admitindo que nesses banquetes se comia de tudo e de todos, o
fato é que isso resultou, historicamente, no brilho maior de potes e poterias
– todas as louças ainda hoje existentes são gravadas com motivos
familiares. Isto é, familiares aos que freqüentavam as bacanais.
Bacanais e saturnais. Almoçando com Jaime Lerner, arquiteto, político. 1967

O s homens são sábios, não pelo que lhes ensinam, mas por sua
capacidade de negar o que lhes ensinam.
Conversa com Baptista-Bastos, jornalista e romancista português. 1973

O alfabeto foi inventado única, exclusiva e solidariamente, pelo Gênio


Grego, há mais de 2.000 anos, seguindo uma recomendação do Corpo
Especial de Pressão Psicológica daquela época gloriosa. O objetivo da
invenção era fundamentalmente político: a unificação, através da escrita,
das ilhas da Hélade. Como antes as representações gráficas eram todas
ideogramáticas ou simbólicas, com figuras ou cuneiformes (representativas
do objeto descrito; não se procurava ainda representar o som) isso trazia
sérias complicações, equívocos e atritos hierárquicos e até mesmo a
corrupção dos que melhor sabiam se exprimir com a complicada semântica.
Mas o objetivo da nova escrita ultrapassava os limites da unificação pura e
simples. Compreende-se a impossibilidade de alguém se ofender seriamente
sendo chamado de a-ideogramático ou de seu cuneiforme. O novo sistema
de símbolos permitiu que, pela primeira vez na história, se pudesse gritar
para o inimigo esta suprema ofensa: “An-al-fa-be-to!”
Documento secreto: A Grécia. 1972

S empre que surgem novidades tecnológicas, o nível cultural baixa, há


repetição de coisas passadas como se fossem invenções extraordinárias,
lixo cultural como se fosse criações supremas da inteligência. A Internet é a
mais nova e mais universal demonstração desse paradoxo. Noventa por
cento lixo.
E-mail enviado a Antônio Skármeta, autor d’O carteiro e o poeta. 1999
Religiao e misticismo

D eus protege os fracos e desamparados, mas um bom sindicato ajuda.


Diálogo com dom Marcos Barbosa. S.O.B. 1966

D e repente a Igreja Católica, depois do II Con-

gresso Ecumênico, começou a se aggiornar, traduzindo a liturgia do


latim para as línguas nacionais, permitindo às freiras novas indumentárias, a
todos os prelados uma participação mais aberta na vida social e mundana de
suas comunidades. E acabou por admitir o fim do celibato dos padres, num
gesto de grande sabedoria. Afinal de contas, foi por não se reproduzirem
que os santos desapareceram.
Lição transmitida a dom Hélder Câmara. 1952

A vida é breve e da morte ninguém sabe nada.

Mas basta ler um pouco de história para verificar que tem muita gente
importante que já estava morta há mais de 10.000 anos. Então, uma coisa é
certa: a morte pode não ser definitiva, mas é por muito tempo.
Conversa com José Aparecido de Oliveira, político mineiro. 1969

D o que li, meditei e aprendi em Gensaku, muita

coisa foi transformada com o passar do tempo de minha própria vida, e


os ventos terrais de minha existência ocidental. Assim, do que Gensaku me
ensinou e do que experimentei, posso transmitir estes itens que continuam
ratificados pela sabedoria dos séculos:
1. Jamais lavar os cabelos depois do meio-dia.
2. Nunca apontar para um arco-íris.
3. Nunca tomar banho com o estômago vazio.
4. Não molhar os pés quando os dois ponteiros do relógio estiverem juntos.
5. Não dormir nu, banhado pela luz da lua.
6. Não contar seu dinheiro no Sábado de Aleluia.
7. No inverno, não falar sem que nos dirijam a palavra.
8. Não se deitar de costas quando houver chuva com raios ou trovões.
9. Jamais falar quando estiver andando. Quando tiver alguma coisa
importante a dizer, parar, e só então dizer.
10. Tomar um banho bem no início do dia 9 de abril, todos os anos. Um
banho no dia 7 de agosto torna a pele áspera e seca.
11. Não comer nada em dia de eclipse lunar ou solar, total ou parcial.
12. No verão, dormir com a cabeça voltada para o Leste. No outono e no
inverno virar a cabeça para o Oeste. Jamais, em nenhuma circunstância,
dormir com a cabeça voltada para o Norte.
13. Só tirar os fios brancos do cabelo ou da barba em dias determinados.
Esses cabelos devem ser guardados para serem queimados sigilosamente no
Dia do Tigre (de doze em doze anos).
14. Jamais cantar na cama, por melhor que seja a mulher.
Papo com Técio Lins e Silva, causídico. 1970

A s idealizações das orações sacras, feitas de

palavras vazias, servem, contudo, para aplacar a grita dos descontentes


e manter a horda de olho apenas num futuro mítico. De menino sempre
achei muito curiosa a insistência com que sempre se pede, ao Todo-
Poderoso, o pão nosso de cada dia. Em algum momento da história sagrada
se diz que o Todo-Poderoso era padeiro? O meu eu quero em dinheiro.
Conversa com Paulo Vieira Rônai, Paulinho. 1991

A maior vantagem da comida macrobiótica é

que, por mais que você coma, por mais que você encha o estômago,
está sempre perfeitamente subalimentado.
Higiene. Conversa com o dr. Rodolfo Ferreira, clínico “geral”, como se chamavam
antigamente os médicos humanistas. 1973

S e tudo isso que está aí é realmente obra de

um Deus Todo-Poderoso, que patife!


Conversa com Mino Carta, jornalista, pintor. 1969

E necessário rever toda a história e tentar uma

reavaliação dos seus heróis, mesmo os mais santos e místicos. Uma


coisa para mim é certa: Cristo só expulsou os vendilhões do templo porque
eles não tinham licença e estavam prejudicando o comércio estabelecido.
Eram camelôs.
Conversa com dom Jeremias Barbosa. 1967
O ração e oral têm a mesma origem semântica.

Daí nasceu a expressão sacro libidinosa “Ajoelhou, tem que rezar”.


Letra, acompanhamento de canto para o tenor Eduardo Alvarez. 1985

E preciso não esquecer que o mandamento que

proíbe: “não cobiçarás a mulher do próximo”, está, automaticamente,


autorizando a cobiça de todas as outras.
Conversa em Paris com Carlos Freire, fotógrafo. 1994
Comunicacao e meios

A pesar do quadro negro de uma cúpula política e intelectual desvairada


e grossa e de um povo abandonado a seu próprio destino, ainda havia
ali, no país, naquele espantoso verão de 1955, uma considerável energia
vital, uma exaltada alegria de viver, acentuada, em alguns lugares e num ou
noutro indivíduo, ainda mais possuído do gozo pleno de um extraordinário
senso lúdico tropical. Estávamos, poderíamos nos considerar como estando,
num dos últimos redutos do ser humano. Depois disso viria o fim, não,
como todos pensavam, com um estrondo, mas com um soluço. A densa
nuvem desceria, não, como tantos pensavam, feita de moléculas radioativas,
mas da grosseria de todos os dias, acumulada, aumentada, transmitida,
potenciada. O homem se amesquinharia, vítima da mesquinharia do seu
semelhante, cada dia menos atento a um gesto de gentileza, a um ato de
beleza, a um olhar de amor desinteressado, a uma palavra dita com uma
precisa propriedade. E tudo começou a ficar densamente escuro, porque
tudo era terrivelmente patrocinado por enlatadores de banha, fabricantes de
chouriço e vendedores de desodorante, de modo que toda a pretensa graça
da vida se dirigia apenas à barriga dos gordos, à tripa dos porcos, ou, no
máximo de finura e elegância, às axilas das damas.
Prefácio para Um elefante no caos, peça do autor. 1962

T odo tempo de opressão é tempo de grandes sutilezas. Hoje você pode


dizer sem medo que “Nero tocava violino enquanto Roma pegava
fogo.” Mas, na época do fato, se noticiava apenas que: “Personalidade
romana colocada na mais alta cúpula, já famosa por ter, anteriormente,
encurtado os dias de sua progenitora, foi vista praticando uma sonata ao
violino enquanto a capital do seu país ardia numa conflagração sem igual”.
Há muito que aprender com a história em matéria de calar a boca.
Conversa com Tarik de Souza, poeta, crítico musical. 1971

A ssim que os tipos móveis se provaram como uma revolução na arte de


imprimir, imediatamente os meios de produção se apoderaram deles e
os colocaram a seu serviço. Isto é, a imprensa, logo ao nascer, não foi um
meio de ampliação da cultura mas apenas um modo de filtrar para maior
número de indivíduos o tipo de informação que interessava à classe
dominante. Passou não apenas a ser uma forma de divulgar mentiras como,
também, de ocultar toda verdade que não interessasse aos poderosos.
Gutemberg, em verdade, não inventou a imprensa. Inventou a imprensa
marrom.
O papel da divulgação a serviço do povo. 1954

O último refúgio do oprimido é a ironia e nenhum tirano, por mais


violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia.
Não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade.
Conversa com Borjalo, desenhista, homem de televisão. 1973

P raticamente todas as teorizações filosófico-políticas já tinham sido


feitas há dois mil anos, na Grécia. Os grandes meios de comunicação
foram inventados quando ninguém tinha mais nada a dizer.
Conversa com Ênio Silveira, jornalista, editor. 1973

S ó depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão,


todos os meios de comunicação a longa distância, foi que se descobriu
que o problema de comunicação mais sério era o de perto.
Conversa com Adolpho Bloch, editor, o homem que levou a lacuna com ele. 1958

H á, segundo divulgações da mídia, uma absoluta falta de comunicação


entre os homens e mulheres. Dizem isso enquanto dão notícias,
também assustadoras, a respeito da explosão demográfica em todo o
mundo.
Encontro com o dr. Paulo Albuquerque, endocrinologista. 1970

A ntigamente, o único sistema de Comunicação Central era o de


aquecimento ou refrigeração. O desenvolvimento tecnológico tornou
possível a estupidez central e a incompetência central.
Conversa com Moacir Werneck de Castro, jornalista, escritor, tradutor. 1972

S e a pressa é inimiga da perfeição, então quanto mais devagar se faz um


trabalho mais perfeito ele é. Dai se concluiria que um semanário deve
ser melhor do que um diário e um mensário melhor do que um semanário,
sem falar de anuários. O que talvez explique a atração popular pelos
slogans que apregoam: “O crime do ano”, “O julgamento do século”, “O
maior filme de todos os tempos”.
Conversa com João Batista Castejon Branco, jornalista. 1971

U ma inverdade, apanhada na hora, é uma mentira deslavada. Um ano


depois, porém, pode ser apenas uma outra faceta da verdade. Se
resistir, dentro de dez anos será um dos raptos de imaginação da pessoa que
a pronunciou. Um século depois já ninguém se lembrará quem a disse e ela
será parte e fundamento do folclore. Com o passar dos tempos, mais e mais
anos sedimentarão a mentira e ela será transformada em fantasia, em canto,
em criação geral, em história cíclica, em ode, em épico, em conceito geral
de eternidade filosófica.
Discurso só para Cristina de Lucca, jornalista, televisionista. 1972

O s sujeitos que escrevem cartas anônimas não se preocupam com a


redação das cartas pelo fato mesmo de pretenderem que elas
permaneçam no anonimato. O resultado é que, descobertos, não são
considerados somente canalhas mas também ignorantes.
A prática. Obras completas. 1970

P or algum mistério indecifrável o fato de “ter voltado” parece renovar a


pessoa, lhe dá um prestígio fresco. E lhe traz a agradável sensação de
ser especialmente bem recebido nos lugares a que chega, isto é, a que volta.
Por isso quase todo mundo sente necessidade de mentir a respeito da data
em que “voltou”, respondendo sempre que acaba de chegar, quando, na
verdade, já voltou há mais de um mês.
Conversa com Ivan Fernandes, artista plástico, empresário gráfico, filho do autor. 1961

S e fôssemos franceses e alguém nos perguntasse quem escreveu a música


de Sabiá, poderíamos responder com muito espírito: “C’est le ton que
fait la chanson”. E, entusiasmados, poderíamos continuar: “Loin des yeux,
loin du couer”, “Loups ne se mangent pas entre eux”, “Mieux vaut tard
que jamais”, o que nos faria passar por absolutos idiotas.
Conversa com Frederico Chateaubriand, extraordinário jornalista. 1973

O que levou todo mundo a confundir Genaro Hermano com Gênero


Humano complicou-se ainda mais com os meios de comunicação. A
mídia, em mãos impróprias, colocou o cidadão comum na angústia
definitiva de não conseguir decidir se um açougueiro branco que vende
carne verde a um freguês preto é pior ou melhor do que um russo branco
que vende caviar vermelho no mercado negro.
A poluição semântica, conversa com Ricardo Cravo Albin, jornalista, musicólogo, agitador
social. 1968

C ertas coisas públicas não se podem tornar particulares.


Tese e prática de infiltração. 1966

A campanha do “Sorria Sempre” revela um conformismo total e é


indigna do humorista. Quem sorri sempre ou é um idiota total ou tem a
dentadura mal ajustada.
Conversa com Jorge Arthur Graça Sirika, odontologista e um dos inventores do frescobol.
1973

H iroshima e Nagasaki. Dois holocaustos, exatamente idênticos, no


mesmo país, na mesma época, praticados nas mesmas odiosas
circunstâncias. No entanto, Nagasaki não tem metade do charme
publicitário de Hiroshima, que é a primeira palavra de revolta que nos vem
quando nos lembramos da tragédia atômica. A sonoridade de um nome,
possibilitando ser cantado em verso e filme por escritores e poetas, deu a
Hiroshima o status de um símbolo. É uma questão para os assim ditos
técnicos em comunicação: se Cristo fosse enforcado, a forca teria a mesma
força simbólica da cruz?
O absoluto e o relativo. Obras incompletas. 1970

O terror do século é a apropriação dos termos por uma mídia que não


sabe, ela própria, o que está dizendo. Uma semântica desvairada
aterroriza o homem comum que, ao ler o jornal diariamente, encontra ali
palavras que não existiam ontem e vão se tornar moda, ou serão esquecidas,
amanhã. Essas palavras, se tomadas em seu significado exato e preciso, não
têm sentido no uso diário. Se tomadas no significado que adquiriram
quando popularizadas, passam a ser aterrorizantes, acenando para o homem
comum com um mundo que ele não compreende e muito menos quer. Daí o
pânico geral. Daí vivermos no mundo ideal para os psicanalistas.
Conversa com Luís Alberto Bahia, jornalista. 1971

U nico meio de comunicação do ser humano (a matemática é


especializada, a música é emocional, a imagem é incompleta, a
expressão corporal é apenas auxiliar), a palavra se torna, ao fim e ao cabo,
um elemento reacionário. Se nova, serve apenas de comunicação elitista e,
quando muito usada, se desgasta e confunde.
Conversa com Aurélio Buarque de Holanda, etimologista, escritor. 1960

N unca conheci ninguém que falasse duas línguas. Cada palavra, nuança
ou ritmia que se aprende numa língua, se perde na outra. Além disso
“falar bem uma língua estrangeira é demonstração de absoluta falta de
caráter”, no mais amplo sentido da palavra. Como dizia Shaw: “Nenhum
homem realmente capaz em sua própria língua se interessa em dominar
outra”.
Conversa com Maurício Roberto, arquiteto. 1973

U ma folha de papel, acrescida de algumas notas de discurso a ser


proferido, ganha em magnitude mas não em peso.
Conversa com Marco Nanini, ator. 1978

A alienação, que se refere, indiferentemente, à mulher tomada como


objeto de exploração, aos meios de comunicação sem sentido ou
objetivo, à “idiotice da vida do campo”, à cultura como elemento de
exploração classista, virou palavra de ataque, perdeu o sentido e alienou-se.
Conversa com Baden Powell, violonista. 1965

S e cada país tem que ter a sua imagem nacional, a efígie brasileira
deveria ser a do jogador de porrinha, posto em todas as praças vestindo
a camisa do Flamengo, o braço estendido, a mão fechada. Uma figura mais
estranha do que a Esfinge porque, feita de mármore do Paraná, jamais
abriria a mão. Ninguém jamais saberia quantos pauzinhos teria o herói
nacional.
Sugestão para João Ubaldo Ribeiro, jornalista, romancista. 1962

Q uando o clima vitoriano se instala num país e a censura vê crimes e


insolências em todas as manifestações, até a palavra pudibunda passa
a ser meio pornográfica.
Conversa com Paulo Pontes, teatrólogo. 1973

A língua (o povo) tem suas próprias razões, que ninguém jamais poderá
pesquisar. Quase todas as palavras em Português terminadas em eca
tendem ao ridículo: beca, breca, burreca, camoeca, careca, caneca, cueca,
jaleca, marreca, meleca, muleca, munheca, panqueca, peteca, rebeca,
sapeca. Vá lá alguém explicar. E tem gente que explica.
Papo com B. Piropo, jornalista, engenheiro, técnico e teórico de informática. 1956

F undamental: sem o alfabeto teria sido impossível a alfabetização.


Existiria, no máximo, a ideogramatização e cuneiformização. Uma
coisa óbvia, mas que escapa a todo mundo é que Capadócio, inventor do
alfabeto aos 45 anos de idade, era, claro, um analfabeto. Entre todos os
gregos era o único que não podia ocultar isso.
Conversa com Inês Ozela, argentina, proprietária da loja Mujer, no centro da Piazza dela
Signoria, Florença. 1973

A palavra foi sempre usada como mágica. Começou no começo, com o


Fiat Lux!. Passou pelos mandamentos do Sinai, fez o poder dos
sacerdotes do Egito, atravessou os séculos na semântica de todas as
religiões, igrejas, maçonarias, mãos negras. Como código secreto controlou
parte substancial da política da segunda guerra mundial, foi, e é, alicerce e
mistério do poder judiciário. E domina o mundo de nossos dias com a
informática, cada vez mais desnecessariamente complexa, erigindo e
exaltando novos pajés, que enganam os trouxas e obriga-os a consumir tudo
quanto é amuleto – up-grade – vendido nas catedrais da Sancta
Theknológias.
Advertência a Rosental Calmon Alves, jornalista, repórter político, professor & knight chair
in journalism, Universidade do Texas. 1987
Metodos de ação. Trabalho

M enos do que um meio de vida, uma atividade de interesse público, a


prática política é um alucinógeno.
Conversa com Carlos Castelo Branco, comentarista político. 1972

A atenção nos métodos, o cuidado com as ações, a cura dos detalhes, a


delicadeza com os amigos, o efeito das palavras. O mal das encrencas é
que elas começam muito direitinho.
Conversa com Fernando Gasparian, editor, deputado. 1972

O radicalismo é quase sempre inútil e são sempre louváveis as virtudes da


contenção, a ciência do meio. Mas não há excessos no sexo, pois ele é
auto-regulável. E o álcool, tomado com moderação, não oferece nenhum perigo,
mesmo em grandes quantidades.
Conversa com Roberto Cavana, químico, fotógrafo e pensador italiano. 1991

O Poder corrompe. E o Poder Absoluto corrompe muito melhor.


Algumas notas sobre liderança popular. 1967

P ela primeira vez vejo um país, o Chile, experimentando na prática uma


velha proposta minha, que considero a melhor possibilidade de solução dos
problemas sociais: um capitalismo dirigido por socialistas. Ou vice-versa.
Métodos. 1967

E menos uma atitude otimista do que realista.

Em qualquer situação é fundamental não esquecer o riso. O pranto só serve


para chorar.
Conversa com Di Cavalcanti, pintor. 1951

N ão há nenhuma característica ou atitude pragmática que indique as


intenções do adversário. A crença de que um canalha tem cara de canalha é
absolutamente pueril. Mas, como ela existe, quando você tiver que mentir faça-
o olhando o interlocutor bem dentro dos olhos, com absoluta firmeza.
Diálogo com Wesley Duke Lee, pintor, jornalista e colecionador. 1967
A s vezes você busca soluções complexas e técnicas para problemas que
podem ser resolvidos de maneira bem simples. Por exemplo: se você
aperta a barriga à altura do fígado e sente dor, em vez de procurar médicos e se
submeter a tratamentos complicadíssimos, o mais sábio é, simplesmente, deixar
de apertar.
Solucionáticas. Conversa com Mônica Silveira. Empresária, articuladora social, bela mulher
carioca. 1969

C andidate-se. Por mais idiota que você seja sempre haverá um número


suficiente de idiotas maiores do que você para acreditar que você não o é.
Conselho a um candidato. 1958

P ela estrada da indecisão se vai bater direitinho na casa da pusilanimidade.


Conversa com Erico Verissimo, escritor. 1970

O rwel previu para 1984 o domínio definitivo, no mundo inteiro, do Big


Brother. Mas da maneira por que marcha o mundo o Grande Irmão já
chegou, já viu e vai vencer bem antes de 1984. Portanto, se você tem que fazer,
faz logo: amanhã pode ser ilegal.
Homem lobo do homem. 1967

A medida de cada um não é a mesma e isso deve ser levado sempre em conta


na ação humana, onde, mais do que em qualquer outra ciência, quem pode
o mais pode o menos mas a recíproca não é verdadeira. Todo sábio, de vez em
quando, banca o idiota. Mas quando o idiota quer bancar o sábio só consegue
ficar mais idiota.
Explicação para Nelma, secretária e nume tutelar do Pasquim, jornal carioca dos anos 70. No
aeroporto Santos Dumont. 1972

P ara o trabalho coletivo é preciso ter sempre em mente as fraquezas


individuais e o excesso de confiança trazido pela proximidade. O
colaborador íntimo nos trai menos por traiçoeiro do que por íntimo. Na luta
social a intimidade já traz em si o germe da traição.
Discurso na área liberada para o tráfego do túnel do Pasmado. 1963

N a política só é possível um acordo sincero naquilo com que se concorda.


Conversa com a condessa Pereira Carneiro, presidente e proprietária do Jornal do Brasil,
durante uma viagem ao Nilo. 1961

N os processos de luta ou negociação podemos impor uma realidade nossa ao


adversário mais fraco mas temos que tratar dialeticamente com as armas e
os recursos do adversário mais forte. Quando a burrice manda, a suprema
burrice é ser sábio. Quando um técnico vai tratar com imbecis tem que levar um
imbecil como técnico.
Conselhos técnicos a Sérgio Jaguaribe, dito Jaguar. 1967

S e o adversário pede trégua, dê-lhe trégua, mas sempre fingindo a necessária


relutância a fim de que ele jamais perceba o quanto você esteve perto de dar
o que pedia.
Conversa com Gamal Nasser, no Cairo. 1961

A s vezes a argumentação do adversário equivale a um ato de violência. Mas,


se você não pode com a dialética dele, tem sempre o recurso de lhe atirar
com uma pedra na cabeça.
Conclusão moral e dialética enunciada na redação de
O cruzeiro, depois de reivindicações salariais. 1961

O u se golpeia, ou não. Não se pode atacar a meio termo, a meia altura, a


meia força. O inimigo não destroçado volta com mais violência ou
prestígio. Se não se pode destruí-lo é melhor ignorá-lo. Companheiros de
profissão, cuidado com a Sátira: ela pode glorificar.
Do exato emprego desta atividade. Locução a Sérgio Augusto, jornalista, ensaísta cinematográfico.
1969

C onscientizar é uma forma de levar o cidadão a encaminhar seus passos no


sentido de uma constante melhoria social e política. O conscientizado,
acreditando numa revolução permanente, seja dito, diária, prega uma
contestação tão constante que, no fim, se torna inconsciente. É a negação do
subversivo, que luta suicidamente para desencarrilhar a história. Com ele
dentro.
Notas à margem do Rio. 1970

D e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse voto pode ser contra, a
favor ou muito pelo contrário. Um eleitor dando mais de um voto a um
candidato se chama voto qualitativo. Também se pode chamar fraude. Um
candidato aceitando mais de um voto de cada eleitor é um eleito.
Técnicas de poder. Conversa com Fernando Pedreira, jornalista, embaixador. 1967

C inqüenta séculos de civilização baseados no mito do herói, no primado da


macheza, culminaram na cunhagem da frase: “Dou um boi para não entrar
numa briga; dou uma boiada para não sair”. É a glória da jactância, o blasonar
desvairado do pavão doido, a mais autêntica expressão de assobio no escuro.
Pois na verdade o homem já não é mais tão másculo assim. Criado a
puericultura e a estrôncio 90, cheio de sopas Knorr nas veias e banhado com
Coca-Cola, o homem já não topa paradas com o mesmo prazer com que o fazia
em Ur ou Neandertal. Na verdade, com exceção dos profissionais (e esses não
vale contar pois se realizam exatamente na briga) o homem atual prefere
mesmo – se não houver terríveis imposições “morais” à volta – levar seus
desaforos para casa, escovar os dentes três vezes por dia e visitar o psicanalista
duas vezes por ano. Instado, instigado, empurrado para uma briga, ainda assim
ele cumpre a primeira parte do provérbio e oferece seu boi para não participar
do entrevero, tentando se evadir ao apelo marcial. Porém, se já está apanhando,
sua mais sagrada vontade, entre um soco e outro, é entregar a boiada toda ao
primeiro que se interessar por ela e ir para casa logo, deitar-se, e gemer nos
mais efeminados coxins que encontrar. Hagia Sophia!
Conversa com o conde de Karol Nowina, elegantíssimo professor de luta livre e ginástica, mestre
do autor. 1968

P ois, para ser livre, é preciso sacudir os grilhões, desprender as algemas,


cavar túneis por baixo das donzelas, desbridar os corcéis da aventura
amarrados à burocracia e gritar: “Laços fora!” Imitar D. Pedro I na medida do
possível, isto é: usar fósforos Ipiranga e ser marginal.
Conversa com Redi, extraordinário caricaturista. 1975
Metodos de pensamento. Dialetica

Q uem quer a liberdade? A liberdade exige decisões pessoais para todos


os dilemas diários: saio, não saio, vou, fico, o que é que eles estão
querendo dizer com isso?, como é que eu devo agir em função disso? A
cada ato, cada desastre, cada notícia, corresponde uma atitude definida e um
esforço para o qual o ser normal não foi adequado. Só um tarado (liberal)
aprecia a liberdade total. O homem médio prefere se entregar a prepostos,
ama despachantes, obedece a mestres, serve a diretores, mitifica líderes. A
própria constituição humana está talhada para a limitação. É evidente que
Deus fez o homem com a cabeça maior do que o corpo para ele não poder
passar por entre as grades.
Impor a liberdade mesmo através da coação. Obras completas. 1970

A s novas realidades nem sempre ultrapassam a velha sabedoria. Uma


coisa é conceito, ou- tra experiência existencial. Teu avô pode não ter
curso secundário. Mas tem 67 anos.
Conflitos. 1963

E necessário não apenas contestar. É mais importante contestar também


pelo direito inalienável de contestação. Isso não exclui, é claro, antes
inclui, como coisa definitiva, o direito de contestar a contestação dos
outros.
Discurso de encerramento (falência) da Faculdade de Engenho Novo. 1949

A originalidade é a marca do gênio. Mas, para quem não pode almejar


tanto, o cultivo do lugar comum bem aplicado, do provérbio usado em
boa hora, também ajuda muito e, às vezes, até substitui o talento real. E,
convém lembrar, o domínio do óbvio está ao alcance de qualquer um.
Lições de coisas. 1959

D iscussões exaustivas de métodos, informações exaustivas de processos,


troca de opiniões sobre tudo, eis a única forma possível de esclarecer
teorias e melhorar o nível de prática. A discussão, mesmo quando não traz a
luz, liquida com muita idéia imbecil.
Discussão com Chico Britto, arquiteto carioca que pouco arquitetou, mas todos os dias de
madrugada nadava alguns quilômetros mar a dentro, na praia de Copacabana. Aos 84 anos
não voltou. 1971

E preciso muita fé no ser humano para não acreditar na sua absoluta


incapacidade de se autogovernar. Pelo número de ditaduras que
existiram e existem no mundo, conclui-se que a suprema aspiração popular
é a liberdade de não ter que decidir coisa nenhuma.
Métodos de trabalho. 1955

O homem brilhante, capaz de raciocinar a todo momento, dinâmico no


seu pensamento, varia e muda com o tempo e não é mais hoje o que
era dez anos atrás. Mas o imbecil, que só tem uma idéia, incapaz de
raciocinar, é, forçosamente, um homem de grande convicção.
Discussão com Paulo Francis, jornalista, escritor. Nova York. 1973

N ão há que se horrorizar com o palavrão. Tudo é palavrão e nada é


palavrão. Palavras e expressões tais como “Tira. Bota. Mais. Mexe. Aí
não! É muito grande! Que coisa enorme, etc....” não são palavrões e, pelos
critérios de censura, posso publicá-las livremente. Se alguém achar essas
palavras ou expressões indecentes é porque as colocou num contexto de sua
própria criação. Ao contrário, a expressão “filho da puta” pode ser usada
como expressão de grande admiração e até carinho, como no caso famoso
do cavalo inglês, glorioso na história do hipismo. É evidente que o dono
não lhe pôs esse nome como ofensa.
Palavrões e palavrinhas. Prefácio para a tradução de Homecoming, de Harold Pinter. 1970

S ó há uma coisa que a vida ensina: a vida nada ensina. Alguém precisa
aprender mais do que isso no ato de viver?
Conversa com Marco Aurélio de Moura Matos, jornalista e escritor mineiro. 1969

A precisão vocabular é fundamental em qualquer contato político já que


as palavras são, por si mesmas, evasivas e, por isso, perigosas. A
palavra de uma região tem nuanças estranhas em outra, senão significado
diametralmente oposto. Isso, que todos sabem, em geral é ignorado com
respeito a classes sociais ou níveis de educação em que se usam as mesmas
palavras com nuanças absolutamente surpreendentes. Um bom político é
inequívoco quando tem que ser inequívoco e equívoco sempre que o deseja,
jamais cometendo o erro grosseiro do deputado mineiro que, convidado a
jantar pela mulher do governador, respondeu pressuroso: “Realmente,
madame, essa idéia não me repugna”.
Diálogo com Luciano Carneiro, jornalista-repórter-fotógrafo, morto em desastre de aviação.
1957

U ma força irresistível não pode encontrar um obstáculo intransponível.


A contradição dialética aparente se desfaz se você ou elimina o termo
irresistível, ou o termo intransponível. Na prática histórica, porém, a
verificação do que é irresistível e do que é intransponível tem custado muito
sangue.
O papel dos que não têm papel. Palestra na faculdade de Além-Paraíba, dirigida por Fuad
Sayone, um santo. 1973

A s paralelas quase sempre se encontram. A uma certa distância, é claro,


mas que se encontram, se encontram. Pois, se ficam muito
distanciadas, perdem até mesmo a condição de paralelas.
Conversa com Flávio Rangel, jornalista, teatrólogo. 1970

A s interferências de determinadas idéias e relações não podem ser


tiradas sem análise de campo do problema levantado. Por saber que o
branco é a reunião de todas as cores você não pode inferir daí que todos os
sons do dia reunidos fazem o grande silêncio das horas tardas.
Conversando com Guilhermina, doméstica que sabia tudo. 1968

O mundo tem muitos canalhas mas, felizmente, estão todos nas outras
mesas.
Conversa no bar Veloso, com Tom Jobim, músico. 1962

P erdemos a batalha mas jamais poderemos perder a consciência das


palavras que tornam isso menos desastroso. Perdemos a batalha mas
“salvamos a honra e o prestígio de nossa gloriosa corporação”.
Hierarquia. Conversa com o dr. Sobral Pinto. 1963

V ocês devem estar bem lembrados de que, no meio do ano, quando


quase toda a população se queixava do frio violento, previmos a vinda
de dezembro assim que acabasse novembro, a entrada daquele mês trazendo
consigo, fatalmente, o verão. Avançamos mais ainda e previmos que em
dezembro deveria findar o ano de 1969, coisa que ninguém pode negar
agora que já estamos em janeiro de 1970.
Ridículo dos oradores retóricos. Tese para Antônio Houaiss. 1970

O ser humano consegue sobreviver com uma parte de si mesmo


espantosamente sofisticada e outra parte ainda mergulhada no lamaçal
de sua primitividade. Quando os filósofos gregos descobriram que a raiz
quadrada de 2 não é um número racional (?) celebraram a descoberta com
uma Hecatombe – a morte de cem bois.
Sobre a irracionalidade da futurologia e da passadologia. Papo com Márcio Moreira Alves,
Marcito, jornalista, deputado. 1970

S logans de longa durabilidade, alguns com séculos de existência, como


“o dinheiro não traz felicidade” ou “o dinheiro não é tudo”, devem a sua
extraordinária permanência a uma grande carga de sabedoria. Mas, sendo
apenas parcialmente verdadeiros, devem ser combatidos. Não se tentando
anulá-los, o que seria impossível, mas se tentando ultrapassá-los,
completando-os com uma verdade maior. Assim, o slogan “o dinheiro não é
tudo” deve ser completado com a frase “tudo é a falta de dinheiro”. E
quando disserem que “o crime não compensa”, você tem de lembrar que
isso é por que, quando compensa, muda de nome.
Diálogo com Evaristo de Morais, filho, advogado. 1973

S anto Agostinho disse que todos os pecados que ele cometeu foram


imediatamente punidos por Deus, na medida em que “toda perturbação
da alma é sua própria punição”. Mas Agostinho também disse, e com mais
sabedoria prática: “É preciso um mínimo de bens materiais para exercer as
virtudes do espírito”. Socialismo? Parece. Isso antes, muito antes de
Proudhon dizer que “toda propriedade é um roubo” e Shaw acrescentar que
“todo lucro é um roubo”, gritando ainda “Horace Halger morreu chorando
pelo pobre. Eu morrerei denunciando a pobreza”.
Papo com Chico Caruso, jornalista, desenhista, show-man. 1990

R ever posições. Quando todos procuram a chave do sucesso esquecem


que importante mesmo é o sucesso da chave.
Conversa com Jorge de Andrade, teatrólogo. 1967
O voto não resolve nada. A ausência do voto destrói tudo. O direito
divino é uma hipocrisia. O poder pela força é uma violência. O
problema político continua em aberto.
Conversa com Edson Silva, ator. 1960

A verdade é que todo o progresso da humanidade não depende, como


querem religiosos de um lado e fascistas de outro, de crenças
profundas, de princípios arraigados, de religiões místicas ou econômicas.
Todo o progresso da humanidade se deve unicamente à descrença, ao
ceticismo. Desconfiar é progredir.
Conversa com José Medeiros, fotógrafo do período áureo da revista O cruzeiro. 1960

O s reformadores sociais afastados da realidade sempre me lembram o


conselho de segurança para pregar um prego sem perigo de se
machucar: basta pegar o martelo com as duas mãos.
Conversa com Olavo Ramos, comerciante. 1968
Etica e disciplina

E claro que você deve ter a coragem das suas convicções e enfrentar as


coisas cara a cara e – desde que, naturalmente, não vá contra seus
próprios e inerradicáveis interesses, desde que, é óbvio, respeite
fundamentalmente a família (a sua e também a dos outros, é evidente, sem
deixar de respeitar a institucional, naturalmente), desde que observe que a
verdade não pode estar toda do seu lado e que o outro lado também tem sua
parcela, desde que suas idéias sejam sempre sadias e patrióticas e que você
observe à risca os estatutos vigentes, os decálogos em curso, as apostilas
recomendadas, as orientações gerais sobre aquilo em que é permitido opinar,
as bases do que é respeitável moral e civicamente, os exemplos de cima, até
onde se pode chegar dentro do sistema, até onde vão suas responsabilidades
na sociedade em que se vive, não fugindo também, o que é compreensível,
das normativas propostas e estabelecidas, evitando cair em erros ideológicos
fundamentais, respeitando os inúmeros estatutos parciais ou locais e jamais
desrespeitando as bases em que estão assentados os nossos princípios de
povo e de nação assim como nossos usos e costumes –, pode exteriorizar toda
sua convicção e dizer tudo o que pensa, contar tudo o que sabe, com coragem
e destemor, doa a quem doer. Você deve apenas tomar o cuidado, que
acreditamos perfeitamente válido, de declarar, antes de mais nada, a fim de
não ferir susceptibilidades, que qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas é mera coincidência e que tudo, é evidente, se passa em outra época e
num país imaginário.
Oração aos jovens. Conversa com o fotógrafo francês Jean Manzon, muito jovem então. 1969

T odas as estórias (sobretudo a História) precisam ser contadas de novo


agora que, afinal, começamos a ser sinceros.
Conversa com Marcos Vasconcelos, arquiteto e escritor. 1972

E ntre a burrice e a canalhice não passa o fio de uma navalha.


Arenga no Rotary Clube. 1963
T razemos do berço um conteúdo de felicidade ou infelicidade que é
preciso aprender a usar O mais das vezes o sofrimento está em nós
mesmos, não no que nos acontece. Abrindo os braços cada um de nós é sua
própria cruz.
Como enfrentar o fato de ser. 1971

S e os seus princípios são rígidos e inabaláveis, você, pessoalmente, já não


precisa ser tanto.
Conversa com Jards Macalé, músico, compositor, cantor, herdeiro de Moreira da Silva. 1959

O fundamental é aproveitar o tempo, não no sentido utilitário e


materialista, mas no sentido do gozo existencial, do dia-a-dia, da hora-
a-hora. Quem perde tempo, se perde no tempo.
O útil e o desfrutável. 1957

N ão se fie na crença de que são os ratos os primeiros a abandonar o navio.


Qualquer homem sábio ao ver o navio afundando deve tentar bater os
ratos na corrida para a salvação.
Tertúlia com Ali Kamel, jornalista. 1992

E preciso levar um objetivo avante e às suas supremas conseqüências, não


se parando diante de argumentos e palavras por mais que estes pareçam
sábios e sensatos. Concordo com tudo que dizeis mas lutarei até a morte para
impedir-vos de dizê-lo.
Paródia de moral. 1961
Profissoes: limitacoes e deveres

N ão podemos, como profissionais, oferecer ao público que nos freqüenta


uma criação que ele também se julgue capaz de realizar. Seria o
mesmo que um artesão fabricante de cadeiras nos oferecer uma cadeira feita
com três ripas mal pregadas, mal alinhadas e mal envernizadas e nos cobrar
por isso um preço profissional. No campo viril do artesanato, isso é
impossível, pelo menos a esse ponto absurdo e pelo menos em larga escala.
Uma cadeira comprada será sempre melhor do que as que conseguimos
fazer em casa com nossas parcas habilidades e ferramentas inadequadas. E,
no entanto, sem sombra de dignidade profissional, artistas, jornalistas e,
sobretudo, produtores de televisão, não têm vergonha de apresentar ao
público espetáculos degradantes como caráter, humilhantes como
representação geral do nível artístico do país, e perigosíssimos no sentido
de que uma massa de estupidez muito grande acaba embotando mesmo o
potencial de inteligência mais privilegiado.
Prefácio para a peça Por que me ufano do meu país. 1955

M al baseada num juramento (hipocrático) que na verdade é apenas uma


lei de proteção ao clã médico, a medicina é pretensiosa e se arroga
uma infalibilidade papal, que lhe dá margens de escapar com uma
porcentagem de erros assustadora. Morre mais gente de medicina do que de
doença. É um ato de extrema insensatez procurar o médico à menor dor de
cabeça. A medicina não perdoa nem se arrepende.
Declaração depois de protestar contra o mau atendimento num hospital do INPS. 1969

U ma teorização desvairada sem apoio na realidade é inútil e até mesmo


perniciosa. Não se conhece um simples poeta, desde a antigüidade até
nossos dias, que não tenha escrito amplamente sobre o amor. Mas os poetas
são, via de regra, maus amantes.
Diálogo com Santos Fernando, excelente humorista português. 1971
O marginal adivinha brechas na sociedade e se antecipa à pragmatização
de suas necessidades. Sem ter o que fazer, onde aplicar seu tempo e
como ganhar sua vida, o “picareta de ouro”, por exemplo, percebeu que
havia prestadores de serviços (intelectuais, artistas, fotógrafos,
cinegrafistas) interessados em prestar serviços, enquanto os homens
interessados em lhes dar serviço (industriais e empresas de modo geral) não
sabiam como arregimentá-los e entrar em contato com eles. O “picareta”,
dada sua disponibilidade, tinha contatos com uns e outros, e passou a se
beneficiar desse conhecimento arranjando encontros entre os prestadores de
serviços e os usuários desses serviços. Os encontros se realizavam quase
sempre em almoços longos e fartos, única compensação do marginal que os
promovia. Daí a institucionalização dessa atividade com o nome de
Relações Públicas”, foi só uma questão de tempo. Toda atividade social
nova tem um ar de impostura.
Fala com Monique Duvernois, decoradora. 1985

A medicina, tendo feito alguns progressos, não conseguiu, contudo,


acompanhar o ritmo evolutivo dos males do mundo. Seu know-how,
por exemplo, em relação a doenças psíquicas, é ridículo, e ela se sente tão
impotente em relação a isso que entregou essa parte substancial da
patologia do ser humano a charlatães perigosos chamados psicanalistas. E
enquanto progredia brilhantemente em algumas, poucas, intervenções
cirúrgicas, e em aplicações de descobertas substanciais de laboratórios
(exames, pílulas preventivas e variedades químicas) esquecia a parte mais
séria, definitiva da terapia: o exame do cliente, individualmente (fora dos
meros check-ups tecnológicos), analisado como ser humano por outro ser
humano, aliás, um dos mais respeitáveis seres humanos em todos os
tempos: o clínico geral, quando competente. Por isso a maior causa da
mortalidade no mundo inteiro continua sendo esse mal terrível chamado
diagnóstico.
Conversa com o dr. Carlos Giesta, ortopedista. 1970

O tipo de atividade fechada em si mesma, sem nenhuma outra utilidade


que não seja o seu próprio exercício, não tem porque ser incrementada
pois só serve a afirmações individualísticas e/ou nacionalistas no pior
sentido. O xadrez tem tido sua prática incrementada apenas por motivos
competitivos lamentáveis. Pois é um jogo que não melhora o ser humano
para nenhuma outra prática, não o leva a melhor relacionamento humano,
não o torna melhor cidadão no sentido de uma lição de vida ou ação social,
nem mesmo à melhoria da linguagem rotineiramente falada. O xadrez
desenvolve apenas o tipo de inteligência que leva o indivíduo a jogar
melhor xadrez.
Recado a Mequinho, campeão brasileiro de xadrez. 1972

O extremo cuidado na observação científica e um tempo de espera para


confirmações e recheques são fundamentais a qualquer tese. O risco é
exemplificado pelos cientistas soviéticos que, depois de, apressadamente,
anunciarem ao mundo a certeza de que na Lua havia borracha e latão,
verificaram que tinham recolhido na Lua apenas uma tampa de lata de
cerveja e um salto de bota deixados pelos astronautas americanos.
Diálogo com César Lattes, cientista. 1970

A maior parte da humanidade tem absoluta necessidade de se punir com


o trabalho. E nisso acaba adorando o ato de trabalhar e viciada nele. A
totalidade dos trabalhadores é absolutamente irrecuperável.
Recado para Beatriz Rónai Hofmeyer (Bia). 1996

1 O ministro deve, a todo momento, ser encorajado na sua crença de que


dirige o Ministério. 2) A infalibilidade do ministro deve ser reafirmada
em todas as ocasiões. 3) Jamais se deve dar ao ministro mais informações
do que necessita para tomar a decisão certa, i.e., a decisão que os burocratas
já decidiram. Um bom ministro é aquele que segue cegamente a decisão de
seus companheiros burocráticos. 4) Um mau ministro é aquele que
desenvolve idéias próprias (erradas) a partir de informações dadas pelos
burocratas. 5) Um ministro perigoso é aquele que tem idéias novas e
decisões próprias e exige dos burocratas mais informações do que lhe foram
dadas. 6) O ministro é um amador. O burocrata é um profissional.
Ministros. Como tratá-los. 1953

A s frases em língua estrangeira não devem ser grifadas nem aspeadas,


economizando mudança tipográfica e espaço gráfico.
Economia literária. Encontro com Francisco Brennand, escultor. 1960

E conomia definitiva para a indústria do livro e conseqüente valorização


do poeta verdadeiro é publicar tudo quanto é verso em linhas corridas,
a poesia só surgindo quando for mesmo verdadeira e não forçada através de
truques gráficos. Alguns poetas, para valorização definitiva poderiam ser
publicados clandestina e disfarçadamente, como tratados de economia.
Conversa com Eliana Caruso. 1984

O s diálogos não devem ter traços. Só um leitor muito idiota precisa


desse aviso para saber que um personagem está falando. Basta apurar
o ouvido.
Recomendação a Carmem Álvares, bailarina, especialista em encadernação. 1988

F icam abolidas dedicatórias, folhas em branco separando capítulos,


espaços em branco em fins de capítulos, margens muito grandes,
promoção pessoal dos autores com títulos honoríficos e de obras, citações
de crítica, etcetera.
Papo com Heloísa Magalhães, desenhista, pintora. 1997

E ducados em palavras, enredados em palavras, vivendo de palavras,


negando as palavras, intoxicados de palavras, os psicanalistas são um
mal desnecessário, e a semântica, o seu ópio.
O século do medo. 1971

E u não sou um grande humorista. Sou apenas o sujeito mais engraçado


da família mais engraçada da cidade mais engraçada do país mais
engraçado do mundo.
Trinta anos de mim mesmo. 1972

R eunida a junta de médicos e decidida a tua operação, pouco importa se


você vai morrer com uma votação de 5 x 4 ou por absoluta
unanimidade.
Das profissões perigosas. Conversa com o dr. César Lima Santos, médico. 1963

O crime não compensa, mas enquanto um trabalhador comum tem que


exercer a sua atividade nos momentos e nos lugares a que o obrigam,
da maneira como os patrões exigem, o criminoso pelo menos pode escolher
a hora, o local e o método de trabalho.
Conversa com o ator Armando Couto durante os ensaios de Do tamanho do defunto. 1955

U ma sabedoria que já chegou facilmente às disputas esportivas, onde


partidas entre dois países são julgadas por um juiz neutro, ainda não
atingiu setores mais complexos ou mais importantes do ponto de vista
social. E continuamos a ver julgamentos feitos por pessoas inidôneas, um
censor impondo uma censura sem a qual ele próprio não pode sobreviver,
médicos julgando crimes médicos cuja condenação recairia sobre suas
próprias cabeças, e economistas decidindo questões financeiras que,
ocasionalmente, os enriquecem. O sistema só estará depurado no dia em
que se firmar, definitivamente, que um rato não pode ser juiz na partilha de
um queijo.
Conversa com o juiz Teódulo Miranda. 1972

A medicina pode ser melhorada com medidas simples: o nome do


médico ser sempre publicado junto aos avisos fúnebres do paciente
falecido, o cliente só pagar depois de curado e a morte do cliente obrigar o
médico, logo depois, à devolução de tudo que cobrou.
Por uma medicina realmente social. 1965

M ais da metade das atividades humanas está baseada, parcial ou


totalmente, na desconfiança: o advogado, o militar, o chaveiro, o
contador, o detetive, o fiscal e o tabelião devem boa parte de sua fortuna a
essa senhora ao mesmo tempo evasiva e sempre presente.
Refletindo no terraço agrário de Rubem Braga, escritor. 1968

U ma profissão como outra qualquer, exercida por homens falíveis e


sujeitos às pressões do meio político e econômico, a medicina ou é
mitologizada ou excomungada. E o médico, enterrando seus erros, se
justifica apenas: “Bem, um dia tinha que morrer”.
Diversidades profissionais. Discurso no Jardim do Meyer. 1952

F icarão abolidas quaisquer passagens descritivas que tenham mais que


10 linhas (para descrição de uma cidade) ou três para descrição de uma
sala. Será usada a técnica cinematográfica, amplamente vitoriosa, de limitar
a determinado tempo (no caso da literatura, número de folhas) para contar
uma história ou tratar de um problema. Para filmes de uma hora e 40
corresponderão livros de 30 páginas e, correspondendo, digamos, ao “...E o
vento levou” teremos romances fleuve de 50 páginas. Dessa forma os
autores não perderão tempo descrevendo seus personagens discando
telefones (já “cortam” para o meio do diálogo) nem atravessando a rua (já
abrem a porta para sair e aparecem, do outro lado, entrando no palácio do
arquiduque). Descrições maiores só em livros de geografia.
Economia literária. 1960

A medicina preventiva não é um bem em si mesmo. Os exames


periódicos, sem necessidade aparente, não são um bem em si mesmos.
Ninguém até hoje provou se se morre mais por falta de assistência médica
ou por excesso.
Conversa com o dr. Ivo Pitanguy, cirurgião plástico. 1961

O humorista é o último dos homens, um ser à parte, tipo que não é


chamado para congressos salvadores do mundo, não é eleito para
academias, não está alistado entre cidadãos úteis da república, semeia
ventos e colhe tempestades. É um tipo que muitos acham engraçado e há até
os que o louvam e endeusam. Mas um dos defeitos que não pode ser
tolerado pelo humorista é a própria vaidade. A vaidade vai bem ao
comediante, por natureza extrovertido. O humorista, por natureza
introvertido, sabe que bastará facilitar um pouco que o transformarão em
estátua e mito. Mas aceitar isso será perder a substância fundamental do
humorista.
Decálogo do humorista. 1955

Q uando o ar de seu próprio tempo lhe é insuficiente, o homem respira a


utopia do futuro. Mas os grandes utópicos não foram residentes de um
país impossível senão deste mesmo, melhor. E Leonardo, sonhando com um
futuro tecnológico para o qual deixou contribuições ainda hoje consultáveis,
não teve o pesadelo de suas conseqüências: o aproveitamento do gênio
humano para o pior da ação humana – o massacre de tudo e todos, em nome
de um poder doentio e de uma fé suspeita.
Conversa com Pedro Dutra, advogado. 1988

N em a guilhotina, nem o machado, nem o cepo, nem o gás, nem a corda


foram suficientes para intimidar o instinto criminoso do ser humano.
Quer dizer, por mais bárbaro que seja o processo de assassinato oficial,
sempre há um carrasco para executá-lo.
Conversa com o ator e diretor de teatro Carlos Kroeber, o Carlão. 1972
Como lidar com as contradicoes

E sabido que o fato novo assusta os indivíduos, que preferem o mal velho,


testado e vivido, à experiência nova, sempre ameaçadora Se você disser
ao cidadão desprevenido que o leite, por ser essencial, deve sair das mãos dos
particulares para cooperativas ou entidades estatais, se você disser que os
bancos, vivendo exclusivamente das poupanças populares, não têm nenhuma
razão de estar em mãos privadas, o cidadão o olhará com os olhos perplexos
de quem vê alguém propondo algo muito perigoso. Mas, se, ao contrário, você
advogar a tese de que a água deveria ser explorada por particulares, todos se
voltarão contra você pois – com toda razão – jamais poderiam admitir essa
hipótese, tão acostumados estão com essa que é uma das mais antigas
realizações comunitárias (comunistas?) do homem: a água é direito e serventia
de todos. Por isso o cidadão deve ficar alerta, sobretudo para com os malucos,
excepcionais e marginais, pois estes, quase sempre, são os que trazem as mais
espantosas propostas de renovação contra tudo que foi estabelecido.
De olhos abertos. Voando num avião com um motor parado entre Londres e Hong Kong. 1965

A necessária materialização de certos estímulos orgânicos leva à frustração,


à decepção e à depressão. O sexo seria uma coisa ainda mais maravilhosa
se não houvesse contato físico.
Conversa com Isabel Pane, psicanalista. 1967

A história do Brasil não é a mesma no Paraguai.


Conversa com Yllen Kerr, jornalista, fotógrafo e atleta. Em Assunção. 1971

E bom considerar sempre que, no Decálogo, no mandamento dizendo para


não fazermos aos outros aquilo que não queremos que nos façam, há um
desconhecimento total da natureza humana, sua diversidade e amplitude de
interesses. Para cada masoquista há um sádico e, portanto, nosso
comportamento social não deve estar condicionado a uma repetição monótona
e pouco prática. O bom líder deve ter sempre presente que os homens não
fervem todos à mesma temperatura.
Diálogo com César Lattes, cientista. Los Angeles. 1948
ual a diferença entre uma pessoa física e uma pessoa jurídica? A pessoa fís
Q se você aperta, dói. A pessoa jurídica é insensível. E imortal.
Papo com Carmem Miranda, cantora, atriz de cinema. Los Angeles. 1948

N ão conheço ninguém que, como eu, tenha tanta noção de ser um homem


medíocre. O que, desde logo, me torna um homem extraordinário.
Conversa com Jaime Lerner, arquiteto, político. 1978

T oda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então, esta regra
também tem exceção e deve haver, perdida por aí, uma regra
absolutamente sem exceção.
Recado ao xará Millôr (Duval), de Belém do Pará. 1995

E m todos os momentos da história ficou provado que um país que precisa


de um salvador não merece ser salvo.
Conversa com Milton Campos, governador de Minas Gerais e candidato à presidência da
República. 1955

A os desesperados, que pensam nada ser possível, aos que acreditam que o
mundo não tem correção, convém lembrar que com suas guerras
múltiplas, seus problemas inacreditáveis, seus acontecimentos aterrorizantes,
o nosso século pode ser considerado o mais interessante da história. E há
apenas sessenta e sete anos nem existia.
Entretenimento com Ivan Moura Campos, filósofo, especialista em internet. 1996

S e você não consegue mudar de atitude, procure ao menos mudar de


apartamento. Isso, no fundo, talvez seja uma mudança mais radical.
Conversa com Caulos, jornalista, desenhista e pintor. 1972

E m dúvida, não duvide.


Conselho a Wagner Tiso, compositor, maestro. 1984

E m dúvida, tente o contrário.


Telefonema para José Rubem Fonseca, romancista. 1979

E m dúvida, não se meta.


Conversa com o poodle Igor, um ser humano como outro qualquer. 1998

E ntre o real e o imaginário, entre o aferível e o não dimensionável, o


material e o intemporal, a escolha é quase sempre impossível e nem
mesmo fundamental. Qual é o melhor: aquela noite inesquecível ou aquela
noite na qual você nem mesmo se lembra o que aconteceu?
Conversa com Leon Eliachar, humorista. 1956

U ma das contradições do homem educado num sistema possessivo e


restritivo, tendo a mulher como dependente total, é que ele pode não ter
relações sexuais com ela durante seis meses mas quer matar qualquer pessoa
que o faça.
Permissividade. Conversa com Raul Solnado, ator, comediante. Lisboa. 1973

S e em vez de Português a gente falasse Inglês chamaríamos o smoking de


tuxedo. E footing a gente chamaria de walking.
Conversa com Sena Chaves, editor português. 1970

Q ualquer homem, andando uma média de doze horas por dia, levaria
apenas duzentos e oitenta e cinco dias para ir do Rio de Janeiro a Paris.
Isso, naturalmente, se não houvesse o Oceano Atlântico no meio.
Idem

B asta você substituir o vódica por uísque e o suco de tomate por limão e
açúcar para transformar um Bloody Mary num uísque sauer.
Conversa com Luísa Chaves Ferreira, empresária. Lisboa. 1973

T oda verdade revolucionária é combatida e só lentamente vai se


implantado até se impor à massa. Quando se impôs é porque já não serve
à verdade nova que se desenvolveu junto com ela. Donde nada ser mais falso
do que uma verdade estabelecida.
Conversa com Scarlet Moon, jornalista. 1973

A s aparências trazem equívocos e os mais inflamados teóricos nem sempre


são os que mais se esforçam pela causa comum. O suor do gozo é
exatamente igual ao suor do trabalho.
Ver para não crer. Mesa-redonda na TV Tupi. 1954

A s pessoas acreditam mais no rótulo do que no conteúdo da garrafa. Você,


preservando o conteúdo da garrafa, que é a sua ação cotidiana, não deve,
contudo, esquecer o rótulo, que é o logotipo de sua vida, a imagem com que as
pessoas o encaram. A verdade é que se você conseguiu fama de que levanta
cedo, pode dormir o dia inteiro.
Falando com Sérgio Cabral, jornalista, historiador de música popular. 1969

N unca vi um canalha que, nas reuniões íntimas, não invectivasse, com toda
sinceridade, os canalhas do mundo. Nem um ladrão que não fosse contra
o roubo. Mulheres e homens de comportamento desregrado são, em geral, os
mais ferrenhos moralistas. E a primeira coisa que um governo despótico faz é
inaugurar uma praça com o nome de Praça da Liberdade.
Em nome de Deus. Obras completas. 1970

S e a televisão fosse sem imagem se chamaria rádio e não teríamos que


assistir certos programas.
Conversa com Raul Brunini, radialista. 1960

S e você chegar a um país e quiser saber da liberdade política que têm seus
cidadãos, basta ler os jornais desse país. Se dizem que o governo é
admirável, seus mentores maravilhosos, dignos e capazes, é porque os
governantes são déspotas que liquidaram com a liberdade de expressão.
Agora, se os jornais dizem que os governantes são incapazes, hipócritas e
estão levando o país à ruína, o país está, pelo menos politicamente, muito
bem.
Conferência no instituto de surdos-mudos, em Praga. Realizada pelo método braile. 1956

O Amazonas seria bem menor do que Mato Grosso se não fosse maior do


que Sergipe.
Conversa com Flávio Migliacio, desenhista, comediante. 1962

S e você está profundamente consciente de que o seu objetivo é o ser


humano, não se importe com os argumentos contrários. Às vezes você se
sentirá dialeticamente perdido, quando o adversário o confrontar com o
ridículo ou a derrisão. Mas quando sentir que não pode vencer a discussão
bata com a colher no prato. É revolucionário.
Durante um jantar de cerimônia na embaixada inglesa. 1957

J oe Louis jamais teria chegado a campeão de boxe se não vencesse os seus


adversários.
Advertência a João Máximo, jornalista, historiador de música popular e futebol. 1983

U m cego apura profundamente seu senso de audição. Essa afirmativa


desvairada de otimistas que estão sempre buscando uma compensação
impossível para os desastres naturais e os espantosos erros da natureza, só
pode ser ratificada e apoiada por um exemplo ainda mais visível da lei das
compensações: um indivíduo com uma perna mais curta do que a outra tem
sempre, infalivelmente, a outra perna mais comprida.
Manifesto contra a natureza. 1956
N ão é possível acreditar em reformadores pragmáticos, o tempo todo seguros
seus racionalismos, tentando conduzir a história pelo cabresto curto da
dignidade de comportamento, do acordo sereno, do compromisso tático de não
quebrar a louça nem ferir direitos. A revalorização constante do ser humano
dentro da sociedade presume excessos, iras, tremendas injustiças. A Revolta
não pode dar a festa sem convidar a Indignação.
A teoria na prática. Obras completas. 1970

O que é Dialética, vocês me perguntam? Bem, quando os radicais afirmam


que “não se pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos” eu lhes
respondo que “depende de quantos ovos”. Quando os conservadores de uma
sabedoria perempta me afirmam que “o hábito não faz o monge” eu lhes
respondo “mas fá-lo parecer de longe”. Quando os embromadores de sempre
envolvem alguém à minha frente com a pergunta clássica “o que é que pesa
mais, um quilo de plumas ou um quilo de chumbo?” já com a resposta óbvia e
embaraçosa de que um quilo de plumas e um quilo de chumbo só podem pesar
um quilo, eu lhes respondo dialeticamente: “Na verdade um quilo de plumas
só pesa um quilo na relatividade da balança. Mas, do ponto de vista absoluto,
como o volume de um quilo de plumas é imensamente maior do que o de um
quilo de chumbo, o quilo de plumas sofre uma resistência enorme do ar e para
marcar um quilo na balança tem que ter mais do que um quilo de chumbo”.
Fiquem tranqüilos, irmãos: sempre se pode provar o contrário.
Os dois lados da questão. Monografia. 1971

O que é estranho, nessas reiteradas afirmativas das autoridades colocando-


se sempre a favor da apuração de riquezas ilícitas, é elas suporem que
haja riquezas lícitas.
Conversa com Ivan Pinheiro Machado, pintor, editor. 1983

A lei deve ser posta em prática com prudência e as penas distribuídas
parcimoniosamente, como um remédio ruim. Toda autoridade sábia
exerce apenas metade dos seus direitos, uma forma de se livrar de metade de
suas obrigações tediosas ou cruéis. Os criminosos, fora das práticas que lhes
dão essa designação, também são seres humanos, às vezes até mais amáveis
ou fascinantes do que os cidadãos prestantes. De qualquer forma, convém não
esquecer que um facínora, preso muitas vezes, acaba íntimo do delegado.
Introdução para as Obras completas. 1970
odo cuidado é pouco com os contestatários tipo galináceo que cacarejam o
tempo todo na esquerda mas põem seus ovos cuidadosamente na direita.
T Conversa com o jornalista Luís Edgar de Andrade. 1972

R epito e repito sempre: é preciso rever constantemente nossas posições.


Com relação aos gregos lembro que Sófocles escreveu um maravilhoso
poema dramático sobre a mãe (de Édipo) grega. Esse monumento literário foi
posteriormente deturpado por um grupo de judeus austríacos comandados por
Sigmund Freud.
Conversa com Raul Belém, político mineiro. 1970

O revisionista é aquele famoso bombeiro que na juventude foi incendiário.


Prefere acreditar que o mundo evolui por si mesmo para não ter que se
dar ao trabalho de lutar por sua evolução. Chama “de ferro” uma cortina de
idéias e jamais pensa em encher um regador para molhar os tigres de papel.
Segundo Jean-Jacques Marie, reduziu as propostas dialéticas a um socialismo
num só país para acabar aceitando o de uma rua só.
Contato com Jean-Louis Lacerda, fazendeiro shakespeareano internacional. 1977

O genocídio começa na discriminação contra os velhos. Devido a cuidados


especiais, diminuiu muito, no país, a mortalidade infantil. Já os velhos
continuam morrendo aos montes.
Conversa com Bororó, compositor. 1973

O governo teima em atrair turistas para o Rio, cantando, em prosa e verso,


as inexcedíveis belezas da cidade (do país). Acho que o Rio, justamente,
deveria ser interditado ao turista, como vergonha nacional.
Turismo é prostituição. 1973

A falta de autocrítica científica trouxe como resultado apenas multidões de


consumidores ávidos e telespectadores passivos.
Conversa com Fernando Sabino, jornalista, romancista. 1968

A s limitações intelectuais do homem diante do mistério do universo e de


seu próprio mistério metafísico são totais e simples de explicar,
comparando-se-as com a limitação dos outros animais, que o homem aceita e
compreende (porque seu orgulho não está em jogo). Um cão, um gato, até
mesmo uma formiga ou uma pulga podem apreender determinados
fenômenos, coordená-los, imitá-los e repeti-los. Mas você não ensina uma
pulga a nadar, assim como você jamais fará com que um cão leia um jornal,
embora possa facilmente ensinar o cão a ir buscar o jornal na porta. Da
mesma forma o homem, capaz de entender inúmeros problemas (isto é, de ir
buscar o seu jornal metafísico), jamais conseguirá saber de onde veio, para
onde vai e o que faz aqui. E, se você mandar que imagine o infinito, ele não
consegue porque sempre acaba imaginando uma abóboda imensa (a do céu)
que, naturalmente, tem um outro lado. Mas se, ao contrário, você quiser que
ele imagine o finito, ele também não consegue porque acaba limitando toda
sua imaginação com uma abóboda, aliás a mesma. E porque tem o cérebro
limitado como o de qualquer outro animal, o homem se apavora diante da
morte, sem saber que esta é apenas uma promoção intelectual saudada com
uma gargalhada. Ao morrer, o homem, subitamente untado com uma
inteligência superior (matéria pura), bate na testa (inexistente), percebe que o
pesadelo era aqui e não lá, que, na verdade, agora é que ele está vivo, e
exclama às gargalhadas: “Mas, era isso?”
Conversa com Alçada Baptista, romancista português. 1968
Economia. Sistemas

D a ascendência hitita, o Rico é o segundo ou terceiro filho de Noé (os


eruditos divergem) e, provavelmente, o que mais zombou do pai ao vê-
lo no pileque histórico em regozijo por ter salvo o Homem. Daí, seus
descendentes ligarem-se aos poderosos do tempo, a Ceres (a da
cornucópia), a Fortuna (deusa italiana cujo nome lhe indica os poderes), a
Fortunato (habitante de Famagusta que recebeu, dessa mesma deusa,
Fortuna, uma bolsa que não se esvaziava nunca) e a Midas. Real, e com
toques do divino em sua natureza, Midas estabeleceu para a posteridade os
fundamentos do viver do rico. Primeiro – embriagou Sileno, pai adotivo do
poderoso Baco. Segundo – durante anos não largou Sileno em farras que
atroaram aos céus. Terceiro – conseguiu de Baco, por ser tão amigo de
Sileno, o poder de transformar tudo em ouro. Quarto – apesar desse seu
extraordinário poder e, como conseqüência dele, não podia comer. Quinto –
tinha orelhas de burro, que ninguém via. Ou fingia não ver.
Genealogia e biografia dos ricos. 1960

E sabido que, no trato do dinheiro, um golpe de audácia pode fazer uma


fortuna. Mas, na média, os muito ricos fizeram sua riqueza
desprezando tentações, querendo garantias, empregando certo, exigindo
mais no momento em que o cliente tem menos e menos quando o cliente é
poderoso e pode negociar. O gênio dos grandes banqueiros é evitar mais os
riscos do que aproveitar as oportunidades.
Aparte na assembléia geral extraordinária do Banco do Brasil. 1971

N um sistema de autoproteção que procura se reforçar e ampliar, os


impostos sociais – sobretudo o de renda – são fictícios para os ricos e
reais e esmagadores para os pobres. Pode-se falsificar e glosar de mil
maneiras diferentes a escrituração de uma empresa. Até hoje ainda não
apareceu o gênio capaz de falsificar um salário.
Comentário ao imposto de renda progressivo, com Paulo Mercadante. 1967
orrer rico é sinal de extrema incompetência. 

M Significa que você não usufruiu, ou pelo menos não usufruiu todo, o
seu dinheiro. Além disso, um rico que gasta tudo que tem antes de
morrer, livra seus herdeiros do odioso imposto de transmissão.
Máximas milionárias, conversa com um milionário arruinado. 1972

O dinheiro, na mão de pessoas não adestradas para usá-lo, é a fonte de


todo o mal do mundo. Por isso o dinheiro deve ser conservado cada
vez mais na mão de um número bem pequeno de pessoas especializadas,
aquelas que, por tradição familiar ou vocação de berço, têm o tino e a
sabedoria de como usá-lo. Os pobres geralmente são muito incompetentes
quando investidos no papel de milionários. Deve-se evitar para eles a
maldição implícita no excesso de pecúnia.
Conversa com Jânio de Freitas, jornalista. 1978

A s grandes fortunas, as extraordinárias massas de dinheiro, não trazem,


necessariamente, uma felicidade proporcional. Um multimilionário
como Onassis, gastando às vezes mais de dois milhões de dólares por mês,
não consegue ser mais feliz do que o Baby Pignatari, que gasta apenas um
milhão.
Encontro com Danusa Leão, jornalista, internacionalista. 1979

S empre se pode concordar, parcialmente, com a idéia demagógica de que


“o dinheiro não é tudo”. Importante e fundamental, o dinheiro, porém,
tem que ser olhado com extrema relatividade. Pois, se a falta de dinheiro
traz certa e fatalmente a infelicidade, sua posse, todos sabem, não é nenhum
passaporte para a euforia existencial.
Como aceitar as contradições práticas e teóricas. Discurso no liceu literário português. 1967

U m falsário não tem muita dificuldade em fazer dinheiro. Sua


dificuldade é gastá-lo.
Telefonema para José Aparecido de Oliveira, político mineiro. 1985

N um mundo em que a subsistência individual é problema de cada um, o


dinheiro é um deus que compra o canil, o cão e o abanar do rabo.
Bilhete para Glauco Matoso, escritor, erudito, poeta. 1987

O s sistemas matemáticos têm sua própria lógica e conseqüência. Só no


sistema decimal 2 e 2 são quatro, não acontecendo o mesmo no
sistema exagesimal, nem nas denominações binárias nem nas canções
populares. É importante saber isso para você não se desesperar com as
oscilações da bolsa onde tem a possibilidade de ganhar espantosamente,
mas nunca perde mais de 100%. Porém, cuidado com a matemática das
sociedades anônimas: quem de 100 tira 51 perde o controle da empresa.
Diálogo com Sérgio Lacerda. 1970

O s comunistas são contra o lucro. Devemos ser apenas contra os


prejuízos.
Tática de produção. 1954

O s milionários gostam de fazer mistério sobre sua fortuna,


acrescentando ao gozo material do que possuem a superioridade
intelectual sobre os que os freqüentam. Mas é muito fácil ficar milionário.
Basta para isso dormir e acordar só pensando em dinheiro. Não abrir mão
de qualquer possibilidade de ganhar dinheiro, mesmo que o contrário lhe dê
imenso prazer. Ser frio e racional na hora de dar ou emprestar a seu melhor
amigo, parente e até irmão, cobrando os juros e as taxas exatas, embora seu
coração lhe diga que desta vez você devia ser generoso. Não ter qualquer
escrúpulo, em qualquer ocasião. Pensar sempre no melhor partido que você
pode tirar de uma situação desastrosa em que se encontram seus
companheiros de negócio. Não temer o castigo de Deus, a opinião pública,
a perseguição legal. Pensar que um lucro grande é melhor do que um
pequeno mas que um lucro pequeno, repetido muitas vezes, pode vir a ser
melhor do que um lucro grande. Se você, em suma, usar da subserviência
exata no momento em que esta for necessária, a audácia e a grosseria
precisas nos momentos em que a canalhice e a violência forem os melhores
caminhos, se não tiver nenhum problema de consciência, nenhuma dúvida
moral, nenhuma ambição de cultura, nenhuma preocupação quanto aos
outros o acharem indecente, pérfido ou criminoso, o caminho da fortuna
está facilmente aberto para você, como para qualquer um.
O primeiro milhão. Obras completas. 1970

D entro de um sistema econômico os valores todos giram em torno dele.


No sistema capitalista o único valor é o do dinheiro acumulado por
todos os meios e imantado de todas as virtudes. “Meu amigo é milionário:
que admirável, que honrado, que inteligente, que capaz é o meu amigo!”
Meditação na furna da Tijuca. 1967

A economia capitalista, com sua concentração egoísta e mesquinha de


riquezas, tem como resultado natural a imoralidade e a degradação
humana e em vão tenta nos convencer de que essa corrupção desenfreada é
um planejamento perfeitamente racional.
Aferindo preços para contribuir em favor da campanha Diga não à inflação. 1973

O s teóricos do laissez-faire continuam ativos na esperança de que a lei


da oferta e da procura (a oferta sempre controlada pelos poderosos – a
procura sendo apenas uma conseqüência desse interesse) continue a
engordá-los, ou a pagar o regime de emagrecimento de suas belas mulheres.
Mas é fácil calar os que afirmam que a economia é um assunto particular
entre produtores e consumidores perguntando-lhes se o assassinato também
é um affair particular entre assassino e assassinado.
Diálogo com Ivan Lessa diante de um programa de televisão em cores, no canal 4. 1972

J á concordei: “O dinheiro não é tudo”. Já discordei: “Tudo é a falta de


dinheiro”. E duvido: é fundamental mesmo muito dinheiro? São
fundamentais essas quantias imensas que, em vez de servirem a nossa vida,
nos obrigam a trabalhar por elas? Quais são os bens materiais mínimos que
Santo Agostinho apregoava como fundamentais para exercer as virtudes do
espírito? O miserável, é evidente, não pode colocar um calção de banho,
como eu faço, e caminhar na praia diariamente, feliz como uma criança.
Mas o milionário igualmente não pode. No balanço da felicidade humana
quanto vale uma amizade? Uma fé? Uma reputação? Aqui entre nós, Judas,
30 dinheiros foi mesmo um bom preço?
Discurso para as criancinhas do berçário Acalanto. 1973

E ntre Freud e Marx, um afirmando o pan-sexualismo, outro o pan-


economismo, estou mais com o último. Em inúmeras ocasiões da vida
o sexo não está presente. Nem direta, nem indiretamente. Nem
materialmente, nem por inferência. Nem na superfície, nem nas
profundidades do psíquico. Já o sentido econômico da vida é total e
universal. Sem seu sentido econômico a vida não existe. Sem economia
(representada por qualquer esforço humano, horas-trabalho) não se nasce
nem se morre. E nas horas de confronto entre sexo e necessidade econômica
Freud perde para Marx de goleada. Coloquem diante de um jovem que
passou tempo indeterminado abandonado no deserto, uma linda mulher e
um magnífico prato de comida e ele só será atraído pela mulher depois de
encher o estômago. Pode-se dar uma colher de chá a Freud apenas
afirmando que quando um homem tem fome não há nada mais sensual do
que a nudez de um franguinho no espeto.
Obras completas, p. 6.1970

O s crimes são apenas os juros que, de tempos em tempos, temos de


pagar por viver no pequeno lado bom de uma sociedade
gigantescamente imoral.
Legislação, princípios. 1966

A Beleza é o subproduto de uma linhagem de ancestrais economicamente


bem situados.
Conversa com Carlos Lacerda, político carioca. 1963

S er pobre é um pecado venial. Se conformar com isso é um pecado


mortal.
Conversa com José Aparecido de Oliveira, político mineiro. 1971

C omo cada coisa tem seu preço, o homem já nasce devendo à mãe nove
meses de pensão. Não existe nada que não tenha um preço.
Conversa com Norma Benguel, atriz. 1965

A Loteria Esportiva é o Imposto de Renda imposto aos miseráveis. Como


o Estado fica com 65% da renda bruta, o jogador paupérrimo, que
arrisca dois cruzeiros por semana, ao fim de um ano pagou Cr$ 67,60 de
contribuição aos cofres públicos.
Recado a Delfim Netto. 1973

S eja o que for que venha a se estabelecer como ordem econômica, o


capitalismo está nas últimas, com disenteria e paralisia crônica, mas
resistindo como um velho rico e inútil, até o fim. Por isso, seus meios e
métodos de ação são cada vez mais desesperados. Cuidado com os
estertores do capitalismo. Ainda pode durar mil anos.
Conversa com o arquiteto Zanini. 1970

A verdadeira Pedra Filosofal é como matar a fome.


Conversa com o arquiteto Sérgio Rodrigues. 1972
apai Noel, filho da exploração comercial, da ignorância infantil e da
P incapacidade de reação paternal, é um velho meio idiota, meio
malandro, extremamente desonesto, que se presta a servir de
intermediário para o enriquecimento da sociedade de consumo, em todo o
mundo. Um canalha.
Conversa com José Carvalho, industrial, dono da Ducal. 1958
Subdesenvolvimento

E muito difícil aceitar as condições subdesenvolvidas do país. Há uma


injustiça social permanente, a distribuição de renda é quase criminosa,
as condições higiênicas e educacionais de uma precariedade lamentável, a
exploração econômica é visível, a desumanização urbana flagrante. Por isso
o amor à Pátria tem que ser ensinado desde o berço ou o garoto, assim que
cresce um pouquinho, vai morar noutro país.
Conversa com Maria Eudóxia, bonita. 1972

S er pobre não é crime mas ajuda muito a chegar lá.


Conversa com Raul Solnado, ator e comediante português. 1973

O grau de (in)civilização de um povo se mede andando por essas praças


do interior, às vezes descarnadas e quase sempre inconfortáveis,
estranhamente desarborizadas ou salpicadas de árvores mesquinhas, mas
mostrando sempre um dinheiro (mal) gasto em estátuas de figuras locais em
granito e ferro ou nacionais em mármore e bronze. Com o dinheiro gasto
em cada uma dessas estátuas inúteis e feias se poderia plantar e manter dez
árvores frondosas, belas, fortes, amigas e acolhedoras. A coisa mais
civilizada do mundo é uma bela árvore.
Conversa com Rosinha Fernandes. Pirassununga. 1964

N um país em que o salário mínimo não atinge ¼ da população, criar


conceituações morais, falar em drogas, vícios, excessos sexuais ou
morais é inútil e ridículo. É aconselhar as pessoas a fugirem de tentações
que jamais se darão ao trabalho de tentá-las.
Conversa com Carlos Drummond de Andrade, jornalista, poeta. 1973

A pobreza não é, necessariamente, vergonhosa.

Há muito pobre sem vergonha.


A teoria na prática. 1967

N o Brasil, atualmente, só há um extremismo perigoso: o dos indivíduos


extremamente conservadores.
Conversa com Fernando Sabino, jornalista, romancista. 1973

N um país como o Brasil, onde os preconceitos existem, por mais que


sejam negados, onde o acesso é extremamente limitado, nascer branco
e de classe média já é estar numa diminuta faixa privilegiada da população.
Daí a validade da frase: “O menino nasceu preto apesar de todo o esforço
dos médicos”.
Conversa com o ator Milton Gonçalves. 1967

E verdade que o voto não enche barriga. Mas chega aquele momento em


que o povo já comeu o suficiente.
Recado a Filinto Müller, chefe de polícia da ditadura Vargas. 1951

T emos que começar por baixo. Como os Estados Unidos, por exemplo:
começaram com um país só.
Liberdade, liberdade, peça de teatro. 1966

S ó existe uma urbanização respeitável: aquela que conseguir abrigar uma


família proletária de 16 pessoas no espaço urbanístico onde “só” cabe
um casal burguês.
Conversa com Marcos Vasconcelos, arquiteto. 1964

A condição social de 70% dos brasileiros é inferior à de uma batata


podre.
Conversa com Seixas Dória, político sergipano. 1958

O sonho do rapaz subdesenvolvido não é entrar para a faculdade, pois


isto é impossível. É seqüestrar um avião, ir para os Estados Unidos
lavar pratos, ganhar muito dinheiro e voltar para abrir uma indústria em seu
próprio país.
Que fazer?, Obras completas. 1970

O triste de ser subdesenvolvido é que basta os Estados Unidos


descobrirem e anunciarem a terrível poluição de suas grandes cidades
para que o governador do Piauí, por uma questão de prestígio político,
prometa aos seus contribuintes que vai fazer tudo para acabar com a
poluição em Teresina.
Conversa com Carlos Castelo Branco, jornalista. 1968
D adas as lamentáveis condições de produtividade, a distribuição de
renda precária e acesso impossível, o cidadão que neste país chega ao
fim de seus dias tendo conseguido tomar banho com regularidade e se
alimentar duas vezes por dia pode se considerar um homem vitorioso.
Conversa com Zuenir Ventura, jornalista. 1969

N as escolas e universidades de um país subdesenvolvido o aluno paga


adiantadamente por um péssimo produto que só vai receber daí a anos.
Sua tendência natural é, pois, vender ainda mais caro o que comprou tão
caro e não deixar que se mudem de maneira alguma as regras da cultura
vigente a fim de não perder tão precioso patrimônio.
Diálogo com Celso Cunha, filólogo. 1958

P egaram um homem em Caxias, amarraram-no num poste e o lincharam


até a morte numa atrocidade inconcebível. Inconcebível por quê? Não
há leis demais? As moradias não são pequenas demais e insuficientes? As
diversões não são caras demais? Os exemplos não são oficiais? As
violências não são globais? As repressões não são sexuais? Em alguém a
contenção forçada vai explodir, o exemplo do alto germinar. A alguém o
círculo de ferro vai atingir. Não há fuga.
Conversa com Rodrigo Argolo, decorador e artista plástico. 1972
Tecnologia: Utilidades e perigos

H ouve uma época em que viajavam apenas pessoas altamente


habilitadas, só elas, de Marco Polo e Humboldt. Iam com amor,
viajavam com conhecimento, levavam informações, traziam riquezas.
Tinham uma consciência de que estavam em missão, o seu perambular lhes
dava um status, arriscavam um tempo infinito entre ir e vir, tornavam-se,
muitas vezes, estranhos para os seus próprios conterrâneos, tanto tempo
ficavam longe. Partir, realmente, era morrer um pouco. A tecnologia trouxe
a viagem em massa, o viajante odioso e predatório, a classe média ignorante
e ansiosa. Os navios estão cheios, os trens estão cheios, os aviões,
sobretudo, estão cheíssimos. Cada dia se viaja mais. Mas já ninguém parte a
sério.
Conversa com Mário Gibson, embaixador. 1972

O homem é o câncer da natureza. Estraga a terra, corrompe as matas,


fura os túneis, empesta o ar, suja as águas, apodrece tudo onde pisa,
sem sentido nem objetivo. A explosão nuclear, ao contrário do que todos
pensam, não será uma tragédia senão para nós. Para o universo é apenas
uma medida saneadora, uma forma drástica de se livrar do ser humano.
Conversa com Chaves Ferreira, editor português. 1973

O automóvel é a maior contradição tecnológica pois só poderia ter sido


criado por um gênio – Henry Ford. Mas só um imbecil não perceberia
estar criando o maior dos paradoxos – uma invenção que já nascia obsoleta.
Conversa com Mino Castelo Branco, humorista. Fortaleza. 1967

O extraordinário desenvolvimento da “civilização” só trouxe como


conseqüência o idiota alcançar um raio de ação jamais imaginado. O
mundo tem hoje, pela primeira vez, o idiota global.
Ilusões. 1957

D o culto da economia e finanças ao culto do computador, da estatística e


do número em si mesmo, acabamos num sistema religioso, cibernético
e litúrgico, eletrônico e mitológico. E já não me espanto de saber que as
mulheres do Norte do país são 52% mais desdentadas do que as do Sul, que
as mulheres casadas de São Paulo são mais tendentes ao queixo-duplo
(double menton) do que as mulheres cariocas da mesma idade e os garis
(limpeza pública) têm narizes maiores em Belo Horizonte do que em
qualquer outra cidade do Brasil. Não me espanto, mas acho lícito reagir
com uma pesquisa própria, na qual descobri que os técnicos que fazem esse
tipo de pesquisa são mandados à &’ = + ! +?/!**! 72% vezes mais do que a
média das pessoas.
Cibernética, here I am! 1965

O s paradoxos entre a técnica e a realidade são flagrantes e


indestrutíveis: continuamos novos nas fotos antigas e velhos nas fotos
novas.
Ilusões. 1967

N ão tenho o menor complexo nem o menor temor diante do que o futuro


me reserva com suas cibernéticas estupendas e seus computadores
extraordinários. A meu cérebro só falta a eletrônica.
Conversa com Enrico Bianco. 1967

D ada a imaturidade política do ser humano em relação a seu


desenvolvimento no campo tecnológico só uma coisa pode resultar
como conseqüência do homem desintegrar o átomo: o átomo desintegrar o
homem.
Conversa com Paulo Garcez no bar Flag. 1970

A s conquistas técnicas foram tornando cada vez mais fácil outra


conquista, a das massas, passivas e alienadas. Já ninguém mais precisa
se esforçar longamente, viajar muito, perder anos até alcançar a discutível
popularidade. Hoje uma celebridade é todo débil mental que aparecer meia
dúzia de vezes na televisão.
Proposta para uso da mídia. 1970

F abricar-se-ão livros didáticos comestíveis, aproveitando o avanço da


tecnologia e a superprodução da soja. Os livros poderão ser fabricados
com sabores variados: sabor matemática, sabor geografia, sabor logaritmos,
etc.... Uma forma real de acabar com a fome de saber. No Nordeste, esses
livros, distribuídos aos milhões, acabariam ao mesmo tempo com o
analfabetismo e a subnutrição.
Idem

P ouco a pouco a máquina vai substituindo o homem em todas as suas


atividades. Como, porém, necessita-se de recursos financeiros cada vez
maiores para fabricar máquinas, é seguro afirmar que elas nunca
conseguirão substituir o homem no seu mais importante papel social – o de
contribuinte.
Recado ao deputado José Sarney. 1971

A quase totalidade das descobertas tecnológicas tem o lado negativo


maior do que positivo. O automóvel virou instrumento de ameaça
coletiva, a televisão impôs um condicionamento cultural insuportável, o
telefone trouxe uma verdadeira neurose de anticomunicação e os
computadores institucionalizaram a fraude financeira. Nesse campo, apenas
duas são as contribuições realmente válidas e saudáveis do talento humano:
a água encanada, um milagre diário em que ninguém repara, e, mais
importante e quase sempre discreta: a luz elétrica.
Progresso científico. Até onde? 1971

O fato é que toda essa andação pelas crateras da Lua trouxe muito pouca
coisa útil e serviu apenas para apunhalar nossa alma romântica (que
esperava da Lua pelo menos uma reação com monstrinhos de olhos verdes,
roedores satânicos ou uma exalação mefítica) e nos roubou, em troca de
nada, uma herança poética de milênios. E aí, como defesa a posteriori, foi
que começamos a perguntar: “Para que serve essa viagem?” “Com essa
despesa toda não se poderia encontrar a cura para a democracia?” “Não se
poderia inventar uma nova espécie de sexo sabor-virtude?”
Conversa com Nelma Quadros, figura tutelar do Pasquim. 1970

B asta você parar diante de uma vitrina e olhar garrafas, latas, invólucros,


vidros, metais e plásticos para ficar maravilhado com a infinita
capacidade da tecnologia inventar, todos os dias, mais e mais objetos
absolutamente dispensáveis.
Progresso contido. 1967
A tecnologia desvairada voltou-se contra o homem, a quem afirma,
hipocritamente, querer proteger e melhorar. O ambiente se deteriora, as
relações humanas apodrecem, o próprio ser humano deteriora, enquanto, em
nome da auto-afirmação de uma elite de cientistas, a tecnologia floresce e
progride atirando foguetes à Lua e mísseis no Vietnã. Que adianta o vidro
do pára-brisas ser inquebrável se a nossa cabeça não é?
Na associação para o controle do desenvolvimento científico e industrial do Piauí. 1971

D estroços de mundos utópicos, de religiões que não se renovaram, de


metrópoles que acreditaram na mão única. Aqui isso não acontece?
Bem, os romanos também disseram isso.
Resposta a Gustavo Corção, escritor. 1970

O Todo-Poderoso reuniu apenas os materiais.

O resto está aí para ser feito por nós. Levamos milhares de anos para o
levantamento das possibilidades, uns dez mil anos de civilização para
aprender processos. Mas o mundo, propriamente dito, começou a ser feito
apenas há dez anos.
Resposta a Henfil. 1973

A o acender volitivamente o primeiro fogo (pauzinho contra pauzinho,


pedra contra pedra) o ser humano ficou emocionado mas inconsciente
do seu próprio poder de criatividade. Se tivesse tido a noção de que acabava
de descobrir a tecnologia, na certa teria voltado à caverna e nunca mais
saído lá de dentro.
Sobre a irracionalidade da futurologia. 1970

O ridículo do século XIX foi a fúria com que rejeitou todas as inovações,


desde reformas trabalhistas essenciais até o último direito feminino,
usar a saia mais curta, passando pela máquina a vapor, propostas artísticas e
avanços morais. O ridículo do século XX é a pressa com que aceita
qualquer estupidez social, qualquer reivindicação absurda, qualquer
invenção consumística, sem reflexão nem demora, por medo da pecha de
reacionarismo. A maior transformação do século XX foi a facilidade com
que se passou a aceitar qualquer transformação.
Mensagem de felicitações no 96º aniversário de Pablo Casals. 1972
H á os que acreditam sinceramente que o progresso é uma máquina
trabalhando feito louca, no meio de operários miseráveis, para fazer
bugigangas para crianças ricas.
Obras completas. 1970

A televisão foi um meio inventado pelo homem medíocre para ser


utilizado pela mediocridade para a mediocridade. Deveria se chamar
mediovisão.
Mídia. 1971

O inventor da poltrona foi o maior reacionário da história: criou o


supremo comodismo, a imagem definitiva da alienação. E o gênio
tecnológico burguês que colocou em frente da poltrona uma televisão em
cores, fechou o ciclo da impossibilidade de reação da classe média.
Conversa com José Carlos Cabral de Almeida, geneticista. 1973
Liberdade. Limitacoes

E fundamental aprender a conviver com o medo, perder o mais cedo


possível a esperança de nos livrarmos dele. Guimarães Rosa disse com
sabedoria: “A cada dia, a cada hora, o homem aprende uma espécie nova de
medo”. Vivemos com medo físico, com medo econômico, com o medo
metafísico diante da própria ameaça existencial que faz de nossos dias uma
caminhada irreversível para a doença, para a velhice e para a morte: para o
desastre. O medo é a mais fiel de nossas qualidades, nosso definitivo
companheiro. Mesmo no silêncio e no escuro – ou sobretudo aí – não nos
deixa. Quando o lugar é terrível, a situação desesperadora, as forças nos
abandonam, a coragem nos deixa, o medo fica e cresce. Segue-nos como
uma sombra e, inúmeras vezes, se confunde com ela. Nasce conosco e, se
nos mata, morre conosco.
O ser humano sem idealizações. Conversa com Marco Aurélio de Moura Matos, escritor
mineiro. 1958

E xiste uma média de vida mas que não serve como garantia para a vida
individual. Ninguém é tão velho que não possa viver mais um ano,
ninguém é tão moço que não possa morrer já. Aqui e agora, aproveita a
vida, irmão. Talvez já tenha passado mais tempo do que você pensa.
Conselhos aos jovens turcos. Obras completas. 1970

P ode-se conviver com regimes fascistas e totalitários, sobreviver no


clima sempre terrível da Lei e da Ordem. Não se pode é conviver com o
caos. Por isso um golpe de Estado ainda é melhor do que um estado de
golpes.
Entrevista a três agentes-duplos da polícia paraguaia. 1963

Q uem fala em amor livre? Com o amor livre, ai dos feios, dos
demasiadamente desinteressantes. Amor livre, sim, de alguns tabus
que se incrustaram doentiamente nas relações entre homem e mulher. Mas
só. Quem fala em amor livre nunca ouviu falar em impotência masculina.
Utopias. Obras completas. 1970
A os pobres que acham, com razão, que é muito difícil ficar rico, deve-se
advertir que para os ricos é ainda mais difícil ficar pobre. Qualquer
movimento que façam nesse sentido é imediatamente censurado – senão
punido – por sanções familiares, dos amigos, dos sócios e de críticos
ocasionais que nem têm nada com isso. E, o que é pior, quando um rico
resiste à riqueza, abre mão dos seus bens, investe em obras de caridade, doa
para organizações culturais e artísticas, mesmo isso, inúmeras vezes, resulta
em lucros absolutamente inesperados.
Idem

S e você passa a vida dizendo exatamente o que pensa depois não venha
se queixar.
Diálogo com Mário Prata. 1971

O que amealha exageradamente, o que rouba de forma consentida ou


não, o que tolhe o ato de criação alheia, todos, na corrida longa criam
condições sociais impossíveis para si próprios. A escravidão de cada um
começa onde termina a liberdade alheia.
Conversa peripatética com Hélio Pelegrino, na praia de Ipanema. 1972

E scorraçada de toda parte, vivendo esfomeada, tendo que subsistir sem


morada certa, apunhalada aqui, estrangulada ali, não desejada em
verdade a não ser por uns poucos e loucos humanistas e revolucionários
através da História, é ridículo se representar a Liberdade como uma mulher
bela, um facho eternamente aceso na mão, os traços finos, a fisionomia
tranqüila e altiva. A Liberdade é um cachorro vira-lata.
Relatório na segunda sessão plenária da conferência sobre direitos humanos em Bucareste.
1958

O s poucos que, em verdade, desejam a liberdade são os grandes


responsáveis pelos tumultos que avassalam o mundo, hoje e sempre.
Só não há paz entre os que mandam e os que obedecem devido a uns
neuróticos que se metem no meio.
Fala na celebração do 50º aniversário do fracasso da primeira intentona contra Hailé
Selassié. Adis Abeba. 1964

D oentes, miseráveis, velhos, jogados no último cárcere do estado da


mais extrema miséria, só aí atingimos um definitivo grau de liberdade
– nada temos a perder e nada de pior nos pode acontecer.
Monólogo no Morro dos Urubus. Pilares, Rio. 1987

O conceito de Estado nasceu com o conceito da contenção da atividade


individual. Quando a primeira dona de casa cromagnon se queixou da
fumaça da fogueira da gruta vizinha, tinha criado o princípio de que o
direito de cada um termina onde começa o direito alheio e reivindicado a
necessidade da Lei e da Ordem. Daí às restrições em favor do próprio
exercício do poder foi apenas um passo. Apareceram os líderes, os guias
providenciais, os salvadores, os pais da pátria, os libertadores. E a liberdade
propriamente dita passou a ser considerada apenas uma lamentável
negligência das autoridades.
Monólogo no meio de uma multidão. Arpoador. 1967

T odo homem tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco na arquibancada


do Flamengo.
Encontro com Evaristo de Morais Filho, advogado. 1970

A liberdade é um esforço individual, coletivo, nacional. Dizem que o


preço dela é a eterna vigilância, ou a organização, ou a cultura.
Qualquer que seja o preço, o nosso credor se chama Estados Unidos da
América do Norte e cobra muito caro.
Arenga ao staff editorial da Luta democrática. 1965

N ão pense. Se pensar, não fale. Se, por acaso, for obrigado a falar seu
pensamento, evite escrevê-lo. Se escrever seu pensamento, não deixe
que o publiquem. Se o publicarem, recuse assiná-lo. Se o seu pensamento
aparecer assinado em qualquer lugar, corra para casa imediatamente e
escreva um desmentido.
Como sobreviver em regime ditatorial. 1969

S egunda metade do século XX: independência e liberdade totais,


permissividade absoluta, as experiências mais válidas, mais loucas e
mais grupais e comunitárias que já foram feitas quanto a sexo e orgasmo
Mas filho continua sendo só de duas pessoas.
Obras completas. 1970

R ealmente, se você não atravessar a rua dificilmente será atropelado, se


não entrar num avião é quase impossível que morra num desastre de
aviação, se evitar correntes de ar terá menos resfriados, se não prevaricar
manterá mais firmemente a harmonia do lar, se não beber cometerá menos
desatinos, se gastar menos do que ganha terá sempre uma reserva para os
dias difíceis, uma vida muito mais segura do que a do estróina e pródigo. O
preço da segurança é a eterna chateação.
Dos riscos de existir. Conversa com Rubem Braga. 1971

N um ponto a Bíblia tem toda razão e é contestadora e antiburguesa:


deve-se matar um vitelo gordo na volta do filho pródigo. Pois ir é
muito mais difícil. Largar tudo, ir embora, desvariar pelo mundo, mesmo
apenas para constatar que, ao fim e ao cabo, o mundo não vale o seu lar, é
extremamente difícil. Pode ser que o outro filho seja mais confiável, pois
ficou no arado, na monotonia, garantindo o sustento dos seus. Ótimo. Mas o
pródigo foi lá, viu como é que era e voltou para contar. Tem o direito de
engrandecer tudo o que viu, e de mentir sem contestação porque, se traz no
alforje o macarrão, o papel e a pólvora, tudo o mais lhe é permitido.
Conversa com Noelza Guimarães, feliz. 1970

L iberdade existe. Não só existe como é feita de concreto e aço e tem


cem metros de altura. Foi doada pelos franceses aos americanos em
1886 porque os franceses naquela época tinham excesso dela e os
americanos, pouca. Recebendo-a dos franceses, os americanos colocaram-
na na ilha de Bedloe, na entrada do porto de Nova York. Nunca entrou
completamente nos Estados Unidos.
Liberdade. Liberdade. 1965

S erá a Liberdade apenas uma nostalgia? Uma colagem malfeita de fatos


só imaginados? A política da esperança já desesperada? A simples
omissão dos poderosos? O Fla x Flu do Possível contra a Aventura? O
condicionamento total é a liberdade?
Conversa com Austregésilo de Athayde, presidente da ABL. 1959

T odo homem nasce livre. Naturalmente dependendo do pai, da mãe, da


classe social em que nasceu, sem falar dos acasos genéticos e da falta
de cuidados pré-natais que o podem fazer raquítico para sempre. Nascido,
decora logo a tabela de direitos e deveres de cidadão do seu país, faz as
contas e, se leva vantagem, cai de pau em cima dos outros. Assim é o
homem, e sua liberdade, condicionada a um sistema de classes.
Conversa com Haroldo Costa, ator. 1970
O preso não é mais culpado do que o carcereiro que mantém e acredita
no sistema que prende. E de prisão é fundamental não se falar muito,
já que os presos nada têm a dizer e os homens livres não sabem do que
estão falando. A solidão, as promiscuidades repetidas e enervantes, os 150
cm de espaço vital, o dia e a noite indistinguíveis das solitárias, tudo que é
feito para reduzir o preso político à impotência, mostra mais a impotência
do Poder Ocasional, buscando inutilmente persuadir através do
constrangimento físico. Sempre haverá criminosos.
Liberdade. Liberdade. 1965

A verdade é que, na luta milenar e desvairada pela liberdade utópica,


todos saem perdendo: não há palpite triplo e as “zebras” estão na
cadeia. Prometeu acabou lá, no rochedo. E o abutre? Bem, o abutre
detestava fígado.
Conversa com Ivo Pitanguy. 1972

Q uem confunde liberdade de pensamento com liberdade é porque nunca


pensou em nada.
Conversa com Renato Bithencourt, jornalista que foi embora pro estrangeiro e nunca mais
voltou. 1969

N osso lema é o mesmo dos antigos desvairados de Ouro Preto: Libertas


quae sera tamen. Tamen ou também? Nunca se soube. Repare bem, a
mesma estrutura sintática do Podes crer, amizade.
Conversa com Paulo Gracindo, ator. 1973

O ato de ser preso é, para o homem médio, uma humilhação irreparável.


Para o verdadeiro marginal, que vive permanentemente em regime de
humilhação social, pouco importa. Donde a absoluta inutilidade das prisões.
Conversa com Fernanda Montenegro. 1967

P ara efeito e medida da punição existe uma responsabilidade pessoal que


age acima da responsabilidade coletiva. Quero dizer, no caso
arquetípico do cidadão que rouba o pão porque a sociedade não lhe deu as
menores condições de ganhar o pão, quem é o culpado? Mas a própria
sociedade que cria as condições fundamentais para o roubo do pão é que vai
julgar o ladrão do pão. Que faria você como juiz? Ponha-se nessa posição e
decida-se pelo grau de pena, que são muitos e muito imaginosas as suas
formas em todas as sociedades: forca, exílio, ergástulo, castigo corporal,
simples reprimenda, seis ave-marias e dezoito salve-rainhas. Ou você acha
que basta o remorso? Dizem que Judas se enforcou numa figueira. Eu não
vi, não sei.
Conversa com Evaristo de Morais Filho, advogado. 1973
Relacoes naturais e artificiais

O clã das embaixadas é eterno e seus compoponentes imutáveis, aqui e no


Oriente, no passado e no futuro. Vemo-los iguais, como se fossem frutos
de uma árvore genealógica especial, em Ancara, em Washington, em Paris, em
Livorno. Nunca envelhecem, nunca são excessivamente másculos, nunca estão
cansados, são sempre bem informados e altamente preparados, têm sempre um
ar decadente de uma nobreza que já não manda mais e se contenta em servir,
com uma certa satisfação em mostrar boas maneiras de outros tempos aos donos
grosseiros dos tempos atuais.
Conversa com Araújo Castro. Embaixador. Em Atenas. 1965

A crença de que os homens são iguais é absolutamente indefensável e deriva-


se apenas do fato de serem feitos da mesma maneira.
Conversa com Clarice Lispector. 1967

U m incorruptível não tem o menor valor para um corruptor.


Idem

O s que falam em desaparecimento do homem da face da Terra são, eles


próprios, homens, falando do alto de sua presunção homocêntrica. Na
verdade, o Cosmos não toma o menor conhecimento dessas lamúrias. O
desaparecimento do ser humano – que corrompe a natureza, fura túneis,
empesta o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo onde pisa – se tiver alguma
importância, será positiva, e apenas para a vida desta diminuta faixa geográfica
chamada Terra. Não fará a menor diferença à economia do Cosmos.
Diálogo com João Condé, jornalista, colecionador. 1964

U m problema pode ser transplantado e estudado em teoria. Mas isso até um


certo ponto. É altamente recomendável que o estudo da botânica, da fauna
e da geologia seja feito ao ar livre.
A teoria na prática. 1967

C omo sexo as mulheres são insuportáveis, mas na hora do sexo, não tem
nada melhor.
Entrevista com Betty Friedan, que chutou a mesa. 1970
s que aspiram a uma permissividade total, inclusive e sobretudo nos hábitos
O vestir (despir) podem perder as esperanças. A nudez total jamais vai
triunfar enquanto houver fábricas de produtos têxteis.
Conversa com Maurício Bebiano, intelectual e playboy. 1963

N ada é tudo e tudo não prova nada. Slogans sobre a família que rezando
unida, ou trabalhando unida, ou se divertindo unida, permanecerá unida,
não têm nada a ver com a realidade. E, mesmo permanecendo unida, que é que
isso quer dizer? Que permanece feliz? É duvidoso. Apenas porque reza, apenas
porque trabalha, apenas porque come unida? Para mim a família que permanece
unida permanece unida. E só.
Reforma de consciências. 1967

P ara distinguir entre a realidade e a moda basta verificar se o fato pode ser


alterado fundamentalmente com a nossa intervenção, no momento ou
mesmo num período mais longo. Não temos como alterar a queda do corpo do
alto do edifício, o fluxo das marés, o nascer e o morrer do Sol. Podemos intervir
(e modificar rapidamente) na preferência por cores, maneiras de vestir, gosto
musical. Moda é tudo que passa de moda.
Modismos. 1967

A cultura é um acervo muito relativo e, individualmente, para você parecer


culto, basta apenas ficar bem atento ao que o interlocutor ignora.
Conversa com Zélio Alves Pinto. 1971

Q uando me lembro de Lincoln – “Pode-se enganar algumas pessoas todo o


tempo, todas as pessoas algum tempo, mas não se pode enganar todas as
pessoas todo o tempo” – sinto que minha colocação (estou mais em) é muito
mais entre algumas pessoas do que entre todas as pessoas.
Entre altos e baixos. Obras completas. 1971

N ão se pode deixar de ter saudades dos tempos mais tranqüilos, tempos em


que a humanidade era mais pura e inocente, como em Sodoma e Gomorra.
Conversa com Carlos Freire, fotógrafo, pesquisador. 1966

M ãe, mulher, filhos, maridos, parentes, não é que sofram mais,


necessariamente, mas a ligação deles entre si faz com que sejam
obrigados a sofrer mais, obrigatoriamente, diante de qualquer tragédia que atinja
um deles. A pragmática da ação humana é tão importante quanto a própria ação.
O relógio acaba mais importante do que as horas. E quem tem um lenço se
despede mais.
Conversa com Jânio de Freitas. 1959

O ato dinâmico de viver e sua avaliação constante, o balanço de uma


existência, não podem ser feitos leviana e prematuramente. O maior
canalha se redime, o mais puro varão de Plutarco se corrompe. É preciso esperar
a hora final. O homem só está fora de perigo quando morre.
Aos que vão ressuscitar. 1966

A segurança psicológica não é atingida de dentro para fora mas pela


observação da insegurança alheia. Todo homem tem seu grau de
incompetência e seu nível de insegurança. Fique certo: seu complexo de
inferioridade não é inferior ao de ninguém.
Conversa com Fernando Pessoa, jornalista. 1952

A intimidade acaba com o mistério e reduz o ídolo a suas verdadeiras


proporções, quase sempre mesquinhas. Mesmo os padres, de tanto dizerem
missa, acabam desconfiando de Deus.
Conversa com Otto Lara Resende, jornalista, escritor, conversador. 1964

A provocação é uma técnica que deve ser conhecida e utilizada. Primeiro:


porque é irresistível. Segundo: pra resistir a ela. Experimente na prática: a
mais calma das pessoas fica furiosa se você, no meio da mais tranqüila
discussão, lhe diz que não pode discutir com ela porque ela é facilmente
irritável.
Nas dunas de Abaeté com Dorival Caymmi. 1951

A proporção que o sistema vai fechando seus tentáculos kafkianos sobre o


indivíduo, até o filhinho deixa de ser olhado como um ser amado e passa a
ser encarado apenas como mais uma isenção do imposto de renda.
Conversa com Luís Hidalgo, advogado. 1973

D esconfie de linhagens, de famílias tradicionais, de qualidades e posses


passadas de pai para filho há gerações e gerações. Os que se orgulham
muito de sua ascendência, em geral só estão mostrando é o quanto já decaíram.
O papel da tradição e da inovação. Obras completas. 1970

A s mulheres, desistindo, parece, definitivamente, da maternidade (e apoiadas


pelos organizadores que acreditam no controle da natalidade) querem,
agora, que o controle seja feito basicamente por e através dos homens. O ataque
é frontal, abaixo da cintura, atingindo os homens naquilo que mais os
caracteriza. Chama-se, creio, a isso, cortar o mal pela raiz.
Luta de classes e de sexos. 1970
A estrutura da família convencional, um grupo de indivíduos vivendo de
maneira insustentável e em constante atrito provocado pelas terríveis
pressões de uma sociedade que já não a compreende, compõe-se de um homem
que não ganha o suficiente, de uma mulher absolutamente irrealizada e de três
filhos que crescem para ser, respectivamente, transviado, hippie e subversivo.
Admirável mundo novo. Palestra no campo do Vasco, tendo como ouvintes Zagalo e Paulo César.
1972

C om esse homem, feito apenas para a emulação do poder, da ambição e do


ciúme, a única coisa que se tem conseguido – precariamente – através dos
tempos, é uma revolução econômica. E toda revolução econômica faz apenas
uma mudança de capitalistas e do nome com que são chamados.
Discurso de abertura das aulas da universidade do Meyer. 1951

E ntre os muitos erros da Natureza está o do envelhecimento, que começa


muito cedo, aí por volta dos trinta anos, se acentua dramaticamente aos
quarenta, quando o indivíduo ainda está na metade de sua vida. Uma das
grandes sabedorias da Natureza é, porém, a morte, que pode chegar a qualquer
momento e pode ainda demorar muito, por mais jovem ou por mais velho que se
seja. Os que acham a morte uma coisa injusta deveriam pensar na injustiça que
seria, aí sim!, haver no mundo pessoas mortais e pessoas imortais.
Conversa com Lúcio Rangel, jornalista, musicólogo. 1968

A mais prezada das relações humanas (pelo menos no lado de cá do mundo, o


que conheço, o ocidental) é a relação homem-mulher, sentimental,
intelectual e sexual, dita amor. Feito de mil razões sutis, palavras e tons de
palavras, gesto e pressão de gestos, defeitos de visão (psicológica e até mesmo
física) buscando o tempo todo, mas quase sempre chegando sem ser
pressentido, o amor, contudo, não tem a mesma discrição ao ir embora. Parte
sempre fazendo aquele quebra-quebra.
Lazeres íntimos do povo. Discurso no Mackenzie, São Paulo. 1963

A natureza fez o pescoço com uma mobilidade que possibilita uma visão de


360 graus. Portanto devemos olhar a coisa de todos os ângulos.
Conversa com Geraldo Queiroz, diretor de teatro. 1960

D entro de um sistema precário de relações humanas, com a mulher ainda


colocada numa condição social inferior, é extremamente difícil a felicidade
conjugal. Que só existe, em verdade, no dia em que morre um dos cônjuges.
Possibilidades do matrimônio.
Sermão substituindo o pároco da Sé de Uruburetama. 1972
O casamento é, basicamente, uma necessidade de continuação da Família. E
a Família serve como estímulo ao casamento. O resultado é conhecido.
Conversa com José Álvaro, jornalista, editor. 1971

A final de contas, ser branco não é, em si mesmo, uma coisa tão maravilhosa


assim. Se vocês vissem os tipos de branco que, em Joanesburgo, pátria do
apartheid, passam os dias sentados nos bancos em que está escrito “só para
europeus”, certamente cairiam numa razoável depressão a respeito de nossa
decantada superioridade racial. Mesmo fisicamente.
Racismo e liberalismo. 1959

O melhor caminho para uma futura violência de relações com os filhos é os


pais se sacrificarem inicialmente por esses filhos. Infalivelmente, cobrarão
com juros esse patrimônio de sacrifícios.
Conversa com Sábato Magaldi, jornalista, crítico teatral. 1956

O pai de família mais exemplar e conformado e a mãe de família mais casta e


monogâmica, se falarem 10% do que estão pensando, poderão ser presos
como devassos, iconoclastas e extremistas.
Conversa com Fernando Torres, ator, diretor de teatro. 1967

C omo tudo é relativo, se você se mantiver apenas curvado diante dos


poderosos quando todos os outros estão agachados, será considerado um
homem de grande altivez.
Conversa com Ênio Silveira, jornalista, editor. 1957

M ais cedo ou mais tarde as pessoas justas e honestas receberão o devido


castigo.
Pif. Zig. Paf. Pong, espetáculo teatral. 1962

D e vez em quando alguém repete aquela expressão de quem não tem o que


dizer: ser carioca é um estado de espírito. Mas, qual será,
fundamentalmente, esse estado de espírito? Para mim, embora pareça estranho
num povo extrovertido, a qualidade fundamental do carioca é a discrição.
Porque se seu estado de espírito, em massa, é o da ostentação lúdica do futebol
e do carnaval, individualmente o carioca é discretíssimo e sempre meio
envergonhado diante do elogio: “Pera lá, quem sou eu?”.
Defesa contra os grupos predatórios. Conversa de praia. 1972
Relacoes de poderes

O homem é um produto do meio. O meio é um produto do homem. O


produto é um homem do meio.
Reflexões abstratas. Obras completas. 1970

S er burocrata é padecer na anedota. Déspotas natos, tiranos da


mediocridade kafkiana, os burocratas concedem porém que todas as
ironias que lhes fazem têm sua razão e servem ainda como válvula de
escape sem a qual a saída para “as exigências da lei e as insolências da
burocracia” seria o crime puro e simples: o assassinato.
Idem

O nazismo alemão, o fascismo italiano, o monarquismo abissínio, a


ditadura do proletariado estalinista encontraram o meio fácil e
eficiente de acabar com a pobreza: acabaram com os pobres.
A teoria na prática. 1971

C om taxas e mais taxas, arbitrárias e crescentes, aplicadas com


impiedade e violência sobre todos os contribuintes, ninguém sabe mais
separar o que é imposto do que é confisco de bens.
Nas negociações de 13 de agosto. 1970

O plutocrata ambicioso mas sensível e progressista, nem por isso deve


andar desprotegido contra a inveja e a incompreensão ocasionais da
massa. Aconselha-se pois que vista sempre, por baixo do seu casaco de
casimira inglesa, um colete de malha de aço com pelo menos três polegadas
de espessura. Que, aliás, já existe de fabricação nacional.
Idem

N a indústria e no comércio, cada vez mais, o importante é vencer, se


possível sem competir.
Discurso na associação comercial. 1958
I nseguro e incapaz, o indivíduo só pode melhorar numa comunidade mais
desenvolvida e estimulada. A sociedade, tal qual existe, incita à
rivalidade mais mesquinha e todos os cidadãos, entre si, vivem num atrito
odioso, não por um lugar ao Sol, mas pela mínima réstia de luz. Por isso, no
mundo em que vivemos, só o morto merece todas as loas e só o morto é
benquisto. Um cadáver não disputa, não exige, não erra, não atrapalha.
Sobre a questão da cooperação agrícola. 1953

O poder tem suas limitações e suas hipocrisias.

Quando um Estado não pode proibir as explosões nucleares, proíbe


fogos de São João.
Ditado. 1967

N ão façamos utopia da Grécia antiga comparando-a com a moderna. A


luta tem que ser constante pois a opressão, a corrupção e a
incompetência também são constantes. O que se pode dizer de pior contra a
Junta Militar é que, até agora, ela nem sequer ameaçou produzir uma Ilíada,
uma Antígona, não fez nenhuma ágora. Sua literatura é ruim, sua
arquitetura barata, seu urbanismo serve apenas, mal, para o escoamento do
tráfego. Pior que tudo – como são feios, os coronéis.
Conversa com Maria Koutsikos, Roma. 1973

E é necessária uma sólida coerência nas reivindicações. Se todos querem


afirmar seus direitos, nada mais justo do que o Poder Público também
ter o direito de ser contra toda e qualquer oposição.
Contato com o deputado Marcos Tito. 1971

A democracia é o último refúgio da impossibilidade de governo.


Diálogo com Paulo Mendes Campos, escritor, poeta. 1968

U ma frase que cada dia adquire mais significado: a união faz a força
Não só. Só a União tem a força.
Conversa com Brito Velho, o moço. 1963

H á duas forças que se contrapõem em todas as atividades. A ostensiva e


a dos bastidores. Há os que preferem a coisa pública, aberta, o aplauso
múltiplo e popular. Há os que convivem bem com o poder profissional, sem
ressonância, mas intenso e concentrado, tipo eminência parda. As duas
forças vivem em tensão permanente.
Obras completas. 1970

N o jogo político não há hipótese de uma perfídia ficar escondida muito


tempo. Os próprios beneficiadores fazem questão de divulgar os
benefícios feitos, a fim de comprometer os beneficiados. Quem se curva aos
opressores acaba sempre mostrando o rabo aos oprimidos.
Diálogo com João Cabral de Melo Neto. Sevilha. 1958

O adversário tem que ser tratado com realismo, sem concessões e sem


provocações. Só o apaziguador nato, tíbio compulsivo, teima em
alimentar um tigre na esperança de que ele dê leite de vaca.
Conversa com Hugo Bidet, jornalista. 1970

N ão é verdade que quando um não quer dois não brigam. Toda


concessão, como tem provado a história, traz apenas novas
reivindicações por parte de quem foi contentado na primeira investida. Ou
você coloca o adversário na sua posição, de saída, dando-lhe apenas aquilo
a que tem direito, ou não há paz possível. Quando um quer dois brigam.
Conversa com o comerciante e atleta Raul Mata de Lei, fora da arrebentação na praia de
Ipanema. 1971

O controle dos meios de Comunicação modernos deu aos poderes


constituídos uma força esmagadora e quase imbatível. Os poderosos
podem não aumentar a própria estatura mas lhes é muito fácil rebaixar o
teto.
Papo com Adriano, engenheiro eletrônico. 1992

S tálin, Hitler, Salazar, tiranos, donos de países e ideologias


completamente diferentes e opostas. Mas o tipo de Inquisição que
criaram é absolutamente igual.
Como lidar com a hierarquia. Obras completas. 1970

O s americanos, como é sabido, pagam por palavra a seus intelectuais.


Aos intelectuais estrangeiros pagam o dobro para que não as
escrevam.
Conversa com Mauro Santayana, jornalista. 1973

C ertas coisas são proporcionais, tudo é possível, quase tudo relativo. Em


quem dói muito, por exemplo, o fato de às vezes doer um pouco
menos faz parecer que dói ainda menos do que naqueles em quem não dói
nunca e agora está doendo um pouco. Swift, o louco, sabia disso quando
recomendava que uma pulga deve ser sempre desenhada maior do que o
natural e um elefante, menor.
Do absoluto social. Obras completas. 1970

A alienação social absoluta (Maria Antonieta, os Romanoff, Faruk) leva,


repentinamente, um susto diante da realidade miserável e, como tal,
miserável demais. Nunca foi possível o Nirvana total dos poderosos, nunca
foi perfeito o sibaritismo do sultão de Alderaabad: tem sempre alguém que
grita por socorro no melhor da festa.
Discurso de inauguração da nova sede do Pasquim. 1972

E m que consiste a punição? A que ou a quem serve? Quais são seus


princípios e razões? Qual é a autoridade punidora ou punitiva, de Deus
ao pai, e em que ocasião e em que medida, e com que fito e exemplo, deve
a autoridade ser exercida? Existe, no punido, o desejo da punição? Que
formas e proporções devem ter as punições relativamente aos crimes
cometidos? A punição pode ser atenuada pela intenção da falta,
determinação da falta, inocência da falta, competência ou incompetência do
faltoso? Kant afirma: “É o princípio da Igualdade que deve fazer com que a
balança da Justiça não se incline mais para um lado do que para o outro. É
como se o mal que uma pessoa faz à outra se voltasse, exatamente igual,
contra ela, culpada”. Se chama a isso Direito de Retaliação. Pena de Talião
(ius talionis), quantos crimes não se cometeram em teu nome!
Direitos e deveres. 1969

O Poder não se explica. O Poder não garante nada. O Poder, enfim, não


tem compensação a não ser o próprio Poder. Não há nenhum motivo
para se tentar a escalada suicida. Sobe-se porque a montanha está lá.
Conversa com Sebastião Lacerda, editor. 1974

F ala-se nas penas da lei como se esta fosse uma galinha prodigiosa. As
penas da lei são as penas dos homens, sempre classistas, preservadores
dos direitos dos que dominam o jogo social.
Legislação. 1956

N a ocasião dos acontecimentos de maio de 1968, em Paris, La voix des


Polices, órgão oficial da polícia francesa (um pobre homem, o policial,
e uma lamentável organização, a polícia, espremida, nos países livres, entre
o cidadão irritado e o governo acuado e, portanto, implacável) publicou:
“Lembramos que, em todas as circunstâncias, os funcionários da polícia
devem agir com discernimento e espírito humanitário. Desaprovamos certos
métodos empregados contra os estudantes e deploramos os confrontos
estudantes-policiais, os quais complicam os problemas verdadeiros, que
devem ser discutidos nas universidades”. Que quer dizer isso? Autopunição
verbal motivada por uma punição corporal nos estudantes, inevitável na
dinâmica do processo? Um ato espantoso de compreensão partindo de uma
organização tida mundialmente como obtusa? A conclusão de que a prisão,
afinal, depois de séculos de desgaste, já não prende ninguém? Como diz
Berto Fahri: “Graças à sutil degradação da disciplina concentracionária,
miasmas acumulados por séculos de Ordem e Justiça, hoje a punição está
para a lei como o camping está para o eremitismo”. Na prisão de Barrages,
no Egito, seção A, célula II, num friso da Era Vitoriana, em 1935, dez anos
antes de Sartre, um condenado de Direito Comum escreveu, em língua
árabe: “O homem é um condenado à Liberdade”. Ao que outro ajuntou: “A
Injustiça é o fundamento da Liberdade”.* A desordem também. E a
corrupção. Todos os iniciados sabem que as prisões mais sujas são as mais
livres. E a punição violenta é um ato de desespero.
Carta a Paulo Francis, escritor, polemista. 1963

O Poder, se me permitem, é, mais do que tudo, a ausência do Poder. Sem


poder todos nós morremos de dor, ansiamos por ele, lutamos
assassinamente por ele. Poder é o que os outros têm.
Conversa com Jô Soares. 1969

A Desobediência Civil, teorizada por Tolstói, é a mais nobre e a mais


salutar das virtudes sociais e a primeira a ser enquadrada na lei pelos
poderosos.
Conversa com Raul Solnado. 1962

S er livre, é bom notar, não é ser libertado. “Eu te dou toda liberdade”, é a
restrição suprema.
Conversa com Raphael de Almeida Magalhães. 1963

O estranho é que, num país com mais de 60% de analfabetos, a grande


preocupação do Poder Público seja o que dizem meia dúzia de
escritores.
Conversa com Carlos Drummond de Andrade. 1971

T odo Estado é administrado por um grupo de criminosos que, ao tomar o


Poder, estabelece uma legislação pondo todos os outros cidadãos mais
ou menos fora da lei.
Legislação. Princípios. 1966

N um regime ditatorial ou se motiva a massa ou se organiza a


indiferença.
Aqui e agora. 1957
Hipocrisia social e politica

E difícil fazer um jovem acreditar que todas as verdades estabelecidas são,


em verdade, mentiras deslavadas, estabelecidas mentiras. Que lhe dizer da
estrutura social que não é estrutura nem social, dos homens de bem, apelido de
todos os canalhas defensores do sistema de manutenção de privilégios, da
liberdade (para cidadãos que trabalham dez horas por dia, gastam pelo menos
quatro para ir e vir do trabalho e, nos momentos raros de lazer, não têm com
que pagar o ingresso do campo de futebol, onde está a liberdade?), da Justiça
(feita para manter um código de leis imutáveis) e da impostura internacional
para domínio de mercado? Por isso ao falar aos jovens é fundamental mentir
para não passar por mentiroso.
Técnica de meios. Obras completas. 1970

A lei escrita é sempre muitos anos atrasada em relação ao direito real, aquele
que está no ar e pertence ao nosso tempo de vida. A Justiça não só é cega
mas sua balança desregulada e sua espada sem fio. É fundamental impor um
direito mais amplo do que o que está escrito, obrigar o juiz a funcionar acima da
mediocridade do regime em que vive.
Diálogo com Emmanuel Viveiros de Castro, Maninho, advogado. 1967

O capitalismo não perde por esperar. No Brasil ganha 6% ao mês.


Reforma bancária. Obras completas. 1970

A divisão de lucros é, segundo o muito que tenho lido a respeito, a salvação


da humanidade e a porta para o milênio de felicidade humana. De modo
que, se você possui uma fábrica onde trabalham 22.000 homens e essa fábrica
(depois de deduzidas, naturalmente, todas as despesas, inclusive as pessoais,
viagens, jantares, custeio de um segundo lar, eventuais e atualização do ativo)
dá 44.000 cruzeiros de lucro por mês, é justo que você divida esse lucro
totalmente pelos trabalhadores, entregando a cada um deles os dois cruzeiros
que merecem por seu esforço, dedicação e competência. Teremos, aí, então, o
socialismo. Ou melhor, jamais ouviremos falar, de novo, no socialismo.
Idem
e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse voto pode ser contra, a favor ou

D
inutilizado. O eleitor que consegue dar mais de um voto a um candidato
está atribuindo a si mesmo o direito de usar o chamado voto qualitativo.
Constituições. 1946

O julgamento feito a partir de uma faixa etária em que um adulto, apenas por
ter mais de dezoito anos, é sempre culpado em relação a uma menor de
dezoito anos, não tem nenhuma base real, não encerra qualquer justiça. A
verdade é que as menores seduzidas são, em geral, extraordinariamente
sedutoras.
Idem

O s que se eximem da culpa afirmando que “foi só uma vez” devem se


lembrar que também só se morre (ou se mata) uma vez. Para sempre.
Obras completas. 1970

N uma ditadura todo ônus da prova pertence ao acusado e todo cidadão é


culpado até prova em contrário.
Circular sobre a situação. 1965

A confiança é um ato de ida e volta em que a nossa ação tem uma


correspondente direta e proporcional no apoio dos que orientamos. Só nas
grandes corporações capitalistas existe a fórmula hipócrita do voto de
confiança, uma coisa que só se pede quando já começaram a desconfiar.
Conversa com Haroldo Barbosa, compositor, humorista. 1957

A libertação de hábitos mentais há muito tempo adquiridos é quase


impossível e eles se tornam inerradicáveis, a não ser que você faça um
esforço sobre-humano. Os loucos, antigamente tratados como criminosos, ainda
são tratados como doentes por mero preconceito dos que detêm o poder dentro
da medicina. Basta um indivíduo ter mania de andar nu para que isso seja
considerado uma loucura. Porém, se algum tempo depois, a prática se
generaliza porque posta em moda por elementos bem-sucedidos no sistema
econômico e divulgada pela mídia interessada em tirar partido do fenômeno, aí
andar nu passa, no máximo, a ser uma extravagância erótica. A única diferença
entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum.
Conversa com José Amádio, jornalista. 1948

A análise de lendas a respeito de grandes homens traz conclusões


desalentadoras. George Washington, famoso porque não mentiu ao pai que
lhe perguntou quem tinha derrubado sua cerejeira de estimação, só torna
evidente que a norma, para os outros chefes de Estado, é a mentira constante,
cínica e deslavada.
A realidade e o mito. 1965

A hipocrisia é o elemento básico na filosofia das grandes nações. Seria tão


fácil elas terminarem com as explosões atômicas. Mas gastam tempo,
energia e dinheiro tentando controlar a explosão demográfica.
Idem, p. 1.389

A defesa do status quo chega a seu extremo na “boa educação” quando são
impostos, inclusive, ridículos hábitos de “como sentar à mesa”, “como
falar aos mais velhos”, “como se vestir para sair” com orientação precisa,
inclusive, quanto a gestos e palavras que devem ou não ser ditas em
determinados lugares e ocasiões. Quaisquer dessas regras quebradas significa
perda de status para o indivíduo, a família e o clã ao qual o indivíduo pertence.
Com esse processo se busca defender todo um sistema no qual, afinal,
sobrevivem poucos e lucram pouquíssimos. A respeitabilidade é o leão-de-
chácara da burguesia.
Conversa na praia com Raul Riff, jornalista. 1971

I nstalados no maior conforto burguês, em apartamentos suntuosos com três


vagas na garagem, possuindo enormes contas em bancos nacionais e
estrangeiros, investimentos em todas as formas de economia repressiva,
espoliativa e inútil, ganhando dinheiro apenas porque fazem parte integrante do
sistema, alguns milionários ainda posam de revolucionários, pregando reformas
sociais da boca pra fora mas numa veemência às vezes muito parecida com a
sinceridade. Em verdade querem reformas drásticas que deixem tudo
exatamente como está.
Maneira correta de lidar com as contradições dos poderosos. 1971

A conceituação tem mais força do que a realidade. Se, repetidamente,


fazemos críticas muito desonestas a respeito de uma pessoa, nunca mais
conseguiremos acreditar nessa pessoa.
Quem são nossos amigos? 1957

M e dêem mil atos de absoluta moralidade e eu construirei um bordel.


Conversa com Flávio Cavalcanti, apresentador de televisão. 1957

A conhecida lei do PSD é a mesma eterna lei da tergiversação e do


compromisso. Para os que adotam essa política e essa filosofia, ensinar um
cachorro é dizer: “Malhado, levanta ou não levanta e vem cá, se quiser”.
Consideram uma afirmativa audaciosa dizer que estão onde sempre estiveram.
E que não são contra nem a favor, muito pelo contrário. Levam seu acordo
político ao extremo de prever que o tempo será bom ou ruim, se não for estável;
que está muito quente em caso de calor e que os ventos soprarão de um lado ou
do outro, conforme o sudoeste que soprar. Essa técnica, adaptada à coletividade
política, passa até a ser considerada estadismo.
Alguns tópicos sobre liderança. Conversa com Joel Silveira junto ao Muro das Lamentações. 1952

E fundamental verificar sempre a afirmação de sinceridade de nossos


companheiros que fazem suas pregações sociais entre um artigo para a
Manchete e um programa para a TV Globo, assim como quem faz o regime de
emagrecimento entre uma refeição e outra. Na verdade, esses companheiros
desgarrados não são contra o roubo. São apenas contra serem roubados.
Maneira correta de lidar com os colaboradores. Conversa com Ziraldo. 1971

U m bom caixa de banco, para contar dinheiro, sempre deve molhar a ponta


dos dedos numa esponja a fim de evitar que duas notas passem por uma.
Esse cuidado é desnecessário nas operações de depósito.
Entre o rico e o pobre. Tese defendida no Café Lamas. 1963

A os que violentam e não o sabem, aos que roubam e nem suspeitam de que
o que fazem é um roubo e aos que prevaricam sem consciência, aconselho
mais reflexão. Também tenho uma tia, que passou por prostíbulos, tem seis
filhos e se diz, e se considera, sinceramente, virgem e inocente.
Idem

U m governo sábio realiza primeiro e, posteriormente, vendo o que foi


realizado, faz os planos e os projetos. É a única forma possível de fazer os
planos coincidirem com os resultados.
Relatório como conselheiro do planejamento de Uganda. 1971

Q uando as informações sobre a destruição do meio ambiente pela ganância


dos sistemas econômicos vigentes chegou ao conhecimento do homem
médio, o homem médio, como sói acontecer, adotou a técnica do avestruz:
comprou mais um apartamento e enfiou a cabeça na areia. E passamos a xingar
a tecnologia, que não sendo má em si mesma é também, ela, uma vítima do
sistema, que exige uma produção caótica, um afã de superação, uma ânsia
doentia de status e o pensamento dirigido só e unicamente para a rentabilidade.
Tudo isso colocando o homem nesses escaninhos sinistros chamados classes
(média, alta, baixa), vivendo à espera da morte ou, se preferirem, morrendo à
espera da vida.
Conversa com Jacó do Bandolim. 1967

S
ver.
éculos de egoísmo, exploração do homem pelo homem, escravatura,
inconsciência e ambição desmedida. O resultado está aí para quem quiser

Conversa com Noel Marinho, arquiteto. 1966

O rico, que come mais do que o pobre, inventou a boa educação para que
seus iguais não vivam arrotando à mesa.
Conversa com Carlos Lemos. 1970

O Poder é uma sensação vertiginosa e maravilhosa, cultivada pelos


impotentes.
Conversa com Alfredo Machado, editor. 1971

N o mais extremo exagero, a Censura Federal proibiu o rebolado na


televisão. O rebolado do samba. Assim, temos o samba sem rebolado, que
é como ter o sal sem o salgado. Isso na televisão, que, essa sim, é imoral,
porque comercial, subintelectual, contrária a qualquer tipo de educação. Tem
razão o escritor Abgard Renault “Que se pode esperar de um país que tem uma
Comissão Executiva da Mandioca?”.
Contato com Alberto Dines. 1972

A Justiça, de qualquer forma, aí está, com sua cabeça erguida, seu olho rútilo,
mesmo coberto pela venda que, teoricamente, a impede de ver errado. Para
o dicionário, é uma virtude. Para o jurista, um direito organizado, pragmatizado
e institucionalizado. Para o teólogo, arma de amparar o respeito do homem pelo
homem, feito à imagem e semelhança de Deus. Para o cidadão comum, um
recurso supremo, quer dizer, uma derradeira e vaga esperança. Para os homens
da lei, quase sempre apenas um ganha-pão monótono. Para o Poder, um
instrumento político. Só a impostura das sociedades modernas faz crer ao
cidadão comum que a justiça é com maiúscula e pode funcionar
independentemente do Poder Político, acima dele, pairando soberba e solene, lá
bem alto, como um Concorde subsônico. Essa justiça existe e se chama Justiça
Criminal, mas julga apenas elementos da baixa classe média em processos que,
socialmente, não têm a menor importância.
Conversa com Grande Otelo, ator. 1956

esconfio por princípio daqueles que lucram com seu ideal.


D Conversa com o dr. Nova Monteiro, ortopedista. 1971

N os países ditatoriais de esquerda ou direita, a miséria social se torna


tão grande que, de tempos em tempos, se distribui ao povo uma
esmola política na forma de um voto.
Conversa com Jorge Amado. 1956

C uidado com os administradores públicos que lançam todo o peso de sua


ação para um futuro remoto. Nem eles, nem os críticos, estarão lá para
verificar o acerto das medidas tomadas no presente. Geralmente o lucro do
futuro parte de um presente bem administrado.
Conversa com Negrão de Lima, político. 1972

T enho a nítida impressão de que todos os meus amigos são puros, todos os


lugares que freqüento impolutos, todas as mulheres que conheço
sacrossantas. Ladrões são os outros, sujos são os locais a que os outros vão,
prostitutas apenas as mulheres dos vizinhos. Há trinta anos que em vão tento me
corromper. Só me oferecem cargos de sacrifício, postos em que se necessita um
salvador ocasional, campanhas “em prol de”, sem que eu possa me beneficiar
de nada. Ilibados amigos meus – eu quero dinheiro, glória, cargos, opulência,
sexo farto e fácil.
Conversa no Pasquim, com a patota. 1972

N azistas por nazistas, por que perseguir uns e homenagear outros, se os


crimes variaram apenas de estilo? Por que, enquanto Borman é odiado e
procurado por cães farejadores em quatro continentes, von Braun é
extremamente bem pago, tem a seu dispor, para suas experiências, todos os
bens da Terra e é bajulado pelos que desejam seus serviços? Por que é um
cientista? Então a medida é essa? A ciência, por si mesma, exime o cientista de
qualquer responsabilidade? Ou é apenas porque a V2, de von Braun, estudada,
financiada e patrocinada pelos nazistas, não caiu na cabeça dos judeus mas dos
ingleses?
Conversa com César Lattes. 1960

O que espanta, no caso do detetive Nelson Duarte, é a busca, cansativa e


deviacionista, de provas que não interessam e só fazem o 007 sinistro
ganhar tempo. Bastava olhá-lo na televisão, ouvi-lo falar, escutar o que ele
dizia, sentir como dizia, observar a maneira dele se vestir e se comportar para
concluir que ali estava um cidadão acima de qualquer suspeita. Sou a favor da
criação de uma justiça psicológica, talvez tão injusta quanto as outras mas, pelo
menos, infinitamente mais rápida.
Conversa com Borjalo. 1973

S e você acredita no sistema em que vive, luta pela preservação dos bons


costumes e da moral, pensa no futuro como uma continuidade deste sórdido
presente, então basta conseguir um pouco de dinheiro para poder ser
considerado um perfeito canalha.
De todos os homens do mundo. 1953

E m antigos sistemas políticos, os nobres parlamentares, disputando com seus


pares-em-poder, não podiam prometer sem sofrerem pressão – dos seus
rivais no dia-a-dia político – por realizações. De tempos em tempos leiloava-se
o Parlamento, os lances sendo feitos, como hoje, com promessas, estas, porém,
com um mínimo de garantias. Depois de um século ou dois o processo ficou tão
difícil que os Senhores acharam menos cansativo e perigoso dar ao povo, em
vez de reformas, o direito ao voto. O engodo é perfeito. A Opinião Pública que,
atingindo nobres e ricos, acabava restringindo esses velhos líderes “naturais”,
desapareceu sintetizada num escrotínio (sic) periódico. Os novos líderes,
“revolucionários”, conseguiram, sem má consciência, e com perfeita
impunidade, dizer hoje uma coisa e amanhã outra, sem serem cobrados depois.
Pois estão ratificados, senão santificados, pela Urna e pelo Voto.
Advertência a Luiz Antônio Gravatá, geólogo, colecionador, informata. 1979
Responsabilidades

H á os que cedem diante da violência, os que temem qualquer ameaça, os


que nem suportam a idéia de perderem um emprego. O poder opressor
usa todos os meios, alguns até instintivos, para dominar o cidadão rebelde e a
ovelha negra. Pela convicção, pelo cansaço, pelo suborno, pela
ridicularização de sua fé e, afinal, pela extrema coação física, o Filho Pródigo
é persuadido a voltar e a partilhar do vitelo gordo. Por isso é fundamental
uma resistência constante às pressões e às tentações do poder. O preceito
fundamental do algemado é não pensar em comichão.
Palestra na universidade do Meyer. 1950

Q uando os legisladores legislam, na pura teoria, sem pressões maiores do


julgamento real, conseguem obter uma certa sabedoria da lei escrita. Na
prática, porém, as interpretações dadas pelos juízes sob impulsos e interesses
do momento, tornam as leis injustas e odiosas. Mas toda lei é boa se usada
legalmente.
Recado a Marcel Duval, irmão do xará Millôr. 1995

T emos que lutar com nossos próprios recursos, mantendo a fé, no meio do
ódio e da necessidade. Pois é bem possível que isto seja apenas uma
astronave tentando escapar de mundos ainda piores.
Discurso na praça. 1968

D epois de alguns milhares de séculos de lutas, o mal está cada vez mais
bem plantado, o crime não só compensa como está institucionalizado, o
masoquismo não só não é combatido como é até estimulado. Temos que
reconhecer que Deus envelheceu e o Demônio evoluiu.
Conversa com Glauco Rodrigues, pintor. 1973

O conhecimento distante de um mal social não é suficiente para aferir suas


causas e encontrar maneiras de solucioná-lo. É necessário um
conhecimento íntimo do problema e esse conhecimento acaba sempre in loco,
no dia a dia em que se apresenta e desenvolve. É preciso experimentar, viver
um mal, para a exata consciência de sua extensão e profundidade. Conhecer a
diferença essencial entre o latido e a mordida de um cão. Esta é mais pessoal.
A teoria na prática. 1968

N em todos têm a capacidade e os meios de construir na medida do que


gostariam. Mas todos, sem exceção, podem evitar os males sociais dos
realizadores sem escrúpulos, dos empreiteiros ambiciosos, dos que destroem
tudo por onde passam no afã do lucro, numa política de cupidez e terra
arrasada. Você pode não realizar seus sonhos mas deve fazer tudo para que
outros não realizem os seus pesadelos.
Conversa com Carlos Henrique Porto, arquiteto. 1965

T radição é meia solução. É fundamental você examinar bem o meio em


que vive, as condições sociais existentes, e tentar equacionar com o
máximo cuidado todos os efeitos de uma mudança. O perigo dos movimentos
sociais orientados por aprendizes de feiticeiro é tentar destruir o status quo e
acabar destruindo apenas o status sem mexer no quo.
Conversa com Giselle Goldoni, empresária. 1988

A classe média, sem aspirações nem grandeza, é uma entidade que não
sobe nem desce, não quer nem deixa, e está em toda parte ao mesmo
tempo.
Conversa com Vilmar, desenhista. 1972

F az parte fundamental da luta social uma infinita paciência no lidar com


as pessoas, problemas, tudo, todos e todos os seres. Isso, evidentemente,
não inclui cachorros, crianças, grã-finos, classe média em geral, proletários e
militares.
Castas. 1965

E preciso que as armas que você tem para lutar – culturais ou não – sejam
adequadas ao tipo de processo e ação em que você está integrado. Não
adianta nada você ter as melhores mãos de pôquer quando está jogando
canastra.
Conversa com Pedro Alverga. 1972

N ão importa o que se faça com eles, aplicando-os em utilidade prática,


bem comum ou gozo individual. Mas é fundamental cuidar dos minutos.
As horas passam.
Conversa com Claudius, arquiteto, desenhista, diante da relojoaria suíça Jet d’or. 1973
V ocê, salvo prova em contrário, é um membro da espécie humana. Isto é,
um assassino nato, usufruidor da miséria geral (se você come, alguém
está deixando de comer, pois o mundo não tem alimento para todos os seus
habitantes), sequaz de assassinos, parceiro de ladrões, cúmplice de
espoliadores. Se você vive, você é um homem. E um homem, nas
circunstâncias em que vivemos, é exatamente o oposto do homem do If, de
Kipling.
Conversa com Daniel Tolipã, empresário. 1967

E preciso que a autocrítica não seja superficial e deviacionista, feita apenas


para, ao fim, ocultar erros graves, ampliando os sem importância. Nossa
ação só poderá melhorar quando deixarmos de nos queixar de nossa falta de
memória e começarmos a nos queixar de nossa falta de caráter.
Orientações. 1965

O s direitos de cada um terminam onde as autoridades se sentem impunes.


Encontro com Guga Fróes, promoter. 1985

A gora que os homens já foram à Lua meia dúzia de vezes, fizeram lá um


show ao vivo e sem censura, mostraram que o telefone de lá funciona
melhor do que o daqui, roubaram umas pedras do solo lunar (o homem é
visceralmente ladrão) e deixaram por lá, como presente da Terra, um
aparelho de laser, algumas antenas radiotransmissoras, um pouco de xixi e de
cocô humanos (devidamente esterilizados, diga-se-a bem da verdade) e duas
bandeiras de plástico, uma russa e uma americana (esta com um gadget que a
faz vibrar permanentemente) se defrontando de modo hostil, o romantismo
lunar desapareceu para sempre. Isso eles conseguiram, os astronautas: tiraram
a magia da velha dindinha Lua.
Papo distraído com Renata Cunha, empresária. 1991

N ão reclame o pouco que lhe coube. A mais íntima das formas de vida é a


ameba. Daí surgiram os grandes homens.
Teoria e prática. 1967

N ão existe liberdade consentida. A liberdade é de baixo para cima,


imposta pelas reivindicações e pela consciência do indivíduo. As
tiranias, por vontade própria, jamais dão liberdade. Apenas, à proporção em
que se sentem seguras, vão pondo mais elos na corrente que prende todos os
cidadãos.
Diálogo com Sérgio Lacerda, editor. 1963

O problema não é apenas caminhar na estrada certa. Temos que arriscar


também a contramão.
Tráfego social. 1967

C ada um de nós tem que escolher com precisão seu campo de batalha,


conhecendo as próprias limitações e possibilidades. Dentro disso há uma
escolha: ou passar para a escala superior com meios próprios ou ficar na
própria média alcançada. De um limite a outro há uma imensidão de
possibilidades. Dependendo de sua própria escolha você pode ser o último
dos rápidos ou o vencedor dos lentos.
Recebendo uma equipe de futebol amador de Conceição de Mato Dentro. 1971

C ada um tem sua função e todos precisam cumpri-la. Citando Lincoln:


“Se Deus quisesse que uns homens só comessem e não trabalhassem e
outros só trabalhassem e não comessem, teria metade dos homens só com
bocas e sem mãos e a outra metade só com mãos e sem boca”. Mas é mesmo,
Lincoln?
Idem

A mística da obediência cega e irrefletida seria ridícula se não fosse


sinistra. O cara que jogou a bomba em Hiroshima também dizia que
estava cumprindo ordens.
Conversa com o líder agrário nigeriano Tomuko Seilás. 1948

D e vez em quando esqueça. Ou melhor, se lembre de que, ao fim e ao


cabo, todo homem tem direito a meia hora de absoluta alienação e que o
mundo não é feito apenas de Vietnãs, cânceres no duodeno e credores à porta.
Conversa com José Álvaro, editor. 1972

O s que acham que não têm força, os que pensam que não têm meios,
devem lembrar-se de que Cristo começou com uma cruz só.
Bilhete para a jornalista Susan Sontag. 1968

E , quando a situação se apresenta catastrófica, a lei eterna da estratégia


deve ser respeitada: mulheres e crianças primeiro. Isto é, é, deve-se
espalhar o pânico no inimigo bombardeando mulheres e crianças primeiro.
Lição a um general aposentado. 1971
uando os homens do futuro pararem diante de nossas cidades, bastará olhá-

Q
las para murmurarem cheios de espanto: “Mas, eram todos canalhas?”
Urbanismo. 1973
Idealizacoes

N ossa tarefa, a missão essencial do ser humano, é apenas livrar o mundo


dos políticos corruptos, da crescente violência, da possibilidade de
fabricação de bombas nucleares domésticas, da emigração indesejável, das
“fronteiras móveis” entre países mais fortes e mais fracos, do turismo
desenfreado, dos conglomerados internacionais que ameaçam os países
subdesenvolvidos, da Conspiração Amarela para dominar a Raça Branca, da
poluição dos plásticos (sem falar em todas as outras já catalogadas: a da
água, ar, luz, sexo, moral, roupas), das marandubas africanas organizadas
em exércitos, do neonazismo, do neofascismo, do gás néon, dos
bumerangues a baixa altitude, dos raios manta e dos raios laser mal
aplicados, da bomba de cobalto usada criminosamente na eutanásia, da
reimplantação internacional do sistema de castas, da elefantíase, dos ateus,
dos hereges, dos antipapistas e outros fanáticos anti-religiosos, de vulcões
não extintos, da conspiração internacional dos porcos chauvinistas, da luta
da Mão Negra contra a Máfia, dos pintores primitivos, dos alto-falantes nas
praças, das tempestades de areia, das pistas de tráfego com três e quatro
andares, da ameaça do degelo no Polo Ártico, da conspiração internacional
homossexual, dos sedutores de menores, do boom da impotência, dos
Panteras Negras, do Setembro Negro, do Capitalismo Negro, da Lei e da
Ordem, da especulação na bolsa de valores, da especulação com os
trabalhos artísticos, da sodomia, da legalização das drogas, da
superpopulação, dos sinistros movimentos geológicos, das explosões
solares, dos delatores de modo geral, dos torturadores sem pátria, dos
mosquitos gigantescos da África do Sul, dos jigabôs e telêmacos, dos
maníacos depressivos, do trabalho forçado, dos materialistas sem Deus e
sem moral, da volta da febre amarela, do voodoo, da magia negra, da
macumba e da maçonaria, do monossódio e hexacloreto de coentro, da
censura aos meios de comunicação sem censura, do underground, do
establishment, dos colonialistas negros e dos missionários santimoniosos,
das virgens profissionais, da prostituição de menores, das nuvens de barata
vindas da Grécia, da conspiração internacional das agências de publicidade,
da epidemia de tiques nervosos, dos mulatos liberais, da conspiração
internacional dos psicanalistas, da arteriosclerose, dos caçadores de cabeças
mercenários, dos vôos charters sem itinerário, dos ciganos em desespero,
do aumento espantoso de monstros nazistas, dos cursilhos, dos autos-de-fé,
dos menores delinqüentes, das guardas pessoais, dos alcoólatras, dos
exploradores do câncer, das comunas hippies e dos campings da classe
média, das bombas atômicas extraviadas, das touradas e outras selvagerias
para a idolização dos toureiros e outros selvagens, da conspiração
internacional das companhias de seguros, dos solitários maníacos sexuais,
dos ditadores analfabetos, da organização militar das atividades religiosas,
da organização mística das atividades militares, do rompimento de
gigantescos interceptores de esgotos, de desastres com petroleiros de um
milhão de toneladas, dos terremotos, dos maremotos, das donas de casa
incompetentes, dos ricos totalmente ociosos, das estradas mal sinalizadas,
dos contrabandistas, dos navios navegando com bandeiras piratas, dos
bloqueios navais, dos antropólogos pretensiosos, dos peixes contaminados,
dos psicologismos e economismos, das construções inseguras, do vitiligo,
das pelagras e outras doenças de subnutrição, da violação de
correspondência, de incêndios, de enchentes, de aquecedores a gás
defeituosos e da terapia grupal. Aí teremos feito da Terra um paraíso.
Teremos conquistado o Milênio.
Sobre tarefas sociais. Conversa com Paulo Autran, ator. 1965

E m política não há utopias e o maior utópico é o que acredita num


socialismo em que ele ficará muito bem com o pouco que tem e o
pouco que lhe vai caber. E, além disso, espera, naturalmente, uma
socialização de bens tão perfeita que o Estado consiga distribuir, com
absoluta eqüidade, chuva, sol, aborrecimentos familiares e acomodações
nos transportes coletivos.
Conversa com Juarez Machado, pintor. 1969

E preciso ser muito primário para achar que sexo é um ato físico.


Conversa com Jaguar, jornalista, desenhista. 1969

O sexo puro e simples só tem interesse animalesco (lato senso) e,


portanto, reprodutivo. Foi preciso a imaginação humana para mitificá-
lo e transformá-lo na ação esplêndida em que se tornou, cheio de mistério e
variação. Da mitificação, criada pelos inventores, aos tabus, criados pelos
que não podiam inventar nada, a distância é imensa. Tentando-se reduzir o
sexo de novo à sua forma “livre” – isto é, um ato tão natural quanto almoçar
num restaurante – é perder a, talvez, mais importante idealização humana.
Sem idealização os seios das mulheres voltarão a ser apenas duas funcionais
glândulas mamárias, na quase totalidade dos casos feias, moles, pensas,
manchadas, sem a menor atração erótica. De todos os animais o homem é o
único que tem (porque inventou) admiração pelas mamas da sua fêmea.
Mito e tabu. Obras completas. 1970

O “diz-me com quem andas que eu te direi quem és” não quer dizer
nada. Judas andava com Cristo. E Cristo andava com Judas.
Conversa do lado de fora da PUC. 1970

T rês coisas sem fim e sem compensação mas que são ambicionadas por
qualquer ser humano: a busca da verdade, a luta pela liberdade, a
prática da fraternidade.
Tríades. 1973

N os momentos de crise ou perigo é fundamental manter a presença de


espírito, embora o ideal fosse conseguir a ausência de corpo.
Problemas de estratégia. 1956

N o EnJU Satsuyoo, o mais precioso livro sobre a vida humana jamais


escrito, aprendi, com fervor e devoção, muito do que hoje sei sobre
andar na terra e olhar os mares. Gensaku, o sacerdote, que o escreveu em
1578, viveu 98 anos, experimentando quase tudo na prática, sem falar do
que viu e anotou. Descobriu que o Homem e o Universo são exatamente
iguais ou, pelo menos, têm muitas semelhanças. A cabeça do Homem é
redonda, seus pés são quadrados: o céu é redondo, a Terra é quadrada. O
Sol e a Lua são como os olhos do mundo. Os rios são o sangue e a saliva do
ser humano. Os ventos são a respiração. E as árvores, os cabelos da cabeça.
Minha proverbial sabedoria chinesa. 1967

H omens que “vieram de baixo”, que lutaram durante dez anos até


atingir a posição de mando, poder e riqueza de que atualmente
desfrutam, tendem a declarar nas entrevistas à imprensa que as horas mais
puras que viveram, as mais felizes e alegres, foram as dos antigos dias da
mocidade, quando não sabiam se teriam ou não a próxima refeição. É tudo
mentira. Ou falta de memória.
Encontro com José Canosa Miguez, arquiteto, iluminador do Rio de Janeiro. 1998

U ma criatura bela traz na beleza a sua forma de talento, assim como uma
criatura de talento traz no talento a sua forma de beleza. Os burros e
feios trazem na burrice e feiura a sua forma de feiúra e burrice.
Conversa com a pantera Sílvia Amélia. 1968

A constituição familiar, a prática política, as tradições da Igreja, os


hábitos de alimentação, o sistema de economia, as relações sociais e de
classe, o respeito entre as gerações, a orientação educacional, o
comportamento da mulher – um a um estão sendo destruídos,
sistematicamente, todos os nossos valores tradicionais: não há mal que
sempre dure.
Conversa com Ascenso Ferreira, poeta, num lupanar da rua Alice. 1955

Q uando Carlyle afirmou que “o homem é o único animal que ri” não
fazia com isso uma mera constatação biológica. Biologicamente a
hiena também ri. Fazia uma constatação psicológica e social. Seu erro era
apenas admitir o riso como uma qualidade humana, quando é um defeito. O
homem, da maneira por que vive, não tem do que rir. Por isso, à frase de
Carlyle deve-se acrescentar: “E é rindo que ele mostra o animal que é”.
Nota sobre os Dez documentos bem escritos dos companheiros de Calabar. 1971

P ode ser até que haja vida inteligente em outro planeta. Neste, até agora,
não se viu a menor demonstração.
Conversa com Pedro Porfírio, homem de teatro, político. 1972

E nganados de todos os lados pela Informática, já não conseguimos


acreditar em nada, mas ainda não conseguimos aceitar a dinâmica da
descrença total. Ainda ansiamos pelo “ver para crer” sem saber que isso é
uma forma de ceticismo descoberta pelos cegos.
Conversa com Miguel Paiva, desenhista. 1969

E nquanto se combate o uso de drogas, apenas pelo fato de que elas são


chamadas com esse nome e, portanto, atemorizam (a semântica é capaz
de todos os crimes e todas as pressões), o futebol, praticado sem nenhum
controle, continua sendo permitido e até mesmo divulgado em todas as
camadas sociais, sobretudo as mais inferiores, que não têm, em relação a
ele, qualquer defesa. E, no entanto, se essa lamentável prática fosse
diversificada e o tempo e a energia úteis dos cidadãos se derivassem para
outras atividades, tais como tênis, natação, remo, peteca, voleibol, etecetera,
o mal seria muito menor. Enquanto a repressão combate a maconha e afins,
a hipertrofia do futebol cria dependência, ajuntamentos perigosos de
multidões, motiva violência, causa engarrafamentos sinistros nas grandes
cidades e leva inúmeras pessoas a crimes tais como mentiras, subornos e
agressões. Sem falar em desentendimentos internacionais. Deve-se
combater de maneira enérgica a implantação do vício a partir dos pequenos
campos do Interior (como se faz com os campos de maconha) onde experts
traficam com a inocência infantil que começa bem cedo a ser envolvida
pela prática posteriormente incurável.
O esporte bretão. Conferência na Confederação Brasileira de Tênis. 1966

A brindo uma enciclopédia qualquer, britânica, gálica, latina, saxônica,


qualquer uma, refletindo no que está dito a respeito das figuras ali
imortalizadas, concluímos facilmente que toda aquela grandeza, dignidade e
nobreza é pura e simples invenção. Fora os compromissos (Los interesses
creados, de Benavente) que fizeram aqueles homens serem registrados
como soberbos, eles são, sem exceção, usurpadores, exploradores da
comunidade, santos de fancaria, tubarões econômicos, guerreiros
impiedosos, cientistas egocêntricos, artistas cuja arte principal foi uma
desvairada autopromoção. Uma cambada.
Diálogo com Judith Fernandes, irmã. 1964

E chega o momento em que é difícil acreditar que já houve um dia em


que pensamos 35 anos ser o máximo da velhice. Mas, compensação,
lembro a frase de Mark Twain, como eu, agora, terminando um almoço:
“Qualquer que seja a idade de um homem, ele pode ficar facilmente dez
anos mais moço. Basta botar um cravo vermelho na lapela”. Penso isso não
por acaso pois, ao terminar o almoço, me vejo, subitamente, com um cravo
vermelho na mão. Mas, onde, Deus do Céu, anda a lapela?
Obras completas. 1970
A parentemente não há nada parecido com a vida humana num raio de
alguns milhões de quilômetros. O que torna evidente também que a
vida – da maneira como a conhecemos – é algo sem sentido, inteiramente
par hasard. Por que um Deus Todopoderoso ou um mecanismo cibernético
extremamente aperfeiçoado colocaria a vida exatamente nas condições em
que a temos? A Terra é um saco de gatos, sem qualquer programação.
Come-se mal, as condições são lamentáveis e, o que é pior: chove dentro.
Circular sobre a situação geral. 1959

N ossos olhos acreditam, naturalmente, no que vêem. E nossos ouvidos


acreditam, naturalmente, no que as outras pessoas viram. Mas o “ver
para crer” está desmoralizado, com milhares de imagens falsas que nos são
impingidas diariamente depois de fabricadas pela mídia. Da mesma forma
não se pode acreditar em tudo que não se ouve. Entre o fabricado e o
omitido só pode sobreviver o absoluto desconfiado.
Conversa com Evandro Carlos de Andrade, jornalista. 1973

A s violências sanguinolentas de Salomão, as contradições morais de


Júlio César, as taras e ambições sociais de Napoleão, não os
impediram de se transformarem em gloriosos ancestrais de nós todos.
Durante uma rodada de pôquer com Leon Eliachar e Antônio Maria, jornalistas, humoristas.
1959

I ncapaz de dominar suas mais mesquinhas paixões, sem controle do


próprio egoísmo, tolo, tonto, sofrido, inseguro e criminoso, o homem
lança suas derradeiras ambições para a posteridade, quando será imantado
numa glória a que não assistirá, mitificado naquilo que nunca foi. E sua
ânsia de nobreza é colocada em ser esplêndido em cinzas, faustoso em
túmulos, solenizando a morte com incrível esplendor, transformando em
cerimônia e pompa toda a estupidez de sua natureza.
Computa, computador, computa. Peça de teatro. 1972

U m reacionário só é levado a enfrentar uma verdade social da mesma


maneira que um criminoso é levado a enfrentar a justiça: pela gola.
Obras completas. 1970

N ão é que você não tenha o mesmo impulso. Apenas lhe falta coragem.


Pois algumas pessoas matam. Outras se satisfazem lendo notícias
sobre o assassinato.
Conversa com Ruth Fernandes, irmã. 1960

A justiça é igual para todos. Aí já começa a injustiça.


Conversa com Pedro Fiorito, notário. 1970

O ato existencial, a felicidade e o destino humanos não estão na razão de


propostas morais. Igualmente felizes ou infelizes estão os que dão a
vida por um ideal ou os que, diante do mesmo ideal, apenas bocejam.
Nossos amigos, nossos inimigos. 1965

D iante da tentativa constante de nos mitificarem, dando-nos qualidades


que não possuímos, coragens que não sentimos, capacidades
intelectuais que nunca demonstramos, é preciso conservarmos a autocrítica
a todo custo. A tentação de acreditar é grande, a vontade de ser Deus ou,
para os mais medíocres, estátua, permanente. Façamos como aquela mulher,
cheia de senso de humor que, sempre que se via nua na intimidade do
banheiro, morria de rir de seus admiradores.
Autodisciplina. Discurso. Faculdade de recuperação da ABBR. 1959

O Mundo: construído com material de segunda por um arquiteto


inexperiente, acabou produzindo o ser humano.
Contato com Camila Amado, atriz. 1962

C uidado com o homem cujos deuses estão nos bancos.


Conversa com Luís Sérgio Person, cineasta. 1971

O s deuses modernos, mesmo os mais prepotentes, exigem do povo o


sacrifício do voto.
Conversa com Ludy Veloso, atriz. 1965

P ode ser apenas uma necessidade pictórica o uso compulsivo do


vermelho e do laranja, mas os pessimistas diante dos horrores do
mundo devem olhar com mais cuidado os desenhos infantis: há sempre um
Sol brilhando mesmo que o dia seja tempestuoso.
Como manter o ânimo de trabalho. Obras completas. 1970

S ou um crente, pois creio firmemente na descrença. E se não creio em


Deus tenho a certeza de que Ele crê em mim. Creio que a Terra é chata.
Procuro em vão não sê-lo. Creio que as paralelas se encontram nos
paralelepípedos. Acredito também numa lógica de ferro como base para um
pensamento mais amplo que é ilógico, alógico, subjetivo e animal. Como os
checos, eu posso dizer: “Svoboda suverenita”. Ou melhor: “Za svobodu
dubceka cernika”. O que ambas as frases, literalmente, significam, não
tenho a menor idéia. Mas estou disposto a morrer por elas, como tanta gente
morre por outras frases que também não têm o menor sentido.
Discurso depois de nadar oito quilômetros contra a corrente no rio São Francisco por
ocasião do seu 40º aniversário.

O s dirigentes, quanto mais ignorantes e vulgares, mais duram no poder.


Não é que isso satisfaça o povo como resultado político e social. Mas
lhe dá uma rara oportunidade de satisfação humana se sentir superior a um
poderoso.
Conversa com Newton Carlos, jornalista. 1972

O s ídolos dos selvagens, de pedra ou de madeira só exigem aquilo que


os pajés, através do consenso, exigem que eles exijam. Os ídolos
civilizados têm idéias próprias e não param nunca em suas exigências.
Monólogo dirigido a padre Cícero, líder religioso. 1973

S ó à distância os objetos podem manter uma perspectiva ideal. Checov,


quando se aproximou das bailarinas, no intervalo de um balé
maravilhoso, ficou decepcionado porque “elas cheiravam como cavalos”.
Conversa com Lennie Dale, bailarino americano. 1971

Q uando eu vejo Senhor Puntilla, de Brecht, acho o personagem que dá


nome à peça extraordinariamente falso. É um rico desagradável e
ridículo, o rico rural, ultrapassado e pouco ofensivo. O odioso, na maior
parte dos ricos que conheci, é que, além de tudo, a vida lhes dá
oportunidade de serem bem educados no sentido do trato social, simpáticos
e mesmo generosos.
Conversa com Flávio Rangel, jornalista, teatrólogo. 1967

T oda a literatura grega, trabalho gigantesco de continuidade de


pensamento e estilística durante vários séculos, se baseia na sabedoria
existencial e metafísica de que o homem deve pagar por seus delitos. E
qualquer erro humano (seduzir a mãe, matar o pai, trair o Poder) tem de ser
punido por forças secretas que subjugam os réus na rede de seus próprios
delitos e os submetem a interrogatórios lapidares que, geralmente, duram
duas a quatro horas de espetáculo.
Ação repressiva, histórico. 1973

A Odisséia é um monumento de licenciosidade e subversão.


Conversa com José Aparecido de Oliveira, governador do Distrito Federal. 1987

N ão tenha dúvida: a função fundamental da crítica cinematográfica


sempre foi nos fazer de bobos.
Conversa com Sérgio Augusto, jornalista, escritor. 1972

O que assassina um líder, como o que o idolatra, ambos crêem


profundamente que ele é um Deus, responsável por tudo.
Conversa com Carlos Leonam, jornalista, escritor. 1967
Artificios da arte

A arte pela arte é, também, uma criação da indústria da arte a fim de


valorizar comercialmente certos artistas. E, num terreno não aferível
como é o do valor artístico, temos que nos curvar, afinal, aos preços e
valores do próprio mercado. Depois de criado o monstro Picasso
(independentemente de seu exato valor), os interesses investidos nele
passaram a ser irreversíveis. Nenhum grande diário, semanário ou crítico
pode destruir o mito, já que, direta ou indiretamente – dada a extraordinária
produção de Picasso – todos têm algum capital empenhado nele. O
capitalismo não tem condições de desvalorizar Picasso.
Os mitos intelectuais criados pela economia. 1970

A utilidade da música é conhecida. Serve para animar soldados nas


marchas e nas batalhas, para fundo de filmes cinematográficos,
animação de festas sociais, ambientação de bares e restaurantes e alienação
do paciente enquanto o dentista lhe trata dos dentes.
Hipertrofias artísticas. 1967

C om uma mídia controlada pelo comércio, a promoção de pessoas


incompetentes – sobretudo nas atividades subjetivas – a expoentes de
sua atividade, atingiu uma proporção assustadora. Inúmeros artistas
contemporâneos não são artistas e, examinando melhor, nem são
contemporâneos.
Decadência das artes plásticas. 1961

S e todos os seres humanos tivessem o ouvido realmente apurado,


nenhum idiota teria a coragem de inventar o acordeão.
Conversa com Sérgio Ricardo, músico. 1970

M
baixo.
uitas pinturas consideradas obras-primas muitas vezes são apenas
obras medíocres que durante séculos foram colocadas de cabeça para

Julgamento crítico. Discussão com Walmir Ayala, poeta. 1965


A poluição semântica trouxe seu apoio maligno a todas as atividades não
objetivas, facilitando a exploração dos incautos com uma enxurrada de
palavras pomposas e esotéricas. Por isso os pintores, ao invés de pintarem
para serem entendidos pelo que pintavam, passaram a pertencer a escolas
com denominações esdrúxulas e intimidadoras, saindo do abstracionismo
daltônico para a pura ininteligibilidade cromática. Isso significa que,
quando o leigo (e comprador) pede explicações, podem responder que a
coloração neo-realista e a configuração pragmática perderam terreno
definitivamente para as revolucionárias concepções ótico-acústicas, embora
estas tenham voltado a se basear num realismo sincrético. Na prática isso
serve para elevar artificialmente o preço de alguns artistas. E aumentou o
risco, já enorme, de um desprevenido colocar seus quadros de cabeça para
baixo.
Por uma arte de massas. 1955

A moldura que serve para um quadro vagabundo pode ser usada também
numa obra-prima, desde que o tamanho das duas obras seja igual.
Conversa com o marchand Franco Terranova. 1961

E tão visível a decadência das artes plásticas que, nas exposições, as


poucas pessoas que olham os quadros com atenção estão apenas
querendo que todo mundo veja que elas estão olhando os quadros com
atenção.
Diálogo com o colecionador Gilberto Chateaubriand, colecionador de arte. 1967
Formas de lideranca

U m revés é um infortúnio mas, para evitar que nos cause traumas


individualmente desnecessários e coletivamente desastrosos, devemos
sempre procurar remediá-lo com censuras e punições nos subordinados.
Hierarquia. 1963

C om alguma habilidade e senso de organização pode-se transformar


uma rendição numa dificuldade tão grande para os vencedores que,
breve, eles terão se arrependido da vitória.
Lições táticas. 1958

A queda de um chefe não deve ser encarada como uma desgraça para


nós, mas como uma promoção.
Interpretações. 1978

S hakespeare afirmava que o mundo é um palco. 

Faltou dizer: de fantoches.


Ilusões. 1957

N a mais feroz ditadura, na mais violenta e contrastante sociedade, as


lideranças funcionam em pirâmide, acabando num líder, num führer,
num condottieri – num homem só. Negativo ou positivo, eleito ou imposto,
sua personalidade condiciona um estilo tribal, nacional ou mundial. A falta
de liderança é a inação ou o caos. Se Moisés acreditasse em plebiscito os
judeus até hoje ainda estariam no Egito.
Conversa com Sérgio Figueiredo, jornalista. 1962

Q ue haja seres humanos melhores do que outros, física, psíquica e


intelectualmente, e que sirvam de exemplo para esses outros. Mas que
essa supremacia seja medida por pontos, médias e notas, é uma mistificação
que leva fatalmente aos concursos de misses, onde a beleza é medida com
réguas e esquadros, ou às piscinas de natação, onde um atleta, por ter
chegado à frente do outro uma fração de tempo que tem que ser medida em
relógios eletrônicos, vira um super-herói, milionário, cercado de pompas e
circunstâncias, enquanto milhares de outros pelo mundo afora, nadando
exatamente a mesma coisa (minus a fração eletrônica), passam sem atenção,
sem consideração, no total anonimato.
Recado a Feola, técnico de futebol. 1971

A liderança é sempre indispensável e, mesmo quando ditatorial, pelo


menos orienta, influi e impõe. O quorum, necessário para equilíbrio de
qualquer grupo, é, geralmente, a incapacidade individual multiplicada pelo
número regulamentar.
Discussão de balanço da Codecri (comitê de defesa do crioléu, editora do Pasquim) Ltda. 1972

N uma biografia moderna destinada ao sucesso junto às massas, é


necessário você colocar fatos que indiquem uma vida sacrificada,
dificuldades de estudo, impossibilidade de alimentação, solidão e abandono.
Jamais caia na bazófia e, mesmo que você seja forte, saudável, e tenha sido
cercado de carinho a vida inteira, não o deixe transparecer. Qualquer
liderança lhe fugiria se descobrissem que você é um homem extraordinário.
Um líder tem que ser extraordinariamente comum.
Conversa com Paulinho Garcez, fotógrafo. 1967

O esforço social, praticado por homens de elite, exige destes uma


extrema generosidade pois, não tendo a ganhar senão a realização
pessoal, têm, materialmente, tudo a perder dentro do sistema em que foram
gerados e educados. Uma das contradições da cultura burguesa é que ela
não só não resolve nossos problemas como faz com que possamos ser
presos por causa dos problemas no Extremo Oriente.
Obras completas. 1970

E m qualquer caso, circunstância, por pior que seja, por mais estranha,


esdrúxula, visivelmente errada ou visceralmente destinada ao fracasso,
a conduta dos superiores é sempre impecável e digna dos maiores
encômios.
Conversa com Glauco Oliveira, jornalista. 1973

J usta ou injustamente, não sei por quê, me vem sempre à cabeça a


imagem do desaparecido Cienfuegos, herói cubano. Mas toda revolução
vitoriosa paga seu preço de injustiças e até mesmo crimes contra os que
ajudaram a criá-la. Diante do herói incômodo só resta um recurso – fuzilá-
lo e erguer-lhe uma estátua.
Como lidar com as contradições sociais. Conversa com Oriana Falaci, Roma. 1965

C ontinuo acreditando na força do indivíduo diante das circunstâncias e


na das circunstâncias diante do indivíduo. Ou seja, em nada. Ou
melhor, em tudo. Se Calabar tivesse vencido estaríamos agora numa
comunidade muito mais ampla – a espanhola (já que ninguém aqui no
Brasil jamais iria aprender a falar holandês). E tem mais: na comunidade
espanhola eu comeria paella todo dia – comida que adoro. Calabar perdeu,
que é que sobrou? Bacalhau à Gomes de Sá. Por falar nisso: quem foi
Gomes de Sá?
Conversa com Sérgio Rodrigues, arquiteto, no Ao Timpanas. 1971

O difícil é você se livrar dos idiotas que pretendem lutar ao seu lado
interpretando a sua negação da cultura dominante como uma
afirmação de louvor à ignorância.
Conversa com César Thedin, arquiteto. 1963

S ó existe uma regra definitiva: não há regras definitivas.


Conversa com Renato Consorte, ator. 1963

T oda revolução fracassa por se esquecer, afinal, de que o homem tem


uma suprema ambição social e política: voltar pra casa.
Conversa com Oduvaldo Viana Filho, ator, dramaturgo. 1965
Formas de opressao

P rimeiro o troglodita ordenou à mulher que não saísse mais da gruta porque
cá fora era muito perigoso, e dividiu o mundo em duas metades: metade
dominadores e metade dominados. Depois, quando lhe nasceram os filhos, ele
ordenou à mulher que cuidasse deles e a eles que obedecessem ao sistema de
vida que sua geração tinha criado. E o mundo ficou dividido em um terço de
dominadores (homens) e dois terços de dominados (mulheres e crianças). Aí o
troglodita encontrou homens como ele mas, como tinham a cor da pele
diferente, gritou que eram inferiores e aprisionou-os. E aí o mundo ficou
dividido em um sexto de dominadores, dois terços de dominados (mulheres e
crianças) e um sexto de dominados pelos dominadores e dominados. Para
facilitar foram chamados de escravos. Mas aí, metade do um sexto (um doze
avos) dominador quis dominar a outra metade e inventou Deus. A luta,
tremenda, terminou em empate. E a Terra foi dividida em Poder Temporal e
Poder Espiritual. E ambos concordaram em que tinham que inventar um slogan
básico para manter todos os outros cinco sextos da humanidade na posição em
que estavam. E criaram o maior e mais belo slogan de todos os tempos: “O
dinheiro não é tudo”. E como, por mais rico que o homem seja, não está
garantido contra o desastre e o infortúnio, contra a doença e contra a morte, foi
fácil convencer a maior parte da humanidade (gastando-se nisso, é verdade,
rios de dinheiro) de que “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus”; de que “no Juízo Final, os
humildes herdarão a Terra”, de que “a riqueza não traz felicidade”, etecétera.
Até o dia em que o Millôr chegou, olhou a miséria em volta, trazendo como
conseqüência o analfabetismo, a sujeira, o ódio e a opressão, e concordou
tranqüilamente: “Sim, o dinheiro não é tudo. Tudo é a falta de dinheiro”.
Análise das estratificações sociais. Tese defendida na faculdade de pesquisas sociais de Toronto.
Tóquio. 1961

C om mais de 70% da humanidade vivendo em condições subumanas e,


muitas vezes, subanimais, pode-se dizer que todo cidadão, ao nascer,
adquiriu o direito inalienável a 60 anos de prisão.
Conversa com o jornalista Pedro Gomes. 1971
N o sistema em que vivemos, numa organização injusta e desequilibrada,
todo homem tem direito apenas à busca da infelicidade.
Constituições. 1950

N uma democracia todos são (presumivelmente) iguais perante a lei. Numa


ditadura todos são iguais ante a polícia.
Conversa com George Tavares, advogado. 1971

O ditador Selassié, o rei dos reis, o mais antigo rei do mundo, de uma


dinastia que vem do início dos tempos; Mao, o comunitário absolutista,
cuja dinastia começa em si mesmo; Nixon, eleito pelo povo, e todos os outros,
Tito, Fidel, Chiang-Kai-Chek, Papadopoulos, Marcelo Caetano, acreditam e
provam que o homem é o lobo do homem, tem que ser governado com mão de
ferro porque é perigoso e irredimível. Portanto, em dúvida, não saia de casa.
Conversa com Lan, desenhista. 1970

A burocracia, que poucos se recordam vir da palavra bureau, mesa ou


secretária, acaba se resumindo nisso mesmo: um móvel atrás do qual se
senta uma pessoa que detesta fazer aquilo que faz mas fará tudo para fazê-lo da
maneira mais demorada e complicada, a fim de se dar uma importância que
jamais teria se realizasse a tarefa com a simplicidade e a rapidez que ela
requer.
Ministros e suas funções. 1963

A burocracia – “um mecanismo gigantesco controlado por pigmeus” – é um


exército imenso e sempre crescente de funcionários públicos e
particulares, diplomatas, contadores, contínuos, escrivães, coletores de
impostos, multadores profissionais e atravancadores de profissão que, sentados
atrás de um buro, impõem a todos a sua execrável cracia.
Discutindo com Paula, filha. 1982

D entro da faixa de possibilidades sociais que lhe são dadas, o homem não
tem fuga. Em média, se não for atropelado ficará no desemprego, se não
ficar desempregado vai pegar um enfisema, será humilhado, abandonado pela
mulher, arrebentado sentimentalmente pelos filhos, mordido de cobra, ficará
impotente e, mesmo escapando de tudo, ficará velho, senil, babando num asilo.
O mundo não tem lugar senão para um terço da humanidade.
Discurso num jantar no Porto, Portugal. 1973
E m determinados países como o nosso, neste momento da história,
assaltado ou violentado, é melhor não gritar por socorro – corre-se o risco
de atrair a polícia.
Contato com Cícero Sandroni, jornalista, escritor. 1962

E m vez de deblaterarem contra o serviço doméstico – que alguém, afinal,


tem que executar e não é mais indigno do que inúmeros outros afazeres
masculinos – as mulheres deviam lutar pela dignificação do trabalho doméstico
através da sindicalização e obtenção de seguros sociais para as empregadas, e
uma participação efetiva (para uso próprio) da dona de casa no salário do
marido. Com 20% do salário bruto do marido como seu salário de
administradora doméstica (um trabalho menos árduo do que muitos outros
exercidos pelo homem mas que requer uma competência extraordinária) a
imagem da mulher passaria de mantida (como se o homem fizesse um
permanente favor em sustentá-la) para a de uma trabalhadora especializada, em
pé de igualdade com o marido que, ao fim e ao cabo, não deve ficar com muito
mais (se fica) de 20% do salário para suas despesas pessoais. As mulheres de
regiões pobres seriam as mais beneficiadas em sua dignidade pois, embora a
princípio fosse difícil ou impossível controlar o seu pagamento, com o passar
do tempo isso se tornaria uso e costume, ato de elevação social e igualização
com os homens.
Entrevista com Betty Friedan, líder feminista. Pasquim. 1970

D entro dos critérios da classe média brasileira há vários estilos de serviço à


mesa, os principais sendo o serviço estilo português ou italiano, em que
os pratos são todos postos na mesa e cada um se serve ou a dona da casa serve
a todos; o serviço americano, em que os pratos são todos colocados numa
aparadeira e cada convidado se serve, sentando posteriormente onde bem
entender ou em mesas determinadas, e o serviço à francesa, em que um
servidor traz as bandejas de comida uma em cada mão, os convidados
retirando a comida que querem pela esquerda. Esse tipo de serviço,
odiosamente snob, humilha os criados modernos (pois torna visível a sua
incompetência) e deixa inconfortáveis os convidados, que acabam se servindo
menos do que pretendem, com o medo, sempre presente, de jogar tudo no
chão. Servir à francesa em país subdesenvolvido, com empregados sem
qualquer especialização e ganhando salários miseráveis, é uma ostentação
ridícula.
Administração doméstica. 1967
E por que não se admitir que o filho de um milionário continue milionário, se
admite que milhões de filhos de trabalhadores mantenham uma posição de
hierarquia tradicionalista e continuem a ser trabalhadores?
Conversa com Dalva Gasparian, filósofa paulista. 1973

A pressão da sociedade de consumo foi levada a tais extremos que os


presentes de Natal já não os damos por generosidade mas por medo.
Diálogo com Vera Hime, promoter. 1972

S ó quando chegarmos ao dia da meritocracia, as pessoas serão avaliadas


independentemente de suas características, idade ou sexo. Porque isso
(ainda?) não é possível, a lei tem que determinar um dia exato na vida
individual em que a sua irresponsabilidade quase total passa para uma
responsabilidade absoluta. Um homem pode “seduzir” uma moça em 18 anos
mais um dia sem que a lei o persiga e não pode fazer o mesmo a uma moça
com 18 anos menos um dia. Um homem estúpido pode ser presidente da Nação
porque tem mais de trinta e cinco anos, mas um homem de 34 e 364 dias não
pode ocupar esse posto por mais genialmente bem dotado que seja. As leis
rígidas já trazem dentro de si o germe da insurreição.
Diálogo com Geraldo de Freitas, jornalista. 1968

C omo acreditar que todos os homens são iguais perante a lei se uns são
condenados a morrer de indigestão e outros a morrer de fome?
Nota introdutória ao pedido de casamento de uma tia. 1947

S e os resíduos psíquicos fossem materiais, nas grandes cidades não haveria


esgoto que bastasse.
Conversa com Oscar Castro Neves, músico. 1965

O mal da censura é que ela não tem função crítica, atingindo a todos nociva
e indiscriminadamente. Para proibir uma pessoa de fumar é preciso, antes
de tudo, saber se ela fuma.
Conversa com Ziraldo, humorista, na arquibancada do Maracanã. Maio. 1968

N ão convém desesperar se os tempos são difíceis, se a época cresce em


restrições e puritanismo. Com todas as limitações que imponha, nenhum
Estado jamais vai conseguir fazer com que os meninos não nasçam com o
pirulito de fora.
Conversa com Jaime Bernardes da Silva, editor. 1972
anarquista se revolta contra ser governado. 

Não ser governado por este ou aquele sistema, mas contra o fato mesmo
O de ser governado Pois ser governado é ser “guardado à vista,
inspecionado o tempo todo, espionado, legislado absurdamente,
regulamentado, condicionado, doutrinado, estampilhado, censurado,
comandado por elementos que não têm títulos para isso, nem capacidade, nem
ciência, nem virtude”. Ser governado é, a cada operação, a cada transição, a
cada gesto, “ser registrado, tarifado, timbrado, recenseado, cotizado,
patenteado, licenciado, apostilhado, admoestado, intimado, intimidado e
corrigido”. É, em nome da utilidade pública e do interesse geral, ser obrigado a
contribuir. É ser explorado, monopolizado, pressionado, mistificado, roubado.
E, à primeira palavra de protesto, ao primeiro gesto de resistência, ser
reprimido, vilipendiado, envergonhado, difamado, desarmado, aprisionado,
fuzilado, metralhado, guilhotinado, julgado, condenado, deportado,
sacrificado, vendido, traído. Só um idealista enlouquecido consegue sobreviver
a essa visão do mundo.
Como sobreviver. 1956

A punição funciona não só em relação ao crime mas também ao pecado, ao


vício, ao erro e ao descuido e omissão. De acordo com o tipo de desvio, a
autoridade punitiva passa a ser a Família, o Pai, a Sociedade, a Polícia, ou
simplesmente o Mais Forte, ou Deus (um pouco afastado, hoje).
Direitos e deveres. 1956

A censura começa por textos escritos e acaba proibindo os próprios


escritores de circularem.
Liberdade, Liberdade. 1965

N a Tragédia Grega os inimigos do povo sempre sofrem tremendas crises de


remorso e acabam apanhados por alguma indiscrição, pois sentem-se
obrigados, voluntariamente, a denunciar, numa ação de catarse (método
precursor da lavagem cerebral, inventado por Aristóteles), a ação indigna que
cometeram contra a moral, o sistema de governo ou os costumes vigentes.
Florinda Bolkan, atriz. 1972

O pior da censura é que ela não só cala as poucas vozes dissidentes mas


desperta nas outras um extraordinário desejo de subserviência.
Conversa com Wilson Aguiar, jornalista. 1968
e os ignorantes forem suficientemente fortes acabam impondo tudo o que

S
querem. Como os colonizadores eram sempre ignorantes e poderosos,
acabavam impondo sua língua aos nativos.
Conversa com Rodolfo Neder, publicitário. 1987
Individualismo. Positivo e negativo

A lém de oito, dez, doze horas de trabalhos diários, você ainda se


preocupa com as possibilidades (impossibilidades) de seu próprio
futuro. Se é extremamente moço encara, com uma certa angústia, os velhos
que passam. Se é velho pensa, dia a dia, no dia imediato, você mais velho e
mais marginalizado do processo existencial. O dinheiro falta ou, se não
falta, pode vir a faltar. A mulher possuída pode desaparecer amanhã levada
pelo ímpeto de uma outra paixão. Se não lhe aconteceu até agora nenhum
desastre físico, nenhuma mutilação importante, você, estatisticamente, está
mais sujeito a ela a cada hora que passa. E desfilam, à sua frente, um cego,
um idiota, um traído, um monótono, um nojentamente gordo, um
tisicamente magro. Mas para que se preocupar tanto? O cadáver é que é o
produto final. Nós somos apenas a matéria-prima.
Sobre “maneira correta de enfrentar as contradições existenciais”. Discurso na universidade
do Meyer. 1945

N ão tenho, não tenha ilusões. Se Cristo ou Marx ressuscitassem iriam


abjurar tudo que se faz em seus nomes. Aliás, nem Cristo era cristão
nem Marx marxista. Seria uma megalomania insuportável.
Obras completas. 1970

P ela fórmula geral de comportamento, pelo modismo levado ao extremo,


repetição de hábitos e gestos e uma linguagem reduzida a
monossílabos, a impressão é que a liberdade que todos almejavam era
apenas a de se copiarem uns aos outros.
Conversa com Geraldo Carneiro, jornalista, homem de televisão, poeta. 1980

O homem que, enquanto é pobre, pensa mais nos outros do que em si


próprio, jamais, obviamente, chegará a ser rico. Nos estágios iniciais
da vida econômica é fundamental preservar ao máximo nossas reservas
naturais de egoísmo e cupidez, combatendo violentamente qualquer
sentimento de generosidade ou espírito humanitário que teime em nos
aparecer. Esse tipo de procedimento tem um alto conteúdo social pois, uma
vez milionário, você poderá praticar a generosidade e a filantropia em
escala muito mais ampla e, além disso, deduzi-las do Imposto de Renda.
Conversa com Paulo Mercadante, economista. 1969

A idade traz compensações que devem ser aproveitadas. Nadador


medíocre, não nadar bem não me humilha mais. Quando saio do mar
ou da piscina já tenho idade suficiente para adotar um ar de ex-nadador
entediado.
Conversa com Yllen Kerr, jornalista, fotógrafo, atleta. 1973

A fuga à civilização não é uma solução civilizada. 

O fundamental é não confundir isso que temos com civilização, mas


criar uma de verdade, em que se possa viver no confronto do outro ser
humano, gozando o lado positivo da ciência e da tecnologia. O homem é
gregário, embora não tão gregário quanto o obrigam a ser. A civilização
atual é desagradável e imprópria, as aglomerações são excessivamente
aglomeradas, a superpopulação enche os locais mais bonitos do mundo.
Mas basta você tentar ir a locais vazios e distantes, calmos e solitários para
descobrir logo que os únicos lugares freqüentáveis são os lugares muito
freqüentados.
Divagações com Cora Rónai, jornalista. 1988

T odo homem é seu valor dividido pela sua auto-estimativa.


Destino individual. 1965

S empre ouvi falar do grande mudo, aquele homem lacônico ou


totalmente silencioso, imagem de prudência e sabedoria inabalável,
contraposta à do boquirroto e parlapatão, por definição um leviano total.
Mas, na prática, embora o homem calado constitua, numa reunião ou ação,
figura mais ameaçadora do que o que fala muito e acaba, via de regra, se
revelando mesmo é um saudável idiota. Quem tem algo a dizer não
consegue se conter durante muito tempo. Mas, cuidado: as pessoas que
falam muito são inclinadas a contar coisas que ainda não aconteceram.
Idem, p. 1.089

A lei e a ordem. Isso significa que você deve sempre diminuir um pouco


a marcha e verificar se não há nenhum guarda por perto, antes de
avançar o sinal. Só.
Diálogo com Hélio Fernandes, jornalista. 1964

A necessidade de respeitar a massa não exclui o esforço de sair dela se


afirmando como indivíduo. O medíocre, no seu lato senso, é evitável e
deve ser evitado. O homem se afirma quando se cura da normalidade.
Diálogo com Paulo Francis, jornalista, polemista. Nova York. 1973

C onceito para o aderente universal: você pode ser a favor de todas as


pessoas algum tempo. Você pode ser a favor de algumas pessoas todo
o tempo. Mas você não pode ser a favor de todas as pessoas todo o tempo.
Para as alunas do colégio Stela Maris. 1958

N ão espere melhorar seu trabalho ou sua personalidade através de uma


crítica exterior. Seus melhores amigos jamais lhe dirão tudo que
pensam de você ou só o farão em momentos de exaltação pró ou contra,
tornando a crítica não confiável. Ninguém jamais lhe dirá as coisas
amargamente terríveis que você mesmo inúmeras vezes se diz, às três horas
da manhã, no escuro do próprio quarto, a cabeça mergulhada no travesseiro.
Só existe uma crítica: a autocrítica.
Conversa com Paulo Gracindo, ator. 1973

C uidado, porém, com a inação provocada por uma autocrítica


exagerada, levada a extremos masoquistas. A autocrítica tem que ser
pró com a mesma profundidade com que é contra. Você tem que parar no
balanço geral e dizer para si próprio: “Não, isto eu fiz bem”. “É. Aqui eu
estava certo’. “Sim, por aqui eu vou que o caminho é só meu”.
Diálogo com Cláudio Corrêa e Castro, ator. 1970

V ida política: um ato permanente de dedicação para o bem e para o mal,


24 horas por dia, trabalho, sangue, suor, privação, lágrimas verdadeiras
e sorrisos falsos. Pelo bem do povo? Tem muitos que nem sabem o que é
isso. Para enriquecer? Muitos não se importam com o dinheiro ou já são
ricos. Para aparecer o tempo todo? Há detentores do poder que têm como
sua maior vaidade a modéstia e realmente detestam aparecer. Por quê?
Poder é querer. 1973

O cara que não reage é extremamente desagradável e dá a você a


responsabilidade de uma posterior auto-análise cansativa e cheia de
remorso.
Conversa com Gonçalo Ivo, pintor. 1991

N a autocrítica, análise de si mesmo por si próprio, quem é o superior – o


julgador ou o julgado? Aquele que foi e agora dá vez e direito ao outro
de julgá-lo ou o outro por se achar mais avançado no tempo em relação ao
julgado?
Conversa com Bernardo Silveira, homem de sociedade. 1972

O único democrata autêntico que conheci em minha vida foi o Papa Doc,
do Haiti. Fuzilava inimigos, amigos e até parentes com absoluta
imparcialidade.
Conversa com Paulo Garcez, fotógrafo. 1971

D epois de tantos anos de vida, por consciência, temperamento ou até


mesmo por cansaço, descubro que sou e continuo sendo um
democrata. Alguém tinha que ser.
Conversa com Flávio Damm, fotógrafo. 1973

E m toda parte onde ando, neste pequeno mundo, Grécia, Espanha,


Portugal ou Suíça, vejo bandos de japoneses e só japoneses em bando.
Estou convencido de que não existe o japonês individual.
Conversa com Maria Koutsikos, empresária de moda. Florença. 1968

N ão há homens puros. Mas todo homem tem seu núcleo de pureza quase


nunca descoberto e pouco suspeitado.
Conversa com Luciana Villasboas, jornalista, editora. 1987

E isso: aprendemos que a vida é feita de coisas essenciais. E achamos


razoável uma certa irritação e uma certa perplexidade diante das mil
frescuras (muletas) que se inventaram ou cresceram nos últimos anos: a
psicanálise, as “ondas” sócio-metafísicas, as curtições religiosas de toda
espécie.
Conversa com Oswaldo rocha, divulgador cinematográfico. 1970
Vicios e abstinencias

S e não fossem os grandes bêbedos – para não falar dos grandes


homossexuais – o Império Britânico jamais teria conquistado a sua
majestade histórica, o seu imenso lugar no mapa (dos outros). A tradição
heróica e a vastidão geográfica da Inglaterra não foram feitas com
contenções puritanas, abstenções etílicas e rigores antialcoólicos. Em cada
leme de bergantim, em cada proa de brigue, em cada ponte de fragata, o que
a nossa memória nos lembra não é a figura do almirante uniformizado e
solene, digno, áspero e reto, mas, ao contrário, a de um pirata de galé,
barbudo e sujo, roufenho e rude, uma garrafa de brandy vagabundo na mão,
um papagaio no ombro, uma mulata (às vezes um mulatinho) do Caribe a
tiracolo, berrando a seus homens, criminosos e párias, quase todos também
devidamente aquecidos pela bebida, para que contenham os cabos e
recolham as velas que vamos atravessar o cabo Horn e essas ondas de trinta
metros que vêm aí não são de nada.
Como se faz uma coletividade. Arenga na praia do Caju. 1972

O escritor americano Gore Vidal afirma que se vamos medir pelo


número de vezes, quantitativamente, então o único ato sexual
realmente normal é a masturbação. Eu, por mim, que sou a favor de alguma
mitificação sexual (sem isso o sexo vira um ato puramente animal) e contra
todos os tabus, tenho que, de todas as taras sexuais, a mais estranha é, sem
dúvida alguma, a abstinência.
Encontro com Carlos Imperial, músico, e Jece Valadão, ator. 1969

E preciso uma certa tranqüilidade na apreciação dos vícios condenados


pela sociedade de consumo. Algumas drogas, longamente combatidas,
como o fumo, foram assimiladas no momento em que a indústria capitalista
viu nelas fonte de lucro. As acusações ao alcoolismo partem de fontes
suspeitas e, inúmeras vezes, voltadas para a violência, nacional e
internacional. Uma coisa é definitiva a favor dos bêbados: nunca ninguém
viu cem mil bêbados de um país querendo invadir outro país para
estraçalhar cem mil bêbados inimigos.
Na missa de ação de graças pelo 15º aniversário dos alcoólicos anônimos de Pati do Alferes.
1967

S e você beber duas doses de uísque durante 29.200 dias, terá bebido


exatamente 3.000 garrafas de uísque. E, o que é melhor, estará
completando oitenta anos.
Como moderar os exageros. 1970

O homem é um animal como outro qualquer, só que naturalmente muito


mais desenvolvido, isto é, muito pior. Para sobreviver e manter o
próprio ciclo vital, pouco se importa de deteriorar ou destruir o que lhe está
em volta. Come carne (oriunda da morte de outros animais), ou ovos (o que
impede o nascimento de outros animais), ou sementes (o que destrói
inúmeras futuras vidas vegetais). O único produto da natureza que é
puramente alimento, o leite, o homem abandona assim que começa a
engatinhar no mundo.
O pior animal. 1965

S em ter aplicação para sua energia vital, o grã-fino (burguês finamente


educado para a absoluta inutilidade) aplica todo o seu tempo,
artificialmente, em encontros sem profundidade ou objetivo. Dessem a
qualquer um de nós, trabalhadores braçais, que nos divertimos imensamente
com a variação e escopo de nossas atividades, a obrigação de comparecer,
seis meses seguidos, diariamente, a essas festas e reuniões a que os grã-
finos comparecem, tendo que ouvir conversas sem interesse e conversar
frivolidades com mulheres dessexuadas na sua busca frenética de sexo, e
morreríamos de tédio ou urticária. Além disso, a vida de “sociedade” afasta
as pessoas em vez de juntá-las, desidrata as relações pessoais, artificializa
os contatos entre parentes, irmãos, pais e filhos. O preço da badalação é a
eterna solidão.
Declaração aos empregados da cozinha de Tereza de Souza Campos, mulher de sociedade. 1961

P or mais hábil que seja, o jogador acaba sempre perdendo, na corrida


longa. O jogo está sempre acima do jogador.
Conversa com Leon Eliachar, jornalista, humorista. 1954

fundamental resistir às tentações. O sábio é sermos nós os tentadores.


E Conversa com Tuca Magalhães, administradora. 1971
Guerra e paz

S empre houve no mundo libertações, mas a palavra-chave Libertação só


começou a ter curso corrente por volta de 1940, quando povos
começaram a ser arrancados do domínio de alguns países para serem
colocados sob o domínio de Hitler e depois (1945), depois foram
arrancados de Hitler para serem colocados sob o jugo de outras variadas
nações. Daí em diante o uso da palavra Libertação ficou tão popularizado
que, sempre, ambas as partes em luta (sem contar os próprios libertados,
divididos em grupos, cada um procurando uma libertação diferente)
apregoam estar libertando determinada região ou povo das garras do outro
libertador. Na prática, um país se diz libertado no exato momento em que
está sendo conquistado. E se afirma que é livre quando menos liberdade
existe para se dizer que ele não é. Há uma grande disputa para se saber qual
é o país mais libertado do mundo: se a Hungria, a Polônia ou a Tcheco-
Eslováquia.
Encontro com Luís Lopes Coelho, advogado, precursor do romance policial brasileiro. 1958

A confusão em torno da paz e do que é paz criou expressões estranhas


como a “paz para terminar todas as pazes”, cinismo realista paralelo à
utopia desvairada que se chama a “guerra para terminar todas as guerras”. A
primeira, permanente desde que a “humanidade” se chamou, erradamente,
assim, é, na realidade, um acordo cheio de injustiças e impossibilidades
práticas, onde cada parágrafo torna-se motivo de novas disputas assim que
os combatentes estão refeitos. A “guerra para terminar todas as guerras” é,
porém, a hostilidade e as lutas destinadas a estabelecer relações definitivas
entre grupos, regiões e países, “evitando qualquer guerra futura”. Como se
pode facilmente concluir, uma guerra justa.
Da hipocrisia internacional. 1961

Q uanto à possibilidade de catástrofe final, o fim da humanidade através


de explosões nucleares, explosões demográficas ou epidemias, isso só
existe para os observadores a curto prazo, esquecidos de que, através do
homem ou mesmo sem ele, a natureza tem sempre, prontos a servi-la, seus
mecanismos auto-reguladores. As explosões demográficas são meras
compensações para as explosões nucleares. E vice-versa.
Conversa com Joel Silveira, jornalista, repórter. 1973

N ão há nação boazinha, nem mesmo nação “amiga”. Mais do que na


relação individual, a relação entre nações é ditada pelo interesse e esse
interesse é reconhecido como válido e legítimo. Esse tipo de emulação,
inevitável até o dia do internacionalismo final, da ausência total de
fronteiras (que vai chegar mais por influência da tecnologia do que de uma
melhora da humanidade), é a causa de todos os conflitos e de todas as
guerras. E faz com que um país só tenha autoridade para entrar numa
conferência de paz se estiver muitíssimo bem armado.
Governos de coalizão. 1965

A s guerras deveriam ser evitadas, senão por outro motivo, pelo motivo


mesmo do desperdício econômico que representam. Enquanto milhares
de homens se aniquilam nas frentes de batalha, uns poucos na retaguarda
enriquecem mais do que nunca. Tome-se a guerra do Vietnã. Nunca, no
campo dos conflitos humanos, tantos deram tanto dinheiro a ganhar a tão
poucos.
Retificando o estilo da vida comunal. 1965

A Bomba Atômica, explodida a todo momento por mais uma nação


neurótica e odienta que não quer ficar em inferioridade na corrida do
Apocalipse, traz porém consigo uma esperança. A de eliminar de uma vez
por todas a causa fundamental de todas as guerras: o ser humano.
Diálogo com Jomico Azulay, cineasta. 1965

T oda a história dos brancos (leia-se os que detêm o poder nos últimos
séculos) trata com infinito desprezo e imensa superioridade os
sacrifícios feitos às divindades pelos povos primitivos. E, no entanto, os
brancos não fazem nenhuma transmissão de poder, nenhuma disputa de
mercados, nenhum domínio territorial, sem imensos sacrifícios a seus
deuses econômicos que, sanguinários e insaciáveis, só aceitam as vidas
mais jovens dos países que os protegem.
Conversa com Jorge Zahar, editor. 1969
or necessidade ou não, enquanto as guerras se tornaram mais e mais

P violentas, com mutilações civis cada vez em maior número e mais


horrendas, dirigi-las é cada vez mais confortável e se faz de locais cada
vez mais distantes da conflagração. Na próxima guerra, sem dúvida alguma,
o único lugar seguro – se houver algum – será o centro de decisões
militares. Os estrategistas deverão, obrigatoriamente, colocá-lo fora do
alcance das bombas atômicas. Isso nenhum estrategista jamais conseguirá
fazer com as cidades, onde vivem os civis.
Palestra na TV de Pirapora. 1970

U ma superpotência não tem condições de fazer uma paz rápida, devendo


se preparar para ela mais lentamente do que se preparou para a guerra.
Pior do que a perda de vidas jovens e a concentração maciça de bens
econômicos num conflito é a volta repentina, para um país, de centenas de
milhares de combatentes. Nenhum país resiste a uma súbita inflação de
civis.
Conversa com Carlos Leonam, jornalista. 1972

A violência no mundo inteiro só tem um fator positivo – tornou mais


apaixonante o estudo da geografia.
Conversa com Clarice Lispector, escritora. 1973

O cavalo de Tróia foi um presente de paz. 

Os gregos só não fizeram uma pomba porque nas proporções de uma


pomba não cabe uma divisão de infantes. Mas o exemplo de paz como
camuflagem já era velho. A palavra paz sempre camuflou propósitos
violentos. Tínhamos a pedra da paz, sobre a qual se faziam sacrifícios
humanos. A Paz do Rei, armistícios de um dia, para não perturbar os
festejos, Natal, casamento e nascimento de poderosos. Depois veio a “paz a
qualquer preço”, de Luís Filipe, símbolo da suprema covardia,
compromisso pusilânime, cujo exemplo maior é a Paz de Munique (hei,
Chamberlain velho de paz!), concessão nefasta, baseada na crença de que se
você alimenta muito bem um tigre com carne de vaca ele acaba mugindo e
dando leite. Sem falar na milenar Paz de Judas, falso beijo fraternal
indicando aos verdugos quem era quem entre os apóstolos.
Conversa com Cristina Zahar, editora. 1983
paz no Vietnã é uma pomba estranha, desconfiada e nada confiável.

A
Improvável, triste, manca, depenada, no bico um ramo seco e
desfolhado. Está para a verdadeira Pomba da Paz assim como um vôo
charter está para a grande aventura.
Que pax? Conversa com fortuna, desenhista, humorista. 1973

A té hoje um mundo irracional só conhece a paz da redução latina: “si


vis pacem para bellum”, a nenhuma credibilidade da paz, aquela que
aconselha estar sempre armado e preparado, a paz do respeito, que é o bom,
do temor, que é fundamental impor ao adversário. Stálin sabia disso melhor
do que ninguém, quando, já bastante irritado com os protestos “morais” de
Pio XII, exclamava numa reunião do Soviet Supremo: “Afinal de contas,
quantas divisões tem esse papa?”
Idem. 1973

A s ruínas dos templos gregos não são devidas a construção de má


qualidade, mas sim à infiltração dos ingleses, como eram chamados os
americanos do século XIX, que levaram a maior parte da Grécia para os
museus de Londres.
Mensagem a Arnold Toynbee, historiador. 1972

E fique dito que não pretendemos provar nada com tudo o que fizemos
ou não fizemos, escrevemos ou deixamos de escrever. A não ser que o
ser humano está acima (e abaixo também) de todas as teorias e previsões e
que há, soltas no mundo, palavras demais, não querendo dizer
absolutamente nada.
Conversa com Walter Salles, cineasta. 1992

O Homem é um animal inviável.


Discurso de posse na direção de O pasquim. 1972
Publicado pela primeira vez nos tempos “heróicos” do Pasquim.
(MF)
Capa: Marco Cena sobre ilustração de Ziraldo
Revisão: Eva Motchi e Luciana Balbueno

F363L

Fernandes, Milôr, 1924-


O livro vermelho dos pensamentos de Milôr Fernandes / Milôr Fernandes. -
- Porto Alegre: L&PM, 2011.

ISBN: 978.85.254.0784-9

1.Literatura brasileira – Pensamentos. I.Título. II.Série.


                                                 CDU 821.134.3(82)-84

Catalogação elaborada por Izabel A. Merlo, CRB 10/329.


© Millôr Fernandes, 2005

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Table of Contents
Nota dos coordenadores
Objetivos
Educacao e deseducacao
Religiao e misticismo
Comunicacao e meios
Metodos de ação. Trabalho
Metodos de pensamento. Dialetica
Etica e disciplina
Profissoes: limitacoes e deveres
Como lidar com as contradicoes
Economia. Sistemas
Subdesenvolvimento
Tecnologia: Utilidades e perigos
Liberdade. Limitacoes
Relacoes naturais e artificiais
Relacoes de poderes
Hipocrisia social e politica
Responsabilidades
Idealizacoes
Artificios da arte
Formas de lideranca
Formas de opressao
Individualismo. Positivo e negativo
Vicios e abstinencias
Guerra e paz

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