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E preciso lutarmos até por leis menores, como, por exemplo, uma que
permita às pessoas mudarem seus nomes aos 18 ou aos 21 anos. Às
vezes as pessoas têm que carregar, a vida inteira, um nome idiota dado por
um pai idiota, apenas porque a lei idiota não lhe permite o direito de
escolha. Outras vezes a pessoa, por ser idiota, acha seu nome
admiravelmente brasileiro (João, por exemplo) ridículo e prefere um nome
brasileiramente ridículo (Washington, por exemplo). Tem de tudo. Eu, que
sempre me antecipei às leis, mudei meu nome de Milton para Millôr aos 18
anos. E estou pensando em mudá-lo novamente para Bulbo Raquidiano.
Conversa com Esterônio Valvular de Andrade, chefe dos contínuos da CPI. 1965
P ara que só sejam editados livros úteis e os editores não sofram pressões
indevidas, de vaidades menores, os direitos autorais serão pagos pelo
autor ao editor, na proporção das vendas ou não-vendas. O dinheiro assim
apurado deverá ser entregue a uma instituição de deseducação, encarregada
de tirar da cabeça de pessoas, formadas em várias especialidades, as noções
erradas de tudo que aprenderam.
Acerto com Zuenir Ventura, jornalista, agitador social. 1979
O s homens são sábios, não pelo que lhes ensinam, mas por sua
capacidade de negar o que lhes ensinam.
Conversa com Baptista-Bastos, jornalista e romancista português. 1973
Mas basta ler um pouco de história para verificar que tem muita gente
importante que já estava morta há mais de 10.000 anos. Então, uma coisa é
certa: a morte pode não ser definitiva, mas é por muito tempo.
Conversa com José Aparecido de Oliveira, político mineiro. 1969
que, por mais que você coma, por mais que você encha o estômago,
está sempre perfeitamente subalimentado.
Higiene. Conversa com o dr. Rodolfo Ferreira, clínico “geral”, como se chamavam
antigamente os médicos humanistas. 1973
N unca conheci ninguém que falasse duas línguas. Cada palavra, nuança
ou ritmia que se aprende numa língua, se perde na outra. Além disso
“falar bem uma língua estrangeira é demonstração de absoluta falta de
caráter”, no mais amplo sentido da palavra. Como dizia Shaw: “Nenhum
homem realmente capaz em sua própria língua se interessa em dominar
outra”.
Conversa com Maurício Roberto, arquiteto. 1973
S e cada país tem que ter a sua imagem nacional, a efígie brasileira
deveria ser a do jogador de porrinha, posto em todas as praças vestindo
a camisa do Flamengo, o braço estendido, a mão fechada. Uma figura mais
estranha do que a Esfinge porque, feita de mármore do Paraná, jamais
abriria a mão. Ninguém jamais saberia quantos pauzinhos teria o herói
nacional.
Sugestão para João Ubaldo Ribeiro, jornalista, romancista. 1962
A língua (o povo) tem suas próprias razões, que ninguém jamais poderá
pesquisar. Quase todas as palavras em Português terminadas em eca
tendem ao ridículo: beca, breca, burreca, camoeca, careca, caneca, cueca,
jaleca, marreca, meleca, muleca, munheca, panqueca, peteca, rebeca,
sapeca. Vá lá alguém explicar. E tem gente que explica.
Papo com B. Piropo, jornalista, engenheiro, técnico e teórico de informática. 1956
D e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse voto pode ser contra, a
favor ou muito pelo contrário. Um eleitor dando mais de um voto a um
candidato se chama voto qualitativo. Também se pode chamar fraude. Um
candidato aceitando mais de um voto de cada eleitor é um eleito.
Técnicas de poder. Conversa com Fernando Pedreira, jornalista, embaixador. 1967
S ó há uma coisa que a vida ensina: a vida nada ensina. Alguém precisa
aprender mais do que isso no ato de viver?
Conversa com Marco Aurélio de Moura Matos, jornalista e escritor mineiro. 1969
O mundo tem muitos canalhas mas, felizmente, estão todos nas outras
mesas.
Conversa no bar Veloso, com Tom Jobim, músico. 1962
T oda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então, esta regra
também tem exceção e deve haver, perdida por aí, uma regra
absolutamente sem exceção.
Recado ao xará Millôr (Duval), de Belém do Pará. 1995
A os desesperados, que pensam nada ser possível, aos que acreditam que o
mundo não tem correção, convém lembrar que com suas guerras
múltiplas, seus problemas inacreditáveis, seus acontecimentos aterrorizantes,
o nosso século pode ser considerado o mais interessante da história. E há
apenas sessenta e sete anos nem existia.
Entretenimento com Ivan Moura Campos, filósofo, especialista em internet. 1996
Q ualquer homem, andando uma média de doze horas por dia, levaria
apenas duzentos e oitenta e cinco dias para ir do Rio de Janeiro a Paris.
Isso, naturalmente, se não houvesse o Oceano Atlântico no meio.
Idem
B asta você substituir o vódica por uísque e o suco de tomate por limão e
açúcar para transformar um Bloody Mary num uísque sauer.
Conversa com Luísa Chaves Ferreira, empresária. Lisboa. 1973
N unca vi um canalha que, nas reuniões íntimas, não invectivasse, com toda
sinceridade, os canalhas do mundo. Nem um ladrão que não fosse contra
o roubo. Mulheres e homens de comportamento desregrado são, em geral, os
mais ferrenhos moralistas. E a primeira coisa que um governo despótico faz é
inaugurar uma praça com o nome de Praça da Liberdade.
Em nome de Deus. Obras completas. 1970
S e você chegar a um país e quiser saber da liberdade política que têm seus
cidadãos, basta ler os jornais desse país. Se dizem que o governo é
admirável, seus mentores maravilhosos, dignos e capazes, é porque os
governantes são déspotas que liquidaram com a liberdade de expressão.
Agora, se os jornais dizem que os governantes são incapazes, hipócritas e
estão levando o país à ruína, o país está, pelo menos politicamente, muito
bem.
Conferência no instituto de surdos-mudos, em Praga. Realizada pelo método braile. 1956
A lei deve ser posta em prática com prudência e as penas distribuídas
parcimoniosamente, como um remédio ruim. Toda autoridade sábia
exerce apenas metade dos seus direitos, uma forma de se livrar de metade de
suas obrigações tediosas ou cruéis. Os criminosos, fora das práticas que lhes
dão essa designação, também são seres humanos, às vezes até mais amáveis
ou fascinantes do que os cidadãos prestantes. De qualquer forma, convém não
esquecer que um facínora, preso muitas vezes, acaba íntimo do delegado.
Introdução para as Obras completas. 1970
odo cuidado é pouco com os contestatários tipo galináceo que cacarejam o
tempo todo na esquerda mas põem seus ovos cuidadosamente na direita.
T Conversa com o jornalista Luís Edgar de Andrade. 1972
M Significa que você não usufruiu, ou pelo menos não usufruiu todo, o
seu dinheiro. Além disso, um rico que gasta tudo que tem antes de
morrer, livra seus herdeiros do odioso imposto de transmissão.
Máximas milionárias, conversa com um milionário arruinado. 1972
C omo cada coisa tem seu preço, o homem já nasce devendo à mãe nove
meses de pensão. Não existe nada que não tenha um preço.
Conversa com Norma Benguel, atriz. 1965
T emos que começar por baixo. Como os Estados Unidos, por exemplo:
começaram com um país só.
Liberdade, liberdade, peça de teatro. 1966
O fato é que toda essa andação pelas crateras da Lua trouxe muito pouca
coisa útil e serviu apenas para apunhalar nossa alma romântica (que
esperava da Lua pelo menos uma reação com monstrinhos de olhos verdes,
roedores satânicos ou uma exalação mefítica) e nos roubou, em troca de
nada, uma herança poética de milênios. E aí, como defesa a posteriori, foi
que começamos a perguntar: “Para que serve essa viagem?” “Com essa
despesa toda não se poderia encontrar a cura para a democracia?” “Não se
poderia inventar uma nova espécie de sexo sabor-virtude?”
Conversa com Nelma Quadros, figura tutelar do Pasquim. 1970
O resto está aí para ser feito por nós. Levamos milhares de anos para o
levantamento das possibilidades, uns dez mil anos de civilização para
aprender processos. Mas o mundo, propriamente dito, começou a ser feito
apenas há dez anos.
Resposta a Henfil. 1973
E xiste uma média de vida mas que não serve como garantia para a vida
individual. Ninguém é tão velho que não possa viver mais um ano,
ninguém é tão moço que não possa morrer já. Aqui e agora, aproveita a
vida, irmão. Talvez já tenha passado mais tempo do que você pensa.
Conselhos aos jovens turcos. Obras completas. 1970
Q uem fala em amor livre? Com o amor livre, ai dos feios, dos
demasiadamente desinteressantes. Amor livre, sim, de alguns tabus
que se incrustaram doentiamente nas relações entre homem e mulher. Mas
só. Quem fala em amor livre nunca ouviu falar em impotência masculina.
Utopias. Obras completas. 1970
A os pobres que acham, com razão, que é muito difícil ficar rico, deve-se
advertir que para os ricos é ainda mais difícil ficar pobre. Qualquer
movimento que façam nesse sentido é imediatamente censurado – senão
punido – por sanções familiares, dos amigos, dos sócios e de críticos
ocasionais que nem têm nada com isso. E, o que é pior, quando um rico
resiste à riqueza, abre mão dos seus bens, investe em obras de caridade, doa
para organizações culturais e artísticas, mesmo isso, inúmeras vezes, resulta
em lucros absolutamente inesperados.
Idem
S e você passa a vida dizendo exatamente o que pensa depois não venha
se queixar.
Diálogo com Mário Prata. 1971
N ão pense. Se pensar, não fale. Se, por acaso, for obrigado a falar seu
pensamento, evite escrevê-lo. Se escrever seu pensamento, não deixe
que o publiquem. Se o publicarem, recuse assiná-lo. Se o seu pensamento
aparecer assinado em qualquer lugar, corra para casa imediatamente e
escreva um desmentido.
Como sobreviver em regime ditatorial. 1969
C omo sexo as mulheres são insuportáveis, mas na hora do sexo, não tem
nada melhor.
Entrevista com Betty Friedan, que chutou a mesa. 1970
s que aspiram a uma permissividade total, inclusive e sobretudo nos hábitos
O vestir (despir) podem perder as esperanças. A nudez total jamais vai
triunfar enquanto houver fábricas de produtos têxteis.
Conversa com Maurício Bebiano, intelectual e playboy. 1963
N ada é tudo e tudo não prova nada. Slogans sobre a família que rezando
unida, ou trabalhando unida, ou se divertindo unida, permanecerá unida,
não têm nada a ver com a realidade. E, mesmo permanecendo unida, que é que
isso quer dizer? Que permanece feliz? É duvidoso. Apenas porque reza, apenas
porque trabalha, apenas porque come unida? Para mim a família que permanece
unida permanece unida. E só.
Reforma de consciências. 1967
U ma frase que cada dia adquire mais significado: a união faz a força
Não só. Só a União tem a força.
Conversa com Brito Velho, o moço. 1963
F ala-se nas penas da lei como se esta fosse uma galinha prodigiosa. As
penas da lei são as penas dos homens, sempre classistas, preservadores
dos direitos dos que dominam o jogo social.
Legislação. 1956
S er livre, é bom notar, não é ser libertado. “Eu te dou toda liberdade”, é a
restrição suprema.
Conversa com Raphael de Almeida Magalhães. 1963
A lei escrita é sempre muitos anos atrasada em relação ao direito real, aquele
que está no ar e pertence ao nosso tempo de vida. A Justiça não só é cega
mas sua balança desregulada e sua espada sem fio. É fundamental impor um
direito mais amplo do que o que está escrito, obrigar o juiz a funcionar acima da
mediocridade do regime em que vive.
Diálogo com Emmanuel Viveiros de Castro, Maninho, advogado. 1967
D
inutilizado. O eleitor que consegue dar mais de um voto a um candidato
está atribuindo a si mesmo o direito de usar o chamado voto qualitativo.
Constituições. 1946
O julgamento feito a partir de uma faixa etária em que um adulto, apenas por
ter mais de dezoito anos, é sempre culpado em relação a uma menor de
dezoito anos, não tem nenhuma base real, não encerra qualquer justiça. A
verdade é que as menores seduzidas são, em geral, extraordinariamente
sedutoras.
Idem
A defesa do status quo chega a seu extremo na “boa educação” quando são
impostos, inclusive, ridículos hábitos de “como sentar à mesa”, “como
falar aos mais velhos”, “como se vestir para sair” com orientação precisa,
inclusive, quanto a gestos e palavras que devem ou não ser ditas em
determinados lugares e ocasiões. Quaisquer dessas regras quebradas significa
perda de status para o indivíduo, a família e o clã ao qual o indivíduo pertence.
Com esse processo se busca defender todo um sistema no qual, afinal,
sobrevivem poucos e lucram pouquíssimos. A respeitabilidade é o leão-de-
chácara da burguesia.
Conversa na praia com Raul Riff, jornalista. 1971
A os que violentam e não o sabem, aos que roubam e nem suspeitam de que
o que fazem é um roubo e aos que prevaricam sem consciência, aconselho
mais reflexão. Também tenho uma tia, que passou por prostíbulos, tem seis
filhos e se diz, e se considera, sinceramente, virgem e inocente.
Idem
S
ver.
éculos de egoísmo, exploração do homem pelo homem, escravatura,
inconsciência e ambição desmedida. O resultado está aí para quem quiser
O rico, que come mais do que o pobre, inventou a boa educação para que
seus iguais não vivam arrotando à mesa.
Conversa com Carlos Lemos. 1970
A Justiça, de qualquer forma, aí está, com sua cabeça erguida, seu olho rútilo,
mesmo coberto pela venda que, teoricamente, a impede de ver errado. Para
o dicionário, é uma virtude. Para o jurista, um direito organizado, pragmatizado
e institucionalizado. Para o teólogo, arma de amparar o respeito do homem pelo
homem, feito à imagem e semelhança de Deus. Para o cidadão comum, um
recurso supremo, quer dizer, uma derradeira e vaga esperança. Para os homens
da lei, quase sempre apenas um ganha-pão monótono. Para o Poder, um
instrumento político. Só a impostura das sociedades modernas faz crer ao
cidadão comum que a justiça é com maiúscula e pode funcionar
independentemente do Poder Político, acima dele, pairando soberba e solene, lá
bem alto, como um Concorde subsônico. Essa justiça existe e se chama Justiça
Criminal, mas julga apenas elementos da baixa classe média em processos que,
socialmente, não têm a menor importância.
Conversa com Grande Otelo, ator. 1956
T emos que lutar com nossos próprios recursos, mantendo a fé, no meio do
ódio e da necessidade. Pois é bem possível que isto seja apenas uma
astronave tentando escapar de mundos ainda piores.
Discurso na praça. 1968
D epois de alguns milhares de séculos de lutas, o mal está cada vez mais
bem plantado, o crime não só compensa como está institucionalizado, o
masoquismo não só não é combatido como é até estimulado. Temos que
reconhecer que Deus envelheceu e o Demônio evoluiu.
Conversa com Glauco Rodrigues, pintor. 1973
A classe média, sem aspirações nem grandeza, é uma entidade que não
sobe nem desce, não quer nem deixa, e está em toda parte ao mesmo
tempo.
Conversa com Vilmar, desenhista. 1972
E preciso que as armas que você tem para lutar – culturais ou não – sejam
adequadas ao tipo de processo e ação em que você está integrado. Não
adianta nada você ter as melhores mãos de pôquer quando está jogando
canastra.
Conversa com Pedro Alverga. 1972
O s que acham que não têm força, os que pensam que não têm meios,
devem lembrar-se de que Cristo começou com uma cruz só.
Bilhete para a jornalista Susan Sontag. 1968
Q
las para murmurarem cheios de espanto: “Mas, eram todos canalhas?”
Urbanismo. 1973
Idealizacoes
O “diz-me com quem andas que eu te direi quem és” não quer dizer
nada. Judas andava com Cristo. E Cristo andava com Judas.
Conversa do lado de fora da PUC. 1970
T rês coisas sem fim e sem compensação mas que são ambicionadas por
qualquer ser humano: a busca da verdade, a luta pela liberdade, a
prática da fraternidade.
Tríades. 1973
U ma criatura bela traz na beleza a sua forma de talento, assim como uma
criatura de talento traz no talento a sua forma de beleza. Os burros e
feios trazem na burrice e feiura a sua forma de feiúra e burrice.
Conversa com a pantera Sílvia Amélia. 1968
Q uando Carlyle afirmou que “o homem é o único animal que ri” não
fazia com isso uma mera constatação biológica. Biologicamente a
hiena também ri. Fazia uma constatação psicológica e social. Seu erro era
apenas admitir o riso como uma qualidade humana, quando é um defeito. O
homem, da maneira por que vive, não tem do que rir. Por isso, à frase de
Carlyle deve-se acrescentar: “E é rindo que ele mostra o animal que é”.
Nota sobre os Dez documentos bem escritos dos companheiros de Calabar. 1971
P ode ser até que haja vida inteligente em outro planeta. Neste, até agora,
não se viu a menor demonstração.
Conversa com Pedro Porfírio, homem de teatro, político. 1972
M
baixo.
uitas pinturas consideradas obras-primas muitas vezes são apenas
obras medíocres que durante séculos foram colocadas de cabeça para
A moldura que serve para um quadro vagabundo pode ser usada também
numa obra-prima, desde que o tamanho das duas obras seja igual.
Conversa com o marchand Franco Terranova. 1961
O difícil é você se livrar dos idiotas que pretendem lutar ao seu lado
interpretando a sua negação da cultura dominante como uma
afirmação de louvor à ignorância.
Conversa com César Thedin, arquiteto. 1963
P rimeiro o troglodita ordenou à mulher que não saísse mais da gruta porque
cá fora era muito perigoso, e dividiu o mundo em duas metades: metade
dominadores e metade dominados. Depois, quando lhe nasceram os filhos, ele
ordenou à mulher que cuidasse deles e a eles que obedecessem ao sistema de
vida que sua geração tinha criado. E o mundo ficou dividido em um terço de
dominadores (homens) e dois terços de dominados (mulheres e crianças). Aí o
troglodita encontrou homens como ele mas, como tinham a cor da pele
diferente, gritou que eram inferiores e aprisionou-os. E aí o mundo ficou
dividido em um sexto de dominadores, dois terços de dominados (mulheres e
crianças) e um sexto de dominados pelos dominadores e dominados. Para
facilitar foram chamados de escravos. Mas aí, metade do um sexto (um doze
avos) dominador quis dominar a outra metade e inventou Deus. A luta,
tremenda, terminou em empate. E a Terra foi dividida em Poder Temporal e
Poder Espiritual. E ambos concordaram em que tinham que inventar um slogan
básico para manter todos os outros cinco sextos da humanidade na posição em
que estavam. E criaram o maior e mais belo slogan de todos os tempos: “O
dinheiro não é tudo”. E como, por mais rico que o homem seja, não está
garantido contra o desastre e o infortúnio, contra a doença e contra a morte, foi
fácil convencer a maior parte da humanidade (gastando-se nisso, é verdade,
rios de dinheiro) de que “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus”; de que “no Juízo Final, os
humildes herdarão a Terra”, de que “a riqueza não traz felicidade”, etecétera.
Até o dia em que o Millôr chegou, olhou a miséria em volta, trazendo como
conseqüência o analfabetismo, a sujeira, o ódio e a opressão, e concordou
tranqüilamente: “Sim, o dinheiro não é tudo. Tudo é a falta de dinheiro”.
Análise das estratificações sociais. Tese defendida na faculdade de pesquisas sociais de Toronto.
Tóquio. 1961
D entro da faixa de possibilidades sociais que lhe são dadas, o homem não
tem fuga. Em média, se não for atropelado ficará no desemprego, se não
ficar desempregado vai pegar um enfisema, será humilhado, abandonado pela
mulher, arrebentado sentimentalmente pelos filhos, mordido de cobra, ficará
impotente e, mesmo escapando de tudo, ficará velho, senil, babando num asilo.
O mundo não tem lugar senão para um terço da humanidade.
Discurso num jantar no Porto, Portugal. 1973
E m determinados países como o nosso, neste momento da história,
assaltado ou violentado, é melhor não gritar por socorro – corre-se o risco
de atrair a polícia.
Contato com Cícero Sandroni, jornalista, escritor. 1962
C omo acreditar que todos os homens são iguais perante a lei se uns são
condenados a morrer de indigestão e outros a morrer de fome?
Nota introdutória ao pedido de casamento de uma tia. 1947
O mal da censura é que ela não tem função crítica, atingindo a todos nociva
e indiscriminadamente. Para proibir uma pessoa de fumar é preciso, antes
de tudo, saber se ela fuma.
Conversa com Ziraldo, humorista, na arquibancada do Maracanã. Maio. 1968
Não ser governado por este ou aquele sistema, mas contra o fato mesmo
O de ser governado Pois ser governado é ser “guardado à vista,
inspecionado o tempo todo, espionado, legislado absurdamente,
regulamentado, condicionado, doutrinado, estampilhado, censurado,
comandado por elementos que não têm títulos para isso, nem capacidade, nem
ciência, nem virtude”. Ser governado é, a cada operação, a cada transição, a
cada gesto, “ser registrado, tarifado, timbrado, recenseado, cotizado,
patenteado, licenciado, apostilhado, admoestado, intimado, intimidado e
corrigido”. É, em nome da utilidade pública e do interesse geral, ser obrigado a
contribuir. É ser explorado, monopolizado, pressionado, mistificado, roubado.
E, à primeira palavra de protesto, ao primeiro gesto de resistência, ser
reprimido, vilipendiado, envergonhado, difamado, desarmado, aprisionado,
fuzilado, metralhado, guilhotinado, julgado, condenado, deportado,
sacrificado, vendido, traído. Só um idealista enlouquecido consegue sobreviver
a essa visão do mundo.
Como sobreviver. 1956
S
querem. Como os colonizadores eram sempre ignorantes e poderosos,
acabavam impondo sua língua aos nativos.
Conversa com Rodolfo Neder, publicitário. 1987
Individualismo. Positivo e negativo
O único democrata autêntico que conheci em minha vida foi o Papa Doc,
do Haiti. Fuzilava inimigos, amigos e até parentes com absoluta
imparcialidade.
Conversa com Paulo Garcez, fotógrafo. 1971
T oda a história dos brancos (leia-se os que detêm o poder nos últimos
séculos) trata com infinito desprezo e imensa superioridade os
sacrifícios feitos às divindades pelos povos primitivos. E, no entanto, os
brancos não fazem nenhuma transmissão de poder, nenhuma disputa de
mercados, nenhum domínio territorial, sem imensos sacrifícios a seus
deuses econômicos que, sanguinários e insaciáveis, só aceitam as vidas
mais jovens dos países que os protegem.
Conversa com Jorge Zahar, editor. 1969
or necessidade ou não, enquanto as guerras se tornaram mais e mais
A
Improvável, triste, manca, depenada, no bico um ramo seco e
desfolhado. Está para a verdadeira Pomba da Paz assim como um vôo
charter está para a grande aventura.
Que pax? Conversa com fortuna, desenhista, humorista. 1973
E fique dito que não pretendemos provar nada com tudo o que fizemos
ou não fizemos, escrevemos ou deixamos de escrever. A não ser que o
ser humano está acima (e abaixo também) de todas as teorias e previsões e
que há, soltas no mundo, palavras demais, não querendo dizer
absolutamente nada.
Conversa com Walter Salles, cineasta. 1992
F363L
ISBN: 978.85.254.0784-9
Table of Contents
Nota dos coordenadores
Objetivos
Educacao e deseducacao
Religiao e misticismo
Comunicacao e meios
Metodos de ação. Trabalho
Metodos de pensamento. Dialetica
Etica e disciplina
Profissoes: limitacoes e deveres
Como lidar com as contradicoes
Economia. Sistemas
Subdesenvolvimento
Tecnologia: Utilidades e perigos
Liberdade. Limitacoes
Relacoes naturais e artificiais
Relacoes de poderes
Hipocrisia social e politica
Responsabilidades
Idealizacoes
Artificios da arte
Formas de lideranca
Formas de opressao
Individualismo. Positivo e negativo
Vicios e abstinencias
Guerra e paz