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Em 1956, Baltasar afirmou que vinte anos atrás ele e um grupo de reduzidos amigos começaram
a pensar nos problemas de Cabo Verde. Nessa época, havia um conjunto propício de circunstâncias
que os levou a fazerem-se os bandeirantes da descoberta literária da sua terra, os porta-vozes das
dores e das ânsias do povo cabo-verdiano.
Duas estiagens catastróficas nos primeiros anos das décadas de 20 e 30, aliadas aos surtos
epidémicos da peste bubónica e da gripe pneumónica, o encerramento da emigração para os EUA, a
queda vertical na cotação dos poucos produtos exportáveis do arquipélago e a decadência do Porto
Grande de S. Vicente são factores determinantes na consciencialização do escritor cabo-verdiano.
Para além desses é de realçar a importância dos escritores brasileiros e suas obras nessa tomada
de consciência, conforme se pode verificar nas seguintes palavras de Baltasar: “Ora
aconteceu que por aquelas alturas nos caíram nas mãos, fraternalmente juntas, em sistema de
empréstimo, alguns livros(…)O José Lins do Rego d’O Menino de Engenho e do Banguê, o Jorge
Amado do Jubiabá e Mar Morto; (…) Esta ficção e esta poesia revelavam-nos um ambiente, tipos,
estilos, formas de comportamento, defeitos virtudes, atitudes perante a vida que os assemelhavam
aos destas ilhas(…)”
Temática
Este movimento literário surgia com o propósito de “fincar os pés na terra cabo-verdiana”
(Manuel Lopes) e de “pensar nos nossos problemas” (Baltazar Lopes). Os temas mais frequentes
passam a ser: as estiagens, a decadência do Porto Grande, o encerramento da emigração para os
EUA, a abertura do contrato para as roças de S. Tomé.
Segundo Manuel Ferreira, o espírito de denúncia dos claridosos residia “numa poesia de raiz
predominantemente telúrica e social”. António Aurélio Gonçalves refere-se a “necessidade de
protestar e dar alarme perante uma crise económica causada pela estiagem, pelo abandono do
Porto de S. Vicente, pela sufocação proveniente do encerramento da emigração para a América do
Norte”.
Influências
A formação intelectual e literária dos primeiros claridosos resulta de influências várias, oriundas
do Brasil e de Portugal, que contribuíram para mudar a face da literatura cabo-verdiana.
O contacto com o Modernismo português fez com que esse jovens procurassem colocar Cabo
Verde em dia com a nova arte que se fazia na Europa, rompendo bruscamente com o
tradicionalismo.
No aspecto formal, a Claridade representa o rompimento com as formas clássicas quanto à rima,
à métrica, e aos géneros literários e constitui uma afronta ao purismo da língua. No aspecto
temático, a Claridade surgiu com o propósito de retratar a realidade cabo-verdiana, o drama vivido
pelo povo cabo-verdiano.
“(...) pode dizer-se que toda a poesia cabo-verdiana prosseguida a partir dos anos 30 se
nutre de uma substância comum e se ramifica a partir de alguns pontos, que são as traves
mestras de quase toda a sua actual literatura: as secas e a fome; a emigração; o mar, a
evasão; a insularidade (...).” Manuel Ferreira
SECA / FOME
Nestes tempos
Casebre não tem descanso
a padiola mortuária da regedoria.
Foi a estiagem.
Levou primeiro
E o silêncio depois. o corpo mirrado da mulher
com o filho nu ao lado
Nem sinal de planta de barriga inchada
nem restos de árvore que se diria
no cenário ressequido da planície. que foi de fartura que morreu.
O homem depois
com os olhos parados
O casebre apenas abertos ainda.
de pedra solta
é uma lembrança aflitiva. Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas!
Nem gritos nem alarme
O tecto de palha - somente o jeito passivo de morrer.
levou-o
a fúria do sueste. No quintal do casebre
três pedras juntas
Sem batentes três pedras queimadas
as portas e as janelas que há muito não serviram.
ficaram escancaradas
para aquela desolação. E o arco de ferro do menino
com a vareta ainda presa.
Jorge Barbosa, Caderno de um ilhéu, 1956
Foi a estiagem que passou.
Mamãe
Romanceiro de S. Tomé
Filho
Nocturnos
(Porto Grande)
I
Algum vapor que entra no porto vazio?
Luzes, raras da baía alguma ilusão mais?
saltitam na água macia algum abraço generoso,
- enguias de ouro a brincar ou uma palavra mais linda
numa alcatifa negra de veludo – de algum náufrago de ramos junto ao cais
e multiplicam-se no mar ou no mar-alto ainda?
no mar sonâmbulo e mudo.
III
Perpassam gritos
como os que se calam dentro da gente … Em que pensas, carvoeiro debruçado,
Fantasmas negros de lanchas no cais deserto sobre o mar,
enchem o porto de manchas cuja sombra, como a um morto.
sacodem os mastros aflitos
silenciosamente… O mar iluminado embala?
Sonhas a voz do porto que já perdeu a fala?