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NEGROS: UMA TRAJETÓRIA


DE RESISTÊNCIA

Brasil: Chegam os africanos


Na passagem do século XVI para o XVII, no
Nordeste, os senhores de engenho começaram a
comprar africanos para substituir os indígenas no
trabalho. E o fizeram pelas seguintes razões: A falta de
indígenas nas áreas açucareiras por fuga ou morte
devido a doenças e maus-tratos; Os interesses envolvendo o tráfico de africanos pelo Atlântico;
A experiência dos africanos na produção de açúcar nas plantações portuguesas das ilhas de
Cabo Verde e Madeira. Muitos africanos trazidos para o Brasil nos séculos XVI e XVII eram
bantos, povos agricultores e pastores com grande domínio da metalurgia do ferro.

O legado dos africanos no Brasil

A participação da África na construção do Brasil e de seu povo começou muito cedo. A


África está presente nos ditos, histórias e canções que repetimos ao longo da vida, nos
brinquedos infantis tradicionais, nos bichos-papões que povoavam os medos de nossa
meninice, nas festas e danças populares, na maneira como nos cumprimentamos, no jeito de
estar em casa e na rua em suma, em quase tudo. Já vimos como as religiões de origem
africana se expandiram no Brasil. E como a África impregnou a nossa infância. No nosso dia a
dia e, mais importante ainda, em nossa gente. É raro um brasileiro adulto cujos bisavós já
viviam no Brasil que não tenha pelo menos um antepassado africano. A África está, portanto,
no sangue da grande maioria do nosso povo. E, ainda que disto muitos não tenham
consciência, na alma de quase todos.
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ESCRAVIZADOS NÃO ESCRAVOS


É de suma importância esclarecer, que a escravidão é uma instituição antiga, um
fenômeno que deve ser inscrito nos eventos históricos de longa duração. Na África
subsaariana se praticava a escravidão antes da chegada dos europeus ao litoral africano, no
século XV. No entanto, é consenso também entre os pesquisadores que a escravidão africana
possuía características próprias. Na África o indivíduo podia ser escravizado por quatro motivos
principais: guerra, fome, punição judicial ou penhora humana.
No século XV, com a chegada dos portugueses à África, a escravidão se avolumou e as
guerras se multiplicaram. Parte dos líderes africanos (chefes de linhagem, príncipes, reis)
desejava armas de fogo para manter ou ampliar seu poder. Os europeus, por sua vez,
desejavam escravos. Então, na África, começaram a acontecer guerras com o objetivo de
conseguir prisioneiros para trocá-los por armas de fogo e outros produtos.

TRÁFICO ATLÂNTICO
No século XVI, com o aumento da procura por trabalhadores nos engenhos de açúcar
do nordeste brasileiro, teve início o comércio de africanos para a América portuguesa. Esse
negócio envolvia pessoas e produtos de vários continentes Europa, África, América e Ásia e é
chamado pelos historiadores atuais de tráfico atlântico. O tráfico atlântico durou mais de 300
anos e envolveu europeus de várias nações , portugueses, ingleses, franceses, entre outros,
africanos (chefes, reis e negociantes) e, mais tarde, mercadores do Rio de Janeiro, da
Bahia e de Pernambuco. Muitos desses mercadores, sobretudo do Rio de Janeiro e de
Salvador, acumularam fortunas com o tráfico.

De onde foram trazidos os


africanos?
O número de africanos trazidos da África para a
América pelo tráfico atlântico foi de 10 565 217
africanos. Desses, 4 860 000 foram destinados ao
Brasil. Do total de africanos entrados no Brasil, 25%
eram da África Ocidental. Os outros 75% eram da
região congo-angolana e da costa leste Moçambique.
A maioria dos africanos ocidentais desembarcados no Brasil era da Costa da Mina, área de
cerca de 600 km² entre Gana e Nigéria atuais. Lá, ao longo da costa africana, se encontravam
os principais portos e feitorias usados no tráfico de pessoas para o Brasil. A maioria dos
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africanos ocidentais entrou pelos portos da Bahia e se concentrou no Nordeste: Bahia (75,6%),
Pernambuco (11,4%) e Maranhão (8,2%).

Na hora do embarque para o Brasil, o africano era “batizado”, ou seja, perdia seu nome
original e passava a ter um nome português. Para certos povos africanos isso era mais
doloroso, pois, em alguns lugares da África, o nome dado a uma pessoa tem um significado
especial. O nome português, dado no batismo, devia ajudar a apagar da memória do africano
todo o seu passado: sua família, seus amigos, sua língua e seu lugar de origem.

A travessia
Nas fortalezas do litoral africano, homens, mulheres e crianças eram forçados a
embarcar em navios conhecidos como navios negreiros. A viagem das praias da África
Ocidental para o Brasil durava de 30 a 45 dias, conforme o lugar de partida e o de chegada. As
condições da viagem eram péssimas, a comida era pouca
e de má qualidade. Os negreiros iam superlotados: onde
cabiam 100 iam 300 e muitos morriam durante a travessia.
Mesmo assim, o lucro dos traficantes era grande: o preço
de venda de um lote era, em média, três vezes maior que
o de compra.
Os africanos chegavam ao litoral brasileiro
confusos, cansados e sem saber onde estavam. Nos mercados do Rio de Janeiro, Salvador,
Recife e São Luís eram examinados, avaliados e comprados. Um homem adulto valia o dobro
de uma mulher e, geralmente, três vezes mais do que uma criança ou um idoso.

A HERANÇA CULTURAL
Se as vozes dos quatro milhões de africanos trazidos para o
Brasil ao longo de mais de três séculos não fossem abafadas na
nossa História, hoje saberíamos que eles, apesar de escravizados,
não ficaram mudos. Participaram da configuração do português
brasileiro e são responsáveis pelas diferenças que afastaram o
português do Brasil do de Portugal. Aquelas vozes são perceptíveis e
se revelam nas centenas de palavras que enriquecem o patrimônio
linguístico do português do Brasil. São palavras portadoras de elementos culturais
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compartilhados por toda a sociedade brasileira, no âmbito da recreação (samba, capoeira),


dos instrumentos musicais (berimbau, cuíca, agogô), da culinária (mocotó,moqueca),das
doenças (caxumba), da flora (dendê, maxixe, jiló), da fauna (camundongo, minhoca), dos
ornamentos (miçanga, balangandã), da família (caçula, babá), das relações pessoais de
carinho (xodó dengo, cafuné), do mando (bamba, capanga), do comércio (quitanda ,
maracutaia).
O desempenho da mulher negra, ama de leite e criadeira, foi tão marcante no seio da
casa senhorial que até hoje chamamos o filho mais jovem pelo termo angolano caçula em
lugar de “benjamim”, como se diz em Portugal. Foi ainda nesse momento que outros termos
angolanos deixaram fora de uso no Brasil os seus equivalentes em português (moringa em
lugar de bilha, corcunda por giba, capenga por coxo, cochilar por dormitar, xingar por
insultar , marimbondo por vespa, dengo por mimo.

OS “GRIOTS”
Os griots são contadores de história, cantores, poetas
e musicistas da África Ocidental. São muito importantes para
a transmissão dos conhecimentos dentro das culturas de
diferentes países africanos. O termo griot vem da palavra
guiriot, em francês e da palavra criado, em português.
Franceses e portugueses realizavam trocas comerciais com
países da África Ocidental, transformando algumas palavras
tradicionais em expressões nas línguas dos colonizadores.

ORAÇÃO DE UM “GRIOT”
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Proposta de Paz
Meu Senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu senhor também quiser
nossa paz há de ser nessa conformidade. Em cada semana nos há de dar os dias de sexta--
feira e de sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por causa de dia
santo. Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas. Os atuais feitores não os
queremos. Poderemos plantar nosso arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para
isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou qualquer pau sem darmos
parte para isso. Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem
que nos impeçam, e nem seja preciso licença.

Referência Bibliográfica:
Boulos Júnior, Alfredo 4. ed. — São Paulo : FTD, 2018.

Emef “Lacerda de Aguiar”


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NEGROS: UMA TRAJETÓRIA


DE RESISTÊNCIA

Piúma-ES
Agosto 2022

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