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Durante a sanha colonial, o Brasil foi o país que, de longe, recebeu a maior quantidade de

negros na condição de escravos em todo o mundo, totalizando 38% de todos os negros


arrancados do continente africano (cerca de mais de 5 milhões de pessoas, sendo 75%
proveniente do mundo banto-falante.) É importante salientar que essa estimativa é relativa ao
número dos que chegaram, sem levar em consideração a grande quantidade de mortos ao
longo do percurso, ou seja, aqueles que não resistiram à longa jornada nos navios negreiros
ou tumbeiros, como também eram denominados esses veículos logísticos da empresa
colonial.
Tal como se observa na tabela, pode-se verificar que foi no século XVII que o Brasil
tornou-se um grande importador de mão de obra escrava. No século XVIII, o Rio de Janeiro
tornou-se a principal porta de entrada do Atlântico para os africanos escravizados nas
Américas. Um crescimento estimativo de mais de 100%, deu-se entre os séculos XVII e
XVIII. Porém, o mais interessante é que durante o século XIX, mesmo proibido pela Lei
Eusébio de Queiroz, em 1850, esse tráfico aumentou ainda mais. Nessa ocasião o TSTD,
registrou viagens até 1867.

Ao chegar ao solo brasileiro, não só a liberdade do negro africano era perdida


definitivamente, mas também os seus laços familiares, sociais e culturais. A tristeza, saudade,
a nostalgia e a depressão, muitas vezes chamada de banzo, refletiam o desejo dos africanos de
retornar à terra natal, ao lugar de origem de onde fora retirado à força
A origem dos africanos trazidos para o Brasil dependia também, e especialmente, de acordos
e tratados realizados entre Portugal, Brasil e potências europeias, sobretudo a Inglaterra. A
África, também como celeiro de mão-de-obra, era evidentemente loteada entre os países
coloniais-escravistas, e a origem do tráfico mudou muito, em três séculos, em função dos
cambiantes interesses das potências envolvidas, suas disputas, guerras e tratados.
A proveniência dos escravos percorria toda a costa oeste da África, passando por Cabo
Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Dividiam-se em três grupos: sudaneses, guinenos-
sudaneses muçulmanos e bantus. Cada um desses grupos representava determinada região do
continente e tinha um destino característico no desenrolar do comércio.
Os bantus, grupo mais numeroso, dividiam-se em dois subgrupos: angola-congoleses e
moçambiques. A origem desse grupo estava ligada ao que hoje representa Angola, Zaire e
Moçambique (correspondestes ao centro-sul do continente africano) e tinha como destino
Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nesse quadro, durante os quatro séculos do comércio transatlântico de escravos, portos e
praias do território brasileiro receberam pelo menos 2 milhões e meio de indivíduos
pertencentes ao grupo Banto. Com seus descendentes aqui nascidos, eles se fizeram
presentes: no Nordeste açucareiro; nas minas de ouro e diamantes; na marcha para o oeste; na
extensão da pecuária; nas charqueadas gaúchas; na cafeicultura do sudeste etc.
A presença dos africanos bantos moldou, além da brasileira, toda a cultura da “Afro-
América”, denominação aplicada ao conjunto descontínuo de regiões diretamente marcadas
pelo tráfico atlântico de escravos e suas consequências. A partir dessa expressão, designamos
“Banto-América” à porção desse conjunto moldada pela presença banta; compreendendo
historicamente territórios do Prata aos Andes; das Antilhas; e da América Central ao Canadá.
Ao longo da história agrícola colonial, o crescimento das atividades agrícolas correspondeu
sempre a um maior afluxo de escravos. Foram a mão-de-obra dos campos de fumo e cacau da
Bahia e Sergipe, além da cana-de-açúcar; no Rio de Janeiro foram destinados aos plantios de
cana e mais tarde de café; em Pernambuco, Alagoas e Paraíba eram indispensáveis aos
cultivos de cana e algodão; no Maranhão e Pará trabalharam no algodão; em São Paulo, na
cana e café. Em Minas, além da mineração, trabalharam, mais tarde, nas plantações de café,
também cultivado no Espírito Santo. Também estavam presentes na agricultura do Rio
Grande do Sul e na mineração de Goiás e Mato Grosso. Em todos os lugares foram os
responsáveis também pelos serviços domésticos, organizados no complexo casa-grande e
senzala
O deslocamento de africanos escravizados para o Brasil tem sido a principal fonte
inspiradora para “as chamadas culturas negras que se criam e se recriam por toda a diáspora”.
Diáspora é uma palavra de origem grega, impregnada de conteúdo ideológico e empregada de
várias maneiras a depender das realidades e do contexto histórico. No sentido clássico,
significa deslocamento, dispersão voluntária ou forçada dos povos por motivos políticos,
econômicos ou religiosos
A cidade de Salvador é conhecida como a “Roma Negra”, e, também, como a maior cidade
da diáspora atlântica. A incessante busca da África na Bahia tornou Salvador ainda mais
africanizada o que ampliou a sua imagética de negritude.
Assim, até a metade do século XVIII, grande parte da população negra importada destina-
se aos engenhos de açúcar de Pernambuco e da Bahia, mas, com a descoberta do ouro em
Minas, no século XVIII, há um deslocamento do tráfico para as Minas Gerais,
correspondendo ao chamado Ciclo do Ouro
a importação de escravos bantos não foi substituída pela de sudaneses e continuou seu
fluxo, embora os provenientes dos portos da chamada Costa dos Escravos ou Golfo da Guiné
viessem a ser mais concentrados nas cidades, sobretudo na Bahia. No Rio de Janeiro, por
exemplo, a predominância demográfica de escravos bantos sempre se manteve, devido em
grande parte às particularidades dos acordos e tratados do tráfico, o que, por exemplo,
permitiu aos traficantes portugueses dos últimos tempos comercializar exclusivamente com o
Rio de Janeiro os negros que só podiam trazer da costa meridional africana
quando o tráfico começou a ficar ilegal, primeiro em certos segmentos da costa africana,
mais tarde em todo o litoral, fez com que partidas de escravos alcançassem os portos depois
de percorrer a pé, pelo interior, longos trajetos. Isso complicava a identificação do escravo,
pois sua origem através do porto de embarque podia não mais corresponder a sua origem
verdadeira. Uma vez em terras brasileiras, a própria política oficial da Coroa, em certos
períodos, propiciava o apagamento das origens culturais, não estimulando, com o receio da
sublevação, o agrupamento de escravos de mesmas origens, embora em outras épocas
buscasse agregá-los para melhor os controlar.
Também, como a carga era vendida frequentemente em mercado aberto peça por peça, era
fácil a desagregação e a dispersão dos grupos que eventualmente poderiam ter uma mesma
origem, não sendo possível para o africano manter língua e cultura originais, obrigado a viver
numa miscelânea linguística e cultural que, além de tudo, estava submetida pela cultura
brasileira em formação, de língua e costumes de tradição portuguesa
Entre os africanos nascidos no Brasil há mais tempo, entretanto, já poucos falavam sua
língua e mantinham costumes originais. No interior e nas cidades para onde a importação de
africanos era mais antiga, menos vestígios culturais permaneciam intocados. Os casamentos
entre nações, a miscigenação com o branco e com o índio, a adoção da cultura nacional
promoveram com intensidade o apagamento das diferentes culturas africanas. Quanto mais
distante no tempo estamos, mais intenso terá sido o processo de absorção do africano à
cultura brasileira em formação, menos marcas culturais específicas terão sobrado
Os congos eram geralmente percebidos de forma positiva pelos senhores, uma vez que eles
consideravam estes povos muito bons escravos devido às suas habilidades na agricultura, nos
trabalhos artesanais e domésticos. As mulheres congolesas eram consideradas melhores
escravas que as demais, de outros povos, por sua reputação de trabalharem com afinco. Esse
era também um povo orgulhoso, daquele tipo que preserva suas tradições, coroando suas
próprias rainhas e valorizando seus hábitos culturais. Havia, também, tão numerosos ou mais
que os bantos e cabindas, os angolas, escravos vindos das áreas controladas pelos
portugueses. E tal como os congos, os angolas eram compostos por uma variedade de grupos
étnicos que também eram bem vistos pelos dirigentes da sociedade escravista. Uma vez que o
Rio de Janeiro recebeu grandes quantidades de escravos de regiões da Angola e do Congo
Norte, esse era o estado que mais distribuía escravos para todo o Brasil, o que deixou aos
cariocas um importante legado da África Centro-Ocidental.
Estudos de filólogos têm permitido, contudo, identificar as fontes do vasto arsenal de
étimos africanos que compõem a língua portuguesa no Brasil. Em seu recentemente
publicado Dicionário Banto do Brasil (1998), Nei Lopes arrola cerca de oito mil vocábulos de
origem banto incorporados à língua portuguesa falada no Brasil. São provenientes dos mais
diferentes grupos bantos, como se cada etnia desejasse perpetuar-se na língua do novo país,
mas na grande maioria a origem das palavras aponta para as línguas quimbundo, umbundo e
quicongo, enfim as línguas das nações angola e congo, especialmente angola, que parece
representar para o Brasil uma espécie de África síntese
Por volta da metade do século XIX, com a presença de escravos, negros libertos e seus
descendentes nas grandes cidades, quando a população negra conheceu maiores
possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento e maior capacidade
de organização, uma vez que mesmo o escravo já não estava preso ao domicílio do senhor,
podendo agregar-se em residências coletivas concentradas em bairros urbanos onde estava
seu mercado de trabalho, vivendo com seus iguais, quando tradições e línguas estavam vivas
em razão de chegada recente, criou-se no Brasil o que talvez seja a reconstituição cultural
mais bem acabada do negro no Brasil, capaz de preservar-se até os dias de hoje: a religião
afro-brasileira
Nas diferentes grandes cidades do século XIX surgiram grupos que recriavam no Brasil
cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros
aspectos da sua cultura na África. s. Floresceram na Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão,
Rio Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro. Embora tenha também surgido e se
mantido uma religião equivalente por iniciativa de negros bantos, a modalidade banto lembra
muito mais uma adaptação das religiões sudanesas do que propriamente cultos da África
Meridional, tanto em relação ao panteão de divindades como em função das cerimônias e
processos iniciáticos
Com a destruição no Brasil da família africana, perdendo-se para sempre as linhagens e as
estruturas de parentesco, a identidade sagrada não pôde mais ser baseada na idéia de que cada
ser humano descende de uma divindade através de uma linhagem biológica

Rio de Janeiro
Mesmo que tenha se tornado escasso com a vigilância dos britânicos, o tráfico de bantos
perdurou até o século XIX e deixou marcas incontestáveis na cultura do Rio de Janeiro e da
nação. Uma delas é a forte presença na música, a começar pelo lundu, que, segundo vários
pesquisadores, constituiu-se no primeiro ritmo genuinamente afro-brasileiro, tendo sido a
base para o nascimento de outros gêneros musicais, como o choro e o maxixe. Sua dança – de
umbigadas e rebolados ao som de batuques – também teria servido de inspiração para o
samba, que, embora lembre muito o semba (música característica de Angola), é uma mistura
de vários ritmos de origem negra com influências portuguesas e europeias.
O contato linguístico com os bantos promoveu, na verdade, muitas alterações e apropriações
léxicas, fonéticas e sintáticas no português falado no Brasil. Várias palavras usadas aqui –
como dengo, dendê, caçula, senzala, corcunda, moringa, carimbo, cachimbo, marimbondo,
xingamento, moleque etc. – têm origem em línguas faladas no Congo e em Angola,
especialmente o quicongo, o quimbundo e o umbundo. Nosso sotaque também adquiriu
características trazidas por esses povos africanos, como, por exemplo, o afastamento da
pronúncia muito consonantal do português europeu: falamos “rítimo” em vez de ritmo;
“pineu” em lugar de pneu...
Aos bantos ainda devemos incontáveis heranças em nossa culinária, a começar pela
introdução de iguarias como quiabo, jiló, gengibre, feijão fradinho, azeite de dendê, camarão
seco, amendoim, pratos à base de leite de coco... Aliás, a influência africana em nossa
gastronomia merece um capítulo à parte. Afinal, por cinco séculos, foram as mulheres negras
as principais responsáveis pela preparação das refeições nas residências cariocas.

FONTES
https://www.faecpr.edu.br/site/portal_afro_brasileira/3_II.php
https://www.palmares.gov.br/?p=2889
https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/resources/anais/
8/1530393388_ARQUIVO_Salvador-RomaNegra.pdf
http://malungoeu.com.br/zumzum/o-brasil-banto-e-a-banto-america-por-nei-lopes/
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/
TRABALHO_EV140_MD1_SA6_ID510_08062020134546.pdf
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/
2014/2014_unespar-campomourao_hist_pdp_magda_aparecida_moreira_barbaresco.pdf
https://reginaldoprandi.fflch.usp.br/sites/reginaldoprandi.fflch.usp.br/files/inline-files/
De_africano_a_afro-brasileiro.pdf
http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/reportagens/854-o-matiz-banto-do-rio#:~:text=O
%20contato%20lingu%C3%ADstico%20com%20os,marimbondo%2C%20xingamento%2C
%20moleque%20etc.

RECOMENDAÇÃO

Esta é a obra mais completa já escrita sobre as influências das línguas africanas no
português do Brasil. Resultado de 40 anos de infatigável e meticuloso trabalho na Bahia, na
República Democrática do Congo (ex-Zaire) e na Nigéria,

ICB

Fundado em janeiro de 2006, o Instituto Cultural Bantu – ICB é uma


organização sem fins lucrativos com sede própria na Ilha de Itaparica, Vera
Cruz – Bahia, que tem como missão “educar crianças e jovens, por meio de
atividades socioeducativas com ênfase na Capoeira Angola e na
valorização da herança africana, buscando a transformação social”. Com
uma pedagogia própria e a partir da prática da Capoeira Angola e outras
vertentes da cultura de matriz africana, o ICB atua nos campos da arte, da
cultura e da educação

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