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AFRICANA, AFRO-
BRASILEIRA E
INDÍGENA
Introdução
Em um primeiro momento, muitos podem associar, erroneamente, que
a África é apenas um lugar dominado pela natureza (animais selvagens,
como leões, elefantes, gorilas, e vegetação, como as savanas) e onde
impera a fome, a pobreza e as doenças. No entanto, a África é muito
mais do que isso, é um continente rico em sua diversidade cultural e
possui uma história complexa de ser escrita. O continente africano possui
diferentes subdivisões. De um lado, temos a África ao norte do deserto
do Saara, região que está mais próxima à Europa. De outro, está a África
subsaariana, ao sul do deserto do Saara, sendo subdividida em três grandes
áreas: Ocidental, Centro-Ocidental e Oriental.
Neste capítulo, você vai conhecer as características sociais dos povos
que habitavam o Sahel, bem como as relações políticas e econômicas
que marcaram a constituição dessas sociedades em reinos e impérios.
Além disso, vai estudar o intercâmbio cultural desses impérios africanos
com os povos árabes.
2 A África e os africanos antes da chegada dos europeus: reinos, povos e culturas
A organização social dos povos sahelianos fez com que alguns grupos se
dividissem em reinos e impérios, ou se mantivessem em agrupamentos muito
pequenos. Esses agrupamentos praticavam a caça e a coleta ou a plantação
para a subsistência. Enquanto ocupassem a terra para a sua sobrevivência,
detinham o seu usufruto, sendo que tudo o que era cultivado ou nascesse nela
era da posse da família ou do grupo. A terra era distribuída para os chefes de
família pelo conselho de anciões, pelo chefe da aldeia ou pelo rei. Os chefes
podiam cultivar um ou mais lotes de terra.
Esse regime ocorria em regiões em que era possível a rotatividade do solo
— alguns anos de cultivo e outros de repouso. No momento em que a terra
entrava em descanso, o chefe de família precisava ter um novo trato de terra.
Dessa maneira, a alocação da terra passava por várias gerações, ficando na
família, que assim herdava o uso da terra (SILVA, 2011). Mesmo detendo o
usufruto da terra, na África ela não se tornava uma propriedade da família,
do chefe da aldeia ou do rei. A consciência de poder político estava calcada
nas concepções religiosas e morais.
Tanto se a organização social fosse simples quanto se fosse complexa, o
núcleo de base, nos povos do Sahel, era a família estendida (clã ou linhagem).
Ela era organizada em uma ordem patrimonial ou matrimonial. Veja o que
afirma Souza (2006, p. 31):
[...] do norte vinham sal, tecidos, contas, utensílios e armas de metal. Do sul
vinham ouro, noz-de-cola, marfim, peles, resinas, corantes, essências, que
eram levados para o norte pelos comerciantes fulas, mandigas e hauças. Estes
eram guiados pelos tuaregues e outros povos do deserto.
No Sahel, era frequente o uso do camelo, do asno e do cavalo. O camelo foi trazido
da Península Arábica, embora fosse utilizado ainda no Egito Antigo. Foi no século
IV que o seu uso se expandiu em termos de comunicação e circulação no deserto,
sustentando o comércio que uniu o Sahel, ao norte da África, ao Mediterrâneo. Além
disso, as cidades próximas do rio Níger serviam de pontos de apoio ao comércio do
Sahel e do Saara (SOUZA, 2006). Para o deslocamento, as pessoas usavam cavalos.
Nas savanas, o animal de carga era o burro e, em algumas regiões, o boi. Na região
dos oceanos, lagos e rios, o deslocamento era feito por meio de canoas (SILVA, 2011).
Reino de Gana
O reino de Gana localizava-se entre o deserto do Saara e os rios Níger e Sene-
gal. Ele foi fundado no século IV, pelos povos da etnia Soninke ou Sarakolle
(NIANE, 2010). Entretanto, era governado pela dinastia dos Magas, uma
família berbere que ficou no poder até o século XVIII. A capital de Gana era
Kumbi Saleh e abrigava aproximadamente 15 mil pessoas. A maior parte da
população era formada por agricultores. O enriquecimento do reino ocorreu
devido à sua localização, no extremo sul da rota comercial do Saara, e pela
A África e os africanos antes da chegada dos europeus: reinos, povos e culturas 7
A noz-de-cola é um fruto que era encontrado nas matas da região entre o sul da Guiné-
-Conacri e o rio Volta. Ela tinha alto valor no Senegal, no Sahel e na África do Norte. Era
apreciada por suas propriedades medicinais e estimulantes, porque combatia a dor
de cabeça e a impotência, além de reduzir o cansaço, a fome e a sede. A noz-de-cola
era um dos poucos estimulantes permitidos entre os povos islamizados. No Brasil, ela
é conhecida como “obi” e “orobó” e é utilizada em cultos afro-brasileiros.
Império do Mali
O império do Mali, localizado no alto do Níger entre o século XIII e o XV, era
considerado o império mais importante da savana ocidental. O seu início está
relacionado ao desenvolvimento de um pequeno Estado chamado Kangaba
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). A origem desse império está nos
povos de língua mandê que habitavam em um kafu (conjunto de aldeias cercadas
por terras cultivadas) no vale do Níger, governado pelos famas (descendentes
dos primeiros habitantes do vale do Níger), donos da terra. Eles expandiram-se
pela região até o deserto e a floresta, também nas províncias conquistadas,
mantendo vassalos semi-independentes.
Por volta do século XIII, o guerreiro Sundiata (responsável pela junção de
várias comunidades maliquês) foi coroado como o grande rei do Mali devido
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Império de Songhai
Desde o final do século XIII, Songhai tentava obter gradativamente a sua
independência do domínio do império do Mali, sendo que a conquistou um
século depois. Mas foi no século XV, com sonni Ali Ber, que Songhai atin-
giu o seu apogeu e expandiu o seu território, tomando Djenné, Tombuctu e
Ualata do Mali. Nessas cidades conquistadas, passou a explorar a agricultura
e o comércio. Além disso, tomou as aldeias bambaras e o reino de Mema e
recuperou o controle das rotas comerciais caravaneiras em Gaô. O império de
Songhai tentou ainda tomar as terras dos mossis, fulas e dogons, que foram
de domínio do Mali, entretanto não conseguiu incorporá-las.
Com a morte de sonni Ali Ber, em 1492, os membros da família real e a
nobreza militar começaram a disputar o poder, o que gerou a divisão do Estado
(MATTOS, 2007). Em 1493, ocorreu um golpe de Estado militar, chegando ao
poder a dinastia Ásquia, sob o governo de Ásquia Muhammed (M’BOKOLO,
2009). No seu governo, ele criou um exército profissional, melhorando a qua-
lidade dos guerreiros. Além disso, reduziu os tributos cobrados à população,
liberando a produção agrícola, artesanal e comercial. Com a expansão do
território de Songhai, foi implantada uma política administrativa para cada
região, mas todas sob o controle do rei. Da região de Dendi, para além de
Djenné, os vassalos e um núcleo de várias províncias eram comandados por
parentes ou pessoas próximas ao rei, denominados farma ou farima. A parte
ocidental era governada por um vice-rei, chamado curmina-fari. E a região
oriental ficava sob o comando de outro vice-rei, com a denominação dendi-
-fari (MATTOS, 2007).
O fim do reinado de Muhammed iniciou uma luta entre as dinastias, e
os ataques dos impérios vizinhos geraram o enfraquecimento do Estado.
Além disso, a invasão dos berberes e do império marroquino, em 1591,
terminou de vez com o império de Songhai (VISENTINI; RIBEIRO;
PEREIRA, 2007).
Tecrur
O reino Tecrur ficava localizado nas margens do rio Senegal, ponto privilegiado
pela ligação entre o deserto, a savana e também o litoral Atlântico e o interior.
Por volta do século IX, esse reino era constituído por agricultores sereres, que
deram origem aos tuculores, e pelos pastores fulas, do Saara. Os tuculores
eram os grandes comerciantes islamitas de ouro e escravos.
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Kanem e Bornu
Os reinos Kanem e Bornu surgiram a leste de Songhai, entre o rio Níger e o lago
Chade. Muitos povos se instalaram nessa região para fugir da seca do Saara. O
reino de Kanem tem a sua fundação atribuída aos zagauas, nômades do Sahel.
Outra versão está relacionada à ideia de fortalecer a conversão de Kanem ao
islamismo e levar a dinastia Sefau ao poder. Segundo Mattos (2007, p. 29),
“Ibrahim, o filho de um grande herói árabe — Saife inb Dhi Yazan — viajou
para o Sudão Central e tornou-se líder dos magumis, nômades do nordeste do
lago Chade, conquistando vários grupos dessa área”. Enfim, existem várias
versões sobre a origem do Kanem, todas relacionadas à submissão entre povos,
os mais fracos sob o comando dos mais fortes — em função da supremacia
militar, do domínio da metalurgia do ferro, do uso do cavalo ou da estratégia
comercial. Nessa região, havia comércio de escravos, que eram vendidos para
o norte da África como concubinas, eunucos, soldados e criados.
No reino de Kanem, o escravizado era utilizado para pagar tributos e
compor exércitos, bem como para o trabalho na agricultura e no pastoreio.
Os escravos eram adquiridos pelo reino por meio de sequestros e ataques às
aldeias próximas. Esses ataques também serviam para a expansão territorial
do reino; os vizinhos tornavam-se vassalos em troca de proteção. No século
XIV, Kanem entrou em decadência devido a várias guerras contra os saôs e
por ser invadido pelos reinos vizinhos, que queriam escravizar a sua popu-
lação. Por volta do século VII, os saôs chegaram à região, vindos do norte, e
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O povo iorubá é formado por grupos que têm como ancestral comum Odudua,
fundador de Ifé, considerada o núcleo inicial das demais cidades desse povo. Os iorubás
surgiram na África ocidental, entre o sudoeste da atual Nigéria e Benim (LOPES, 2011).
Benin era um dos miniestados subordinados a Ifé e foi fundado pelos povos
edos. Era organizado por um chefe (ovie/ogie), representante da unidade de
várias comunidades administrativas, pelas linhagens e pelos grupos de anciões.
Os mais velhos tinham o poder de legislar sobre as terras e os costumes das
aldeias agrícolas, além de orientar o trabalho de alguns grupos. Os problemas
e disputas na comunidade eram resolvidos nos santuários criados em homena-
gem aos ancestrais. As funções administrativas e políticas eram divididas de
acordo com a hierarquia de geração. Os adultos cuidavam da proteção e das
atividades principais, enquanto os mais novos eram encarregados de pagar
os tributos ao obá (rei).
Segundo a tradição, entre os séculos XII e XIV, o rei de Ifé, Odudua, teria enviado seu
filho Oraniã a Benin para resolver a situação da disputa de sucessão do poder entre os
chefes locais edos. Oraniã acabou casando com Erinuinde, a filha de um chefe edo, e
teve um fillho, Eueca. Ao voltar para Ifé, Oraniã deixou seu filho como obá do Benin.
Reino do Congo
O Reino do Congo teve origem entre 1350 e 1375, com Nimia Nzima, que,
ao longo do tempo, expandiu o território e domínios mediante conquistas e
alianças com diferentes regiões, sobretudo, aquelas ao sul do rio do Congo.
Seu filho e sucessor, Lukeni lua Nimi, empreendeu uma política semelhante e
estendeu o poder sobre organizações políticas na região norte do rio do Congo,
anexando áreas como Vugu, Ngoyo e Kakongo. Esse mesmo rei conseguiu
alcançar domínios até a região de Mbanza Kongo, para onde mudou a capital
e fundou, por volta do século XV, um estado que se chamaria Congo (ou
Kongo), formado por comunidades que compartilhavam o grupo linguístico
banto, sobretudo os bakongo (CORREIA, 2012).
Em termos de atividades agrícolas, a região do Congo possuía terras férteis,
onde os povos plantavam coco, banana, dendê, sorgo, milho, inhame, cola. O
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África Oriental
De acordo com Mattos (2007), por volta do século VI, nas terras próximas
ao rio Juba ou a Lamu existia o reino Xunguaia, que supostamente tenha
originado a cultura suaíli. Seus habitantes eram caçadores e agricultores
bantos e pastores cuxitas. Alguns historiadores acreditam que os suaílis seriam
A África e os africanos antes da chegada dos europeus: reinos, povos e culturas 15
ASSUMPÇÃO, J. África: uma história a ser reescrita. In: MACEDO, JR., org. Desvendando
a história da África. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
CORREIA, S. B. O Reino do Congo e os miseráveis do mar: O congo, o sonho e os holandeses
no Atlàntico – 1600-1650. Dissertação. (Mestrado em História). UFF, 2013. Disponível em:
https://www.historia.uff.br/stricto/td/1685.pdf. Acesso em 22 jan. 2020.
CRESQUES, A. Detail from the catalan atlas sheet 6 showing Mansa Musa. In: WIKIPÉDIA.
[S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Catalan_Atlas_
BNF_Sheet_6_Mansa_Musa.jpg. Acesso em: 3 set. 2019.
LOPES, N. Dicionário da antiguidade africana. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileiras, 2011.
MATTOS, R. A. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007.
A África e os africanos antes da chegada dos europeus: reinos, povos e culturas 17
Leitura recomendada
CARTA do viajante Leo Africanus com uma descrição sobre Tombuctu. Nova Escola,
[201-?]. Disponível em: https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/r2mQqUTuR-
8cwnzsnPAD4v5DpThUS74zJBtdsfWMNjuBAGETcPendecVwZ79q/his7-13un05-carta-
-de-um-viajante.pdf. Acesso em: 3 set. 2019.