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O Berço Africano

A primeira pergunta é: de onde vieram nossos ancestrais africanos? E a resposta: a grande


maioria veio da chamada África Ocidental e Centro-Ocidental - aqui denominada como
"Atlântica". Rasgada por imensos rios, a plataforma rígida formada por uma série de planaltos
parece - como disse um historiador - "uma cidadela solitária e hostil. Raras fendas, abertas na
bruta fortaleza, permitem entrar-lhe no recinto".
A história desta região, que vai do Senegal a Angola, revela a presença de povos, desde há
muito, conhecedores da agricultura e do ferro. Pertencentes aos milenares troncos lingüísticos
nígero-congolês ou banto, sua organização social ficou marcada por uma luta feroz contra a
natureza hostil. Ampliar as sociedades, humanizar a terra e lutar contra um clima impiedoso foi
tarefa que, desde a Antiguidade, empurrou colonos para as savanas em busca de melhores
condições de vida. A crescente desertificação do Saara, assim como o árduo desflorestamento de
áreas ao sul do deserto, convidava grupos a se estabelecerem, embora de forma dispersa, em
planícies inundáveis e sobre pequenas colinas. A escolha de tais lugares não era aleatória. Estas
eram regiões facilmente defensáveis contra ataques de feras ou gente inimiga. Desde o século X,
estas áreas de intensiva produção agrícola e cultural foram se multiplicando por vales fluviais e
terras altas, em qualquer lugar onde a enxada de lâmina estreita ou um bastão para cavar,
instrumentos da sobrevivência cotidiana, pudesse fecundar o solo. Foi assim que no século XI,
um povo, chamado por seus precursores de tellem, se instalou nas falésias do Mali para cultivar
as bordas do extenso planalto de Bandiagara. Nas frestas de pedras, em profundas cavernas,
esses agricultores estocavam grãos, enterravam seus mortos e erguiam oferendas a seus deuses.
A partir do século XV, tal gente vai lentamente sendo absorvida por um povo de diversa origem,
os dogons. Criativos a ponto de aproveitar a menor gota d'água que encontrassem, eles
cultivavam o milhete ou painço. Além disso, no curso interior do rio Níger, aproveitavam áreas
favoráveis para plantar arroz de sequeiro. Devemos a eles as mais belas esculturas e as mais
coloridas máscaras de toda a África, máscaras costumeiramente guardadas por iniciados
encarregados de "conservar as almas ancestrais".

As Campinas também abrigavam grupos variados. Na savana, à sombra de acácias e dos ramos
angulosos de imensos baobás, eles se reuniam por necessidade de defesa, resultando tais
associações em complexas organizações político-sociais. Aí, cada aldeia era abraçada por áreas
de povoamento esparsas e separada por zonas de terrenos incultos. Formadas em anéis
concêntricos, tais áreas de povoamento, vilarejos ou grupos de habitações se cercavam - na
ordem - por terras permanentemente cultivadas, campos de lavoura sazonal e matos externos
antes do território do próximo vilarejo. Entre uns e outros, as árvores baixas abrigavam
numerosas aves, os antílopes moviam-se rapidamente na grama alta e os predadores caçavam.
Dotado de população irregular e desigual, cada grupo estendia ou diminuía suas fronteiras de
acordo com a variedade de situações: guerras, aumento de população, secas, ameaça de
temidos feiticeiros, podiam levar jovens do sexo masculino a abrir frentes e estabelecer-se em
outros territórios, nas vizinhanças.

Esta tradição migratória era responsável pela lenta multiplicação de famílias ou de pequenos
grupos que podiam se instalar ao lado de gente de origem completamente diferente. Os já
mencionados dogons reuniam originalmente grupos de tradições e línguas tão diversas que,
muitas vezes, vizinhos há poucas centenas de metros não se compreendiam. Mas foi esta
diversidade que permitiu a criação de uma sociedade extremamente móvel, pronta a se deslocar
cada vez que seus recursos pareciam limitados ou ameaçados.

Foi laboriosa a colonização da floresta, ao sul. Da Senegâmbia à Costa do Marfim, os cultivadores


tinham uma longa estação de chuvas por ano: de abril a setembro. Algumas culturas se
distinguiam nesta região: a do arroz - intensiva nos alagados, em pôlderes construídos no litoral,
construções cujo grau de sofisticação impressionou viajantes estrangeiros quando aí chegaram
no século XV -; a do inhame entre os atuais Gana e Camarões, a do milhete e sorgo, em Angola
e no Congo e a da banana também no Congo; até a chegada do milho e da mandioca, vindos da
América do Sul adotados em toda a parte; cultivava-se principalmente o inhame, cuja
produtividade compensava largamente os esforços investidos no desbravamento das matas.
Lentos, porém, obstinados, estes agricultores exploraram e venceram as florestas que se
entendiam desde as pradarias do atual Camarões até a curva do Níger. Foi mais ou menos na
mesma época que os ancestrais dos iorubás e dos ibos da atual Nigéria colonizaram
simultaneamente as bordas do sul da floresta e as savanas. Foram eles os responsáveis pela
construção de mais de 10.000 quilômetros de cercas para fechar suas aldeias e territórios
arrancados às matas. Cercadas por cinturões de terras cultivadas e plantações de palma e
tanchagem - planta medicinal de grandes qualidades -, as aldeias ibos concentravam suas
atividades comunitárias em praças públicas nas quais tudo acontecia: o mercado, a feira, as
festas. Mais além, a mata cerrada escondia espíritos maus. Nela, só se aventuravam heróicos
caçadores ou curandeiros.

Mas voltemos um pouco atrás. Por volta do século I, os grupos de aldeias neste território
começaram a se reunir em microestados, dando início à lenta evolução política. Povos de língua
do tronco nigero-congolês original tentaram se instalar, por sua vez, na parte oeste da África
equatorial. Encontraram, contudo, caça escassa e pouco do que comer neste ambiente hostil,
difícil de ser penetrado, e rapidamente abandonaram-no aos pigmeus. Cultivadores que eram,
optaram por regiões mais favoráveis: as fronteiras com savanas, manguezais e rios ricos em
peixes e margeados de terras férteis, prontas para lavrar e plantar. Com o povo pigmeu
mantiveram laços comerciais que os permitiam trocar o inhame e a palma cujo plantio
dominavam. Seguindo os cursos d'água, os pioneiros avançaram rapidamente e, por volta do ano
1000, já tinham penetrado em toda a região. Muitos deles somaram a atividade agrícola à posse
de alguns bois. Com isso asseguravam, além do abastecimento de carne e couro, o estrume para
suas roças, pois eles praticavam não só a adubagem - misturando ao solo os restos de cozinha -
como a irrigação, a construção de socalcos nas encostas, a rotação de culturas, e a mescla de
vegetais num só trato de terra, garantindo que, se uma cultura desse errado, a outra vingasse.
Vestiam-se com fazendas de lã e algodão tecidas com formas geométricas, algumas compradas
aos bérberes, outras produzidas ali mesmo. Começava, assim, um novo tempo, tempo livre do
nomadismo que tradicionalmente obrigava grupos famintos a procurar novas terras.

À medida que os indivíduos se adaptavam a diferentes ambientes, a cultura se diferenciava,


formando múltiplos grupos étnicos. Foi o talento de Jan Vansina que conseguiu arrancar de
tantos idiomas preciosas informações históricas. Da mesma maneira que os colonos de origens
diversas, estabelecidos nas falésias de Bandiagara, no Mali, tinham estabelecido uma cultura
dogon bem específica. Na borda nordeste da floresta equatorial, falantes de língua banto oriental
se misturaram a cultivadores de cereais, falantes de língua saaro-nilórica, dando origem a uma
cultura complexa. Ao norte do continente, na borda oriental de montanhas de difícil acesso como
Xoa, na Etiópia, esses grupos entram em contato com cultivadores de cereais que falavam língua
banto oriental. Ao sudoeste, para além da floresta, nas savanas da atual Angola, haviam sido
criadas, desde 1400, concentrações populacionais nos vales fluviais, a partir dos quais se
avançou em direção às regiões mais altas dos montes Mitumba, entre Ruanda e o Congo.
Nas zonas equatoriais, a agricultura exigia maior esforço coletivo do que no restante da África
Centro-Ocidental. Eram necessários, pelo menos, vinte homens para abrir, limpar e domesticar
um pedaço de terra. Os bantos do oeste viviam em grandes aldeias, a maior parte Fincada entre
a floresta e a savana, pois, desta forma tiravam o melhor partido de ambos os ambientes
naturais. Tais aldeias separavam-se umas das outras por grande extensão de terra desabitada.
Aí, as primeiras estruturas políticas importantes tomaram forma antes mesmo do ano 1000.

Apesar do enorme esforço de ocupação da terra, os habitantes da África Atlântica tinham que
lutar com afinco contra um mundo hostil, instável e agressivo. Pesquisas de historiadores e
demógrafos revelam que as doenças os atacavam impiedosamente, como sugerem as
deformidades e dores que os artistas iorubás da cidade de Ifé imprimiam às suas esculturas em
terracota. É possível que a maior parte das doenças fossem crônica e não fatal, pois as
populações tiveram muito tempo para se adaptar aos parasitas. Exceto nas regiões mais secas, a
malária era o mais fatal dos males, ceifando muitos recém-nascidos. Em razão de essa doença
não se ter disseminado nas altas terras de Camarões, a região conheceu uma colonização
intensiva.

A mosca tsé-tsé, portadora de tripanossomíase - parasita da doença do sono - infestava, por sua
vez, inúmeras terras ribeirinhas da África central, matando, no século XIV, até um monarca, o rei
Diata II do Mali; ela era, em geral, crônica. Conhecia-se, aí, também uma forma benigna de
varíola. Tanta e tão longa convivência com a doença favoreceu o progresso das competências
médicas. O banto primitivo possui um radical para a palavra remédio, "ti", que é o mesmo para
árvore, indicando que as práticas de cura guardavam estreita relação com o conhecimento das
plantas. No século XVI, depois da chegada dos portugueses a Angola, missionários jesuítas foram
os primeiros a observar a competência de curandeiros, parteiras, cirurgiões barbeiros e feiticeiros
no preparo de pomadas, ungüentos, purgativos e outros remédios. Pesquisas antropológicas só
vieram a confirmar o caráter racional dos sistemas médicos bantos. Ruim era quando a doença
se acompanhava de uma baixa de vitaminas e proteínas animais, seguida de hemorragias, dores
de cabeça, febres, cólicas, dores de estômago, como as reveladas no século XVII, na Costa do
Ouro. Tais doenças se deviam ao consumo de água imprópria. Igualmente cruéis eram os
sofrimentos impostos pelo "verme da Guiné", nematóide que se instala sob a pele.

A fome, segundo os demógrafos, constituía em todas as regiões, salvo nas de culturas irrigadas,
o outro obstáculo ao crescimento das populações. A tradição oral e as crônicas islâmicas das
aldeias nas savanas associavam-na à seca e sublinham seus efeitos devastadores. Autores árabes
contam, por exemplo, que no meado do século XI um soberano de Malal, no Mali, teria posto fim
à fome, convertendo-se ao Islã: "na hora em que pronunciou a prece da sexta-feira, a chuva
caiu". Arquivos portugueses revelam que, durante o século XVI, Angola sofreu uma grande fome
que se repetia a cada sessenta anos. O cortejo de epidemias, que se seguiu, matou um terço da
população e neutralizou o crescimento demográfico de toda uma geração. Não se sabe se a
situação teria piorado com a introdução, pêlos europeus, de uma forma mais mortal de varíola;
as fomes, contudo, eram horrivelmente destruidoras. Elas empurravam os grupos a trocar suas
crianças por comida, famílias a vender seus filhos e dependentes por um alqueire de sorgo ou
milhete, e homens e mulheres a se deixar escravizar para não morrer de inanição. Fomes
também podiam ser atribuídas aos gafanhotos - mencionados no Mali, em 1352, pelo viajante
Ibn Batuta -, mas também às fortes inundações, ventos, guerras, secas e ao abuso de poder.

De 300 a 1100, a África Ocidental se beneficiou de chuvas relativamente abundantes como


sugere a prosperidade do vale do Níger ou o elevado nível do lago Tchad. Os quatro séculos
seguintes, contudo, foram marcados por fortes secas. Em 1154, o geógrafo Al-Idrisi foi um dos
primeiros a mencionar a progressão do Saara, quando os senhores de Canem, no atual Sudão
central, abandonaram suas terras marcadas pela "fome e austeridade", para se instalar ao sul de
Bornu, do outro lado do lago Tchad. Entre 1500 e 1630, as chuvas voltaram abundantes: o
mesmo lago atingiu níveis jamais igualados. Por volta de 1639 e 1643, as más colheitas do vale
do Níger tiveram duas conseqüências: o saque aos armazéns do soberano de Jené, um
importante entreposto produtor e armazenador de produtos agropecuários, e o prenúncio de dois
séculos de uma aridez excepcional. As mais graves crises se produziram nos anos de 1680
quando a fome ceifou da Senegâmbia ao curso superior do Nilo: muitos se venderam como
escravos, com o único objetivo de sobreviver. Foi assim, também, em 1736 e 1756, quando a
região foi assolada por secas e gafanhotos. Teria morrido, provavelmente, metade da população
de Tombuctu, localizada na encruzilhada das mais ricas rotas transaarianas, levando Akbar
Molouk a anotar: "As pessoas mais distintas só comiam grãos e ervas e toda a sorte de cereais
que em tempos normais eram comidos pêlos mais pobres"; esses últimos, segundo alguns
autores, ficaram sujeitos a comer-se entre si, o que na África era considerado crime gravíssimo.
Hecatombes de tal amplitude eram possíveis: no Cabo Verde três fomes, entre 1773 e 1866,
mataram cerca de 40% da população.

IDÉIAS E PRÁTICAS RELIGIOSAS

A maior parte dos autores considera difícil reconstituir as idéias e práticas religiosas, pois essas
eram constantemente renovadas. Os africanos não islamizados não possuíam escrituras, tinham,
em lugar disto, tradições orais. E julgavam a religião por sua vivência diária, sobretudo quando
se tratava de aliviar sofrimentos e de assegurar paz, prosperidade e fecundidade. Ai, se não
funcionasse! O rei do Ndongo, atual Angola, fez executar onze fazedores de chuva durante uma
terrível seca em 1575. Um tal "pragmatismo" religioso resultava em práticas e saberes religiosos
muito diversos que aceitavam bem novidades se estas fossem válidas. As religiões estavam, pois,
sujeitas a transformações, constituindo-se num dos aspectos mais plurais da cultura. Muitos
observadores cristãos e muçulmanos se impressionaram com esse caráter diverso e fragmentado,
reforçado pela ausência de textos escritos.

Os bantos mantiveram certa homogeneidade religiosa da qual sua língua é testemunha. Certas
palavras provam que idéias sobre um espírito criador, espíritos de ancestrais e da natureza,
filtros e feitiços, rituais e feiticeiros eram comuns. Cada grupo, contudo, chegava a idéias e
práticas específicas. No século XV, por exemplo, o povo congo parece ter partilhado a noção de
que um "espírito criador" estaria acima dos demais, e que as forças da natureza e dos ancestrais
eram muito ativas. Estatuetas eram o suporte material dos avós mortos e, por extensão, figuras
por meio das quais se recuperava e utilizava os espíritos do além. Obras de um sacerdote
especialista, único responsável por sua força mágica, tais estatuetas intervinham para fazer
frente aos problemas do cotidiano: doenças, esterilidade, conflitos de todo o tipo. Uma abertura
no dorso ou na barriga da estatueta protegia nas preparações de feitiços para as diferentes
necessidades. Havia os "bons" feitiços, favoráveis à riqueza e fecundidade. E havia os
"vingadores", encarregados de, por meios dolorosos, remediar problemas. Cada linhagem
matrilinear comunicava-se com seus ancestrais por rituais efetuados em tumbas. A fertilidade
agrícola era invocada por chefes da terra, que se serviam de mediadores espirituais. Divindades
da natureza confundiam-se, muitas vezes, com figuras humanas deificadas, como é o caso de
Ogum ou Xangô, e muitos deles confundiam, também, os sexos. Já no reino Cuba, no século
XVIII, veneravam-se três espíritos criadores diferentes numa mostra da complexidade da religião
e pensava-se que as ameaças naturais eram fruto de desordem social e moral. No Mali do século
XI sacrificavam-se animais para chamar chuva. No Benin, a divindade mais cultuada, segundo
alguns autores, era Olodum: ele garantia filhos e riquezas e era o benfeitor particular das
mulheres.
As crenças diziam que os mortos viviam num mundo de sombras, reproduzindo as condições
terrenas. Por isso mesmo os reis de Gana eram enterrados com seus ornamentos, sua comida,
seus servidores. Em algumas destas cerimônias, segundo cronistas europeus, matavam-se
dezenas de escravos. Na Costa do Ouro, os homens comuns, por vezes, endereçavam ao
sacrifício uma de suas mulheres ou alguns de seus Filhos. Em Bissau, quando da morte do rei,
sacrificavam-se jovens que caminhavam para a morte cantando e dançando. As pessoas eram
simplesmente decapitadas. Entre os dogons, as cerimônias funerárias incluíam danças no telhado
da casa dos defuntos, nas quais muitos mascarados participavam segundo regras precisas. O
objetivo era afastar a alma, evitando que esta voltasse, apavorando os membros da família. Uma
festa periódica permitia o uso de uma grande máscara em forma de serpente. Ela simbolizava o
ancestral morto, elemento de ligação entre o mundo dos vivos e dos mortos. Onde havia
sistemas patriarcais dominando as sociedades, prosperava o culto aos ancestrais. De toda a
forma, como resumiu o escritor angolano Mia Couto, " Em África, os mortos não morrem nunca.
Exceto os que morrem mal... Afinal, a morte é um outro nascimento".

Onde a organização das aldeias era forte, a religião apoiava-se em sociedades secretas cujo
objetivo era tirar força dos espíritos para curar doenças, assegurar a fertilidade e combater
feitiços. É o caso da sociedade de iniciação Poro, presente em toda a África Atlântida. Ao longo
de sete anos, jovens do sexo masculino passavam por três fases que os permitiam acesso ao
conhecimento sobre a criação do mundo. O ensino era submetido a regras e hierarquias estritas.
Os neófitos, ou seja, os que acabavam de ingressar na sociedade, falavam uma língua própria e
cada classe portava ornamentos que as identificasse.

Os iorubás e outros povos aparentados veneravam, por sua vez, várias divindades: os orixás,
divindades da natureza (trovão, rios, arco-íris etc.) que, depois de sua deificação foram
assimilados a ancestrais fundadores de dinastias. Elas intercediam entre os homens e o deus
criador, Olodum. Entre estes orixás, Xangô, com o rosto sempre coberto pelas franjas de sua
coroa de contas, tinha um lugar especial no panteão dos deuses. Terceiro ou quarto rei de Oió,
cidade situada ao norte do reino iorubá, na Nigéria, ele era ao mesmo tempo temido no que diz
respeito à justiça e venerado por suas manifestações, que trazem chuvas regulares.

Segundo as tradições orais, este soberano tirânico teria sido destronado e enforcado na floresta.
Uma tempestade se teria abatido sobre a cidade de Oió, manifestando a cólera e a vingança de
Xangô, vingança simbolizada no trovão e no raio. Desde então, ele se tomou o orixá dos raios,
trovões e tempestades. Nas cerimônias que lhe são oferecidas, os sacerdotes portam na mão
esquerda uma cabaça e na outra, o bastão com uma figura feminina penteada com a imagem do
"duplo machado", emblema de Xangô. Esse remete tanto às pedras de raios lançadas pelo deus
durante as chuvaradas, quanto à pedra neolítico que os camponeses teriam encontrado nos
campos e interpretado como um presente seu.

Os iorubás e outros povos aparentados serviam a um orixá quer por herança, quer porque a
divindade, por intermédio de um adivinho, os teria escolhido. Alguns orixás eram reconhecidos
em certas aldeias ou cidades, outros, em toda uma área cultural. Os seus adoradores podiam
reunir-se e formar um grupo local provido de templo, imagens, sacerdotes, rituais coletivos e
uma função no intenso e colorido ciclo de festas. A adivinhação também era largamente utilizada.
Nela, destacava-se o Ifá, sistema no qual um profissional escolhia, entre várias centenas de
versos memorizados, aqueles que servissem ao consulente.

As coisas mudam quando surge o Islã. Esse se expandiu pela savana, em boa parte, graças ao
comércio. Onde houvesse entrepostos ele se instalava. O Alcorão chegava junto com as barras
de sal, os fardos de tecidos, os cestos, os objetos de cobre e os alimentos. Ia se insinuando,
graças ao prestígio de que gozavam estas comunidades de mercadores. A gente local, devota de
divindades ligada a terra, às águas, às árvores, temia e respeitava este misto de comerciantes e
sacerdotes, que perambulavam com talismãs ao pescoço - saquinhos de couro contendo um
trecho do Corão - capazes de protegê-los de feitiçarias e inimigos. Além disso, previam o futuro,
cuidavam dos enfermos e rezavam para chover. Estes mercadores aparecem nos livros como
uângaras ou diuias.

No século XIV os tuaregues se convertem à nova fé. Nasce um grupo clerical, os kuntas, afiliado
a uma das mais importantes fraternidades consagradas à penetração do Islã. No Bornu, entre
1574 e 1728, ao menos doze de seus soberanos fizeram viagens a Meca, passando pelo Cairo
com enormes caravanas. Para a mesma época, há indicações de islamização extensiva nos
campos. A dinastia Songai enraizada na curva do Níger se manteve, todavia, fiel à religião local.
Sua queda, em 1493, ocasionada por uma coalizão de oficiais e clérigos dirigidos por ásquia (rei)
Mohamed delongai, foi o primeiro golpe de Estado islâmico na África Atlântica. Entre os haussás,
no fim do século XV, os soberanos das cidades-estados de Cano, Zaria e Katsina eram
muçulmanos, mas isto não evitou tensões e resistências. Na última, um reputado centro de
educação, conservavam-se ritos pagãos de coroação. O palácio, apesar do islamismo, era um
bastião de culto aos espíritos.

No sul, a expansão foi mais difícil. Grupos islâmicos vindos do norte da África e até do Oriente
Médio pelo Sael, chegaram entre os iorubás no século XV. Mas, aos fins do século XVIII, o clero
dos Estados haussás considerava que os iorubás pagãos podiam ser reduzidos à escravidão.
Tanto religiosos muçulmanos quanto cristãos consideravam as religiões africanas obras do
diabo. No reino Kano, islâmicos abateram árvores sagradas de onde saíam, segundo eles,
"estranhos demônios", para construir mesquitas no lugar. Os africanos consideravam os
muçulmanos poderosos feiticeiros. A crônica de Gonja, coleção de antigos documentos sobre a
história do continente, revela que o rei se converteu depois de ter constatado a superioridade
muçulmana na guerra. A hermética sociedade Poro fez de um deles membro, apenas para
protegê-la de seus inimigos. Os amuletos de origem islâmica eram particularmente apreciados. O
islamismo mudou até a genealogia dos reis negros. No Mali, diziam-se descendentes do muezim -
aquele que anuncia em voz alta, as horas de preces - do profeta Maomé. No Kanem, atual
Chade, os soberanos afirmavam ter origens no Oriente Médio. O Islã oferecia aos africanos do
oeste uma idéia mais precisa do Criador e das maneiras de se aproximar dele, poderosas visões
do paraíso e do inferno, um sentimento de destino a atingir e uma cosmologia sob autoridade da
revelação divina.

Nas cidades haussás do Bornu tudo isto foi adotado, mesmo por aqueles que continuaram
adeptos do panteão local. Alá fundiu-se com o espírito criador. Emprestou-se da nova fé a idéia
de anjos e demônios. Adotou-se a idéia de uma figura profética capaz de revelar o saber
divino aos homens. Resultou disso uma variedade de crenças que os soberanos encorajavam na
preocupação de manter a harmonia. Ibn Batuta viu, assim, o rei do Mali celebrar, de manhã, o
ramada, indo, à tarde, ouvir os feiticeiros vestidos com máscaras de pássaros cantar louvores à
dinastia reinante. Conta-se que um soberano de Jené fez construir uma mesquita dividida em
duas partes: uma para muçulmanos, outra para pagãos. Até o século XVIII, sacrificavam-se
animais para Alá, na corte de Katsina.

Os muçulmanos reagiram contra tal ecletismo, condenando, o sacrifício de escravos e serviçais


quando da morte de soberanos, punindo a excisão de mulheres e lutando contra a magia. A
veneração do livro santo - o Alcorão - mostrou a que ponto a alfabetização podia separar as
religiões. Muitas palavras africanas foram tomadas emprestadas dos árabes, por exemplo, tinta,
amuleto e lucro, entre os songai.

Portanto, na sua terrível luta contra a natureza, os africanos se preocupavam, sobretudo, com a
prosperidade e a harmonia no seio do mundo terrestre. Este ideal era encarnado pela figura do
"grande homem", rico em armazéns de grãos, em gado, em ouro e, sobretudo, em escravos
prontos para assegurar trabalho, segurança e poder. A poesia traz inúmeras imagens sobre essa
existência ideal feita de riquezas, mulheres, filhos, títulos e uma longa vida. A busca da
prosperidade levava a um espírito de reciprocidade, provado através da distribuição de bebidas,
comidas a todos. O resultado é que não havia acumulação sem redistribuição. A fortuna - arziki,
em haussá - se perdia facilmente onde a natureza era hostil e a morte se mostrava tão presente.
Num mundo onde não faltavam terras, pobres eram aqueles que não podiam trabalhar, porque
eram velhos, mutilados ou muito jovens, ou porque não podiam contar com a parentela para
sobreviver. Fora do quadro familiar, a proteção era informal.
Fonte: MARY DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO; ANCESTRAIS - UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA ÁFRICA ATLÂNTICA.

Oió
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. (Redirecionado de Oyó para Oió.)

O que se tornou o império de Oió começou como o Estado de Oió, que foi fundado algum tempo
antes de 1400, com sua capital em Oió Ilé, (conhecido também como Katunga ou Antiga Oió).
Tendo alcançado sua proeminência através da riqueza obtida no comércio e pela posse de uma
poderosa cavalaria, o Império de Oió foi o Estado iorubá mais importante politicamente entre
meados do Século XVII e final do Século XVIII, dominando não apenas Estados iorubás mais
fracos, como também o reino fon do Daomé, localizado no que é hoje a república do Benin.
Em 1796, uma revolta iniciada em Ilorin contra Awole, o Àláàfin, o governante de Oió, foi
comandada por Afonjá, o Aare Ona Kakanfo, ou comandante supremo das forças armadas. Esta
revolta, que levou à separação de Ilorin, marcou o começo da desintegração do Império de Oió,
tão logo outros Estados vassalos começaram a seguir o exemplo de Ilorin. Para assegurar apoio à
sua causa, Afonjá recorreu à ajuda de um professor fulani itinerante chamado Alim al-Salih,
visando garantir a adesão dos iorubás muçulmanos e voluntários haussás e fulanis do norte,
levando eventualmente à destruição de Oió Ilé pelos fulani em 1835, e conseqüentemente, a
extinção do Império de Oió.

Oió é também nome de uma cidade na República do Congo.

Daomé
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O Daomé era um reino africano situado onde agora é o Benin. O reino foi fundado no século
XVII e durou até o final do século XIX, quando foi conquistado com tropas senegalesas pela
França e incorporado às colônias francesas da África Ocidental.
As origens do Daomé podem ser traçadas a partir de um grupo Adjá do reino costeiro de Aladá
que deslocou-se para o norte e estabeleceu-se entre povos fon do interior. Por volta de 1650, o
adjá conseguira dominar os fona e o Hwegbajá declarou-se rei de seu território comum. Tendo
estabelecido sua capital em Agbome, Hwegbajá e seus sucessores conseguiram estabelecer um
Estado altamente centralizado com base no culto da realeza estruturado em sacrifícios (incluindo
sacrifícios humanos) aos antepassados do monarca. Toda a terra era propriedade direta do rei,
que coletava tributos de todas as colheitas obtidas.
Economicamente, entretanto, Hwegbajá e seus sucessores lucraram principalmente com o tráfico
de escravos e relações com os escravistas estabelecidos na costa. Como os reis do Daomé
envolveram-se em guerras para expandir seu território, e começaram a utilizar rifles e outras
armas de fogo compradas aos Europeus em troca dos prisioneiros, que foram vendidos como
escravos nas Américas. No reinado de Rei Agadjá (1716-1740) o reino conquistou Aladá, de onde
a família governante se originou, desse modo ganhando o contato direto com os comerciantes de
escravos europeus na costa. Não obstante, Agadjá era incapaz de derrotar o reino vizinho de Oió,
principal rival do Daomé no comércio de escravos e, em 1730, transformou-se um vassalo de
Oió, embora conseguisse ainda manter a independência do Daomé.
Mesmo como um Estado vassalo, o Daomé continuou a expandir e florescer através do comércio
escravista e, mais tarde, através da exportação de azeite de dendê produzido em grandes
plantações. Pela estrutura econômica do reino, a terra pertencia ao rei, que detinha o monopólio
de todo o comércio.
O Daomé foi enfim conquistado pela França em 1892-1894. A maioria das tropas que lutaram
contra o Daomé eram compostas por africanos nativos, a isto se acrescentou o sentimento de
hostilidade contra o reino, particularmente entre os iorubás, levando à sua derrota final.
Em 1960 a região alcançou a independência como a República de Daomé, que mudou mais tarde
seu nome para Benin.

Reis do Daomé

 Ganiehéssu ???? - 1620


 Doko-Donu, 1620-1645
 Hwegbajá, 1645-1685.
 Akabá, 1685-1708.
 Agadjá, 1708-1732.
 Tegbesu, 1732-1774.
 Kpenglá, 1774-1789
 Agonglô, 1789-1797
 Adandozan, 1797-1818
 Guezô, 1818-1858
 Glelé, 1856-1889.
 Gbehanzin, 1889-1894.

Principais Áreas de Procedência dos Africanos


A questão da procedência dos africanos para o Brasil tornou-se bastante complexa,
principalmente no tocante aos povos e etnias que forneceram os maiores contingentes de
escravos. A complexidade decorre da mentalidade colonialista dos portugueses que, não
considerando o negro um ser humano, pouca importância davam a assinalar de maneira precisa,
nos seus registros e documentos, as diversas culturas, línguas e grupos étnicos dos africanos
capturados. Ao contrário, estendiam a povos radicalmente distintos um mesmo nome, ou
generalizações completamente sem fundamento. Atualmente a antropologia tem revisto muito
do que se escreveu sobre as origens culturais da massa escrava, no começo deste século,
restando ainda muitos pontos a esclarecer.
A tradição historiográfica reúne, grosso modo, os negros em dois grandes grupos étnicos: os
bantos (ou bantus), da África equatorial e tropical, da região do golfo da Guiné, Congo e Angola,
planaltos da África oriental e costa sul-oriental; e os sudaneses, predominantes na África
ocidental, Sudão egípcio e na costa setentrional do golfo da Guiné. Não há nenhuma prova
definitiva da predominância de um desses grupos na composição dos negros vindos para o Brasil,
embora se afirme normalmente que a maioria era de bantos. Entretanto, as tradições culturais
de alguns grupos sudaneses, como os iorubas da Nigéria, são amplamente predominantes nas
heranças africanas da cultura brasileira.

Nina Rodrigues percebeu pela primeira vez a predominância sudanesa na Bahia, no que foi
confirmado por Artur Ramos. Este destacou no grande grupo a predominância dos iorubas,
também chamados nagôs (embora esse nome seja normalmente estendido a outras etnias) da
Nigéria, dos jêjes (ewes) do Daomé, dos minas da costa norte-guineana, além dos tapas, bornus
e galinhas; identificou a presença importante dos haussás do noroeste da Nigéria, de influência
muçulmana, a qual marcou também os fulas (mais claros, de origem berbere-etiópica) e os
malês (ou mandingas, de tradição guerreira, considerados altivos e perigosos pelos lusos, que
lhes atribuíam feitiçarias). Entre os sudaneses originários da costa da Guiné, amplamente
predominantes como vimos, a presença comum da língua pertencente ao grupo lingüístico ioruba
talvez explique a predominância dos elementos dessa cultura em nosso candomblé e nas
influências negras de nossa linguagem.

Havia sudaneses em outros pontos do Brasil, mas talvez houvesse uma predominância banta no
centro-sul e no norte. Artur Ramos indica como pontos iniciais de entrada das várias nações
bantos nos mercados de escravos de Pernambuco (extensivos a Alagoas), Rio de Janeiro
(servindo a Minas e São Paulo) e Maranhão. Entre os povos desse grupo, os mais importantes
no Brasil foram os cabindas do Congo, os benguelas de Angola, junto com muxicongos e rebolos,
e os negros de Moçambique que Spix e Martius chamaram de macuas e angicos. A intensificação
do tráfico de escravos para o Brasil no século XVIII, em função da mineração, multiplicou a
presença de grupos originários da Costa da Mina e de Angola; no século XIX, até 1850, entrou
também um número considerável de bantos da costa de Moçambique.

Do ponto de vista cultural, a influência dominante da cultura ioruba explica-se também pela sua
predominância já na própria África, na região do golfo da Guiné, estendendo-se segundo Édison
Carneiro até o interior do Sudão. Sua civilização mais adiantada surpreendeu os primeiros
europeus, pelos trabalhos em bronze que faziam no reino do Benin. "A religião, a organização
política e os costumes sociais de Ioruba davam o modelo a uma vasta zona. Os negros de
Ioruba eram principalmente agricultores, mas os seus tecelões, os seus ferreiros, os seus artistas
em cobre, ouro e madeira já gozavam de merecida reputação de excelência. Não havia
abundância de animais de caça, mas a pesca, nos rios, nos lagos e no mar, rendia muito.
Criavam-se animais de subsistência - cabras, carneiros, porcos, patos, galinhas e pombos. O
cavalo era conhecido havia muitos séculos, devido ao contato com os árabes; o fundador do
reino de Ioruba representava-se, nos mitos, montado num corcel". Vários dos deuses africanos
cultuados no Brasil são procedentes de algumas de suas brilhantes cidades, como Oió. Os
nomes de alguns de seus reinos, como Ala Kêtu e ljexá, continuam como designativos de ritos de
candomblé.

Quanto aos bantos de Angola, tinham uma agricultura mais primitiva, praticada pelas mulheres,
enquanto os homens criavam gado. Diferentemente dos iorubas e outros sudaneses, que
usavam tecidos de pano, os negros das margens do Zambeze e das elevações de Benguela
vestiam-se de cascas de árvores (como o fariam no quilombo de Palmares); mais para o
sudoeste, porém, usavam vestimentas de couro, possuindo hábitos de caçadores e armas de
ferro.
Fontes: Carneiro, Édison, "Ladinos e Crioulos”, Civilização Brasileira, Rio, 1964 in Brasil História - Colônia / Antonio Mendes
Junior, Luiz Roncari e Ricardo Maranhão - São Paulo: Editora Brasiliense, 1976. Brasil Revisitado: palavras e imagens / Carlos
Guilherme Mota, Adriana Lopez. - São Paulo: Editora Rios, 1989.

A VINDA DOS ESCRAVOS

Antes mesmo do descobrimento do Brasil os portugueses já traficavam escravos da África. Não


existe uma documentação precisa dessas diversas importações a não ser vagas notícias de
paradas de navios negreiros, ou nesse ou naquele porto do continente negro. A informação mais
precisa vem de Azurara, onde o autor da Crônica do Descobrimento da Guiné faz um relato de
como Antão Gonçalves, em 1441 capturou e trouxe para o infante D. Henrique os primeiros
escravos africanos, bem como a transação com Afonso Goterres, para aprisionar os negros do
Rio do Ouro.

Isso foi o começo para que o espírito aventureiro de conquista de portugueses criasse usura no
continente africano, em busca de um comércio, não obstante desumano e humilhante, porém
fácil e estritamente rendoso. A coisa cresceu tanto, que em pouco tempo, já podia sentir Lisboa
com um cheiro de cidade mulata. Mas com o passar do tempo, longe de se pensar na extinção
dessa atividade, ela toma um impulso vigoroso, agora com forte aval da Igreja, com a justificativa
de que os portugueses fariam os povos ditos bárbaros adeptos de Cristo e para tanto, mais
papas e bulas houvesse. O Papa Eugênio IV, pelas bulas Dudum cum, de 31 de Julho de 1436,
Rex Regnum, de 08 de Setembro de 1436 e a Preclaris tuis de 25 de Maio de 1437, renovou a
concessão ao rei D. Duarte de todas as terras que conquistasse na África, desde que o território
não pertencesse ao príncipe cristão. Não ficou somente aí o esdrúxulo privilégio. Remexendo o
bulário português, nos arquivos da Torre do Tombo, Calogeras encontrou várias outras, inclusive
a mesma bula Rex Regnum, concedida pelo papa Eugênio IV a D. Duarte, porém agora com
outro destinatário, que foi D. Afonso V, com data de 03 de Janeiro de 1443. No pontificado de
Nicolau V, D. Afonso V, o infante D. Henrique e todos os reis de Portugal assim como seus
sucessores passariam a donos de todas as conquistas feitas na África, com as ilhas nos mares a
ela adjacentes, começando pelos cabos Bojador e não fazendo pouso na Guiné, com toda sua
costa meridional, incorporando a tudo isso as regalias que o cérebro humano imaginasse tirar
dessas terras e desse povo. Essa pequena bagatela de oferendas foi concedida pela bula
Romanus Pontifex Regni Celestis Claviger, de 08 de Janeiro de 1454. Esses favores eram
confirmados pelo papa que ascendia ao pontificado. E nessa matéria o recorde foi batido pelo
papa Calixto III com a célebre bula Inter cetera que nobis divina disponente clementia incumbunt
paragenda, de 13 de Março de 1456, a qual além de confirmar todas as dádivas anteriores,
acresceu a Índia e tudo mais que depois se adquirisse. E o melhor de tudo foi o arremate de que
o descobrimento daquelas partes o não possam fazer senão os reis de Portugal.
Em meio a toda essa confusão da Santa Sé, deve-se fazer justiça a alguns papas, que
protestaram contra semelhante estado das coisas, como Pio II com a bula de 07 de Outubro de
1462, Paulo III em 1537, Urbano VIII com a bula de 22 de Abril de 1639, Benedito XIV pela bula
de 03 de Dezembro de 1839, condena e proíbe a escravidão de negros.
Esse casamento estranho da coroa portuguesa com a mitra permitiu que os portugueses
agissem livremente, em nome de Cristo, Nosso Senhor e da sua santa fé, o que para tanto não
fizeram cerimônia. Não é assim que, pouco tempo depois dessas concessões, descobre a
grande colônia da América do Sul. Era a princípio Terra Santa Cruz, para depois passar a ser
colonizada com o nome de Brasil.
Argumenta-se que a sobrevivência das primeiras engenhocas, o plantio de cana-de-açúcar, do
algodão, do café e do fumo fora, os elementos decisivos para que a metrópole enviasse para o
Brasil os primeiros escravos africanos, vindos de diversas partes da África, trazendo consigo,
seus hábitos, costumes, música, dança, culinária, língua, mitos, ritos e a religião, que infiltrou no
povo, formando, ao lado da religião católica, as duas maiores religiões do Brasil.

Sociedade Guardiões de Luaê / Fortes de Luaê

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