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A história do rio-grandense

A história rio-grandense evoluiu ao passar dos anos, sofrendo grandes influências


de variados povos e culturas, originando-se, assim, o que hoje é o atual Estado do Rio
Grande do Sul. A Figura 2 resume o que será abordado no referencial teórico, que dará
suporte para a elaboração deste trabalho.

O Rio Grande do Sul é uma das vinte e sete unidades federativas do Brasil. Com
um território de 282.064 m², é o estado mais populoso da região sul, possuindo mais de
onze milhões de habitantes, ou cerca de 5,4% da população brasileira. Tem por limites
o estado de Santa Catarina, Argentina e Uruguai, além do Oceano Atlântico. O clima é
subtropical e a economia baseia-se na agricultura, pecuária e indústria.
Todo o seu território está abaixo do Trópico de Capricórnio e possui quatro
unidades geomorfológicas: Planalto Norte-Rio-Grandense (Planalto Meridional),
Depressão Central, Planalto Sul-Rio-Grandense (Serras de Sudeste) e Planície Costeira.

Neste território, originalmente, habitaram povos indígenas, que logo se


depararam com a chegada dos colonizadores portugueses, e mais tarde, outros
imigrantes europeus.

Os povos indígenas são distinguidos em três ciclos distintos por Laytano (1984),
dividindo a cultura indígena rio-grandense:

• Civilização do Sambaqui – pré-histórica. Não deixou vestígios na vida cotidiana


do gaúcho atual;
• Civilização do descobrimento – da qual procedem os poucos traços culturais,
vivos até hoje;
• Civilização da atualidade – em vias de extinção. Aproximadamente 4.000 pessoas
vivem em precárias condições, concentradas em sete postos da FUNAI (Fundação
Nacional do Índio), tendo seus padrões culturais profundamente
alterados (LAYTANO, 1984, p. 22).
No ano de 1500, com a ordenação de uma poderosa esquadra do Rei D. Manuel
I, Pedro Álvares Cabral partiu de Portugal à Calicute, na Índia, no dia 9 de março para
estabelecer relações comerciais com a região. Porém, devido à mudança de ventos,
acabou por se afastar das costas africanas, atravessando o Atlântico, e no dia 22 de abril
avistou terra.

Quevedo afirma que: - O olhar português nunca mais se afastou do “Novo


Mundo”, que se transformou em conquista, colonização, dominação e dizimação. Essa
era a terra que se constituiu no espaço de liberdade para os portugueses ricos e de
opressão e escravidão para os povos indígenas, africanos, negros, degredados e colonos
brancos pobres (QUEVEDO, 2003, p. 10).

Quando os portugueses atracaram no Brasil, por volta de 1530, o território já


estava habitado por povos indígenas, com suas próprias tradições, culturas e variedades
linguísticas. Estima-se haver aproximadamente cinco milhões de pessoas na região.
Alguns dos costumes tradicionais dos gaúchos como o churrasco e o chimarrão
são heranças indígenas. Por isso, o conhecimento sobre estes primeiros habitantes dos
pampas torna-se fundamental para a compreensão da história do Rio Grande do Sul.
Três grandes grupos indígenas dividiam o território: Guarani, Jê e Pampeano
(Charrua e Minuano), conforme Figura a seguir:
Devido ao fato das três tribos localizarem-se em diferentes regiões do estado,
cada uma delas possuía seus próprios hábitos e culturas.

Guaranis

A tribo Guarani habitava a região leste do Rio Uruguai, as serras do planalto rio-
grandense e principalmente os vales do rios e margens das lagoas, onde a caça e a pesca
eram mais abundantes e o solo fértil, favorável ao cultivo, onde também construíam
suas aldeias para facilitar as tarefas da pesca e da agricultura formadas geralmente por
3 a 6 ocas. Os Guaranis, definidos como guerreiros, dividiam-se em Tapes, Arachanes e
Carijós, como também Patos, que ocupavam a planície litorânea (QUEVEDO, 2003).

As mulheres praticavam a agricultura rudimentar, semeavam a terra e


cultivavam a mandioca, a erva-mate, o milho, o feijão e a abóbora, que lhes
proporcionavam uma alimentação variada. Também fabricavam potes de barro para a
rega da vegetação.
Os povos foram lentamente ocupando as bacias dos rios Uruguai e Jacuí, bem
como o Ijuí, Piratini, Ibicuí, Pardo e Taquari. No processo de invasão a populações locais,
guerreavam com arco, flecha e tacape. O conselho político incumbido de decidir as
guerras, migrações e o cotidiano da tribo era formado pelos caciques, anciãos e pajés
(QUEVEDO, 2003, p. 14). Os guaranis foram os grupos que formariam mais tarde os
povos missioneiros catequizados pelos jesuítas espanhóis.

Jês

O povo Jê, por volta do século XVI, ocupava os campos do planalto rio-grandense
e a encosta da serra. Coletores nômades, estavam divididos em Guarás, Guaianás,
Coroados e Kaingans. Caçavam utilizando tacapes e plantavam mandioca, abóbora,
milho e batata-doce. Das matas próximas onde viviam, coletavam os frutos silvestres, o
pinhão e o mel, os quais eram levados à aldeia em cestas de fibras vegetais, feitas pelas
mulheres da tribo. A política, a religião e a cura eram tarefas exercidas pelo pajé, onde
o mesmo consultava as divindades e ordenava quando caçar e guerrear (QUEVEDO,
2003).
Moravam em casas subterrâneas para se proteger do frio. Cavavam buracos no
chão de aproximadamente dois metros de profundidade, cobertos por um telhado feito
de galhos de árvores e ramos de palmeiras. Os Jês foram quase dizimados por pestes de
origem europeia e também pela ação dos bandeirantes. A maior parte dos indígenas
que vivem hoje no Rio Grande do Sul são Kaingangs (POVOS INDÍGENAS NO BRASIL,
2014).

Pampeanos
Os Pampeanos, subdivididos em Charruas, Minuanos, Guenoas, Iarós e
Guaicurus, ocupavam o sul e o sudeste do estado. Habitavam principalmente o pampa
rio-grandense, onde havia água, e, consequentemente, abundância de recursos, como
a pesca e a caça. Diferentemente das demais tribos, os Pampeanos não praticavam a
agricultura, viviam da coleta, da caça e da pesca. Os cavalos lhes serviam como meio de
transporte e o gado bovino de alimento. Considerados exímios lanceiros e cavaleiros,
desenvolveram a prática de laçar o animal utilizando a boleadeira, e, na guerra,
dispunham da lança.
Inventaram uma espécie de poncho para se protegerem do frio, pois viviam em
uma área de temperaturas baixas, com invernos rigorosos e faziam sinais de fumaça
para a comunicação com os demais guerreiros espalhados pelo pampa gaúcho.
Reuniam-se em famílias, alojadas nas tolderias (habitações ocupadas pelos nativos).
Os Pampeanos obrigaram-se a ir cada vez mais para o interior com a ocupação
de suas terras por portugueses e espanhóis, devido à guerras, epidemias e fome causada
pela escassez de recursos. Muitos deles foram trabalhar nas fazendas dos colonizadores
europeus, e os que restaram foram massacrados por tropas uruguaias na década de
1830 (POVOS INDÍGENAS NO BRASIL, 2014).

Quevedo acrescenta: Dos Charruas e Minuanos herdamos a boleadeira e o


poncho. A boleadeira é um instrumento que se servem os campeiros para apreender os
animais e também para, nas guerras, abater os inimigos. Consta de três pedras redondas
retovadas com couro e ligadas entre si por cordas trançadas ou torcidas, que têm o
nome de sogas. O poncho é uma espécie de capa feita por eles do couro do animal.
Atualmente é uma capa de pano de lã, de forma retangular, ovalada ou redonda, com
uma abertura no centro, por onde se enfia a cabeça (QUEVEDO, 2003, p. 15).

As sociedades indígenas não agrediam a natureza, pois dependiam dela para


sobreviver. Zelavam pelo espaço em que viviam e pressupunham que a terra fosse de
todos e, portanto, a comunidade deveria utilizá-la de forma comunitária. Em
compensação, devido à concepção mercantilista, o colonizador europeu planejava
explorar economicamente o território colonial, então, impeliram os nativos do litoral
para o interior, escravizaram-nos e, por fim, os dizimaram.
Sepé Tiaraju, indígena morto pelo governador de Montevidéu em 19 de fevereiro
de 1756 (ALENCAR, 2006), entrou para a história como “herói Guarani missioneiro rio-
grandense” e, para a cultura espontânea, como santo popular cantado em prosa e verso,
segundo MARQUES et al (1998):
Após a morte do índio, o lunar, que ele trazia à testa, posicionou-se no céu, junto
a constelação Cruzeiro do Sul:
“O lunar de sua testa
No céu tomou posição
Virou santo, São Sepé
O santo da Ressurreição” (MARQUES et al, 1998, p. 16).
Hoje, muitos descendentes dos povos indígenas vivem como postergados na
sociedade. As poucas comunidades existentes lutam para sobreviver e resgatar sua rica
e diversificada cultura, submissos à avareza de povos abastados de outros mundos.

A colonização portuguesa e as reduções

De acordo com Quevedo e Tamanquevis (1999), no final do século XVI e início do


século XVII, os portugueses haviam descoberto o Brasil. Várias expedições foram
realizadas à mando do rei de Portugal, e em 1530, foi realizada a primeira expedição
com objetivo de colonizar o litoral brasileiro, liderada por Martim Afonso de Souza, onde
este, descobriu o único ponto de sangradouro do litoral sul-rio-grandense: a Laguna dos
Patos, denominada por ele de Rio de São Pedro. Nesse período também ocorreram os
primeiros contatos com os povos indígenas, que foram usados na mão-de-obra na
exploração do pau-brasil. Em troca, lhes eram oferecidos objetos de pequeno valor.
Em 1532 estavam fundados os primeiros povoados do Brasil: As vilas de São Vicente e
Piratininga, no litoral paulista.
Porém, de acordo com o Tratado de Tordesilhas (tratado realizado entre o reino
de Portugal e a Coroa de Castela para dividir terras descobertas fora da Europa),
concluíram que o Rio da Prata não pertencia ao território português, mas à Espanha
(QUEVEDO E TAMANQUEVIS, 1999). Buenos Aires foi fundada em 1536 pelos espanhóis,
com apreensão de que os portugueses estivessem sempre presentes na região platina.
Com a economia do litoral do nordeste brasileiro movimentando-se através da cana-de-
açúcar, os indígenas foram trazidos como prisioneiros para serem transformados em
mão-de-obra escrava.
Todo o território, então, era comandado por Felipe II, rei da Espanha, quando
ocorreu a União Ibérica em 1580, que possibilitou a expansão portuguesa no território
rio-grandense. Devido a isso, as bandeiras foram intensificadas, utilizando os índios para
substituir os escravos africanos nos engenhos de cana-de-açúcar.
Conforme Marzal (1999), os jesuítas seriam os primeiros a descer até o Sul
durante o ano de 1549, mas, não foram além de Tramandaí. Então, vinte anos mais
tarde, jesuítas espanhóis decidiram por atravessar o Rio Uruguai e assim, catequisar o
povo indígena. Esta região pertencia à Espanha, mas era cada vez mais assediada pelos
portugueses.
O governador do Paraguai, então, sugere a Felipe II, a colonização do território
com os próprios guaranis, submetendo-os ao Evangelho e reunindo-os em “reduções”
ou “missões” (MARZAL, 1999).
Em 1605 jesuítas portugueses vieram com o intuito de cristianizar os índios, mas
não obtiveram sucesso. Foi em 1626 que deu-se início à ação jesuítica a serviço da coroa
de Espanha no oeste do atual Rio Grande do Sul, onde esse trabalho pode ser dividido
em dois momentos: reducional – fase das Reduções do Tape, ocorrido entre 1626 a
1641, e missionário – fase dos Sete Povos das Missões, entre 1682 a 1768 (MARZAL,
1999).

A Vatican News apresenta o sistema missioneiro:

O sistema missioneiro buscou introduzir o Cristianismo e um modo de vida


europeizado, integrando, porém, vários dos valores culturais dos próprios índios, e
estava baseado no respeito à sua pessoa e às suas tradições grupais, até onde estas não
entrassem em conflito direto com os conceitos básicos na nova fé e da justiça. O mérito
e a extensão do sucesso dessa tentativa têm sido objeto de muito debate entre os
historiadores, mas o fato é que foi de importância central para a primeira organização
do território e para o lançamento das fundações da sociedade americana como hoje ela
é conhecida. Vários monumentos missioneiros são hoje patrimoniais mundial (VATICAN
NEWS, 2019).

Em 1626 foi efetivada a redução indígena dos guaranis, onde fundaram dezoito
reduções distribuídas na Bacia do Rio Jacuí. Introduziram o gado vacum, ovino e cavalar,
abastecimento alimentício do território. As reduções do Tape foram grandes
representantes na dilatação das missões do Paraguai para o Rio Grande do Sul
(QUEVEDO E TAMANQUEVIS, 1999).

As reduções do Tape

As reduções do Tape foram dispostas ao sul do território nacional devido aos


ataques dos bandeirantes.
Porém, com o local ainda vulnerável a ataques holandeses, os índios aldeados nas
reduções tornam-se muito cobiçados como mão-de-obra, pois além de treinados para a
submissão, eram trabalhadores e obtinham conhecimentos diversos, como carpintaria,
olaria, cantaria e técnicas agrícolas (QUEVEDO E TAMANQUEVIS, 1999).
Com isso, o Estado de São Paulo organizava bandeiras que funcionavam como
estrutura militar e especializava-se na busca aos indígenas para vendê-los como
escravos às regiões de açúcar, as quais desceram para o sul, lideradas por Raposo
Tavares, iniciando um processo de destruição, em 1625. Em 1637, uma milícia ocorre,
disposta a expulsar os bandeirantes, surpreendendo a bandeira de Fernão Dias Paes.
(SECRETARIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1998, p. 44).
Enquanto isso, Portugal restaura seu domínio em 1640, e o Tratado de
Tordesilhas passa a ser relativamente respeitado como um limite. Os jesuítas retiram-se
para a margem esquerda do rio Uruguai, abandonando a área e levando os índios
consigo. Porém, as reduções tornam-se um território cobiçado devido ao gado
permanecente na região (SECRETARIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1998, p.
45).
Em 1641, os índios vencem uma única batalha em M’bororé, quando cessam as
incursões dos bandeirantes, marcando a sua expulsão definitiva na região do Tape
(SECRETARIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1998).
A maior decorrência na relação índio-jesuíta foi a implantação do gado no Rio
Grande do Sul, o que viabilizou a economia e ajudou a caracterizar o contexto gaúcho.

Colônia do Sacramento

Os jesuítas voltam ao local das reduções, em 1680, com a fundação da Colônia


do Sacramento (porto para o comércio) e os portugueses e espanhóis dividem o controle
da comercialização fundando a fortaleza do Sacramento, em frente à cidade de Buenos
Aires, às margens do Rio da Prata (FLORES, 2003).
Insatisfeitos com a presença portuguesa na região, os índios a atacaram em 1680.
Acreditavam pertencer ao domínio espanhol. A situação de tensão entre portugueses e
espanhóis só amenizou através do Tratado Provincial, que dava direito aos portugueses
permanecerem com a colônia.
Contudo, os espanhóis ordenaram a fundação de povoados missionários administrados
por jesuítas, travando os avanços portugueses, que fez com que jesuítas voltassem ao
local das reduções e fundassem sete povoados desenvolvidos com lavouras e estâncias.
No Rio Grande do Sul, surgia, então, a missão de fronteira (FLORES, 2003).
Para barrar a expansão lusitana de investir no estuário da prata, os guaranis
organizaram-se em um exército, dando origem ao que hoje chamamos dos trinta povos
missionários.

Os Sete Povos das Missões

A Figura a seguir mostra a localização dos sete povos das Missões no território
gaúcho.
Segundo Quevedo (2003), em 1682, deu-se início à segunda fase das reduções
jesuíticas, com o objetivo de defender a fronteira espanhola do avanço português na
região do Rio da Prata, além de que, era preciso criar novos espaços de moradia e
plantio, visto que a população da margem ocidental crescia aceleradamente e os jesuítas
necessitavam ampliar o espaço missioneiro. Em virtude disso, foram fundadas,
primeiramente, duas reduções: São Borja e São Nicolau, e em pouco mais de vinte anos,
foram constituídas as outras cinco.
A forma de organização e a estrutura urbana das reduções eram semelhantes.
No conjunto, elas formaram comunidades progressistas que obtiveram notável
desenvolvimento econômico e cultural. O modelo urbanístico inspirava-se na forma do
“plano damero” (sistema de construção das cidades hispano-americanas em que ruas
paralelas centralizavam para a praça) e baseava-se em toda uma legislação que abrangia
recomendações para fundação dos povoados (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2019).
As reduções eram basicamente um conjunto de comunidades que reuniam os
índios guaranis em uma experiência de civilização sem antecedentes, porém, o sistema
não foi uma inovação trazida pelos jesuítas. Os guaranis tinham seus costumes, os quais
foram aproveitados. A agricultura manteve o trabalho em grupo, mas não era coletiva.
Cada bloco das tribos mantinha o seu cacique. O idioma guarani aproximou os padres
dos nativos, que admitiam apenas o uso de chás pelos pajés (índios curandeiros) e o
chimarrão curou a embriaguez (QUEVEDO, 2003).

Porém, Quevedo (2003) reforça que, a mudança principal foi a estipulação dos
jesuítas de trabalhos regrados, a proibição da poligamia, junto com a antropologia e a
magia. Os nativos não eram mais tratados como escravos, mas como gente.
Juntamente com o desenvolvimento do barroco, deu-se o período de
desenvolvimento das reduções, e decaiu em 1767, com o rompimento cultural ocorrido
devido à invasão portuguesa e a administração dos espanhóis, fazendo com que a língua
guarani deixasse de ser falada no Rio Grande do Sul até o último quartel do século XIX
(FAGUNDES, 1997).

Guerra Guaranítica

Segundo Quevedo e Tamanquevis (1999), o governo espanhol sofreu com a


recaída econômica, devido à expansão portuguesa através do Rio da Prata. Então, entre
1750 e 1777, foram assinados o Tratado de Madrid e o Tratado de Santo Ildefonso,
respectivamente. Ambos decidiam sobre a fronteira e domínio de territórios, que
definia uma linha de demarcação entre o território colonial espanhol e português na
América do Sul, e isso gerou então, o conflito armado da guerra guaranítica, em 1754,
envolvendo as tribos Guarani e as tropas portuguesas e espanholas.
Devido a isso, foi necessária a construção de fortificações para reforço militar da
área e, juntamente com essas construções, foram concedidas mais sesmarias. Portanto,
dentro desse contexto a região foi elevada à condição de Capitania de Rio Grande de
São Pedro.
Segundo Flores (2003), o Tratado de Santo Ildefonso em 1777, trouxe a paz entre
Portugal e Espanha, ficando os portugueses com o território entre o rio Jacuí e Camaquã,
entregando a Colônia do Sacramento aos espanhóis.
Em contrapartida, trouxe estabilidade política ao nordeste, que foi local de
batalha entre as coroas rivais da Península Ibérica e da “Grande Seca”, a qual dizimou
grande parte dos rebanhos bovinos, dificultando as produções de charque na região
(MARQUES, 1987).

As charqueadas

O charque é basicamente a carne salgada exposta ao sol para o processo de


desidratação, sendo um trabalho produzido em propriedades rurais, comumente em
áreas externas. Geralmente, servia para a alimentação dos escravos que trabalhavam
no ciclo da cana-de-açúcar.
De acordo com Osório (2007), até 1777, a produção do charque era exclusividade
do nordeste. Os mercados produtores de carne bovina eram os estados da Paraíba, Rio
Grande do Norte e Ceará.
Foi em 1779, que o português José Pinto Martins instalou a primeira charqueada
no Rio Grande do Sul, na cidade de Rio Grande, às margens do Arroio Pelotas, tornando-
se posteriormente uma atividade industrial, sendo exportado para Cuba e outros
estados do Brasil. Com o passar dos anos, o charque antes artesanal, deu lugar à prática
industrial sistemática (LESSA, 1984).
O ciclo do charque (século XIX) deixou sua marca no sul do Brasil, tornando
Pelotas referência histórica e cultural. Hoje, as poucas charqueadas existentes servem
apenas como marco turístico regional.
As Figuras a seguir mostram o charque exposto nas estâncias sul-rio-grandenses.
Revolução Farroupilha

Desde o século XVIII, a base da economia do Rio Grande do Sul era a pecuária,
que intensificou-se com a produção de charque, produto esse que abastecia o mercado
interno brasileiro. Porém, houve redução dos impostos da importação do charque
produzido no Uruguai pelo governo brasileiro, o que prejudicou a economia gaúcha, que
mantinha impostos altos (QUEVEDO, 2003).
Foi então que, em 1832, fundaram a corrente liberal moderada (chimangos), que
queria mudanças de leis, e a corrente liberal exaltada (partido farroupilha), que
desejavam a revolução.
Assim, Bento Gonçalves avança sobre Porto Alegre com cerca de 200 “farrapos”
em 19 de setembro de 1835 e, em 11 de setembro de 1836 foi proclamada a república
rio-grandense, por Souza Neto (SAVARIS, 2008).
A revolta era liderada por Bento Gonçalves, Antônio de Souza Neto, Onofre Pires
entre outros, como o italiano Giuseppe Garibaldi.
A partir de 1839, a república rio-grandense enfrentou problemas quando não
possuía mais portos para o escoamento da produção do charque e a comercialização de
armas e munições e em julho deste ano os revolucionários ocuparam a Laguna em Santa
Catarina e fundaram a República Juliana, comandada pelo general David Canabarro, que
foram derrotados por terra e mar, ocasionando no fim da República Juliana, em 1840.
Em 1842, o Barão de Caxias assume a presidência da Província do Rio Grande de
São Pedro do Sul, com a missão de cessar a revolução.
Bento Gonçalves renuncia à presidência da república rio-grandense e o comando
do exército farroupilha em 1843, matando Onofre Pires em um duelo.
Contudo, a revolução teve duração de dez anos, sendo a revolta mais longa do
período imperial, e, em 1845 é assinado o Tratado de Ponche Verde pelo barão Duque
de Caxias e o general David Canabarro, em 28 de fevereiro, restaurando a paz, que
reintegra a província ao Brasil, liberta os escravos participantes da guerra e indeniza os
senhores de terras envolvidos no conflito (QUEVEDO E TAMANQUEVIS, 1999).

Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança

Em 1864, aconteceu a Guerra do Paraguai, o maior conflito internacional da


América Latina, ocorrido na América do Sul, envolvendo o Brasil, Argentina e Uruguai
(Tríplice Aliança) contra o Paraguai.
Conforme Fagundes (1997), o Paraguai estava sem comunicação com o mar para
escoamento da sua produção, encontrando-se isolado. O general do exército paraguaio,
Solano López, invadiu o Mato Grosso e as Províncias de Corrientes e Entre-Rios, na
Argentina, contando com o auxílio destes para alcançar essas áreas para a passagem das
tropas para o Uruguai e o Rio Grande do Sul, porém, não obteve ajuda.
Em 1865, formou-se a Tríplice Aliança entre Brasil, Argentina e Uruguai, onde em
junho do mesmo ano, o comandante paraguaio Estiguarribia dominou a Vila de São
Tomé, e, consequentemente, a cidade de São Borja.
Durante os três meses de ocupação das cidades, tropas paraguaias saquearam
fazendas no Rio Grande do Sul, cercaram Itaqui e invadiram Uruguaiana. Diante do alto
incentivo militar gerado nessa região para a defesa da fronteira através do Rio da Prata,
organizaram tropas para invadir Assunção em 1869, e em 1870, Solano López é morto,
dando fim definitivo à guerra (FAGUNDES, 1997, p. 101).

A imigração no Rio Grande do Sul e suas contribuições

Segundo Marques (1998), em 1808, com objetivo de implantar colônias


agrícolas, Dom João estabeleceu condições para a imigração estrangeira no Rio Grande
do Sul, e, devido à necessidade de substituição de mão-de-obra escrava pela assalariada
especializada, imigrantes alemães começaram a chegar na região em 1824, contribuindo
na evolução étnica e cultural do Estado, com a arquitetura de casas e igrejas.
Os primeiros imigrantes italianos chegaram em 1875, iniciando a última fase do
povoamento sul-rio-grandense. Estes vieram também em decorrência da substituição
de mão-de-obra, bem como devido à política e a colonização do Governo Imperial. Da
mesma maneira que os alemães, contribuíram na arquitetura, com casas com sótãos e
porões e também confeccionavam gaitas, garrafões de vidro e trabalhos em vime
(MARQUES, 1998).
Com isso, em 1737 têm-se a primeira referência dos negros no Rio Grande do
Sul, pelo fundador de Rio Grande, José da Silva Paes, que recomendou a Gomes Freire
em carta, que facilitasse a ida dos escravos para o Rio Grande sem pagarem direitos,
devido ao português e luso-brasileiro não se manterem sem escravos na agricultura e
na indústria do charque. O negro teve fundamental importância nas guerras e
revoluções do Estado (MARQUES, 1998).

Em suma, com o passar do tempo, os demais imigrantes foram chegando ao Rio Grande
do Sul, como os poloneses, judeus e espanhóis, cada qual contribuindo com sua cultura.
Manuel D. Júnior enfatiza:
A interpenetração cultural vem-se fazendo, ao lado do cruzamento étnico, sem
nenhuma resistência ao desenvolvimento do País; ao contrário: com a aceitação ou a
permuta de padrões ou valores culturais, dentro do espírito cristão de tolerância e de
fraternidade que o brasileiro se arraigou como a mais legítima herança espiritual do
português colonizador (MARQUES et al, 1998 apud JÚNIOR, 1980).

O Gaúcho dos Pampas

De acordo com Lamberty (2004):

“Gaúcho” é a denominação gentílica dada aos filhos do Rio Grande do Sul, que
nasceram no seio dos grupos gaudérios errantes, mestiços, charruas, minuanos,
guaranis, jarros, mesclados com as chinas dos ranchos. É uma raça originada do pampa,
na figura do primitivo peão. Gaúcho, acima de tudo, é o peão campeiro (LAMBERTY,
2004).

Quanto à nomenclatura, são incontáveis as afirmações de origem da palavra


gaúcho, não obtendo, assim, fontes seguras. Os possíveis significados vão desde
“homem triste” a significados pejorativos, como vagabundos e ladrões que caçavam
gado chimarrão (LAMBERTY, 2004).
Porém, o termo mais convincente vêm a ser o de Aurélio Porto, definindo o
gaúcho como “homem que canta triste”, devido a estes não construírem lares, terem
uma vida errante e estarem sempre saudosos de suas famílias, distantes da querência,
onde chamavam a atenção pelo cantar triste, de saudade.
Para Lamberty (2004), o “tropeiro” e o “homem que canta triste” são os termos
mais ligados às variantes históricas. Em suma, o gaúcho é o vaqueiro do sul, um tropeiro
que canta sua terra e sua gente, que tornou-se um dos melhores soldados do mundo,
pela determinação e boa movimentação de um ponto muito distante do outro, montado
em seu cavalo, habituado a uma vida cheia de perigos. Tinha estatura rude, mas o
coração dócil. Era extremamente gentil para com as mulheres e destemido na defesa da
honra e dos indefesos.
A definição do perfil do ser gaúcho nasceu da facilidade de dominar as lidas de
campo, percorrendo os pampas, domando, tropeando e carneando.
Afirmado por Lamberty (2004):

Amigo dos amigos, vivia pelos galpões das estâncias. Saboreava um chimarrão,
enquanto preparava um churrasco no espeto, num fogo de chão. Suas cantigas
galponeiras mostravam o lado triste do andarilho, com saudade da querência, misturada
às façanhas do dia que ficou para trás (LAMBERTY, 2004, p. 16).

As constantes carneações, o contato com sangue e o churrasco meio cru, o


tornava sempre preparado para guerra. Lamberty ressalta:

Era tão valente soldado, que Giuseppe Garibaldi, o Herói dos Dois Mundos, após
pelear na Revolução Farroupilha, em uma fracassada batalha na Itália, lembrou de seus
soldados e bradou:
– Dai-me um esquadrão de Cavalaria Rio-Grandense e eu vencerei o mundo!
(LAMBERTY, 2004, p. 16).

O gaúcho tinha como armas a faca, a espada, a pistola, o laço e as boleadeiras, e


nas horas de folga, jogava Truco.
Até hoje, o campeiro rio-grandense procura apagar a conotação pejorativa da
origem da palavra gaúcho, que vagavam em busca de serviços, não por serem
vagabundos e eram caçadores de gado por sobrevivência.
Quando foi oficialmente recebida a denominação de gaúcho, se procurou vender
a imagem do ideal definido e de um povo forte, que hoje tem o dia 20 de Setembro
como o seu dia oficial, o Dia do Gaúcho, que se destacou por sua extrema coragem,
munido de suas cinco armas preferidas: a lança e as quatro patas de seu cavalo
(LAMBERTY, 2004).

O Folclore Gaúcho e sua Identidade

O folclore é um conjunto preservado das tradições populares, que representa


uma identidade social nascida e desenvolvida pelo povo de uma comunidade por meio
de atividades culturais, tradições e manifestações, sendo transmitido de geração a
geração, formados por lendas, provérbios, mitos, danças, costumes e hábitos.
Quando o arqueólogo inglês William John Thoms escreveu a palavra pela
primeira vez, definiu que “folk” significaria povo e “lore”, conhecimento (LAMBERTY,
2004). Tinha intuito de designar as antiguidades literárias, cerimônias, crenças,
superstições, entre outros costumes de uma sociedade. Mais especificamente, a palavra
tem origem inglesa e quer dizer sabedoria popular, registrando usos e costumes de
nossos antepassados (MARQUES, 1998).
Costumes gaúchos

Na realização de festas, folguedos e ritos, sendo estas, manifestações de vida


social de um determinado período, religiosos ou cívicos, determina-se que a dança e a
música gaúcha também façam parte do folclore rio-grandense, tornando-se costume da
região.

Lamberty (2004) ressalta:

O folclore gaúcho é a seiva da simplicidade, correndo pelas veias da


hospitalidade, germinando usos e costumes espontâneos, correntes na linguagem
popular. No Rio Grande do Sul o folclore é a alma do gaúcho buenacho, vestido com suas
pilchas, exaltando suas belas prendas, vestidas de chita (LAMBERTY, 2004).

O ciclo dos fandangos vigorou de 1800 a 1880, gerando diversos ritmos, danças
e sapateados tradicionalistas, acompanhados por viola e rabeca, cultuados até hoje
pelos Centros Tradicionalistas (MARQUES, 1998).

Fogo de Chão

O fogo de chão foi descoberto pelas primitivas tribos indígenas nas noites frias
e longas de inverno, onde as famílias se reuniam ao redor do fogo, próximos às suas
ocas, em que os homens contavam às crianças suas aventuras do dia-a-dia e as mais
belas lendas nativas.
Segundo Lamberty (2004), o fogo de chão aquecia o sentimento nativo do
mestiço, projetando-se no ideal campeiro do gaúcho. Ao seu aconchego, cultuavam
histórias da formação do nosso Pago, o gado, o cavalo, as tropeadas e carreteadas
entre outras. Os mais nativos usos e costumes foram aquecidos pelo fogo de chão,
germinando o núcleo do nosso Folclore Gaúcho, transmitido entre gerações.
Foi ao redor do fogo que nasceu a charla, mais especificamente, conversas
informais, por onde os campeiros reuniam-se como nas rodas de chimarrão, passando
o mate um a um. Com a tradição do fogo de chão é que surgiram os galpões crioulos,
construídos de pau-a-pique, tábuas ou costaneiras, chão batido e coberturas de capim.
O fogo de chão, a charla, o chimarrão e o galpão formam o quadrinômio de
sustentação da simplicidade gauchesca (LAMBERTY, 2004).

Chama Crioula

Chama crioula (Figura seguinte) é o fogo que simboliza a Pátria Brasileira, na


semana de 07 de setembro. Em 1947, Paixão Côrtes, ao fundar o primeiro Centro de
Tradições Gaúchas, em Porto Alegre, toma uma centelha do Fogo Simbólico, instituindo
as comemorações e a Chama Crioula, oficializadas mais tarde pelo Movimento
Tradicionalista Gaúcho. Essa primeira Chama Crioula, na primeira Semana Farroupilha,
transformou-se em um símbolo tradicional, que arde, até hoje nos CTGs, expressando o
sentido patriótico de um povo, em seus símbolos, suas armas e suas riquezas – sua Pátria
(LAMBERTY, 2004).

Danças Tradicionalistas

As danças folclóricas gaúchas foram trazidas ao Rio Grande do Sul de diversos


países, devido ao gaúcho, antigamente, ser um andarilho em constante contato com
novas correntes culturais. Poucas danças são originárias do Estado ou do País, e foram
sofrendo alterações em suas coreografias com o passar dos anos, por influências étnicas.
As danças primitivas que reuniam várias nações, foram chamadas de
“Fandangos”, as quais incorporavam características de bate-pé e sarandeios.

Conforme Lamberty:

Foram nas estâncias gaúchas que as danças desempenharam um papel de


convivência social muito importante. Carneavam-se animais, muitas bebidas e doces,
sob compassos musicais, festejavam-se aniversários, casamentos, competições,
noivados, etc., sob enfeitiçados bailados, com danças e contradanças dos fandangos. As
danças eram acompanhadas de cantos pragmáticos (LAMBERTY, 2004).

Outras danças foram surgindo com o passar do tempo, todas de pares enlaçados,
onde, em fandangos, danças com pares soltos foram ficando incomuns.
Atualmente, já são corriqueiras as apresentações de danças estilizadas, com
alterações na coreografia, muitas vezes vindo a descaracterizar as mesmas, e as antigas
danças tradicionais, consideradas Folclore Histórico, são apresentadas na forma original
somente em demonstrações artísticas ou programas de televisão, sem o mesmo valor
obtido nos primitivos bailes campeiros do gaúcho.

A música e seus instrumentos

A música, como outro qualquer traço cultural, sofre mudanças constantes, e, ao


falar de música gauchesca, é necessário delimitar termos geralmente usados de forma
indistintas, devido à cultura popular folclórica do sul do Brasil, além de suas fronteiras,
englobando o Uruguai, Paraguai e Argentina. Destacam-se nos festivais rio-grandenses,
principalmente, a música Nativista e a Tradicionalista.
A música Nativista nada mais é que uma busca pela valorização da cultura de um
lugar, comumente reagindo à influência de uma cultura externa. Nas músicas, destacam
características comuns dos países da região Sul da América Latina: Paraguai, Uruguai e
Argentina, com os quais o Rio Grande do Sul manteve grande contato, assim como
longos conflitos. E as músicas Tradicionalistas são variações de músicas que animavam
as danças de salão na Europa, no século XIX. As letras giram em torno das origens da
identidade, tendo o gaúcho como protagonista e os temas ressaltam o ambiente e a
natureza, como os costumes, o chão, a terra e o cavalo (MARQUES, 2003).

O primeiro instrumento musical existente na região foi a viola, nos séculos XVIII
e XIX, parecida com o violão atual, porém, contendo 10 ou 12 cordas, com as laterais
confeccionadas em couro e as cordas com crina de cavalo. Atualmente é produzido com
madeira e suas cordas podem ser de aço ou nylon, sendo um dos instrumentos mais
tocados atualmente (SAVARIS, 2008).
A rabeca é uma espécie de violino artesanal, de confecção crioula, com timbre
baixo gerado por quatro cordas de tripa.
Com a Guerra do Paraguai, surgiu a gaita de boca, criada pelo austríaco Daminem
Buselman, em 1829 e a gaita de botão, também chamadas hoje de cordeonas,
diatônicas, em tom maior e com sons diferentes ao abrir e fechá-la. Na década de 1920,
chegaram as gaitas-piano, fabricadas por descendentes de italianos, com escala
cromática, ou seja, mesmo som ao abrir e fechar o fole (SAVARIS, 2008).
Ademais, vários outros instrumentos fazem parte da cultura rio-grandense,
como o reco-reco, marimbau, flauta, serrote, duas cuias, machacá etc. Apesar de
nenhum dos instrumentos hoje tocados no Sul terem sido inventados aqui, são eles que
fazem acontecer a música gaúcha nos bailes e fandangos, Rio Grande do Sul afora. A
Figura a seguir apresenta alguns destes instrumentos utilizados nos bailes gaúchos.
Comidas típicas do Rio Grande do Sul

Uma das tradições rio-grandenses é a carne de charque, principal produto de sua


economia, sendo o churrasco e o carreteiro, os dois pratos mais característicos da
culinária do sul, tornando-se um costume milenar.
A carne assada acompanha o gaúcho ao longo da história, hábito iniciado na época dos
índios guaranis, onde a prática de fazer um buraco, cobrir com cinza e atear fogo na
carne, vem até os dias atuais, permanecendo sempre presente na vida gauchesca
(LAMBERTY, 2004).
Ademais, apesar das contribuições da tecnologia moderna, o verdadeiro
“carreteiro” é feito com charque, herança das carreteadas (passeios com carretas de
duas rodas) pelos pampas gaúchos desde os primórdios da civilização.

De acordo com Barreto (1950), o chimarrão ou mate amargo foi descoberto pelos
espanhóis, 54 anos após o descobrimento do Brasil. Nasceu no Rio Grande do Sul, como
símbolo de hospitalidade, gesto de cordialidade ao receber um visitante.
Ao redor dos fogos de chão, nas charlas galponeiras (conversas de galpão), havia sempre
a presença de um mate amargo nas estâncias gaúchas, onde também eram tomadas as
mais importantes decisões do curso da nossa história.
Hoje em dia, ele é servido de diversas maneiras, bem como com a utilização de
chás e outras ervas, para saborizar a água (BARRETO, 1950).
Indumentária gaúcha

A indumentária gaúcha, de origem indígena, teve sua evolução ao passar dos


anos, muitas vezes influenciadas pelos povos que vinham chegando, conforme Figuras
a seguir.
Segundo Lamberty (2004), até aproximadamente 1820, faziam parte dos trajes
primitivos masculinos, chamados de Braga, o chiripa Cayapi, o pala bichará, camisa sem
botões e o poncho, e após, a bota garrão-de-potro (retirada das patas dianteiras de
vacas, burros ou éguas), esporas chilenas, pala, lenço na cabeça e chapéu de couro. A
mulher gaúcha usava o Tipoy, até 1750, um vestido longo de algodão, de dois panos
costurados entre si, com duas aberturas para os braços e uma para o pescoço e um
cordão chamado Chumbé sobre a cintura. Posteriormente, o chiripa foi usado como saia
pelas prendas gaúchas, entre outros trajes.

Seguidamente à Braga, entre os anos de 1820 a 1865, foi usado outro tipo de
chiripá em algumas regiões dos pampas, com a função de proteger o gaúcho sem
atrapalhar suas atividades campeiras. Era um retângulo de tecido transpassado entre as
pernas, com o cumprimento até os joelhos, amarrado à cintura. Acompanhavam chapéu
de aba estreita, camisa sem botões, lenço de seda, jaleco, ceroulas com franjas, faixa,
guaiaca e botas russilhonas. Já as prendas, sob influência europeia, usavam vestido de
seda ou veludo, travessa nos cabelos, leque, bombachinha, meias brancas, botinha
fechada e xale. (TRIBUNA, 2005, p. 13-16; LAMBERTY, 2004, p. 100-101).
E, por fim, Fagundes (1997) conclui que a indumentária do gaúcho atual definiu-
se definitivamente a partir de 1865, com a simples bombacha, camisa, lenço, faixa na
cintura, guaiaca, colete, casaco, chapéu e botas. Muitos ainda utilizam a alpargata, o
pala, o poncho e a capa campeira. E a mulher vestiu-se de forma variada, sofrendo
influências dos povos que chegavam, com o atual vestido de prenda produzido em uma
única peça, sendo adotado apenas com o surgimento do Movimento Tradicionalista
Gaúcho. “Era o ressurgimento dos modelos antigos, que melhor caracterizavam a
sobriedade e a beleza da mulher gaúcha” (LAMBERTY, 2004).
Vestido de chita, bombachinha até o joelho, saia de armação, meias brancas,
sapato simples e enfeite no cabelo, formam a originalidade das prendas gaúchas da
atualidade.
É vedado o uso de decotes, cores luminosas, tecidos sintéticos (FAGUNDES,
1997), e todos os “floreios reluzentes”, que acabam por descaracterizar o padrão e a
simplicidade da indumentária tradicionalista.
Em 1989, o atual Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande
do Sul, o Deputado Algir Lorenzon, cria a Lei nº 8.813, que oficializa a indumentária
denominada “Pilcha Gaúcha” como traje oficial, de honra e de uso preferencial no Rio
Grande do Sul, para ambos os sexos (RIO GRANDE DO SUL, 1989).

Jogos tradicionalistas

Segundo Parlebas (2001), os jogos tradicionais aparecem ligados à tradição de


uma cultura, relacionados ao tempo livre, colheitas, estações do ano, religiões e
espaços, possuindo regras flexíveis baseadas nos interesses dos participantes e
construídas por grupos sociais que os praticam, em consonância com a região em que
se desenvolvem, onde a localização e os costumes influenciam na sua organização.

Nesse sentido, cada jogo tradicional foi desenvolvido ao longo de uma história e
de uma cultura, dependendo das condições espaciais do seu entorno, em conformidade
com os hábitos de vida das pessoas que o desenvolveu.
O Rio Grande do Sul sofreu fortes influências das colonizações vindas da Europa
e da África, e, portanto, cada uma delas implantou seus próprios modos de efetuar os
jogos, que, apesar destas influências, suas práticas independem delas para acontecer
(PARLEBAS, 2001).
Dentre os variados jogos tradicionais adotados pelos sul-rio-grandenses, temos
a bocha, de origem espanhola, que consiste basicamente em arremessar bochas (bolas)
de madeira ou resina sintética sobre uma cancha de terra batida, com o objetivo de
chegar o mais próximo possível do “balim” (Figura a seguir).
Ademais, temos a carreira de cancha reta, designado antigamente como o
esporte e jogo de preferência do homem do pampa. Nos primeiros tempos, as carreiras
eram disputadas com os cavalos de trabalho, os cavalos Crioulos (GOLIN, 1999),
apresentado na Figura a seguir.
O Jogo do Osso (Tava) também obtém destaque, devido a toda uma longa
trajetória pelo tempo e espaço, a começar pelo menos há três séculos (Figura 14). De
origem asiática, consiste no arremesso do osso do garrão de rês vacum. O jogo é apenas
de sorte.
Por fim, o Truco, sendo o jogo tradicional de cartas mais jogado atualmente, entre dois
a quatro parceiros.
Outrossim, não menos importantes, integram-se à diversão, o jogo das cinco-
marias, bola de gude, pião, e os jogos do folclore infanto-juvenil, como pandorga,
bilboquê, bruxa de pano, gado de osso, arapucas e caroços de pêssego.

Lamentavelmente, os jogos das sociedades tradicionais são substituídos por


jogos modernos devido a um processo de alta lucratividade, como os jogos eletrônicos,
onde as mudanças tecnológicas tendem a provocar o abandono dos costumes antigos e
substituir práticas do passado por novos comportamentos, (MARIN et al, 2012).
Movimentos Culturais Gaúchos

A cultura rio-grandense expõe sobre a arte, a lei, a moral, o conhecimento, os


costumes e todos os hábitos e aptidões do povo do Rio Grande do Sul. De forma sucinta,
a cultura local vêm de duas vertentes: baseada nas raízes dos povos indígenas que
habitavam os pampas, e outra como resultado da colonização europeia. Com isso,
diversos movimentos surgiram, oriundos da influência cultural da região, onde as
comemorações permanecem, fundadas pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG),
e ocorridas nos Centros Tradicionalistas Gaúchos (CTGs), centros subordinados ao MTG,
que oferecem espaço para eventos e movimentos culturais gauchescos (TRIBUNA,
2005).

História do Centro de Tradições Gaúchas (CTG)

Era dia 5 de Setembro de 1947, quando um grupo de jovens estudantes do


Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, liderados pelo estudante e tradicionalista
João Carlos D’Ávilla Paixão Côrtes, decidiu criar o Departamento de Tradições Gaúchas
do Grêmio Estudantil de Júlio de Castilhos, a fim de trazer a imagem do galpão do
interior para as cidades, promover a convivência gauchesca em seus usos e costumes e
valorizar as tradições locais, contrapondo à influência da cultura norte-americana.
Paixão Côrtes, então, reuniu um piquete de oito gaúchos, e nesse dia prestaram
homenagem a David Canabarro, herói militar gaúcho. Este piquete é conhecido como
“Grupo dos Oito”, que levou à criação do primeiro CTG rio-grandense, intitulado 35
Centro de Tradições Gaúchas, número escolhido em alusão ao ano de início da
Revolução Farroupilha, datada de 1835 (OCARIÚCHO, 2012).
Atualmente, existem cerca de 1400 entidades tradicionalistas (CTGs, Grupos
Nativistas ou piquetes) distribuídas em 30 regiões, abrangendo 500 municípios sul-rio-
grandenses (TRIBUNA, 2005).
História do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG)

No Rio Grande do Sul, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) foi fundado


em 27 de novembro de 1947. É uma entidade cívica, sem fins lucrativos, dedicada ao
resgate, desenvolvimento e preservação da cultura gaúcha no Estado. É o órgão
catalizador, disciplinador e orientador das atividades de seus filiados, os Centros de
Tradições Gaúchas (CTGs). Sua sede localiza-se em Porto Alegre, inaugurada em
dezembro de 1998 (TRIBUNA, 2005, p. 2).
No VIII Congresso Tradicionalista, realizado entre 20 e 23 de julho de 1961, em
Taquara, no CTG "O Fogão Gaúcho", foi aprovada a Carta de Princípios do Movimento
Tradicionalista Gaúcho, principal documento norteador e orientador das atividades do
Movimento, o qual traça objetivos importantes dentro do meio, a partir das decisões
adotadas pelo Congresso Tradicionalista, que reúnem-se anualmente, em conformidade
com o Estatuto do MTG (MTG; LAMBERTY, 2004).

Regionalismo, Nativismo e Tradicionalismo

O Regionalismo é a expressão do valor artístico e cultural de uma região. É uma


corrente artística que se firma na maneira especial de falar, cantar, declamar,
cumprimentar etc., e faz parte do Regionalismo, o chamado “dialeto gauchesco” com
manifestações crioulas e muitas vezes abagualadas. Linguajar de raízes portuguesas
mescladas à muitas outras, que trazem a simplicidade da vida campeira (LAMBERTY,
2004).
Já o Nativismo, é tudo aquilo que conserva características naturais do próprio
lugar de nascimento, aquilo que não foi adquirido e é da própria localidade. Que
defende a natureza, com seu aproveitamento racional, sem perder seus valores, como
a hospitalidade, a honra, a coragem, o respeito à palavra empenhada, o cavalheirismo e
o amor à terra. É, basicamente, o sentimento de defesa e amor ao pago nativo, e tem
como base a magnitude histórica de nosso chão (LESSA, 1984).
Ademais, o Tradicionalismo Gaúcho é, essencialmente, um movimento, que
busca preservar as coisas boas dos antepassados, o apego ao sistema de crenças
transmitidas dos antigos, sem conflito com o progresso (LAMBERTY, 2004).

Ronda Gaúcha e Semana Farroupilha

Em 1947, a transportação dos restos mortais do herói Farroupilha David


Canabarro, o segundo homem da Revolução Farroupilha, foi incluída entre as
programações alusivas à Semana da Pátria, pela Liga de Defesa Nacional (TRIBUNA,
2007).
Quando já não se falava mais em tradições gaúchas, em meados do século XVIII,
um arrastão cultural acontece dos Estados Unidos para o mundo, chegando, inclusive
no Rio Grande do Sul, o que causa desconforto em certos jovens gaúchos.
Inconformados com a desvalorização do patrimônio sócio-cívico-cultural rio-grandense,
a juventude estudantil do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, funda o
Departamento de Tradições Gaúchas, ligado ao Grêmio Estudantil, para resgatar o valor
cultural do Estado e integrá-lo à cultura brasileira, mostrando ao Brasil e ao mundo a
história e a tradição do povo do Sul (TRIBUNA, 2007).
O Departamento criado foi aprovado, e os jovens organizaram a “Ronda Gaúcha”
ou “Ronda Crioula”, interligando a data da Independência do Brasil ao início da
Revolução Farroupilha. Ademais, estes jovens gaúchos demonstraram o desejo de
retirar uma centelha do Fogo Simbólico, durante uma reunião com o presidente da Liga,
e transportá-lo para o Saguão da Escola Júlio de Castilhos, onde seria colocado em um
Candeeiro Crioulo típico, simbolizando o início da Ronda Crioula, até a data oficial de
celebração dos ideais da Revolução Farroupilha, o dia 20 de setembro.
Na sequência, o pedido foi aceito, porém, com a condição da organização de um
piquete de cavalarianos, formado por estudantes e pelo líder do grupo, João Carlos
D’Ávilla Paixão Côrtes (Figura 15), para o acompanhamento do corpo de David
Canabarro.
Feito isso, o grupo retorna ao local onde ardia o Fogo Simbólico para, então, criar
a Chama Crioula, o qual tornou-se símbolo autêntico do civismo gaúcho. Assim, foi
criada a “Ronda Gaúcha/Crioula”, inaugurando o candeeiro e a chama crioula, por
Paixão Côrtes e seus companheiros, onde também fez acontecer o primeiro baile
campeiro (TRIBUNA, 2007).

Lamberty (2004), define:

A ronda da Chama Crioula é a expressão do orgulho e do ideal dos gaúchos. Ela


está no espírito de fraternidade, que busca aproximação dos povos, na convivência
social.
Chama crioula, no teu facho a vigília dos verdadeiros gaúchos que, montados na
razão, fincaram os pés na trincheira da resistência. És um determinado olhar na direção
da preservação de nossos verdadeiros usos e costumes, defendendo nossa tão amada
querência (LAMBERTY, 2004).
Contudo, o grande líder e criador do primeiro departamento de tradições
gaúchas, João Carlos D’Ávilla Paixão Côrtes, falecido em 2018, recebe homenagens até
os dias atuais, sendo lembrado, para sempre, como símbolo do gauchismo, deixando
como legado o objeto que dedicou a vida a desvendar: a história, a cultura e toda a
valorização de um povo, o povo gaúcho rio-grandense.

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