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História desta região, que vai do Senegal a Angola, revela a presença de povos, desde há
muito, conhecedores da agricultura e do ferro. Pertencentes aos milenares troncos lingüísticos
nígero-congolês ou banto, sua organização social ficou marcada por uma luta feroz contra a
natureza hostil. Ampliar as sociedades, humanizar a terra e lutar contra um clima impiedoso
foi tarefa que, desde a Antiguidade, empurrou colonos para as savanas em busca de melhores
condições de vida. A crescente desertificação do Saara, assim como o árduo desflorestamento
de áreas ao sul do deserto, convidava grupos a se estabelecerem, embora de forma dispersa,
em planícies inundáveis e sobre pequenas colinas. A escolha de tais lugares não era aleatória.
Estas eram regiões facilmente defensáveis contra ataques de feras ou gente inimiga.
Desde o século X, estas áreas de intensiva produção agrícola e cultural foram se multiplicando
por vales fluviais e terras altas, em qualquer lugar onde a enxada de lâmina estreita ou um
bastão para cavar, instrumentos da sobrevivência cotidiana, pudesse fecundar o solo. Foi
assim que no século XI, um povo, chamado por seus precursores de tellem, se instalou nas
falésias do Mali para cultivar as bordas do extenso planalto de Bandiagara. Nas frestas de
pedras, em profundas cavernas, esses agricultores estocavam grãos, enterravam seus mortos e
erguiam oferendas aos seus deuses.
A partir do século XV, tal gente vai lentamente sendo absorvidos por um povo de diversa
origem, os dogons. Criativos a ponto de aproveitar a menor gota d'água que encontrassem,
eles cultivavam o milhete ou painço. Além disso, no curso interior do rio Níger, aproveitavam
áreas favoráveis para plantar arroz de sequeiro. Devemos a eles as mais belas esculturas e as
mais coloridas máscaras de toda a África, máscaras costumeiramente guardadas por iniciados
encarregados de "conservar as almas ancestrais".
Na savana, à sombra de acácias e dos ramos angulosos de imensos baobás, eles se reuniam
por necessidade de defesa, resultando tais associações em complexas organizações político-
sociais. Aí, cada aldeia era abraçada por áreas de povoamento esparsas e separada por zonas
de terrenos incultos. Formadas em anéis concêntricos, tais áreas de povoamento, vilarejos ou
grupos de habitações se cercavam - na ordem - por terras permanentemente cultivadas,
campos de lavoura sazonal e matos externos antes do território do próximo vilarejo. Entre uns
e outros, as árvores baixas abrigavam numerosas aves, os antílopes moviam-se rapidamente
na grama alta e os predadores caçavam. Dotado de população irregular e desigual, cada grupo
estendia ou diminuía suas fronteiras de acordo com a variedade de situações: guerras;
aumento de população, secas, ameaça de temidos feiticeiros, podiam levar jovens do sexo
masculino a abrir frentes e estabelecer-se em outros territórios, nas vizinhanças.
Esta tradição migratória era responsável pela lenta multiplicação de famílias ou de pequenos
grupos que podiam se instalar ao lado de gente de origem completamente diferente. Os já
mencionados dogons reuniam originalmente grupos de tradições e línguas tão diversas que,
muitas vezes, vizinhos há poucas centenas de metros não se compreendiam. Mas foi esta
diversidade que permitiu a criação de uma sociedade extremamente móvel, pronta a se
deslocar cada vez que seus recursos pareciam limitados ou ameaçados.
Foi mais ou menos na mesma época que os ancestrais dos iorubas e dos ibos da atual Nigéria
colonizaram simultaneamente as bordas do sul da floresta e as savanas. Foram eles os
responsáveis pela construção de mais de 10.000 quilômetros de cercas para fechar suas
aldeias e territórios arrancados às matas. Cercadas por cinturões de terras cultivadas e
plantações de palma e tanchagem - planta medicinal de grandes qualidades -, as aldeias ibos
concentravam suas atividades comunitárias em praças públicas nas quais tudo acontecia: o
mercado, a feira, as festas. Mais além, a mata cerrada escondia espíritos maus. Nela, só se
aventuravam heróicos caçadores ou curandeiros.
Por volta do século I, os grupos de aldeias neste território começaram a se reunir em micro-
estados, dando início à lenta evolução política. Povos de língua do tronco nigero-congolês
original tentaram se instalar, por sua vez, na parte oeste da África equatorial. Encontraram,
contudo, caça escassa e pouco do que comer neste ambiente hostil, difícil de ser penetrado, e
rapidamente abandonaram-no aos pigmeus. Cultivadores que eram, optaram por regiões mais
favoráveis: as fronteiras com savanas, manguezais e rios ricos em peixes e margeados de
terras férteis, prontas para lavrar e plantar. Com o povo pigmeu mantiveram laços comerciais
que os permitiam trocar o inhame e a palma cujo plantio dominava. Seguindo os cursos
d'água, os pioneiros avançaram rapidamente e, por volta do ano 1000, já tinham penetrado
em toda a região. Muitos deles somaram a atividade agrícola à posse de alguns bois. Com isso
asseguravam, além do abastecimento de carne e couro, o estrume para suas roças, pois eles
praticavam não só a adubagem - misturando ao solo os restos de cozinha - como a irrigação, a
construção de socalcos nas encostas, a rotação de culturas, e a mescla de vegetais num só
trato de terra, garantindo que, se uma cultura desse errado, a outra vingasse. Vestiam-se com
fazendas de lã e algodão tecidas com formas geométricas, algumas compradas aos berberes,
outras produzidas ali mesmo. Começava, assim, um novo tempo, tempo livre do nomadismo
que tradicionalmente obrigava grupos famintos a procurar novas terras.
Nas zonas equatoriais, a agricultura exigia maior esforço coletivo do que no restante da África
Centro-Ocidental. Eram necessários, pelo menos, vinte homens para abrir, limpar e domesticar
um pedaço de terra. Os bantos do oeste viviam em grandes aldeias, a maior parte Fincada
entre a floresta e a savana, pois, desta forma tiravam o melhor partido de ambos os ambientes
naturais. Tais aldeias separavam-se umas das outras por grande extensão de terra desabitada.
Aí, as primeiras estruturas políticas importantes tomaram forma antes mesmo do ano 1000.
Apesar do enorme esforço de ocupação da terra, os habitantes da África Atlântica tinham que
lutar com afinco contra um mundo hostil, instável e agressivo. Pesquisas de historiadores e
demógrafos revelam que as doenças os atacavam impiedosamente, como sugerem as
deformidades e dores que os artistas iorubas da cidade de Ifé imprimiam às suas esculturas em
terracota. É possível que a maior parte das doenças fosse crônica e não fatal, pois as
populações tiveram muito tempo para se adaptar aos parasitas. Exceto nas regiões mais secas,
a malária era o mais fatal dos males, ceifando muitos recém-nascidos. Em razão de essa
doença não se ter disseminado nas altas terras de Camarões, a região conheceu uma
colonização intensiva.
A maior parte dos autores considera difícil reconstituir as idéias e práticas religiosas, pois essas
eram constantemente renovadas. Os africanos não islamizados não possuíam escrituras,
tinham, em lugar disto, tradições orais. E julgavam a religião por sua vivência diária, sobretudo
quando se tratava de aliviar sofrimentos e de assegurar paz, prosperidade e fecundidade. Ai,
se não funcionasse! O rei do Ndongo, atual Angola, fez executar onze fazedores de chuva
durante uma terrível seca em 1575. Um tal "pragmatismo" religioso resultava em práticas e
saberes religiosos muito diversos que aceitavam bem novidades se estas fossem válidas. As
religiões estavam, pois, sujeitas a transformações, constituindo-se num dos aspectos mais
plurais da cultura. Muitos observadores cristãos e muçulmanos se impressionaram com esse
caráter diverso e fragmentado, reforçado pela ausência de textos escritos.
Os bantos mantiveram certa homogeneidade religiosa da qual sua língua é testemunha. Certas
palavras provam que idéias sobre um espírito criador, espíritos de ancestrais e da natureza,
filtros e feitiços, rituais e feiticeiros eram comuns. Cada grupo, contudo, chegava a idéias e
práticas específicas. No século XV, por exemplo, o povo congo parece ter partilhado a noção
de que um "espírito criador" estaria acima dos demais, e que as forças da natureza e dos
ancestrais eram muito ativas. Estatuetas eram o suporte material dos avôs mortos e, por
extensão, figuras por meio das quais se recuperava e utilizava os espíritos do além. Obras de
um sacerdote especialista, único responsável por sua força mágica, tais estatuetas intervinham
para fazer frente aos problemas do cotidiano - doenças, esterilidade, conflitos de todo o tipo.
Uma abertura no dorso ou na barriga da estatueta protegia nas preparações de feitiços para as
diferentes necessidades. Havia os "bons" feitiços, favoráveis à riqueza e fecundidade. E havia
os "vingadores", encarregados de, por meios dolorosos, remediar problemas. Cada linhagem
matrilinear comunicava-se com seus ancestrais por rituais efetuados em tumbas. A fertilidade
agrícola era invocada por chefes da terra, que se servia de mediadores espirituais. Divindades
da natureza confundiam-se, muitas vezes, com figuras humanas deificadas, como é o caso de
Ogum ou Xangô, e muitos deles confundiam, também, os sexos. Já no reino Cuba, no século
XVIII, venerava-se três espíritos criadores diferentes numa mostra da complexidade da religião
e pensava-se que as ameaças naturais eram fruto de desordem social e moral. No Mali do
século XI sacrificavam-se animais para chamar chuva. No Benim, a divindade mais cultuada,
segundo alguns autores, era Olodum: ele garantia filhos e riquezas e era o benfeitor particular
das mulheres.
As crenças diziam que os mortos viviam num mundo de sombras, reproduzindo as condições
terrenas. Por isso mesmo os reis de Gana eram enterrados com seus ornamentos, sua comida,
seus servidores. Em algumas destas cerimônias, segundo cronistas europeus, matavam-se
dezenas de escravos. Na Costa do Ouro, os homens comuns, por vezes, endereçavam ao
sacrifício uma de suas mulheres ou alguns de seus Filhos. Em Bissau, quando da morte do rei,
sacrificavam-se jovens que caminhavam para a morte cantando e dançando. As pessoas eram
simplesmente decapitadas. Entre os dogons, as cerimônias funerárias incluíam danças no
telhado da casa dos defuntos, nas quais muitos mascarados participavam segundo regras
precisas. O objetivo era afastar a alma, evitando que esta voltasse, apavorando os membros da
família. Uma festa periódica permitia o uso de uma grande máscara em forma de serpente. Ela
simbolizava o ancestral morto, elemento de ligação entre o mundo dos vivos e dos mortos.
Onde havia sistemas patriarcais dominando as sociedades, prosperava o culto aos ancestrais.
De toda a forma, como resumiu o escritor angolano Mia Couto, "Em África, os mortos não
morrem nunca. Exceto os que morrem mal... Afinal, a morte é outro nascimento".
Onde a organização das aldeias era forte, a religião apoiava-se em sociedades secretas cujo
objetivo era tirar força dos espíritos para curar doenças, assegurar a fertilidade e combater
feitiços. É o caso da sociedade de iniciação Poro, presente em toda a África Atlântida. Ao longo
de sete anos, jovens do sexo masculino passavam por três fases que os permitiam acesso ao
conhecimento sobre a criação do mundo. O ensino era submetido a regras e hierarquias
estritas. Os neófitos, ou seja, os que acabavam de ingressar na sociedade, falavam uma língua
própria e cada classe portava ornamentos que as identificasse.
Os iorubas e outros povos aparentados veneravam, por sua vez, várias divindades: os orixás,
divindades da natureza (trovão, rios, arco-íris etc.) que, depois de sua deificação foram
assimilados a ancestrais fundadores de dinastias. Elas intercediam entre os homens e o deus
criador, Olodum. Entre estes orixás, Xangô, com o rosto sempre coberto pelas franjas de sua
coroa de contas, tinha um lugar especial no panteão dos deuses. Terceiro ou quarto rei de Oió,
cidade situada ao norte do reino ioruba, na Nigéria, ele era ao mesmo tempo temido no que
diz respeito à justiça e venerado por suas manifestações, que trazem chuvas regulares.
Segundo as tradições orais, este soberano tirânico teria sido destronado e enforcado na
floresta. Uma tempestade se teria abatido sobre a cidade de Oió, manifestando a cólera e a
vingança de Xangô, vingança simbolizada no trovão e no raio. Desde então, ele se tomou o
orixá dos raios, trovões e tempestades. Nas cerimônias que lhe são oferecidas, os sacerdotes
portam na mão esquerda uma cabaça e na outra, o bastão com uma figura feminina penteada
com a imagem do "duplo machado", emblema de Xangô. Esse remete tanto às pedras de raios
lançadas pelo deus durante as chuvaradas, quanto à pedra neolítica que os camponeses teriam
encontrado nos campos e interpretada como um presente seu.
Os iorubas e outros povos aparentados serviam a um orixá quer por herança, quer porque a
divindade, por intermédio de um adivinho, os teria escolhido. Alguns orixás eram reconhecidos
em certas aldeias ou cidades, outros, em toda uma área cultural. Os seus adoradores podiam
reunir-se e formar um grupo local provido de templo, imagens, sacerdotes, rituais coletivos e
uma função no intenso e colorido ciclo de festas. A adivinhação também era largamente
utilizada. Nela, destacava-se o Ifá, sistema no qual um profissional escolhia, entre várias
centenas de versos memorizados, aqueles que servissem ao consulente.
As coisas mudam quando surge o Islã. Esse se expandiu pela savana, em boa parte, graças ao
comércio. Onde houvesse entrepostos ele se instalava. O Alcorão chegava junto com as barras
de sal, os fardos de tecidos, os cestos, os objetos de cobre e os alimentos. Ia se insinuando,
graças ao prestígio de que gozavam estas comunidades de mercadores. A gente local, devota
de divindades ligadas à terra, às águas, às árvores, temia e respeitava este misto de
comerciantes e sacerdotes, que perambulavam com talismãs ao pescoço - saquinhos de couro
contendo um trecho do Corão - capazes de protegê-los de feitiçarias e inimigos. Além disso,
previam o futuro, cuidavam dos enfermos e rezavam para chover. Estes mercadores aparecem
nos livros como uângaras ou diuias.
No século XIV os tuaregues se convertem à nova fé. Nascem um grupo clerical, os kuntas,
afiliado a uma das mais importantes fraternidades consagradas à penetração do Islã. No
Bornu, entre 1574 e 1728, ao menos doze de seus soberanos fizeram viagens a Meca,
passando pelo Cairo com enormes caravanas. Para a mesma época, há indicações de
islamização extensiva nos campos. A dinastia Songai enraizada na curva do Níger se manteve,
todavia, fiel à religião local. Sua queda, em 1493, ocasionada por uma coalizão de oficiais e
clérigos dirigidos por ásquia (rei) Mohamed delongai, foi o primeiro golpe de Estado islâmico
na África Atlântica. Entre os haussás, no fim do século XV, os soberanos das cidades-estados de
Cano, Zaria e Katsina eram muçulmanos, mas isto não evitou tensões e resistências. Na última,
um reputado centro de educação, conservavam-se ritos pagãos de coroação. O palácio, apesar
do islamismo, era um bastião de culto aos espíritos.
No sul, a expansão foi mais difícil. Grupos islâmicos vindos do norte da África e até do Oriente
Médio pelo Sael, chegaram entre os iorubas no século XV. Mas, aos fins do século XVIII, o clero
dos Estados haussás considerava que os iorubas pagãos podiam ser reduzidos à escravidão.
Tanto religiosos muçulmanos quanto cristãos consideravam as religiões africanas obras do
diabo. No reino Kano, islâmicos abateram árvores sagradas de onde saíam, segundo eles,
"estranhos demônios", para construir mesquitas no lugar. Os africanos consideravam os
muçulmanos poderosos feiticeiros. A crônica de Gonja, coleção de antigos documentos sobre a
história do continente, revela que o rei se converteu depois de ter constatado a superioridade
muçulmana na guerra. A hermética sociedade Poro fez de um deles membro, apenas para
protegê-la de seus inimigos. Os amuletos de origem islâmica eram particularmente apreciados.
O islamismo mudou até a genealogia dos reis negros. No Mali, diziam-se descendentes do
muezim - aquele que anuncia em voz alta, as horas de preces - do profeta Maomé. No Kanem,
atual Chade, os soberanos afirmavam ter origens no Oriente Médio. O Islã oferecia aos
africanos do oeste uma idéia mais precisa do Criador e das maneiras de se aproximar dele,
poderosas visões do paraíso e do inferno, um sentimento de destino a atingir e uma
cosmologia sob autoridade da revelação divina.
Nas cidades haussás do Bornu tudo isto foi adotado, mesmo por aqueles que continuaram
adeptos do panteão local. Alá fundiu-se com o espírito criador. Emprestou-se da nova fé a
idéia de anjos e demônios. Adotou-se a idéia de uma figura profética capaz de revelar o saber
divino aos homens. Resultou disso uma variedade de crenças que os soberanos encorajavam
na preocupação de manter a harmonia. Ibn Batuta viu, assim, o rei do Mali celebrar, de
manhã, o ramada, indo, à tarde, ouvir os feiticeiros vestidos com máscaras de pássaros cantar
louvores à dinastia reinante. Conta-se que um soberano de Jené fez construir uma mesquita
dividida em duas partes: uma para muçulmanos, outra para pagãos. Até o século XVIII,
sacrificavam-se animais para Alá, na corte de Katsina.
Portanto, na sua terrível luta contra a natureza, os africanos se preocupavam, sobretudo, com
a prosperidade e a harmonia no seio do mundo terrestre. Este ideal era encarnado pela figura
do "grande homem", rico em armazéns de grãos, em gado, em ouro e, sobretudo, em escravos
prontos para assegurar trabalho, segurança e poder. A poesia traz inúmeras imagens sobre
essa existência ideal feita de riquezas, mulheres, filhos, títulos e uma longa vida. A busca da
prosperidade levava a um espírito de reciprocidade, provado através da distribuição de
bebidas, comidas a todos. O resultado é que não havia acumulação sem redistribuição. A
fortuna - arziki, em haussá - se perdia facilmente onde a natureza era hostil e a morte se
mostrava tão presente. Num mundo onde não faltavam terras, pobres eram aqueles que não
podiam trabalhar, porque eram velhos, mutilados ou muito jovens, ou porque não podiam
contar com a parentela para sobreviver. Fora do quadro familiar, a proteção era informal.
Fonte: MARY DEL PRIORE E RENATO PINTO VENÂNCIO - ANCESTRAIS - UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA ÁFRICA ATLÂNTICA.
Todo este enorme esforço não se conseguiu sem o ataque impiedoso de diversas doenças que
sofriam, através do contágio dos mais variados parasitas. Doenças crônicas que deformavam
as populações, originavam muitas dores e que ficaram retratadas nas imagens de terracota
deixadas pelos artistas iorubas da cidade de Ifé. A malária era das mais mortais, pois ceifavam
muitas das crianças recém-nascidas. "A mosca tsé-tsé, portadora de tripanossomíase - parasita
da doença do sono - infestava, por sua vez, inúmeras terras ribeirinhas da África central" e era
em geral crônica. Conhecia-se também aqui, uma forma benigna de varíola. O consumo de
água imprópria originava as mais diversas doenças e sofrimentos às populações. Um dos
vermes conhecido como da Guiné, nematóide que se instalava sob a pele, - matacanhas, como
se chamava em Angola, - também era causa freqüente de muito sofrimento.
Por estas razões, um dos provérbios dos iorubas sublinhava que "sem filhos, estás nu." No
Benim, um dos primeiros viajantes sublinhava que "a mulher fértil era muito considerada e a
estéril era desprezada." A sua fecundidade tornar-se-ia num dos temas recorrentes da arte.
Mesmo não havendo dados fiáveis, a esperança de vida ao nascer, desde o século XVI ao XVIII,
era de 25 anos. Testemunhos, diminutos, contam que as mulheres casavam logo que
pudessem ter filhos e que, em média criavam seis filhos, os quais amamentavam até aos
quatro anos. O sistema de poligamia era tido como natural, pois, o ter várias mulheres e
muitos filhos significavam ter braços para o cultivo das terras. "Amplas linhagens familiares
simbolizavam todo o prestígio de um homem." A competição pelas esposas originou muitos
conflitos e o casamento teve as mais diversas formas, desde o rapto, ao pagamento de dotes à
família da mulher.
A poligamia era, por isso, um sistema que privilegiava os homens ricos e que se manteve ao
longo de muitos séculos. As crianças eram adoradas dentro das famílias, mas as lutas entre os
jovens e os velhos manifestavam-se pelas mais diversas razões. "Entre fons, iorubas e Ibos,
havia vantagem em ser idoso. A idade garantia o acesso às mulheres, aos deuses e os jovens só
lhes dirigiam a palavra de joelhos ou de cócoras."
Todo o labor que permitia a sobrevivência era, de uma maneira geral, semelhante, mas o
trabalho das mulheres variava de cultura para cultura. "Podia ser preponderante como os
anjicos, do lago Malebo, no atual Zaire; ou podia ser mínimo como ocorria entre os iorubas."
As mulheres plantavam e retiravam as ervas daninha. Em alguns grupos da floresta e da parte
sul da savana as mulheres ocupavam-se do pequeno comércio com certa autonomia. Em
Bornu, na savana do Sudão, as mulheres dos monarcas assumiam tal poder que lhes permitia
tomarem decisões políticas e controlarem territórios. Estes poderes contrastavam com os das
camponesas que lavravam as terras e muito mais com as atividades das escravas. Eram
sociedades bem organizadas e que tinham por base, na maioria das regiões, uma casa grande
dirigida por um "grande homem" rodeado de mulheres, filhos, irmãos menores, parentes
pobres e dependentes, que constituíram os grupos essenciais de colonização na África
Ocidental.
“... Os mandês, grandes comerciantes de ouro, circulavam entre Bambuk e Buré, na Sene
Gâmbia" passavam por Tombuctu e vendiam aos árabes e berberes. Tinham uma bem
organizada atividade comercial, assente na estrutura familiar e com um código de honra que
surpreendeu os portugueses quando os conheceram: "E se fiavam uns dos outros, sem
conhecimentos nem escrituras, e sem testemunhas." Valentim Fernandes contou que "se um
devedor morresse um seu filho ou herdeiro não deixava de pagar a dívida." Por esta altura o
comércio de escravos era uma fonte de enriquecimento e, por isso, os hauçás juntavam-nos às
suas famílias em grande número. "No século XVII, o domicílio de um notável numa cidade da
Costa do Ouro, podia ter até 150 pessoas. O de outro no Reino do Congo, centenas. (...) Os
dados relativos aos reinos do Congo, entre os séculos XVII e XVIII, permitem inferir que as
famílias de agricultores pobres tinham em média cinco ou seis pessoas e ligavam-se por laços
de parentesco. Num e noutro caso a organização social era dominada pela família."
Fonte: http://wwwanamarialima.blogspot.com.br/2012/05/ancestrais-o-berco-africano_02.html
Os africanos que não estavam ligados ao Islã não tinham escrituras, por isso eram as tradições
orais que regiam as suas vidas. A religião fazia parte do quotidiano, ”sobretudo quando se
tratava de aliviar sofrimentos e de assegurar paz, prosperidade e fecundidade." Quando não
funcionavam as suas técnicas e tradições, era muito perigoso, pois "o rei Ndongo, atual
Angola, mandou executar onze fazedores de chuva durante uma terrível seca em 1575. (...) As
religiões estavam, pois sujeitas a transformações, constituindo-se num dos aspectos mais
plurais da cultura. Muitos observadores cristãos e muçulmanos impressionaram-se com esse
caráter diverso e fragmentado, reforçado pela ausência de textos escritos. (...) No século XV,
por exemplo, o povo Congo parece ter partilhado a noção de que um 'espírito criador' estaria
acima dos demais, e que as forças da natureza e dos ancestrais eram muito ativas. Estatuetas
eram o suporte material dos avós mortos e, por extensão, figuras por meio das quais se
recuperava os espíritos do além. (...) Onde havia sistemas patriarcais a dominar as sociedades,
prosperava o culto dos ancestrais. De toda a forma, como resumiu o escritor Mia Couto, «em
África, os mortos não morrem nunca. Exceto os que morrem mal...Afinal a morte é um outro
renascimento.»"
As sociedades africanas ocidentais não seriam, até ao século XV, muito diferentes de algumas
européias, uma vez que umas, como outras, tinham uma população essencialmente rural que
dependia do trabalho familiar para sobreviver. Viviam o seu quotidiano sem imaginar o êxodo
dramático que iriam sofrer milhões de africanos, com o estabelecimento das rotas do
comércio de escravos.
«Algo entre quinhentos e setecentos mil cativos alimentavam, anualmente, rotas tradicionais
da África do Norte e da África Oriental. Quem eram esses povos devorados pela engrenagem
do esclavagismo moderno?..."africanos" eles não eram... À custa de muitas pesquisas,
historiadores identificaram as designações dos povos existentes. John Thornton, por exemplo,
reconhece, em relação à África Atlântica, a existência de 152 unidades políticas
independentes. Cada uma delas dava origem a uma designação étnica diferente. Tratava-se de
povos que não se nomeavam como "africanos," mas sim de Jalofos, Fulas, Falupos, Limbas,
Malis, Acanes, Savés, Kanos, Lubas, Bijagós, Iorubás, Itsequiris, Ibibios, Manhis, e dezenas de
outros termos...»
A divisão fragmentada do poder político explica, em parte, segundo os autores, o sucesso dos
europeus na África Atlântica. Com muita freqüência os escravos eram prisioneiros de guerra
entre estados rivais. Eles, é inegável, já existiam antes da chegada dos europeus.
No entanto, também havia na África Atlântica, conforme os locais, uma escravatura tida por
doméstica, de "linhagem ou parentesco," que só se tornou comercial depois da chegada dos
colonos europeus. As próprias sociedades africanas tiveram uma assumida cumplicidade na
eficácia do tráfico e, provavelmente, a existência da escravidão na África Atlântica pré-
colonial, facilitou o rápido abastecimento dos navios negreiros. Os europeus não inventaram a
escravidão, tornaram-na sim, uma instituição comercial. As doenças, como o banzo, as revoltas
e assassinatos de brancos, a resistência por parte dos cativos, que jamais aceitou essa
condição, o medo e a morte passaram a conviver quotidianamente com traficantes e
traficados.
Hoje, debate-se se o tráfico foi motivo para o atraso do continente africano. Especialistas
como Paul Lovejoy ou Richard Eltis discutem se essas causas poderão ter levado a África a não
progredir, ou se a venda de escravos pouco interferiu na sua realidade econômica. Segundo os
autores, "nem todas as regiões da África sofreram o mesmo mal... a África Atlântica dizia
respeito a um território específico. O tráfico marcou manifestamente as sociedades do litoral,
que dele tiravam a sua subsistência."
Falar dos ancestrais que indelevelmente foram marcados por este tráfico, mostrar o contributo
cultural e civilizacional que eles deram à colonização do Brasil, é a marca deste trabalho. Léo
Frobenius exclamava entusiasmado quando estudava o Reino do Congo: «civilizados até ao
tutano dos ossos!» O fato é que os portugueses quando ali chegaram encontraram uma
sociedade organizada à maneira africana, com uma hierarquia própria de um estado. As
fronteiras não eram definidas por limites físicos, "mas por todo um conjunto de influências
exercidas por famílias e clãs. O reino era desta perspectiva, uma manta de retalhos, os
sobados, constituídos por pequenos chefes chamados pelos europeus sobas. (...)
O planalto que se estendia para além da serra Muzumba era constituído por um verdejante
arvoredo e pequenos vales úmidos. Aí, segundo Joseph Miller, a população dedicava-se à
agricultura, produzindo variedades de painço e sorgo. Tirava-se o máximo proveito das épocas
de chuva a fim de produzir o máximo de alimentos para os meses secos do ano, que iam de
Maio a Setembro. Completava-se a dieta básica com vegetais e frutos silvestres... “A estes se
acrescentava a caça” A arte de caçar era ensinada aos jovens, que tinham autênticos ritos de
iniciação e que obedecia a certa magia. Aprendiam "a reproduzir o barulho dos animais e a
reconhecê-los, apesar da extrema variedade de aves e roedores. O tempo de aprendizagem
durava dois anos e a atividade era cercada de interditos." Não podiam apontar com o dedo
para a caça, mas sim com a flecha e tinham que ter utensílios especiais para guardá-la.
Abstinham-se de se unir às mulheres no dia em que antecedia a partida para uma caçada.
Formavam associações de caçadores experimentados que eram os verdadeiros mestres e
criavam-se laços pessoais e até políticos.
A pesca era uma ocupação permanente nos meses mais secos e à economia familiar juntava-se
a criação de galinhas e cabritos. O gado bovino era criado nas partes mais altas para evitar a
mosca tsé-tsé. Todas estas ocupações eram muito antigas, pois, segundo o historiador Jan
Vansina, por volta de 400 a.C. instalaram-se agricultores, que falavam um tipo quicongo, "ao
sul do baixo rio Zaire, onde cultivavam inhame, legumes e dendém. Do século II ao século V
este povoamento teria sido reforçado por grupos vindos do leste, que falavam outras línguas
bantas." Cultivavam e armazenavam cereais e criavam gado onde fosse possível. A cultura da
banana terá sido introduzida ao longo do século VI, o que veio melhorar e aumentar a dieta
destes povos. Progrediram em organização sócio-política e os sucessivos chefes espalharam-se
desde o litoral até as nascentes do rio Malebo.
Terá sido aqui, segundo J. Vansina, que se formou o Reino do Congo por volta de 1400. Esta
monarquia centralizava o poder nas mãos de ntotila, o rei, que controlava as rotas comerciais
que uniam as regiões do Norte a Sul do rio Zaire. A sua entronização fazia-se através de rituais
complexos que comprometiam as diversas linhagens a uma veneração e obediência suprema.
"Entre os séculos XV e XVII, este estado único ia do planalto de Benguela ao planalto Bateke, e
do litoral atlântico até ao rio Cuango. Incluía a bacia do rio Inkisi e todas as terras ao Sul do
Loge. (...) A fraqueza do reino encontrava-se na sucessão ao trono: a ausência de regras criava
facções opostas e alimentava a instabilidade político-militar.
A capital, Mbanza, na qual morava o rei, e onde se cruzavam as rotas comerciais, contava,
quando da chegada dos portugueses, cerca de 100.000 habitantes. Maior do que Évora, no
entender de um observador estrangeiro, a cidade estava protegida por uma paliçada defensiva
e possuía uma praça central onde os visitantes eram recebidos, as coroações proclamadas,
planteis importantes de escravos negociados e a justiça era feita. “Segundo John Thorton, era
um lugar de concentração de riqueza e de residências da elite, local onde os primeiros viajantes
portugueses se maravilharam com a qualidade da construção das casas e, especialmente, dos
tecidos que decoravam as suas paredes.”
Este reino, dividido entre o campo e a cidade capital, tinha três estratos sociais bem definidos:
a nobreza, os camponeses e os escravos. O primeiro estrato detinha o poder de comando. A
poligamia originava uma descendência real plural e diversa. A descendência da mãe é que
dava o direito à posse das terras e decidia a própria sucessão no governo das aldeias. A
centralização militar era uma realidade obtida pela posse de "uma guarda composta de cerca
de dezesseis a vinte mil escravos," que se tornava numa espécie de exército privado.
No que se refere à concepção religiosa, o reino tinha três cultos com um papel importante: o
dos ancestrais, o dos espíritos territoriais e o dos feiticeiros. A realeza era considerada
sagrada, porque constituía o poder de harmonizar as relações dos homens com a natureza. O
rei era o "criador supremo."
Quando em 1482, Diogo Cão chegou à embocadura do rio Zaire e estabeleceu relações com o
governador do Soio, soube-se em Lisboa da existência do Estado do Mani Kongo. Com ele
vieram para Portugal, quatro congoleses e em troca ficaram quatro portugueses como reféns.
Em 1484, voltou com uma embaixada enviada pelo rei de Portugal, contemplando os
congoleses com muitos presentes e promessas de amizade. Diogo Cão recebeu os reféns que
tinha deixado e foi recebido com muita alegria por Nzinga-a-Nkuvu. Passados três meses
regressou do país que é hoje o Zaire, e trouxe com ele, Caçuta, um familiar do rei. D. João II e
a rainha, que estavam em Beja, receberam-no e fizeram questão de serem seus padrinhos.
Batizaram-no com o nome de D. João da Silva. A mensagem que Caçuta e os seus
companheiros traziam para o rei português era um pedido do rei do Congo para lhe enviar
padres, lavradores para introduzir gado bovino e quem ensinasse às mulheres a fazer pão.
A desmedida ambição dos lucros fáceis, graças ao comércio de escravos e de outros produtos,
veio sobrepor-se às intenções iniciais. Quando D. Afonso I morreu, tinham-se frustrado as suas
tentativas para modernizar o reino do Congo. Os seus sucessores deixaram que o reino
definhasse. As sucessivas guerras com o vizinho Ndongo e uns tios do lago Malebo, entre 1575
e 1576 levaram à desorganização total que permitiu o avanço dos Jagas. Cadornega
considerou-os como profissionais de guerra ao manusearem as machadinhas afiadas, para
matar os inimigos. "Alencastro compara-os a «um rolo compressor multiétnico» organizados
em torno de quilombos, e que, graças ao ferro de fundição, fabricaram azagaias, pontas de
flecha mortíferas com que sacudiram o Congo e Angola a partir do século XVI."
Os Jagas, segundo um estudo de Joseph Miller, eram oriundos da Lunda, cujo chefe Tshinguli, a
tinha deixado para fundar um novo estado perto da fronteira. No século XVI, logo no início,
havia um segundo reino, de Tshinguli, instalado entre os rios Luando e Jombo, no atual Songo.
Os habitantes chamavam-se a si mesmo de imbangalas. "Acompanhado de outros chefes - os
macotas - Tshinguli encontrou o apoio dos quiocos." Os portugueses tiveram os primeiros
contactos com estes povos na embocadura do rio Cunene e chegaram a estabelecer uma
aliança. Quando Paulo Dias de Novais "fundou" a colônia em 1579, com o objetivo de ampliar
o tráfico de escravos, vê-se confrontado com a exigência da metrópole, em 1579, de cumprir
os seus contratos de colonização. O rei de Ndongo mandou matar todos os portugueses que
estavam no seu reino, e deu-se início a uma guerra que iria durar até 1671.
Entre 1584 e 1585 os Jagas estavam em Benguela e continuariam a sua saga. De 1612 a 1617,
comandados por Kasange, ocupam grande parte do reino. Houve, até 1618, um tratado de paz,
entre Bento Cardoso, governador de Angola, e o jaga Kulashingo ou Kasange, como era mais
conhecido. Por esta altura dá-se a imigração imbangala para as terras do rio Kuango. Este reino
vai consolidar-se nesta região nos anos seguintes.
Entre 1622 e 1623 foi assinado um tratado de paz com o rei Ndongo. Ele fez-se representar
pela sua irmã Nzinga Mbande, ou Jinga. Batizada com o nome português de Ana de Sousa ou
de Luanda, Jinga, mostrou-se inimiga dos portugueses, e comandou um partido antilusitano.
Quando o irmão morreu, Jinga, que era filha de uma escrava, veio a ser regente e depois
rainha. Para consegui-lo travou lutas por toda a parte, porque havia mais sucessores ao trono.
Entre estes, estava um macota Ari Quiluange, que foi apoiada pelos portugueses, mas Jinga
venceu tudo e todos, ao apoderar-se do reino da Matamba, tendo feito escrava sua, marcada a
ferro, a rainha deste vasto território.
Lançou impostos, impôs mudanças ao tráfico de escravos, fez com que aterrorizassem as
caravanas dos pombeiros, e concentrou nas suas mãos todo o comércio de escravos, da
imensa região que ia da Matamba até ao alto Cuanza. O seu enorme poder adveio de se ter
tornado na maior vendedora de escravos da região. Então, como era inimiga dos portugueses,
quando chegaram os holandeses a Luanda em 1641, apoiou-os de imediato. Nesse mesmo
ano, Garcia II tornava-se rei do Congo, e juntava-se aos holandeses, apesar de ter estabelecido
uma aliança com o Vaticano que dificultava o avanço dos portugueses. Por sua vez, os povos
da região obtinham armas e pólvora vendidas pelos holandeses, o que os portugueses não
faziam. A mercadoria mais cobiçada - os escravos - tinha novas formas de pagamento e
melhores rendimentos.
Esse bom entendimento levou a que uma embaixada africana fosse ao Recife, levar a Nassau,
governador holandês, questões pendentes entre Manicongo e um seu soba, o Conde de Soio.
Nassau terá recebido de presente 200 escravos e uma bacia de ouro. O cronista Barléus
informa que o manicongo recebeu em troca "um manto comprido, todo de seda, com fímbrias
de ouro e de prata, uma banda, um gibão de cetim, um chapéu de pele de castor, com cordão
entretecido de ouro e de prata. Ao conde de Soio foi oferecida uma cadeira estofada de cetim
vermelho, com franjas de ouro e prata; um manto muito comprido de cetim variegado, uma
túnica de veludo e também um chapéu de pele de castor." Haverá, segundo Barléus, uma
segunda embaixada que ele descreve com minúcia. O mesmo historiador holandês conta que
nessa primeira metade do século XVII «o rei do Congo se ufana com estes títulos e
denominações: Mani Congo, por graça de Deus, rei do Congo, de Angola, de Matamba, Ocanga
Cumba, Lunda, Zura; senhor do ducado de Buta, Suda, Bamba, de Amboíla e suas províncias,
senhor do condado do Soiho, Angola e Cacongo e da monarquia dos Ambondaras e do grande
e maravilhoso rio Zaire.»
Em 1640, quando Portugal volta aos seus domínios, vira-se para Angola e "António I
Manimulusa do Congo foi derrotado em 1665. Em 1671, o último vestígio do Ndongo foi
conquistado e cerca de 1680 a paz foi imposta a Matamba, Kasange e aos chefes do Sul do
médio Cuanza."
"Em Angola, o tráfico foi organizado pelos brasileiros que forneciam capital, navios e
mercadorias européias e agiam em aliança com os organizadores de caravanas e os traficantes
afro-portugueses. (...) Assim começou o grande tráfico que atingia a sua maior amplitude no
século XVIII."
Ao terminar esta breve resenha continuo ainda com as palavras dos autores que nos dizem: "A
história da África Atlântica está intimamente relacionada com as transformações do tráfico
internacional de escravos. O então denominado comércio de almas esculpiu o recorte
geográfico africano, cuja posse foi disputada por vários reinos europeus... Como vimos a
compra e venda de cativos, no início da Época Moderna, não consistiu num desvio de
sociedades empobrecidas, nem muito menos numa resposta a crises econômicas conjunturais.
Muito pelo contrário, o tráfico compôs a espinha dorsal de prósperas companhias comerciais
européias e de fortunas acumuladas por mercadores coloniais que, bem antes do surgimento
do capitalismo, contribuíram para a criação de circuitos de troca à escala mundial. ... De
disputa em disputa, o tráfico internacional de escravos cresceu até fins do século XVIII. Por essa
época começam a surgir vozes discordantes. Os movimentos liberais e democráticos europeus
viam na escravidão a forma mais condenável de exercício de poder absoluto. A desaprovação
dessa forma de trabalho havia deixado de ser um fenômeno periférico, de intelectuais ou
religiosos isolados, passando a contar com o apoio de multidões."
A França aboliu o tráfico entre os anos 1794 a 1802. A Inglaterra e os Estados-Unidos proíbem-
no em 1807/1808. "Entre 1803 a 1836, da Dinamarca a Portugal, praticamente todos os países
europeus se desligam dessa prática. Até 1850, o tráfico deixará de existir no Novo Mundo."
Esta é a interrogação com que os autores concluem o seu trabalho. Outro terá que ser feito
para responder a essa pergunta.
«Quando podiam vender seus prisioneiros, os reis os engordavam, cuidavam deles, e os faziam
trabalhar pouco; agora, não sabendo o que fazer com eles, os degola aos milhares por não
terem que alimentá-los ou os trancam nas suas cabanas, acorrentados, sem roupa, sem um
grão de milho, esperando o seu dia...»
Não podemos saber da total veracidade destes fatos registrados. No entanto, por tudo o que
nos foi dado ouvir nas aulas da História da Escravatura e ler nos diversos estudos que fizemos
e que reputamos como fatos históricos, ficamos com uma profunda e dolorosa visão, deste
inferno que foi o sistema escravagista.
Fica-nos a convicção que todas as etnias que vieram para a construção do Novo Mundo
deixaram mesmo um Mundo Novo, nos contributos dos seus cantos e danças, na sua alegria,
na sua vasta cultura que legaram por herança, nas suas lágrimas e dores e no seu perdão por
tantos infortúnios sofridos. Que os povos, que nós próprios sejamos merecedores das suas
dádivas, da sua vida.
BIBLIOGRAFIA
ALENCASTRO, Luís Filipe de, O Trato dos Viventes, Formação do Brasil no Atlântico Sul
séculoXVI e XVII. S: Paulo, Companhia das Letras, 2002.
BETHENCOURT, Fancisco e Kirti Chauduri, História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Círculo dos
Leitores, 1998.
PRIORE, Mary Del, e Renato Pinto Venâncio, Ancestrais, Uma Introdução à História da África
Atlântica, Rio de Janeiro, Elsevier Editora, Lda, 2004.
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Provérbios africanos
"O tolo têm sede no meio de água." - Autor: Desconhecido
"Se você está construindo uma casa e um prego quebra, você deixa de construir, ou você
muda o prego?" - Autor: Desconhecido
"O cavalo que chega cedo bebe a água boa." - Autor: Desconhecido
"Aquele que não cultiva seu campo, morrerá de fome." - Autor: Desconhecido
"Quando um rei tem conselheiros bons, seu reino é pacífico." - Autor: Desconhecido
"O conhecimento é como um jardim: se não for cultivado, não pode ser colhido." - Autor:
Desconhecido
"O vento não quebra uma árvore que se dobra." - Autor: Desconhecido
"Uma filha tola ensina a sua mãe como carregar as crianças." - Autor: Desconhecido
"Não importa quanto longa seja a noite, o dia virá certamente." - Autor: Desconhecido
"Quando a lua não está cheia, as estrelas ficam mais brilhantes." - Autor: Desconhecido
"O coração do homem sábio encontra-se quieto como a água límpida." - Autor:
Desconhecido