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Aula 4º

OS HAUÇAS

Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Costa_da_Mina. Acesso em: 11/12/2019.

Velocidade é violência Os nossos territórios convergentes encontram-se


Poder é violência Eu chego com poder suficiente para dois
Peso é violência E a gentil borboleta oferece-se
A borboleta procura segurança na leveza Num sacrifício amarelo e brilhante
Na imponderabilidade e ondulação do voo Contra o meu duro escudo de silício.
Mas numa encruzilhada onde a luz mosqueada Borboleta
Cai das árvores numa nova estrada rude Chinua Achebe

Caros(as) alunos(as), chegamos a metade de nossa viagem. Agora nos deparamos com os povos
dos atuais países como Niger e Nigéria. Deles herdamos um grande complexo cultural. Sobre os Hauças,
de forma mais específica, é importante percebermos sua complexidade, demonstrando mais uma vez, a
percepção equivocada que possuímos da história dos povos africanos.
Bons estudos!

Objetivos de aprendizagem

Ao término desta aula, vocês serão capazes de:

• identificar uma complexa estrutura política, com a formação de importantes Estados Centralizados;
• verificar uma economia diversificada por meio de atividades como agricultura, artesãos, tecelões, metalurgia e, com
ênfase, para o comércio escravista;
• perceber a especificidade da estrutura escravista entre os hauças, em relação aos outros povos africanos, demonstrando
a pluralidade de formas que o escravismo adquiriu no continente africano.
História da África 24
origem sudanesa e influência berbere.
Seções de estudo
A zona tradicionalmente habitada pelos haussa
(hawsa) situa-se na região que vai dos Montes Air
1. Origem dos Hauças (Azbin), ao norte, até as bordas setentrionais do
2. Transformações políticas dos séculos XV e XVI Planalto de Jos, ao sul, e da fronteira do antigo
Reino do Bornu, a leste, até o Vale do Níger,
a oeste. Nessa área, o haussa é a única língua
1 - Origem dos Hauças indígena conhecida, desde tempos muito antigos.
Atualmente é a língua dominante na zona das
savanas do Sudão central (SILVÉRIO, 2013, p.
468).

Os primitivos hauças viviam em pequeninas comunidades


agrícolas, aldeolas formadas por grupos de famílias com roças
contíguas. O clã dos hauças é patriarcal. Eram agricultores,
tecelões, artesões de couro e ferreiros. O historiador Alberto
da Costa e Silva explica o crescimento da importância da região
para o comércio africano e transatlântico dos primeiros séculos
da Era Moderna.
No correr do século XVII, os navios europeus
arrancaram da África mais escravos do que
os caravaneiros do Saara. Calcula-se que se
embarcaram em média, anualmente, no primeiro
quartel do Seiscentos, 13.100 negros, 12.100
Figura 15: Os reinos do mundo Iorubá. Disponível em: https://www.bing.com/
no segundo, 18.600 no terceiro e 30.900 no
images/search?1. Acesso em: 07 dez. 2019. quarto, o que dá uma soma, para todo o século,
de 1.868.000 corpos. Nos cem anos anteriores,
Há diversas explicações sobre esses povos. Adamo (2010, eles não teriam superado os 325 mil. O comércio
p. 303-304) registra que atlântico de escravos crescia, portanto, a saltos,
pois não passara de cerca de 3 mil por ano, entre
A lenda popular sobre a origem dos Haussa 1551 e 1575, e de uns 5.600, entre 1576 e 1600.
evoca a partida do príncipe Bayajida de Bagdá Enquanto isso, o tráfico para o mundo islâmico
para oeste, em direção ao Kanem-Bornu. Ali, o branco mostrava-se quase estacionário: por volta
mai(rei) deu-lhe a mão da filha em casamento, de oito mil por ano, dos quais cerca de cinco mil
mas privou-o da escolta. Com medo do mai, corresponderiam aos escravos que atravessavam o
Bayajida fugiu novamente para oeste, chegando, Saara, dois mil aos que cruzavam o mar Vermelho
algum tempo mais tarde, a uma cidade cujos e mil aos saídos dos vários portos do Índico. O
habitantes eram impedidos de alcançar a água espantoso aumento das vendas ao Atlântico, para
por uma serpente chamada sarki(chefe). Com atender à expansão da demanda de mão de obra
sua espada, o príncipe matou a serpente; como nas Caraíbas e no Brasil, não tinha, portanto,
recompensa, Daura, a rainha local, esposou-o como contrapartida a queda nas exportações para
e também deu-lhe uma concubina gwari. Do o mundo muçulmano. É possível até que estas se
casamento com Daura, nasceu-lhe um filho tenham incrementado, sobretudo na viragem do
chamado Bawogari; a concubina deu-lhe outro século XVI para o XVII, quando a conquista de
menino, que foi denominado Karbogari ou Songai pelos marroquinos e a subsequente guerra
Karafgari (conquistador de cidades). A cidade de resistência dos ásquias geraram um enorme
passou a se chamar Daura. Bawogari, que sucedeu volume de cativos (COSTA E SILVA, 2011, p.
o pai, teve seis filhos, três pares de gêmeos, que 347).
se tornaram chefes de Kano e Daura, Gobir
e Zazzau (Zegzeg ou Zaria), Katsina e Rano; O poder político era concentrado em linhagens. À medida
juntamente com Biram, governado pelo filho que a aldeia ou “Gari”, em hauça, expandia-se, o poder era
que Bayajida teve com a princesa de Bornu, concentrado nas mãos de um chefe, cuja escolha era advinha da
estes Estados formaram os hawsabakwai, os sete descendência do fundador da comunidade. Os garis cresciam
(Estados) haussa. Os filhos de Karbogari também uns mais depressa que os outros. E, quando um se sobressaia,
fundaram sete Estados: Kebbi, Zamfara, Gwari,
colocava o outro sob seu senhorio. A rápida expansão das vilas
Jukun (Kwararafa ou Kororofa), Yoruba, Nupe
hauças – bem localizadas próximo aos rios, regatos, fontes ou
e Yawuri, chamados de banza bakwai, os sete
bastardos ou os sete imprestáveis. lençóis subterrâneos, em região de pouca chuva, solos férteis
(algodão) – favoreceu o crescimento e o fortalecimento destas
A expressão Hauça ou Haussa pode significar “língua aldeias.
leste”, como em Songai. O povo que recebe este nome soma Mais tarde, elas se tornaram cidades – estados/Birni
20 milhões de indivíduos dispersos entre o Niger meridional, (significado militar), quando abrigaram novos imigrantes e
Nigéria setentrional e uma pequena parte no Tchad. Com consolidaram um refúgio seguro contra ataques dos inimigos.
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Como consequência, dominaram o comércio transaariano Além de ser um território rico em minério de ferro.
junto aos árabes. Segundo Silvério:
De acordo com a lenda Kano e Rano tornaram- Depois da agricultura, o artesanato era a atividade
se sarakunanbabba (os reis do índigo), pois sua mais importante para a economia haussa, desde
principal ocupação era a produção e tintura de bem antes do século XIV. A indústria têxtil
tecidos; Katsina e Daura foram denominadas ocupava o primeiro lugar. O trabalho em metal
sarakunankasuwa (os reis do mercado), pois todo era artesanato muito antigo, e os ferreiros tinham
comércio concentrava-se nestas cidades. Gobir papel muito importante. Também a cerâmica era
era sarkinyaki(o rei da guerra), e sua função era a fabricada normalmente. O local preferido para os
de defender as outras cidades contra os inimigos intercâmbios comerciais era o mercado (kasuwa).
do exterior; Zazzau (Zegzeg ou Zaria) tornou-se Há pouca informação sobre as moedas utilizadas
sarkinbayi (o rei dos escravos), pois fornecia mão nas atividades comerciais, mas pode-se supor
de obra servil às outras cidades haussa (ADAMU, que, nessa época, a troca dominasse as transações
2010, p. 304). regionais. As principais unidades monetárias
eram fitas de algodão – sawage, em haussa –, sal
Segundo Valter Roberto Silvério “a aparição de Estados e escravos (SILVÉRIO, 2013, p. 474, grifos do
centralizados parece estar ligada ao estabelecimento de grandes autor).
cidades chamadas birane (singular: birni), como centros de
Quanto à religião, acreditavam em um Deus supremo
poder político” (2013, p. 468). Birni tornou-se então um
(distanciado do mundo) Ubanjijie e na crença em espíritos, os
importante centro de poder.
Iscóquis (condutores do destino). Os Iscóquis estavam ligados
Quanto à estrutura política dos hauças, podemos
à natureza, bosques, pedras, regatos, fontes e árvores. “Na
organizá-la da seguinte maneira:
cidade de Katsina, havia um santuário conhecido por Bauda
e um centro de aprendizagem das religiões tradicionais, cujas
cerimônias de entronização eram baseadas nessas crenças”
(MATTOS, 2009, p. 34).
Embora também tenha sofrido mudanças nas crenças,
atualmente, a maioria dos hauças é islâmica. Conforme Silvério
(2013, p. 473):
Pode-se afirmar que o Islã se integrou nos
esquemas religiosos africanos porque não era
Fonte: Organização da autora, 2019. considerado religião estrangeira, ou incompatível
com a visão religiosa haussa, e porque a sociedade
Havia um rei sacerdote, o Sarqui, que reúne os cargos de muçulmana não reivindicava, nessa época,
rei e líder religioso, e abaixo dele, existiam os cargos específicos: exclusividade para sua ideologia religiosa, estando
o administrador (Magajin Gari), o mercado (Sarquim Casuva) e disposta a acomodar muitos traços das crenças e
o guardião (Sarquim Cofa). costumes tradicionais.
Em relação ao desenvolvimento econômico, o território
Não só os hauças, mas outros grupos africanos aderiram
hauça continha jazidas de minério de ferro, solos ricos e férteis
ao islamismo, tanto que “[...] classe dominante passou a
e distribuição populacional adequada.
praticar o islamismo, gerando conflitos entre seus governantes
Os hauças desenvolviam a agricultura, principalmente, o
adeptos ao Islã e os súditos que continuavam fiéis às crenças
cultivo de cereais e algodão, o artesanato feito de couro e ferro
tradicionais” (MATTOS, 2009, p. 35). Essa junção, muitas
e o comércio de escravos em troca de cavalos. A agricultura
vezes, era uma estratégia política de controle do poder.
era a atividade econômica mais importante do território hauça
(ADAMU, 2010). Uma das cidades mais produtivas de algodão,
arroz, milhete, sorgo e pimenta. 2 - Transformações políticas dos
séculos XV e XVI
No século XV, Kano dedicava-se, essencialmente,
ao cultivo de sorgo, arroz, milhete, algodão,
pimentas e às manufaturas em couro (sandálias,
rédeas, almofadas), algodão, cobre e ferro. O
comércio desses produtos, mais o sal, vindo de
Bilma, o natrão (um produto equivalente ao sal,
utilizado para fazer medicamentos, sabão, curtir
a carne e o couro, e tingir tecidos), oriundo do
Chade, os escravos, a noz-de-cola e o marfim
era realizado com Air, Songai, Bornu, Nupe e
com os cuararafas, conhecidos como “o povo
do sal”, responsáveis pela extração e comércio
desse produto na região entre Gongola e Benué Figura 16: Regiões que forneceram pessoas escravizadas para o continente
americano. Disponível em: https://www.bing.com/images/search?. Acesso em: 07
(MATTOS, 2009, p. 34, grifos do autor). dez. 2019.
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Algumas modificações políticas, pequenas aldeias 2 – Transformações políticas dos séculos XV e XVI
cresceram e se integraram a grandes reinos, como o Reino de
Na seção dois dessa aula, vimos que essa região era rica
Mali. Os centros comerciais foram cercados, “cidades como
em couro, ferro, agricultura e comércio de escravos. Essas
Kano e Katsina, grandes centros comerciais e artesanais,
riquezas possibilitaram grandes mudanças a partir dos séculos
foram cercadas por muralhas. Na primeira, a muralha abarcava
XV e XVI, especialmente, na troca de escravos por cavalos,
7 km²”(MATTOS, 2009, p. 35).
formando cavalarias importantes para esse grupo, visto que o
As novas condições militares ocorreram, especialmente,
aumento da cavalaria facilitava as capturas de grupos inimigos,
pelo uso de cavalos de raças maiores. Parte do comércio era
que posteriormente seriam escravizados.
pela troca de escravos por cavalos. Um cavalo chegava a custar
até 14 escravos.
Com a criação da cavalaria possibilitou um aumento do
número de escravos. A captura com a ajuda de cavalos facilitou,
além do que, para aumentar o rebanho de cavalos era preciso
Vale a pena
um contingente grande de escravos.
Há notícias de que, no fim do século XIV e
início do XV, o escambo de cavalos por escravos
estendeu-se entre os povos do Sudão. Conta-se
do sarqui Kanajeji, que reinou sobre a cidade-
estado de Kano, entre 1390 e 1410, que vestiu
parte de suas tropas com cotas de malha e lifidis
e cobriu-lhes as cabeças com capacetes de ferro.
Possuía tantos equinos, que os permutava por Vale a pena ler
escravos com os cuararafas do vale do rio Benué.
De um outro sarqui, Iacubu, diz-se que, meio ADAMU, M. Os Haussa e seus vizinhos do Sudão central. In:
século mais tarde, trocou com o rei dos nupes dez NIANE, D. T. (Ed). África do século XII ao século XVI. 2.
cavalos por doze eunucos. O que as tradições não ed. Brasília: UNESCO, 2010.
esclarecem é se esses animais eram reexportados COSTA E SILVA, A. da. A manilha e o libambo: a
por Kano ou já produzidos localmente, a partir África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova
de matrizes berberes ou dongolas (COSTA E
Fronteira, 2. ed., 2011.
SILVA, 2011, p. 57).
MATTOS, R. A. de. História e cultura afro-brasileira. São
A escravidão Hauça possuía uma especificidade: Paulo: Contexto, 2009.
SILVÉRIO, V. R Síntese da coleção história geral da África:
A maior parte dos escravos eram mulheres Pré-história ao século XVI. Coordenação de Valter Roberto
destinadas ao trabalho doméstico, servindo
Silvério e autoria de Maria Corina Rocha, Mariana Blanco
também como concubinas. Os homens escravos
Rincón, Muryatan Santana Barbosa. Brasília: UNESCO,
trabalhavam como criados, artesãos, soldados,
carregadores, funcionários públicos e agricultores MEC, UFSCar, 2013.
(MATTOS, 2009, p. 35).

Como em boa parte da costa atlântica, a região dos


Hauças também forneceu pessoas escravizadas para o
continente americano, de uma forma geral, e para o Brasil, de
forma específica.

Retomando a aula

Vale a pena acessar


Chegamos, assim, ao final da quarta aula. Espera-se
que agora tenha ficado mais claro o entendimento Língua Hauça. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/
de vocês sobre os povos Hauças e sua importância wiki/L%C3%ADngua_hau%C3%A7%C3%A1. Acesso em:
com relação à diversidade e complexidade de sua 07 dez. 2019.
estrutura econômica, política e escravista. Vamos, então, recordar: História da África. Disponível em: http://www.unesco.
org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/
1 – Origem dos Hauças general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_
Nessa seção identificamos a origem do termo “haussa” only/. Acesso em: 07 dez. 2019.
ou “hauças”, que significa língua do leste. Esta língua abrange Povo Hauça. Disponível em: http://povohaussa.blogspot.
cerca de 20 milhões de indivíduos dispersos entre o Niger e o com/p/breve-resumo.html. Acesso em: 07 dez. 2019.
Meridional. Atualmente, é a língua dominante do Sudão.

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