Você está na página 1de 8

Disciplina: HISTÓRIA

Professor: Rafael Cunha

Assunto: Revisão Prise I e II

Outra idéia que precisamos tirar da cabeça é a de


A África pré-colonial que todos os africanos são negros. Não é verdade. No
I. Introdução: descobrindo a África continente africano existem pessoas negras, morenas,
brancas, famosas, ricas, pobres e doentes como em qualquer
outro lugar do planeta.
É possível que você perceba que conhecer a história
Neste texto vamos dar maior destaque para a história
dos povos africanos é entender ainda melhor a origem do
dos povos que ocuparam a África atlântica, região que vai do
povo brasileiro. Sabemos que os negros africanos obrigados a
Senegal a Angola, e local de origem da grande maioria dos
vir para a América portuguesa como escravos tiveram
africanos que vieram escravizados para o Brasil. Esse
importante papel na formação da nossa cultura. Entre os
território é povoado por grupos que, desde há muito tempo,
séculos XVI e XIX, aproximadamente dez milhões de africanos
são conhecedores de técnicas avançadas de produção
foram trazidos para a América, sendo quatro milhões para o
agrícola, marcenaria, ourivesaria e metalurgia. Alguns grupos
Brasil.
africanos, como os habitantes de Tombuctu (no Mali, oeste da
Existiu uma ampla diversidade de povos no território
África), desenvolveram eficientes sistemas matemáticos para
africano, cuja imagem não combina com a de selvagens
controlar o comércio de mercadorias. Tinham conhecimentos
vivendo como bárbaros. No nosso estudo conheceremos uma
de astronomia e medicina que serviram de base para a ciência
pequena parte da história de alguns desses povos, desde a
moderna.
Antigüidade até a Idade Moderna, quando africanos
escravizados começaram a chegar ao Brasil.
Conhecimentos e organização do trabalho na África
atlântica
África: um imenso continente
A tradição oral é forte nas culturas africanas, mas
Atualmente, o continente africano é constituído de 53
alguns povos sabiam ler, escrever e viviam em cidades
países, cobrindo uma área de 30 milhões de quilômetros
desenvolvidas. Como os egípcios antigos, muitos povos
quadrados (veja o mapa abaixo). Destes, mais de 8 milhões
africanos que viviam ao sul do Saara constituíram impérios e
de quilômetros quadrados correspondem ao Deserto do
desenvolveram complexos conhecimentos tecnológicos. Foi a
Saara. Por sua vasta extensão, a África apresenta muitos
África atlântica, em parte por ser a área mais populosa do
povos e muitos contrastes. O continente abriga povos falantes
continente, que sofreu com mais intensidade o impacto do
de mais de mil línguas e dialetos diferentes, com cultura,
comércio internacional de escravos e forneceu a maior parte
costumes e hábitos diversificados. Infelizmente, a idéia que
da mão-de-obra africana explorada nas terras da América.
muitas pessoas têm da África é a de um continente
Apesar de pouco estudados, os impérios de Gana, do
homogêneo, onde todas as pessoas são iguais em todos os
Mali, do Songai e do Hauçá deixaram importantes registros
aspectos culturais, lingüísticos, cor da pele e desenvolvimento
escritos e arqueológicos que comprovam o desenvolvimento
tecnológico.
técnico local. A cidade de Grande Zimbábue, localizada no
Quando o assunto é a África, o que vem à nossa
atual Zimbábue, é um testemunho de uma poderosa cultura
cabeça? Animais selvagens, búfalos, elefantes, safáris
que floresceu entre os séculos IX e XIV.
(expedições de caça), belezas naturais, guerras tribais, fome e
Aids. Poucas pessoas fazem referência ao continente africano
Diversidade social e política
destacando a sua tecnologia, a produção intelectual, os
As organizações sociais e políticas da África foram
impérios antigos, os músicos e artistas.
bastante diferentes entre si. Encontramos, em um mesmo
Fonte: FERREIRA, Graça Maria Lemos, Atlas geográfico:
período histórico e em uma região, pequenas aldeias,
espaço mundial. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2003. microestados e impérios administrados por um rei com
estruturas políticas bem organizadas. Na Antigüidade, no Mali,
viveu um povo com grandes conhecimentos em astronomia,
os dogon.

Família e vida cotidiana


Na maioria das culturas africanas, a fertilidade
constituía atributo essencial para homens e mulheres. Quem
não podia ter filhos era desprezado pelo grupo social. O
número de filhos de uma família era proporcional ao seu
prestígio na comunidade. As mulheres férteis eram disputadas
e até raptadas pelos seus pretendentes. Homens ricos podiam
casar com dezenas de mulheres e ter centenas de filhos. A
disputa por esposas gerou muitos conflitos. A proteção das
mães e das crianças era da responsabilidade de todos.
As casas eram construídas de pedra ou de uma
mistura de barro e óleo de dendê. Nos locais onde os
construtores utilizaram materiais duráveis, como pedras, foi
possível conhecer melhor o modo de vida dos indivíduos.
Arqueólogos e pesquisadores têm pesquisado os
vestígios de alguns centros urbanos importantes em áreas do
Congo, Moçambique, Chade, entre outros. As pesquisas

1
revelam a importância política e comercial de algumas cidades Na Idade Média, as imagens sobre os africanos estavam
como Mbansa Kongo, Benin, Grande Zimbábue, Kano e influenciadas pelo cristianismo e pela Bíblia. A figura tentadora
muitas outras. Nesses locais, a vida urbana foi dinâmica, do Diabo que aparecia nas cerimônias religiosas era sempre
lúdica (com danças, jogos e cantorias) e comercialmente ativa. negra, semelhante a um etíope. Ao contrário, os anjos e
Há indícios de que a vida média dos indivíduos tenha sido de santos eram todos brancos.
25 anos, semelhante à dos romanos do mesmo período Na Idade Moderna, ampliou-se o conhecimento geográfico
histórico. sobre o continente africano. Os contatos dos europeus
O estudo das religiões africanas é dificultado pela ocorreram ao sul do Deserto do Saara, na região da África
variedade de ritos e cultos existentes. Contudo, sabemos que subsaariana, banhada pelos oceanos Atlântico e Indico.
o culto aos animais e à natureza fez parte de suas Mesmo assim, o preconceito contra os africanos permaneceu.
manifestações religiosas. Muitos acreditavam que os espíritos No século XV, os reis de Portugal, por meio de documentos
estavam nas pedras, nas montanhas, nos rios, nas árvores, papais, obtiveram o direito de escravizar os islâmicos, os
nos trovões, no Sol e na Lua. Os sacerdotes eram pagãos e os povos negros em geral.
responsáveis pelo alívio dos sofrimentos humanos. O imaginário preconceituoso dos navegantes europeus iria
Por acreditarem na existência de uma vida após a sobreviver nos séculos seguintes. Os temores sobre o Mar
morte, alguns desses povos enterravam seus mortos Tenebroso (Oceano Atlântico) e a região abaixo da linha do
acompanhados de seus pertences, de forma semelhante ao Equador iriam alimentar as representações dos europeus
que ocorria na cultura egípcia. No Reino de Gana havia um sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos
ritual religioso especial para o sepultamento dos reis: nesse deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos
dia, vários servidores do rei eram sacrificados e enterrados na seriam elementos constantes nas descrições de viajantes,
mesma tumba do monarca. aventureiros e missionários.
Os iorubas veneravam divindades conhecidas como Os africanos também ficaram espantados com a cor da
orixás, que eram associados a elementos da natureza como pele e os modos dos europeus.
água, terra, arco-íris, trovão. Era atribuído aos orixás um
poder divino muito grande junto ao deus criador, Oludumaré Os africanos na visão do pai da história
ou Olodumarê. Os orixás foram introduzidos no Brasil colônia A distância e o desconhecimento sobre a África levaram à
pelos africanos escravizados. divulgação de idéias erradas sobre os povos africanos. Leia, a
A chegada dos muçulmanos e a expansão do seguir, a opinião do historiador grego Heródoto — considerado
islamismo no continente africano alteraram bastante a religião o "pai da história", no século V a.C.
de parte da população africana. Os povos convertidos ao Islã "Os homens daquelas regiões são negros por causa do calor e
aprenderam a ler e escrever, fato que facilitou o estudo da os 'etíopes' da Líbia são entre todos os homens os de cabelos
cultura islâmica africana. mais 'crespos'. [...] O sêmen por eles ejaculado quando se
unem às mulheres também não é branco [...], e, sim, negro
como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmen dos
A religião islâmica na África etíopes)."
A religião islâmica, fundada no século VII Maomé, expandiu-se HERÓDOTO. História. São Paulo:
pelo norte e leste da África. O nome Islã vem do árabe e significa Ediouro, 1988.
"submissão a Deus". O livro sagrado do islamismo é o Alcorão
(ou Corão), considerado uma representação da palavra divina.
Chama-se muçulmano o adepto dessa crença religiosa. No África no imaginário europeu medieval
século VIII, milhares de africanos foram convertidos ao "Quando os europeus começaram a imaginar a África para
islamismo. além do Saara, idealizaram um continente fantástico, povoado
"O Alcorão chega junto com as barras de sal, os fardos dos por excentricidades tenebrosas e sobrenaturais. Ranulf Higden,
tecidos, os cestos, os objetos de cobre e os alimentos. [...] A monge beneditino que mapeou o mundo por volta de 1350,
gente local, devota de divindades ligadas à terra, às águas, às dizia que a África era habitada por gente de um olho só, que
árvores, temia e respeitava este misto de comerciantes e usava os pés para cobrir a cabeça. No século seguinte, um
sacerdotes, que perambulavam com talismãs ao pescoço — geógrafo anunciou que o continente era habitado por povos
saquinhos de couro contendo um tre-cho do Corão capazes de pernetas, com três caras e a cabeça de um leão. Em 1459, um
protegê-los de feitiçarias e inimigos. Além disso, previam o futuro, monge italiano, Fra Mauro, declarou que a África era o hábitat
cuidavam dos enfermos e rezavam para chover." do Roca, um pássaro tão grande que podia carregar um
PRIORE, Mary Del e VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma elefante no bico.
introdução à história da África atlântica. São Paulo: Edusp, 2004. Na Idade Média, quase ninguém na Europa condições de saber
se a África abrigava pássaros gigantes, gente de um olho só ou
qualquer outra coisa, Na costa mediterrânea viviam os mouros
hostis, e poucos europeus ousavam tentar pôr os pés ali, que
II. O olhar estrangeiro sobre a África dirá avançar mais ao sul, pelo Saara. Quanto a tentar navegar
pela costa ocidental africana, todo mundo sabia que assim que
os navios ultrapassassem as Canárias entrariam no Maré
Durante muitos séculos, o desconhecimento sobre a Tenebroso."
história da África foi comum em várias partes do mundo. Até
HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma história de
meados do século XV, os europeus conheciam apenas os cobiça, terror e heroísmo na África colonial. São Paulo: Companhia das
territórios localizados acima do Deserto do Saara, nos limites Letras,1999.
do Mediterrâneo. A elaboração de nomes ou expressões para
designara África demonstra que a marca da relação entre os
africanos e os estrangeiros foi o estranhamento de ambos os
lados. A cor da pele e o cabelo crespo parecem ter chamado
mais a atenção dos viajantes europeus.
Na Antigüidade, a África era chamada de Etiópia, e os
africanos, de etíopes (em grego, terra dos homens de pele
negra).

 A visão dos medievais e dos modernos sobre os


africanos
varia entre centenas e um milhão. Como as culturas da África
não estão livres de influências externas, muitos africanos
Esta imagem sobre a Etiópia, do século XV, mostra que, passaram a falar, também, línguas européias, como inglês,
no imaginário europeu, a África era francês, português.
habitada por seres fantásticos(1480).
Os europeus na visão dos africanos
Leia o relato de viagem de um mercador veneziano que O povo banto e a América portuguesa
ficou encantado com a paisagem da costa da África e fez A palavra bantu significa seres humanos. Essa expressão refere-
anotações sobre o povo que lá vivia. se ao conjunto de povos africanos que falam as línguas do grupo
"Estes negros, tanto machos como fêmeas, vinham ver-me como banto. Acredita-se que esse tronco lingüístico formou-se há
uma maravilha, e parecia-lhes coisa extraordinária ver um cristão milhares de anos na região dos rios Niger e Benue, na parte leste
em tal lugar, nunca dantes visto: e não menos se espantavam do da África ocidental, mais especificamente nas províncias
meu trajo e da minha brancura; o qual trajo era à espanhola, com atualmente conhecidas como Catanga e Kasai, na República
um jubão de damasco preto e uma capinha de gris; reparavam Democrática do Congo. Aproximadamente em 1000 a.C., os
para o pano de lã, que eles não têm, e reparavam para o jubão, e bantos começaram a migrar para o centro-sul do continente,
muito pasmavam; alguns tocavam-me nas mãos e nos braços, [e] atuais regiões de Angola, Congo, Camarões, Gabão, Uganda,
com cuspo esfregavam-me, para ver se a minha brancura era Namíbia, Zâmbia, Moçambique, Botsuana e Zimbábue.
tinta ou carne; e vendo que era carne branca, ficavam-se em Dentre os milhões de africanos que vieram para o Brasil como
admiração. Eu ia a estes mercados para ver coisas novas, e escravos, boa parte deles pertencia ao povo banto.
também para ver se lá ia alguém que tivesse ouro em quantidade Com a chegada dos africanos ao Brasil, no século XVI, o povo
para vender: mas de tudo se achava pouco [...]." banto se concentrou em regiões de produção de açúcar, onde
CADAMOSTO, Luís de. Viagem de Luiz Cadamosto e de Pedro de Sintra. reproduziram sua organização, sua arte e visão de mundo.
2. ed. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1988. Instrumentos como o berimbau e a cuíca; lutas como a capoeira;
danças e cerimônias como cateretê, congada, caxambu,
batuque, jongo, lundu, maracatu, coco de zambê e o candomblé-
 A curiosidade dos portugueses de-angola são heranças bantu.
Os portugueses começaram a conquista da África
pela cidade de Ceuta, em 1415. Desde os primeiros contatos As origens da capoeira
com os povos africanos, os lusitanos obtiveram importantes
"[...] Suas raízes repousam em terreno ainda desconhecido. [...]
informações sobre a origem o ouro africano. Durante decênios praticantes e estudiosos deram créditos a
A confirmação da existência do metal precioso versões sem nenhum fundamento, como a de que o berço da
reforçou a curiosidade dos portugueses em desvendar uma capoeira era Palmares (quilombo de escravos na divisa de
antiga lenda sobre um reino cristão africano governado pelo Pernambuco e Alagoas, na serra da Barriga), e que ela era uma
imperador Preste João. Segundo a lenda, o reino era arma dos escravos fugitivos. Estudos atuais apontam para a
localizado na Ásia e tinha sido transferido para a região da hipótese mais provável de que ela foi o somatório de diversas
Etiópia, e Preste João dominava até mesmo as águas do Rio danças rituais praticadas em um amplo arco da África que
abasteceu os negreiros e que se encontraram no ambiente
Nilo. Todas as pessoas que habitavam o reino eram felizes,
específico da escravidão brasileira. Registros documentados de
ricas, sem doenças e partilhavam grande fartura de alimentos. Angola na era da escravidão revelam práticas lúdicas e marciais
No século XIII, espalhou-se a notícia de que o imperador tradicionais que se parecem muito com a capoeira que chegou
africano estava organizando tropas armadas para ir a Meca e com os navios negreiros. Desta forma, a capoeira seria um
Jerusalém, cidades sagradas para os muçulmanos e cristãos. mosaico, formado por diversas danças africanas ancestrais que
De acordo com a lenda, o reino de Preste João era o se teriam amalgamado em definitivo na terra americana.
verdadeiro Paraíso Terrestre. [...] Nas tradições africanas, principalmente entre os povos
Posteriormente, com o início das Grandes chamados bantu [...], a luta sempre tem características de dança,
Navegações, o sonho de encontrar o Paraíso Terrestre A capoeira moderna junta os dois conceitos."
acabou. Viajantes que percorreram a Etiópia estabeleceram LÍBANO, Carlos Eugênio. Golpes de mestres. Revista Nossa
relações diplomáticas com os etíopes e iniciaram uma tarefa História. São Paulo: Vera Cruz; Rio de Janeiro: Biblioteca
missionária na região. Nacional, ano l,-n. 5, mar. 2005.
O cristianismo tinha sido introduzido na Etiópia no
século IV. A religião cristã penetrou na Etiópia pela ação de
monges sírios. Nos primeiros anos, a Igreja cristã da Etiópia
era uma extensão da Igreja de Alexandria, no Egito, e seus
seguidores utilizavam o grego nos textos e nas cerimônias
religiosas. Com o passar do tempo, os chefes da Igreja etíope
passaram a escrever em sua própria língua.
Com as viagens de exploração, a partir do século XV,
a ação evangelizadora foi retomada.

III. Dividindo a África

O continente africano é composto por uma enorme


diversidade física, cultural e socioeconômica.
Todas essas culturas sofreram com o domínio
europeu no século XIX e estão em constante mudança, devido
Negros lutando capoeira no Brasil, aquarela sobre papel de
à influência de outros povos estrangeiros. A seguir, você vai
Augustus Earle, 1821.
conhecer alguns dos reinos que mais se destacaram antes da
chegada dos portugueses ao continente africano. 1. O Reino de Gana
Situava-se a oeste do continente africano, na área
As línguas africanas em que, atualmente, situam-se Mali e o sul da Mauritânia. O
Na África falam-se mais de mil línguas. Algumas delas são reino floresceu a partir do século III da Era Cristã graças ao
utilizadas por milhões de pessoas, como o mandinga, o igbo, o comércio que se estabeleceu entre os árabes e ganenses.
ioruba e o hauçá, no oeste; o suaíli, no leste; o amárico e o Caravanas árabes, do norte da África, trocavam ouro por
orono, no noroeste; o zulu e o soto, no sul; e o árabe, no norte. A
maioria das línguas é falada por um número de pessoas que
tecidos, cobre, sal, jóias, tâmaras e figos.
O Reino de Gana ou de Ganata conheceu seu Também foi a partir do século XIV que se iniciou a
apogeu político e econômico entre os séculos VII e XI. desagregação do império. A cidade de Gao se emancipou e
Durante o século X, o reino foi dominado pelos soninques criou obstáculos ao comércio entre Mali e os reinos árabes; os
(povo que atualmente habita o Senegal), que expandiram o tuaregues, nômades do deserto do Saara, ocuparam Walata e
domínio de Gana sobre as regiões ricas em ouro, do Senegal Tombuctu. Por volta de 1550, o Império de Mali perdeu sua
ao Deserto do Saara. Durante aproximadamente um século, hegemonia ao ser derrotado e incorporado pelo Império
os povos dominados pelo soninques eram obrigados a pagar Songai.
tributos sobre o comércio de mercadorias e a produção de
metais preciosos, o que contribuiu para a formação de um Um relato de viagem a Tombuctu
poderoso exército. Tombuctu foi a principal cidade do norte da África, dispondo,
Entre as cidades do reino, destacaram-se a capital, inclusive, de uma universidade. Era famosa também como centro
Kumbi Saleh, durante o século XI, e Audagoste, um dos comercial, conforme este diário de viagem.
principais centros do comércio saariano. "A cidade de Tombuctu é habitada por negros da nação Kissur,
A difusão do islamismo no norte da África, o que constituem o grosso da população. Muitos mouros ali se
ressentimento de alguns povos berberes1 contra o domínio de estabeleceram e se dedicaram ao comércio; comparo-os aos
Gana e sublevações dos povos dominados colocaram o reino europeus que vão para as colônias na esperança de fazer
fortuna: os mouros, mais tarde, retornam à sua terra, para nela
em franca decadência a partir do século XI. Audagoste e
viverem em paz. Têm muita influência sobre os nativos, mas o rei
Kumbi Saleh foram tomadas e o reino mergulhou em lutas ou governador é negro. Esse príncipe chama-se Osmã; é muito
tribais até o século XIII, quando os últimos territórios ganenses respeitado por seus súditos, tem hábitos simples; nada o
foram incorporados ao Reino de Mali. distingue dos demais. [...]
Ele nos recebeu em sua corte; estava sentado sobre uma bela
esteira com uma rica almofada: ficamos sentados a pouca
distância dele.
Tombuctu pode ser considerado o maior entreposto desta parte
da África. Lá é trazido todo o sal proveniente das minas de
Tudeyni e que é trazido por caravanas, no dorso de camelos. Os
mouros do Marrocos e de outros países que viajam para o Sudão
ficam de seis a oito meses em Tombuctu para comerciar e
esperar um novo carregamento para os camelos. [...]
Os camelos com freqüência derrubam as cargas no chão e,
quando as placas de sal chegam à cidade, algumas estão
quebradas, o que poderia prejudicar as vendas, se os
mercadores não tomassem o cuidado de mandar os escravos
consertá-las. [...] Os escravos gostam muito desse trabalho,
porque lhes permite fazer uma pequena provisão de sal para seu
próprio consumo. Em geral, os homens dessa condição são
menos infelizes em Tombuctu que em outros lugares, vestem-se
bem, alimentam-se bem e raramente apanham; obrigam-nos a
observar as cerimônias religiosas e eles o fazem com grande
diligência; mas nem por isso deixam de ser considerados
mercadoria; são exportados para Trípoli, para o Marrocos e
outras partes da costa [...]."

CAILLIÉ, R. Diário de uma viagema Tombuctu e Jena, na África central. In:


O Correio da Unesco. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, jun. 1987.

PARKER, Geoffrey. Atlas verbo de história


universal. Lisboa: Verbo, 1997.

2. O Reino de Mali
Este império desenvolveu-se entre os séculos XIII e
XVI, período em que impôs sua hegemonia sobre a bacia do
Rio Niger.
Constituído pela atual República de Mali e algumas
regiões dos atuais Senegal e Guiné, o Reino de Mali, no
século XIV, expandiu-se através da anexação das cidades de
Tombuctu, Gao e Djenne.
Tombuctu se tornou um dos principais centros de
cultura do continente africano, graças a vastas bibliotecas,
madrasas (universidades islâmicas) e magníficas mesquitas.
Além disso, a cidade passou a ser ponto de encontro de
poetas, intelectuais e artistas da África e do Oriente Médio.
Mesmo após o declínio do império, Tombuctu permaneceu A gravura, de René Caillié (1828), representa a primeira universidade
como um dos principais pólos islâmicos da África subsaariana. construída por árabes no núcleo urbano de Tombuctu, no atual Mali.
No século XIV, comerciantes muçulmanos se estabeleceram
na cidade de Djenne, localizada no delta do Rio Niger. Lá, o 3. O Reino Ioruba: terra de comerciantes e artistas
sal do Saara, mercadorias da África setentrional e sedas finas Os iorubas se desenvolveram a partir do século XI.
eram trocados por ouro, escravos e marfim. Constituíram uma sociedade tipicamente urbana, detentora de
uma economia diversificada e ofícios especializados. Esses
1
Povo de maioria muçulmana que ocupa o norte da África, principalmente as regiões montanhosas.
povos deram origem aos atuais estados de Benin e da Da região do Congo-Angola saiu a maior parte dos
Nigéria,o mais populoso da África. africanos que vieram para o Brasil, especialmente para o atual
A maioria dos escravos trazidos para a Bahia era de estado de Minas Gerais, a partir do século XVIII, quando se
ascendência ioruba (também conhecidos como nagôs). Eles iniciou a grande fase da mineração no Brasil.
deixaram forte marca na cultura afro-brasileira. Em 1483, o navegador português Diogo Cão esteve,
pela primeira vez, nas proximidades do Congo. Ele ficou
Ifé, cidade ioruba impressionado com o dinamismo do comércio local e a
Conta a lenda que Ifé foi fundada por Odudua (orixá variedade de mercadorias disponíveis nos mercados.
da Criação; criador da Terra) a mando do deus supremo Naquela época, os comerciantes lucravam com a
Olorum, também conhecido como Olodumare (o dono do comercialização de tecidos, sal, metais e derivados de
Céu). Odudua se tornou o primeiro governante, o Ooni, de Ifé. animais. O comércio poderia ser à base de trocas ou com
Sabe-se muito pouco sobre o exercício do poder do moedas (conchas chamadas de nzimbu) encontradas na
primeiro Ooni, como o território foi administrado ou quando a região de Luanda. O contato com os portugueses dinamizou o
monarquia começou. O que se sabe com precisão é que a comércio regional e internacional, principalmente o comércio
cidade de Ifé se desenvolveu numa região de florestas de escravos.
tropicais e savana, elementos responsáveis por uma terra Em 1485, Diogo Cão retornou à região e foi recebido
muito fértil, de chuvas abundantes. A cidade se localizava na pelo manicongo, nome dado ao rei do Congo, procurando
região da atual Lagos, capital da Nigéria. participar do rico comércio local de escravos.
Diogo Cão tinha recebido instruções do rei de
Excelentes artesãos Portugal para estabelecer contatos amistosos com o governo
Uma das chaves para se entender o sucesso e a do Congo. O navegador foi acompanhado por intérpretes e
riqueza do Reino Ioruba era a habilidade de seus habitantes conhecedores das línguas africanas. No momento em que
para o abastecimento de grandes quantidades de alimentos. retornou a Portugal, levou consigo um grupo de congoleses.
Isto permitiu que a mão-de-obra fosse canalizada para obras Tratados como amigos, os congoleses aprenderam um pouco
de arte voltadas para enaltecer a monarquia. dos hábitos, da religião e da língua do reino. Posteriormente,
foram levados de volta à África com presentes para o
4. O Reino de Benin manicongo.
Este reino situava-se a sudoeste de Ifé. Há indícios A partir daí o relacionamento entre os governos do
de que o reino tenha se desenvolvido entre os séculos XII e Congo e de Portugal apresentou características peculiares.
XIII. Uma das primeiras informações escritas sobre esse
centro urbano de poder e comércio foi feita por um O manicongo se converte ao cristianismo
comerciante de escravos chamado João Afonso Aveiro, no O rei do Congo iniciou um processo de assimilação
final do século XV. Cem anos após o início da visita dos da cultura portuguesa e de estreitamento das relações
portugueses, uma missão holandesa comparou a região com diplomáticas e econômicas em um processo de
Amsterdã. "aportuguesamento".
A monarquia de Benin está intimamente relacionada Disposto a abraçar o catolicismo, em 1489, o rei do
à de Ifé. O primeiro rei, ou obá, de Benin, foi tradicionalmente Congo presenteou o monarca português com alguns escravos,
um descendente de Odudua, chamado Oraniã (orixá das com tecidos de palmeiras e objetos de marfim. Com isso, o rei
profundezas da Terra, filho de Odudua e rei de Ifé). congolês formalizou seu desejo de se converter ao
Diz a lenda que Oraniã ficou em Benin o suficiente catolicismo. Pediu aos portugueses o envio de padres, assim
para ser pai de uma criança que nasceu do seu como de artesãos, mestres de pedraria e carpintaria,
relacionamento com a filha de um chefe local. Assim, seu filho trabalhadores da terra, burros e pastores. Além disso, o
Eweka foi considerado o primeiro rei, ou obá, pela sociedade congolês solicitou ao rei português que providenciasse
de Benin. Alguns historiadores, no entanto, sugerem que o professores para ensinar os mandamentos da fé católica e a
mito do casamento entre Oraniã e uma moça de Benin foi língua portuguesa para o grupo enviado.
criado para esconder a desagradável verdade de que o reino
estava sob domínio de estrangeiros que se tornaram seus
regentes.
No século XV, o famoso obá Ewuare aumentou seu
poder por meio de reformas importantes. Sob seu governo, o
território de Benin se expandiu e o comércio com os europeus
se intensificou. Produtos como pimenta e marfim, monopólio
dos obás, tecidos e escravos eram comercializados
ativamente. Entretanto, o governo, para prevenir a redução da
população nativa, proibiu a exportação de escravos
masculinos, especialmente durante os séculos XVI e XVII.
Assim, importou escravos da África ocidental para serem
comercializados com os europeus.
Ricos e poderosos, os obás se tornaram protetores
de artesãos e artistas. Os artesãos de Benin se
especializaram em esculturas de bronze e cobre. O bronze foi
utilizado sobretudo para a confecção de placas para adornar
as paredes do palácio real; o cobre, utilizado em esculturas de
cabeças para celebrar o poder dos monarcas.
O reino se desintegrou no século XIX, sob o domínio
dos ingleses.

4. O Reino do Congo Batismo do rei do Congo.


Gravura do século XVIII.
Fundado no século XIV, o império ocupava grande
extensão da África centro-ocidental e reunia diversas O rei do Congo mandou construir uma igreja de
províncias. A população era formada por grupos de etnia madeira, ornamentada com objetos vindos de Portugal. Queria
banto, especialmente os bakongo. ser batizado acompanhado de seu filho e teve seu desejo
realizado ao receber o nome cristão de Manuel, e seu filho, de
Antônio.

Afonso l, um cristão no Congo.


No início do século XVI, ascendeu ao trono dom O comércio transatlântico de escravos
Afonso I, o mais importante rei da história lusocongolesa, A expansão do tráfico-europeu de escravo através do
chefe político e espiritual da cristianização do Reino do Congo. Oceano Atlântico teve um impacto decisivo na evolução da
Afonso apaziguou o reino e governou por trinta e sete anos, escravidão no continente africano.
sendo apontado como um dos maiores imperadores da região. A tabela que se segue apresenta o número de
Durante o reinado de Afonso I, o comércio ganhou impulso escravos negociados entre os séculos XV e XIX.
com a ajuda dos portugueses. Mercadorias européias podiam
ser encontradas nas mãos de comerciantes congoleses.
Também o comércio de escravos com os portugueses, em
fase inicial de implantação, tornou-se monopólio real. A
ambição dos comerciantes portugueses de escravos era
tamanha que eles chegaram ao absurdo de capturar parte da
nobreza do Congo. Dom Afonso enviou para o rei português
uma carta demonstrando sua insatisfação.
Afonso I centralizou o poder político, expandiu as
fronteiras do reino e desenvolveu as cidades do império. Fez o
papel de um missionário na divulgação dos mandamentos
cristãos e da necessidade da educação formal, valorizando a
leitura e a escrita.
É importante ressaltar que o catolicismo não pôs fim
às tradições religiosas locais, do que resultou uma religião
A expansão do escravismo
sincrética, própria dos povos congoleses.
As relações luso-congolesas estabelecidas no O escravismo já existia no continente africano antes da
reinado de Afonso I entraram em lento, mas progressivo chegada dos europeus, mas a utilização em massa do
colapso, a partir da segunda metade do século XVI. escravo foi fruto da introdução do comércio europeu. Os
escravos chegaram a ser o principal item de exportação
africana.
O comércio intercontinental
Produtos tais como sal, alimentos, peles de animais, "A abertura do Atlântico ao comércio marcou uma ruptura
artefatos de ferro, ouro, marfim, pimenta-vermelha e escravos radical na história da África, especialmente porque este
eram, entre outros, produtos de grande importância no comércio também envolvia a exportação de milhões de
mercado africano, comercializados numa intricada rede de escravos. Antes desse desenvolvimento comercial, as
rotas comerciais. costas atlânticas da África tinham estado praticamente
Os comerciantes do norte da África, os berberes, isoladas do mundo exterior. Uma certa quantidade de sal e
atravessavam o Deserto do Saara para comerciar com os peixe era comercializada no interior em troca de alimento,
povos da África ocidental. Uma caravana de camelos, mas, de um modo geral, a linha do litoral era uma barreira.
carregada de variadas mercadorias, percorria mais de dois mil A mudança tecnológica do transporte oceânico teve um
quilômetros no meio do deserto. Era uma verdadeira aventura. enorme impacto econômico, tornando disponíveis novas
As regiões localizadas ao longo das rotas comerciais foram fontes de riqueza para os habitantes locais, facilitando a
favorecidas. Muitas delas deram origem a grandes impérios mudança política numa escala sem precedentes. A
como Gana e Mali, localizados ao sul do Saara. A atividade escravidão ali estava intimamente associada a essa
comercial possibilitou o intercâmbio cultural entre os diversos transformação, não apenas porque os escravos eram o
povos do continente. principal item de exportação, mas também porque eles
Apesar da riqueza do território, o escravismo se tornaram-se muito mais comuns na sociedade local do que
tornou fundamental para a economia africana, especialmente anteriormente. [...]"
no que diz respeito ao comércio exterior. LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas
transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

IV. Considerações Finais


Negros em porão de navio, litogravuro deJohann-Moritz
A escravidão africana Rugendas, 1835
Segundo o psiquiatra negro americano, Frantz
Fanon, "o negro nunca foi tão negro quanto a partir do
momento em que foi dominado pelos brancos". Tal como em
outras sociedades escravistas, os escravos no continente
africano eram considerados bens móveis, ou seja, eles
podiam ser comprados e vendidos.
A escravidão era praticada na África desde os
tempos mais remotos. De maneira geral, a escravização se
iniciou no continente por intermédio das guerras. Nas batalhas
os prisioneiros eram escravizados. Ataques para obtenção de
escravos, banditismo e seqüestro também eram freqüentes no
continente. Além disso, a escravidão era utilizada como
punição pela Justiça, principalmente para crimes como
assassinato, roubo, bruxaria e adultério.
Finalmente, existiu também a escravização Bibliografia
voluntária: quando as pessoas se viam ameaçadas de morte Este texto é uma adaptação da seguinte obra:
por causa da fome, entregavam-se a um senhor como
escravas.
Braick, Patrícia Ramos. “A África Pré-Colonial”. In: História: das
cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 2005, pp.
31-48.

Você também pode gostar