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revelam a importância política e comercial de algumas cidades Na Idade Média, as imagens sobre os africanos estavam
como Mbansa Kongo, Benin, Grande Zimbábue, Kano e influenciadas pelo cristianismo e pela Bíblia. A figura tentadora
muitas outras. Nesses locais, a vida urbana foi dinâmica, do Diabo que aparecia nas cerimônias religiosas era sempre
lúdica (com danças, jogos e cantorias) e comercialmente ativa. negra, semelhante a um etíope. Ao contrário, os anjos e
Há indícios de que a vida média dos indivíduos tenha sido de santos eram todos brancos.
25 anos, semelhante à dos romanos do mesmo período Na Idade Moderna, ampliou-se o conhecimento geográfico
histórico. sobre o continente africano. Os contatos dos europeus
O estudo das religiões africanas é dificultado pela ocorreram ao sul do Deserto do Saara, na região da África
variedade de ritos e cultos existentes. Contudo, sabemos que subsaariana, banhada pelos oceanos Atlântico e Indico.
o culto aos animais e à natureza fez parte de suas Mesmo assim, o preconceito contra os africanos permaneceu.
manifestações religiosas. Muitos acreditavam que os espíritos No século XV, os reis de Portugal, por meio de documentos
estavam nas pedras, nas montanhas, nos rios, nas árvores, papais, obtiveram o direito de escravizar os islâmicos, os
nos trovões, no Sol e na Lua. Os sacerdotes eram pagãos e os povos negros em geral.
responsáveis pelo alívio dos sofrimentos humanos. O imaginário preconceituoso dos navegantes europeus iria
Por acreditarem na existência de uma vida após a sobreviver nos séculos seguintes. Os temores sobre o Mar
morte, alguns desses povos enterravam seus mortos Tenebroso (Oceano Atlântico) e a região abaixo da linha do
acompanhados de seus pertences, de forma semelhante ao Equador iriam alimentar as representações dos europeus
que ocorria na cultura egípcia. No Reino de Gana havia um sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos
ritual religioso especial para o sepultamento dos reis: nesse deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos
dia, vários servidores do rei eram sacrificados e enterrados na seriam elementos constantes nas descrições de viajantes,
mesma tumba do monarca. aventureiros e missionários.
Os iorubas veneravam divindades conhecidas como Os africanos também ficaram espantados com a cor da
orixás, que eram associados a elementos da natureza como pele e os modos dos europeus.
água, terra, arco-íris, trovão. Era atribuído aos orixás um
poder divino muito grande junto ao deus criador, Oludumaré Os africanos na visão do pai da história
ou Olodumarê. Os orixás foram introduzidos no Brasil colônia A distância e o desconhecimento sobre a África levaram à
pelos africanos escravizados. divulgação de idéias erradas sobre os povos africanos. Leia, a
A chegada dos muçulmanos e a expansão do seguir, a opinião do historiador grego Heródoto — considerado
islamismo no continente africano alteraram bastante a religião o "pai da história", no século V a.C.
de parte da população africana. Os povos convertidos ao Islã "Os homens daquelas regiões são negros por causa do calor e
aprenderam a ler e escrever, fato que facilitou o estudo da os 'etíopes' da Líbia são entre todos os homens os de cabelos
cultura islâmica africana. mais 'crespos'. [...] O sêmen por eles ejaculado quando se
unem às mulheres também não é branco [...], e, sim, negro
como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmen dos
A religião islâmica na África etíopes)."
A religião islâmica, fundada no século VII Maomé, expandiu-se HERÓDOTO. História. São Paulo:
pelo norte e leste da África. O nome Islã vem do árabe e significa Ediouro, 1988.
"submissão a Deus". O livro sagrado do islamismo é o Alcorão
(ou Corão), considerado uma representação da palavra divina.
Chama-se muçulmano o adepto dessa crença religiosa. No África no imaginário europeu medieval
século VIII, milhares de africanos foram convertidos ao "Quando os europeus começaram a imaginar a África para
islamismo. além do Saara, idealizaram um continente fantástico, povoado
"O Alcorão chega junto com as barras de sal, os fardos dos por excentricidades tenebrosas e sobrenaturais. Ranulf Higden,
tecidos, os cestos, os objetos de cobre e os alimentos. [...] A monge beneditino que mapeou o mundo por volta de 1350,
gente local, devota de divindades ligadas à terra, às águas, às dizia que a África era habitada por gente de um olho só, que
árvores, temia e respeitava este misto de comerciantes e usava os pés para cobrir a cabeça. No século seguinte, um
sacerdotes, que perambulavam com talismãs ao pescoço — geógrafo anunciou que o continente era habitado por povos
saquinhos de couro contendo um tre-cho do Corão capazes de pernetas, com três caras e a cabeça de um leão. Em 1459, um
protegê-los de feitiçarias e inimigos. Além disso, previam o futuro, monge italiano, Fra Mauro, declarou que a África era o hábitat
cuidavam dos enfermos e rezavam para chover." do Roca, um pássaro tão grande que podia carregar um
PRIORE, Mary Del e VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma elefante no bico.
introdução à história da África atlântica. São Paulo: Edusp, 2004. Na Idade Média, quase ninguém na Europa condições de saber
se a África abrigava pássaros gigantes, gente de um olho só ou
qualquer outra coisa, Na costa mediterrânea viviam os mouros
hostis, e poucos europeus ousavam tentar pôr os pés ali, que
II. O olhar estrangeiro sobre a África dirá avançar mais ao sul, pelo Saara. Quanto a tentar navegar
pela costa ocidental africana, todo mundo sabia que assim que
os navios ultrapassassem as Canárias entrariam no Maré
Durante muitos séculos, o desconhecimento sobre a Tenebroso."
história da África foi comum em várias partes do mundo. Até
HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma história de
meados do século XV, os europeus conheciam apenas os cobiça, terror e heroísmo na África colonial. São Paulo: Companhia das
territórios localizados acima do Deserto do Saara, nos limites Letras,1999.
do Mediterrâneo. A elaboração de nomes ou expressões para
designara África demonstra que a marca da relação entre os
africanos e os estrangeiros foi o estranhamento de ambos os
lados. A cor da pele e o cabelo crespo parecem ter chamado
mais a atenção dos viajantes europeus.
Na Antigüidade, a África era chamada de Etiópia, e os
africanos, de etíopes (em grego, terra dos homens de pele
negra).
2. O Reino de Mali
Este império desenvolveu-se entre os séculos XIII e
XVI, período em que impôs sua hegemonia sobre a bacia do
Rio Niger.
Constituído pela atual República de Mali e algumas
regiões dos atuais Senegal e Guiné, o Reino de Mali, no
século XIV, expandiu-se através da anexação das cidades de
Tombuctu, Gao e Djenne.
Tombuctu se tornou um dos principais centros de
cultura do continente africano, graças a vastas bibliotecas,
madrasas (universidades islâmicas) e magníficas mesquitas.
Além disso, a cidade passou a ser ponto de encontro de
poetas, intelectuais e artistas da África e do Oriente Médio.
Mesmo após o declínio do império, Tombuctu permaneceu A gravura, de René Caillié (1828), representa a primeira universidade
como um dos principais pólos islâmicos da África subsaariana. construída por árabes no núcleo urbano de Tombuctu, no atual Mali.
No século XIV, comerciantes muçulmanos se estabeleceram
na cidade de Djenne, localizada no delta do Rio Niger. Lá, o 3. O Reino Ioruba: terra de comerciantes e artistas
sal do Saara, mercadorias da África setentrional e sedas finas Os iorubas se desenvolveram a partir do século XI.
eram trocados por ouro, escravos e marfim. Constituíram uma sociedade tipicamente urbana, detentora de
uma economia diversificada e ofícios especializados. Esses
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Povo de maioria muçulmana que ocupa o norte da África, principalmente as regiões montanhosas.
povos deram origem aos atuais estados de Benin e da Da região do Congo-Angola saiu a maior parte dos
Nigéria,o mais populoso da África. africanos que vieram para o Brasil, especialmente para o atual
A maioria dos escravos trazidos para a Bahia era de estado de Minas Gerais, a partir do século XVIII, quando se
ascendência ioruba (também conhecidos como nagôs). Eles iniciou a grande fase da mineração no Brasil.
deixaram forte marca na cultura afro-brasileira. Em 1483, o navegador português Diogo Cão esteve,
pela primeira vez, nas proximidades do Congo. Ele ficou
Ifé, cidade ioruba impressionado com o dinamismo do comércio local e a
Conta a lenda que Ifé foi fundada por Odudua (orixá variedade de mercadorias disponíveis nos mercados.
da Criação; criador da Terra) a mando do deus supremo Naquela época, os comerciantes lucravam com a
Olorum, também conhecido como Olodumare (o dono do comercialização de tecidos, sal, metais e derivados de
Céu). Odudua se tornou o primeiro governante, o Ooni, de Ifé. animais. O comércio poderia ser à base de trocas ou com
Sabe-se muito pouco sobre o exercício do poder do moedas (conchas chamadas de nzimbu) encontradas na
primeiro Ooni, como o território foi administrado ou quando a região de Luanda. O contato com os portugueses dinamizou o
monarquia começou. O que se sabe com precisão é que a comércio regional e internacional, principalmente o comércio
cidade de Ifé se desenvolveu numa região de florestas de escravos.
tropicais e savana, elementos responsáveis por uma terra Em 1485, Diogo Cão retornou à região e foi recebido
muito fértil, de chuvas abundantes. A cidade se localizava na pelo manicongo, nome dado ao rei do Congo, procurando
região da atual Lagos, capital da Nigéria. participar do rico comércio local de escravos.
Diogo Cão tinha recebido instruções do rei de
Excelentes artesãos Portugal para estabelecer contatos amistosos com o governo
Uma das chaves para se entender o sucesso e a do Congo. O navegador foi acompanhado por intérpretes e
riqueza do Reino Ioruba era a habilidade de seus habitantes conhecedores das línguas africanas. No momento em que
para o abastecimento de grandes quantidades de alimentos. retornou a Portugal, levou consigo um grupo de congoleses.
Isto permitiu que a mão-de-obra fosse canalizada para obras Tratados como amigos, os congoleses aprenderam um pouco
de arte voltadas para enaltecer a monarquia. dos hábitos, da religião e da língua do reino. Posteriormente,
foram levados de volta à África com presentes para o
4. O Reino de Benin manicongo.
Este reino situava-se a sudoeste de Ifé. Há indícios A partir daí o relacionamento entre os governos do
de que o reino tenha se desenvolvido entre os séculos XII e Congo e de Portugal apresentou características peculiares.
XIII. Uma das primeiras informações escritas sobre esse
centro urbano de poder e comércio foi feita por um O manicongo se converte ao cristianismo
comerciante de escravos chamado João Afonso Aveiro, no O rei do Congo iniciou um processo de assimilação
final do século XV. Cem anos após o início da visita dos da cultura portuguesa e de estreitamento das relações
portugueses, uma missão holandesa comparou a região com diplomáticas e econômicas em um processo de
Amsterdã. "aportuguesamento".
A monarquia de Benin está intimamente relacionada Disposto a abraçar o catolicismo, em 1489, o rei do
à de Ifé. O primeiro rei, ou obá, de Benin, foi tradicionalmente Congo presenteou o monarca português com alguns escravos,
um descendente de Odudua, chamado Oraniã (orixá das com tecidos de palmeiras e objetos de marfim. Com isso, o rei
profundezas da Terra, filho de Odudua e rei de Ifé). congolês formalizou seu desejo de se converter ao
Diz a lenda que Oraniã ficou em Benin o suficiente catolicismo. Pediu aos portugueses o envio de padres, assim
para ser pai de uma criança que nasceu do seu como de artesãos, mestres de pedraria e carpintaria,
relacionamento com a filha de um chefe local. Assim, seu filho trabalhadores da terra, burros e pastores. Além disso, o
Eweka foi considerado o primeiro rei, ou obá, pela sociedade congolês solicitou ao rei português que providenciasse
de Benin. Alguns historiadores, no entanto, sugerem que o professores para ensinar os mandamentos da fé católica e a
mito do casamento entre Oraniã e uma moça de Benin foi língua portuguesa para o grupo enviado.
criado para esconder a desagradável verdade de que o reino
estava sob domínio de estrangeiros que se tornaram seus
regentes.
No século XV, o famoso obá Ewuare aumentou seu
poder por meio de reformas importantes. Sob seu governo, o
território de Benin se expandiu e o comércio com os europeus
se intensificou. Produtos como pimenta e marfim, monopólio
dos obás, tecidos e escravos eram comercializados
ativamente. Entretanto, o governo, para prevenir a redução da
população nativa, proibiu a exportação de escravos
masculinos, especialmente durante os séculos XVI e XVII.
Assim, importou escravos da África ocidental para serem
comercializados com os europeus.
Ricos e poderosos, os obás se tornaram protetores
de artesãos e artistas. Os artesãos de Benin se
especializaram em esculturas de bronze e cobre. O bronze foi
utilizado sobretudo para a confecção de placas para adornar
as paredes do palácio real; o cobre, utilizado em esculturas de
cabeças para celebrar o poder dos monarcas.
O reino se desintegrou no século XIX, sob o domínio
dos ingleses.