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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES,


Brasil)

C977 Curso de extensão [recurso eletrônico] : curso de formação em


história afro-brasileira / organizadores Adriana Pereira Campos e
Gilvan Ventura da Silva. – Vitória : Ne@ad/Ufes, 2004.
1 CD-ROM : color. ; 4 ³/ 4 pol.
Sistema requerido: Processador Intel ou AMD 300 MHz (mínimo);
64 MB de RAM; Windows 98 ou superior; placa de vídeo de 8
MB (mínimo), kit multimídia e leitor de CD, monitor com padrão
de cores 16 BITS com resolução 800X600.
Conteúdo: As relações entre Brasil e África no contexto do
Atlântico Sul
ISBN: 85-904549-4-0 (Selma Pantoja)
1. África - História. I. 2. Brasil – História. I.Campos, Adriana
Pereira, 1966- II. Silva, Gilvan Ventura da, 1967-
CDU: 94(6)

A África imaginada e a África real

Selma Pantoja
Professora de História da África Universidade de Brasília

A renascença europeia foi, também, a época da institucionalização da escravidão

moderna. Uma instituição civil já conhecida no mundo europeu, no Mediterrâneo.

Acrescente-se, também, a grande dificuldade de reconciliar a "descoberta" das

sociedades da África Negra, na sua organização social, política, cultural, com as

sociedades européias. Foi filtrada a heterogeneidade do espaço social e cultural do

continente extra-europeu por prévios referentes culturais, com imagens c


representações associadas aos africanos. Desde a Antiguidade clássica, as regiões
desconhecidas por eles, como a África, eram tidas e imaginadas corno terras tórridas

sem possibilidades da existência humana. Essas visões ptolomaicas do mundo, que

povoava o continente africano com monstros, na modernidade foram quebradas com as

viagens que contornaram o continente africano. Quebraram-se os mitos herdados dos

tempos clássicos de uma imagem de seres degradados pelo excesso de calor. Apesar da

ruptura dessa visão ptolomaica do mundo, continuaram os europeus a povoar a África

com monstros, embora ninguém duvidasse que era um inundo real. Na modernidade, os

africanos foram vistos como desvios de um pa drão ocidental-cristão, considerado como


norma absoluta.

O Brasil herdou parte desse imaginário e, mais do que isso, tomou parte nessa

construção imaginária no período colonial. E tanto isso é verdade que após o fim do

tráfico de escravos a imagem da África passou a ser, como disse o historiador brasileiro

José Honório Rodrigues, "uma terra tão distante geograficamente e humanamente


como os pólos"

Hoje, o Governo brasileiro, na política de renovação das diretrizes curriculares, e

a Sociedade Civil discutem a introdução, nos livros didáticos, nas escolas e nas

universidades, do estudo da História da África e dos Afro-brasileiros. Nesta discussão

se questiona se entraria uma história da África Geral ou somente aquela relacionada

com a história do Brasil. O que reafirma que ainda a Imagem da África está tão distante
como os pólos.

Com relação ao continente africano, portanto, a desinformação é completa e o

silêncio é perturbador. O silêncio diz muita coisa: historicamente o continente é visto

invariavelmente como o fornecedor de escravos. Hoje em dia urge suprir as muitas

falhas referentes ao ensino da dinâmica da História da África e das diferentes

abordagens da cultura negro-africana além das rela ções daquele continente com as

Américas e não só com o Brasil. Estudar a História da África faz parte do conhecimento
geral, universal. É como estudar História da América, da Europa e da Ásia. É preciso
estudar a África como um todo para entender, por exemplo, que o estudo da História da

África nos períodos recuados não se reduz ao estudo da escravidão. O período da

escravidão atlântica é um pequeno espaço, de um pouco mais de três séculos, na história

milenar de um continente. Convém tratar das múltiplas Áfricas, enunciar as origens da

humanidade naquele continente c a antiguidade das civilizações africanas, discutir a

questão da "anterioridade africana" e as relações ativas dos africanos com os oceanos e

outras partes do mundo. A partir daí, pode-se chegar a uma abordagem de uma História

da África por ela mesma, nas suas realidades e não por conta dos mitos criados do
exterior.

Se a história da África é importante para nos situar no mundo, outras faces de sua

história nos revelam partes indispensáveis de nossa própria formação histórica.

Contudo, advogo a necessidade de que o ensino da História da África seja feito de

maneira global c não parcelar. Um conhecimento da África em porções alimentará um

imaginário especulativo de uma terra longínqua, com risco de mantermos uma visão do
continente tão distante como os pólos.

Contudo, é preciso acentuar que para, o chamado período moderno, onde se situa
o Brasil Colônia, o estudo do continente com o fenômeno da migração forçada dos
africanos é fator fundamental para se chegar a compreender historicamente a população
negra brasileira e a formação do nosso país. Mas a falta de historicidade, inclusive por
parte dos historiadores brasileiros, sobre o período do tráfico de escravos é frontal.
Como aceitar as noções gerais, tantas vezes veiculadas pelos livros, de que coube aos
europeus toda a iniciati va no tráfico de escravos sem nenhuma referência à posição
africana perante tão gigantesco acontecimento no continente negro? O tráfico negreiro
ainda é tratado de forma a ceder ao europeu o papel de único agente no comércio. Como
entender as diferentes posições políticas e económicas tomadas pela rainha Nzinga
Mbandi, no século XVII, nesse tráfico atlântico de escravos? O mundo africano naquele
momento é passado como um ambiente de constan tes guerras "tribais", tendo-se
aproveitado disto os europeus. Mais grave ainda é passar a noção de que toda a
população estava dispersa na floresta c portugueses, holandeses, ingleses etc. os
caçavam jogando-os em navios negreiros. Assim, também, o conhecimento da relação
entre África e Brasil nos séculos anteriores não possui suficiente noção histórica por
falta de conhecimento das dinâmicas das sociedades africanas, provocando nos alunos
noções de urna África estática, sem uma história interna própria, que foi 'despertada'
pelos europeus. A idéia de uma África a-histórica provocada peia colonização européia,
infelizmente, ainda é a predominante no nosso país.

Ao abrir caminho para a formação de professores e pesquisadores africanistas

corno novo campo, o estudo da História da África possibilitará ao ensino secundário um

acesso a textos básicos e a material que lhe permitam problematizar o conteúdo de suas

aulas, a partir de um conhecimento mais aprofundado e ao mesmo tempo panorâmico da

História africana corno um todo, o que parece ser o ponto de partida. Um estudo dessa

monta não considera somente pessoas que atravessaram oceanos mas que com elas
vieram idéias, modo de pensar c estar no inundo.

Corno professora e pesquisadora de história da África, há bem mais de 20 anos,


registrei aqui as minhas inquietações quanto aos problemas centrais do ensino da
história africana, chamada pré-colonial, e das dificuldades e demandas que tenho
encontrado através das muitas conferências que tenho feito pelo Brasil afora e do meu
dia a dia cm sala de aula.

REFERÊNCIA

ROCHA, Maria José e PANTOJA, Selma. Rompendo Silêncios : História da África


nos currículos da educação básica. Brasília: DP Comunicações Ltda., 2004.

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