Você está na página 1de 22

História da África

Material Teórico
A Emergência das Civilizações Africanas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura

Revisão Textual:
Profa. Ms. Rosemary Toffoli
A Emergência das Civilizações Africanas

·· Origem da palavra África


·· O lugar da História da África na história da humanidade
·· As civilizações africanas e a agricultura
·· A metalurgia do ferro
·· Considerações finais

Nesta Unidade estudaremos o surgimento das primeiras civilizações


africanas. O principal objetivo desta Unidade é entender como a África
desenvolveu a agricultura e a metalurgia do ferro na Antiguidade
independente de influências externas e criticar a visão eurocêntrica sobre
esse tema.

Leia atentamente o conteúdo desta Unidade, que lhe possibilitará conhecer as atividades da agricultura
e a metalurgia do ferro na pré-história africana.
Você também encontrará nesta Unidade uma atividade composta por questões de múltipla escolha,
relacionada ao conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater
questões no fórum de discussão.
É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações,
possibilitando-lhe o aprofundamento de seus estudos sobre este assunto.

5
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Contextualização

Para iniciar esta Unidade, leia o texto a seguir:


“Todos os males que acometem a África hoje, assim como todas as venturas que aí se
revelam, resultam de inumeráveis forças impulsionadas pela História. E da mesma forma que a
reconstituição do desenvolvimento de uma doença é a primeira etapa de um projeto racional de
diagnóstico e terapêutica, a primeira tarefa de análise global do continente africano é histórica. A
menos que optássemos pela inconsciência e pela alienação, não poderíamos viver sem memória
ou com a memória do outro. Ora, a história é a memória dos povos”. (KI-ZERBO, Joseph
(Ed.). Introdução. In: História Geral da África I: metodologia e pré-história da África, 2. ed. rev.
Brasília: UNESCO, 2010).

Oriente as suas reflexões pelas seguintes questões:


1. Qual é a importância do conhecimento da História da África?
Para pensar
2. Qual é a relação entre o conhecimento da História da África e a
tomada de atitudes para modificar uma situação histórica?

6
Origem da palavra África

Para o Historiador Joseph Ki-Zerbo (2010), a palavra África possui uma origem difícil de ser
esclarecida. Sabemos que ela foi imposta a partir do povo romano. Após ter designado o litoral
norte‑africano, a palavra África passou a aplicar‑se ao conjunto do continente, pelo menos
desde o fim do século I a. C.

Mas qual é a origem do nome?

a) A palavra África teria vindo do nome de um povo (berbere) situado


ao sul de Cartago: os Afrig. De onde Afriga ou Africa para designar a
região dos Afrig.

b) Uma outra etimologia da palavra África se deve a dois termos fenícios,


um dos quais significa espiga, símbolo da fertilidade dessa região, e o
outro, Pharikia, região das frutas.

c) A palavra África seria derivada do latim aprica (ensolarado) ou do grego


apriké (isento de frio).

d) Outra origem poderia ser a raiz fenícia faraga, que exprime a ideia de
separação, de diáspora.

e) Em sânscrito e hindi, a raiz apara ou africa designa o que, no plano


geográfico, está situado “depois”, ou seja, o Ocidente. A África é um
continente ocidental.

f) Uma tradição histórica diz que um chefe iemenita chamado Africus


teria invadido a África do Norte no segundo milênio antes de Cristo
e fundado uma cidade chamada Afrikyah. Mas é mais provável que
o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração árabe da palavra África.

7
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Fonte: Fsolda/Wikimedia Commons

Sub-regiões da África
África do Norte
África Ocidental
África Central
África Oriental
África do Sul

0 1000 mi

0 1000 km

Fonte: Wikimedia Commons

8
O lugar da História da África na história da humanidade

A história da África é pouco conhecida por nós. O pouco que sabemos dela vem das
imagens trazidas pelos filmes ou documentários produzidos muitas vezes por pessoas e países
não africanos. Essas imagens revelam o nosso pouco conhecimento sobre o tema e que nós
transformamos na imagem real da história da África tal como de fato ocorreu. Nesse contexto,
não é de causar surpresa o lugar pequeno e secundário que foi dedicado à história africana em
todas as histórias escritas da humanidade ou das civilizações.
A história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência.
Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita e isso porque ela foi, durante muito tempo,
desfigurada e mutilada. Esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos,
de exploradores, de missionários, turistas e cineastas de todo tipo, que acabaram por fixar sua
imagem em dois tipos de cenários: a) miséria e barbárie em cenários do tráfico de escravos e nas
infinitas guerras entre os diversos povos; b) exuberância da natureza, com imensas florestas intocadas
e a grande diversidade animal. Essas imagens foram projetadas e extrapoladas ao longo do tempo,
passando a justificar tanto a realidade presente da África quanto o seu futuro. (KI-ZERBO: 2010).
É nesse contexto que surge a importância da obra como a História Geral da África,
publicada a partir dos anos 1980, pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura) e que constitui a principal obra de referência sobre a História
da África. Ela foi produzida ao longo de 30 anos por mais de 350 especialistas das mais variadas
áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39
intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.

Explore: A História Geral da África foi republicada no Brasil em 2010, pelo Ministério da
Educação, em oito volumes, em parceria com a UNESCO. Existe edição digital
fornecida gratuitamente pela UNESCO e pelo MEC.
»» http://goo.gl/fiJWzz
»» http://goo.gl/7WGlwT

As fontes históricas para a História da África


Para o Historiador Joseph Ki-Zerbo (2010), é preciso reconhecer que o manuseio das fontes
históricas, se e quando o Historiador a encontra, para a História da África é particularmente
difícil. Três fontes principais constituem os pilares do conhecimento histórico da África: os
documentos escritos, a arqueologia e a tradição oral.
As fontes escritas: essas fontes são raras e se encontram mal distribuídas no tempo e
no espaço. Os séculos mais desconhecidos da história africana são aqueles que não possuem
informações claras e precisas que surgem dos testemunhos escritos, por exemplo, os séculos
imediatamente anteriores e posteriores ao nascimento de Cristo. Do ponto de vista quantitativo,
grande quantidade de materiais escritos permanece ainda inexplorada em bibliotecas e arquivos
particulares e públicos no mundo todo.

9
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

As fontes arqueológicas: os testemunhos materiais revelados pela arqueologia muitas


vezes “falam” mais do que os documentos escritos. A arqueologia já deu e vai continuar a
dar contribuição valiosa à história africana, sobretudo quando não há fontes orais ou fontes
escritas disponíveis. Objetos‑testemunho, enterrados junto com aqueles a quem testemunham,
são particularmente significativos como indicadores e medidas da cultura: objetos e a tecnologia
envolvida em sua fabricação, cerâmicas com suas técnicas de produção e estilos, peças de vidro,
técnicas de navegação, pesca e tecelagem, produtos alimentícios, etc. Muitos desses artefatos
também indicam uma atitude cultural ou valorativa do povo que os produziu.

As fontes orais: a tradição oral aparece como repositório das criações culturais e da
memória histórica acumulada pelos povos ditos sem escrita: um verdadeiro museu vivo. Seus
guardiões são os anciões de cada povo. Sem dúvida nenhuma, a tradição oral é a fonte histórica
por excelência da História da África e é o que a caracteriza. Muitos dos povos que formam hoje
a África são povos de tradição oral, ou seja, a transmissão da sua cultura se faz de forma oral.
É claro que muitos obstáculos metodológicos e conceituais com este tipo de fonte devem ser
ultrapassados para que se possam obter informações aproveitáveis do ponto de vista científico.

As civilizações africanas e a agricultura


Durante muito tempo, as ideias sobre as origens das civilizações africanas e um dos seus
elementos fundamentais que é a agricultura foram muito influenciadas pelo etnocentrismo.

Etnocentrismo: é uma concepção de mundo segundo a qual nosso próprio grupo é tomado
como centro de tudo e todos os outros grupos são pensados e sentidos através dos nossos
Glossário valores, de nossos modelos e de nossas definições de vida.

É uma região geográfica que abrange diferentes países atuais (Iraque, parte
Oriente Próximo do Irã, parte da Turquia, Síria, Líbano, Israel, Egito) e onde surgiram algumas
civilizações que precederam as civilizações clássicas (Grécia e Roma).

A tendência foi a de sempre considerar o Oriente Próximo não somente como o local de
surgimento da cultura dos cereais mais importantes (trigo, cevada, etc.) e da criação de animais
(cabras, carneiros; mais tarde, bovinos), que são as bases materiais da civilização ocidental, mas
também como o núcleo de origem da própria civilização.
As pesquisas arqueológicas realizadas desde a Segunda Guerra Mundial contribuíram para
modificar em parte esse ponto de vista limitado e preconceituoso. Essas pesquisas mostram a
importância do “crescente fértil” na história da agricultura mundial, mas também revelam o
papel de outras partes do mundo nessa evolução tão importante na história da humanidade: a
produção de alimentos. (PORTERES, R.; BARRAU, J.: 2010).

10
É o nome dado a uma região do Oriente Médio (atual Israel, Jordânia e
Líbano bem como partes da Síria, do Iraque, do Egito, da Turquia e do Irã),
historicamente habitada por diversos povos e civilizações desde os tempos
mais antigos. Seu nome deriva do formato dessa região, em forma de lua
Crescente Fértil crescente, e por ser propícia à agricultura. A região é frequentemente chamada
de “berço da civilização”, por ser ali o local de nascimento e desenvolvimento
de vários povos, que iniciaram o processo de desenvolvimento civilizatório
através da criação de cidades, da agricultura, da roda, da escrita, de diversas
ferramentas, além do desenvolvimento do comércio.

Desse modo, tornou‑se mais evidente o significado das invenções agrícolas e do cultivo de
vegetais na América, do sudeste asiático tropical e, finalmente, a contribuição africana para a
história dessa agricultura mundial. (PORTERES, R.; BARRAU, J.: 2010).
O surgimento de civilizações baseadas na produção em vez da simples apropriação (caça,
pesca e coleta) foi de fato uma revolução técnica, econômica e social, mesmo que ela não
aparecesse com o caráter de ruptura que a palavra sugere. Essa invenção humana permitiu pela
primeira vez a fixação do homem na terra.
O estudo destas civilizações materiais foi durante muito tempo dominado por teorias
difusionistas, de acordo com as quais a África se teria limitado a receber do exterior e adaptar aos
seus diversos territórios as inovações técnicas e materiais desta revolução. Hoje está claro que o
processo foi endógeno (a partir de dentro da África), tanto no que se refere ao aparecimento da
agricultura, como no que diz respeito à transformação dos metais (M’BOKOLO: 2009).

É uma teoria criada na Europa do século XIX que trata do desenvolvimento de


culturas e tecnologias. A teoria defende que uma inovação tecnológica era iniciada
Difusionismo normalmente em uma cultura específica de uma região, para só então ser difundida
por outras regiões de várias maneiras a partir desse ponto inicial.

No entanto, por muito tempo, o papel da África no desenvolvimento da agricultura e de


suas técnicas foi minimizado e até mesmo ignorado, devido aos preconceitos etnocêntricos
dos pesquisadores e ao desconhecimento da origem de várias plantas africanas e, em geral, da
pré‑história do continente. (PORTERES, R.; BARRAU, J.: 2010).

O surgimento da agricultura na África


O pensamento difusionista acredita que a “revolução neolítica”, geradora da agricultura
e da criação dos animais, começou no Oriente, e daí difundindo-se tanto para a Europa, como
para a África. A primeira região atingida foi o Egito, que teria servido de centro de difusão
secundária para a região do Níger, assim como para a Etiópia e a África central. No entanto,
pesquisas recentes reconstruíram inteiramente a origem e a evolução das plantas cultivadas na
África, pondo em evidência o caráter endógeno (a partir de dentro da África) da agricultura
africana. (M’BOKOLO: 2009).

11
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Ou Revolução Agrícola, é a expressão criada pelo arqueólogo Gordon


Childe para designar o movimento que aconteceu na Pré-História, que
marcou a transição do nomadismo para a sedentarização do homem. No
Revolução Neolítica Período Neolítico (de 10.000 a. C. a 3.000 a. C.), as sociedades humanas
desenvolveram técnicas de cultivo agrícola e passaram a ter condições de
armazenar alimentos, isso levou a grupos humanos a se fixarem por mais
tempo em uma região e a criarem cidades.

É evidente que as origens, a diversificação e o desenvolvimento das técnicas agrícolas estão


estreitamente ligados às condições do meio ambiente (clima, hidrografia, relevo, solos, vegetação,
etc.). Embora esses fatores tenham desempenhado um papel importante, até mesmo preponderante,
na origem da agricultura e da criação de animais, não foram, entretanto, os únicos a interferir, pois
esses processos implicavam também elementos da tradição cultural (PORTERES, R.; BARRAU,
J.: 2010). Todo ser humano necessita se alimentar para sobreviver, mas o que consideramos
comida depende de nossa cultura, por exemplo, indianos não comem carne bovina.

No entanto, apesar do domínio do homem sobre os elementos de seu ambiente natural,


ele não foi capaz de se libertar completamente de todas as imposições desse ambiente. Assim,
devemos, primeiramente, considerar as características ambientais que podem ter exercido um
papel preponderante na pré‑história e na história agrícola. No caso da África, faz‑se necessário
verificar as condições do meio ambiente.

Se a era quaternária se caracterizou por oscilações climáticas de forte amplitude, acompanhadas


por alterações incessantes nas paisagens e nos meios, os ecossistemas atuais do continente africano
formaram-se entre 12.000 a. C e 3.000 a. C. anos e deram ao continente a configuração ambiental
propícia ao desenvolvimento das práticas agrícolas (M’BOKOLO: 2009).

Também denominado antropozóico é o mais recente da história do planeta


Era Quaternária Terra e abrange, segundo alguns geólogos, 1,6 milhão de anos. O aparecimento
do homem foi um dos fatos mais importantes do quaternário.

A floresta equatorial, depois de ter encolhido entre 16.000 a. C e 10.000 a. C. recomeçou


a estender-se até conhecer a sua extensão máxima por volta de 3.000 a. C. época a partir
da qual ela recuou, sob a pressão conjugada de um clima mais seco e da ação dos homens.
(M’BOKOLO: 2009).

No próprio interior da floresta, havia alguns tipos de habitats em que se desenvolveram, a


partir de 9.000 a. C., formas de coleta intensiva que iriam levar à agricultura propriamente dita:
as zonas de contato entre a floresta e a savana em particular. (M’BOKOLO: 2009).

Devido a mutações climáticas, as savanas africanas foram o primeiro meio natural ao


quais os homens se adaptaram pela prática da agricultura, os mesmos motivos levaram-nos
em seguida a transformar uma parte da floresta em savana para adaptar o meio natural ao seu
modo de vida e às suas necessidades.

12
É uma região plana cuja vegetação predominante são as gramíneas, com
árvores esparsas e arbustos isolados ou em pequenos grupos. A savana é o
Savana bioma típico das regiões de clima tropical com estação seca. Exemplos de
savanas: Parque Nacional de Serengueti na Tanzânia e o cerrado brasileiro.

Nestas savanas naturais ou criadas pela ação dos


homens, os cereais ocuparam um lugar de primeiro
plano graças às diferentes variedades de sorgo
e graças ao arroz. A história da domesticação do
sorgo reserva muitas surpresas porque se os centros
de origem das espécies bravas são conhecidos e
localizados, desde muito cedo houve cruzamentos
entre eles e muitas variedades de sorgo são
cultivadas há muito tempo na África Oriental e
Austral. (M’BOKOLO: 2009).

No que se refere ao arroz a respeito do qual se disse


durante muito tempo que veio da Ásia, os especialistas
confirmam hoje as indicações de Estrabão que falava
no século I da existência de uma rizicultura (cultura
do arroz) propriamente africana, que contava com
duas variedades africanas que eram diferentes do
Fonte: Wikimedia Commons arroz asiático. (M’BOKOLO: 2009).

Estrabão (64 ou 63 a. C. a 24 d. C.): foi um Historiador, geógrafo e


filósofo grego. Foi o autor da monumental Geographia, um tratado de 17
livros contendo a história e descrições de povos e locais de todo o mundo
Você sabia? que lhe era conhecido à época.

Esse testemunho foi frequentemente ignorado e por muito tempo acreditou‑se que a
rizicultura na África tivesse por origem o arroz asiático. Por volta de 1914 apenas é que se
reconheceu a existência de um arroz especificamente africano.

A partir do delta central do rio Níger (atual Nigéria), as variedades cultivadas de arroz
africano se difundiram por todo o oeste da África até o litoral da Guiné. A coleta da espécie
selvagem é muito antiga. Esse cereal devia ser abundante nas regiões de coleta intensiva,
onde as condições favoreceram o início do cultivo de vegetais. Podemos, portanto, supor
que o cultivo desse arroz é, pelo menos, tão antigo quanto o dos outros cereais africanos.
(PORTERES, R.; BARRAU, J.: 2010).

13
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Mais tarde, as variedades de arroz cultivadas da Ásia foram introduzidas na África,


possivelmente a partir do século VIII pelos árabes (na costa oriental), ou a partir do século XVI
pelos europeus (na costa ocidental).
Isso não quer dizer que não tenha havido nenhuma troca com as outras partes do mundo.
Mas, como mostra o caso das relações entre a África e a Ásia, estas trocas não se fizeram
em sentido único. A África deu à Ásia vários tipos de sorgos, cultivados na Arábia, na Índia,
na Birmânia e na China. Da Ásia, a África recebeu plantas tais como a bananeira, duas
variedades de inhame e a cana-de-açúcar. Foi também da Ásia que a África recebeu, sem
dúvida via vale do Nilo, os animais domésticos ausentes da sua fauna original africana:
caprinos, ovinos e talvez bovinos, cujas espécies selvagens estão comprovadas no Egito Pré-
Neolítico (M’BOKOLO: 2009).

A metalurgia do ferro

A história das origens da metalurgia do ferro na África é um dos domínios em que se


ocorreu muitos equívocos por tentar se elaborar grandes sínteses (ou teorias) antes até de se
ter encontrado informações suficientes e suscetíveis de esclarecer as circunstâncias nas quais
a invenção ou o desenvolvimento progressivo da metalurgia do ferro tiveram lugar na África
(M’BOKOLO: 2009).

Por outro lado, a maior parte das pesquisas arqueológicas, sobretudo na África Ocidental,
foi desenvolvida de maneira a privilegiar os sítios associados a reinos ou impérios cuja
história política era mais ou menos conhecida. Ora, no início, a metalurgia do ferro foi
provavelmente obra de pequenas comunidades camponesas, muito antes da constituição
dos Estados.
Nada prova que as relações estabelecidas em épocas mais recentes entre o desenvolvimento
da metalurgia do ferro e Estados, entre ferro e comércio de longa distância, tenham existido
em épocas mais antigas. Os dados atuais permitem afirmar a endogeneidade da metalurgia do
ferro e também ajudam a esclarecer a distribuição geográfica das populações dominando esta
tecnologia (M’BOKOLO: 2009).

A diversidade dos sítios da metalurgia do ferro


Para a escola difusionista, a metalurgia do ferro teria surgido entre os calibas da Anatólia
(atual Turquia) por volta de 1500 a. C., antes de ser transmitida aos hititas que, conscientes
do seu valor econômico e militar, dela teriam feito o objeto de segredos militares e comerciais
conservados com grande cuidado. (M’BOKOLO: 2009).
A difusão do metal na África ter-se-ia, apesar disso, produzido com relativa rapidez, por um
lado porque os hititas teriam dado como presente aos faraós objetos de ferro e, por outro, porque
após a invasão do Egito pelos hititas, estes teriam sido obrigados a transmitir os segredos
tecnológicos aos seus novos súditos.

14
Povo indo-europeu que no II milênio a. C. fundou um poderoso império na
Hititas Anatólia Central (atual Turquia), cuja queda data dos séculos XIII-XII a. C.

A partir do Egito, as novas técnicas ter-se-iam difundido para o sul do continente, primeiro
para Meroé (antiga cidade da Núbia, região onde atualmente é o Egito e o Sudão), depois de
Meroé para a África Oriental e Central.

No que se refere à África Ocidental teriam sido os fenícios que, depois de ter fundado Cartago
(atual Tunísia) por volta de 800 a. C., teriam primeiramente importado, depois trabalhado
localmente o ferro. A partir de Cartago, o ferro e sua tecnologia teriam progressivamente
alcançado a África subsaariana. (M’BOKOLO: 2009).

A civilização fenícia foi uma cultura comercial marítima que se espalhou por
Fenícios todo o mar Mediterrâneo durante o período que foi de 1500 a. C. a 300 a. C.
Os fenícios realizavam o comércio através de navios chamados de galé.

Essa teoria difusionista do desenvolvimento da metalurgia do ferro na África baseia- se em


hipóteses desenvolvidas sem evidências suficientes.

O surgimento da metalurgia do ferro na África deriva do fato de, diferentemente do que


aconteceu em todas as demais partes, se ter passado diretamente da Idade da Pedra à Idade do
Ferro, sem a intermediação obrigatória da Idade do Bronze ou de uma Idade do Cobre.

Esta espécie de regra sofre algumas exceções na África, cujos exemplos principais se encontram
na Núbia (região parte do atual Egito e parte do atual Sudão), em Akjut na Mauritânia e em Agadés
no Níger. Na Núbia, o trabalho do bronze parece ter sido mais espalhado do que o do ferro até
cerca do século IV a. C.. Na região de Akjut, no sudoeste da Mauritânia, os minerais do cobre e do
ferro locais foram explorados conjuntamente a partir do século V a. C.. Inversamente, no Níger é a
partir do começo do II milênio a. C. que se pode datar o trabalho do cobre. (M’BOKOLO: 2009).

Com o avanço das tecnologias de datações de materiais nos damos conta das fragilidades
das teses difusionistas. Hoje, o mais urgente não é a produção de novas teorias para as quais
as informações existentes ainda são insuficientes, mas a identificação de sítios arqueológicos
que permitam o estudo de contextos sociais e de trabalhos da metalurgia do ferro. Em todas as
regiões da África onde escavações sérias foram feitas dão datas cada vez mais antigas.

Na África ocidental, o sítio conhecido há mais tempo é o de Nok na Nigéria. Mas ele deixou
de aparecer como o mais velho porque datações em outras partes da África dão cronologias
muito antigas para a metalurgia do ferro: 2000 a. C. para Ténéré no Níger; século VII até IX a.
C. para Taruga na Nigéria e para os sítios ruandeses e burundeses. (M’BOKOLO: 2009).

Conhecidos pelos seus objetos em terracota representando cabeças de homens ou de animais,


os mais antigos dos quais datados do século V a. C., Nok e os seus vizinhos do vale da Taruga
forneceram também utensílios de pedra, cerâmica, escórias de fundição de ferro, utensílios e
armas de ferro. (M’BOKOLO: 2009).

15
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

A partir destes artefatos pode-se deduzir a vida nas sociedades nas quais estes objetos foram
produzidos: uma população relativamente densa; uma destruição mais ou menos rápida da
floresta, seja por desmatamento para liberar solos cultiváveis, seja por derrubada de árvores
para obter lenha para queimar; a associação de ritos de proteção e de fertilidade às atividades
agrícolas, já que alguns arqueólogos dizem que as cabeças de terra cozida teriam sido utilizadas
nesses rituais.
Relativamente mais recente (cerca de 250 a. C.), o sítio de Djenné no Mali é bem instrutivo.
A ocupação humana comprovada nesta região é a partir de 250 a. C., sendo os primeiros
habitantes a princípio principalmente pescadores e caçadores, aos quais vieram juntar
agricultores, conhecidos por ter cultivado arroz e organizado um habitat permanente feito de
terra pisada. Não se sabe se a metalurgia do ferro se desenvolveu apenas a partir de iniciativas
locais ou em consequência de relações comerciais (M’BOKOLO: 2009).
O minério de ferro e talvez a lenha para queimar vinham do planalto de Benedugu, situado
a cerca de 60 km mais a sul. Tudo parece indicar que a ocupação e o desenvolvimento do sítio
foram contínuos e que entre cerca de 300 e 800 d. C., Djenné alcançou a sua extensão máxima.
A aldeia de pescadores tinha cedido lugar a uma pequena cidade tirando vantagem da sua
posição à beira do rio Níger. (M’BOKOLO: 2009).
O local constituía um centro de trocas, vivendo do comércio local (peixe seco, óleo de
peixe) ou de longa distância (como parece testemunhar a presença de objetos de cobre e de
ouro, datados desta época) e abrigando uma classe de negociantes ou de chefes afortunados
(aos quais eram destinadas as ricas cerâmicas e os objetos funerários que foram encontrados
pelos arqueólogos).
Ainda mais tardios, os sítios de Daima (nordeste da Nigéria) e de Igbo-Ukwu (leste da
Nigéria) confirmam todas as mudanças econômicas e sociais associadas ao trabalho do ferro.
(M’BOKOLO: 2009).
Em Igbo-Ukwu, a descoberta de um túmulo datado do século IX sugere a associação da
metalurgia do ferro e de um poder político bem elaborado. Este túmulo é, de acordo com
todas as probabilidades, o de um príncipe ou de um detentor de um poder político-religioso.
(M’BOKOLO: 2009).
Um traço comum caracteriza o conjunto destes sítios oeste-africanos: a metalurgia do ferro
e todas as outras inovações que lhe estão associadas foram obra de populações locais, em
conjunto com o povoamento e com as transformações tecnológicas, econômicas e político-
espirituais de grande alcance.
A África central – onde as investigações arqueológicas estão ainda menos avançadas do que em
qualquer outra parte – e a África austral oferecem um quadro bem diferente do da África ocidental.
As datações obtidas na África central não parecem menos antigas do que as da África ocidental
e oriental. Nos Camarões, por exemplo, o sítio de Obobogo, junto de Yaundé, forneceu restos
datados do século IV a. C. e haveria até datas tão antigas como 1000 a. C. / 900 a. C. No
Gabão, é aos séculos II e I a. C. que se pode ascender neste momento. Ruanda, Burundi e
Tanzânia dão datas quase tão antigas (800 a. C. / 700 a. C.). No que se refere ao Zaire (hoje
República Democrática do Congo), é também para o século II a. C. que remetem os traços da
indústria metalúrgica assim como a cerâmica. (M’BOKOLO: 2009).

16
Considerações finais
Através do desenvolvimento endógeno da agricultura e da metalurgia do ferro, demonstra-se
que a África não é inferior em termos de avanços técnicos, nem em relação ao Oriente Próximo,
nem em relação à Europa, considerados os núcleos da “civilização” humana. Essa é uma visão
distorcida da história que não possui base nas evidências de pesquisas mais recentes.
Devido à escravidão negra moderna no Ocidente, difundiu-se um estereótipo do negro
africano como um ser humano inferior e incapaz de realizar avanços na técnica material e
também de construir Estados e “grandes civilizações” como os europeus. Essa visão etnocêntrica
e racista da história aos poucos vai sendo desconstruída e sendo substituída por uma visão
crítica e mais verdadeira da história da África.

17
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Material Complementar

Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, veja o seguinte vídeo no Youtube:
Vídeos:

Historiador Elikia M’Bokolo fala sobre legados civilizatórios da África.


Endereço: https://www.youtube.com/watch?v=kpBjk13BH2E

Livros:
Leia o texto:
KI-ZERBO, Joseph (Ed.). Introdução. In: História Geral da África I: metodologia
e pré-história da África, 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.

Ambos enriquecerão sua compreensão sobre os aspectos históricos e políticos da África.

18
Referências

KI-ZERBO, Joseph (Ed.). Introdução. In: História Geral da África I: metodologia e pré-
história da África, 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.

M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações, tomo I. Salvador: EDUFBA; São
Paulo: Casa das Áfricas, 2009.

PORTERES, R.; BARRAU, J. Origens, desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas, In: História
Geral da África I: metodologia e pré-história da África, 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.

VERCOUTTER, J. Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até
o século V antes da Era Cristã. In: História Geral da África I: metodologia e pré-história da
África, 2. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.

19
Unidade: A Emergência das Civilizações Africanas

Anotações

20

Você também pode gostar