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AULA 7

História e Cultura Africana e Afro-Brasileira


Autor: Prof. Dr. Marcelo Flório

7.1 INTRODUÇÃO

A
unidade 7 tem como objetivo discutir a história e cultura africana e afro-brasileira. No primeiro tópico,
a intenção é apresentar a riqueza presente na diversidade cultural do continente africano. Nesse
sentido, é importante romper com a falsa noção de que a África é um continente homogêneo, à
medida que abriga africanidades, ou seja, “Áfricas” no plural. No segundo tópico da unidade, tem-se
como intento discutir as resistências do negro escravo à opressão e repressão vivenciada na sociedade colonial
brasileira e também apresentar uma reflexão sobre a importância dos valores da cultura afro-brasileira, à
medida que os negros se integraram à cultura brasileira, trazendo valiosas contribuições no tocante à música,
religiosidade, festas, danças, gastronomia, entre outras expressões culturais.
Nessa unidade, serão apresentados os seguintes eixos temáticos:
» » História e Cultura Africana;
» » História e Cultura Afro-Brasileira
Ao final da unidade, espera-se que o estudante seja capaz de:
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

» » Compreender e refletir sobre a importância da história e dos valores presentes na cultura


africana;
» » Entender e valorizar a história e a cultura afro-brasileira.

7.2 HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA


A África tem sido apresentada como um continente homogêneo e concebida como uma região sem
cultura, atrasada, selvagem e primitiva, a partir de uma visão eurocêntrica, que ainda está impregnada
nos valores ocidentais. Com vistas a afastar-se desse padrão preconceituoso, as ciências histórica e
antropológica têm realizado uma revisão conceitual e crítica sobre as imagens negativas e irreais
construídas sobre o continente africano.
A historiadora Antonacci (2009, p. 47) demonstra, em suas reflexões analíticas, que inclusive o filósofo
Hegel, a partir de uma concepção eurocêntrica de mundo, considerava que a África não era o território
da “cultura” e da “história”:
Expressando este domínio nos modos de pensar e interagir, Hegel, em 1830,
na publicação de sua Filosofia da História, considerou que a “África não é uma
parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar (...) nós
os vemos hoje em dia como sempre foram.” Às Áfricas ao sul do Sahara foram
atribuídos caracteres a-históricos, sendo apresentadas – suas regiões, culturas e
povos – pela ausência frente paradigmas eurocêntricos: sem códigos de escrita,
sem arte, sem cultura, sem história e pelo “não ser do escravo”.
Nessa dimensão interpretativa, o estudioso Juvenal Conceição avalia que, no Brasil, historicamente, as
classes dirigentes empreenderam imagens racistas sobre os negros (2012, p. 349):
(...) sempre procuraram construir uma imagem negativa sobre o negro. A
ele está associado tudo que é ´feio´, ´ruim´ e ´demoníaco´. África surge nesta
imagem como símbolo do primitivismo, da selvageria, do atraso, do misticismo,
da feitiçaria, da irracionalidade, do exotismo, do bestial, da brutalidade, da
maldade, do lugar não-civilizado e de clima hostil.
Nessa vertente, pode-se dizer que foi construída a visão de uma África homogênea, que não condiz
com sua realidade histórica e cultural, que é a de um continente que abriga africanidades, ou seja,
“Áfricas” no plural. Nessa linha de raciocínio, é importante que o continente africano seja apresentado
como realmente sempre foi e é: com sua vasta diversidade cultural. Sobre o referido continente, cada
vez mais, é dada visibilidade às realidades culturais africanas, de modo a romper o silêncio quanto às
histórias de seus sujeitos sociais.
Ainda segundo o autor Juvenal Conceição, o fato de que, na atualidade, estão sendo realizadas críticas
às mentalidades eurocêntricas presentes no cotidiano brasileiro contribuem para evitar o silenciamento
e, por sua vez, o apagamento da história e cultura africana. E, desse modo, não conceber a África
como (2012, p. 350):
(...) totalidade única em todos os aspectos ambientais e sociais. A incalculável
diversidade africana é totalmente apagada. Espaços, valores, crenças religiosas,
falares, modelos de sobrevivência, experiências técnicas, a variedade de relações
sociais, as formas de organizar o poder, em fim, toda diversidade de culturas e
histórias é anulada para dar lugar a uma invenção, a África! (concebida) como
única, selvagem, primitiva, demoníaca, atrasada, sem cultura.

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

África: Continente que Abriga Culturas Plurais


A concepção de uma África homogênea, não condiz com sua realida-
de histórica e cultural, que é a de um continente que abriga culturas
africanas, ou seja, “Áfricas” no plural. Nessa linha de raciocínio, é
importante que o continente africano seja apresentado com sua vasta
diversidade cultural. Sobre o referido continente, cada vez mais, é
dada visibilidade às realidades culturais africanas, de modo a romper o
silêncio quanto às histórias de seus sujeitos sociais.

Pode-se identificar que na África Ocidental, antes da chegada dos colonizadores europeus, haviam
os chamados “povos sudaneses”, cujos principais reinos eram: Gana, Mali, Songai, Tacrur, Canem e
Bornu (MATTOS, 2012, p. 18). Dentre estes reinos, a historiadora Souza considera que sobre o reino
Mali é o que se tem mais informações precisas do ponto de vista documental. Por meio de escavações
arqueológicas, descobriu-se que, por volta dos anos 800 da nossa era, já haviam sido estabelecidas
cidades e formas de comércio (2012, p. 34):
O primeiro império da África subsaariana (ou África Negra) sobre o qual se tem
notícias mais precisas é o Mali. Nele, Tombuctu, Jené e Gaô foram importantes
cidades, centros de troca e de concentração de pessoas, graças à rede de rios
que fertilizava as terras e facilitava o transporte na região na curva do Níger.
Dentre os agrupamentos sociais que viviam na floresta ocidental africana podem ser citados os
seguintes povos: Acãs, Ifés, Benin e os povos conhecidos como Iorubás. Entre os povos iorubás, a
religiosidade era definida pelas crenças nas divindades denominadas “orixás” (idem, 2012, p. 41):
Entre os iorubas, as divindades eram conhecidas como orixás. Cada indivíduo
deveria cultuar um orixá específico, revelado por um adivinho. A adivinhação
era conhecida por ifa e o especialista mencionava um verso, dentre inúmeros
que memorizava, apropriado para a situação de quem o procurava. Quem
tinha a devoção por um mesmo orixá, formava um templo para seu culto com
imagens e praticava rituais de devoção.
Os povos pertencentes à África Oriental habitavam as seguintes cidades-estado: Quíloa, Mogadixo,
Mombaça, Moçambique, Zanzibar, Mafia e Melinde. Os povos bantos trouxeram consigo a prática da
agricultura, pastoreio e metalurgia a esta localização geográfica (ibidem, 2012, p. 44):
No século VI, nas terras próximas ao rio Juba ou a Lamu, existia o reino Xunguaia,
que talvez tenha originado a cultura suaíli. Outros afirmam que os suaíli eram
agricultores bantos, vindos dos Grandes Lagos e das montanhas de Kwale, que
desde o ano 500 se expandiram pela costa.
Podem ser citados, dentre os povos bantos, o povo denominado zimbabués, cujo significado era o de
ser a “casa do chefe”. Esse povo era chefiado pelos reis monomotapa. Há versões que relatam, por
volta do século IX, a existência dos denominados “reis carangas” (que eram conhecidos pelo nome
de monomotapa) (ibidem, 2012, p. 49).
O monomotapa era considerado um deus divino e vestia-se com sedas bordadas a ouro (ibidem, 2012,
p. 49):
Os reis caranga eram conhecidos como monomotapa, que queria dizer “o senhor
dos cativos”, o “senhor de tudo”, “o senhor das terras devastadas”, “o senhor
de todos os vencidos na guerra” ou ainda “o filho da terra”. O monomotapa

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

era considerado por todos um rei divino e que possuía o poder de se comunicar
com o ser superior através dos médiuns. Além destes, era cercado e deveria
governar em consenso com os grandes chefes e os funcionários e de acordo
com os costumes da sociedade. O rei teria uma espécie de conselho formado
por nove esposas (nesse caso a palavra esposa representava um título), duas
das quais eram suas irmãs ou parentes e exerciam funções políticas. Uma outra
esposa destinava-se aos deveres sexuais e as demais atuavam como ministras.
Os filhos dos reis eram gerados com as concubinas.
Quanto aos povos habitantes da África Centro-Ocidental, podem ser citados os reinos de Luba e
Luanda, do Congo, de Loango, dos Tios, de Andongo e de Libolo. No reino do Congo, por volta do
século XV, as pessoas acreditavam que os espíritos da natureza eram os controladores da fertilidade
da terra. Os espíritos entravam em contato com os seres humanos por meio de rituais denominados de
“possessão”. E o mal, nessa acepção, era provocado por feitiçaria e que provocava toda a infelicidade
no mundo (ibidem, 2012, p. 52):
Tudo o que não era natural, como a infelicidade, as doenças e a infertilidade,
poderia ser provocado por feitiçarias, e seus praticantes eram perseguidos. No
reino do Congo, no século XVI, os feiticeiros e os bruxos eram divididos entre
os que tinham uma força maligna inata ou estavam sob a possessão de um
espírito maligno e os que utilizavam propositalmente o poder dos espíritos para
fazer o mal.
Em regiões africanas, que compreendem territórios geográficos que vão do Senegal a Moçambique,
por volta dos séculos XV e XVI, as práticas do viver cotidiano eram resolvidas totalmente por meio de
elementos do mundo sobrenatural. De acordo com Souza (2012, p. 44):
(...) numa sociedade como a nossa, na qual quase tudo é explicado pela ciência
e pelo pensamento lógico e racional, o espaço do sobrenatural é bastante
limitado. Já nas sociedades africanas, onde foram capturados os escravos
trazidos para o Brasil, toda a vida na terra estava ligada ao além, a dimensões
que só especialistas, ritos e objetos sacralizados podiam atingir.
Entre os séculos XV e XVI, antes da chegada do comércio e dos colonizadores europeus, a escravidão
entre os africanos já era conhecida. Grande parte das sociedades africanas praticava a chamada
escravidão doméstica. A escravidão era também uma prática da guerra, que era a principal fonte de
escravos. Havia, também, a escravidão por meio de sequestros, que eram realizadas como castigos
por adultério, roubo ou assassinato. De acordo com Mattos (2012, p. 58-59):
(...) Em se tratando de pequenas comunidades, a escravidão servia para aumentar
o numero de componentes da família ou da linhagem, que em média, tinha de
um a quatro escravos. Em sociedades com características urbanas, como a dos
iorubas e a dos haúças, havia mais escravos do que naquelas basicamente rurais.
A principal fonte de escravos era a guerra. Os derrotados tinham, em particular,
suas mulheres e crianças tornadas cativas (...)
Além da guerra, os sequestros eram comuns. A escravidão poderia ser também
imposta como castigos penais por assassinato, adultério e roubo.
É importante observar que a família entre os povos da África Ocidental era de grande significância,
tanto que havia um provérbio que dizia que “sem filhos estás nu”. As famílias que compunham as
aldeias atribuíam valores de extrema importância aos ancestrais mortos e aos homens mais velhos
devia-se devotar respeito e obediência. Essa concepção estava embasada na noção de que a geração
de filhos garantiria uma boa velhice e a continuidade da família. Vale, também, frisar que uma das
formas de constituição da família era por meio de rapto de mulheres, ou pagamento de dotes à
família da noiva (ibidem, 2012, p. 58).

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

História e Cultura Africana: Escravidão e Família


Escravidão na África dos Séculos XV e XVI
Entre os séculos XV e XVI, antes da chegada do comércio e coloni-
zadores europeus, a escravidão entre os africanos já era conhecida.
Grande parte das sociedades africanas praticava a chamada escravidão
doméstica. A escravidão era também uma prática da guerra, que era a
principal fonte de escravos. Havia, também, a escravidão por meio de
sequestros, que eram realizadas como castigos por adultério, roubo ou
assassinato.
O Conceito de Família
A família entre os povos da África Ocidental era de grande significân-
cia, tanto que havia um provérbio que dizia que “sem filhos estás nu”.
As famílias que compunham as aldeias atribuíam valores de extrema
importância aos ancestrais mortos e aos homens mais velhos devia-se
devotar respeito e obediência. A concepção era de a geração de filhos
garantiria uma boa velhice e a continuidade da família. É importante,
também, frisar que uma das formas de constituição da família era
por meio de rapto de mulheres, ou pagamento de dotes à família da
noiva.
Referência Bibliográfica:
MATTOS, R. A. de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contex-
to, 2012.

A oralidade é uma característica de fundamental importância para os povos africanos, desde as


sociedades mais antigas até os dias atuais. A oralidade é considerada uma forma de conhecimento
que é transmitida de geração a geração. De acordo com a linguista Maciel (2011, p. 2), a palavra
ao ser pronunciada, na África Ocidental, não é uma representação presente apenas na imaginação.
Ao contrário, cria realidades que se concretizam na prática, é uma presença, é ação, que produz
transformações e mudanças no cotidiano vivido. Diante desse ponto de vista, em território africano é
importante respeitar o que é dito:
Se a palavra, na África Ocidental, tem grande poder, ao aproximar-se dela,
é importante cuidar e respeitar o que não é possível ser dito. É importante
respeitar o que a palavra fala e o que nela se cala. A palavra traz mais do que
uma ideia, ela traz realidades possíveis, e tem a força de produzir mudanças.
Ela é presença, não como representação do que não está, mas ela mesma,
presente, é ação.
Há, também, determinados ofícios nas sociedades africanas que estão mais relacionados à transmissão
da tradição oral; à medida que a palavra é considerada um conhecimento sagrado. Os gestuais e
movimentos corporais também são importantes na cultura africana. É o caso de profissionais como
os ferreiros, carpinteiros, tecelões, caçadores e agricultores, que realizam suas atividades “ao mesmo
tempo em que entoam cantos ou palavras ritmadas e gestos que representam o ato da criação”
(MATTOS, 2012, p.19).
Os chamados guardiões da tradição oral são os denominados griots, que são responsáveis pela história,
artes, poesia e música da cultura africana. A oralidade é importante porque a palavra é considerada

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

sagrada e não pode ser utilizada de modo imprudente. Na acepção africana, a palavra pode criar,
conservar e proporcionar a paz. Porém, também acreditam que pode, ao mesmo tempo, destruir e
causar até guerras (idem, 2012, p. 19).
Sobre os griots, pode-se afirmar que (ibidem, 2012, p. 19):
Os griots ou animadores públicos também são tradicionalistas responsáveis pela
historia, música, poesia, poesia e contos. Existem os griots músicos, tocadores
de instrumentos, compositores e cantores, os griots embaixadores, mediadores
em caso de desentendimento entre as famílias, e os griots historiadores, poetas
e genealogistas, estes são os contadores de história. Nem todos os griots tem o
compromisso com a verdade como os demais tradicionalistas. A ele é permitido
inventar e embelezar as histórias.
De acordo com a estudiosa Maciel (2011, p.2), os griots na África Ocidental na contemporaneidade,
narram tradições e costumes do cotidiano da vida africana, também, no formato tecnológico:
Griots são narradores, e suas narrativas deslocam o tempo. Insistem em se
manter presentes, insistem em afirmar o passado como presença potente, estes
narradores representificam seu passado. Na África Ocidental, a arte de narrar se
mantém como forte tradição, e vem se incorporando às novas tecnologias, e
é claro, se arrisca nestas incorporações. Os griots hoje se utilizam também de
computadores e laptops em suas narrativas.

A Importância da Oralidade na Cultura Africana da Atualidade


A oralidade é considerada uma forma de conhecimento que é trans-
mitida de geração a geração. De acordo com a linguista Maciel (2011,
p. 2), a palavra ao ser pronunciada, na África Ocidental, não é uma
representação do imaginário. Ao contrário, cria realidades que se con-
cretizam na prática, é uma presença, é ação, que produz transforma-
ções e mudanças no cotidiano vivido. Portanto, em território africano é
importante respeitar o que é dito.
Referência Bibliográfica:
MACIEL, A. S. Olhares estrangeiros. In: XII Congresso Internacional da
ABRALIC. Centro, Centros - Ética, Estética. UFRP: CURITIBA, 2011.

Uma das questões fundamentais no cotidiano de muitas sociedades africanas é que seus modos de
viver, agir e sentir apresentam valores semelhantes aos dos antepassados, de modo a incorporar de
modo valioso o respeito à pluralidade e às diferenças sociais. Segundo a historiadora Souza (2012, p.
169), o grande desafio dos valores africanos no mundo contemporâneo é a valorização de sua história
e cultura, sem que se isolem das novidades dos tempos atuais:
Em muitas regiões, as pessoas mantêm formas de vida e valores muito parecidos
com os de seus antepassados ou então incorporaram de maneira proveitosa as
contribuições vindas de fora. Hoje o grande desafio das sociedades africanas é
manter o respeito à pluralidade e à diferença sem se fechar para as novidades
que podem trazer benefícios às pessoas. Este tem sido o sonho de muitos
pensadores africanos, que conhecem bem tanto os aspectos tradicionais de suas
sociedades quanto os valores e regras do mundo ocidental.

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

Os Griots: Narradores Africanos na Contemporaneidade


Os griots ainda integram a cultura africana na contemporaneidade.
Sobre os griots, Mattos (2012, p. 19) compreende que:
“Os griots ou animadores públicos também são tradicionalistas respon-
sáveis pela historia, música, poesia, poesia e contos. Existem os griots
músicos, tocadores de instrumentos, compositores e cantores, os griots
embaixadores, mediadores em caso de desentendimento entre as
famílias, e os griots historiadores, poetas e genealogistas, estes são os
contadores de história. Nem todos os griots tem o compromisso com a
verdade como os demais tradicionalistas. A ele é permitido inventar e
embelezar as histórias”.
De acordo com a estudiosa Maciel (2011, p.2), os griots na África Oci-
dental, na atualidade, continuam a narrar as tradições e costumes do
cotidiano da vida africana, agora, também, no formato tecnológico:
“Griots são narradores, e suas narrativas deslocam o tempo. Insistem
em se manter presentes, insistem em afirmar o passado como presen-
ça potente, estes narradores representificam seu passado. Na África
Ocidental, a arte de narrar se mantém como forte tradição, e vem se
incorporando às novas tecnologias, e é claro, se arrisca nestas incorpo-
rações. Os griots hoje se utilizam também de computadores e laptops
em suas narrativas”.
Referências Bibliográficas:
MACIEL, A. S. Olhares estrangeiros. In: XII Congresso Internacional da
ABRALIC. Centro, Centros - Ética, Estética. UFRP: CURITIBA, 2011.
MATTOS, R. A. de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto,
2012.

7.3 HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA


Os portugueses iniciaram o tráfico de africanos por volta do século XV. O comércio de escravos negreiros
estava praticamente consolidado em fins do século XVI, quando começaram a demonstrar lucratividade.
É estimado que, de 1550 a 1855, 4 milhões de escravos trazidos da África, entraram em terras brasileiras.
Na época do apogeu do ciclo da economia açucareira no Brasil, em meados do século XVII, a aquisição
de um negro escravo representava um valioso rendimento: “(...) o custo (...) de um escravo negro era
amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho (...)” (FAUSTO, 2012, p. 24).
Os negros escravizados no Brasil chegavam de diversas tribos ou reinos, cada um com suas culturas
próprias, tais como os iorubas, tapas, hauças, angolas, bengalas, monjolos, bantos. Os escravos
provinham de diversas regiões na África e dependiam da organização do tráfico. No século XVI, os
africanos vieram da Guiné (Bissau e Cacheu) e da Costa da Mina. A partir do século XVII, os escravos
chegavam do Congo e Angola, regiões localizadas ao sul do continente africano. No século XVIII,
os angolanos representavam 70% dos negros escravizados trazidos para o Brasil. De acordo com o
historiador Fausto, os estados que mais receberam os negros escravos foram Salvador e depois Rio de

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Janeiro, sendo que Salvador recebeu escravos principalmente ligados à Costa da Mina, Guiné e golfo
de Benim e os do Rio de Janeiro vinham basicamente de Angola (idem, 2012, p. 25).
A escravidão africana não sofria oposição da Coroa Portuguesa e nem da Igreja Católica. Também
do ponto de vista legislativo, o negro não contava com leis que o protegiam contra a escravidão,
porque este era considerado um “produto”. Nesse sentido, diversas argumentações justificavam a
escravidão. Dentre estas, as mais utilizadas foram a visão salvacionista e a explicação advinda de
teorias científicas racistas.
A explicação salvacionista preconizava que o negro que, era considerado uma raça inferior segundo
ótica da cultura europeia, já se encontrava escravo na África e, então, o seu transporte para as regiões
cristãs apenas teria a preocupação em salvá-lo e civilizá-lo por meio de uma verdadeira religião.
A outra explicação tinha como base as teorias científicas racistas do século XIX, que enfatizam o
preconceito, considerando que “o tamanho e a forma do crânio dos negros, o peso de seu cérebro etc.
demonstravam que se estava diante de uma raça de baixa inteligência e emocionalmente instável,
destinada biologicamente à sujeição” (ibidem, 2012, p. 26).

Explicação Salvacionista e Explicação Científica Racista do Século XIX:


Justificativas para a Escravidão Africana no Brasil.
Diversas argumentações justificavam a escravidão. Dentre estas, as
mais utilizadas foram a visão salvacionista e a explicação advindas de
teorias científicas racistas.
A explicação salvacionista preconizava que o negro, que era consi-
derado uma raça inferior segundo ótica da cultura europeia, já se
encontrava escravo na África e o seu transporte para as regiões cristãs
apenas teria a preocupação em salvá-lo e civilizá-lo por meio de uma
verdadeira religião.
A outra explicação tinha como base as teorias científicas racistas do
século XIX, que enfatizam o preconceito, considerando que “o tamanho
e a forma do crânio dos negros, o peso de seu cérebro etc. demonstra-
vam que se estava diante de uma raça de baixa inteligência e emo-
cionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição” (ibidem,
2012, p. 26).
Referência Bibliográfica:
BORIS, F. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2012, p. 26.

Na sociedade colonial brasileira existiam distinções para o negro escravo determinadas pela visão
eurocêntrica, que se referiam ao tipo de trabalho qualificado para cada cativo. Havia o negro
considerado apto para o trabalho na casa-grande, o negro apto para ser escravo no campo ou em
grande propriedade e o “escravo de ganho” na cidade. Quanto ao escravo de ganho, Fausto relata
que (ibidem, 2012, p. 32):
Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu ´ganho´, prestando serviços
ou vendendo mercadorias, e cobravam em troca uma quantia fixa paga por dia
ou por semana. Escravos de ganho foram utilizados em pequena e em larga
escala, de um único cativo a trinta ou até quarenta. Se a maioria deles exercia

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

sua atividade nas ruas, caindo inclusive na prostituição e na mendicância com o


assentimento de seus senhores, existiram também barbeiros instalados em lojas
ou operários enquadrados nessa modalidade.
Havia distinções para os negros escravos que se referiam, também, à cor da pele, nacionalidade e
tempo de permanência no Brasil (ibidem, 2012, p. 32):
1) Boçal: era o cativo que havia recém-chegado do continente africano e não conhecia a língua e
nem os costumes e hábitos do Brasil Colônia.
2) Ladino: era o escravo negro que estava praticamente adaptado à vida brasileira e que falava e
compreendia a língua portuguesa.
3) Crioulo: era o cativo nascido na sociedade brasileira colonial.
4) Os Mulatos e Crioulos: eram preferidos para as atividades domésticas, atividades artesanais e
de supervisão.
5) Os negros considerados “escuros”, ou seja, os africanos: eram coletados como escravos para
os trabalhos pesados.
A escravidão do africano fez parte de toda a sociedade colonial brasileira e interferiu nos modos de
agir, pensar e sentir do povo brasileiro. Nesse período histórico, era desejo de todos “ser” dono de
escravos, o que incluía desde indivíduos da classe dominante até simples artesãos. Ainda segundo o
estudioso Fausto, o preconceito em relação ao negro ultrapassou o período da escravidão e chega, até
nossos dias, modificado; racismo este que precisa ser banido da cultura brasileira (ibidem, 2012, p. 33):
A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade,
condicionando seu modo de agir e de pensar. O desejo de ser dono de escravos,
o esforço para obtê-los ia da classe dominante ao modesto artesão das cidades.
Houve senhores de engenho e proprietários de minas com centenas de
escravos, pequenos lavradores com dois ou três, lares domésticos com apenas
um escravo.

A Escravidão Africana na Socidade Colonial Brasileira


A escravidão do africano fez parte de toda a sociedade colonial brasi-
leira e interferiu nos modos de agir, pensar e sentir do povo brasileiro.
Nesse período histórico, era desejo de todos “ser” dono de escravos, o
que incluía desde indivíduos da classe dominante até simples artesãos.
Ainda segundo o estudioso Fausto, o preconceito em relação ao negro
ultrapassou o período da escravidão e chega, até nossos dias, modifi-
cado; racismo este que precisa ser banido da cultura brasileira.
Referência Bibliográfica:
BORIS, F. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2012, p. 32.

É significativo ressaltar uma distinção entre a escravidão indígena e africana no Brasil colonial, pois
a realidade do indígena escravizado não equivalia à realidade do negro escravo. Já o índio teve uma
proteção de ordens religiosas que colocou limites em sua exploração e, inclusive, a Coroa Portuguesa
implantou políticas menos discriminatórias em relação aos índios, o que não aconteceu com os
africanos escravizados (ibidem, 2012, p. 31):

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

(...) Do início da colonização até ser extinta formalmente a escravidão indígena,


houve índios cativos e os chamados forros ou administrados. Estes eram índios
que, após a captura, tinham sido colocados sob a tutela dos colonizadores. Sua
situação não era muito diversa dos cativos. Entretanto, se em geral a situação
do índio era muito penosa, não equivalia à do negro. A proteção das ordens
religiosas nos aldeamentos indígenas impôs limites à exploração pura e simples.
A própria Coroa procurou estabelecer uma política menos discriminatória.
É de suma importância observar que, tal como os indígenas, os negros não aceitaram a escravidão
de forma passiva. Os negros resistiam por meio de diversas táticas, tais como fugas, agressões,
resistências cotidianas e até a criação de quilombos, cujo objetivo do negro era recompor formas
de organização social existentes em território africano. Nessa vertente, pode-se dizer que os negros
escravizados no Brasil realizaram(ibidem, 2012, p. 25):
(...) Fugas individuais ou em massa, agressões contra senhores, resistência
cotidiana fizeram parte das relações entre senhores e escravos desde os
primeiros tempos. Os quilombos, estabelecimentos de negros que escapavam
à escravidão pela fuga e recompunham no Brasil formas de organização social
semelhantes às africanas, existiram às centenas no Brasil colonial. Palmares –
uma rede de povoados situada em uma região que hoje corresponde em parte
ao Estado de Alagoas – foi um destes quilombos (...).
As fugas de negros cativos como resistência à escravidão eram mencionadas em jornais em nas
primeiras décadas do século XIX. Pode-se exemplificar essa prática com o seguinte trecho do jornal
O Farol Paulistano, que publicou o anúncio realizado pelo Juiz de Paz, em 1830 (apud MATTOS, 2012,
p. 129-130):
Ontem pela manhã me enviou um negro do gentio de Guiné, muito boçal,
e trajado à maneira dos que vem em comboio, e me disse, (que) foi pego
vagando como perdido. Por intérprete apenas pude colher que ainda não era
batizado e que, saindo a lenhar, se perdeu: queria por tanto V.M. inserir este
anúncio em sua folha, a fim de aparecer dono, sobre o que declaro, que se
não aparecer por 15 dias, contados da publicação da folha, hei de remetê-lo a
Provedoria dos Resíduos.
Havia anúncios de escravos fugidos recém-chegados do continente africano, também pelo jornal O
Farol Paulistano, em 1828 (apud MATTOS, 2012, p. 130):
Acha-se em casa do Alferes Francisco Martins (Bonilha), morador em S. Bernardo,
um preto fugido de nação Congo, que ainda não fala português – Terá de idade
21 anos, altura pouco mais que ordinária, fula, tem camisa e seroula de algodão,
coberta branca, a camisa tem mangas curtas, e o dito preto quando se pegou
trazia uma foice e uma enxada.
Quando o negro fugido era recuperado pelo proprietário, não escapava de intensos castigos físicos, que
segundo Mattos, compreendiam “desde a prisão no tronco, o açoitamento até o uso de gargalheira,
uma espécie de coleira de ferro com hastes e ganchos acima da cabeça” (idem, 2012, p. 130).
Diante das péssimas condições de vida em cativeiro e das punições e castigos dos proprietários de
escravos, muitos viam no suicídio o caminho para abortar a situação de escravização na sociedade
colonial. Grande parte dos suicídios era empreendido por meio de afogamentos em mares ou rios.
Alguns grupos africanos advindo da região centro-ocidental chamavam o mar de Kalunga e este
representava a “separação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”. Quando foram retirados
de sua terra natal, para serem escravizados, acreditavam que a América era o sinônimo do mundo dos
mortos. Então, pensavam que ao fazerem o trajeto contrário encontrariam o mundo dos vivos. Desse
modo, a estudiosa Mattos afirma (ibidem, 2012, p.131):

108
AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

(...) realizando o caminho inverso, atravessando o mar ou um rio, eles voltariam


para a África e encontrariam o mundo dos vivos, dos seus descendentes e
renasceriam. No caso do suicídio por afogamento, os africanos achavam que
assim, por meio da agua dos rios (ou mares), libertariam sua alma para fazer a
travessia de volta à sua terra.

América: Separação entre o Mundo dos Vivos e dos Mortos


Diante das péssimas condições de vida em cativeiro e das punições
e castigos dos proprietários de escravos, muitos viam no suicídio o
caminho para abortar a situação de escravização na sociedade colonial.
Grande parte dos suicídios era empreendido por meio de afogamentos
em mares ou rios. Alguns grupos africanos advindo da região centro-
-ocidental chamavam o mar de Kalunga e este representava a “sepa-
ração entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”. Quando foram
retirados de sua terra natal, para serem escravizados, acreditavam que
a América era o sinônimo do mundo dos mortos. Então, pensavam que
ao fazerem o trajeto contrário encontrariam o mundo dos vivos.
Referência Bibliográfica
MATTOS, R. A. de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto,
2012.

Trecho de “Navio Negreiro” do poeta baiano Castro Alves


Castro Alves (1847-1871) foi um poeta baiano que combateu a escra-
vidão africana por meio de sua poesia
Era um sonho dantesco... o tombadilho,
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, levantando às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, assustadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
chora e dança, ali.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!

109
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
...Mas é infâmia demais...

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!

Confira o trecho da poesia de Castro Alves, declamado e interpreta-


do pela cantora Maria Bethânia, no link: http://www.youtube.com/
watch?v=DuP8jft4K3g

A vida dos escravos negros nas fazendas de café, a partir de metade do século XIX, viram suas condições
de vida melhorar devido à atuação de movimentos abolicionistas. No entanto, o cotidiano do ritmo de
trabalho tornou-se mais repressivo e os castigos ampliados. Diante desse fato, as reações dos negros
cativos tornaram-se mais intensas a partir da década de 1880, com intensas insubordinações (ibidem,
2012, p. 132).
Dentre as insubordinações realizadas por escravos fugidos, podem ser citados os quilombos. Os
quilombos ou mocambos eram comunidades independentes que surgiram em diversas localidades
brasileiras e tinham como características a interação com camadas da sociedade, tais como: indígenas,
comerciantes e pequenos agricultores (ibidem, 2012, p. 137):
Alguns escravos fugidos construíam comunidades independentes, mas não
muito isoladas, para que pudessem interagir com a sociedade, comercializando
sua produção agrícola, mesmo que de forma clandestina, com a ajuda de
pequenos comerciantes, agricultores e até mesmo escravos.
À medida que os quilombos (ou mocambos) iam surgindo, cada vez em maior
número e em diferentes locais, a repressão aumentava, sendo feita por iniciativa
dos proprietários, que colocavam os capitães do mato em busca dos fugitivos ou
contratavam agregados para capturá-los, ou por iniciativa governamental, com
expedições militares e leis mais severas.
O quilombo de Palmares foi um dos que teve maior duração no tempo, dentre outros quilombos
brasileiros, e data do século XVII. Estava localizado na região da Zona da Mata, em Alagoas e havia
uma aldeia central que abarcava seis mil integrantes. O líder do quilombo foi Ganga Zumba, que fez
um acordo com o governador de Pernambuco que lhes garantiria a posse de terra em Cucaú, em
Alagoas. Entretanto, outros integrantes de Palmares não aceitaram o tratado de paz e, dentre eles,
Zumbi, que assassinou Zumba e tornou-se o novo líder de Palmares. O quilombo foi destruído em1694
por meio de uma expedição paulista. Após tentativas de fuga, Zumbi foi preso, teve sua cabeça
decapitada e exposta à sociedade (ibidem, 2012, p. 137).
Após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, o negro liberto passou a reivindicar seus direitos
sociais, como qualquer brasileiro, e vários e importantes movimentos sociais lutaram e têm lutado até
hoje contra o racismo, que insiste em vigor na realidade brasileira.
Pode-se falar em cultura afro-brasileira, à medida que os negros se integraram à cultura brasileira. O
termo afro-brasileiro faz referência aos elementos culturais produzidos como fruto da miscigenação
e mestiçagem produzida entre negros e brancos, que também tiveram misturas com elementos da
cultura indígena. Souza (2012, p. 132) ressalta que o negro está presente na cultura brasileira por
meio de seus traços físicos e, principalmente, na música e na religiosidade:

111
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Essas misturas estão muito mais presente do que podemos perceber a um


primeiro olhar, mesmo que este já mostre uma quantidade importante de
contribuições africanas em nossa formação.
(...) Além dos traços físicos, talvez seja na música e na religiosidade que a
presença africana esteja mais evidente entre nós.
A presença africana na música pode ser identificada especialmente pelo instrumento: tambor. O
tambor que é geralmente o instrumento mais importante em festividades e danças presentes na
cultura afro-brasileira: “Ao lado do tambor, outros instrumentos, como o berimbau, o agogô, o reco-
reco, se juntaram aos de origem lusitana, como o pandeiro, a viola e a rabeca, e são utilizados em
grande variedade de danças e festas” (idem, 2012, p. 134).
As congadas, maracatus, capoeiras e reisados são demarcados pelos ritmos africanos, como também
os sambas de roda, de umbigada e os jongos. O jongo é uma dança de roda (ibidem, 2012, p. 134):
(..) feita em torno de tambores, geralmente dois, sendo um maior e outro
menor. Dela fazem parte cantadores que se envolvem em desafios verbais,
nos quais adivinhações são lançadas, ou então situações vividas por membros
das comunidades são a todos comunicadas, numa espécie de crônica dos
principais acontecimentos, enquanto os dançadores ocupam o centro de uma
roda formada por todos os participantes (...).
Quanto à capoeira, é uma manifestação cultural que teve influência africana: “Os elementos africanos
da capoeira são evidentes: os instrumentos musicais (tambor e berimbau), a formação em roda, a
ginga, os ritmos, muitas da letras dos pontos cantados, os passos da dança” (SOUZA, 2012, p. 131).
A capoeira é, hoje, uma brincadeira que serviu, no passado escravista, como resistência a roubos e foi
amplamente utilizada como resposta à repressão sofrida por autoridades e, de um modo geral, contra
a opressão sofrida na sociedade colonial brasileira como um todo (MATTOS, 2012, p. 217). Sobre a
capoeira, muitos grupos afirmam que é resultado da combinação de determinados elementos culturais
e, que apenas no Brasil, essa combinação resultou em uma manifestação cultural nova (essa é a
vertente Regional), enquanto outros grupos afirmam que formas parecidas com a capoeira já existiam
na região de Angola (essa é a vertente Angola) (ibidem, 2012, p. 131). A historiadora Souza comenta
e promove uma indagação reflexiva a esse respeito:
As tensões existentes entre essas duas tendências são reflexo de duas posturas
diferentes com relação às nossas heranças africanas. Uma evoca os laços
que nos unem à África, em especial a Angola, outra chama a atenção para a
originalidade brasileira, fruto de uma mestiçagem. A divisão entre a capoeira
Angola e a Regional expressa um dilema constante em nossa história, ou seja,
devemos chamar a atenção para nosso lado africano ou tentar minimizá-lo,
destacando a originalidade das mestiçagens, que deixam de ser africanas para
se tornarem apenas brasileiras?
O samba brasileiro também recebeu influências da cultura africana, especificamente de danças
originárias da África Centro-Ocidental. A palavra provavelmente deriva de semba, que significa brincar,
divertir-se e também significa umbigada. Segundo Mattos (2012, p. 195): “Já para os bacongos e
congueses representa uma dança em que um participante bate o peito contra o peito do outro. Na
língua quimbundo di-semba quer dizer umbigada, que no Brasil é encontrada no batuque, lundu,
jongo, baiano, coco, calango, samba rural”.
A musicalidade africana também está presente em manifestações contemporâneas como o hip-hop e
o rap. A presença africana unem os negros dos Estados Unidos aos negros do Brasil: “Tanto os ritmos
marcados e repetitivos quanto a força da palavra, e especialmente da palavra cantada, remete a
características das sociedades africanas” (SOUZA, 2012, p.138).

112
AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

Dica de Documentário Sobre a Cultura Afro-Brasileira


Documentário DVD - O Povo Brasileiro (baseado na obra do antropólo-
go Darcy Ribeiro)
Editor: Paulus
Ano: 2009
O programa “Matriz Afro”, do documentário “O Povo Brasileiro”,
descortina o continente africano como contendo sociedades heterogê-
neas e que os povos africanos que desembarcaram no Brasil impreg-
naram significativamente nossos costumes, nossa religiosidade, nossa
produção artística e nossa gastronomia com criatividade. Os negros
formaram a “massa substancial”, de acordo com Darcy Ribeiro e, que
resultou no florescimento de nossa cultura miscigenada e, portanto, no
que é o Brasil.
(confira o programa no link: http://www.youtube.com/
watch?v=vwj1GBEYr_s)
Já no Programa “Brasil Crioulo”, do documentário “O Povo Brasileiro”,
discute-se o primeiro modo de ser dos brasileiros produzidos com a
civilização do açúcar. Apresenta-se a opulência e a aristocracia geradas
a partir dessas novas práticas sociais instituídas nas cidades coloniais
brasileiras, como também o poderio do Senhor de Engenho, o cotidia-
no das colônias brasileiras, como também a vida cruel das senzalas.
Mostra-se como a abolição da escravidão levou os negros à margina-
lização, porém o negro soube criar um mundo paralelo, que logo se
integrou à cultura brasileira. (confira o programa no link: http://www.
youtube.com/watch?v=_MXnEw1rfss)
Excerto do texto de:
FLÓRIO, M. Miscigenação e Sincretismo do Povo Brasileiro. In: Revista
Páginas Abertas. São Paulo: Paulus, v. 34, 2009, p. 36-37.

Dica de Música Afro-Brasileira


Yayá Massemba ( A composição apresenta elementos da cultura afro-
-brasileira) Confira a composição interpretada pela cantora baiana Ma-
ria Bethânia, no link: http://www.vagalume.com.br/maria-bethania/
ya-ya-massemba.html
Composição: Roberto Mendes e Capinam
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito

113
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Kawo Kabiecile Kawo


Okê arô oke
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar o seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê
Samba á
o Batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
Ê semba ê
Samba á
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
Ê semba ê
Samba á
No balanço das ondas
Okê aro
Me ensinou a bater seu tambor
Ê semba ê
Samba á
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawo Kabiecile Kawo
Okê arô oke
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar o seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê ê samba á
é o céu que cobriu nas noites de frio
minha solidão
Ê semba ê ê samba á
é oceano sem, fim sem amor, sem irmão

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

ê kaô quero ser seu tambor


Ê semba ê ê samba á
eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
luar de luanda em meu coração
umbigo da cor
abrigo da dor
a primeira umbigada massemba yáyá
massemba é o samba que dá
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas!
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas!

A religiosidade é outro elemento fundamental em que consta a presença africana em nossa cultura.
No Brasil, as religiões africanas foram transformadas e nos terreiros que abrigam candomblés e
umbandas, há a força da cultura africana tanto na postura dos corpos, nos gestos, na dança em círculos
fortemente marcada pelos tambores, que são considerados, tanto no Brasil como na África, como
intermediários com o universo sagrado. Diante desse fato, o tambor não pode ser tocado por qualquer
pessoa ou em qualquer situação. De acordo com a historiadora Souza (2012, p. 133), diversos ritmos
dos tambores acompanham a incorporação de entidades:
Os ritmos acelerados que os tocadores tiram deles acompanham o transe
de médiuns, por meio dos quais as entidades do além se manifestam,
frequentemente assumindo posturas corporais e vozes diferentes. Cada ritmo
permite a incorporação de uma entidade sobrenatural, que tem toque, cores,
adereços, roupas, comidas e gestos próprios. Cada terreiro tem seus orixás, cada
médium recebe determinadas entidades, em número limitado.
Dentre outros elementos culturais que constatam a presença africana na cultura brasileira, por
fim, vale observar que a cultura africana está presente, também, na gastronomia brasileira, mais
especificamente na culinária baiana, tais como o uso da pimenta, do azeite de dendê e pratos como
acarajé, vatapá, alua e xinxim de galinha que tem receitas parecidas na África. Não se pode deixar
de mencionar que o inhame, cará e a banana vieram do continente africano (idem, 2012, p. 135).

SÍNTESE
Geralmente, a África tem sido apresentada como um continente homogêneo e concebida como uma
região sem cultura, atrasada, selvagem e primitiva, a partir de uma visão eurocêntrica, que ainda está
impregnada nos valores ocidentais. Com vistas a afastar-se desse padrão preconceituoso, as ciências
histórica e antropológica têm realizado uma revisão conceitual e crítica sobre as imagens negativas e
irreais construídas sobre o continente africano.
Nessa vertente, pode-se dizer que foi construída a visão de uma África homogênea, que não condiz
com sua realidade histórica e cultural, que é a de um continente que abriga africanidades, ou seja,
“Áfricas” no plural. Nessa linha de raciocínio, é importante que o continente africano seja apresentado
como realmente sempre foi e é: com sua vasta diversidade cultural. Sobre o referido continente, cada

115
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

vez mais, é dada visibilidade às realidades culturais africanas, de modo a romper o silêncio quanto às
histórias de seus sujeitos sociais.
Foi debatido que, dentre os povos bantos, havia o destaque do povo denominado zimbabués, cujo
significado era o de ser a “casa do chefe”. Esse povo era chefiado pelos reis monomotapa. Há versões
que relatam, por volta do século IX, a existência dos denominados “reis charangas” (que eram
conhecidos pelo nome de monomotapa) (ibidem, 2012, p. 49). O monomotapa era considerado um
deus divino e vestia-se com sedas bordadas a ouro.
Discutiu-se que, em regiões africanas, que compreendem territórios geográficos que vão do Senegal a
Moçambique, por volta dos séculos XV e XVI, as práticas do viver cotidiano eram resolvidas totalmente
por meio de elementos do mundo sobrenatural.
Entre os séculos XV e XVI, antes da chegada do comércio e dos colonizadores europeus, a escravidão
entre os africanos já era conhecida. Grande parte das sociedades africanas praticava a chamada
escravidão doméstica. A escravidão era também uma prática da guerra, que era a principal fonte de
escravos. Havia, também, a escravidão por meio de sequestros, que eram realizadas como castigos
por adultério, roubo ou assassinato.
A oralidade é uma característica de fundamental importância para os povos africanos, desde as
sociedades mais antigas até os dias atuais. A oralidade é considerada uma forma de conhecimento
que é transmitida de geração a geração. A palavra ao ser pronunciada, na África Ocidental, não é uma
representação presente apenas na imaginação. Ao contrário, cria realidades que se concretizam na
prática, é uma presença, é ação, que produz transformações e mudanças no cotidiano vivido.
Os chamados guardiões da tradição oral são os denominados griots, que são responsáveis pela história,
artes, poesia e música da cultura africana. A oralidade é importante porque a palavra é considerada
sagrada e não pode ser utilizada de modo imprudente. Na acepção africana, a palavra pode criar,
conservar e proporcionar a paz. Porém, também acreditam que pode, ao mesmo tempo, destruir e
causar até guerras.
Discutiu-se, também, que a escravidão africana na sociedade colonial brasileira não sofria oposição da
Coroa Portuguesa e nem da Igreja Católica. Também do ponto de vista legislativo, o negro não contava
com leis que o protegiam contra a escravidão, porque este era considerado um “produto”. Nesse
sentido, diversas argumentações justificavam a escravidão. Dentre estas, as mais utilizadas foram a
visão salvacionista e a explicação advinda de teorias científicas racistas.
É de suma importância observar que, tal como os indígenas, os negros não aceitaram a escravidão
de forma passiva. Os negros resistiam por meio de diversas táticas, tais como fugas, agressões,
resistências cotidianas e até a criação de quilombos, cujo objetivo do negro era recompor formas de
organização social existentes em território africano. Os quilombos ou mocambos eram comunidades
independentes que surgiram em diversas localidades brasileiras e tinham como características a
interação com camadas da sociedade, tais como: indígenas, comerciantes e pequenos agricultores.
Após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, o negro liberto passou a reivindicar seus direitos
sociais, como qualquer brasileiro, e vários e importantes movimentos sociais lutaram e têm lutado até
hoje contra o racismo, que insiste em vigor na realidade brasileira.
Pode-se falar em cultura afro-brasileira, à medida que os negros se integraram à cultura brasileira. O
termo afro-brasileiro faz referência aos elementos culturais produzidos como fruto da miscigenação
e mestiçagem produzida entre negros e brancos, que também tiveram misturas com elementos da
cultura indígena.

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AULA 6 - HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA NO BRASIL

Por fim, discutiu-se que o negro está presente em diversas dimensões da cultura brasileira por meio
de seus traços físicos e, principalmente, na música e na religiosidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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do Programa de Pós-Gradução em História. Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 46 – 67, jan./jun. 2009.
BORIS, F.. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2012.
CONCEIÇÃO, J. de C. A ideia de África: obstáculo para o ensino de história africana no Brasil. In:
Diásporas. Projeto História, São Paulo, n. 44, pp. 9-22, jun. 2012.
FLÓRIO, M. Miscigenação e Sincretismo do Povo Brasileiro. In: Revista Páginas Abertas. São Paulo:
Paulus, v. 34, 2009, p. 36-37.
MACIEL, A. S. Olhares estrangeiros. In: XII Congresso Internacional da ABRALIC. Centro, Centros - Ética,
Estética. UFRP: CURITIBA, 2011.
MATTOS, R. A. de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2012.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia da Letras,
2012.
SOUZA, M. de M. e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2012.

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