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7.1 INTRODUÇÃO
A
unidade 7 tem como objetivo discutir a história e cultura africana e afro-brasileira. No primeiro tópico,
a intenção é apresentar a riqueza presente na diversidade cultural do continente africano. Nesse
sentido, é importante romper com a falsa noção de que a África é um continente homogêneo, à
medida que abriga africanidades, ou seja, “Áfricas” no plural. No segundo tópico da unidade, tem-se
como intento discutir as resistências do negro escravo à opressão e repressão vivenciada na sociedade colonial
brasileira e também apresentar uma reflexão sobre a importância dos valores da cultura afro-brasileira, à
medida que os negros se integraram à cultura brasileira, trazendo valiosas contribuições no tocante à música,
religiosidade, festas, danças, gastronomia, entre outras expressões culturais.
Nessa unidade, serão apresentados os seguintes eixos temáticos:
» » História e Cultura Africana;
» » História e Cultura Afro-Brasileira
Ao final da unidade, espera-se que o estudante seja capaz de:
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Pode-se identificar que na África Ocidental, antes da chegada dos colonizadores europeus, haviam
os chamados “povos sudaneses”, cujos principais reinos eram: Gana, Mali, Songai, Tacrur, Canem e
Bornu (MATTOS, 2012, p. 18). Dentre estes reinos, a historiadora Souza considera que sobre o reino
Mali é o que se tem mais informações precisas do ponto de vista documental. Por meio de escavações
arqueológicas, descobriu-se que, por volta dos anos 800 da nossa era, já haviam sido estabelecidas
cidades e formas de comércio (2012, p. 34):
O primeiro império da África subsaariana (ou África Negra) sobre o qual se tem
notícias mais precisas é o Mali. Nele, Tombuctu, Jené e Gaô foram importantes
cidades, centros de troca e de concentração de pessoas, graças à rede de rios
que fertilizava as terras e facilitava o transporte na região na curva do Níger.
Dentre os agrupamentos sociais que viviam na floresta ocidental africana podem ser citados os
seguintes povos: Acãs, Ifés, Benin e os povos conhecidos como Iorubás. Entre os povos iorubás, a
religiosidade era definida pelas crenças nas divindades denominadas “orixás” (idem, 2012, p. 41):
Entre os iorubas, as divindades eram conhecidas como orixás. Cada indivíduo
deveria cultuar um orixá específico, revelado por um adivinho. A adivinhação
era conhecida por ifa e o especialista mencionava um verso, dentre inúmeros
que memorizava, apropriado para a situação de quem o procurava. Quem
tinha a devoção por um mesmo orixá, formava um templo para seu culto com
imagens e praticava rituais de devoção.
Os povos pertencentes à África Oriental habitavam as seguintes cidades-estado: Quíloa, Mogadixo,
Mombaça, Moçambique, Zanzibar, Mafia e Melinde. Os povos bantos trouxeram consigo a prática da
agricultura, pastoreio e metalurgia a esta localização geográfica (ibidem, 2012, p. 44):
No século VI, nas terras próximas ao rio Juba ou a Lamu, existia o reino Xunguaia,
que talvez tenha originado a cultura suaíli. Outros afirmam que os suaíli eram
agricultores bantos, vindos dos Grandes Lagos e das montanhas de Kwale, que
desde o ano 500 se expandiram pela costa.
Podem ser citados, dentre os povos bantos, o povo denominado zimbabués, cujo significado era o de
ser a “casa do chefe”. Esse povo era chefiado pelos reis monomotapa. Há versões que relatam, por
volta do século IX, a existência dos denominados “reis carangas” (que eram conhecidos pelo nome
de monomotapa) (ibidem, 2012, p. 49).
O monomotapa era considerado um deus divino e vestia-se com sedas bordadas a ouro (ibidem, 2012,
p. 49):
Os reis caranga eram conhecidos como monomotapa, que queria dizer “o senhor
dos cativos”, o “senhor de tudo”, “o senhor das terras devastadas”, “o senhor
de todos os vencidos na guerra” ou ainda “o filho da terra”. O monomotapa
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era considerado por todos um rei divino e que possuía o poder de se comunicar
com o ser superior através dos médiuns. Além destes, era cercado e deveria
governar em consenso com os grandes chefes e os funcionários e de acordo
com os costumes da sociedade. O rei teria uma espécie de conselho formado
por nove esposas (nesse caso a palavra esposa representava um título), duas
das quais eram suas irmãs ou parentes e exerciam funções políticas. Uma outra
esposa destinava-se aos deveres sexuais e as demais atuavam como ministras.
Os filhos dos reis eram gerados com as concubinas.
Quanto aos povos habitantes da África Centro-Ocidental, podem ser citados os reinos de Luba e
Luanda, do Congo, de Loango, dos Tios, de Andongo e de Libolo. No reino do Congo, por volta do
século XV, as pessoas acreditavam que os espíritos da natureza eram os controladores da fertilidade
da terra. Os espíritos entravam em contato com os seres humanos por meio de rituais denominados de
“possessão”. E o mal, nessa acepção, era provocado por feitiçaria e que provocava toda a infelicidade
no mundo (ibidem, 2012, p. 52):
Tudo o que não era natural, como a infelicidade, as doenças e a infertilidade,
poderia ser provocado por feitiçarias, e seus praticantes eram perseguidos. No
reino do Congo, no século XVI, os feiticeiros e os bruxos eram divididos entre
os que tinham uma força maligna inata ou estavam sob a possessão de um
espírito maligno e os que utilizavam propositalmente o poder dos espíritos para
fazer o mal.
Em regiões africanas, que compreendem territórios geográficos que vão do Senegal a Moçambique,
por volta dos séculos XV e XVI, as práticas do viver cotidiano eram resolvidas totalmente por meio de
elementos do mundo sobrenatural. De acordo com Souza (2012, p. 44):
(...) numa sociedade como a nossa, na qual quase tudo é explicado pela ciência
e pelo pensamento lógico e racional, o espaço do sobrenatural é bastante
limitado. Já nas sociedades africanas, onde foram capturados os escravos
trazidos para o Brasil, toda a vida na terra estava ligada ao além, a dimensões
que só especialistas, ritos e objetos sacralizados podiam atingir.
Entre os séculos XV e XVI, antes da chegada do comércio e dos colonizadores europeus, a escravidão
entre os africanos já era conhecida. Grande parte das sociedades africanas praticava a chamada
escravidão doméstica. A escravidão era também uma prática da guerra, que era a principal fonte de
escravos. Havia, também, a escravidão por meio de sequestros, que eram realizadas como castigos
por adultério, roubo ou assassinato. De acordo com Mattos (2012, p. 58-59):
(...) Em se tratando de pequenas comunidades, a escravidão servia para aumentar
o numero de componentes da família ou da linhagem, que em média, tinha de
um a quatro escravos. Em sociedades com características urbanas, como a dos
iorubas e a dos haúças, havia mais escravos do que naquelas basicamente rurais.
A principal fonte de escravos era a guerra. Os derrotados tinham, em particular,
suas mulheres e crianças tornadas cativas (...)
Além da guerra, os sequestros eram comuns. A escravidão poderia ser também
imposta como castigos penais por assassinato, adultério e roubo.
É importante observar que a família entre os povos da África Ocidental era de grande significância,
tanto que havia um provérbio que dizia que “sem filhos estás nu”. As famílias que compunham as
aldeias atribuíam valores de extrema importância aos ancestrais mortos e aos homens mais velhos
devia-se devotar respeito e obediência. Essa concepção estava embasada na noção de que a geração
de filhos garantiria uma boa velhice e a continuidade da família. Vale, também, frisar que uma das
formas de constituição da família era por meio de rapto de mulheres, ou pagamento de dotes à
família da noiva (ibidem, 2012, p. 58).
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sagrada e não pode ser utilizada de modo imprudente. Na acepção africana, a palavra pode criar,
conservar e proporcionar a paz. Porém, também acreditam que pode, ao mesmo tempo, destruir e
causar até guerras (idem, 2012, p. 19).
Sobre os griots, pode-se afirmar que (ibidem, 2012, p. 19):
Os griots ou animadores públicos também são tradicionalistas responsáveis pela
historia, música, poesia, poesia e contos. Existem os griots músicos, tocadores
de instrumentos, compositores e cantores, os griots embaixadores, mediadores
em caso de desentendimento entre as famílias, e os griots historiadores, poetas
e genealogistas, estes são os contadores de história. Nem todos os griots tem o
compromisso com a verdade como os demais tradicionalistas. A ele é permitido
inventar e embelezar as histórias.
De acordo com a estudiosa Maciel (2011, p.2), os griots na África Ocidental na contemporaneidade,
narram tradições e costumes do cotidiano da vida africana, também, no formato tecnológico:
Griots são narradores, e suas narrativas deslocam o tempo. Insistem em se
manter presentes, insistem em afirmar o passado como presença potente, estes
narradores representificam seu passado. Na África Ocidental, a arte de narrar se
mantém como forte tradição, e vem se incorporando às novas tecnologias, e
é claro, se arrisca nestas incorporações. Os griots hoje se utilizam também de
computadores e laptops em suas narrativas.
Uma das questões fundamentais no cotidiano de muitas sociedades africanas é que seus modos de
viver, agir e sentir apresentam valores semelhantes aos dos antepassados, de modo a incorporar de
modo valioso o respeito à pluralidade e às diferenças sociais. Segundo a historiadora Souza (2012, p.
169), o grande desafio dos valores africanos no mundo contemporâneo é a valorização de sua história
e cultura, sem que se isolem das novidades dos tempos atuais:
Em muitas regiões, as pessoas mantêm formas de vida e valores muito parecidos
com os de seus antepassados ou então incorporaram de maneira proveitosa as
contribuições vindas de fora. Hoje o grande desafio das sociedades africanas é
manter o respeito à pluralidade e à diferença sem se fechar para as novidades
que podem trazer benefícios às pessoas. Este tem sido o sonho de muitos
pensadores africanos, que conhecem bem tanto os aspectos tradicionais de suas
sociedades quanto os valores e regras do mundo ocidental.
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Janeiro, sendo que Salvador recebeu escravos principalmente ligados à Costa da Mina, Guiné e golfo
de Benim e os do Rio de Janeiro vinham basicamente de Angola (idem, 2012, p. 25).
A escravidão africana não sofria oposição da Coroa Portuguesa e nem da Igreja Católica. Também
do ponto de vista legislativo, o negro não contava com leis que o protegiam contra a escravidão,
porque este era considerado um “produto”. Nesse sentido, diversas argumentações justificavam a
escravidão. Dentre estas, as mais utilizadas foram a visão salvacionista e a explicação advinda de
teorias científicas racistas.
A explicação salvacionista preconizava que o negro que, era considerado uma raça inferior segundo
ótica da cultura europeia, já se encontrava escravo na África e, então, o seu transporte para as regiões
cristãs apenas teria a preocupação em salvá-lo e civilizá-lo por meio de uma verdadeira religião.
A outra explicação tinha como base as teorias científicas racistas do século XIX, que enfatizam o
preconceito, considerando que “o tamanho e a forma do crânio dos negros, o peso de seu cérebro etc.
demonstravam que se estava diante de uma raça de baixa inteligência e emocionalmente instável,
destinada biologicamente à sujeição” (ibidem, 2012, p. 26).
Na sociedade colonial brasileira existiam distinções para o negro escravo determinadas pela visão
eurocêntrica, que se referiam ao tipo de trabalho qualificado para cada cativo. Havia o negro
considerado apto para o trabalho na casa-grande, o negro apto para ser escravo no campo ou em
grande propriedade e o “escravo de ganho” na cidade. Quanto ao escravo de ganho, Fausto relata
que (ibidem, 2012, p. 32):
Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu ´ganho´, prestando serviços
ou vendendo mercadorias, e cobravam em troca uma quantia fixa paga por dia
ou por semana. Escravos de ganho foram utilizados em pequena e em larga
escala, de um único cativo a trinta ou até quarenta. Se a maioria deles exercia
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É significativo ressaltar uma distinção entre a escravidão indígena e africana no Brasil colonial, pois
a realidade do indígena escravizado não equivalia à realidade do negro escravo. Já o índio teve uma
proteção de ordens religiosas que colocou limites em sua exploração e, inclusive, a Coroa Portuguesa
implantou políticas menos discriminatórias em relação aos índios, o que não aconteceu com os
africanos escravizados (ibidem, 2012, p. 31):
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Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores... adeus!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
...Mas é infâmia demais...
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Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!
A vida dos escravos negros nas fazendas de café, a partir de metade do século XIX, viram suas condições
de vida melhorar devido à atuação de movimentos abolicionistas. No entanto, o cotidiano do ritmo de
trabalho tornou-se mais repressivo e os castigos ampliados. Diante desse fato, as reações dos negros
cativos tornaram-se mais intensas a partir da década de 1880, com intensas insubordinações (ibidem,
2012, p. 132).
Dentre as insubordinações realizadas por escravos fugidos, podem ser citados os quilombos. Os
quilombos ou mocambos eram comunidades independentes que surgiram em diversas localidades
brasileiras e tinham como características a interação com camadas da sociedade, tais como: indígenas,
comerciantes e pequenos agricultores (ibidem, 2012, p. 137):
Alguns escravos fugidos construíam comunidades independentes, mas não
muito isoladas, para que pudessem interagir com a sociedade, comercializando
sua produção agrícola, mesmo que de forma clandestina, com a ajuda de
pequenos comerciantes, agricultores e até mesmo escravos.
À medida que os quilombos (ou mocambos) iam surgindo, cada vez em maior
número e em diferentes locais, a repressão aumentava, sendo feita por iniciativa
dos proprietários, que colocavam os capitães do mato em busca dos fugitivos ou
contratavam agregados para capturá-los, ou por iniciativa governamental, com
expedições militares e leis mais severas.
O quilombo de Palmares foi um dos que teve maior duração no tempo, dentre outros quilombos
brasileiros, e data do século XVII. Estava localizado na região da Zona da Mata, em Alagoas e havia
uma aldeia central que abarcava seis mil integrantes. O líder do quilombo foi Ganga Zumba, que fez
um acordo com o governador de Pernambuco que lhes garantiria a posse de terra em Cucaú, em
Alagoas. Entretanto, outros integrantes de Palmares não aceitaram o tratado de paz e, dentre eles,
Zumbi, que assassinou Zumba e tornou-se o novo líder de Palmares. O quilombo foi destruído em1694
por meio de uma expedição paulista. Após tentativas de fuga, Zumbi foi preso, teve sua cabeça
decapitada e exposta à sociedade (ibidem, 2012, p. 137).
Após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, o negro liberto passou a reivindicar seus direitos
sociais, como qualquer brasileiro, e vários e importantes movimentos sociais lutaram e têm lutado até
hoje contra o racismo, que insiste em vigor na realidade brasileira.
Pode-se falar em cultura afro-brasileira, à medida que os negros se integraram à cultura brasileira. O
termo afro-brasileiro faz referência aos elementos culturais produzidos como fruto da miscigenação
e mestiçagem produzida entre negros e brancos, que também tiveram misturas com elementos da
cultura indígena. Souza (2012, p. 132) ressalta que o negro está presente na cultura brasileira por
meio de seus traços físicos e, principalmente, na música e na religiosidade:
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A religiosidade é outro elemento fundamental em que consta a presença africana em nossa cultura.
No Brasil, as religiões africanas foram transformadas e nos terreiros que abrigam candomblés e
umbandas, há a força da cultura africana tanto na postura dos corpos, nos gestos, na dança em círculos
fortemente marcada pelos tambores, que são considerados, tanto no Brasil como na África, como
intermediários com o universo sagrado. Diante desse fato, o tambor não pode ser tocado por qualquer
pessoa ou em qualquer situação. De acordo com a historiadora Souza (2012, p. 133), diversos ritmos
dos tambores acompanham a incorporação de entidades:
Os ritmos acelerados que os tocadores tiram deles acompanham o transe
de médiuns, por meio dos quais as entidades do além se manifestam,
frequentemente assumindo posturas corporais e vozes diferentes. Cada ritmo
permite a incorporação de uma entidade sobrenatural, que tem toque, cores,
adereços, roupas, comidas e gestos próprios. Cada terreiro tem seus orixás, cada
médium recebe determinadas entidades, em número limitado.
Dentre outros elementos culturais que constatam a presença africana na cultura brasileira, por
fim, vale observar que a cultura africana está presente, também, na gastronomia brasileira, mais
especificamente na culinária baiana, tais como o uso da pimenta, do azeite de dendê e pratos como
acarajé, vatapá, alua e xinxim de galinha que tem receitas parecidas na África. Não se pode deixar
de mencionar que o inhame, cará e a banana vieram do continente africano (idem, 2012, p. 135).
SÍNTESE
Geralmente, a África tem sido apresentada como um continente homogêneo e concebida como uma
região sem cultura, atrasada, selvagem e primitiva, a partir de uma visão eurocêntrica, que ainda está
impregnada nos valores ocidentais. Com vistas a afastar-se desse padrão preconceituoso, as ciências
histórica e antropológica têm realizado uma revisão conceitual e crítica sobre as imagens negativas e
irreais construídas sobre o continente africano.
Nessa vertente, pode-se dizer que foi construída a visão de uma África homogênea, que não condiz
com sua realidade histórica e cultural, que é a de um continente que abriga africanidades, ou seja,
“Áfricas” no plural. Nessa linha de raciocínio, é importante que o continente africano seja apresentado
como realmente sempre foi e é: com sua vasta diversidade cultural. Sobre o referido continente, cada
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vez mais, é dada visibilidade às realidades culturais africanas, de modo a romper o silêncio quanto às
histórias de seus sujeitos sociais.
Foi debatido que, dentre os povos bantos, havia o destaque do povo denominado zimbabués, cujo
significado era o de ser a “casa do chefe”. Esse povo era chefiado pelos reis monomotapa. Há versões
que relatam, por volta do século IX, a existência dos denominados “reis charangas” (que eram
conhecidos pelo nome de monomotapa) (ibidem, 2012, p. 49). O monomotapa era considerado um
deus divino e vestia-se com sedas bordadas a ouro.
Discutiu-se que, em regiões africanas, que compreendem territórios geográficos que vão do Senegal a
Moçambique, por volta dos séculos XV e XVI, as práticas do viver cotidiano eram resolvidas totalmente
por meio de elementos do mundo sobrenatural.
Entre os séculos XV e XVI, antes da chegada do comércio e dos colonizadores europeus, a escravidão
entre os africanos já era conhecida. Grande parte das sociedades africanas praticava a chamada
escravidão doméstica. A escravidão era também uma prática da guerra, que era a principal fonte de
escravos. Havia, também, a escravidão por meio de sequestros, que eram realizadas como castigos
por adultério, roubo ou assassinato.
A oralidade é uma característica de fundamental importância para os povos africanos, desde as
sociedades mais antigas até os dias atuais. A oralidade é considerada uma forma de conhecimento
que é transmitida de geração a geração. A palavra ao ser pronunciada, na África Ocidental, não é uma
representação presente apenas na imaginação. Ao contrário, cria realidades que se concretizam na
prática, é uma presença, é ação, que produz transformações e mudanças no cotidiano vivido.
Os chamados guardiões da tradição oral são os denominados griots, que são responsáveis pela história,
artes, poesia e música da cultura africana. A oralidade é importante porque a palavra é considerada
sagrada e não pode ser utilizada de modo imprudente. Na acepção africana, a palavra pode criar,
conservar e proporcionar a paz. Porém, também acreditam que pode, ao mesmo tempo, destruir e
causar até guerras.
Discutiu-se, também, que a escravidão africana na sociedade colonial brasileira não sofria oposição da
Coroa Portuguesa e nem da Igreja Católica. Também do ponto de vista legislativo, o negro não contava
com leis que o protegiam contra a escravidão, porque este era considerado um “produto”. Nesse
sentido, diversas argumentações justificavam a escravidão. Dentre estas, as mais utilizadas foram a
visão salvacionista e a explicação advinda de teorias científicas racistas.
É de suma importância observar que, tal como os indígenas, os negros não aceitaram a escravidão
de forma passiva. Os negros resistiam por meio de diversas táticas, tais como fugas, agressões,
resistências cotidianas e até a criação de quilombos, cujo objetivo do negro era recompor formas de
organização social existentes em território africano. Os quilombos ou mocambos eram comunidades
independentes que surgiram em diversas localidades brasileiras e tinham como características a
interação com camadas da sociedade, tais como: indígenas, comerciantes e pequenos agricultores.
Após a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, o negro liberto passou a reivindicar seus direitos
sociais, como qualquer brasileiro, e vários e importantes movimentos sociais lutaram e têm lutado até
hoje contra o racismo, que insiste em vigor na realidade brasileira.
Pode-se falar em cultura afro-brasileira, à medida que os negros se integraram à cultura brasileira. O
termo afro-brasileiro faz referência aos elementos culturais produzidos como fruto da miscigenação
e mestiçagem produzida entre negros e brancos, que também tiveram misturas com elementos da
cultura indígena.
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Por fim, discutiu-se que o negro está presente em diversas dimensões da cultura brasileira por meio
de seus traços físicos e, principalmente, na música e na religiosidade.
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