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AULA 1

IDENTIDADE E COMUNIDADE
AFRICANA NO BRASIL

Profª Edimara Gonçalves Soares


INTRODUÇÃO

Povos africanos: perspectivas históricas e contemporâneas

Nesta aula, o objetivo é apresentar e refletir sobre o poder dos discursos


construídos, legitimados e institucionalizados no decorrer dos séculos sobre os
africanos, e também evidenciar os discursos e narrativas anteriores ao Iluminismo,
que descrevem o continente africano de maneira positiva, com qualidades.
Mostra-se a contribuição pioneira dos povos africanos na Idade Antiga e Idade
Média em diversas áreas do conhecimento, bem como se elucida a dispersão
desses conhecimentos por outras partes do mundo. Ao final, refletiremos sobre a
organização social/política dos povos africanos em reinos, anterior à invasão
europeia.

TEMA 1 – POVOS AFRICANOS: O OLHAR DA REJEIÇÃO

Não é uma tarefa fácil sintetizar as múltiplas narrativas, discursos e


imagens elaboradas ao longo dos séculos para caracterizar/descrever o
continente africano, e por sua vez, os africanos.
Inicialmente, é importante assinalar que o termo povos africanos não é
utilizado aqui numa perspectiva homogeneizante, que invisibiliza a diversidade e
a complexidade da história, cultura, organização social, política e econômica
desses povos.
Ao contrário, nossa trajetória de estudos se dará marcada pelo respeito às
múltiplas culturas, organização sociopolítica e econômica dos povos africanos que
historicamente foram vítimas de visões deturpadas, preconceitos e
desumanização.
Assim, o termo povos africanos é empregado a fim de sistematizar os
elementos que propiciam uma compreensão panorâmica acerca de suas
contribuições e participação na/para a história da humanidade.
Por muitos séculos, fomos ensinados e aprendemos uma “história única”
sobre os africanos, registrada pelas lentes dos colonizadores. Entretanto, é válido
compreender as origens e motivos que solidificaram bloqueios históricos e
estruturais na nossa imaginação sobre África e povos africanos.
Desta feita, nosso objetivo é evidenciar e suscitar reflexões acerca de
registros históricos sobre os povos africanos e o próprio continente africano. Trata-

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se de apresentar argumentos e discursos produzidos e legitimados pela ciência
no período dito “das Luzes”, o Iluminismo, e que se perpetuaram desde então.
Conforme Fage (2010, p. 7-8) na primeira metade do século XIX, Hegel
(1770-1831), em sua obra Filosofia da História, defendeu que “a África não é um
continente histórico; ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento”.
Essa concepção representava a África como um continente habitado por seres
desprovidos de inteligência, dominados pelos instintos primitivos, naturais,
portanto, ali era impossível a existência de história e cultura.
O filósofo Voltaire (1978, p. 61), em sua obra Tratado da Metafisica, buscou
descrever/compreender o que é um homem, na perspectiva filosófica. Em sua
incursão filosófica, demonstra profundo desprezo, rejeição e desumanização em
relação aos africanos/negros. Ele define o homem negro/africano como:

Um animal preto, que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas


patas, é quase tão destro quanto um símio, é menos forte do que animais
de seu tamanho, provido de um pouco mais de ideias do que eles e
dotado de maior facilidade de expressão. (Voltaire, 1978, p. 62)

A Encyclopédie, de Diderot (1778-1779), nos verbetes negro e África,


apresenta uma descrição dos povos africanos, afirmando que:

Não somente sua cor os distingue, mas eles diferem dos outros homens,
pelos traços de seu rosto, narizes largos e chatos, lábios grossos, lã no
lugar dos cabelos, que parecem constituir uma nova espécie de homem.
(Voltaire, 1978, p. 62)

Conforme Cohen (1981), no século XVI, Jean Léon L’Africain era


responsável por veicular a imagem dos negros/africanos na França, e ele fazia a
seguinte narrativa:

São brutos sem razão, sem inteligência e sem experiência. Eles não têm
absolutamente nenhuma noção do que quer que seja. Eles assim vivem
como as bestas, sem regras e sem lei. (Cohen, 1981, p. 24)

Ainda na mesma linha de pensamento, isto é, de inferiorização,


desumanização e depreciação dos povos africanos/negros, Gobineau, citado por
Banton (1977, p. 55), defende a tese de que “todas as civilizações derivam da raça
branca, e que nenhuma outra pode existir sem a sua ajuda, e que uma sociedade
só é grande e brilhante se conservar o sangue puro do nobre que a criou”.
Importante destacar que a forma de pensar defendida pelos autores
iluministas representa o conjunto de ideias, concepções e descobertas desde o
Renascimento, e no Iluminismo ganha relevância e eficácia. Assim, mediante a
conjuntura histórica vivida naquele momento (expansão
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territorial/dominação/exploração/escravização), era preciso defender e justificar
no âmbito científico todas as ações favoráveis ao projeto de rejeição,
desqualificação e superioridade.
Os intelectuais europeus eram convictos de que suas teses deveriam ser
as únicas aceitas e legitimadas, e instituíram a partir dos seus padrões culturais e
sociais o que e como pesquisar, logo, o que não estava dentro do enquadramento
europeu não tinha valor. Em relação à África e aos povos africanos, as
elaborações teóricas eram unânimes no estranhamento, desmerecimento e
desumanização.
Assim, paulatinamente foram criando e fixando significados valorativos
sobre os grupos humanos, e isso vai se constituir na hierarquização da
diversidade humana com respaldo científico. Os valores e princípios dos europeus
foram tomados como referência, para tanto, evidenciavam características
desejáveis, positivas, corretas, superiores.

TEMA 2 – POVOS AFRICANOS: O OLHAR DA AFIRMAÇÃO

Até aqui vimos, como o olhar estrangeiro descreveu/caracterizou os povos


africanos, validou narrativas discursivas carregadas de significados e sentidos,
cujos efeitos foram deletérios para imagem e representação da África e dos
africanos.
O século XVIII, conhecido como Século das Luzes, teve como um dos
grandes desafios de seus intelectuais, pesquisadores e cientistas desvendar as
origens da diversidade humana. O encontro com povos africanos instigou uma
dúvida potente sobre o “conceito de humanidade até então conhecido nos limites
da civilização ocidental” (Munanga, 2003, p. 31).
Nessa época, os conhecimentos e explicações sobre a natureza e a
sociedade eram de domínio da Igreja e do principado, então, os filósofos
iluministas irão problematizar/tensionar o monopólio desses conhecimentos.
Conforme Munanga (2003, p. 17), eles passaram a refutar uma “explicação cíclica
da história da humanidade, para buscar uma explicação baseada na razão
transparente e universal e na história cumulativa e linear”.
Mas existem outras narrativas, outras percepções e expressões deixadas
por viajantes europeus e árabes anteriores ao Iluminismo e às expedições com
interesses lucrativos e a necessidade de assinalar a diferença insignificante e

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desprezível. Essas narrativas nos mostram de maneira digna sobre a organização
política, a beleza, riqueza dos povos africanos.
Conforme Munanga e Gomes (2006, p. 32), entre os séculos IX e XI,
viajantes árabes e europeus descreviam a África e os africanos com imagens e
narrativas autênticas contemplando as diversas realidades culturais, naturais,
políticas, sociais. Ainda segundo o autor, muitos deixaram relatos expressando
admiração com as formas de organização política, “altamente elaboradas e
socialmente aperfeiçoadas, entre as quais se alternavam reinos, impérios,
cidades-estados e outras formas politicas baseadas no parentesco, como chefias,
clãs, linhagens etc.”.
Nesse sentido, o viajante alemão Barth, em 1800, narra suas percepções
sobre uma cidade da África ocidental, com o seguinte relato:

Taiwa foi a primeira grande cidade que eu vi num país propriamente


negro. Ela me deixou com uma boa impressão, pois em toda parte
aparecem signos evidentes da vida confortável e agradável em que
viviam os nativos. [...] O caráter dos próprios habitantes estava em
completa harmonia com suas residências, tendo como traço essencial
uma felicidade natural, uma preocupação para gozar da via, amar as
mulheres, a dança, os cantos, mas sem excesso. (Oliver; Atmore citados
por Munanga; Gomes, 2006, p. 33)

Para corroborar o relato, outro viajante e pesquisador, também alemão Leo


Frobenius, comenta sobre outras cidades africanas e sua população, que
conheceu na África central, dizendo que:

Quando penetrei na região do Kassai e do Sankuru, encontrei ainda


aldeias cujas ruas principais tinham quilômetros com fileiras de
palmeiras e cujas residências eram decoradas de maneira fascinante
como se fossem obras de arte. Não vi homens que não carregavam no
cinto suntuosas armas de ferro e cobre, havia por toda parte tecidos de
veludos e seda. Cada taça, cada cachimbo, cada colher eram uma obra
de arte, totalmente dignos de comparação com as criações europeias.
(Oliver; Atmore citados por Munanga; Gomes, 2006, p. 33)

Nesse sentido, é possível evidenciar que o “ser humano é animal histórico.


Os africanos não fogem a essa definição. A consciência histórica que os africanos
possuem de sua própria história e da história em geral está marcada por seu
singular desenvolvimento” (Ki-Zerbo, 2010, p. 20).
Mas, então, quais motivos levaram à afirmação de Hegel de que a África
era um continente sem história? Um dos principais motivos é a raridade de fontes
escritas, nos padrões europeus.

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Segundo Nascimento (1994) “os hieróglifos eram grafados em papiro,
contraste com a escrita cuneiforme da Babilônia, registrada em pedra ou barro,
materiais duráveis”.
Conforme Ki-Zerbo (2010,) a produção de novos saberes sobre a história
da África e os povos africanos ficou ainda mais difícil a partir do século XIX,
quando na Alemanha é instituída uma concepção de trabalho/científico
historiográfico fundada sobre a análise estrita e precisa de fontes escritas.
Outros intelectuais também argumentavam sobre a inexistência de história
dos africanos anterior à chegada dos europeus. Para Nascimento (1994, p. 29),
essa concepção se difundiu porque “a história africana convencional foi escrita
com base em documentos exógenos”.
Assim, a compreensão histórica acerca dos povos africanos, a partir de
uma perspectiva afirmativa, requer um olhar analítico/interpretativo com lentes
produzidas pelos próprios africanos, isto é, olhar que ao mesmo tempo é de dentro
e de fora.
Essa perspectiva, pode ser sintetizada pelas palavras de Serrano e
Waldaman (2007, p. 16), quando defendem que a realidade africana seja
compreendida “a partir dos próprios pressupostos civilizatórios [...] pensar o outro
de modo que deixe de constituir um objeto para tornar-se sujeito de dado processo
social”.

TEMA 3 – POVOS AFRICANOS: INVENÇÕES TECNOLÓGICAS E CIENTÍFICAS

Segundo Cunha Junior (2010), o elemento básico para compreender a


História Africana e dos povos africanos encontra-se sobremaneira na
desconstrução e eliminação dos preconceitos e ideologias racistas. Assim, o
preconceito e as informações com viés racista realizam o papel de feitores
invisíveis que foram/vão chicoteando as possiblidades de imaginar o diferente e
as diferenças no sentido da diversidade humana.
Os estudos antropológicos indicam que a primeira revolução tecnológica da
humanidade ocorreu na África, onde os grupos humanos passam da prática da
caça e coleta para agricultura e pecuária. No vale do rio Nilo, a agricultura data de
aproximadamente 18 mil anos atrás, portanto, mais antiga em relação ao
Sudoeste da Ásia.
Já o surgimento da pecuária os registros indicam 15 mil anos atrás, próximo
à atual Nairóbi (Quênia), com uso de técnicas sofisticadas de animais que deve

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ter se dispersado para os vales dos rios Tigres e Eufrates. (Van Sertima, citado
por Nascimento, 1994).
Referindo-se ao desenvolvimento africano, Cunha Junior (2010) destaca
que até o século XVI há uma diversidade de conhecimentos presentes na África
e ainda ausentes na Europa. Segundo ele, alguns conhecimentos técnicos e
tecnológicos foram desenvolvidos dentro do continente africano, outros foram
adquiridos pelo intercâmbio com a China, Índia e países árabes.
Do mesmo modo, Nascimento (1994, p. 25) corrobora que as “tecnologias
de mineração e metalurgia, [...] a medicina, as ciências, a medicina, a matemática,
a engenharia, a astronomia, enfim, todo um cabedal de conhecimento tecnológico
caracterizava os estados africanos”. Todavia, isso não significa que todos os
povos africanos possuíam as mesmas habilidades e que estavam no mesmo
patamar de conhecimentos, portanto, nem todos sabiam lidar com cobre, ouro,
ferro.
Para Silva (2008, p. 1), “o conhecimento da metalurgia do ferro na África
Central é bastante antigo”. A relevância do ofício de ferreiro é evidenciada nos
mitos produzidos sobre eles, nos quais a figura central do ferreiro remete à
realeza, ao poder e ao universo simbólico, sobrenatural. Conforme a autora, a
concepção e o interesse dos africanos da África Central se diferenciavam dos
europeus, cujo interesse se restringia à questão econômica/lucrativa com os
minerais.
Nessa reflexão sobre a relação de alguns africanos com a metalurgia,
Nascimento (1994) contribui argumentando que os povos aya, de fala banta,
produziam aço em fornos que atingiam temperaturas próximas aos quatrocentos
graus centigrados, superando os fornos europeus até o século XIX. A autora
salienta que esse fenômeno foi estudado por quase uma década pelo antropólogo
e historiador Peter Schmidt, junto com os aya. A antiga tecnologia de fundição foi
reproduzindo a partir da tradição oral guardadas pelos anciãos.
No campo da saúde, o grego Hipócrates foi legitimado e consagrado até
hoje como “Pai da Medicina”, entretanto, estudiosos e pesquisadores contestam
essa reverência, afirmando que o verdadeiro “Pai da Medicina” foi o cientista e
clínico egípcio Imhotep, que quase 3 mil anos antes de Cristo tinha domínio de
diversas técnicas básicas da medicina. Conforme Nascimento (1994, p. 25), o
documento que comprova esse saber é o papiro encontrado por Edwin Smith:

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De fato, o papiro Edwin Smith comprova a existência de uma medicina
objetiva e científica destituída de teorias e magia, com uma exceção só,
e fundamentada na atenta e repetida observação do paciente, na
observação clínica, e num conhecimento da anatomia de que, até o
momento, ninguém suspeitava. (Newsome citado por Nascimento, 1994,
p. 25)

Para Souza e Mota (2003), a medicina egípcia consolidava seus


conhecimentos a partir de experimentos e estudos focalizados para o interior do
organismo humano. Esse exame acurado do interior relacionava-se com as
práticas/técnicas da mumificação, do embalsamento dos corpos dos faraós e
pessoas com notoriedade social.
Ainda no campo da saúde, os povos banyoro já faziam a cirurgia de
cesariana antes do ano de 1879. O médico e cirurgião inglês Felkin conheceu as
técnicas e descreveu que havia assepsia, anestesia, hemostasia e cauterização.
Além disso, os banyoro possuíam conhecimentos em relação a vacinas e
farmacologia. No Mali e no Egito, foram encontradas evidências de
conhecimentos médico-cirúrgicos na operação dos olhos para remoção de
cataratas (Nascimento, 1994).
Na região do antigo Mali, os africanos da nação dogon detinham
conhecimentos em relação à astronomia. Existem registros que atestam seus
conhecimentos sobre a Via Láctea desde cinco séculos antes da Era Cristã, com
sua estrutura espiral, as luas de Júpiter e os anéis de Saturno. Compreendiam a
existência do universo habitado por milhões de estrelas e que a Lua refletia o Sol
à noite (Souza; Motta, 2003).
Da concepção de um cientista ocidental, os dogon conhecem, desprovidos
dos aparatos da ciência moderna coisas, que “não têm o menor direito de saber”
(Brecher, citado por Nascimento, 1994, p. 27).

TEMA 4 – POVOS AFRICANOS E A DISPERSÃO DE CONHECIMENTOS

Conforme Nascimento (1994), os conhecimentos e princípios da civilização


egípcia foram dispersos por todos os cantos do mundo. Pesquisas e estudos
recentes comprovam a presença africana na Europa, Ásia e América na Idade
Antiga. Assim, os povos africanos se fizeram presentes, influenciando e
enriquecendo as outras civilizações.
Nesse sentido, Fonseca (2004) argumenta que o continente africano, além
de ser o berço da humanidade, é, também, o das civilizações. Para Nascimento
(1994, p. 44), o Egito Antigo é a fonte da civilização ocidental, portanto, com base

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em pesquisas contemporâneas, revela que “os sistemas teológicos e filosóficos
gregos também se originaram no Egito, em que vários escritores [...] como
Sócrates, Platão, Tales, Anaxágoras e Aristóteles estudaram com sábios
africanos”.
Para fundamentar seus argumentos, Nascimento (1994) referencia George
G. M. James (1954), que documenta o fato de que, na verdade, grande parte
desses conhecimentos foi levada embora.
O eurocentrismo buscou de todas as formas possíveis ocultar, destruir e
pilhar toda e qualquer evidência de progresso e desenvolvimento que
posicionasse o continente africano num estágio mais avançado em relação à
Europa. Por isso, durante muito tempo foram construídos imagens e discursos
que tentaram retirar o Egito da África, “inventaram uma suposta raça vermelho
escura, para não dizer que lá viviam negros” (Nascimento, 1994, p. 44).
A tentativa de apagamento da civilização egípcia e dos conhecimentos
produzidos e disseminados pelo mundo foi uma constante na História da
Humanidade. Não é estranho que no imaginário popular, e mesmo em alguns
locais culturais (museus), o Egito seja posicionado como país branco, em que
suas invenções foram transferidas para as “verdadeiras civilizações”, ou seja,
europeus-gregos.
Assim, há uma nítida negação do que foi a civilização egípcia, como bem
analisa Nascimento (2001), quando diz que:

Numa espécie de passe de magia branca, apaga-se o conhecimento


construído por uma civilização ao longo de quatro milênios e surge o
grego como o primeiro construtor da filosofia e da ciência. O problema é
que a pirâmide e a produção agrícola do povo do rio Nilo são frutos da
construção, ao longo de milênios, de um profundo e desenvolvido
conhecimento humano. (Nascimento, 2001 p. 127)

Todavia, os gregos antigos reconheciam a influência/intercâmbio do


conhecimento anteriormente desenvolvido no Egito, respeitavam seu
desenvolvimento intelectual e cultural. As investigações científicas mais profundas
fundamentaram a tese de Diop (2010) de que o Egito africano se destaca entre as
raízes da civilização ocidental.
O autor defende que o Egito é um país negro, com uma civilização criada
por negros. Manteve intercâmbio com o restante da África desde a época da
quarta dinastia, quando grandes expedições eram enviadas ao Sul pelo Mar
Vermelho. Comerciantes egípcios se deslocavam ao Sul e ao Ocidente do
continente.
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TEMA 5 – POVOS AFRICANOS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

É uma tarefa desafiadora a diversidade das dinâmicas sociais


experienciadas em distintos espaços geográficos durante vários séculos pelos
povos africanos. Aqui, não iremos estudar sobre os atuais Estados africanos,
criados após independências.
Para Cunha Junior (2008), dos cinco continentes do globo, o africano é o
que tem a imagem mais homogênea aos olhos do estrangeiro, mediante a
extensão geográfica do continente africano. O olhar estrangeiro é comumente
carregado de preconceito e estereótipo, mediante a extensão geográfica do
continente africano.
Não é novidade que as pesquisas, estudos, debates e reflexões no âmbito
acadêmico sobre a organização das sociedades africanas teve início na Europa.
O propósito era conhecer para dominar; dito de outra forma, adquirir/reunir o
máximo de informações sobre o modo de vida originário e as diversas formas de
organização social para desestabilizar e subjugar (Bah, 2015).
Segundo Souza (2007, p. 31), as sociedades africanas formaram “grandes
reinos, como o Mali, Songai, Oio, Axante e Daomé. Outras eram agrupamentos
muito pequenos que caçavam e coletavam o que a natureza oferecia ou
plantavam o suficiente para o sustento da família e do grupo”.
Seria impossível em poucas páginas apresentar as especificidades que
constituem cada sociedade africana, anterior à colonização. Então, iremos tratar
de alguns pontos semelhantes dessas sociedades, com apoio na obra África e o
Brasil Africano, de Mariana de Mello e Souza.
Assim, a primeira semelhança que podemos evidenciar é que todas as
sociedades africanas, “das mais simples às mais complexas se organizavam a
partir da fidelidade as relações de parentesco” (Souza, 2007, p. 31).
A segunda semelhança comum era o comércio, as trocas comerciais.
Assim,

as sociedades haviam desenvolvido formas de vida adequadas a cada


região, vivendo do que conseguiam retirar e produzir a partir da natureza.
[...] Os diferentes grupos trocavam seus produtos por meio do comércio
de curta, média ou longa distância, havendo uma complementariedade
entre produções típicas de cada lugar. (Souza, 2007, p. 43)

Por fim, a terceira semelhança presente na organização das sociedades


africanas era a prática religiosa. Sobre esse elemento comum, Souza (2007,

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p. 45) argumenta que “a religião esteve presente no exercício do poder, na
aplicação das normas do convívio do grupo, na garantia da harmonia e do bem-
estar da comunidade”.
Até aqui, evidenciamos três elementos que conferem semelhanças às
sociedades africanas; além desses, podemos conhecer outros. Conforme Serrano
e Waldan (2007, p. 137) nas sociedades africanas existe o pressuposto de um
“sistema de forças – incluindo deuses, ancestrais e mortos de linhagens”. Tais
valores existem auxiliam na organização dos espaços (étnico, clânico, das
linhagens e do aldeão).
Ainda segundo os autores, o “sistema de forças” cria uma hierarquia das
estruturas sociais, elegendo “critérios de ancianidade”. Assim, o ancião
desempenha um papel fundamental na organização social dos povos africanos.
Segundo Leite (1996, p. 109), “os ancestrais negro-africanos constituem,
juntamente com a sociedade e sem dela separar-se, um princípio histórico
material e concreto capaz de contribuir para a objetivação da identidade
profunda”.
A ancestralidade é conceito difícil de ser fechado em uma única definição.
Com apoio de Oliveira (2007, p. 257), que nos mostra várias dimensões que esse
conceito abarca, em síntese, podemos compreender que a ancestralidade é “uma
categoria de relação, ligação, inclusão, diversidade, unidade encantamento. [...]
Indica e esconde caminhos. A ancestralidade é um modo de interpretar e produzir
a realidade”.
Na concepção de Lopes (2004, p. 59), ancestral remete a antepassado e
“para o africano, o ancestral é importante e venerado porque deixa uma herança
espiritual sobre a Terra, contribuindo assim para a evolução da comunidade ao
longo da sua existência”.

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REFERÊNCIAS

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