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Artigo

O Pensamento Iluminista e o seu desencantamento para África

Trata-se de uma herança maldita (sem mencionar as feridas, ainda latentes, causadas pela
colonização e pelo imperialismo), sem dúvida. O Iluminismo é a epifania paradoxal que resulta
das entranhas duma conjuntura Moderna. “A Modernidade é um projecto falhado”.

No século XVIII, uma nova corrente de pensamento começou a tomar conta da Europa
defendendo novas formas de conceber o mundo, a sociedade e as instituições. O iluminismo
aparece nesse período como um desdobramento de concepções desenvolvidas desde o período
renascentista, quando os princípios de individualidade e razão ganharam espaço nos séculos
iniciais da Idade Moderna.

O iluminismo1 é a saída do homem da sua menoridade de que ele


próprio é culpado. A menoridade é incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação
de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de
entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação
de outrem (Kant, 1995 p. 481-482).

No silêncio tenebroso da noite fria, que permitia que os “Nobres da aristocracia medível”, se
aconchegassem na mais cara e luxuosa gama de tecidos, que lhes aquecia, enquanto as entranhas
do esforçado servo congelavam, até que as cordas vocais não lhe permitissem libertar-se da
sensação desesperadora que acompanha o “socorro”. Sem dúvida ele clamava pela vida em
silêncio, adoecia sabendo de que a única explicação, séria à de que estava sendo punido por um
“Ente Superior”. Na ausência da imaginação, o silêncio tomava conta das páginas de um
manuscrito em que se enaltecia a figura de quem dava os melhores banquetes, e de quem tinha
sobre sua posse o melhor vinho.

1
Seria só após a Revolução Francesa que este modelo de racionalidade se estenderia mais fortemente às outras nações e
sociedades. Paradigmas que acabavam por reconduzir a duas distinções fundamentais do saber: primeiro, o conhecimento
científico sobrepondo-se ao conhecimento religioso e do senso comum e; em segundo, entre a natureza e a sociedade. O
conhecimento, portanto, avançaria as fronteiras do imaginário e teria um carácter descomprometido e livre pela observação
científica (Santos, 1987).
Isto é, em uma época, em que o épico amor pela ciência náutica dava a conhecer o que foi
chamado de “Circulo navegação”, o antagonismo medível que destruía tudo que tocasse,
manifestava a sua perturbação e perplexidade perante a atitude daqueles que em prol da ciência
clamavam numa só voz pela Racionalidade. O iluminismo trouxe instrumentos do intelecto
capazes de decifrar as “normas” que organizam o mundo. Deu vida a ciência, reinventou o
“Homem”, a maneira de relacionar-se com o mundo. Mas também corrompeu o “Homem”,
revelou literalmente a sua natureza mais obscura, deu primazia a propriedade privada, deu
origem aos capitalistas sanguinários, gananciosos, ditadores, movidos pelo desejo de dominar,
capazes de firmar os seus Impérios em uma vala de ossos secos, por cima daqueles que “por
causa da voz dos seus gemidos, os seus ossos se apegavam à sua pele2”.

É interessante destacar que os consagrados pensadores, intelectuais, defensores, portadores dos


ideais iluministas, colocaram como o centro gravitácional da vida a “Racionalidade”. Contudo, é
na dita ausência da racionalidade que:
“ (…) A geração de 1880-1914 assistiu a uma das mutações históricas mais
significativas dos tempos modernos. Com efeito, foi no decorrer desse período que a África, um
continente com cerca de trinta milhões de quilómetros quadrados, se viu retalhada, subjugada e
efectivamente ocupada pelas nações industrializadas da Europa” (Boahen, 2010, p. 21).

Entretanto, na hipocrisia dos “portadores dos ideais iluministas”, África habitada por povos de
diferentes grupos étnicos e linguísticos, constituindo assim, um mosaico cultural, era tido como
um Continente obscuro, tenebroso, impenetrável, cuja ausência de um “Ente Superior”,
justificava-se pela prática de cerimónias aos antepassados, ritos mágicos religiosos (Os africanos
não têm religião eles são religiosos). A um ritmo completamente diferente dos ideais iluministas,
as mamanas de seios e bunda enorme dançavam ao som do Xicubo, e da Mbira3, no tom da cor
da pele negra as actividades das sociedades africanas remodelavam-se no nascer e no deitar do
Sol.

2
Bíblia Sagrada (Antigo Testamento). Versículo: Salmos - 102:5.
3
A mbira, uma identidade cultural, com todo um sistema de estratificações sociais do religioso e do profano, permitiu manter,
para além das fronteiras geográficas, a coesão cultural de uma comunidade. Em suas múltiplas formas, a mbira constitui um
indicador da evolução interna das culturas músicas da África.
“Fui humilhado, cuspido, subjugada, fizeram-me escravo, estrangeiro na minha própria terra,
ainda chamaram-me irracional”. Ser diferente é difícil! O incompreensível. Isto é, o homem
moderno enquanto ser, é norteado pelos princípios de individualidade e razão, que é a saída da
sua menoridade de que ele próprio é culpado, sendo capaz de romper com toda explicação
teológica. Então, o pensador iluminista quando lhe é apresentado um paradigma sociocultural,
político e religioso, duma África completamente diferente da concepção que tem do mundo, ele
desespera-se, por ser incapaz de responder as perguntas que geralmente, respondia o (Por quê?
Como? Onde? e para quê?).

O iluminismo resultou consequentemente no imaginário colonialista eurocêntrico, que criou


separações e categorias pejorativas incorporando-as às sociedades africanas, justamente para
defini-las como etnias.

A nomenclatura de visão estática dos exploradores (viajantes, missionários, antropólogos e


militares coloniais), objectivavam denegrir status social dos povos africanos para legitimar suas
missões “civilizatórias” em prol de um iluminismo antagónico, causando cobiça e destruição. O
certo é que os africanos, já estruturavam suas sociedades há milhares de séculos, cada povo em
África tem sua norma cultural, linguística, política e uma forma de viver pelo qual se identificam
tanto para marcar as diferenças, assim como para demonstrar as diversidades entre eles. Isto é,
uma civilização estruturada pelas realidades nativas. A vastidão continental africana fez dele um
imenso espaço de valores de todos os tipos que serviram de identidades, as sociedades foram
organizadas e desenvolvidas conforme as normas locais e levando em consideração os valores
particulares de cada grupo.

Nhancole Miraldo.

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